FONTES PARA A HISTÓRIA SOCIAL DO TRABALHO EM VITÓRIA DA
CONQUISTA E REGIÃO: O TRABALHADOR RURAL VAI À JUSTIÇA
Marielle Leles NEVES
UESB
[email protected]
O presente trabalho tem como principal objetivo analisar os processos
de trabalhadores rurais que, na década de 1970, recorreram à 5ª Junta de
Conciliação e Julgamento do Tribunal de Justiça do Trabalho, com sede em
Vitória da Conquista, buscando relacionar os dados emanados dos processos
com o contexto econômico-social, as formas de organização das classes
trabalhadoras e as suas relações com as diferentes esferas do poder. À partir
da análise dos processos trabalhistas é nosso propósito encontrar uma matriz
explicativa sobre as bases instituidoras das relações de trabalho no meio rural
no Brasil, em especial na região Sudoeste da Bahia.
Desde a sua formação, a estrutura agrária do Brasil esteve caracterizada
pela concentração de propriedades da terra em mão de grandes latifundiários.
E não poderia ser diferente, pois, a legislação fundiária brasileira, desde o
período colonial, favorece a concentração de terras. No regime de concessão
de Sesmarias, o primeiro mecanismo de distribuição de terras, instituído ainda
no período da colonização portuguesa e que perdurou até 1882, era apenas
concedido o direito real de uso da terra. Os concessionários de sesmarias as
recebiam em caráter hereditário, mas os herdeiros tinham apenas o direito de
explorá-la.
Com a suspensão da Lei de Sesmarias, em 1882, e até a promulgação
da lei 601 de 1850 (a chamada Lei de Terra), não havia nenhuma legislação
que regulamentasse os limites e dimensões das propriedades. Nada limitava a
ambição e o poder dos potentados locais, que aproveitaram da fase de
instabilidade pós-independência e da ausência de uma legislação específica
para constituir latifúndios.
A Lei de Terras veio responder à necessidade do Poder Público
Nacional de legalizar os registros das terras doadas desde o período colonial e
as ocupações sem autorização; ou seja, data de 1850 a primeira forma de
legitimar a propriedade privada em terras brasileiras. Juntamente com a
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Conflitos e Violência no campo brasileiro.
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regularização das propriedades, a Lei de Terras veio, ainda, consolidar a
relação entre o Estado Nacional e os proprietários de terras e apresentar
soluções para alguns problemas que afetavam diretamente os proprietários
rurais, como a obtenção da mão-de-obra após a proibição do tráfego de
escravos.
A Proclamação da República de 1889 preservou o regime de terras
calcado na alta concentração fundiária e consolidou o poder local de caráter
oligárquico. Como no inicio da colonização, o sistema produtivo continua
voltado para o alargamento das bases econômicas e políticas da monocultura
exportadora.
O Brasil entrou no século XX sem mudanças estruturais na base do
sistema social de dominação. O crescimento populacional, que impulsionava a
modernização urbana, não demorou muito para atingir também o meio rural;
mas o sistema agrário permaneceu sem mudanças em sua estrutura social e
fundiária. No inicio do século XX, os trabalhadores rurais continuam em
condições próximas à da servidão. Este fato pode ser atribuído, segundo
Linhares,
ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, sem reformas agrárias,
preservando-se, na base, o sistema colonial de dominação social, sem ter
conhecido um movimento amplo de reformas que extinguissem as bases das
hierarquias no sistema de acesso à terra.[1]
A partir de 1930, a organização e luta dos trabalhadores urbanos por
melhorias nas condições de trabalho interfere diretamente na afirmação dos
direitos dos trabalhadores rurais. Desde então, é possível identificar elementos
indicativos de formação de uma identidade política e social das categorias
associadas ao trabalho rural e da sua presença no espaço público.
Segundo Medeiros, o surgimento destas novas categorias só pode ser
compreendido tendo como foco central os conflitos agrários. Esses conflitos
remontam ao período escravista, às fugas e rebeliões de escravos, mas estão
melhor documentados para o período de expansão do trabalho livre, quando
tornaram-se recorrentes as manifestações dos trabalhadores do campo em
recusa às condições de trabalho.
Até o primeiro decênio do Governo Vargas, as contendas visavam
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resolver demandas específicas e localizadas de uma ou outra classe de
trabalhadores rurais. Mas, já a partir de 1930, na esteira dos debates
suscitados pelos operários urbanos que se organizavam para reivindicar
direitos, a regulamentação do trabalho rural torna-se tema de discussão e,
particularmente sob o Estado Novo, vai estar fortemente marcado pela
perspectiva de intervenção estatal sobre o mundo do trabalho. Surge, assim,
como ressalta Lenharo “um novo conceito de trabalho e trabalhador, uma
contrapartida do que já se praticava no setor urbano industrial: o forjamento do
trabalhador despolitizado, disciplinado e produtivo”. [2]
Já na década de 1940 o trabalhador rural buscou definir as suas formas
próprias de organização - em associações ou sindicatos. Com o projeto
“Marcha para o Oeste”, em 1940, o governo Vargas buscou levar orientações
técnicas e instrumentos agrícolas para o interior e distribuir benefícios sociais
por meio de associações e sindicatos de trabalhadores rurais. Pretendia-se,
com isso, incentivar a sua permanência no campo e amenizar os conflitos
rurais. Mas, com o fim do primeiro Governo Vargas, a discussão sobre a
extensão dos direitos trabalhistas para o meio rural e a sobre a criação de um
código rural, proposta defendido pelo próprio Getúlio, ficou inacabada.
Manteve-se na pauta de debates apenas a regulamentação do direito de
associação rural. Desde então e até 1960 conflitos violentos tomaram corpo em
diversos lugares do Brasil. As lutas no campo fixaram objetivos de cunho social
e político mais claramente definidos.
O período do Pós-Guerra, no Brasil, ficou marcado pela universalização
e reconhecimento da identidade política de certas categorias de trabalhadores
rurais, como “lavradores”, “trabalhadores agrícolas”, “camponeses”. Essa
universalização foi produto das lutas sociais desses segmentos e esteve
baseado na idéia de direitos de classe. Ao seu reconhecimento político e social
correspondeu a uma tomada de consciência e a luta pela fixação de direitos,
como a permanência na terra e a extensão para o campo dos direitos
trabalhistas.
Os conflitos pela permanência da terra tomaram a forma da resistência à
expulsão e estiveram pautados pela noção do direito de livre acesso à terra.
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Segundo Novais “a palavra latifúndio, mais que uma grande extensão de terra,
passou a significar relações de opressão e exploração, improdutividade
etc”.[3]A luta travada entre trabalhadores rurais e posseiros contra os grandes
proprietários rurais e os grileiros esteve na base na luta mais ampla, que
perpassa os nossos dias, em defesa da Reforma Agrária.
A partir da década de 1950, as lutas dos trabalhadores rurais passaram
a ser organizadas pelo Partido Comunista e, no Nordeste brasileiro, pelas Ligas
Camponesas. Sob a influência do Partido Comunista, os trabalhadores rurais
foram definidos como assalariados e tomaram para si as demandas
trabalhistas dos trabalhadores da cidade, entre elas o direito de livre
associação e o uso da greve como principal forma de luta. Essa mediação
política reforçou a noção de camponês como identidade política e social e
permitiu a inserção da luta camponesa em demandas e conteúdos mais
amplos.
Mas, como salienta Loureiro, os arrendatários também fizeram
importantes mobilizações neste período, objetivando, principalmente, a fixação
das taxas de arrendamento, e obtiveram algum êxito em alguns estados como
Goiás.[4] Enquanto isso, posseiros reivindicavam o direito de livre acesso à
terra.
Além da legalização das relações de trabalho e do acesso à terra, outras
demandas unificavam os trabalhadores rurais dos anos 1950 e 1960, como
criação de ambulatórios médicos, distribuição de remédios, dentistas, escolas,
etc. e, pela primeira vez, apareceram as reivindicações sociais de direito à
aposentadoria, seguro previdência etc. O Partido Comunista e as Ligas
Camponesas disputavam a representação camponesa, divergiam sobre o
conteúdo da reforma agrária e sobre as ações votadas à sua consecução e, a
partir da década de 1960, vão disputar espaço também com setores da Igreja
católica, que vão aparecer como mediadores dos conflitos no campo,
reconhecendo como legítimas as reivindicações dos trabalhadores e buscando
soluções “pacíficas” para os confrontos.
Entre 1960 e 1964, o Estado reconheceu e enquadrou as demandas e
direitos emergenciais no meio rural. Foram estabelecidas as bases do
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sindicalismo rural, com o reconhecimento de sindicatos de patrões e de
empregados, e aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural, que estendeu ao
campo uma série de direitos trabalhistas vigentes no meio urbano. E,
imediatamente após o golpe militar, foi aprovado o Estatuto da Terra, que
regulamentou as condições de acesso à terra e os contratos de parceiras e
arrendamentos. Esse conjunto de documentos, elaborados ao longo de pelo
menos uma década, estabeleceram os perfis das diversas categorias de
trabalhadores rurais, os limites às suas demandas e as novas formas de luta
que permanecem até os nossos dias.
Apesar de terem alguns de seus direitos reconhecidos, os trabalhadores
rurais não tiveram como fazer valer esses direitos, pois, após o golpe militar, se
viram imobilizados pela ação do governo, que desestruturou as suas
organizações e levou à prisão, à clandestinidade ou à morte muitas de suas
lideranças. Os direitos adquiridos se transformaram em “letra morta”. Destituído
de direitos e da ligação com a terra, muitos trabalhadores do campo foram em
busca de oportunidade nas cidades e superpovoaram as periferias dos grandes
centros urbanos. Os poucos que permaneceram na terra viram-se acossados
pelo avanço do poder do latifúndio, beneficiário do crédito farto e barato,
voltado para a “modernização tecnológica” de áreas de cultivos tradicionais.
Os sindicatos de trabalhadores rurais, controlados pelo governo, foram
reduzidos à condição de mediadores para a distribuição de benefícios: “Em
diversos locais, essas entidades de representação acabaram por se tornar
mais um dos espaços de práticas clientelísticas, com os representantes do
poder local disputando a representação dos trabalhadores como forma de
ampliar suas bases de sustentação política”.[5]
A organização e luta dos trabalhadores fez-se valer, ainda no período
militar, da atuação de segmentos da Igreja Católica, que fizeram das suas
pastorais, comunidades eclesiais de base e reuniões comunitárias lugares
privilegiados para a discussão sobre o direito à terra. Membros da Igreja
católica ligados às teses da Teologia da Libertação atualizaram a leitura da
bíblia, criticaram a atuação assistencialista dos sindicatos, estimularam o
surgimento de oposições sindicais que buscavam a valorização e participação
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dos trabalhadores e apoiaram as diversas formas de mobilização camponesa.
Graças à sua atuação, principalmente, durante os anos 1970 a defesa dos
direitos e a referência legal ao universo dos direitos foi uma constante.
Na década de 1970, as categorias mais usuais na luta pelos direitos dos
trabalhadores agrícolas foram os posseiros, arrendatários, parceiros e
assalariados. A partir de 1980, como um reflexo das mudanças ocorridas na
agricultura brasileira, a luta pela terra toma um novo fôlego e uma nova
dimensão. Às categorias já mobilizadas vieram somar-se outras, forjadas no
próprio contexto de luta pela terra, como os sem terra, os atingidos por
barragens, os seringueiros etc. Novas formas de luta foram forjadas,
amparadas inicialmente na defesa da aplicação do próprio Estatuto da Terra.
Além de lutas de resistência, nas quais o acesso à terra foi reclamado a
partir de noções costumeiras sobre direito de uso, constituídas a partir de longo
tempo de trabalho investido na terra, o início das ocupações fundaram novas
concepções de direito. A legalidade da propriedade da terra não era
questionada, mas sim sua legitimidade, uma vez que a apropriação não se
justificava através de uma destinação produtiva. Atualizou-se, através dessas
práticas, a própria noção de função social da terra, incorporada à Constituição
Brasileira desde 1964 e atualizada em 1988. Para João Pedro Stedile, um dos
líderes dessa nova forma de movimento, a lei só é aplicada quando existe
iniciativa social. A ocupação, assim, é não somente legítima como necessária.
É essa, pois, a nova faceta da luta pela terra que avança até os nossos dias.
Do ponto de vista jurídico-político, as questões do mundo do trabalho
rural até 1930, eram tratadas pelo Ministério da Agricultura. Com a criação do
Ministério do Trabalho, Vargas buscou trazer as organizações sindicais para a
órbita do novo ministério. Por outro lado, buscou estimular, também, a
organização e reconhecimento de sindicatos patronais, na perspectiva de se
construir uma organização social sobre bases corporativas. Buscou, enfim,
atender a algumas reivindicações históricas do proletariado e, ao mesmo
tempo, construir um discurso ideológico sustentado na idéia da outorga dos
direitos dos trabalhadores pelo Estado. Esse projeto foi intensamente criticado
pelos grupos de esquerda, que denunciavam seu caráter corporativista e
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diluidor dos conflitos entre capital e trabalho. Inicialmente, somente os
sindicatos das categorias com menor tradição organizativa aceitaram se
enquadrar nas condições exigidas pelo Ministério do Trabalho para que fossem
oficialmente reconhecidos.
Como forma de concretizar o projeto do novo regime e de consolidar a
intervenção sistemática do Estado nos conflitos entre capital e trabalho, o
Governo Vargas tomou a iniciativa da criação, ainda na década de 1930, de
uma Justiça do Trabalho.[6]
Na Bahia, a Justiça do Trabalho foi instalada em 20 de maio de 1941,
como Conselho Regional do Trabalho, composto por duas Juntas de
Conciliação
e
Julgamento.
O
número
de
Juntas
foi
aumentando
gradativamente, na medida em que a demanda de processos também ia
crescendo. A princípio criada fora do campo do Poder Judiciário, a Justiça do
Trabalho foi a ele integrado em 1946.[7]
A Justiça do Trabalho na Bahia compreende, na primeira instância, 68
Varas do Trabalho (antigas Juntas de Conciliação e Julgamento), 25 das quais
em Salvador. As Varas têm competência para julgar, em sua respectiva
jurisdição, os dissídios individuais entre empregados e empregadores e, na
forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem
como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias
sentenças, competindo ainda executar, de ofício, as contribuições sociais
previstas em lei. Compete, também, conciliar e julgar os dissídios que tenham
origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou acordos
coletivos de trabalho entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores.
Os dados oriundos dos processos da Justiça do Trabalho oriundos da 5ª
Junta de Conciliação, com sede em Vitória da Conquista, têm nos possibilitado
vislumbrar, em primeiro lugar, que as reclamações trabalhistas apresentadas
pelos trabalhadores agrícolas da região de Vitória da Conquista, durante a
década de 1970, visam tão somente o cumprimento de direitos conquistados
pelos trabalhadores desde o período de Vargas. Em segundo lugar, podemos
perceber que houve uma crescente procura desses trabalhadores pelos
serviços da Justiça, como demonstra a tabela 1.
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Tabela 1: Processos encaminhados à Justiça do trabalho (1970-1979)
Ano
Zona rural
Zona urbana
Total
1970
42
375
417
1971
55
249
307
1972
52
252
304
1973
102
450
552
1974
49
302
351
1975
66
465
531
1976
101
513
614
1977
95
489
584
1978
80
539
619
1979
118
654
772
Esse crescimento em valores absolutos reflete, entretanto, uma maior
recorrência de processos encaminhados ao tribunal durante a década. Como
pode ser observado na tabela 2, em números percentuais os processos da
zona rural correspondem sempre a menos de 20% dos processos
apresentados à Justiça na década:
Tabela 2: Processos rurais e urbanos encaminhados à Justiça do
Trabalho
(em valores percentuais)
Ano
n.o total de
processos
Rural % Urbano %
1970
417
10,07
89,33
1971
307
17,92
81,11
1972
304
17,11
82,89
1973
552
18,48
81,52
1974
351
13,96
86,04
1975
531
12,43
87,57
1976
614
16,45
83,57
1977
584
16,27
83,73
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Ano
n.o total de
processos
Rural % Urbano %
1978
619
12,92
87,08
1979
772
15,28
84,72
Dos processos de trabalhadores rurais datados do ano de 1970 e
catalogados até o momento, observa-se que a maioria visa reclamar direitos já
garantidos por lei. Em apenas um desses processos (192/70), o trabalhador
rural está amparado por uma associação sindical, a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia. Em dois desses processos
(245/70 e 178/70), os trabalhadores alegavam a inexistência de vínculo
empregatício registrado em carteira profissional. Nos processos 87, 88 e 89/70,
um mesmo empregador se dirige à justiça para queixar-se de três
trabalhadores - o gerente da fazenda e mais dois empregados - que teriam
“fugido” do local de trabalho. Neste ano, dois processos foram arquivados: o
primeiro (242/70), sob alegação de que o patrão pagou a dívida, o segundo
(247/70), porque o empregado não compareceu à audiência.
Nos processos catalogados relativos ao ano de 1971 a maior parte dos
trabalhadores relata que, além de trabalhar mais que às oito horas diárias,
muitas vezes tinham seus salários retidos; reclama-se ainda, a correção dos
salários e o registro em carteira de trabalho. Durante este ano, dois processos
(73/71 e 308/71) foram acompanhados por um sindicato de trabalhadores
rurais. No segundo desses processos, entretanto, o documento do sindicato
reivindica a invalidação do processo, sob a argumentação de que o trabalhador
“queria aplicar golpe nos fazendeiros”.
Nos processos já catalogados relativos aos anos de 1972, 1974 e 1975,
os trabalhadores reclamam o cumprimento de direitos trabalhistas, além de
pagamentos de salários retidos e anotações na carteira de trabalho. Nenhum
desses processos foi acompanhado por sindicato. Apenas um processo, do
ano de 1975 (429/75) diverge dos demais, pois solicita a nulidade do contrato
de trabalho.
Os processos analisados até o momento, relativos à primeira metade da
década de 1970, revelam um crescimento do número de trabalhadores rurais
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que procurou a justiça para garantir o cumprimento de direitos legais em vigor
desde 1943, como pagamentos de aviso prévio, horas extras, férias, 13º
salário, descanso semanal remunerado e o registro na carteira de trabalho.
Revelam, ainda, a subordinação de trabalhadores rurais a relações de trabalho
muito próximas da servidão. A submissão a jornada de trabalho superior a 8
horas diárias, sem pagamento de horas extras, a negação do descanso
semanal, mas, principalmente, a retenção de salários e os elementos
indicativos de cerceamento de liberdade de circulação apontam para a
permanência de uma estrutura agrária onde predomina toda forma de poder do
proprietário sobre os empregados. Esse amálgama entre poder sobre a terra e
poder sobre os homens se fortalece, ainda, pelo recurso à violência física ou
simbólica por parte dos latifundiários que a crônica cotidiana da região permite
perceber. Complementarmente, contribui para esse quadro a fragilidade das
instâncias estatais responsáveis pela regulação das relações de trabalho e das
associações e sindicatos, que teriam por objetivo garantir a defesa dos
trabalhadores frente ao poder dos patrões, mas que, para o período
considerado, está marcadamente ausente ao atuar, como em um dos casos
analisados, no sentido contrário à garantia dos direitos trabalhistas.
NOTAS
[1] LINHARES, Maria Yêdda Leite. Possibilidade da história comparada no
Brasil. A história agrária como uma experiência de pesquisa. In:
CHEVITARESE, André Leonardo (Org.). O campesinato na história. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002.
[2] Citado por MEDEIROS, Maria Servolo de. Os trabalhadores do campo e o
desencontro nas lutas por direitos. In: CHEVITARESE, André Leonardo (Org.).
O campesinato na história. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002.
[3] Citado por MEDEIROS, Maria Servolo de. Os trabalhadores do campo e o
desencontro nas lutas por direitos. In: CHEVITARESE, André Leonardo (Org.).
O campesinato na história. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002.
[4] Citado por MEDEIROS, Maria Servolo de. Os trabalhadores do campo e o
desencontro nas lutas por direitos. In: CHEVITARESE, André Leonardo (Org.).
O campesinato na história. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002.
[5] MEDEIROS, Maria Servolo de. Os trabalhadores do campo e o desencontro
nas lutas por direitos. In: CHEVITARESE, André Leonardo (Org.). O
campesinato na história. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002.
[6] A Justiça do Trabalho, encarregada de julgar e conciliar os dissídios entre
empregados e empregadores, bem como quaisquer controvérsias surgidas no
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âmbito das relações de trabalho, remonta à década de 1920, quando surgiram
os primeiros órgãos da Justiça do Trabalho, com a criação dos Tribunais Rurais
no Estado de São Paulo sob Washington Luís e, neste mesmo ano, com a
instituição do Conselho Nacional do Trabalho, sob Artur Bernardes. Mas foi
somente a Constituição de 1934 que ficou estabelecida a criação da Justiça do
Trabalho, cuja existência só foi efetivada em 1941.
[7] Atualmente, a Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal Superior do
Trabalho (TST), sua instância máxima, por Tribunais Regionais do Trabalho e
por Juntas de Conciliação e Julgamento. Sua jurisdição abrange todo o
território nacional e todos os seus órgãos possuem composição paritária, com
representantes de empregados e empregadores. A Justiça Laboral da Bahia
atende a litígios da área trabalhista em 360 municípios baianos, de um total de
415. Nos 55 restantes, os juízes de Direito das respectivas comarcas atuam
como juízes do Trabalho por disposição legal.
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Conflitos e Violência no campo brasileiro.
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Marielle Leles Neves