A Orientação para a Excelência
Por Vítor Briga
1. Querer fazer bem
Somos o que repetitivamente fazemos, portanto,
a excelência não é um feito, mas um hábito.
Aristóteles
A orientação para a excelência caracteriza-se pela vontade de querer fazer bem
o que se está a fazer. É algo que não se explica de forma muito racional, quem
tem este valor simplesmente sente-o. Às vezes pode até mesmo tornar-se um
hábito emocionalmente desgastante e nada pragmático.
Lembra-me de quando fiz o meu exame oral para obter a cédula de advogado,
na respectiva ordem. Nessa altura, já tinha iniciado a minha actividade como
formador, e já tinha claro que a minha vida profissional iria ser dedicada às
artes e ao desenvolvimento humano e não ao direito; no entanto, senti a
mesma responsabilidade de estudar e impressionar aquele júri de três
respeitáveis e experientes “colegas”, como se a advocacia fosse a única coisa
que verdadeiramente me interessava. Já que havia chegado até ali, tinha que ir
até ao fim o melhor possível, mesmo que depois tudo fosse em vão. Hoje, ao
olhar para tantos livros jurídicos a ganhar pó na estante, penso que talvez
tenha sido um desperdício de tempo e dinheiro tanto investimento em algo que
acabou por não ter retorno. Mas não podia ter sido de outra forma...
Não se confunda orientação para a excelência com a busca de perfeccionismo.
A primeira é uma força motivadora, enquanto que a segunda, ao não admitir o
erro, pode tornar-se um obstáculo bloqueador da acção. Uma pessoa orientada
para a excelência não é um ser perfeccionista, que faz sempre tudo bem. Não,
de forma alguma! É alguém que quer fazer sempre bem, mesmo que muitas
vezes, por falta de recursos, tempo ou competências técnicas, não o faça.
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A diferença está na sua intencionalidade. O que acontece é que esta vontade
tende a reflectir-se na realidade e nos seus actos, estabelecendo um padrão e
uma forma programada de pensar, sentir e agir.
Vejam a este propósito a história que se conta do famoso jogador de
basquetebol Larry Bird quando, no auge do seu sucesso, estava a gravar um
anúncio para a Coca-Cola, em que lhe pediram para falhar um lançamento. A
equipa teve de filmar o lançamento sete vezes porque ele não conseguia evitar
acertar com a bola no cesto, mesmo quando tentava falhar de propósito!
2. Fracassar com Sucesso
Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo.
Fracassa melhor.
Samuel Beckett
A partir do momento em que aceita uma tarefa, um indivíduo orientado para a
excelência dá sempre o seu melhor, seja um trabalho pequeno, grande,
simples, complexo, gratuito ou muito bem pago. A sua satisfação no final é a
sensação de que colocou todos os seus recursos no projecto que acabou de
realizar e a possível alegria de os resultados estarem de acordo com os seus
níveis de exigência.
Fazer bem, no entanto, não é o mesmo que não errar. Aliás o erro pode ser
muito útil e é, às vezes, uma etapa fundamental para o sucesso final,
principalmente em processos criativos. Lembremo-nos da famosa resposta de
Edison quando lhe perguntaram se não se sentia derrotado por ter errado
tantas vezes no processo de descoberta da lâmpada: “cada erro foi uma etapa
necessária para chegar aos resultados finais”. O problema não está em errar,
está em cometer o mesmo erro mais do que uma vez, pois isso significa que
não se aprendeu nada com ele.
Pode parecer paradoxal, e até irónico, mas encontro na figura do clown um
excelente exemplo de alguém orientado para a excelência. “Mas como é que é
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possível?” Perguntará o leitor, “O mestre do fracasso orientado para a
excelência?”
Sim. Se reparar, por exemplo, num bom número do Charlie Chaplin ou do
Buster Keaton, vai verificar que eles não fracassam de propósito, mas sim
devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Eles partem para a acção sempre
entusiasmados e mesmo depois de múltiplos fracassos insistem em querer fazer
bem as coisas, apesar de todo o desconforto que sentem e obstáculos que têm
de superar. É isso que desperta o riso no público, pois quando todo o mundo à
sua volta se está desmoronar, o clown continua empenhado na sua
“insignificante” missão e persistente nas suas tentativas de fazer o errado a
pensar que está certo. Na reacção ao erro, subtilmente, expressa um
sentimento rebelde de que, na verdade, acredita na humanidade das pessoas,
pois mostra o erro como componente humano e elemento formativo do
conhecimento.
Aprendi mais sobre excelência nos cursos de clown do que em outros cursos
que querem vender a receita para o sucesso em meia dúzia de passos prontos
a usar, mas que se esquecem da necessidade de esforço, trabalho e empenho
para o obter.
3. Janelas Partidas
A sorte não existe.
Aquilo a que chamais sorte é o cuidado com os pormenores.
Winston Churchill
Deus está nos detalhes
Mies van der Rohe
As recentes notícias que dão conta dos erros de português nas instruções e nos
jogos do computador Magalhães deixaram-me bastante apreensivo. De facto, é
preocupante que um computador dirigido a crianças que ainda estão a receber
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a sua formação básica tenha este tipo de erros de português, ainda mais,
tratando-se de um produto altamente publicitado internacionalmente e
reproduzido com a ambição de chegar a milhares de crianças e influenciar a sua
educação.
Mas o que me pareceu inquietante e me deu vontade de escrever este artigo
foram
as
declarações
dos
políticos
responsáveis
face
ao
sucedido,
desvalorizando o facto. Esta atitude de condescendência face ao erro, da parte
de quem lidera, cria uma percepção de que nada é grave, de que fazer bem e
fazer mal não é, na realidade, muito diferente, de que está sempre tudo bem.
Lamento mas não pode estar!
Que exemplo é este? É difícil passar a mensagem de uma cultura de rigor e
excelência
na
formação
das
nossas
empresas,
se
quem
governa,
independentemente das cores partidárias, relativiza constantemente os erros
por si cometidos.
Um líder deve ter coragem de pedir desculpa e admitir que errou. Esse acto
fará com que fique mais forte aos olhos dos liderados. Por outro lado, querer
relativizar constantemente o que corre mal, sem enfrentar com honestidade e
humildade a realidade, enfraquece, porque deixa no ar a ideia de que se está
mais preocupado consigo e com a sua imagem do que em fazer as coisas bem
feitas. E as empresas e as pessoas só evoluem se todos quiserem fazer as
coisas bem feitas.
A teoria das janelas partidas foi inventada pelos criminólogos James Wilson e
George Kelling. Concluíram que a delinquência é o resultado inevitável da
desordem. Se, por exemplo, a janela de um carro se partir e for deixada assim,
e o carro estacionado num determinado bairro durante algum tempo, os
transeuntes concluem que ninguém se preocupa nem está a tomar conta.
Depressa haverá mais janelas partidas; o sentimento de que tudo é possível irá
espalhar-se, e o mais provável é que o carro fique destruído em poucas
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semanas. Ou seja, ao permitir as pequenas coisas está a dar um sinal de que
piores coisas serão toleradas.
Foi com base nesta teoria que na década de 1980, Kelling ajudou a reduzir
drasticamente a criminalidade no metro de Nova Iorque, um sistema em
colapso devido à insegurança. Quando todos os especialistas diziam que o
importante era concentrar-se nos problemas da segurança e delinquência,
David Gunn, o novo director do metro e defensor da teoria das janelas partidas,
insistiu em preocupar-se com os graffitis nas carruagens do metro e mandar
limpar e pintar as carruagens de branco todas as noites. Para ele, os graffitis
significavam a primeira janela partida, eram o símbolo do colapso do sistema.
Depois da eleição de Rudolph Giuliani para presidente da câmara, Wiliam
Braton foi nomeado director da policia e aplicou o mesmo conceito das janelas
partidas, começando por não permitir e punir as pequenas infracções e crimes
menores. De repente, e quase inesperadamente, nos anos noventa, Nova
Iorque passa a ser uma cidade segura longe da epidemia de delinquência que
marcou os anos oitenta.
Convém verificar que “janelas partidas” está a deixar no seu discurso ou nos
seus actos. Enquanto líder, pai ou formador estará sempre a deixar sinais e a
marcar um padrão que irá modelar o grau de orientação para a excelência que
quem trabalha consigo vai seguir.
4. Há Sempre Público!
Não há virtude, rigorosamente falando, sem vitória sobre nós próprios,
e nada vale o que nada nos custa.
Xavier Maistre
Mesmo que estes, por vezes, demorem mais tempo a chegar a resultados ou
façam investimentos emocionais excessivos nos projectos, creio que em
momentos de crise e de dificuldades financeiras é mais importante ter a
trabalhar connosco pessoas orientadas para a excelência do que pessoas com
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elevadas competências técnicas mas que não investem todo o seu potencial na
acção. É muito mais fácil treinar aptidões técnicas do que atitudes.
Um famoso palhaço italiano, que faleceu o ano passado, chamado Carlo
Colambaioni, conhecido mundialmente pela sua colaboração com Federico
Fellini e por ter sido dos primeiros palhaços a trocar a lona do circo pela cena
dos teatros, contava nos seus cursos uma história real sobre orientação para a
excelência.
Passa-se no tempo em que Carlo Colambaioni era ainda criança. Fazia parte da
sétima geração de uma família de palhaços que vivia com muitas dificuldades e
para quem era fundamental vender espectáculos para poder comer, numa
Nápoles pobre e deprimida do início do século XX.
Um dia, estava com o seu pai na tenda a treinar os números para o espectáculo
dessa noite; contudo, por qualquer motivo, Carlo estava pouco concentrado e o
número não lhe saia bem. De repente, e sem aviso prévio, o pai dá-lhe uma
forte sapatada. Visivelmente aborrecido, Carlo exclama: “Ó pai, não é preciso
bater!”, obtendo como resposta do pai, numa voz dura e incisiva: “Olha o
público!”; “Que público? Estamos aqui sozinhos! Ninguém vê que estamos a
fazer mal.”, contrapõe Carlo, olhando para todos os lados e vendo uma tenda
vazia. “Há sempre público!”, respondeu o Pai.
Pois há, nem que sejamos apenas nós próprios.
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([email protected])
Mais de 8000 horas de experiência como formador nas áreas da criatividade,
inteligência emocional, comunicação, expressão dramática, liderança, coaching e
trabalho em equipa, com mais de 400 grupos de formação, em todo o país, em
Espanha e em Moçambique.
Criador de cursos inovadores e orador em diversas conferências sobre o potencial
pedagógico das artes dramática e cinematográfica na formação comportamental.
Colaborou em projectos de formação inovadores com diversas empresas nacionais e
multinacionais: Microsoft, Enabler Wipro, Sonae, Sociedade Portuguesa de Inovação,
Schering Plough Farma, Tintas Cin, Amorim & Irmãos, PT – Inovação, Continental
Mabor, Ecco, Sygminton, Axa, Galp Energia, Lipor, Martifer, Grupo Casais, El Corte
Inglês, etc.
Licenciado em Direito.
Mestrado em História e Estética da Cinematografia pela Universidade de Valladolid,
com especialização no âmbito do cinema formativo.
Formação em Psicopedagogia de adultos e em Programação Neurolinguística.
Formação no método ‘Pensamento Paralelo – Os Seis Chapéus do Pensamento’ pela
Edward de Bono Foundation.
Certificado, com distinção, em Competências de Liderança pela Universidade
Complutense de Madrid.
Coach Certificado pelo ICC – International Coaching Community.
Curso de Actor de Teatro pela Seiva Trupe.
Cursos de Clown e de Técnicas de Improvisação Teatral por, entre outros, actores do
Cirque du Soleil.
Curso de Actor de Cinema pela New York Film Academy.
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www.vitorbriga.eu
:: Março de 2009 ::
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