Políticas Sociais e Pobreza
Carla Bronzo
Escola de Governo da Fundação João Pinheiro/MG
Novembro de 2011
O curso, a trajetória
1. Pobreza: concepções importam?
2. Políticas sociais: tipologias e modelos de proteção
social. Breve análise da experiência internacional e
os desafios da proteção no contexto
contemporâneo.
3. Políticas Sociais e Pobreza: Os Programas de
Transferência de Renda na America Latina, Bolsa
Familia no Brasil.
4. Desafios, perspectivas. Limites da Assistência Social
para o enfrentamento da pobreza.
1. Concepções importam?
• “Detrás de cada estilo de política publica
siempre existe, en forma implícita o
explicita, una determinada perspectiva
teórica, es decir, un modo especifico de ver
las cosas. Una teoria, en sintesis, es un
sistema de categorias de percepción”
(Fanfani, 1991, p. 92).
• Como definimos pobreza? Qual a teoria que
informa nossa leitura da pobreza e as
politicas para seu enfrentamento?
Mensurar envolve identificar os públicos
potenciais e legítimos das ações no campo
da proteção social.
Operacionalização/
mensuração
Concepção/enfoque
Estratégias de
intervenção
Toda estratégia de intervenção tem
uma teoria - mais ou menos explícita ou
implícita – sobre o problema, que
fornece o arcabouço para a ação.
“A definição de pobreza é o motor para a
seleção de políticas”
“Uma vez identificado o mal,
tem-se o remédio para seu
enfrentamento”
(E. Fanfani)
- Enfoque monetário: pobreza como privação de
renda. Linhas de pobreza absoluta e relativa.
- Necessidades básicas insatisfeitas: acesso precário
a bens e serviços
- Capacidades: privação de capacidades dos
indivíduos para ser e fazer coisas que julgam
relevantes. Desenvolvimento como Liberdade
(Amartya Sen)
- Exclusão social: aspecto relações sociais, processos,
pertencimento, identidade, coesão social.
Trabalho, proteção social, sociabilidade
- Vulnerabilidade e riscos: multidimensionalidade
das privações, dimensões objetivas e subjetivas,
noção de ativos, estratégias de resposta e
estrutura de oportunidades.
Qualificacao
profissional
Trabalho
Infra
estrutura
Renda:
Parâmetro
nutricional
Saude
Educacao
Enfoque monetário
Saneamento
Capacidades
Transporte
Moradia
Exclusao social
Vulnerabilidade
Dimensões psico
sociais: valores,
crencas,
comportamentos.
Dimensoes objetivas
interrelacionadas
Dimensoes subjetivas:
Aspectos sociais e
psico sociais
Necessidades
Basicas Insatisfeitas
Sociabilidade
(politica e
capital social)
Ativos materiais
e ativos menos tangíveis
Pobreza em múltiplas dimensões
• Dimensão econômica, a ausência de renda.
• Capacidades limitadas em termos de ativos
produtivos e humanos.
• Precariedade do acesso a bens e serviços
• Fragilidade do trabalho, para além da renda,
envolve identidade e dignidade social.
• Fragilidade dos laços sociais e de mecanismos de
solidariedade e reciprocidade.
• Aspectos subjetivos, relativos a valores e atitudes.
• Dimensão da territorialidade, estigma e da
segregação, elementos que podem agregar outro
componente aos processos de exclusão.
Duas questões:
Faz diferença conceber a pobreza sob um ou
outro aspecto em termos da identificação do
problema?
Quais as consequências do ponto de vista do
conteúdo e da forma das políticas públicas?
• Alguns autores têm pontuado a questão de
múltiplos ajustes nas estimativas empíricas sobre a
pobreza, que fazem com que as taxas de pobreza
variem entre 13% e 66% na mensuração da pobreza
em 17 países latino-americanos (Laderchi, Saith,
Stewart, 2003, p. 12).
• A magnitude da variação pode indicar, de acordo
com os autores, que muitas estimativas monetárias
da pobreza não são robustas.
• Não e possível definir de forma exaustiva um
conjunto de dimensões, variáveis e
indicadores para a mensuração e análise da
pobreza e da vulnerabilidade social.
• Na realidade não existe e nem poderá haver
um consenso absoluto sobre como medir a
vulnerabilidade.
• A escolha dos indicadores para expressar
alguma realidade ou fenômeno social não e
unívoca e neutra.
• O ponto central parece ser a clareza da
concepção de base e as escolhas daí
advindas, que devem ser explicitadas e
reconhecidas em sua parcialidade na
abordagem do real, sempre mais amplo e
complexo do que os indicadores podem
alcançar.
Vulnerabilidade como concepção síntese
da pobreza
• Concepção de vulnerabilidade como uma
abordagem mais ampla da pobreza, capaz
de absorver dimensões presentes em
outros enfoques e expandi-las. Vulnerare =
ferir. Incerteza, sofrimento, para além das
privações monetárias ou materiais em si.
• Fornece parametros ou pontos mais
estáveis para operacionalização do
conceito
• Implica pensar políticas de prevenção,
mitigação e enfrentamento (ex-ante e
ex post)
Elementos chave da concepção de vulnerabilidade (Busso,
Katzman, Holzmann e Jorgensen; Moser; dentre outros)
• Idéia de processo-trajetória. Caráter dinâmico da
pobreza.
• Noção de ativos: recursos de natureza tangível (capital
humano, físico, financeiro) e menos tangível (capital
social, relações familiares, dimensão relacional e psico
social)
• Estratégias de respostas. Uso dos ativos. Manejo dos
ativos.
• Estrutura de oportunidades: conjunto de leis,
instituições, políticas. Dimensão macro, contextual.
• Unidades: indivíduos, domicílios, territórios.
“ La vulnerabilidad social de sujetos y colectivos de
población se expresa de varias formas, ya sea como
fragilidad e indefensión ante cambios originados en
el entorno, como desamparo institucional desde el
Estado que no contribuye a fortalecer ni cuida
sistematicamente de sus ciudadanos; como debilidad
interna para afrontar concretamente los cambios
necesarios del indivíduo u hogar para aprovechar el
conjunto de oportunidades que se le presenta; como
inseguridad permanente que paraliza, incapacita y
desmotiva la posibilidad de pensar estrategias y
actuar a futuro para lograr mejuores niveles de
bienestar” (Busso, 2001, p. 8).
“Por activos se entiende el conjunto de recursos
materiales e imateriales que los indivíduos y los
hogares movilizan em procura de mejorar su
desempeňo econômico y social, o bien como recursos
despegados para evitar el deterioro de sus
condiciones de vida o disminuir su vulnerabilidad. La
vulnerabilidad, a su vez, es entendida como uma
relación entre dos términos: por una parte la
“estrutura de oportunidades” y, por la outra, las
“capacidades de los hogares”. De las diferentes
combinaciones entre ambos términos se derivan tipos
y grados de vulnerabilidade que pueden ser
imaginados como um cociente entre ambos
términos” (KATZMAN, 1999).
• Se temos os ativos e as estratégias de resposta em
uma ponta, na outra ponta do conceito tem-se a
categoria de estrutura de oportunidades.
• Por um lado, portanto, a concepção de
vulnerabilidade situa-se a frente da ideia de risco e
da capacidade de resposta, material e simbólica,
que indivíduos, que famílias e comunidades
conseguem fornecer para fazer frente ao risco ou
ao choque (que significa a materialização do risco).
• Essa capacidade de resposta é permeada,
mediada, constrangida e-ou potencializada
pela estrutura de oportunidades que
definem o contexto da ação e essa
constitui uma dimensão central no
enfoque da vulnerabilidade, sob suas
diferentes abordagens teóricas.
• Por esse termo – estrutura de oportunidades – se
considera o conjunto de recursos, bens e serviços,
programas, benefícios colocados à disposição de
públicos com diferentes níveis e tipos de
vulnerabilidade.
• “ probabilidades de acceso a bienes, servicios o
actividades que inciden sobre el bienestar del hogar
porque le facilitan el uso de recursos propios o le
suministran recursos nuevos, útiles para la movilidad
e integración social a través de los canales
existentes” (Katzman, 2000, p.299).
Consequências da concepção de vulnerabilidade para
políticas sociais locais
Multidimensionalidade
Heterogeneidade
Dimensões subjetivas
Intersetorialidade
Integracao
Flexibilidade na oferta
Redes de serviços e
foco no território
Autonomia
Capacidades
Empoderamento
• Componentes conceituais que decorrem de
enfoques ampliados sobre pobreza (e do foco
na pobreza crônica)
– Multidimensionalidade
– Heterogeneidade
– Dimensões relacionais, psico-sociais
• Elementos que decorrem do marco
institucional das políticas de proteção:
- Governança (governo de proximidade e redes)
- Modelos locais de proteção social: integralidade,
flexibilidade, políticas territoriais, participação
Multidimensionalidade
da pobreza
Intersetorialidade na
gestão
Visão ampliada da pobreza reconhece seu caráter
multidimensional. A intersetorialidade na gestão é
a contraface da multidimensionalidade da pobreza.
• A concepção da exclusão coloca que os processos
que a produzem são dinâmicos e
multideterminados.
• O foco na natureza multidimensional da privação –
ou no caráter poliédrico da realidade (Serra, 2004)
- aponta para a necessidade de uma maior
integração nos enfoques setoriais.
• A emergência do tema da intersetorialidade na
agenda pública acena para um conjunto de
inovações no âmbito da gestão pública, em um
contexto no qual os sistemas técnicos
especializados e as estruturas fortemente
hierarquizadas e verticais são confrontados com
novos objetivos e demandas políticas e sociais,
novas temáticas e novos segmentos da população,
que demandam uma remodelagem das velhas
estruturas organizacionais, exigindo novas
respostas organizativas das quais a
intersetorialidade é apenas uma das alternativas
possíveis.
• Perspectiva da integralidade:
- no âmbito da concepção e atuação dos
gestores: forma de pensar integralmente a
realidade. Integralidade e transversalidade como
premissas de trabalho.
- no âmbito organizativo: estruturas
organizativas que busquem superar segmentação.
• O central da idéia de intersetorialidade consiste
precisamente na incorporação de lógicas
específicas às políticas existentes (Nuria Cunnil
Grau, 2005).
Heterogeneidade
da pobreza
Políticas territoriais
• Território como unidade de intervenção e parâmetro
para focalização. Duas vias para explicar sua
centralidade: a)governo de proximidade e maior
capacidade para captar necessidades e fornecer
respostas adequadas; b) relação pobreza e segregação.
Infra estrutura social (redes de bens e serviços +
organização social), que pode atuar como
potencializadora ou como barreira para superação da
pobreza.
Comunidade
Infra-estrutura social
(Liz Richardson e Katharine Mumford, 2002)
Serviços e instalações
(exemplos)
Atividades
para
jovens
Infraestrutura
urbana bem
conservada
Acesso a
serviços de
maternidad
e
Organização social
Normas e
controles
redes
de
amizad
e
pequenos
grupos
• Atuação com base no território permite captar
melhor as especificidades da pobreza (diagnóstico
mais adequado) e maior “aderência” aos problemas
e necessidades da população.
• Processos de segregação e degradação de áreas
podem ser produzidos pelo Estado e este tem
condições de mitigar efeitos.
• Dois conjuntos de políticas que têm impactos
sobre espaço urbano (Torres e Marques)
• Políticas governamentais relativas ao espaço
construído: infra estrutura, regulamentação,
melhoria condições periferias, habitação etc
• Políticas sociais espacialmente organizadas:
A) incorporação de lógicas territoriais às políticas
setoriais tradicionais (diferenciações em função das
características das áreas);
B) convergência de diversas políticas setoriais para
áreas particularmente problemáticas.
• A cumulatividade de privações em
determinados territórios criam círculos
perversos da pobreza que, para serem
rompidos, exigem um esforço da gestão
integrada; sendo que por integração
entende-se a intersetorialidade das ações
no território.
Heterogeneidade
da pobreza
Flexibilidade na
oferta
• Padronização da provisão de serviços e interação com
usuário: tipologia de R. M. Nogueira e implicações para
estratégias de intervenção nas condições de pobreza
crônica.
• Necessidade de programas que sejam flexíveis e
adaptados às condições, capacidades e limitações
locais. Rede de serviços (e habilitação social) como
condição necessária para “personalização” do
atendimento.
Dimensões
relacionais
Autonomia,
empoderamento
• Dois elementos centrais, interligados:
a) relações entre pobres e não pobres (autonomia e
dependência; protagonismo e subordinação);
b) empoderamento/empowerment: maior controle
externo dos pobres sobre recursos diversos e
também no âmbito das crenças, valores e atitudes
(capacidade de auto-expressão e auto-afirmação).
Agentes externos como catalisadores essenciais do
processo de conversão. Relação plano micro e macro
(indivíduos/domicílios e
regras/instituições/estruturas de oportunidades).
Dupla dimensão da pobreza:
• Esta é mais que privação de renda e mais que
privação material apenas: envolve dimensões
objetivas (acesso a ativos materiais e humanos) e
dimensões subjetivas (valores, atitudes, relações
sociais, familiares e comunitárias: dimensões de
natureza psico social).
• As diferenças entre pobres e não pobres não se
explicam apenas pelo nível da renda familiar ou pela
quantidade e intensidade das necessidades básicas
insatisfeitas.
• Heterogeneidade da pobreza: distintos tipos
de pobres (Raczynski, 1999): pobres “ativos”,
pobres “passivos” e pobres “refratários”.
• Ativos: alta capacidade para resolver os
problemas. Capazes de aproveitar as
oportunidades que aparecem.
• Passivos: apresentam capacidades apenas
latentes, que devem ser desenvolvidas de
forma articulada com a abertura de
oportunidades.
• Refratários: representam aqueles que não
desenvolveram suas capacidades ou
perderam as habilidades.
• Programas de combate à pobreza devem
ter em mente esses três conjuntos de
pessoas e situações, uma vez que essa
diferenciação implica conteúdos e
metodologias de intervenção distintas
• Relações pobres e não pobres: geralmente são
assimétricas, favorecem a dependência e/ou a
estigmatização, reforçam as atitudes de passividade
e resignação.
• Frequentemente os pobres são vistos pelos setores
não pobres (e principalmente pelos agentes públicos
encarregados da execução de programas sociais)
como aqueles “que não sabem”, “que não têm”, o
que acaba por fortalecer atitudes de passividade,
baixa autoestima, resignação, dependência,
subalternidade, apatia, fatalismo...dimensões psico
sociais negativas.
• Importância do foco na ampliação da
autonomia e capacidades. A perspectiva
do empoderamento. O que significa de
fato essa expansão do poder?
• Empoderamento/empowerment: controle
externo sobre recursos diversos e também
no âmbito das crenças, valores e atitudes
(capacidade de auto-expressão e autoafirmação. Capacidade de ação)
• Caráter contingente do empoderamento.
Interação entre o âmbito micro, subjetivo,
valorativo e atitudinal e o âmbito macro,
das estruturas, processos e dinâmicas que
remetem a estrutura de oportunidades
que o Estado, a sociedade e o mercado
oferecem a indivíduos e comunidades.
• A estrutura de oportunidades, a infra
estrutura social e o território. Contextos e
condicionantes da ação.
• Tem-se como implicação dessa abordagem
(capacidades) que qualquer estratégia que
busque a superação da pobreza passa
necessariamente pelas pessoas, e que para
desenvolver estratégias sustentáveis e
efetivas é necessário alterar tais condições
limitadoras, investir no empoderamento das
pessoas, no desenvolvimento de sua
autonomia, competências e capacidade de
auto-desenvolvimento, visando a ampliação
de sua capacidade de ação.
• Qualquer estratégia efetiva de inclusão, para ser
coerente com as implicações de se partir de
enfoques amplos sobre a pobreza, deve combinar –
sob formas e com intensidade variadas – ações
voltadas para um e outro campo de ações, ao
mesmo tempo fortemente ancoradas nas
necessidades materiais e demandas básicas e
também voltadas para alterações nas dinâmicas
psico-sociais, que se processam via interações e
relações sociais, cujo peso significativo cabe às
relações institucionais, estabelecidas com os
agentes públicos e de proteção social.
Relações entre enfoques, categorias e elementos das estratégias de intervenção
Vulnerabili
dade e
riscos
Exclusão
social
Capacidades
Necessidades
Básicas
Insatisfeitas
Monetário
Ativos, cadeia de
riscos, sensitividade e
resiliência, estrutura e
processos
Relações sociais,
multidimensionalidade
heterogeneidade,
trajetória
Foco no
território e
infra-estrutura
social
Empoderamento
, aumento das
capacidades
Autonomia,
capacidades
Privações
múltiplas
Renda e
consumo
Criação e
fortalecimento de
ativos materiais e
não materiais.
Acesso a bens e
serviços sociais
Acesso à
renda
Relações entre elementos condutores e interruptores da pobreza
crônica
Fatores
indissioncráticos
Condutores para
pobreza crônica
Fragilidade dos
laços familiares,
comunitários e
precária proteção
social
Ausência ou
precariedade
de ativos.
Territórios
estigmatizados,
espaços urbanos
segregados
Acesso precário a
bens e serviços
públicos
Ausência ou
precariedade da
inserção no mercado
de trabalho
interruptores da
pobreza crônica
(propulsores da
saída)
Pobreza crônica:
severidade,
multidimensionalida
de das privações,
longa permanência,
transmissão
intergeracional
Itinerários de
inserção/estratégia
s de incorporação
social
Ações de
fortalecimento da
infra-estrutura
social
Acesso a
ativos
Transferências
de renda,
beneficios não
contributivos
Relações entre mecanismos de superação da pobreza crônica e
elementos de gestão
interruptores da pobreza
crônica (propulsores da
saída)
Itinerários de
inserção
estratégias de
incorporação
social
Ações de
fortalecimento
da infraestrutura
social
Acesso a
ativos
Transferências
de renda,
benefícios não
contributivos
Gestão em
redes (redes
multiníveis e
horizontais)
Participação
Dimensões da Gestão Pública –
elementos técnicos, políticos e
institucionais
Flexibilidade na oferta
e adequação à
heterogeneidade da
demanda (menor
padronização)
Intersetorialidade
/
transversalidade
Maior interação com
usuários (alteração
atributos pessoais,
dimensão psicosocial)
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