VIAGEM A PORTUGAL de Sérgio Tréfaut _ 22 de Abril de 2015
sinopse Maria (Maria de Medeiros) é uma médica ucraniana que vem a Portugal passar um ano
com Greco (Makena Diop), o seu marido, também médico. Ao chegar ao aeroporto de Faro, é
abordada por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que, com critérios muito discutíveis,
assumem que por ela vir da Europa de Leste e o seu marido ser senegalês, algo de ilegal pode
estar por detrás daquela viagem. Sem explicações ou fundamento, Maria é levada para
interrogatório por uma inspectora particularmente intransigente (Isabel Ruth), passando uma noite
de pesadelo a justificar a sua vida pessoal. Inspirado numa situação verídica, um filme de Sérgio
Tréfaut ("Lisboetas", "Cidade dos Mortos") sobre xenofobia e abuso de poder que, segundo o
cineasta, "procura fomentar o debate a respeito do funcionamento da polícia e da sociedade civil."
Título original: Viagem a Portugal (Portugal, 2011, 74 min)
Realização: Sérgio Tréfaut
Interpretação: Maria de Medeiros, Isabel Ruth, Makena Diop
Argumento, Realização e Produção: Sérgio Tréfaut
Fotografia: Edgar Moura
Som: Olivier Blanc
Montagem: Sérgio Tréfaut, Gonçalo Soares, Pedro Marques, Mariana Gaivão
Estreia: 16 de Junho de 2011
Classificação: M/12
Críticas
O Júri do XX Spirit of Fire International Film Festival (Khanty-Mansiysk - Sibéria) presidido pelo
realizador georgiano Rezo Chkheidze atribuiu a Taiga de Ouro do Festival (primeiro prémio) à
longa-metragem "Viagem a Portugal" de Sérgio Tréfaut pela sua sobriedade e pela sua
modernidade. Baseado numa história real, o filme retrata com coragem e eficiência o abuso de
poder e a recusa dos direitos elementares de dignidade humana pela polícia de imigração dos
aeroportos.
Moritz de Hadeln
"Viagem a Portugal" é um grande filme porque desafia convenções e ao mesmo tempo conta uma
história que merece ser contada. (...) É o tipo de filme – prodigioso, desafiador, diferente – de que
o cinema português precisa urgentemente. Duas interpretações sublimes de Maria de Medeiros e
Isabel Ruth.»
Pedro Ponte, Antecinema
Cineclube de Joane
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«“Viagem a Portugal” é a primeira longa-metragem de ficção de Sérgio Tréfaut, cineasta com
alguns dos mais marcantes documentários portugueses da última década ("Fleurette",
"Lisboetas"). Constroi-se a partir de um caso verídico, pés assentes na realidade, tem uma ética
de documentarista, mas faz-se segundo um esquema conceptual muito marcado. (...) Há uma
sufocação carceral, uma instalação do absurdo, todavia sem violência animosa, tudo segundo
uma série de procedimentos de inequívoca racionalidade (e,se calhar, necessidade), os membros
do corpo policial estão ali a fazer o seu dever sem acrimónia e até podem ser solidários e
simpáticos. Mas tudo aquilo é tão degradante da condição humana que se torna bárbaro. Na sua
geometria formal, “Viagem a Portugal” tem um sentido de denúncia enérgico que nos abala.»
Jorge Leitão Ramos, Expresso – Atual
«Tréfaut consegue concentrar o espectador naquilo que realmente interessa, que é a dimensão
humana da história, muitíssimo bem transportada por uma Maria de Medeiros que não víamos
com tanta garra no cinema há anos e por uma Isabel Ruth arrepiante.(...) Uma surpresa.»
Jorge Mourinha, Público
O processo
Luís Miguel Oliveira, 16 de Junho de 2011
Todas as personagens, quer a imigrante quer os burocratas, enredadas numa coisa que à
falta de melhor termos chamaremos o "sistema".
Depois dos documentários que conseguiram encontrar um eco público raro ("Lisboetas", e mais
recentemente "A Cidade dos Mortos"), Sérgio Tréfaut estreia a sua primeira longa-metragem de
ficção. Não uma "ficção convencional", no sentido em que a expressão convoca expectativas
naturalistas que o filme não confirma, e não uma "ficção fantasiosa": como nos seus
documentários, é ainda o "caso social" que motiva o olhar de Tréfaut.
Esta "Viagem a Portugal" (título irónico, porque praticamente não se sai dos corredores e
gabinetes do SEF no aeroporto de Faro, é apenas uma "viagem à antecâmara burocrática de
Portugal") tem uma raiz precisa, a história verídica de uma mulher ucraniana que não conseguiu
entrar em Portugal para vir ter com o marido, cá residente com os papeis em ordem (o facto de o
marido ser africano terá ajudado ao curto-circuito da burocracia, pouco preparada para lidar com
as infinitas variações das vidas dos seres humanos). Isto passou-se por alturas da Expo 98, data
que o filme mantém, época em que Portugal era rico e se fazia difícil.
O filme narra esse episódio, transformado numa epopeia da papelada e do legalismo exacerbado:
horas a fio, uma mulher ucraniana tenta convencer funcionários e dirigentes do SEF de que não
há nenhuma boa razão (burocrática, em primeiro lugar) para não a deixarem entrar em Portugal.
Num preto e branco frio e contrastado (para cortar o naturalismo, mas também para inundar o
filme com uma "luz de gabinete", doentiamente descolorida), todas as personagens, quer a mulher
quer os burocratas, ficam enredadas numa coisa que à falta de melhor termos chamaremos o
"sistema". Isto é o que Tréfaut consegue melhor, até pela cuidadosa ausência de maniqueísmo:
dar espaço para que apareça o "processo", e depois ver como o "processo" engole toda a gente,
independentemente da sua razão, da sua vontade ou mesmo da sua humanidade. (Houve alguém
Cineclube de Joane
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que definiu o fanatismo assim: "quando se continua a fazer uma coisa mesmo de depois de ter
sido esquecida a razão por que se a fazia"; em última análise, "Viagem a Portugal" mostra bem
como toda a burocracia tende para o fanatismo). Por esse lado, é quase como uma miniatura
wisemaniana resolvida em teatro (que se podia chamar, naturalmente, "Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras").
Isso vale o filme, que nem sempre consegue escapar uma certa rigidez, indesejada no que devia
ser apenas a descrição de uma aridez, e não resolve completamente a sua relação com a
repetição (de que os campos/contracampos "em diferido" são o mais exposto exemplo). Em todo o
caso, vale a pena destacar que se trata de um "filme de actores", e que deles nascem alguns
momentos preciosos (sobretudo Isabel Ruth, a funcionária angustiada com o "réveillon", e a
protagonista, Maria de Medeiros, que há muito tempo não víamos tão bem).
"Tudo o que não é intenso aborrece-me" _ Entrevista a Sergio Tréfaut
Por Jorge Mourinha, Público de 17 de Junho de 2011
Intensidade é a palavra-chave da primeira longa de ficção de Sérgio Tréfaut. Inspirada num caso
verídico, "Viagem a Portugal" é uma "coisa esquisita" que prossegue o modo muito pessoal do
autor de "Lisboetas" e "A Cidade dos Mortos" contar histórias.
"Viagem a Portugal" é uma história verídica: na Noite de Ano Novo de 1998, uma ucraniana de
visita ao marido, recém-chegada a Faro, é detida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)
e dá por si suspeita de ser uma imigrante ilegal, apanhada numa engrenagem kafkiana. É, no
papel, o típico filme de "denúncia" sobre um tópico sério que atrairia um documentarista pronto a
estrear-se na ficção narrativa. Um filme político (como a própria nota de intenções admite),
levantando o véu sobre uma estatística pouco conhecida do público e cujo custo humano é
sistematicamente ignorado.
Na prática, contudo, este não é o filme típico de documentarista em tempo de estreia. A história
verídica é tratada por Sérgio Tréfaut nos precisos antípodas do que se esperaria. "Todo o lado um
bocado sentimental de telefilme", nas palavras do realizador de "Lisboetas" e "A Cidade dos
Mortos", foi expulso de uma obra que assume um formalismo estilizado, uma abordagem
despojada e depurada que concentra a acção num único local (as instalações do aeroporto) e nas
24 horas do Ano Novo de 1998 - não por acaso, o ano da Expo 98.
"Lutei muito" por essa depuração, como disse Tréfaut ao Ipsilon poucos dias antes da estreia de
"Viagem a Portugal" no IndieLisboa, em Maio. "É uma coisa que levou muito tempo a ser
encontrada e é fruto de muita coisa, de opções de produção", nascidas da vontade assumida de
conjugar uma intensidade emocional e uma
economia de meios quase impiedosas como já vem sendo hábito nos filmes
(extremamente trabalhados) do realizador.
"Viagem a Portugal" foi fruto de uma longa
gestação ("o guião começou a existir em
2003") e foi sendo depurado ao longo dos
anos.
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"Não tenho problemas em cortar, na medida em que continue a dizer o que tenho para dizer", diz.
Cita uma cena pensada como um possível "epílogo", que chegou a ser filmada mas foi descartada
na montagem por ser "dispensável. Era um pequeno desvio que tirava a intensidade que eu
queria manter no filme". Mais do que isso - e de acordo com a história verídica que inspirou o filme
- o resultado corresponde "aproximadamente a um terço do guião original, que incluia também o
regresso de Maria à Ucrânia e depois o seu regresso a Portugal, morrendo de medo, chamada
pelo marido. Cheguei a filmar imenso na Ucrânia e em Sevilha, e acabei por jogar tudo no lixo.
Não sei se isso é maturidade ou loucura - há coisas até muito bonitas [naquilo que filmei], mas
não me sentia satisfeito. Não sentia necessidade de nada disso. O filme precisava de uma
intensidade muito grande. E, de uma maneira geral, tudo o que não é intenso me aborrece!"
Na ficção, no documentário
Tréfaut ri-se, tal como quando adianta que fazer uma ficção não marcou um salto tão significativo
como muitos pensarão. "Era um desafio necessário. No documentário pode-se perder uma coisa
irrepetível num dia; mas no modo como trabalho, que leva o tempo que for preciso, vão-se
fazendo as escolhas à medida que se vai percebendo para onde o filme vai. Na ficção, tem de se
lidar com um orçamento apertado, mesmo sendo produtor. No documentário só uma percentagem
pequena da totalidade é aproveitada, e vão-se fazendo as correcções à medida que se vai
filmando; na ficção é preciso muita coragem para fazer frente a uma equipa e dizer, não, isso tem
de se mudar.
É mais complicado, mas não senti que estivesse a encontrar nada de novo."
Mesmo tendo, pela primeira vez, de dirigir actores - e não actores quaisquer: Maria de Medeiros,
no papel da ucraniana, e Isabel Ruth, no papel da inspectora do SEF. Mas isso também não foi
intimidante. "A direcção de actores tem a ver com saber quem é que se quer.
No documentário, quando se escolhe filmar este senhor ou esta senhora ou esta criança, é porque
se viu nela as mesmas capacidades [do que] quando se tem de fazer uma escolha para ficção. O
filme foi escrito para a Isabel Ruth, a primeira linha de filme foi escrita para ela. E sempre foi uma
ambição minha fazer com que a Maria de Medeiros tivesse um papel à altura do que eu acho que
ela é capaz. Ela é maravilhosa em teatro e muitas vezes em cinema eu não ficava satisfeito.
Queria uma Maria como acho que ela poderia ser - e foi um prazer enorme [dirigi-las]. Uma ficção
passa, como o documentário, pelo prazer de filmar uma pessoa de quem se gosta."
Sente-se, no discurso do realizador, uma serenidade com o resultado final do filme que define,
meio a brincar, como "uma coisa esquisita", pelo seu formalismo inesperado; mas que, por isso,
ganha uma dimensão mais angustiante. Não por acaso, a estreia de "Viagem a Portugal" coincide
com a criação de uma plataforma de denúncia "online" para tornar mais visíveis incidentes como o
que inspirou o filme, e com a divulgação dos números do Eurostat referentes a 2009, indicando
Portugal como o país que mais naturalizou estrangeiros. Pelo meio disto, Sérgio Tréfaut faz
questão de recordar uma coisa: para o seu aclamado documentário sobre a imigração "invisível",
"Lisboetas", não foi autorizado a filmar nas instalações do SEF.
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