O FIM DA CPMF E A DESMEDIDA AÇÃO NORMATIVA DO EXECUTIVO
NA BUSCA DA COMPENSAÇÃO FISCAL.
Rita de Cássia Andrade
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Reforma tributária por via de
exceção- 3. Exigência de lei no aumento de tributos de natureza
ordinatória com fins de arrecadação. 4. Operações com incidência
do IOF- 5. Do aumento da CSLL através de Medida provisória. 6. Conclusões.
1. Introdução
Com a extinção da CPMF pelo Senado Federal, cuja contribuição foi instituída
em caráter provisório em 1993, para atender uma situação emergencial no setor da
saúde pública, mas que vinha sendo prorrogada por meios de sucessivos mecanismos
constitucionais, o governo reagiu com represália, desafiando o Poder Legislativo e indo
de encontro à vontade do povo, com ameaças de corte de 20 bilhões no Orçamento
Geral da União, redução de receitas para a saúde pública, suspensão salarial do
funcionalismo, quebra de sigilo bancário, através de Instrução Normativa da Receita
Federal, adiamento de concursos públicos, aumento das alíquotas do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
do setor bancário e prenúncio da criação de novos tributos, tudo isso como forma de
compensação da arrecadação suprimida o que não se justifica, pois os reajustes podem
ser feitos através de um gerenciamento mais efetivo das contas públicas, maior controle
dos gastos em obras públicas superfaturadas, evitando desperdícios e otimizando os
recursos financeiros disponíveis.
No que tange à saúde, a União é obrigada a aplicar um percentual mínimo de sua
receita a ser estabelecido em lei complementar (art. 198, §§ 2º e 3º da CF), e, se a lei até
a presente data não foi editada a culpa é do parlamento. Por isso, é ilógico relacionar a
supressão de verbas para o setor de saúde com o fim da CPMF. Constitucionalmente os
recursos da referida contribuição deveriam ser dirigidos para o financiamento dos
serviços de saúde, mas nem sempre isso ocorreu, ante o visível descaso e sucateamento
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do setor em todo o país. Aliás, a CPMF não fará falta nenhuma à saúde, uma vez que a
arrecadação do governo dá saltos de ano para ano, o que concede um espaço
orçamentário para redirecionamento de prioridades, podendo ser alocado parte deste
excesso de arrecadação para custear estas atividades.
Do mesmo modo não tem sentido que a não aprovação da CPMF tenha reflexo
na questão remuneratória. Até porque os recursos para despesa com pessoal são
orçamentários. São haveres decorrentes da receita permanente do governo, e não de um
tributo de caráter provisório, vinculado por lei a uma atividade específica do Estado.
Enfim, as ações do governo só serviram para demonstrar de forma límpida os
inúmeros vícios na aplicação da CPMF, além da faculdade de legislar de forma
indiscriminada em matéria tributária, configurando autêntico desvio de poder, violação
dos princípios que regulam o sistema tributário, com ofensa a causa primária da
legalidade, isonomia e desvio de finalidade. O que macula de defeito irreparável os
aludidos atos normativos.
2. Reforma tributária por via de exceção
O desforço maior do Governo foi lançar mão do aumento de tributos por via de
exceção, para compensar parte da cobrança da CPMF, com a majoração da alíquota do
IOF em 0,38 (ponto percentual) e da CSLL, que passou de 9% para 15% sobre as
atividades financeiras, elevando a carga tributária através de um comportamento
individualista sem observância das condições e limites à imposição tributária prevista
no § 1º, do art. 153, e 195, da CF, demonstrando ausência de qualquer compromisso
com a efetividade normativa da Constituição Econômica Material, que no dizer de Luis
Eduardo Schoueri “constitui princípios fundamentais que dão unidade à atividade
econômica geral e dos quais decorrem todas as regras relativas à organização e
funcionamento da atividade econômica de uma sociedade”.
O Decreto do Presidente da República de número 6.339 do último dia 3, que
aumenta a alíquota do IOF sobre as operações já tributadas e revoga dispositivos do
Decreto 6.306/2007, que isentava as operações de seguro de vida e congêneres, de
acidentes pessoais e do trabalho, incluídos os seguros obrigatórios de danos pessoais
causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua
carga, impondo um custo adicional de trinta e oito centésimo, constituem medidas
inibidoras do crédito e restritivas do crescimento econômico, onerando os tomadores de
empréstimos, que estão tendo acesso ao consumo ou investimento. Uma escolha que
pode até ser positiva para a administração, como medida compensatória do imposto
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perdido, mas o caminho correto seria mobilizar entendimentos em torno de uma
simplificação do sistema tributário que não implique sobrecarga para a população, e
nem prejudique a receita dos Estados.
Depreende-se da leitura do art. 153 § 1º, que é facultado ao Poder Executivo
alterar as alíquotas do imposto de importação, exportação, produtos industrializados e o
IOF, contudo devendo atender as condições e os limites estabelecidos em lei. No caso
específico das novas medidas do governo, não se observa nenhuma condição favorável
ao aumento da alíquota do IOF, sobre as operações já tributadas, assim como a
incidência do tributo sobre operações antes isentas, mormente por já se tratar de uma
carga tributária excessiva.
Kyioshi Harada leciona que ”... o IOF tem a sua função ordinatória baseada na
fixação da política de câmbio, crédito e seguro, e também títulos e valores mobiliários.
O efeito arrecadatório é mera conseqüência do exercício da função extra-fiscal. Por isso
esse imposto não se submete ao secular princípio da legalidade tributária, no que tange à
alteração de alíquotas, nem ao principio da anterioridade. Ele tem a missão de regular a
economia em seus vários aspectos, como um instrumento normativo célere e eficaz, o
que não seria possível alcançar por meio de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional,
que poderia demandar anos de discussão. Mas isso não quer dizer que o Executivo
possa simplesmente majorar a alíquota desse imposto para compensar a “perda” de
arrecadação da CPMF”.
O produto da arrecadação do IOF não pode mais ser destinado à formação de
reservas monetárias ou de capital para financiamento de programas de desenvolvimento
econômico como no regime constitucional anterior. Porém, agora, encontra-se livre do
principio da anterioridade. Essa circunstância, aliada à faculdade de alteração de
alíquota por atos administrativos, atendidas as condições e os limites da lei, fez com que
esse imposto se transformasse de uns tempos para cá, em um instrumento para suprir as
deficiências de caixa do governo.
O aumento ou diminuição de impostos regulatórios, por decreto do Executivo há
de encontrar justificativa no plano regulatório da economia, fundado em motivação que
se harmonize com a norma do art. 174 da CF, que confere ao Estado o papel de agente
normativo e regulador da atividade econômica. Por isso, diz o texto constitucional que
o Executivo pode alterar a alíquota do II, IE, IPI e IOF “atendidas as condições e os
limites estabelecidos em lei”.
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3. Exigência de lei no aumento de tributos de natureza ordinatória com fins de
arrecadação
Se o governo tinha a pretensão de aumentar o IOF, para compensar a “perda” da
CPMF, da ordem de 40 bilhões, deveria ter submetido o seu projeto de lei ao crivo das
duas casas legislativas, com enfrentamento das oposições legítimas, posto serem de sua
iniciativa as leis que cuidam de matéria tributária (art. 61, § 1º, II, “b” da CF),
observando, assim, o principio da estrita legalidade. Pois é dever do Estado conformar a
sociedade aos objetivos propostos na Constituição, o que pressupõe a sua atuação
positiva, sobretudo, relacionada à intervenção no domínio econômico por meio de
tributação. A majoração desmotivada do IOF é manifestamente inconstitucional, já
sendo alvo de discussão no Supremo Tribunal Federal, visando recompor a ordem social
e a segurança jurídica.
4. Operações de incidência do IOF
O IOF incide sobre quatro tipos de operações: crédito, câmbio, e seguros ou
relativos a títulos ou valores mobiliários, sendo que somente as três primeiras passaram
por alterações. Vejamos as principais mudanças na cobrança do referido imposto:
As operações para o financiamento habitacional residencial continuam isentas da
exação fiscal. Todavia, caso uma pessoa física faça um empréstimo para a compra de
um imóvel comercial, haverá a cobrança do imposto de 3% ao ano mais 0,38 sobre o
valor da operação. Para as pessoas jurídicas, a alíquota continua em 1,5% ao ano e é
cobrada sobre o período da transação, cuja distinção fere o principio da isonomia
tributária prevista no art. 150, II, da CF, o qual veda a instituição de tratamento desigual
entre contribuintes que se encontre em situação equivalente.
No caso do cheque especial, a alíquota passa de 0,0041 para 0,0082% ao dia,
com cobrança no final do mês. Além disso, haverá a incidência de 0,38 sobre o valor do
cheque especial utilizado durante o mês.
Na utilização do cartão de crédito, a incidência só ocorre quando não é feito o
pagamento da fatura no dia do vencimento e rola o saldo devedor, gerando a cobrança
de IOF de 0,0082% ao dia mais 0,38% sobre o valor da dívida. As operações com
cartão de crédito no exterior passam a ter uma alíquota de 2,39% - antes era de 2%.
Sendo que as compras feitas em dezembro e com vencimento da fatura em janeiro não
sofrerão esse acréscimo.
Como o leasing não caracteriza uma operação de empréstimo continua isento do
IOF.
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As transações de seguros, todas as alíquotas foram acrescidas em 0,38%. No
caso de seguro de bens, ela passa de 7% para 7,38%. O seguro saúde de 2% para 2,38%.
Já os seguros pessoais, como a vida, passam a ter uma alíquota de 0,38% - antes a
alíquota era zero. O mesmo ocorre com o DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais causados por Veículos Automotores), embarcações e sua carga. O seguro
obrigatório para a aquisição de imóvel por meio de financiamento, resseguros, seguro
para crédito à exportação e aeronáutico continuam isentos.
As movimentações de câmbio feitas com cartão de crédito no exterior passam de
2% para 2,38%. Já os empréstimos feitos no exterior com prazo médio de 90 dias
passam de 5% para 5,3%. Nos casos de importações de serviços e exportação de bens e
serviços, que tinha alíquota zero, agora passa para 0,38%. Já a importação de bens e
investimentos estrangeiros no mercado de capitais segue com a alíquota zero.
Ademais, outras operações que tinham alíquota zero agora passarão a pagar
0,38$ de IOF, tomando-se, por exemplo: O credito tomado por cooperativas; operações
entre cooperativas e seus associados; crédito rural, crédito para exportação; penhor;
repasse do tesouro nacional; repasses do BNDS com recursos do Finame (compras de
máquinas e equipamentos); crédito do governo para formação de preço mínimo de
produtos agrícolas; operações que utilizam títulos como garantias; operações relativas à
transferência de bens objeto de alienação fiduciária; adiantamento do valor do seguro de
vida e aquisição de ações no ano do plano nacional de desestatização.
5. Do aumento da CSLL através de Medida provisória 413/08
Já a alteração na cobrança da (CSLL) Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido, para o setor financeiro, que passou de 9% para 15%, na visão política do
governo é o caminho mais fácil de penalizar o contribuinte, uma vez que todos esses
custos serão automaticamente repassados para o consumidor. E esse argumento de que
o setor bancário é um seguimento que apresenta maior lucratividade não se sustenta,
havendo outros setores que ocupam posições muito mais privilegiadas, como no campo
da mineração, petróleo e gás, metalurgia e siderurgia, etc.
Demais disso, tecnicamente não é o caminho correto para se promover uma
reforma fiscal, ainda que nessa dimensão, devendo esses aumentos ser questionado na
Suprema Corte, já havendo, inclusive, um parecer do Ministro Marco Aurélio de Melo
no sentido de que o reajuste da CSLL sobre a atividade bancária pode ser contestado
sob o fundamento de não observância do principio da anterioridade, a qual também se
aplica para majorações muito elevadas. Por este princípio, o governo não pode criar um
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novo imposto ou contribuição. O regramento da anterioridade existe para evitar
surpresas e quando há uma majoração de quase o dobro da alíquota, como é o caso da
CSLL, que passou de 9% para 15%, pode ser interpretada que houve uma surpresa.
Segundo ele, se o governo cumprir a noventena (período de 90 dias) de espera antes de
começar a cobrar a nova alíquota já está cumprindo a Constituição; Porém, pode haver
outra interpretação no STF. “Eu não fico apenas com a lei fria da Constituição.
Precisamos interpretar se a majoração é uma surpresa”, comentou.
Portanto, o aumento da CSLL um tema aberto no Supremo, e que pode ainda
render muitos debates.
Em principio, todas as normas tributárias possuem função fiscal, isto é, são
postas com objetivo de obter recursos financeiros para o Estado. Podem aditiva e
eventualmente desempenhar outras funções, como distribuir a carga tributária entre a
sociedade privada e induzir alterações no funcionamento da economia, como é o caso
dos impostos do comércio exterior, produtos industrializados, IOF, e o IPTU
progressivo, e tantos outros. Segundo Jose Casalta Nabais, os impostos extra-fiscais
“englobam as normas jurídicas - fiscais de tributação (...) e de não tributação (benefícios
fiscais) cuja função principal não é a obtenção de receitas ou uma política de receitas,
mas a prossecução de objetivos econômicos - sociais”.
6. Conclusões
Assim, diante do agravamento da carga tributária por meio de Decreto do
Executivo e Medida provisória, fora das “condições e limites da lei” previstos no § 1º,
do art. 153 e artigo 195, I, letra “c” da CF, não é preciso haver grandes estudos para
adequar a proposta orçamentária de 2008 à nova realidade, sem a CPMF. Aliás, a
previsão de sua arrecadação, à luz de dispositivos da Lei 4.320/64 e da LC 101/00, não
poderia ter sido levada em conta, por se tratar de tributo com prazo de vigência préfixado em 31 de dezembro de 2007. Lei nenhuma autoriza a inclusão, no projeto de lei
orçamentária anual, do produto de arrecadação de um tributo dependente de sua
instituição legal.
Ademais, é sabido que na última década a receita prevista vem gerando
superávit, com arrecadação de um terço a mais do que do que a estimada no orçamento.
E isso significa que o governo terá fonte de receita suficiente para solicitar, ao
Congresso Nacional, a abertura de crédito adicional suplementar, para satisfazer as
necessidades públicas em qualquer área de atuação do Estado, principalmente, em ações
e serviços públicos de saúde, priorizados pela Constituição Federal.
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Concluindo, e como disse Kiyoshi Harada, “toda essa gritaria, que mais se
parece com o parto da montanha, não tem razão de ser”. Devendo o Congresso agir
com determinação na aprovação de suas emendas para os programas sociais,
investimentos prioritários, educação e saúde, pois é disso que o país precisa e o povo
anseia.
Por outro lado, enquanto vigentes as normas fiscais editadas pelo governo sobre
o IOF, e até que o Supremo Tribunal Federal decida sobre a sua inconstitucionalidade
ou não, o contribuinte deve buscar operações financeiras isenta do imposto a exemplo
do leasing, parcelamento no cheque ou mesmo a compra à vista, livrando-se da
tributação e ao mesmo tempo contendo o ânimo de arrecadação do fisco, com o
conseqüente esfriamento no mercado de operações financeiras sujeitas a incidência do
tributo.
Janeiro /2008
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o fim da cpmf e a desmedida ação normativa do