O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
359
11
O sector público em Portugal: âmbito, estrutura e contas
11.1
O âmbito e estrutura do sector público
11.1.1 O âmbito do sector público
É comum falar-se de Estado, sector público, ou administração pública, como se
fossem realidades idênticas. Na realidade só de forma pouco rigorosa essa
equivalência pode ser assumida. Do mesmo modo os conceitos de saldo global, défice
público, necessidades de financiamento, que já foram referidos em capítulos
anteriores, necessitam ser clarificados.
Pode-se entender por sector público todas as entidades controladas pelo poder
político. Neste caso tem-se uma definição abrangente que inclui não só a totalidade
das administrações públicas, como a totalidade do sector empresarial de capitais total
ou maioritariamente públicos. Assim, para além dos subsectores das administrações
públicas (central, regional, local e segurança social) inclui-se, entre outras, o sector
público empresarial, que integra as empresas públicas, as empresas municipais, as
sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
No essencial aquilo que distingue as entidades do sector público administrativo
das do sector empresarial é a lógica de funcionamento. Enquanto as segundas têm
essencialmente uma lógica de mercado, as primeiras já não.
As dificuldades inerentes à caracterização das entidades públicas administrativas
prendem-se com o facto de existirem duas abordagens algo diferentes em relação ao
seu âmbito e à forma de apuramento das contas. O conceito de Administrações
Públicas baseia-se numa óptica económica para caracterização das instituições que
lhe pertencem, concretiza-se no Sistema Europeu de Contas (SEC95) que fundamenta
uma contabilização em termos de contabilidade nacional.1 O conceito de Sector
Público Administrativo, assenta numa classificação jurídico-institucional dos entes
públicos, cujas contas são as contas do SPA na óptica da contabilidade pública.
Este capítulo vai essencialmente analisar as Administrações Públicas (AP), ou
Sector Público Administrativo (SPA) e as relações entre os seus vários subsectores.
1
O SEC95 foi introduzido pelo Regulamento (CE) nº 2223/96 e concretizado, no que respeita às
despesas e às receitas das administrações públicas pelo Regulamento (CE) 1500 (2000). Com o objectivo
de clarificar as operações sobre o défice e a dívida pública o EUROSTAT produziu um manual
(EUROSTAT 2002). Algumas das “News release” do EUROSTAT serão integradas na nova versão do
manual.
360
Economia e Finanças Públicas
Contudo, no final da secção 11.3 ir-se-á dar alguma relevância aos fluxos financeiros
entre o SPA e outros sectores institucionais em particular o sector público
empresarial.
Quanto ao âmbito e natureza dos agentes integrantes, a óptica da contabilidade
nacional tem algumas diferenças significativas em relação à óptica da contabilidade
pública, nomeadamente porque a primeira considera exclusivamente as unidades
institucionais produtoras de serviços não mercantis e redistributivas e a segunda
considera, como integrando as administrações públicas, alguns serviços autónomos
produtores de serviços mercantis (por exemplo, serviços municipalizados). A
contabilidade nacional adopta uma “óptica de compromissos” enquanto que a
contabilidade pública uma “óptica de caixa”. Por exemplo os juros vencidos no ano t,
mas não pagos, são contabilizados nesse ano, nas contas nacionais e no ano em que
realmente forem pagos (eventualmente t+1 ou t+2), em contabilidade pública. Na
“óptica de caixa”, afecta-se a receita ou a despesa ao momento em que há entradas ou
saídas de “caixa”, respectivamente, enquanto que na “óptica de compromissos” no
momento em que o compromisso é assumido.2
A abordagem em termos de contabilidade nacional tem várias vantagens. Em
primeiro lugar é a utilizada na União Europeia, com o que isso implica de
possibilidade de comparações internacionais mais rigorosas, assim como o facto da
análise das contas das administrações públicas (saldo global e dívida pública) e o
reporte pelo governo português às instituições europeias, que acompanham a
execução orçamental, ser feito com base no SEC95.3 Em segundo lugar, a
abordagem económica permite um maior rigor analítico numa época de acelerada
reforma institucional em que certos serviços integrados da administração central
ganham autonomia ou mesmo deixam de pertencer à administração pública.
Por seu lado os dados em contabilidade pública, têm também a sua importância.
Antes do mais são aqueles em que, numa perspectiva histórica, se tem feito a
contabilização de receitas e despesas públicas. As contas das administrações públicas
são apresentadas em contabilidade pública e é a partir desses valores que se obtêm os
valores em contabilidade nacional. Quando se pretende realizar uma análise mais
detalhada, por exemplo, das relações inter-governamentais ou das finanças regionais
ou locais os dados disponíveis estão usualmente em contabilidade pública.
2
Para mais desenvolvimentos ver Sousa e Costa (1999) e EUROSTAT (2000).
O governo português, à semelhança dos demais governos da União Europeia, tem a obrigação de enviar
em Fevereiro e Setembro de cada ano o “Reporte dos défices e dívida das Administrações Públicas e
dados associados” com a capacidade/necessidade líquida de financiamento (ver secção 11.4) por
subsectores, dívida bruta das Administrações Públicas e sua composição, FBCF, juros e PIBpm (ver
adiante o Capítulo 15).
3
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
361
Doravante, contudo, ir-se-á apenas clarificar o âmbito e natureza das
administrações públicas (contabilidade nacional) e em particular a distinção com o
Sector Público Empresarial (SPE).
Que instituições deverão, pois pertencer ao SPE numa lógica económica? Uma
condição necessária, mas não suficiente, é o de que a sua lógica de funcionamento
seja mercantil, ou seja, uma instituição que vende bens ou presta serviços num
mercado a preços economicamente significativos. Vender no mercado significa que o
produtor recebe um preço que geralmente cobre os custos de produção. Esse preço,
para além de financiar o produtor é uma forma de restringir o consumo dos bens na
base da disposição a pagar dos consumidores. Tratar-se de uma instituição do SPE,
exige adicionalmente que assuma a forma jurídica empresarial e cujos capitais sejam
na sua totalidade públicos.
Pelo contrário uma instituição incluída nas administrações públicas tem que ser
uma instituição não mercantil, ou seja, aquela cuja principal fonte de financiamento
não é a receita associada a um preço, tarifa ou taxa como contrapartida directa pelos
bens ou serviços que fornece.4 Uma possibilidade é não existirem preços, sendo a
instituição totalmente financiada por prestações obrigatórias: impostos, contribuições
sociais (caso do Estado e outras entidades públicas). Outra realidade é existirem
preços, mas eles não serem economicamente significativos, no sentido que se referiu
acima. É o caso das taxas moderadoras nas urgências hospitalares que obviamente
não são a principal fonte de financiamento destes serviços. A estrutura dos sectores
institucionais é descrita no Quadro 11.1.
É neste contexto que se pode definir o sector das administrações públicas como
incluindo, quer as unidades institucionais que são produtoras não mercantis de bens
de consumo individual ou colectivo, quer as que operam redistribuição do rendimento
e riqueza, sendo financiadas principalmente por pagamentos obrigatórios.5
Alguns elementos chave caracterizadores destas instituições:
−
−
−
−
4
Produtores não-mercantis;
Consumo individual ou colectivo;
Pagamentos obrigatórios;
Instituições redistributivas.
Dentro das instituições não mercantis convém fazer a distinção entre as que estão nas administrações
públicas por se financiarem essencialmente através de contribuições obrigatórias e as que estão no
“terceiro sector” por se financiarem sobretudo por contribuições voluntárias (quotas ou donativos).
5
Esta definição segue de perto a apresentada no SEC95 e é clarificada em detalhe no EUROSTAT 2002.
Para mais esclarecimentos dever-se-á consultar esta publicação.
Economia e Finanças Públicas
362
Quadro 11.1 – Nomenclatura dos sectores institucionais
S.1
S.11
S.11001
S.110011
S.110012
S.11002/3
S.12
S.121
S.122
S.123
S.124
S.125
S.13
S.1311
S.13111
S.13112
S.13113
S.1312
S.1313
S.13131
S.131311
S.131312
S.131313
S.13132
S.131321
S.131322
S.131323
S.131324
S.131325
S.1314
S.14
S.15
S.2
S.21
S.211
S.2111
S.2112
S.212
S.22
Total da economia
Sociedades não financeiras
Sociedades não financeiras públicas
Empresas não financeiras públicas e participadas maioritariamente pelo sector
público
Quase-sociedades não financeiras públicas
Sociedades não financeiras privadas
Sociedades financeiras
Banco central
Outras instituições financeiras monetárias
Outros intermediários financeiros, excepto sociedades de seguros e fundos de
pensões
Auxiliares financeiros
Sociedades de seguros e fundos de pensões
Administrações públicas
Administração central
Estado
Serviços e fundos autónomos da administração central
Instituições sem fim lucrativo da administração central
Administração estadual
Administração regional e local
Administração regional
Órgãos dos Governos Regionais
Serviços e fundos autónomos da administração regional
Instituições sem fim lucrativo da administração regional
Administração local
Distritos
Municípios
Freguesias
Serviços autónomos da administração local
Instituições sem fim lucrativo da administração local
Fundos de segurança social
Famílias
Instituições sem fim lucrativo ao serviço das famílias (ISFLSF)
Resto do mundo
União Europeia
Países membros da UE
Países membros da União Monetária
Países não membros da União Monetária
Instituições da UE
Países terceiros e organizações internacionais
Fonte: Instituto Nacional de Estatística
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
363
O consumo individual ou colectivo indica que os bens ou serviços fornecidos
pelas entidades do sector público poderão ser bens privados, bens mistos ou bens
públicos. Os pagamentos serem essencialmente obrigatórios, coloca o problema de
saber qual a fracção máxima de receitas próprias resultante das vendas em relação aos
custos de produção. O que estabelece o SEC95 é que esta fracção deverá ser inferior a
50% para que uma entidade possa ser classificada nas administrações públicas.6
Por exemplo, no caso de instituições sem fins lucrativos, trata-se de instituições
não mercantis, o que não significa necessariamente que pertençam às administrações
públicas. Estarem ou não incluídas no sector das administrações públicas dependerá
essencialmente do tipo de financiamento. Se ele provier essencialmente de subsídios
de outra entidade pública financiada por prestações obrigatórias e se for controlado
por entidades das administrações públicas então estará no universo das APU (em
S131313 do Quadro 11.1). Caso contrário estará fora das APU (em S15).
11.1.2 Estrutura do sector público, descentralização política e administrativa
A estrutura genérica das administrações públicas, para efeitos estatísticos, nos
países que adoptam o SEC95 é dada por:
−
−
−
−
Administração central (S 1311).
Administração estadual (S 1312)
Administração local (S 1313)
Fundos de Segurança Social (S 1314)
Sendo esta uma classificação genérica, aplica-se a estados unitários e federados.
No caso das federações, como a Alemanha e a Áustria, existem três níveis de governo
constitucionalmente definidos: central/federal, estadual e local. No caso de Estados
unitários, como Portugal ou o Reino Unido, apenas se considera a distinção entre a
administração central e administração local sendo que no caso português
6
Para se perceber a aplicação deste princípio e a distinção entre a abordagem económica da abordagem
económico-jurídica considere-se o caso das universidades. Uma Universidade pública é aquela que tem o
estatuto legal de Universidade pública, isto é, foi criada por uma Lei da Assembleia da República (ou
Assembleia Nacional se antes de 1974), enquanto que uma Universidade privada pode assumir várias
formas institucionais, mas está de qualquer modo submetida a um regime de direito privado e foi criada
pela iniciativa de particulares. Contudo, do ponto de vista das contas nacionais uma universidade pública
só estará nas administrações públicas se, e enquanto, o valor das propinas e outras receitas próprias da
instituição forem inferiores a 50% dos custos de produção. Se durante três anos consecutivos exceder os
50% deverá deixar de estar na administração pública. O reverso pode também suceder em relação a
Universidades legalmente privadas.
364
Economia e Finanças Públicas
“administração local” inclui autarquias locais e também a administração regional (nas
Regiões autónomas da Madeira e dos Açores).
O Quadro 11.2 clarifica a estrutura das administrações públicas composta por
quatro subsectores: a administração central que engloba os subsectores Estado e
Fundos e Serviços Autónomos, a Administração Regional e Local que integra os
órgãos do governos regionais, os municípios e as freguesias, assim como os
respectivos fundos e serviços autónomos e finalmente a Segurança Social.7 Ao
contrário do uso corrente do termo, o Estado é apenas um subsector da administração
central. A sua função não deixa de ser primordial, não só pela sua importância
relativa no conjunto das administrações públicas como pelo facto de através dele se
canalizarem muitos recursos para os outros subsectores.
É possível compreender toda a estrutura do SPA a partir do conceito de
descentralização, iniciando a análise a partir do subsector Estado. Entende-se por
descentralização a transferência de poderes ou competências do Estado para pessoas
colectivas de direito público diferentes, ou seja, entre distintas entidades públicas
cada uma com a sua personalidade jurídica. Assim uma análise do Quadro 11.2, numa
perspectiva político-económica, indica que pode tratar-se de descentralização
política, quando na presença de descentralização para entidades legitimadas
democraticamente com competências num território infra-nacional e autónomas do
ponto de vista administrativo, financeiro e político (movimento vertical) ou
descentralização administrativa quando se trata de descentralização para entes
públicos dotados apenas de autonomia administrativa e financeira (movimento
horizontal).8
A estrutura do sector público está estreitamente relacionada, do ponto de vista
vertical, com a estrutura do poder político em Portugal apenas com dois níveis de
decisão política democrática no continente, embora com três níveis de governo numa
7
Fazem também parte, embora com pequena importância quantitativa, as Instituições sem fins lucrativos
da administração central e regional.
8
A abordagem político-económica desenvolvida neste capítulo é diferente da jurídico-institucional,
sobretudo porque na primeira considera-se as autarquias locais como forma de descentralização política,
e na segunda descentralização administrativa. A abordagem jurídica fundamenta-se antes do mais na
Constituição da República Portuguesa que não deixa de ser um pouco ambígua a este respeito. Por um
lado estabelece, na organização do poder político, uma separação entre: Título VII – Regiões
Autónomas; Título VIII – Poder Local e Título IX – Administração Pública, o que sugere a
independência do poder local relativamente à administração pública. Por outro o artº 237, versa sobre
“descentralização administrativa” e refere que “1. As atribuições e a organização das autarquias locais,
serão reguladas por lei de acordo com o princípio da descentralização administrativa.” Esta é a
perspectiva do direito administrativo tributário dos trabalhos de Marcelo Caetano e Diogo Freitas do
Amaral. Contudo, como se verá de seguida, do ponto de vista económico e político trata-se
efectivamente de descentralização política.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
365
parcela do território nacional: governo da República, governos regionais (das regiões
autónomas dos Açores e da Madeira) e finalmente governos locais.
Quadro 11.2– A Estrutura das Administrações Públicas em Portugal
Tipo de
Administração
S1311
Serviços Integrados
Administração Central
Estado
S1313
Serviços Autónomos
Serviços
e
Fundos
Autónomos da AC
Administração
Regional e Local
Administração Regional
Órgãos
dos
Governos
Regionais
Serviços
e
Fundos
Autónomos. da Admin.
Regional
Administração Local
Distritos, Municípios,
Freguesias
S1314
Serviços Autónomos da
Admin. Local
Segurança Social
Estes três níveis de governo são legitimados politicamente através de eleições
democráticas para os órgãos representativos, pelo que gozam de elevado grau de
autonomia e independência (política, financeira, patrimonial e administrativa). Têm
orçamentos próprios, propostos pelos respectivos executivos e aprovados nas
respectivas assembleias representativas (Assembleia da República, Assembleias
Regionais e Municipais) e elaboram as contas de cada exercício.
Os seus recursos provêm sobretudo de receitas fiscais que obtêm quer de forma
directa quer de forma indirecta (através de subvenções de outros níveis de governo).
A administração central recebe fundos comunitários bem como grande parte das
receitas fiscais, enquanto que a administração regional e local recebe subvenções
comunitárias e do Orçamento do Estado, a par de receitas próprias.
366
11.2
Economia e Finanças Públicas
Os subsectores das administrações públicas
11.2.1 O “Estado” (sentido lato) e a administração central
Como referido atrás, o conceito de Estado é relativamente ambíguo, pois significa
várias coisas distintas. Quando o termo “Estado” é utilizado em documentos como o
Orçamento do Estado ou a Conta Geral do Estado, significa na realidade toda a
administração central (S1311) e a segurança social (S1314). As razões pelas quais os
orçamentos e contas destes e apenas estes subsectores estão integrados num único
documento prendem-se com as considerações de natureza política acima referidas.
São entidades cujas funções se repercutem em todos os cidadãos do território nacional
onde quer que residam. Isto tanto é válido para funções de soberania, como para
esquemas de protecção social.
Por este motivo o Orçamento do “Estado”, aprovado em Assembleia da
República (AR), engloba os subsectores da administração central (Estado e Fundos e
Serviços Autónomos da A.C.) e a segurança social (S.S.), o que significa que é a AR
o órgão competente para aprovar os recursos e as aplicações de todos estes
subsectores do SPA.
Também por esta razão, quando se quer medir o grau de centralização da despesa
pública em vários países, se utiliza como indicador o rácio da despesa pública
consolidada da A.C. (com ou sem S.S.) na despesa pública total. No fundo o que se
quer medir é o grau de centralização da despesa que está associada com decisões
políticas do poder executivo central, quer seja o executivo de uma república num
Estado unitário (como em Portugal) ou do governo federal de uma república num
Estado federado (casos da Alemanha e da Áustria).
Assim a estrutura do “Estado” (sentido lato) engloba essencialmente três
subsectores sob a direcção política, directa ou indirecta (tutela), do governo: o Estado
(sentido estrito), os Fundos e Serviços Autónomos da Administração Central e a
Segurança Social.9 Já a administração central inclui apenas os dois primeiros
subsectores.
9
Há ainda um conceito mais lato de Estado, que é o incorporado na constituição e que se identifica com
todas as administrações públicas. Na realidade o artº 6º nº1 da CRP estabelece que “O Estado é unitário e
respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da
subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração
pública”. Na óptica do direito administrativo há um Estado; há apenas três governos (da república e das
regiões autónomas) e há múltiplas autarquias locais que são definidas como “pessoas colectivas
territoriais dotadas de órgãos representativos...”(CRP artº 235 nº2).
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
367
11.2.2 O Estado (sentido restrito) e a desconcentração administrativa.
O Estado, em sentido estrito, é um dos subsectores da administração central
composto pelos serviços integrados de administração directa. Está desconcentrado
administrativamente, isto é, compreende certas unidades institucionais que, não tendo
em geral personalidade jurídica, têm contudo autonomia administrativa.
O Estado integra os diversos Ministérios, e cada um deles encontra-se
desconcentrado administrativamente quer do ponto de vista funcional, ou seja por
funções, quer territorial. Deste modo, a título de exemplo de desconcentração
administrativa funcional existem, no Ministério da Educação (ME)10, a DirecçãoGeral dos Recursos Humanos da Educação ou a Direcção-geral de Inovação e
Desenvolvimento Curricular. Territorialmente o ME encontra-se desconcentrado em
Direcções Regionais da Educação do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo
e Algarve.
Importa sublinhar que estas formas de desconcentração, definidas na Lei
Orgânica de cada um dos Ministérios, estão apenas associadas a um limitado grau de
autonomia administrativa e prendem-se com a necessidade de aumentar a eficácia de
funcionamento dentro dos ministérios. Os dirigentes de organismos com autonomia
administrativa têm capacidade de tomar decisões definitivas e executórias no que
respeita à gestão corrente referente ao orçamento de que dispõem. Os organismos
desconcentrados administrativamente têm à sua disposição créditos inscritos no
Orçamento de Estado, que poderão libertar-se na base de duodécimos.11 A autonomia
prende-se com a autonomia de gestão corrente que inclui, entre outros, a não
necessidade (que existia anteriormente) de autorização prévia da Direcção Geral do
Orçamento (antiga Direcção Geral de Contabilidade Pública).
11.2.3 Os Fundos e Serviços Autónomos: descentralização administrativa
Os Fundos e Serviços Autónomos (FSA), fazendo parte integrante da administração
central, apresentam já um grau de autonomia mais considerável, pois têm autonomia
administrativa e financeira. Os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
(MCTES) e o da Saúde (MS) concentram a maioria dos serviços autónomos, o
primeiro por integrar as Universidades e os Politécnicos, e o segundo um número
10
Os nomes dos Ministérios, bem como dos respectivos organismos, foram actualizados de acordo com
a estrutura do XVII governo constitucional em funções à data da conclusão desta 3ª edição. Como se
sabe, mais frequentemente do que seria desejável, novos governos, quando entram em funções, alteram a
sua estrutura orgânica e as designações de ministérios e respectivos serviços. No caso do Ministério da
Educação a sua Lei Orgânica foi publicada no Decreto-Lei nº213/2006 de 27 de Outubro.
11
Ver Lei 8/90, de 20 de Fevereiro, artº3º.
368
Economia e Finanças Públicas
significativo de Hospitais. Seguem-se, em número de organismos, o Ministério do
Trabalho e da Solidariedade, devido aos centros de formação profissional, e o
Ministério do Ambiente, Organização do Território e Desenvolvimento Regional
(MAOTDR) que integra as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
(CCDR) e as Administrações das Regiões Hidrográficas (ARH).12
Ter autonomia administrativa e financeira pressupõe, em geral, ter personalidade
jurídica, o que significa que grande parte destes organismos pode ter, e tem,
património próprio assim como a capacidade de o gerir, alienar ou adquirir. Outro
aspecto relevante refere-se à existência de tesouraria própria e à capacidade de
transição de saldos de um ano orçamental para outro, coisa que é possível e
dominante neste tipo de organismos. Relevante é também a capacidade de, em alguns
casos, recorrerem ao crédito, mesmo que não seja para resolver problemas imediatos
de tesouraria.
Este mais elevado grau de autonomia, prende-se com o facto de alguns FSA
terem um grau considerável de receitas próprias advindas de taxas relativas à
prestação de serviços (ex. propinas universitárias) ou gerirem projectos de
investimento co-financiados pelo Orçamento das Comunidades Europeias (incluídos
no plano de investimentos da administração central - PIDDAC). 13 É neste sentido
12
Em 2009 o número de Fundos e Serviços Autónomos (FSA) eram respectivamente: MCTES (112),
MS (42), MTS (30), e MAOTDR (16). O ranking em termos de organismos não é idêntico ao ranking
da despesa pública desses organismos. Tem havido alterações substanciais no universo dos FSA. Por
exemplo o Ministério da Saúde tinha em 2000, 5 centros hospitalares e 82 hospitais e em 2009, há 5
centros e apenas 20 hospitais. Isto deve-se a dois tipos de processos, a transformação de Hospitais do
Serviço Nacional de Saúde (SNS) em empresas (entidades públicas empresariais) e a integração de
hospitais em centros hospitalares. Em sentido contrário o MAOTDR em 2008 tinha apenas 9 organismos
e em 2009 tem 16 sendo o acréscimo de 7 explicado essencialmente pelas novas 5 ARH. As 5 CCDR em
2008 tiveram um orçamento de 96,5 Milhões de Euros e as 5 CCDR+5ARH em 2009 um orçamento de
120 Milhões. Um acréscimo de 24,3% na despesa pública. Será que se justifica este acréscimo com
novas atribuições e competências? Ou será que a reestruturação da administração central deveria ser feita
sem aumento, ou mesmo com diminuição da despesa pública? Se houve sobretudo transferência de
algumas competências não se justificaria este aumento na despesa pública. Se houve transferência e
novas atribuições talvez também não se justifique desde que o exercício das competências associadas
implique pouca despesa adicional. Alguém faz esta análise? Aparentemente não. Deveria ser estudado, o
impacto das várias reformas da estrutura e composição dos FSA na despesa pública. Tratar-se-ia de uma
análise indispensável para qualquer programa de controlo da despesa pública. O exemplo dado para o
MAOTDR poderia ser extendido para o MS ou outros ministérios.
13
A Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei nº 8/90 de 20 de Fevereiro, artº 6º) estabelece mesmo
que o regime excepcional de autonomia administrativa e financeira deve ser atribuído aos organismos em
que tal se justifique para a sua adequada gestão e em que as receitas próprias cubram um mínimo de dois
terços da despesa total (com exclusão da parte co-financiada pelos fundos comunitários). Adicionalmente
esse regime de excepção seria também atribuído a entidades que gerem investimentos co-financiados
pela União Europeia. Vários FSA não cumprem, contudo, nenhum destes requisitos (ver Vital Moreira
(coord.) 2001).
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
369
que os FSA estão associados ao que se designa por descentralização administrativa,
que vai muito para além de uma simples desconcentração de poderes e competências.
O Quadro 11.3 ilustra as características essenciais do regime de autonomia
administrativa e financeira quando comparadas com o “regime geral” dos organismos
só com autonomia administrativa.
Quadro 11.3– Autonomia administrativa e financeira
Regime de Administração Financeira do “Estado”
Regime Geral - Autonomia Administrativa
Regime Excepcional – Autonomia
Administrativa e Financeira
Não
Sim
Personalidade
Personalidade
Jurídica
Jurídica
Administrativa
Administrativa,
Tipo de Autonomia
Tipo de Autonomia
Financeira e
Patrimonial
Não
Sim
Património Próprio
Património Próprio
Poder dos dirigentes
Gestão corrente
Poder dos dirigentes
Gestão
Recursos efectivos
Créditos inscritos no
Orçamento de Estado
Recursos efectivos
Transferências do
O.E. e outros
subsectores
Receitas próprias
(vendas,
rendimentos,
doações,...)
Transferências da
UE
Permitido (com
autorização do MF)
Não há consignação de
receitas
Crédito
Não é permitido
Crédito
Pagamento de
despesas
Libertação de créditos
na base de duodécimos
Pagamento de
despesas
Autorização dos
dirigentes.
Finalmente, à que não confundir o conceito de descentralização com o de
desconcentração administrativa pois neste caso trata-se da orgânica interna de uma
dada pessoa colectiva pública,14 por exemplo de um Ministério. Em geral
descentralização administrativa está associada a autonomia administrativa e
financeira enquanto que a desconcentração administrativa apenas a autonomia
administrativa.15
14
Ver, por exemplo, Tavares (2000).
A distinção entre estas duas formas de autonomia tem vindo a ser desenvolvida, antes do mais na
própria Constituição da República Portuguesa (art. 108 e 109), na Lei de Bases da Contabilidade Pública,
15
370
Economia e Finanças Públicas
11.2.4 Segurança Social
O subsector da Segurança Social (SS) engloba as unidades institucionais que têm
como função primordial o fornecimento de prestações sociais (pensões de reforma e
invalidez, subsídios de desemprego, rendimento mínimo, entre outras) e que têm
como recursos essencialmente as contribuições sociais obrigatórias. Embora não se
incluindo na administração central por razões que se prendem com uma maior
transparência do sistema, o sistema da Segurança Social está estreitamente associado
à administração central, em particular, ao Estado, pois concretiza, numa perspectiva
nacional as políticas públicas redistributivas associadas com prestações sociais.
Embora este subsector esteja também desconcentrado e descentralizado, esta forma de
organização não tem a ver com políticas sociais diferenciadas regionalmente, mas
sobretudo com uma melhoria da eficácia administrativa deste sector.
11.2.5 A Administração Regional e Local
Para além da administração central e segurança social há dois níveis de decisão
política independente, territorialmente mais limitados, designados por Administração
Regional e Administração Local (ARL). Como se referiu, estes subsectores das
administrações públicas, estão associados, em graus bastante diferentes, a formas de
descentralização política, que não podem ser confundidas com as anteriores formas
de desconcentração e descentralização administrativa. A autonomia política significa
que se trata efectivamente de dois níveis de governo, com os respectivos executivos e
assembleias representativas. Assim os órgãos das administrações regionais incluem os
governos regionais e as respectivas assembleias regionais, assim como os órgãos das
administrações locais incluem ao nível concelhio os executivos (câmaras municipais)
e as respectivas assembleias municipais, e ao nível das freguesias as Juntas de
Freguesia.
A autonomia política destes níveis de “administração” significa que estes
subsectores detêm independência orçamental, ou seja, que estes orçamentos são
elaborados, aprovados executados e fiscalizados (internamente) de forma autónoma
por órgãos próprios. Associada à autonomia política e à independência orçamental
estão poderes, que são bastante mais extensos no caso das administrações regionais
(com estatutos político-administrativos próprios) do que no caso dos municípios. As
regiões têm poderes tributários próprios, isto é, possibilidade de criar impostos, poder
no Regime de Administração Financeira do Estado (DL 155/92) e recentemente na nova Lei de
Enquadramento do Orçamento do Estado.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
371
esse vedado às autarquias.16 Regiões e municípios têm autonomia patrimonial e
capacidade de recorrer ao crédito dentro dos limites impostos pelas respectivas leis
(finanças regionais e finanças locais) e pela lei de enquadramento orçamental.
O poder da administração central é meramente um poder de fiscalização de que as
leis estão efectivamente a ser aplicadas (poder esse exercido através da Inspecção
Geral de Finanças e Inspecção Geral da Administração do Território) e não um poder
de determinar, por exemplo, a composição das receitas ou despesas locais. Da mesma
forma a fiscalização externa, exercida pelo Tribunal de Contas, assenta na análise da
conformidade legal dos actos administrativos dos dirigentes regionais e locais.
A administração regional inclui também Fundos e Serviços Autónomos na mesma
lógica de descentralização administrativa referida anteriormente, e a administração
local detém apenas serviços autónomos. Os governos regionais têm extensas
competências quer na área social: educação, saúde, habitação, quer na área
económica. A administração local possui alguns serviços autónomos (caso dos
serviços municipalizados).
A estrutura das administrações públicas após a aprovação dos Estatutos Políticoadministrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, não sofreu grandes
alterações, quanto ao tipo de instituições políticas que a compõem.17
A descentralização, nas três décadas após 25 de Abril de 1974 tem evoluído num
triplo sentido. Por um lado, tem-se verificado uma descentralização política para
regiões e municípios, com uma progressiva transferência de competências e
recursos.18 Embora do ponto de vista da contabilidade nacional (SEC95)
administração regional e local venham consolidadas num único subsector, trata-se
efectivamente de realidades bastante distintas.
Por outro lado, verifica-se uma descentralização administrativa com uma
importância crescente do peso da despesa dos FSA na despesa consolidada da
administração central e um concomitante decréscimo do peso relativo do Estado
(sentido estrito). O maior grau de autonomia administrativa e financeira dos FSA, a
sua maior flexibilidade de gestão, muitas vezes exigida para uma mais eficaz
16
A existência de um poder não significa que ele seja exercido de facto. As assembleias legislativas
regionais nunca criaram nenhum imposto, mas poderiam fazê-lo.
17
Na realidade as instituições políticas do SPA são essencialmente as mesmas, tendo sido rejeitada em
referendo de 1998 a criação de regiões “administrativas” no Continente, o que teria constituído uma
alteração significativa na estrutura do SPA. Tal significaria a criação, no território continental, de regiões
político-administrativas, com um certo grau de autonomia política, associado à legitimidade democrática
que teriam os seus órgãos.
18
Disso é reflexo a aprovação de sucessivas revisões constitucionais e alterações aos Estatutos Políticoadministrativos das Regiões Autónomas, bem como as alterações às Leis de Finanças Locais e
Regionais, assim como Leis de transferências de competências.
372
Economia e Finanças Públicas
execução dos recursos disponibilizados pela União Europeia, levou à criação de
inúmeros institutos públicos.19 Contudo, vale a pena salientar que:
“no entanto torna a haver sérios riscos de preocupação, na medida em
que a actual tendência, que caracteriza todos os Estados europeus ,
para uma certa forma de neocorporativismo, acompanhada de uma
nítida diluição da fronteira entre os sectores público e privado, implica
uma forte pressão de grupos de interesse politicamente eficazes para a
criação de formas de autonomia que traduzem uma clara
desorçamentação e fuga ao controlo estrito das finanças públicas,
incluindo a novidade de muitos organismos se arrogarem uma natureza
e um regime empresarial que obviamente não corresponde à sua
realidade intrínseca.”20
Finalmente, houve um aumento do peso do sector da segurança social dado que a
generalização dos benefícios associados ao Estado de bem-estar só se desenvolveu e
generalizou progressivamente após a revolução de Abril de 1974.
Em resumo, embora não tenha havido, do ponto de vista da arquitectura
institucional, grandes alterações na estrutura das administrações públicas, têm-se
verificado alterações significativas na dimensão relativa de cada subsector e nas suas
respectivas competências e recursos.
11.3
As contas e os saldos das administrações públicas
11.3.1 Óptica da contabilidade nacional
Quando se fala em défice público ou excedente orçamental está-se a referir o
saldo global das administrações públicas, no que respeita às receitas e despesas
efectivas, isto é, não financeiras. Deste modo ao referir, “saldo global”, importa
clarificar o seguinte:
19
Note-se que o crescimento da importância dos FSA significa essencialmente uma reestruturação
dentro da administração central, mas que não está associada a uma descentralização vertical de recursos
ou competências, para outros níveis de administração. O XV governo constitucional iniciou uma análise
aprofundada dos Institutos Públicos para ver se cumpriam as características que lhes justificariam (ou
não) esse estatuto, e o XVII governo constitucional operou uma profunda reformulação das estruturas da
administração central do Estado através do PRACE (Programa para a Reforma da Administração Central
do Estado).
20
Palavras de Eduardo Sequeira ao analisar o regime financeiro e patrimonial dos institutos públicos (in
Moreira 2001).
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
373
1. Há que distinguir contabilização na óptica da contabilidade nacional ou na óptica
da contabilidade pública.
2. Deve ter-se em consideração se são valores executados, valores estimados
provisórios ou orçamentados.
3. Devem ser consideradas receitas e despesas de todos os subsectores das
administrações públicas.
4. São consideradas apenas receitas e despesas efectivas (excluindo activos e
passivos financeiros).
No contexto da supervisão da política orçamental nacional, o saldo global é
apurado em contabilidade nacional e geralmente tratam-se de valores provisórios,
dado que os valores executados, só são conhecidos alguns anos depois do ano civil a
que se reportam.
Para se apurar o saldo global das administrações públicas seria necessário ter as
contas dos municípios e freguesias (em contabilidade nacional), de cada uma das
regiões autónomas, a conta do Estado (administração central e segurança social) e
seguidamente fazer a consolidação orçamental. Dado o processo moroso envolvido,
trabalha-se usualmente com valores provisórios ou mesmo orçamentados. É o que
será feito neste capítulo.21
Os dados do Quadro 11.4 são os valores orçamentados para 200922, para a conta
das administrações públicas. Daqui se pode retirar, para cada um dos subsectores, as
receitas correntes (linhas 1 a 5), as despesas correntes (7 a 12) e a poupança bruta
(14=6-13) que não é mais do que o saldo corrente. Das receitas de capital (15) e das
despesas de capital (17 e 18), facilmente se pode calcular o saldo de capital (15(17+18)).
21
Valores rigorosos da Conta das administrações públicas em contabilidade nacional, só estariam
disponíveis, vários anos após o ano civil a que respeitam. Na realidade a Conta Geral do Estado (em
contabilidade pública) com os valores executados, só fica disponível cerca de dois anos depois do
exercício respectivo. Após a conta é necessário ter as restantes contas (municípios e regiões), apurar em
contabilidade nacional e consolidar. Neste sentido o INE e a DGO/MF trabalham com estimativas dos
valores executados. Note-se que, ao contrário das Conta Geral do Estado (leia-se da administração
central e segurança social) que estão disponíveis ao público no sítio da Direcção-Geral do Orçamento, as
Contas da Administrações Regionais da Madeira e Açores são de muito difícil acesso.
22
Na realidade trata-se dos valores constantes da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2009,
mais concretamente do Relatório do Orçamento de Estado. O Orçamento de Estado aprovado (Lei 64A/2008) mantém praticamente todos os valores apontando para um défice de 2,2% do PIB. Contudo, o
Orçamento “rectificativo” (Proposta de Lei 13/2009) vem aumentar o défice previsto para 3,9% do PIB
devido à diminuição das receitas correntes de 1897,7 milhões de euros, e ao aumento das despesas
correntes (560,4M) e de capital (800M). Estes dados já não puderam ser considerados nesta edição . O
leitor que queira dados mais actualizados poderá consultar o sítio da DGO: www.dgo.pt.
Economia e Finanças Públicas
374
As receitas correntes e as receitas de capital constituem as receitas efectivas de
cada subsector. Efectivas, por um lado porque não dão origem a compromissos
futuros, ou seja, a uma situação passiva por parte das entidades públicas. Isto significa
que nelas não estão incluídas as receitas que provêm do recurso a empréstimos
contraídos pelas administrações públicas (passivos financeiros do lado da receita).
Efectivas também porque não estão consideradas eventuais receitas de reembolsos de
empréstimos concedidos por qualquer entidade pública (activos financeiros do lado
da receita).
Do mesmo modo as despesas correntes e de capital são as despesas efectivas, que
não incluem as despesas com activos e passivos financeiros. Logo, nelas não estão
incluídas as despesas com a concessão de empréstimos por entidades públicas ou a
compra de títulos (activos financeiros do lado da despesa) e o reembolso de
empréstimos contraídos pelas administrações públicas (passivos financeiros do lado
da despesa).
O saldo global ou efectivo das administrações públicas é pois a diferença entre as
receitas e despesas efectivas, para o total dos subsectores. Caso seja positivo diz-se
que há superavit, excedente ou capacidade de financiamento das administrações
públicas. Caso seja negativo diz-se que há défice ou necessidade de financiamento.
Como se vê pela linha 21 do quadro, o Orçamento do Estado para 2009 prevê um
défice de 3850,5 milhões de euros, que é a soma do défice da administração central
(5414,3) e dos excedentes da Segurança Social (1522,2) e da ARL (41,6).
Note-se que há receitas e despesas efectivas que advêm da existência de activos e
passivos financeiros, mas não de operações sobre estes activos. No lado das receitas,
os dividendos de empresas públicas, são rendimentos de propriedade, estando pois
considerados nas “outras receitas correntes” (linha 5). Por seu lado as despesas com
juros da dívida pública são despesas correntes (linha 10).
Caso se excluam os juros do cálculo da despesa efectiva obtém-se a despesa
primária. Calculando o saldo anterior sem juros obtém-se o saldo primário.
Dada a importância do saldo global e do saldo primário, convém resumir as
relações:
−
−
Saldo global = Receitas efectivas – despesas efectivas (incluindo juros);
Saldo primário = Receitas efectivas – despesas primárias (efectivas excluindo
juros).
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
375
Quadro 11.4 – Estimativa das Administrações Públicas: 2009
(Óptica da Contabilidade Nacional)
(Milhões de Euros)
1. Impostos sobre a Produção e Importação
2. Impostos correntes sobre Rendimento e
Património
3. Contribuições para Fundos da Segurança Social
Das quais: Contribuições Sociais Efectivas
4. Vendas
5. Outras Receitas Correntes
Das quais: Transferências Administrações Públicas
6. Total das Receitas Correntes
7. Consumo Intermédio
8. Despesas com pessoal
9. Prestações Sociais
Das quais: em espécie
10. Juros
11. Subsídios
12. Outras Despesas Correntes
Das quais: Transferências Administrações Públicas
13. Total Despesa Corrente
14. Poupança Bruta
15. Receitas de Capital
Das quais: Administrações Públicas
16. Total Receitas
17. Formação Bruta Capital Fixo
18. Outra Despesas Capital
Das quais: Transferências Administrações Públicas
19. Total Despesa Capital
20. Total Despesa
21. Capacid. (+)/Nec. (-) Financ. Líquido
Em percentagem do PIB
Adm.
Adm
Segurança Administ.
Central Reg. e Local
Social
Públicas
22.779,1
2.771,0
895,2 26.445,2
15.556,7
1.324,2
0,0 16.880,8
1.690,7
206,7
2.782,0
3.389,0
958,7
46.197,4
4.777,0
14.939,1
9.164,9
7.140,9
5.747,2
1.268,8
14.053,1
11.830,5
49.950,0
-3.752,6
2.769,8
13,7
48.967,3
1.606,8
2.824,7
1.545,9
4.431,6
54.381,6
-5.414,3
-3,1%
138,9
11,3
1.887,3
2.291,8
1.992,8
8.413,1
2.701,4
3.206,5
459,7
319,1
295,3
206,8
640,2
21,1
7.509,8
903,3
2.291,2
1.535,4
10.704,3
2.710,0
442,9
13,7
3.152,9
10.662,7
41,6
0,0%
17.826,3
17.817,1
24,2
12.225,3
9.884,2
30.970,9
228,3
572,3
25.780,8
711,1
10,0
732,8
2.052,0
984,0
29.376,2
1.594,8
27,0
10,7
30.998,0
33,7
65,8
0,2
99,5
29.475,7
1.522,2
0,9%
19.655,8
18.035,1
4.693,4
4.794,1
12.835,6
72.469,4
7.706,7
18.717,9
35.405,3
8.171,1
5.776,0
2.208,3
3.909,6
12.835,6
73.724,0
-1.254,5
3.528,2
1.559,8
75.997,7
4.350,5
1.773,7
1.559,8
6.124,2
79.848,2
-3.850,5
-2,2%
Fonte: MFAP, Direcção Geral do Orçamento – Proposta de Lei - Relatório do Orçamento do Estado para
2009 p.343
Economia e Finanças Públicas
376
A relação entre ambos facilmente se obtém:
−
−
−
Saldo primário = Receitas efectivas – (despesas efectivas - juros);
Saldo primário = (Receitas efectivas – despesas efectivas)+juros;
Saldo primário = saldo global + juros.23
Os valores dos saldos, em contabilidade nacional, verificam aquilo que são os
objectivos para cada subsector previsto na lei de enquadramento orçamental. A
segurança social e os serviços e fundos autónomos devem ter saldos globais
equilibrados ou excedentários, enquanto que o Estado deverá ter o saldo primário
excedentário ou nulo.
11.3.2 Óptica da contabilidade pública
O Quadro 11.4 não discrimina o Estado (sentido estrito) dos Fundos e Serviços
Autónomos da Administração Central, pelo que para fazer uma análise mais fina dos
fluxos inter-sectoriais e distinguir a análise consolidada da não consolidada convém
analisar o Quadro 11.5, com dados em contabilidade pública, também retirado do
Relatório do Orçamento do Estado para 2009.
Dada a estrutura do poder político em Portugal, os dados orçamentados em
contabilidade pública são inscritos no Orçamento do Estado (para toda a
administração central e segurança social), nos Orçamentos de cada uma das regiões
autónomas (da Madeira e dos Açores) e nos Orçamentos dos Municípios. Estes
orçamentos são aprovados nas respectivas assembleias (da república, regionais e
municipais) enquanto que os valores efectivamente realizados são inscritos nas contas
de cada uma destas entidades.
A existência destes documentos separados está claramente associada à
independência política dos vários níveis de governo (da república, regionais e locais).
A sua separação dificulta, porém, uma análise de conjunto do SPA em Portugal.
Dadas estas limitações pode-se, contudo, ter uma visão de conjunto se se
considerar os valores orçamentados para a totalidade do sector público administrativo,
tal como apresentados no Orçamento do Estado. Apesar da natureza destes valores,
servem de referência para a análise da estrutura do sector público administrativo.
23
Esta relação algébrica entre os saldos, por vezes leva a interpretações erradas sobre o conteúdo dos
mesmos. O saldo primário não considera as despesas em juros, mas o saldo global considera essas
despesas.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
377
Quadro 11.5 Orçamento das Administrações Públicas: 2009
(Óptica da Contabilidade Pública)
Estado
(Milhões de euros)
1. RECEITAS CORRENTES
Impostos directos
Impostos indirectos
Contribuições de Segurança Social
Outras receitas correntes
(das quais:transf. de outr. subsectores)
2 DESPESAS CORRENTES
Consumo Público
Subsídios
Juros e Outros Encargos
Transferências Correntes
(das quais:transf. p/ outr. subsectores)
3. SALDO CORRENTE
4.RECEITAS DE CAPITAL
(das quais:transf. de outr. subsectores)
5. DESPESAS DE CAPITAL
Investimentos
Transferências de Capital
(das quais:transf. p/ outr. subsectores)
Outras despesas de capital
6.SALDO GLOBAL
(em percentagem do PIB)
7.SALDO PRIMARIO
(em percentagem do PIB)
8.ACTIV. FIN. LIQ. DE
REEMBOLSOS
9.SALDO GLOBAL INCLUINDO
ACT. FIN.
(em percentagem do PIB)
10.RECEITA s/ transf. intersectoriais
( em percentagem do PIB )
11.DESPESA s/ transf. intersectoriais
( em percentagem do PIB )
12.SALDO s/ transf. intersectoriais
( em percentagem do PIB )
40.608,5
15.273,6
21.850,4
202,7
3.281,8
777,8
44.496,1
12.864,5
692,4
5.700,8
25.238,4
22.633,8
-3.887,7
819,3
70,1
3.245,2
780,9
2.218,6
2.003,0
245,7
-6.313,5
-3,6
-612,7
-0,4
20.926,8
Fundos e
Administr. Segurança Admin.
Serv. Aut. Loc. e Reg.
Social
Publicas
23.341,1
7.889,2 23.640,3 70.972,0
23,0
3.329,3
0,0 18.625,9
440,6
988,3
713,1 23.992,3
3.826,6
11,3 13.865,9 17.906,4
19.050,9
3.560,4
9.061,3 10.447,4
14.727,6
1.992,8
7.008,9
(-)
22.660,8
7.030,9 22.039,1 71.719,9
11.765,5
5.887,5
508,7 31.026,2
1.249,4
199,9
1.168,0
3.309,7
19,7
294,5
10,0
6.025,0
9.626,1
649,0 20.352,5 31.359,0
868,1
21,1
984,0
(-)
680,3
858,3
1.601,2
-747,9
2.801,2
2.395,2
67,0
3.806,5
631,7
1.563,9
10,7
(-)
2.457,1
3.261,8
113,5
6.801,1
676,8
2.732,2
47,6
4.237,5
1.560,3
463,4
65,8
2.031,7
265,2
8,0
0,2
(-)
219,9
66,3
0,0
531,9
1.024,5
-8,3
1.554,8
-3.742,5
0,6
0,0
0,9
-2,2
1.044,2
286,2
1.564,7
2.282,4
0,6
0,2
0,9
1,3
881,1
36,6
1.796,0 23.640,6
-27.240,3
143,4
-44,9
-241,3
-27.383,1
-15,7
40.579,9
23,4
23.104,4
13,3
17.475,4
10,1
0,1
10.783,0
6,2
23.984,6
13,8
-13.201,6
-7,6
0,0
6.727,8
3,9
10.263,6
5,9
-3.535,8
-2,0
-0,1
16.687,8
9,6
21.168,4
12,2
-4.480,7
-2,6
-15,8
74.778,4
43,1
78.521,0
45,3
-3.742,5
-2,2
Fonte: MFAP, Direcção Geral do Orçamento - Relatório do Orçamento do Estado 2009 p. 345
378
Economia e Finanças Públicas
11.3.3 Valores consolidados e não consolidados
A análise do “orçamento do SPA”, na óptica da contabilidade pública, permite
observar não só o peso de cada um dos subsectores assim como as principais
componentes das receitas e despesas públicas por subsector de acordo com uma
classificação económica. Importante é distinguir entre a análise consolidada e não
consolidada das receitas e despesas públicas.
Para se perceber a distinção entre valores consolidados e não consolidados, tomese o caso das receitas correntes. O total das receitas correntes do SPA, são receitas
correntes que provêm de sectores institucionais que não pertencem às administrações
públicas, isto é, provêm do sector privado da economia, do sector empresarial do
Estado, das empresas regionais ou municipais ou ainda da União Europeia. O total
previsto para as receitas correntes do sector público administrativo é de 70972
milhões de euros em 2009. Contudo, somando em linha as receitas de cada subsector
do SPA obtém-se o valor de 95479,1 milhões de euros. O primeiro valor é um valor
consolidado das receitas correntes e o segundo um valor não consolidado. Na
realidade a diferença entre os dois valores (24507,1 milhões de euros) é o valor da
soma das receitas correntes dos vários subsectores cuja proveniência são as
subvenções intergovernamentais dentro do SPA.24 Isto é, os valores não consolidados
duplicam o valor de certas receitas.
Para saber qual o papel de cada subsector na obtenção de receitas correntes fora
do SPA, a análise que tem sentido é considerar valores consolidados (isto é, líquidos
de transferências) e reportá-los ao total de 70972 milhões de euros. Isto clarifica o
papel de cada subsector em obter recursos fora do SPA. Para se obter os valores
consolidados basta, subtrair às receitas correntes de cada subsector as transferências
provindas de outros subsectores e depois somar em linha obtendo-se desta forma o
valor total. Pelo Quadro 11.6 verifica-se que mais de metade das receitas correntes
provêm do subsector Estado e que a administração regional e local obtém 9% das
receitas.
24
A diferença de décimas provém dos arredondamentos.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
379
Quadro 11.6 – Receitas e despesas (consolidadas) de cada subsector em proporção
das administrações públicas (2009)
RECEITAS CORRENTES
(das quais:transf. de outr. subsectores)
Estado
FSA
ARL
SS
40.608,5
23.341,1
7.889,2
23.640,3
Adm. Pub
777,8
14.727,6
1.992,8
7.008,9
(-)
39830,7
8613,5
5896,4
16631,4
70972
56,1%
12,1%
8,3%
23,4%
100%
Despesas correntes
44.496,1
22.660,8
7.030,9
22.039,1
(das quais:transf. p/ outr. subsectores)
22.633,8
868,1
21,1
984,0
(-)
Despesas correntes (consolidadas)
21862,3
21792,7
7009,8
21055,1
71.719,9
30,5%
30,4%
9,8%
29,4%
100%
Receitas Correntes (consolidadas)
% do total das Adm. Pub.
% do total das Adm. Pub.
Receita Capital (consolidada)
19,7%
57,0%
21,8%
1,5%
100%
Despesa Capital (consolidada)
18,3%
32,2%
47,8%
1,7%
100%
Receita Efectiva (consolidada)
54,3%
14,4%
9,0%
22,3%
100%
Despesa Efectiva (consolidada)
29,4%
30,5%
13,1%
27,0%
100%
Fonte: Quadro 11.5 e cálculos próprios
A mesma distinção entre valores consolidados e não consolidados se aplica às
despesas públicas. Neste caso a justificação para se trabalhar com valores
consolidados, numa análise horizontal do Quadro 11.5 é ainda mais forte. Na
realidade, para associar as despesas com as competências exercidas por cada nível de
administração, tem sentido trabalhar com despesas líquidas de transferências. As
despesas correntes do Estado são de 44496,1 milhões de euros, contudo, deduzindo
as transferências para outros subsectores da administração pública no montante de
22633,8 milhões de euros, obtém-se um valor para a despesa corrente consolidada do
Estado de 21862,3 milhões de euros (ver Quadro 11.6). Este valor consolidado
reporta-se às funções que estão directamente acometidas ao Estado no âmbito das
suas competências directas e é o valor que pode ser comparável com o total
(consolidado) em linha do SPA de 71719,9 milhões de euros. Assim verifica-se que a
despesa (consolidada) do subsector Estado é pouco menos de um terço do total, logo
seguida pela dos Fundos e Serviços Autónomos.
Aplicando a mesma metodologia às receitas e despesas de capital é possível
também obter o peso de cada subsector no total das administrações públicas. O
Quadro 11.6 apresenta ainda a importância relativa de cada subsector nas receitas e
despesas efectivas (correntes mais capital) consolidadas. Aqui se verifica que as
receitas públicas são sobretudo do Estado (54,3%) e da Segurança Social (22,3%),
mas que no que refere à despesa os FSA são o subsector mais importante seguido do
Estado e da Segurança Social. O grau de centralização da despesa pública em
Economia e Finanças Públicas
380
Portugal é precisamente o peso destes três subsectores na despesa efectiva total, ou
seja 86,9%.
Outro tipo de análise da “conta” do SPA (Quadro 11.5) pode ser direccionada
para investigar a importância relativa de certas receitas ou de certas despesas dentro
de cada subsector. Trata-se de uma análise vertical, para cada subsector e neste caso
dever-se-ão utilizar valores não consolidados (isto é, incluindo as subvenções).
Quadro 11.7– Despesas (não consolidadas) de cada subsector em proporção das
despesas totais de cada subsector (2009).
Administração
Central
Despesas
correntes
Despesas de
capital
Despesa
Efectiva
Admin.
Segurança
Reg. e
Social
TOTAL Admin.
Públ.
(consolidado)
Estado
FSA
Local
44.496,1
22.660,8
7.030,9
22.039,1
71.719,9
93,2%
90,2%
68,3%
99,5%
91,3%
3.245,2
2.457,1
3.261,8
113,5
6.801,1
6,8%
9,8%
31,7%
0,5%
8,7%
47741,3
25117,9
10292,7
22152,600
78521
Neste caso os dados do Quadro 11.7, mostram que enquanto o Estado tem
essencialmente despesas correntes (93,2%), sendo em parte com os funcionários
públicos, e poucas despesas de capital (6,8%), a administração regional e local tem
um peso muito superior de despesas de capital (31,7%), explicado em grande parte
por investimento local. A este facto não será alheio o peso das receitas de capital (do
Estado e da União Europeia) nos orçamentos regionais e municipais, mas também o
efeito conjugado das regras orçamentais que incentiva o investimento.25
11.3.4 Os saldos dos subsectores e o saldo global
A análise dos saldos de cada subsector deve ser feita em termos de receitas e
despesas efectivas. Uma subvenção é uma receita efectiva de um subsector, mesmo
quando provém de outro subsector. Assim sendo, pode-se concluir que o principal
responsável pelo défice público é o subsector Estado, apresentando um saldo global
25
Pereira e Silva (2008) mostram como o efeito conjugado da “regra de ouro” das finanças públicas
(superavit do saldo corrente) e da regra de afectação das transferências correntes e de capital do
Orçamento do Estado (que até 2007 foi 60% correntes e 40% capital), obriga os municípios, sobretudo
os mais dependentes das transferências do OE, a elevadas despesas de investimento.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
381
significativamente negativo (pese embora seja também o subsector que mais
transferências faz para aos demais subsectores).
Contudo, o Ministério das Finanças apresenta também o saldo global numa outra
perspectiva. Consolidando as receitas e as despesas públicas (ou seja excluindo as
transferências inter-sectoriais) obtêm-se resultados significativamente diferentes.
Dado que grande parte das receitas fiscais são canalizadas para o Estado e depois
transferidas para os outros subsectores é natural que o Estado, após consolidação de
receitas e despesas, tenha um “saldo global consolidado” claramente superavitário.
Na realidade isso é o que se pode observar na última linha Quadro 11.5 retirado do
relatório do Orçamento do Estado e reproduzido a seguir.
Quadro 11.8– Saldo global “consolidado” decomposto por subsectores (2009).
Administração
Central
SALDO GLOBAL (excluindo transferências. para outros subsectores, em %
do PIB)
Estado
FSA
10,1
-7,6
Administração
Regional Local
Segurança
Social
TOTAL
-2,0
-2,6
-2,2
Fonte: Relatório do Orçamento do Estado 2009 (ver Quadro 11.5 supra, última linha)
Estes valores representam o que seria o saldo global caso não existissem
transferências inter-sectoriais. Estas transferências são, em grande parte, resultantes
de leis aprovadas na Assembleia da República (Lei das Finanças Locais, Regionais,
etc.) de acordo com fórmulas precisas, por razões bem especificadas. Só por razões
excepcionais pode o Ministério das Finanças, transferir montantes inferiores aos
previstos nas leis respectivas. No geral, devem entender-se as subvenções como algo
obrigatório que o Estado deverá respeitar. As transferências para regiões e municípios
têm a função de contribuir para o equilíbrio financeiro vertical e horizontal como será
analisado adiante neste capítulo.
Do ponto de vista aritmético o saldo global total das administrações públicas é a
soma dos saldos dos quatro subsectores e é indiferente se se calcula esse saldo (em %
PIB) com receitas e despesas consolidadas (Quadro 11.5) ou não consolidadas
(Quadro 11.8). Isto porque uma transferência entre administrações públicas é uma
despesa no subsector que transfere e uma receita, do mesmo montante, naquele que
recebe.
382
Economia e Finanças Públicas
11.3.5 Fluxos entre as administrações públicas e o SPE
O saldo global considerado até ao momento é apenas a diferença entre receitas e
despesas efectivas, isto é, não considerando operações com activos e passivos
financeiros. Este saldo pode ser superavitário ou deficitário. Contudo, o saldo das
administrações públicas está sempre equilibrado se se considerar a totalidade de
receitas e das despesas efectivas e não efectivas (financeiras).
As receitas e as despesas, se forem consideradas efectivas, contam para o saldo
global (défice ou superavit) enquanto que se forem consideradas não efectivas,
contam para a dívida. A distinção é aparentemente simples, mas pode dar origem a
alguma confusão e “engenharia financeira” para alterar as magnitudes do défice e da
dívida.
Em termos simples basta relembrar que são receitas não efectivas as receitas com
activos e passivos financeiros.26
Do mesmo modo, no que toca às despesas públicas, essa distinção é
aparentemente fácil de fazer. São despesas efectivas todas as despesas menos aquelas
que envolvem operações com activos e passivos financeiros. Assim, por exemplo,
uma transferência de capital para uma empresa pública é contabilizada como
“Despesa de capital” efectiva, contando para o saldo global. Grande parte das
transferências de capital é constituída por verbas do Programa de Investimentos e
Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) sobretudo na
área de transportes e das infra-estruturas (portuárias, rodoviárias, ferroviárias).
Já um “aumento de capital” numa empresa com capitais públicos, existente ou a
criar, é uma “Despesa de capital” não efectiva, pois aumenta os activos financeiros
do Estado. A saída em 2002, início de 2003, de 31 hospitais do Serviço Nacional de
Saúde, e a constituição de sociedades anónimas de capitais públicos (“Hospitais SA”)
significou um aumento de capital. Estes hospitais passaram posteriormente a
entidades públicas empresariais.27
26
A distinção entre receitas e despesas efectivas já abordada neste capítulo, será retomada no capítulo 12.
Os hospitais SA passaram, com o XVII governo constitucional a entidades públicas empresariais
(E.P.E.). O impacto desta alteração institucional nas finanças públicas (contabilidade nacional) depende
do entendimento do termo “vendas” na área hospitalar. De facto se a prestação de serviços do hospital
for considerada vendas ele não estará decerto nas administrações públicas, enquanto que se tal não for o
caso estará. O Manual do SEC95 esclarece as possibilidades de considerar os pagamentos aos hospitais:
“i) de acordo com os seus custos; ii) de acordo com uma negociação (orçamento global) entre as
administrações públicas e cada hospital (...); iii) de acordo com um sistema de fixação de preços aplicado
apenas aos hospitais públicos; iv) de acordo com um sistema de fixação de preços aplicado tanto a
hospitais públicos como privados. Só os pagamentos da alínea iv podem ser considerados como vendas.”
(Manual do SEC95 pg. 16). Ou seja, só esta última hipótese, coloca realmente os hospitais (mesmo
sendo sociedades anónimas de capitais públicos) numa lógica verdadeiramente mercantil.
27
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
383
Por seu turno, indemnizações compensatórias, concedidas a empresas públicas
pelo facto de praticarem preços abaixo do custo médio, por razões de políticas
públicas, são consideradas como despesas correntes, na rubrica de subsídios. Tem
sido o caso dos subsídios para empresas como a RTP, LUSA, CARRIS, STCP, CP,
METRO, REFER, TAP, SATA, SOFLUSA, Transtejo, entre outras.
Quando o saldo global é negativo – défice orçamental – dá origem a uma
necessidade de financiamento líquida do subsector. No caso do subsector Estado para
se obter a necessidade líquida de financiamento total (NFL) deverá considerar-se:
NFL = Défice Orçamental
+ Aquisição líquida de Activos Financeiros
+ Regularização de Dívidas e Assunção de Passivos
- Receita de privatizações aplicadas na amortização da dívida.
Se às necessidades de financiamento líquidas se adicionar as amortizações e
anulações do ano da dívida pública fundada (certificados de aforro, dívida de curto e
médio prazo), obtêm-se as necessidades de financiamento brutas do Estado. Essas
necessidades de financiamento serão financiadas através de emissão de dívida pública
relativas ao orçamento desse ano. 28
No que toca aos fluxos financeiros advindos do SPE eles provêm essencialmente
de juros, dividendos e participações nos lucros de empresas do sector (“rendimentos
de propriedade”), sendo o peso das transferências correntes e de capital do SPE para o
SPA praticamente irrisório.
11.3.6 A sustentabilidade das finanças públicas: uma perspectiva global
A sustentabilidade das finanças públicas tem a ver com três realidades distintas,
mas relacionadas, que devem merecer a maior atenção. A primeira, que tem merecido
destaque neste capítulo e objecto de maior relevo político, é o saldo global das
administrações públicas e o seu impacto na dívida das administrações públicas.
A segunda, não aflorada, mas muito importante, tem a ver com a situação financeira
das empresas do sector público empresarial. O Tribunal de Contas (TC) apresentou
em 200829 um retrato parcial deste universo. Numa auditoria a vinte empresas
públicas não financeiras30 o TC apurou uma dívida total (curto e médio prazo) no
28
Para uma análise mais detalhada das necessidades de financiamento líquidas e brutas e da dívida
pública veja-se adiante o Capítulo 14.
29
Tribunal de Contas (2008a) Auditoria aos débitos e ao prazo médio de pagamentos das empresas
públicas. Relatório nº 48/2008.
30
Trata-se de 17 sociedades anónimas e 3 entidades públicas empresariais: ANA- Aeroportos de
Portugal, NAV EPE, REFER-EP, APA-SA,APL-SA, RTP-SA,CARRIS-SA, CP-SA, ML-Metropolitano
384
Economia e Finanças Públicas
valor de 17.478 milhões de euros em 31 de Dezembro de 2007, ou seja 10,7% do
PIBpm em 2007. Apenas seis empresas têm dívidas de médio prazo na ordem dos
12.351 milhões: REFER (3.821M), Metropolitano de Lisboa (2922M), CP
(2337,4M), Metropolitano do Porto (1453M), TAP (994M) e RTP (822M). Apesar da
dívida das empresas públicas não entrar para o cômputo da dívida das administrações
públicas31 o seu impacto nas finanças públicas é evidente pois a insustentabilidade da
dívida pública empresarial só pode ter as saídas seguintes: aumento dos preços e
tarifas para os utilizadores ou aumento das transferências do orçamento do Estado
(seja sob a forma de subsídios-indemnizações compensatórias, transferências de
capital, ou aumentos de capital). Mais atenção deveria pois ser dada à situação
financeira das empresas do sector público empresarial.
Finalmente, um último aspecto que exige atenção redobrada são as parcerias
público-privada (PPP). Tem sido uma prática algo utilizada, para a promoção de
grandes obras públicas, concessionar a um consórcio de empresas privadas a
concepção, construção e a manutenção de infra-estruturas durante um certo período
de tempo (por exemplo 25, 40 ou 75 anos). Quando a utilização dessas infraestruturas é feita sem custos para o utilizador (SCUT) isso gera encargos futuros para
o Estado que devem ser devidamente acautelados.32
11.4
As contas da administração regional e local (municípios)
11.4.1 As Contas das Administrações Regionais
As regiões autónomas dos Açores e da Madeira, sendo formalmente designadas
por “regiões” de um Estado unitário, têm na prática um estatuto e poderes que
ultrapassam o da maioria dos “Estados” em países federados. A Constituição da
República Portuguesa (CRP) consagra a unidade do território e, entre outros, o poder
legislativo das Assembleias Regionais em “matérias de reserva relativa da
Assembleia da República”, poder de “regulamentar a legislação regional e as leis
emanadas dos órgãos de soberania”, “exercer poder executivo próprio” e “exercer
poder tributário próprio” 33. Adicionalmente as regiões têm o poder de, no âmbito dos
de Lisboa EP, Metro do Mondego SA, Metro do Porto, SA, STCP, SA, TRANSTEJO SA, CTT-SA,
DOCAPESACA, SA, EDIA, SA, SIMAB, SA, TAP, SA, QUIMIPARQUE, SA e INCM.
31
Para a clarificação do conceito de dívida pública, e de sustentabilidade da dívida ver o capítulo 14.
32
O Relatório do Orçamento do Estado para 2009 dá alguma informação quer sobre o SPE quer sobre as
PPP apresentando um quadro com as estimativas de encargos futuros das PPP. Contudo, parece-nos que
a informação revelada é manifestamente insuficiente.
33
As finanças regionais estão enquadradas legalmente pela CRP, pelos Estatutos Político-Administrativos
e pela lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica nº1/2007 de 19 de Fevereiro). Para uma
abordagem económica do federalismo orçamental em Portugal ver, entre outros, Baleiras (2002) e
Pereira (1998).
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
385
respectivos Estatutos Político-Administrativos e da Lei das Finanças das Regiões
Autónomas, “dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas bem como de uma
participação nas receitas tributárias do Estado estabelecida de acordo com um
princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional”.34
Aquilo que merece desde já destaque é a dificuldade de se obter informação sobre
as contas das regiões autónomas, dado que estas, ao contrário da Conta Geral do
Estado, disponível no sítio da Direcção Geral do Orçamento (www.dgo.pt), não
constam do sítio dos organismos responsáveis regionais das finanças.35
O mapa da conta das receitas e das despesas segundo a classificação económica
para a Região Autónoma da Madeira (incluindo activos e passivos financeiros) está
no Quadro 11.9.36 Sobressai o peso dos impostos como fonte de receita (58,5% das
receitas totais) e das transferências do Orçamento do Estado e da União Europeia que
representam pouco mais de um quarto das receitas totais.
Assinale-se também que os Fundos Autónomos da Administração Regional
vivem sobretudo de transferências da administração regional. De facto a sua receita
não consolidada de transferências das Administrações públicas é de 438 milhões de
euros, mas a receita consolidada é de apenas 112,1 milhões, ou seja cerca de um
quarto.
O Quadro 11.10 fornece informação sobre as contas da Administração Regional
dos Açores na óptica da contabilidade pública. As regiões têm um direito,
constitucionalmente garantido, de obter as receitas fiscais geradas no território. Assim
é que 43,7% das receitas efectivas provêm de impostos indirectos, assumindo aqui
particular importância as receitas de IVA.37 Também importante, do ponto de vista
34
Ver CRP art. 227º para uma lista muito vasta dos poderes das regiões. É precisamente este último
poder de dispor de todas as receitas nelas cobradas ou geradas que não tem paralelo em nenhum Estado
unitário e mesmo não se encontra vigente nas federações mais bem desenhadas do ponto de vista do
federalismo orçamental, como é o caso da República Federal da Alemanha, onde a colecta dos principais
impostos é repartida entre dois ou três níveis de administração (consoante o imposto).
35
Não conseguimos aceder às contas das administrações regionais pelo que utilizámos os valores
inseridos nos Pareceres às Contas das Regiões Autónomas elaborados pelo Tribunal de Contas
(2008b,2008a), que nos deixam algo apreensivos sobre a qualidade dessas contas. Na realidade, o
tribunal conclui mesmo na conclusão do Parecer Sobre a Conta da Região Autónoma da Madeira 2006,
p. 8 ponto 37. que “A Conta da RAM não contém informação suficiente para determinar o contributo da
administração regional no apuramento do défice do SPA (Sector Público Administrativo) de acordo com
o SEC95.”
36
De acordo com o Parecer do Tribunal de Contas a RAM realizou um empréstimo, cuja primeira
tranche em 2006 teve o valor de 129,685 milhões de euros, cujo destino foi amortizar empréstimos de
igual montante em condições menos favoráveis. Trata-se pois de uma receita e despesa com passivos
financeiros que, se de igual montante, não afectam o saldo global efectivo, nem o total. Afectam,
contudo, o peso das diferentes rubricas.
37
O IVA tem sido colectado pelo Ministério das Finanças e repartido entre o Continente, a RAA e a
RAM de modo proporcional à população de cada território. Esta distribuição igualitária per capita do
Economia e Finanças Públicas
386
das receitas, são as transferências do Orçamento do Estado quer correntes (13,5%)
quer de capital (15.6%), e os impostos directos (18,8%) em particular o IRC e o IRS.
Quadro 11.9 - Conta da Região Autónoma da Madeira (2006)
Unidade: milhões euros
Governo Fundos
Designação
Regional Autónomos Total
Adm. Reg.
1. Receita Corrente
893,4
338,7
936,5
1.1. Impostos Directos
292,7
0,0
292,7
1.2. Impostos Indirectos
466,2
0,0
466,2
1.3. Transferências Correntes
101,4
330,0
135,8
1.3.1. Administrações públicas
100,3
297,8
102,5
1.3.2. Comunidades Europeias
1,1
7,0
8,1
1.3.3. Outras transferências
0,0
25,2
25,2
1.4. Outras Receitas Correntes
33,1
8,8
41,9
2. Despesa Corrente
794,0
339,3
837,7
2.1. Despesas com o pessoal
340,6
33,0
373,6
71,4
95,6
166,9
2.3. Transferências correntes
346,2
205,9
256,4
2.3.1. Administrações públicas
296,6
0,2
1,3
49,5
205,7
255,2
2.2. Aquisição de bens e serviços
2.3.2. Outras transferências
2.4. Outras despesas correntes
35,9
4,8
40,8
3. Saldo Corrente (3) = (1)-(2)
99,4
-0,5
98,8
4. Receitas de Capital
271,4
99,3
359,3
4.1. Transferências de capital
140,5
89,2
218,3
4.1.1. Administrações públicas
99,8
28,2
116,6
4.1.2. Comunidades europeias
40,7
61,0
101,7
4.1.3. Outras transferências
0,0
0,1
0,1
4.2. Outras receitas de capital
130,9
10,1
141,0
5. Despesas de Capital
372,2
92,6
453,5
5.1. Aquisição de bens de capital
153,8
6,4
160,3
5.2. Transferências de capital
77,7
76,7
143,1
5.2.1. Administrações públicas
52,7
17,5
58,9
5.2.2. Outras transferências
25,0
59,2
84,2
5.3. Outras despesas de capital
140,7
9,5
150,1
-100,8
6,6
-94,2
7. Reposições não Abatidas nos Pagamentos
1,4
0,3
1,8
8. Saldo Global (8) = (3)+(6)+(7)
0,0
6,4
6,4
6. Saldo de Capital (6) = (4)-(5)
Fonte: Conta da Região Autónoma da Madeira (2006)
IVA, associado ao facto de que nas regiões praticam-se taxas de IVA mais baixas do que no Continente,
faz com que tenha havido um subsídio implícito às regiões em sede de IVA. Isto sugere que o preceito
constitucional não tem sido cumprido.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
387
Quadro 11.10– Estimativa da Conta da Região Autónoma dos Açores (2006)
Un.: Milhões de euros
Receita Corrente
686,55
78,4%
Impostos Directos
182,70
20,9%
Despesa Corrente
533,18
121,95
655,1
77,9%
Impostos Indirecto s
399,70
45,6%
Despesas com Pessoal
266,30
3,40
269,7
32,1%
Contribuições p/ Seg. Social
2,94
0,3%
Aq. Bens/Serv. Correntes
17,02
33,90
50,9
6,1%
Tax., Mult.,Out. Penalid.
3,29
0,4%
Enc. Corr. da Dívida
10,53
0,01
10,5
1,3%
Rendimen. Pro priedade
2,49
0,3%
Transf. Correntes
229,25
68,70
297,9
35,4%
1,7%
Ven. Bens/Servi.Corren.
n. Plano
Plano
Tot.
%
0,47
0,1%
Subsídios
0,00
14,60
14,6
Transferências correntes OE
77,80
8,9%
Out. Desp. Correntes
10,08
1,29
11,4
1,4%
Outras Rece. Correntes
17,16
2,0%
Despesa de Capital
2,02
184,17
186,2
22,1%
165,01
18,8%
Aquisição Bens de Capital
1,13
68,72
69,9
8,3%
0,13
0,0%
Transferências de Capital
0,58
107,85
108,4
12,9%
140,28
16,0%
Outras Despesas Capital
0,31
0,00
0,3
0,0%
0,13
0,0%
535,20
306,12
Receita de Capital
Venda Bens Investim.
Transf. Cap. OE
Outras Rec. de Capital
Transf. UE
Receita Efectiva
2,8%
24,48
876,04 100,0%
Despesa Efectiv a
841,3 100,0%
Trata-se de uma estimativa baseada nos dados revelados na fonte utilizada.
Fonte: Tribunal de Contas. Parecer Sobre a Conta da RAA (2006) e cálculos próprios.
No que toca às despesas da Administração Regional dos Açores pode-se verificar
o grande peso das despesas correntes (78%), em particular com o pessoal e com
transferências.38 Verifica-se em 2006 um saldo global positivo na ordem dos 36
milhões de euros.
11.4.2
A Administração Local
11.4.2.1 Competências e Recursos
A distribuição de competências é elucidada pelo Quadro 11.11 onde se verifica
que grande parte das funções gerais de administração, económicas e certas funções
sociais (saúde e parte da educação) são centralizadas. A descentralização é sobretudo
ao nível de algumas funções sociais (habitação, serviços culturais e recreativos, parte
da educação) e das infra-estruturas de transportes e saneamento básico.
O exercício destas competências foi financiado em 2007 (ver Quadro 11.12)
sobretudo por transferências correntes e de capital da administração central e regional
(34,5%) e da União Europeia (5,2%), por impostos directos e indirectos (37%) por
38
As despesas têm sido separadas em Despesas Correntes, Despesas de Capital e Despesas do Plano.
Visto que estas últimas se distinguem em correntes e de capital faz-se no Quadro 11.11 a soma de ambas.
388
Economia e Finanças Públicas
venda de bens e prestação de serviços (9,5%).39 As receitas correntes em 2007
representam 79,1% das receitas efectivas enquanto que as receitas de capital têm um
peso de 20,9%.
Do lado das receitas fiscais nota-se o impacto parcial da reforma da tributação do
património em que o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), pago anualmente pelos
proprietários de imóveis (não isentos), aumentou a uma taxa média de crescimento
anual (TMCA) de 12,1% entre 2001 e 2004 e de 9,5% de 2004 a 2007. Em apenas
seis anos o IMI aumentou 455 milhões de euros, ou seja 85% da colecta inicial de
2001 passando a ser o mais importante imposto municipal. Por seu turno o Imposto
Municipal sobre Transacções onerosas de Imóveis (IMT), pago por quem adquire um
imóvel, diminuiu ligeiramente de 2001 para 2004, mas subiu significativamente para
2007. Em seis anos aumentou 301 milhões euros, ou seja 45% do valor de 2001. 40
As transferências para os municípios cresceram sobretudo de 2001 para 2004
(TMCA de 6,8%) tendo-se mantido estáveis a partir daí (TMCA de 0,2%), mas a sua
estrutura alterou-se. O peso das transferências correntes aumentou significativamente
de 42,4 % em 2001 para 52,4% em 2007. Esta alteração deve-se por um lado à Lei
das Finanças Locais, em vigor a partir de 2007 (ver adiante), e também a uma redução
significativa nas transferências comunitárias que são no essencial transferências de
capital. Por fim, de assinalar a variação significativa nas receitas associadas à venda
de bens e serviços que de 2001 a 2004 cresceu à TMCA de 15,1% e de 2004 a 2007
de 4,1%. Em ambos os casos as variações são muito superiores às taxas de inflação
registadas no período o que pode indiciar uma de duas coisas, aumento na quantidade
de serviços prestados ou do seu preço.
39
Actualizam-se os dados de 2004, da segunda edição, com os de 2007 que eram os que estavam disponíveis na Direcção Geral de Autarquias Locais em Novembro de 2008. Cálculos próprios.
40
Este aumento muito considerável da carga fiscal sobre os munícipes perdurará no futuro,
relativamente ao IMI, com o efeito conjugado da diminuição do período das isenções e do aumento dos
valores patrimoniais não sendo diminuídas as taxas. Dado o carácter iníquo do IMT (tributa sobretudo
quem muda mais vezes de casa e não quem tem maior património) e ineficiente (distorce o mercado de
habitação favoravelmente a habitações T0 e T1), parece justificar-se uma diminuição quer das taxas de
IMI quer de IMT dado que a reforma do património foi realizada essencialmente para a promoção da
equidade e da eficiência e não para o aumento das receitas fiscais municipais. Deste modo não se
agravaria a carga fiscal sobre os contribuintes. O XVII Governo Constitucional diminuiu as taxas
máximas de IMI (ver Orçamento de Estado de 2009), mas não as taxas marginais de IMT, que deveriam
também ter sido reduzidas. Só se justificaria eventualmente o agravamento da carga fiscal ao nível local
(e diminuição ao nível central) se houvesse competências adicionais descentralizadas para os municípios.
Contudo, isso não se verificou de forma assinalável entre 2001 e 2007.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
389
Quadro 11.11– As funções centralizadas e descentralizadas
Funções centralizadas
(administração central, empresas de capitais
públicos e outras)
Funções gerais
de
Administração
Funções
Sociais
Sistema Judicial
Não tem competências
Defesa Nacional
Segurança Pública
(PSP, GNR, PJ)
Não tem competências
Educação:
Currículos Nacionais
Pessoal Docente (básico e secundário)
Equipamento Escolar (secundário)
Ensino Superior
Saúde:
Hospitais, Centros de Saúde
Pessoal médico, de enfermagem e auxiliar.
Segurança e Acção Social:
-Transferências a favor do rendimento.
Competência quase exclusiva da
administração central.
Habitação:
Regulação do mercado de arrendamento
(controle de rendas)
Programas de renovação urbana.
Funções
Económicas
Funções descentralizadas (administração
local, empresas municipais, intermunicipais e outras)
Serviços Culturais, Recreativos:
Centros de cultura, centros de ciência,
bibliotecas, teatros e museus nacionais
(IPM)
Património cultural, paisagístico e
urbanístico regional ou nacional.
Agricultura, Pecuária, Silvicultura, caça e
pesca:
Incentivos económicos a estes sectores
Indústria e Energia:
Distribuição de energia eléctrica em alta
tensão, apoios às PMEI
Transportes e Comunicações:
Rede Nacional de Estradas,
Portos
Água, saneamento e resíduos
Tratamento de resíduos perigosos
Polícias Municipais (facultativo)
Construção e manutenção dos
estabelecimentos de educação pré-escolar e
das escolas do ensino básico.
Pessoal Não Docente (básico)
Acção social escolar
Transportes escolares
Participação e consulta no planeamento da
rede de centros de saúde
Cooperação com instituições de
solidariedade social e em parceria com a
administração central, em programas e
projectos de acção social de âmbito
municipal, designadamente nos domínios
do combate à pobreza e à exclusão social.
Disponibilizar terrenos para a construção de
habitação social;
Promoção de programas de habitação a
custos controlados, de erradicação de
barracas e de renovação urbana.
Construção de Instalações Desportivas e
Recreativas
Centros de cultura, centros de ciência,
bibliotecas, teatros e museus municipais;
Património cultural, paisagístico e
urbanístico do município
Não há competências relevantes neste
campo
Distribuição de energia eléctrica em baixa
tensão; Iluminação pública urbana e rural.
Viadutos, arruamentos e obras
complementares
Rede viária Municipal
Distribuição de água em alta e em baixa
Tratamento de resíduos sólidos
Sistemas de esgotos
390
Economia e Finanças Públicas
11.4.2.2 A estrutura da despesa
A evolução da despesa municipal nos períodos 2001-04 e 2004-07 reflecte a
evolução nas receitas que, como se assinalou, foram crescentes no período 2001-07.
De 2001 a 2004 passou-se de um défice global de 577,5 milhões de euros para um
quase equilíbrio orçamental (-3,1 milhões) como resultado das regras de variação do
endividamento nulo incorporadas nos Orçamentos do Estado nesse período. O
equilíbrio orçamental em 2004 conseguiu-se no essencial com uma redução das
despesas de capital (em 525,5 milhões). Se nos primeiros anos o aumento de receita
foi aproveitado para equilibrar as contas e diminuir os passivos financeiros
municipais (ver Quadro 11.14) nos anos recentes traduziu-se em excedentes
orçamentais e mesmo nalguma redução no endividamento líquido.
A despesa corrente média dos municípios atinge em 2007 cerca de dois terços da
despesa efectiva total, sendo o terço remanescente despesas de capital. Isto representa
uma alteração significativa na estrutura da despesa pois em 2001 era de 50,5% o peso
da despesa corrente. Esta alteração parece no sentido correcto pois os municípios
estão já, em grande parte, com o grosso das infra-estruturas realizadas e, em muitos
casos, esses investimentos já não são feitos pelos municípios, mas por outras
entidades. Assim, justifica-se uma maior importância relativa na prestação de serviços
e nas despesas de pessoal.
A diminuição significativa das despesas de capital foi conseguida sobretudo pela
diminuição do investimento público local que passou de 42,7% da despesa não
financeira em 2001 para 34,3% em 2007. Não deixa de ser importante salientar, o
peso muitíssimo pequeno do investimento local em funções sociais, nomeadamente
creches (9,5 milhões) e lares de terceira idade (5 milhões), bem como em escolas (98
milhões), que representam conjuntamente apenas 7,1% do total do investimento.41 A
redução global do investimento foi de 32,7%, mas a redução das aplicações em
equipamentos sociais (creches e lares) foi de 81%, denotando que quando é
necessário cortar nos investimentos parece mais fácil cortar na despesa menos visível,
mas apesar de tudo socialmente mais necessária.
Já tinha sido evidenciada a importância relativa do investimento no sub-sector da
administração regional e local, tornando-se agora clara a situação ao nível municipal.
Mas porquê a importância do investimento local? Será uma verdadeira liberdade de
escolha? Note-se que a combinação da regra de ouro das finanças públicas (saldo
corrente superavitário) associada à classificação económica das receitas, que
discrimina as transferências correntes das de capital, implica que as despesas de
41
Estes valores em 2004 eram respectivamente de 11,5M., 2,3M. e 86,35M. Para colocar os valores de
2007 em perspectiva assinale-se que em cemitérios os municípios investiram 8 M. de euros e em
sinalética e trânsito 15,7 M.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
391
capital dos municípios sejam elevadas. Na realidade é um corolário da regra de ouro,
caso o saldo global esteja praticamente equilibrado ou seja excedentário (o que
acontece em 2004 e 2007 respectivamente), que o saldo de capital seja deficitário, ora
como as transferências de capital do O.E. são receitas de capital nos municípios, as
despesas de capital terão de ser superiores ao montante destas transferências. Isto
mostra o impacto que as regras orçamentais têm na composição da despesa pública
local.42
O exercício das funções descentralizadas reparte-se cada vez mais entre a
administração local (municípios) e empresas de capitais municipais ou intermunicipais que ganharam uma importância crescente, desde a década de noventa,
sobretudo nas áreas da água, saneamento e resíduos, mas também, nos municípios
urbanos, na habitação e nos serviços de estacionamento (fiscalização e construção de
parques). Neste sentido parte das funções descentralizadas ao nível local já não são
realizadas pela administração local e estão fora do sector das administrações públicas.
Este processo de desorçamentação torna-se claro pelo peso crescente das
“transferências de capital – outras” que subiram de 1,9% das despesas efectivas em
1993 para 3,5% em 2001 e 3,7% em 2004. Neste ano representavam 125,2 milhões de
euros e em 2007 119 milhões. Por outro lado, os sectores onde essa desorçamentação
mais se fez sentir (na água, saneamento e resíduos) o investimento directo municipal
baixou consideravelmente. Uma análise global do sector público local deve pois
tomar em consideração esta realidade e exige uma consolidação das contas do sector
administrativo local com o sector empresarial.
O défice local de 577,77 milhões de euros em 2001 (obtido a partir do Quadro
11.14) foi financiado com receitas creditícias, isto é, com receitas de passivos
financeiros. Já em 2004 as restrições ao aumento da dívida levaram a que o saldo das
operações com activos e passivos financeiros se reduzisse a 51,68 milhões de euros
para cobrir um défice de apenas 3,1 milhões. Por seu turno, a situação financeira dos
municípios portugueses, em média, melhorou significativamente em 2007 na medida
em que ao saldo efectivo do exercício de 101,1 milhões de euros há a adicionar o
saldo da gerência anterior no montante de 423,7 milhões. Isto tem permitido aos
municípios reduzirem o seu endividamento líquido, embora menos do que seria de
desejar.
42
Sobre o impacto das regras orçamentais na estrutura da despesa dos municípios portugueses ver
Pereira e Silva (2008).
Economia e Finanças Públicas
392
Quadro 11.12-Receitas efectivas dos municípios portugueses (2001, 2004 e 2007)
Unidade: milhões euros
RECEITAS CORRENTES
2001
%
2004*
%
2007
%
TMCA
TMCA
01-04
04-07
IMPOSTOS DIRECTOS
1615,9
28,6%
1827,4
29,0%
2397,5
33,7%
4,2%
9,5%
IMI/CONTRIB. AUTÁRQUICA
536,3
9,5%
756,4
12,0%
992,2
14,0%
12,1%
9,5%
IMT/ IMP. MUNICIPAL de SISA (1)
658,4
11,7%
579,3
9,2%
959,4
13,5%
-4,2%
18,3%
IMP. MUNICIPAL S/ VEICULOS
88,7
1,6%
114,4
1,8%
136,6
1,9%
8,9%
6,1%
DERRAMA
331,7
5,9%
377,3
6,0%
306,7
4,3%
4,4%
-6,7%
OUTROS IMPOSTOS DIRECTOS
0,8
0,0%
0
0,0%
2,6
0,0%
IMPOSTOS INDIRECTOS
190
3,4%
170,4
2,7%
237,6
3,3%
-3,6%
11,7%
TAXAS,MULTAS,OUTR. PENAL
177,6
3,1%
214,3
3,4%
237,4
3,3%
6,5%
3,5%
RENDIMENTOS DE PROP.
84,4
1,5%
119,9
1,9%
181,7
2,6%
12,4%
14,9%
VENDA BENS E SERV. CORR.
396
7,0%
603,3
9,6%
680,8
9,6%
15,1%
4,1%
TRANSF. CORRENTES
1237,4
21,9%
1503,3
23,8%
1.809,3
25,5%
6,7%
6,4%
FGM + FCM (2001), FGM+FCM+
1114,7
19,8%
1349,4
21,4%
1466,3
20,6%
6,6%
2,8%
81,9
1,5%
129
2,0%
303,2
4,3%
16,4%
33,0%
FBM (2004); FEF+FSM+IRS(2007)
OUTRAS TRANSF, ADM, PÚBL.
FUNDOS COMUNITÁRIOS
3,6
0,1%
12
0,2%
17,4
0,2%
49,4%
13,2%
OUTRAS TRANSF. CORRENTES
37,3
0,7%
12,9
0,2%
22,2
0,3%
-29,8%
19,8%
OUTRAS RECEIT. CORRENTES
62,6
1,1%
55
0,9%
74,2
1,0%
-4,2%
10,5%
TOTAL RECEIT. CORRENTES
3763,9
66,7%
4493,7
71,3%
5618,7
79,1%
6,1%
7,7%
RECEITAS DE CAPITAL
VENDA BENS DE INVEST.
159,7
2,8%
170,4
2,7%
160,5
2,3%
2,2%
-2,0%
TRANSF. DE CAPITAL
1678,9
29,7%
1609,2
25,5%
1287,6
18,1%
-1,4%
-7,2%
FGM + FCM (2001), FGM+FCM+
743,7
13,2%
899,6
14,3%
676,3
9,5%
6,5%
-9,1%
OUTRAS TRANSF, ADM. PÚBL.,
242,1
4,3%
277,6
4,4%
223,2
3,1%
4,7%
-7,0%
FUNDOS COMUNITÁRIOS
544,3
9,6%
361,7
5,7%
349,8
4,9%
-12,7%
-1,1%
OUTRAS TRANSF. DE CAPITAL
148,7
2,6%
70,4
1,1%
38,3
0,5%
-22,1%
-18,3%
OUTRAS RECEIT. DE CAPITAL
41,2
0,7%
31,4
0,5%
37,5
0,5%
-8,7%
6,1%
TOTAL RECEIT. DE CAPITAL*
RECEITA EF. TOTAL**
1879,8
5643,7
33,3%
100%
1811
6304,7
28,7%
100,0%
1485,5
7104,2
20,9%
100%
-1,2%
3,8%
-6,4%
4,1%
FBM (2004), FEF (2007)
Fonte: DGAL, DGCI e cálculos próprios
* Sem Activos e Passivos Financeiros (APF) ** Excluindo APF, reposições não abatidas em pagamentos, saldo da
gerência anterior e contas de ordem
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
393
Quadro 11.13 Despesas efectivas dos municípios portugueses (2001, 2004 e 2007)
Unidade: milhões euros
RECEITAS
CORRENTES
PESSOAL
AQUISIÇÃO DE BENS
AQUIS. DE SERVIÇOS
TRANSF.CORR.
ENCARGOS FINANC.
OUTRAS DESP. CORR
TOTAL DAS DESP.
CORRENTES
INVESTIMENTO
TERRENOS
HABITAÇÃO
OUTROS EDIFICIOS
Instalações recreativas,
desportivas e escolas
Equip. Social:creches e
lares
Outros
CONSTRUÇÕES
DIVERSAS
Viadutos, arruamentos e
obras com
Águas residuais (esgotos)
Captação, trat. e
distribuição de água
Viação rural
Infraest. Tratam.
resíduos sólidos
Construção instalações
desp. e recre.
Outras
MATERIAL DE
TRANSPORTE
MAQUINARIA E
EQUIPAMENTO
OUTROS INVEST.
LOCAÇÃO FINANC.
BENS DOMÍNIO PÚB.
TRANSF. DE
CAPITAL
ADMIN. LOCAL
SERVI. AUTÓNOMOS
DA ADMIN. LOCAL
OUTRAS
das quais empresas
OUT.DESP. CAPITAL
TOTAL DESP. DE
CAPITAL**
DESP. EFECT. TOT**
2001
%
2004*
%
2007
%
TMCA
TMCA
04-07
4,9%
5,7%
8,5%
6,1%
21,0%
18,0%
7,0%
1533,6
219,2
859,3
373,4
86,4
67,4
3139,2
24,70%
3,50%
13,80%
6,00%
1,40%
1,10%
50,50%
1840,3
315,8
957,9
396,6
101,2
139,5
3751,3
29,20%
5,00%
15,20%
6,30%
1,60%
2,20%
59,50%
2122,8
372,4
1222,9
473,8
179,3
229,0
4600,3
30,3%
5,3%
17,5%
6,8%
2,6%
3,3%
65,7%
01-04
6,3%
12,9%
3,7%
2,0%
5,4%
27,4%
6,1%
2656,3
125,9
373,1
498,3
143,2
42,70%
2,00%
6,00%
8,00%
2,30%
1786,5
88,1
151
446,8
190,7
28,30%
1,40%
2,40%
7,10%
3,00%
1576,6
81,3
152,7
403,5
198,5
22,5%
1,2%
2,2%
5,8%
2,8%
-12,4%
-11,2%
-26,0%
-3,6%
10,0%
-4,1%
-2,7%
0,4%
-3,3%
1,3%
73,9
1,20%
13,8
0,20%
14,5
0,2%
-42,8%
1,7%
281,3
1409,9
4,50%
22,70%
242,2
889,9
3,80%
14,10%
190,5
718,2
2,7%
10,3%
-4,9%
-14,2%
-7,7%
-6,9%
439,6
7,10%
260,4
4,10%
223,6
3,2%
-16,0%
-5,0%
146,1
91,3
2,30%
1,50%
85,5
58,7
1,40%
0,90%
71,5
45,3
1,0%
0,6%
-16,4%
-13,7%
-5,8%
-8,3%
292
5,3
4,70%
0,10%
175,7
3
2,80%
0,00%
130,3
1,0
1,9%
0,0%
-15,6%
-17,3%
-9,5%
-30,0%
116,2
1,90%
97,5
1,50%
72,5
1,0%
-5,7%
-9,4%
319,4
48,7
5,10%
0,80%
209,1
30,7
3,30%
0,50%
174,0
30,4
2,5%
0,4%
-13,2%
-14,3%
-5,9%
-0,3%
150,6
2,40%
146,2
2,30%
146,4
2,1%
-1,0%
0,0%
49,8
0,80%
6,70%
0,50%
0,20%
5,00%
7,00%
43,8
19,2
375,7
381,9
0,6%
0,3%
5,4%
5,5%
-11,5%
416,8
34,5
15,6
315,2
439,2
1,8%
8,3%
7,2%
6,0%
-4,6%
157,6
40,4
2,50%
0,60%
205,4
3,4
3,30%
0,10%
163,3
14,2
2,3%
0,2%
9,2%
-56,2%
-7,4%
61,0%
218,8
3,50%
230,4
125,2
3,70%
2,00%
-3,9%
-1,7%
0,10%
49,50%
2556,5
40,50%
2,9%
1,7%
0,7%
34,3%
1,7%
8,9
3081,9
204,4
119
49,4
2402,8
-6,0%
-2,0%
6221,2
100%
6307,8
100%
7003,1
100,0%
0,5%
3,5%
Fonte: DGAL, DGCI e cálculos próprios
* Sem Activos e Passivos Financeiros (APF) ** Excluindo APF, reposições não abatidas em pagamentos, saldo da
gerência anterior e contas de ordem
Economia e Finanças Públicas
394
Quadro 11.14 – Receitas e despesas financeiras dos municípios portugueses (2001,
2004 e 2007)
2001
2004
2007
2001
2004
2007
ACTIVOS
FINANCEIROS
14.13
4,91
40,5
ACTIVOS FINANCEIROS
46.78
79,1
30,9
PASSIVOS
FINANCEIROS
804.48
417,04
358,1
PASSIVOS FINANCEIROS
181.58
291,17
403,9
RECEITAS de
activos e passivos
financeiros
818.61
421,95
398,6
DESPESAS com activos e
passivos financeiros
228.36
370,27
434,8
Saldo das operações com activos e passivos financeiros (+ significa
aumento do endividamento líquido)
590,25
51,68
-36,2
Saldo global (não financeiro)
-577,8
-3,1
101,1
11.4.2.2 A participação dos municípios nos impostos do Estado.
Dada a importância que as transferências assumem no contexto das finanças
municipais, importa clarificar o tipo de transferências e os critérios para a sua
atribuição articulando com a teoria do federalismo orçamental exposta no Capítulo
10.
No que toca às transferências da administração central elas são sobretudo de três
tipos: subvenções gerais correntes e de capital (FEF), subvenções específicas gerais
(FSM) subvenções específicas comparticipadas. O montante global das subvenções
gerais é de 25,3% da média aritmética simples do IVA, IRS e IRC. Desta forma fazse depender as subvenções da conjuntura macroeconómica que, através dos
estabilizadores automáticos, irá reflectir-se na colecta destes três impostos e
consequentemente nas transferências para os municípios.43 São subvenções gerais e
não destinadas a utilizações específicas (à excepção de uma divisão entre
transferências correntes e de capital) e concretizam-se em dois fundos distintos: o
Fundo Geral Municipal (FGM) e o Fundo de Coesão Municipal (FCM). As
subvenções específicas são transferências consignadas às atribuições e competências
transferidas da administração central para os municípios no Fundo Social Municipal
(FSM). Em 2007, quando o FSM foi criado, representava 2% da média aritmética do
IVA, IRS e IRC. As subvenções comparticipadas são tipicamente as da União
43
Note-se contudo que pode haver desfasamentos temporais, com efeitos indesejáveis. A discussão sobre
os “estabilizadores automáticos” será feita no capítulo 13.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
395
Europeia em que existe uma comparticipação nacional da transferência da União
Europeia.
O Fundo Geral Municipal44 é constituído por 50% do Fundo de Equilíbrio
Financeiro (FEF) ou seja, 46,3% das subvenções totais considerando ambos os fundos
(FEF+FSM).45 Embora o objectivo central seja de partilha de receitas, ou seja,
equilíbrio financeiro vertical, o FGM tem também uma componente de equilíbrio
financeiro horizontal pois considera indicadores de necessidades (diferenciadas) dos
municípios. O Fundo Geral Municipal é transferido, em teoria, a todos os municípios
de acordo com os seguintes critérios: i) a população ponderada de cada município
(65%),46 ii) a área ponderada por um factor de amplitude altimétrica do município
(25%), a área afecta à Rede Natura 2000 e área protegida (5%),47 e por fim uma
componente de distribuição uniforme por todos os municípios (5%).48
O Fundo de Coesão Municipal é constituído por 50% do Fundo de Equilíbrio
Financeiro (FEF) e destina-se sobretudo ao equilíbrio financeiro horizontal, isto é,
visa atenuar as desigualdades na posição orçamental dos municípios bem como de
níveis de desenvolvimento. Neste sentido é a soma de duas componentes, a
compensação fiscal (CF) e a compensação por desigualdade de oportunidades (CDO).
A compensação fiscal será positiva para os municípios cuja capitação de certos
impostos locais (imposto municipal sobre imóveis (IMI), sobre transacções (IMT) e a
parcela de colecta do Imposto Único de Circulação (IUC)) mais a participação na
colecta de IRS é inferior a 0,75 da capitação média nacional. Em contrapartida será
negativa para os municípios cuja capitação seja superior a 1,25 dessa capitação
média. Os municípios com melhor posição orçamental contribuirão com 22% do
“excedente” das suas receitas fiscais 49
44
Toda a informação que se segue reporta-se em 1998 e 2007 à constante na Lei 2/2007 na versão de
Dezembro de 2008.
45
No quadro 11.16, os números em itálico reportam-se à proporção do valor total do Fundo em causa (e
que constam na Lei), enquanto que os números sem itálico indicam a proporção relativamente à
totalidade das subvenções e são os directamente comparáveis com os do FEF.
46
Acerca da racionalidade para a ponderação ponderada ver o Capítulo 10, incluindo o Apêndice 10.B
onde se explica a metodologia dos ponderadores marginais.
47
Caso o município tenha mais de 70% da área afecta à rede Natura 2000 e área protegida estas últimas
percentagens são respectivamente 20% e 10%.
48
A lei 2/2007 eliminou a garantia de crescimentos mínimos dos fundos municipais ano após ano, que
teve como efeito perverso que os critérios na prática não eram “aplicados” pois municípios a perder
população viam aumentados os seus recursos à mesma, e essas verbas iriam ser retiradas sobretudo aos
municípios com forte expansão populacional. Contudo, ao introduzir limites máximos de crescimento
das transferências também limitou a aplicabilidade dos critérios.
49
Quando a capitação média do município (CMM) for inferior a 0,75 vezes a capitação média nacional
a compensação fiscal será <0: CFi= (1,25*CMN - CMMi)*Ni em que; CMN é a capitação média
nacional , CMMi a capitação média do município i e N é a população residente no município i. Por
seu turno quando a capitação média municipal (CMM) for superior a 1,25 vezes a capitação média
396
Economia e Finanças Públicas
O Fundo Social Municipal (FSM) é um fundo constituído para apoiar a
descentralização de competências para os municípios sobretudo nas áreas de
educação (ensino básico), saúde e acção social.
Tratando-se de funções sociais associadas a objectivos de equidade através da
promoção da igualdade de oportunidades justifica-se a consignação desta receita
corrente que deverá ser suportada por contabilidade analítica por centro de custos
nestas áreas. Os critérios de distribuição do FSM prendem-se com o número de
utentes e beneficiários daqueles serviços.50 Apesar de se pretender alargar a várias
funções o FSM, entre 2007 e 2009 o fundo foi apenas afecto à educação o que mostra
a dificuldade, técnica mas sobretudo política, de se avançar com a descentralização de
competências.
A última parcela da participação dos municípios nos impostos do Estado diz
respeito à possibilidade de reterem até 5% do IRS cobrado aos residentes fiscalmente
em cada concelho. As assembleias municipais têm, em cada ano, que deliberar qual a
percentagem x ( 0 ≤ x ≤ 5 ) a aplicar à colecta de IRS dos respectivos munícipes,
nacional, tem-se a seguinte fórmula: CFi=0,22(1,25 CMN -CMMi)*Ni.(artº 27º da Lei 2/2007).
Torna-se claro que há aqui uma incoerência na Lei. Um município A que esteja entre 75% e 125% da
CMN não recebe (nem contribui) para a compensação fiscal. Mas o município B que estiver abaixo de
75% passará, após compensação fiscal para 125% da CMN, ficando com uma posição fiscal melhor do
que o município A. Este anacronismo económico só pode ser explicado por qualquer “racionalidade
política” que nos ultrapassa. A hipótese de que a racionalidade subjacente aos critérios de subvenções é
político-económica foi desenvolvida em Pereira (1996).
Note-se que a capitação média nacional dos impostos locais (mais participação no IRS) pode ser
entendida como um indicador aproximado da posição orçamental padrão, pois o numerador tem as
receitas fiscais locais totais para o país e no denominador tem um indicador aproximado de necessidades,
que é a população.
50
O Artº 29º da Lei 2/2007 estabelece os critérios de repartição do FSM:“1—A repartição do FSM é
fixada anualmente na Lei do Orçamento do Estado, sendo distribuída proporcionalmente por cada
município, de acordo com os seguintes indicadores: a) 35% de acordo com os seguintes indicadores
relativos às inscrições de crianças e jovens nos estabelecimentos de educação pré-escolar e ensino básico
de cada município: i) 4% na razão directa do número de crianças que frequentam o ensino pré-escolar
público; ii) 12% na razão directa do número de jovens a frequentar o 1º ciclo do ensino básico público;
iii) 19% na proporção dos jovens a frequentar o 2º e 3º ciclos do ensino básico público; b) 32,5% de
acordo com os seguintes indicadores relativos ao número de utentes inscritos na rede de saúde municipal:
i) 10,5% na razão directa do número de beneficiários dos programas municipais de cuidados de saúde
continuados; ii) 22% na razão directa do número de utentes inscritos nos centros de saúde concelhios; c)
32,5% de acordo com os seguintes indicadores relativos ao número de utentes e beneficiários das redes
municipais de creches, jardins-de-infância, lares, centros de dia e programas de acção social de cada
município: i) 5% na razão directa do número de inscritos em programas de apoio à toxicodependência e
de inclusão social; ii) 12,5% na razão directa do número de crianças até aos três anos de idade, que
frequentam as creches e jardins-de-infância; iii) 15% na razão directa do número de adultos com mais de
65 anos residentes em lares ou inscritos em centros de dia e programas de apoio ao domicílio.”
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
397
sendo que x vezes a colecta é receita municipal e 1-x vezes é uma dedução à colecta.
Isto significa que os municípios em boas condições financeiras poderão desagravar a
carga fiscal nos seus residentes até 5% do IRS. O Quadro 11.15 mostra o resultado
das deliberações (ou ausência dela) relativamente à taxa x. Em 2008, com efeitos em
2009, apenas 44 municípios escolheram taxas inferiores a 5%. Destes apenas vinte e
dois reduziram a colecta dos seus contribuintes em mais de 2,5%.51
Quadro 11.15 - Taxas de retenção de colecta de IRS para o, município, com efeitos
em 2009.
IRS: % colecta para o Município
IRS: % ded. à colecta Contribuinte
Escolha* dos Municípios em 2008 com
efeitos em 2009
Até
2,5%
+2,5% a 4%
4% a
5%
5%
+ de 2,5%
1% a 2,5%
0 a 1%
0%
22
14
8
264
Os critérios utilizados para atribuir as subvenções gerais aos municípios têm
variado ao longo do tempo. O Quadro 11.16, mostra essa evolução desde 1979 assim
como a situação em 2007. Para além das subvenções gerais, específicas consignadas e
a participação no IRS, existem também as subvenções específicas comparticipadas.
Elas podem provir da administração central, no âmbito de contratos-programa. Em
competências partilhadas entre a administração central e local é comum a celebração
de contratos programa em que para investimentos específicos (construção de uma
escola por exemplo) a administração comparticipa, digamos com 75% e o município
com 25%. Estas as subvenções específicas comparticipadas da administração central.
Elas podem também provir da União Europeia, através dos fundos estruturais. Os
fundos da União Europeia para os municípios, nomeadamente as subvenções de
capital para financiar obras de infra-estruturas, também são geralmente do tipo de
subvenção comparticipada. O facto destes fundos terem um peso considerável (quase
10%) nas receitas municipais, serem consignados a certo tipo de utilizações e
exigirem comparticipação dos municípios faz naturalmente aumentar a despesa
municipal em certos tipos de investimentos. Daqui uma das explicações para o peso
relativamente grande das despesas de capital neste subsector.
51
Os municípios das regiões autónomas dos Açores e da Madeira estão em 2009 ainda impossibilitados
de escolher a taxa pois aguarda-se a adaptação às Regiões Autónomas da Lei de Finanças Locais.
398
Economia e Finanças Públicas
11.4.2.3 A reforma das finanças locais
A Lei das finanças locais 2/2007 implementou uma reforma, ainda em curso, que
parece orientar-se segundo alguns princípios enunciados neste livro.52 O princípio da
responsabilidade política é melhor implementado com maior autonomia local na
determinação das taxas de imposto. É nesse sentido que vai a possibilidade de os
municípios passarem a definir uma taxa variável sobre a colecta de IRS e de
alargarem as suas competências na atribuição de benefícios fiscais em sede de IMI.
Esta autonomia fiscal acrescida, irá beneficiar sobretudo os municípios urbanos ao
alargar-se pelo que a dimensão de equilíbrio financeiro horizontal é reforçada. Isso
conseguiu-se quer com o aumento considerável do peso do Fundo de Coesão em
relação ao Fundo Geral Municipal quer com o acentuar da componente redistributiva
do Fundo de Coesão. Antes da reforma os municípios com maior capitação de
impostos municipais, não recebiam, mas também não contribuíam para o fundo. Com
a reforma os municípios mais “ricos” passam a ser contribuintes líquidos para o
Fundo.
O Fundo Geral Municipal considera apenas a componente ambiental (área afecta
à Rede Natura), e eliminou alguns critérios injustificados (por exemplo, o número de
freguesias) e reduziu outros que à luz de ponderação da população já pouco se
justificam (é o caso da distribuição uniforme).
A eliminação do critério de população com idade inferior a 15 anos, justifica-se
pela criação do Fundo Social Municipal, onde a população em idade escolar (básico),
é considerada.
52
A apresentação dos aspectos essenciais da Lei das Finanças Locais (Lei Orgânica 2/2007) e de um
balanço preliminar da sua aplicação resulta dos dados disponíveis em Novembro de 2008. A Lei
evidencia alguns aspectos que reflectem as teorias expostas neste livro.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
399
Quadro 11.16-Critérios de determinação das transferências do Orçamento de Estado
LEI/D.LEI
1979
1984
1987
1992
1998
Lei
1/79
FEF
DL
98/84
FEF
Lei
1/87
FEF
OE
92
FEF
Lei 42/98(1)
2007
Fundo
Fundo
Geral
Coesão
Lei 2/2007(2)
FEF
FGM
Número de Habitantes
0,35
0,45
0,45
0,4
0,275
0,35
0,65
Área do Município
0,15
0,1
0,1
0,15
0,236
0,116
0,3
0,25
FSM
FCM
0,301
0,023
Área Rede Natura
0,05
N.º de Freguesias
0,15
0,05
0,05
0,05
0,118
0,15
0,35
Carências / Índice de
Des. Soc.
Distribuição uniforme por mun.
0,2
0,05
0,05
0,1
*
0,15
0,039
0,02
0,05
Capitação dos impostos directos
0,15
*
0,05
0,1
Rede viária
0,1
N.º Fogos
0,05
*
0,1
População idade <15
anos
0,05
Grau de Acessibilidade
0,05
Índice de Compensação (carência) fiscal (ICF)
0,05
0,039
0,05
*
IRS
0,079
0,1
Ponderadores
FGM/FCM
0,786
0,214
0,463
46,3
7,3
Fonte: Pereira, P. T. (1998), (actualizado e sem a alteração à Lei 42/98 operada pelo DL 94-2001).
(1) Os valores em itálico constam da Lei, os sem itálico são a proporção no total das subvenções (soma
de FGM e FCM em 1998). (2) A proporção de FGM, FCM e FSM foi calculada com dados de 2009).
* A importância destes critérios é variável pois depende do montante da compensação fiscal.
FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro, até 1992 e depois de 2007.
400
11.5
Economia e Finanças Públicas
A estrutura do SPA à luz dos princípios do federalismo orçamental
Em que medida a estrutura das administrações públicas e o exercício de
atribuições e competências em Portugal traduz a teoria do federalismo orçamental
exposta no Capítulo 10? Esta questão pode-se desdobrar em três problemas distintos.
Primeiro, em que medida as atribuições, competências e recursos são adequados à
arquitectura institucional e ao modelo financeiro existente na relação entre
administração central e local. Segundo, analisar o mesmo problema na relação entre a
administração central, regional (Açores e Madeira) e local. Terceiro, equacionar o
problema da reforma institucional nomeadamente as “regiões administrativas”.
Relembrem-se então os princípios essenciais do federalismo orçamental.
Genericamente, a função estabilização, bem como o essencial da função
redistribuição, devem ser centralizadas, sendo sobretudo ao nível da função afectação
que se justifica a descentralização política. Neste caso, o princípio da equivalência
orçamental sugere que a promoção da eficiência na afectação de recursos leva a que
os governos centrais, regionais e locais deverão assegurar os bens públicos nacionais,
regionais e locais respectivamente. Na medida em que todos os agentes económicos
estão sediados num território particular e beneficiam dos bens e serviços fornecidos
pelos vários níveis de administração (local, regional e central) todos deverão
contribuir fiscalmente para o financiamento desses níveis de administração.
Já no que toca aos bens de mérito, nomeadamente nas áreas de educação, saúde e
acção social, o objectivo de igualdade de oportunidades sugere que quer a definição
de níveis ou padrões de prestações de saúde, sociais ou educacionais mínimos e
obrigatórios (e.g. currículo), quer o seu financiamento devem ser tendencialmente
centralizados para garantir que esses padrões mínimos sejam alcançados.53 Em
relação à provisão desses serviços, ela pode ser desconcentrada, descentralizada ou
mesmo externalizada para fora das administrações públicas. A questão essencial a
determinar, em cada área das políticas públicas locais, é qual o tipo de serviços e qual
o padrão mínimo obrigatório que deve ser assegurado de forma universal ao nível
local, daquilo que pode ser uma política discricionária adicional ao nível local.54
53
A centralização do financiamento (total ou parcial) é a única forma de garantir que todos os
municípios podem alcançar o padrão mínimo desejável. Sobre este ponto ver capítulo 10. Dada a
independência orçamental de municípios e o carácter pluri-funcional das suas atribuições e competências
nada impede que tenham políticas sociais que vão para além das estabelecidas centralmente. Isso
acontece na prática na área da educação.
54
Por exemplo no ensino básico há que distinguir entre actividades curriculares, cujos conteúdos
padrões devem ser decididos centralmente, das extra-curriculares, que podem ser descentralizadas e
desconcentradas. Note-se que nas áreas de educação, saúde e acção social se pode estar perante uma
transferência de competências irrevocáveis, uma delegação de competências, ou uma mera delegação do
exercício de competências que pode ser avocado pelo poder central caso não estejam a ser correctamente
exercidas.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
401
Em relação à arquitectura institucional e financeira existente Portugal não
necessita de grandes alterações no quadro jurídico constitucional para aprofundar a
descentralização para as autarquias locais. Sem essa descentralização dificilmente se
percebe como será possível lidar com as consequências das profundas alterações
sócio-demográficas em curso. Um exemplo apenas. Dados do Eurostat de 2008
mostram que o rácio de dependência dos idosos (os mais de 65 anos sobre os que têm
de 15 a 64) em Portugal é de 25,1% em 2005 e será de 52,8% em 2050. Com este
aumento dos idosos em relação à população activa, que em si é positivo, mas é
dramático pelas exigências sobre o erário público, como será aumentada a oferta de
lares de idosos e o seu financiamento? A resposta do mercado é aumentar a oferta
para os que tiverem capacidade de pagar, o que não chega. Vai-se esperar que as
Instituições Particulares de Solidariedade Social cumpram essa função? Ou deve-se
caminhar para uma descentralização neste domínio. A Lei de Finanças Locais é
flexível o suficiente para se avançar com a descentralização, na educação, saúde e
acção social, mas até ao final de 2009 só se observam progressos na área da educação.
Na saúde e acção social praticamente nada é descentralizado.55
No que diz respeito à dimensão territorial regional há dois problemas distintos:
um respeitante às regiões autónomas dos Açores e da Madeira e outro relativo à
eventual implementação das “regiões administrativas” no continente.
O problema do federalismo orçamental em Portugal é que em vez de ser baseado,
como nos países mais desenvolvidos económica e institucionalmente, numa partilha
de receitas entre três níveis de administração para alcançar equilíbrio financeiro
vertical, e um sistema de transferências inter-governamentais para corrigir os
desequilíbrios financeiros horizontais, baseia-se num esquema complexo sem lógica
económica.
O modelo alemão serve de benchmarking pois é bem adaptado à teoria do
federalismo orçamental e precavê melhor os potenciais fracassos do governo. Antes
do mais porque estabelece na Constituição (artº 105, 106) os princípios gerais da
partilha de receitas entre os três níveis de administração. Os principais impostos
(equivalentes ao IVA, ao IRS e ao IRC) são partilhados. Há, ainda, outros que são
exclusivos de cada nível de administração. Existe alguma flexibilidade ao longo do
tempo pois periodicamente é reajustada a partilha de receitas.
O caso português vai contra a teoria económica do federalismo orçamental, acima
relembrada, pois atribui às regiões autónomas o exclusivo da colecta de todos os
impostos cobrados nos respectivos territórios. Isto, para além de ser praticamente
inédito em termos europeus, viola o princípio da equivalência orçamental pois
55
Disso é testemunho o Orçamento de Estado para 2009 que prevê transferência de competências e
recursos na área da educação e que estabelece os montantes do Fundo Social Municipal apenas para a
educação.
402
Economia e Finanças Públicas
significa que os contribuintes desses territórios em nada contribuem para os bens
públicos nacionais de que também beneficiam.56 Torna também problemática a
partilha de receitas entre a administração regional e os municípios em sede de IRS.
Na realidade a Lei de Finanças Locais prevê essa partilha entre a administração
central e os municípios na proporção 95%, 5% podendo o município abdicar de uma
parcela a que tem direito a favor do munícipe. Qual a aplicação deste princípio no
âmbito regional está por esclarecer.57
Finalmente, tem-se o problema da reforma institucional, que engloba a
problemática da implementação das “regiões administrativas”, das autoridades
metropolitanas de transportes, das autarquias de tipo unifuncional, etc. Dada a
extensão das questões limitar-nos -emos a abordar a primeira.
Torna-se hoje claro que a existirem regiões político-administrativas no continente
elas coincidirão com as unidades territoriais de nível II (NUTsII). Foi nesse sentido
que prosseguiu a reforma da administração desconcentrada do Estado que
harmonizou numa grande maioria de ministérios os organismos desconcentrados com
as áreas das NUTsII. As regiões administrativas no continente têm uma justificação
do ponto de vista económico, mas a sua implementação prática, isto é, técnica e
política, pode deparar com problemas superiores aos que pretende resolver. Conforme
foi analisado nos capítulos 2, 3 e 4 existem fracassos de mercado, mas também de
governo e apenas um desenho institucional adequado poderá assegurar que elas são
formas de promover uma afectação eficiente de recursos e não de promover
actividades de rent-seeking regional e de competição política pelos recursos
nacionais.58 De qualquer modo, um passo significativo no sentido de haver uma
56
Não se trata apenas de ir contra a teoria económica do federalismo orçamental, mas contra a própria
racionalidade. Facilmente se vê o absurdo económico desta norma, razão da sua ausência dos
ordenamentos jurídicos de países desenvolvidos. Se o nível intermédio de administração (regiões ou
Estados) tiver direito à totalidade dos impostos neles cobrados ou gerados, não haverá impostos para
financiar nem a administração central nem a administração local.
57
O facto de dois anos após a aprovação da Lei 2/2007, ainda não haver decreto regulamentar para
adaptar às regiões autónomas a partilha de IRS (previsto no número 3 do artº 63º da LFL) denota que se
trata de uma questão problemática. Do ponto de vista económico a transposição da Lei de Finanças
Locais para as regiões é simples. As regiões são um território e portanto a partilha de receitas
regional/local no mesmo território não viola o artigo que atribui às regiões a totalidade das receitas
fiscais nelas cobradas ou geradas. Para o direito administrativo e constitucional, talvez as coisas sejam
mais complexas: as regiões são referidas num artigo como territórios (“arquipélagos dos Açores e da
Madeira”) e noutro como “pessoas colectivas territoriais”.
58
Pereira (1998, 2008b) tem vindo a defender que a criação de regiões administrativas deverá estar
acompanhada de restrições constitucionais relativas à sua forma de financiamento, no que designou por
modelo político-administrativo de regionalização. Sem essas restrições constitucionais, facilmente se
cairá num modelo redistributivo de regionalização política claramente indesejável. Mas mesmo
independentemente e antes da regionalização, argumenta que se poderia avançar com uma alteração do
sistema eleitoral no sentido de criar círculos regionais adequados às NUTsII.
O Sector Público em Portugal: Âmbito, Estrutura e Contas
403
eleição democrática à escala regional poderia ser alcançado com a existência de
círculos eleitorais regionais.59
O problema do desenho institucional ideal, envolve análises positivas e
considerações de natureza normativa. Está pois sujeito a controvérsia e, como disse
Musgrave, “o sistema fiscal de qualquer país não foi elaborado por um arquitecto
genial”, mas antes resultou de processos históricos complexos. Em todo o caso, dada
a realidade da centralização das administrações públicas em Portugal, parece existir,
mesmo no quadro institucional actual, justificação para uma maior descentralização
de atribuições e competências.60
Conceitos chave
Administrações públicas (conceito e subsectores)
Autonomia administrativa
Autonomia administrativa e financeira
Conta das Administrações Públicas
Descentralização administrativa
Descentralização política
Desconcentração administrativa
Estado (sentido estrito)
Estado (sentido lato)
Necessidades de financiamento brutas
Necessidades de financiamento líquidas
Receitas e despesas efectivas (não financeiras)
Saldo global (ou efectivo)
Saldo primário
Saldos de cada subsector
Valores consolidados e não consolidados
59
Note-se que já existe o círculo eleitoral algarvio. O círculo do Alentejo seria obtido pela agregação dos
círculos de Beja, Évora e Portalegre e ficaria com 9 deputados. Os círculos das restantes regiões
poderiam ter dois níveis dado um número muito superior de habitantes e de deputados.
60
Ela está prevista na Lei do Orçamento do Estado para 2009, mas como vimos neste capítulo para este
ano ainda não está contemplado qualquer alargamento do FSM para outras atribuições e competências
municipais que não seja na área da educação.
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Capítulo Ilustrativo