Direcção: Pedro Costa Azevedo
Nº 65 Outubro 2014
Colaboração: Sara Félix
Rui Ferreira d’ Apresentação
Madalena Nascimento
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EDITORIAL
Nesta edição, trazemos a público dois acórdãos da Relação do Porto que se
debruçam sobre dois aspectos que constituíram novidade no Código
Processo Civil de 2013: a prova por declarações de parte e a atendibilidade
de certos factos carreados para o processo durante a fase de audiência
final, sem que tenham sido alegados pelas partes. Concordando-se mais
ou menos com estas inovações, é importante que os advogados conheçam
de modo profundo as suas regras, até porque, pela própria natureza da
nossa actividade, tanto poderemos ser prejudicados como beneficiados
com a sua aplicação.
A prova por declarações de parte veio responder a uma velha pretensão
daqueles que recorrem ao tribunal e que, no processo civil (e nos que
seguem o regime deste), lhes era negada: falar, a seu pedido, perante o
juiz, abrindo a alma e o coração, com tudo o que isso tem de salutar, mas
também de inconveniente. Foi essencialmente pensada para aquelas
situações em que a prova ao dispor da parte é escassa, como um acidente
de viação ocorrido num local ermo, ou uma relação laboral, numa empresa
pequena, em que os factos são presenciados apenas pelos intervenientes
directos.
No entanto, a este repeito, no acórdão que agora se publica, o tribunal vem
alertar que “seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o
auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou
testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte
alegados e por ela, tão só, admitidos”. À imagem do que têm sido algumas
decisões já conhecidas, o tribunal acaba por colocar alguma água na
fervura, chamando a atenção para a impossibilidade de se utilizar a prova
por declarações de parte para “salvar” aqueles casos em que todos os
restantes meios de prova faliram. Pese embora a livre apreciação que o
juiz possa fazer acerca do que é dito pelo próprio Autor ou Réu, deve existir
sempre a noção de que se trata dos intervenientes na causa e, por isso,
têm necessariamente uma visão parcial e interessada na questão. Deste
modo, deverá sempre existir algum outro meio de prova que, sumária ou
indiciariamente, sustente o que é dito pela parte, em sede de declarações.
A atendibilidade dos factos complementares ou concretizadores dos que as
partes hajam alegado, certamente pela alteração da sistematização da
previsão legal, apesar de já estar prevista no anterior código, foi um dos
aspectos que tem levantado maior polémica, no novo código. Falou-se no
fim do princípio do dispositivo, na menorização do papel do advogado e
num processo sem regras, totalmente aberto e de desfecho totalmente
imprevisível.
Porém, também aqui o acórdão que hoje trazemos acalma um pouco os
ânimos. Pese embora defender que os factos podem ser considerados pelo
juiz da causa, sem que exista uma manifestação expressa de vontade da
parte a quem eles aproveitam (deixando, portanto, de se exigir, tal como
acontecia no anterior código, um requerimento da parte nesse sentido),
decidiu o tribunal que essa consideração “não pode ser feita sem que as
partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de
tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa
sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a
possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles”. Assim, resta
pouco espaço para a surpresa e para o desfecho imprevisível que, de resto,
seria dificilmente compatível com o princípio do contraditório, um dos
alicerces da nossa lei processual.
Pedro Costa Azevedo
PARECERES DO CONSELHO DISTRITAL
GARANTIAS DO ADVOGADO
Parecer nº 35-PP-2014
Conclusões:
1. A placa identificativa do escritório de Advogado apenas deve conter
informação que se destine a identificar a existência de um escritório de
advogado naquele local e o seu nome.
2. Assim, a placa identificativa de escritório de Advogado apenas deve
permitir a identificação da qualidade de advogado e o local do seu domicílio
profissional
3. Não é, por isso, permitido colocar na placa informação sobre os
serviços que o Advogado se propõe prestar aos seus clientes.
4. O vindo de expor aplica-se, igualmente, às vitrinas e janelas do
escritório do Advogado.
JURISPRUDÊNCIA
DIREITO COMERCIAL
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 585/2014 de 17.09.2014
O TC julgou inconstitucional “por violação do princípio da igualdade
consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma que resulta
das disposições conjugadas do artigo 15.º do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18
de março, e do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil,
interpretados no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no
incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência,
o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que
se recorre é determinado pelo ativo do devedor.”
Citando o acórdão n.º 328/2012, para cuja fundamentação remete, o TC
concretizou que a “articulação desse valor (valor do activo) com a alçada
do tribunal e a correspondente irrecorribilidade das decisões que a não
superem não colide com a Constituição (Acórdão n.º 348/08). Porém, a
aplicação irrestrita desse mesmo critério para efeitos de determinação de
recorribilidade das decisões relativas à exoneração do passivo restante
conduz a um resultado contrário à própria razão que justifica a
irrecorribilidade das decisões proferidas em causas de valor inferior à
alçada do tribunal de que se recorre.”
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 588/2014 de 17.09.2014
No presente aresto, o TC julgou inconstitucional, por violação do disposto
no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, a norma constante do artigo 721.ºA, n.º 2, c) do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que a
não junção de cópia do acórdão fundamento com menção do trânsito em
julgado dá lugar à imediata rejeição do recurso sem que antes o recorrente
seja convidado a suprir essa deficiência.
Para tanto, o TC sufragou o entendimento de que “o ónus imposto pela
interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os
interessados em recorrer”, sendo que “a sanção do não recebimento do
recurso com fundamento no incumprimento desse ónus, sem que lhes seja
dada uma específica oportunidade para o cumprir, revela-se uma solução
manifestamente injusta”; além disso, “a imposição de um ónus imprevisto,
perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo
como consequência para a sua inobservância a perda imediata e
irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o
direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial”.
DIREITO FISCAL
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.09.2014
(Proc. 07035/13)
Neste processo, discutia-se a legalidade do despacho de um chefe de
Serviço de Finanças, no âmbito de uma execução fiscal, que determinou o
arrombamento da porta do imóvel vendido nessa execução (um prédio de
habitação), para entrega ao adquirente, sem intervenção do tribunal.
Decidiu o TCA Sul que “não se mostrando existir por parte do órgão da
execução fiscal um pedido fundamentado ao juiz de modo a proceder ao
arrombamento da habitação em causa, não se pode manter tal acto que
determinou e publicitou tal diligência”. Entendeu o tribunal, apoiando-se
em doutrina publicada, que, mesmo com as alterações da Lei 55-A/2010,
relativas aos poderes da administração fiscal nas execuções fiscais, nestes
casos, “não se poderá dispensar a intervenção do tribunal, por força do
disposto no art. 34.°, nº 2, da CRP”.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2014
(Proc. 419/11.1TAFAF.G-A.S1)
O STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que, sob pena de sanação,
a nulidade prevista no artigo 363.º do CPP deve ser arguida perante o
Tribunal, em requerimento autónomo, no prazo de 10 dias a contar da data
da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação
ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período
de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação acompanhado do necessário suporte técnico - e a efectiva satisfação desse
pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do CPP.
Entendeu o STJ que, de acordo com o propósito legal, o sobredito regime
vem “permitir o controlo tempestivo da perceptibilidade da gravação pelos
sujeitos processuais interessados e, desse modo, criar as condições de um
regime eficaz e célere de suprimento de vícios da documentação de
declarações orais”. Por outro lado, considerou que “a imposição de que o
interessado proceda ao controlo da qualidade dessa gravação, por via do
procedimento instituído pelo n.º 3 do artigo 101.º, nada tem de ilegítimo
por não prejudicar o “acesso ao direito” (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição
da República) nem comportar qualquer prejuízo do “direito ao recurso”
(artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República)”.
DIREITO DO TRABALHO
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.09.2014
(Proc. 101/13.5TTMTS.P1)
Este acórdão debruça-se sobre a valoração da publicação por trabalhador
de comentários relativos à organização e vida interna da entidade patronal
nas redes sociais, concretamente, nos designados “grupos fechados” do
facebook, para efeitos de despedimento por causa imputável ao
trabalhador.
Sem descurar a consideração pelos direitos de reserva da intimidade da
vida privada e de liberdade de expressão e de opinião do trabalhador,
conclui o aresto: “no mundo da internet, em que as redes sociais e os blogs
permitem a qualquer autor colocar as informações e fazer as afirmações
que pretende, é inaceitável que a liberdade de expressão e de comunicação
não tenham qualquer tipo de limites externos. De outro modo, aquela
página do facebook equivaleria a uma coutada ou um feudo, na qual todos
os comentários proferidos, por mais graves e torpes que pudessem ser,
estariam subtraídos e imunes ao poder disciplinar do empregador, o que
poderia colocar em causa o normal funcionamento da empresa
(nomeadamente ao nível do relacionamento dos colaboradores entre si,
que se pretende cordato, respeitador e caraterizado pela sua urbanidade),
bem como a sua reputação e o bom nome”. Decidindo-se, com base no
número de elementos do “grupo fechado” e na possibilidade de aqueles
reproduzirem ou republicarem os comentários do trabalhador, que nunca
se poderia sustentar uma expectativa de privacidade. Pelo que, com tal
conduta o trabalhador violou deveres profissionais, não merecendo
qualquer censura a decisão de despedimento pela entidade patronal.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.09.2014
(Proc. 3596/12.0TJVNF.P1)
Este aresto debruça-se sobre os factos carreados para o processo e a
atendibilidade dos mesmos, em comparação do novo código com a anterior
lei processual civil.
Não obstante a controvérsia na doutrina, entendeu a Relação do Porto que
à luz do novo CPC pode o juiz conhecer factos complementares ou
concretizadores oficiosamente, sem depência da arguição pelas partes,
devendo contudo salvaguardar a possibilidade de as partes contraditarem
tais factos. Por sua vez admite que possa a instância de recurso valorar
factos que resultem da instrução da causa e que tenham sido confessados
no âmbito do depoimento de parte, não obstante não terem sido
considerados pelo juiz de 1ª instância.
Assim decidindo, “inclinamo-nos para a consideração oficiosa de tais factos
que surjam durante a instrução da causa. É claro que, essa consideração
oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou
seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem
que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do
contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova
sobre eles.
É que, se assim não for, não vemos porque é que o legislador não manteve,
sobre este aspecto, a redacção do art. 264.º, nº 3 do anterior CPC.”
PROCESSO CIVIL
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.09.2014
(Proc. 216/11.4TUBRG.P1)
No presente acórdão o TRP entendeu que as declarações de parte,
instituídas pelo novo CPC, não têm a mesma força probatória que os
restantes meios de prova.
Apesar de ter decidido em total concordância com a decisão da primeira
instância, que reputou por incongruentes as declarações da parte em
causa, o TRP em jeito de comentário final, considerou que este meio de
prova produz “declarações interessadas, parciais e não isentas, em que
quem as produz tem um manifesto interesse na acção.
Segundo este tribunal “seria de todo insensato que sem mais,
nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles
documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos
pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos” (…), “ sob pena
de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se
decidam apenas com as declarações das próprias partes.“
LEGISLAÇÃO
Neste mês, destacamos a publicação dos seguintes diplomas rectificativos:
Lei n.º 72/2014 de 02.09.2014
Procede à segunda alteração à Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, que
estabelece a Lei dos Baldios, à alteração ao Estatuto dos Benefícios
Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e à nona
alteração ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Lei n.º 75-A/2014 de 30.09.2014
Procede à segunda alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2014), à quinta alteração à Lei n.º 108/91,
de 17 de agosto, e ao Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, à
quarta alteração à Lei n.º 28/2012, de 31 de julho, e à primeira
alteração aos Decretos-Leis n.os 133/2013, de 3 de outubro, 26A/2014, de 17 de fevereiro, e 165-A/2013, de 23 de dezembro,
alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o
Código dos Impostos Especiais de Consumo, o Estatuto dos Benefícios
Fiscais e o Regime Geral das Infrações Tributárias.
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Outubro 2014 - Ordem dos Advogados