A C` hama dos Movimentos
Campesino-indígenas Bolivianos
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C8233 Costa, Elizardo Scarpati.
Movimentos Sociais Latino-americanos: A C’hama dos Movimentos
Campesino-indígenas Bolivianos/Elizardo Scarpati Costa. Jundiaí, Paco
Editorial: 2014.
156 p. Inclui bibliografia. Inclui Figuras e Tabelas
ISBN: 978-85-8148-522-5
1.Campesinato 2. Movimentos Sociais 3. Povos Indígenas 4. Globalização.
I. Costa, Elizardo Scarpati.
CDD: 301
Índices para catálogo sistemático:
Grupos Sociais
Bolívia
305
984
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Sumário
Prefácio....................................................................................5
Introdução...............................................................................7
Capítulo 1
Os movimentos sociais, as relações entre Estado
e sociedade civil e a globalização como epicentro da
modernidade latino-americana...............................................13
1.1 Perspectivas Teóricas sobre os Movimentos Sociais.........13
1.2 As relações entre o Estado e a sociedade civil:
As configurações históricas do Estado-nação na
América Latina e na Bolívia....................................................34
1.3 Globalização, Estado e sociedades latino-americanas.......49
Capítulo 2
Hipóteses de trabalho e orientação metodológica...................57
2.1 Hipóteses de trabalho......................................................57
2.2 Orientação metodológica.................................................59
Capítulo 3
Estado, poder, terra e coca:
O que querem os movimentos indígenas?...............................65
3.1 A luta pela nacionalização e preservação
dos recursos naturais: uma questão fulcral dos
povos indígenas......................................................................65
3.2 Educação bilíngue, para que te quero?.............................76
Capítulo 4
Atores em jogo na construção de um novo Estado
democrático, multicultural e plurinacional na Bolívia:
Olhares presentes e perspectivas futuras sob a
égide dos movimentos sociais e campesino-indígenas.............79
4.1 O socialismo do século XXI na Bolívia:
O cenário sociopolítico e a crise do modelo neoliberal............79
4.2 Correntes e tendências dos movimentos
indígenas bolivianos...............................................................96
4.3 O Estado plurinacional constitucional:
A face do “capitalismo andino-amazônico” no
período pós-neoliberal?.........................................................107
4.4 Os movimentos indígenas na encruzilhada:
Entre o Estado e a comunidade indígena..............................118
Conclusão...........................................................................125
Referências...........................................................................133
Anexo1 – Solidariedade internacional...................................145
Anexo 2 – Algumas fotografias do ampliado nacional...........146
Anexo 3 – Documento histórico e organizativo da CSUTCB..148
Anexo 4 – História da federação...........................................153
Prefácio
Os protestos sociais e as manifestações de variada ordem quase sempre constituem uma oportunidade para repensar a relação
entre o Estado e a sociedade civil. Quer porque desafiam as (in)
capacidades de “governação” por parte do sistema político, quer
porque põem à prova as capacidades organizativas e transformadoras protagonizadas por vários grupos e identidades numa determinada sociedade. Como noutros contextos, a América Latina
foi historicamente um espaço onde a capacidade para protestar e
desafiar o sistema político e econômico sempre esteve na ordem
do dia, quer em contextos políticos adversos (de repressão e ditadura), quer em contextos democráticos (de que são exemplos
mais recentes, no âmbito da realidade brasileira, os protestos que
desde junho de 2013 eclodiram e se alastraram um pouco por
todo o país reclamando uma outra política de transportes).
Este livro fala-nos de um desses contextos de afirmação de
movimentos sociais, designadamente da afirmação dos movimentos campesino-indígenas bolivianos. Trata-se de um estudo
resultante de uma tese de mestrado defendida com sucesso na
Universidade de Coimbra e na qual o seu autor, Elizardo Scarpati
Costa, começa por dialogar com as tradições de teorias de movimentos sociais na América Latina para, sequencialmente, se deter
nas configurações históricas do Estado nação na América Latina
e na Bolívia. O seu foco analítico são, pois, os movimentos indígenas bolivianos no contexto da globalização.
No seu detalhe analítico, o estudo não só se ocupa do modo
como evolui uma questão crucial para os povos indígenas – a luta
pela nacionalização e preservação dos recursos naturais (pontificando a terra e a folha de coca como valores inalienáveis) –, como
se detém nos contributos do movimento campesino-indígena
para a construção de um Estado democrático, multicultural e
5
Elizardo Scarpati Costa
plurinacional na Bolívia. A este respeito, o autor analisa o protagonismo das formas de ação coletiva testemunhado pelas “guerras” da água e do gás. O contexto que o autor analisa está associado à ascensão de Evo Morales ao poder (por sinal, o primeiro líder
indígena a ascender à condição de Presidente da República), mostrando como é possível dotar social e constitucionalmente o país
de condições geradoras de maiores benefícios para os mais pobres
e desfavorecidos, desde logo através de uma política de partilha
das receitas dos hidrocarbonetos e dos processos de nacionalização.
São, pois, várias as questões de reflexão e interrogação lançadas por este livro: desde logo, as que tratam do processo de
reconfiguração identitária quer de campesinos, quer de indígenas, por via da análise dos processos relacionados com a reforma
agrária ou da distribuição de riqueza, no caso do primeiros, ou
do poder de autogovernação territorial ou mesmo do significado
da noção de indígena no meio acadêmico, no caso dos segundos;
mas também do cruzamento entre cultura e política ou entre
identidade e classe social que decorre da condição de campesino
e de indígena; ou ainda, claro está, as conjunturas suscitadas a
respeito dos movimentos campesino-indígenas bolivianos, seu
trajeto sócio-histórico e suas especificidades face a outros movimentos sociais clássicos (como o movimento sindical) ou mesmo
face a novos movimentos sociais de orientações culturais, como
os movimentos feministas ou os movimentos negros.
Em resumo, um estudo que parece deixar a porta aberta para
que, num contexto de reforço da “identidade indígena” (acentuada com a reeleição de Morales), se possam equacionar os movimentos sociais enquanto portadores de uma saída pós-colonial.
Hermes Augusto Costa
Coimbra, dezembro de 2013
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Introdução
A América Latina no dealbar do século XXI apresenta um
cenário político, social e cultural conflitual. Desde a revolução
mexicana e cubana no século XX, passando por toda América
central e do sul com a revolução boliviana de 1952, os levantamentos sociais estiveram presentes nas sociedades latino-americanas. As manifestações destas rebeliões davam-se através do
surgimento do sindicalismo clássico no primeiro momento, alavancadas pelo movimento operário. Depois pelo guerillherismo
guevarista, e por último, pelos movimentos sociais que a partir
de meados do século passado surgem no cenário de “guerra-fria”,
mas são pacificados por regimes militares em todo continente.
Assim, a continuidade dos conflitos sociais no século XXI é reflexo direto a este passado histórico mal resolvido, ou seja, os
velhos conflitos sociais vêm-se misturando a novos conflitos que
resultaram numa situação muito peculiar, como aconteceu na
Bolívia, caso que estudaremos nesta obra.
Em diversos países do “subcontinente”, o conflito social se
faz presente em seus contornos totalizadores que giram em torno
de mais e melhores inclusões sociais – aprofundamento da democracia e da redistribuição da riqueza em oposição à crise do neoliberalismo. A Bolívia é um dos países do subcontinente, onde foram impulsionados os grandes conflitos quase insurreccionais no
início deste século. Porém, as bases tradicionais do Estado mantiveram-se com a democracia representativa no plano político, e
a propriedade privada no plano econômico, mas, veremos que
estas bases não são mais as mesmas após as rebeliões. Em larga
medida, estas revoltas estão ligadas aos impactos da globalização
neoliberal em sua face modernizadora que promoveu o aumento
das exclusões sociais (política, econômica, cultural, cognitiva).
No caso boliviano, existe um incremento substancialmente qua7
Elizardo Scarpati Costa
litativo a este processo – a questão étnica e da (re) emergência dos
movimentos indígenas bolivianos (MIBs) como protagonistas da
sua História através a sua “ch´ama”1 – assistimos à crescente ascensão dos MIBs a partir da última década do século XX. Esta dinâmica imprimida pelos indígenas tem chamado a atenção não só de
intelectuais latino-americanos, mas também do resto do mundo
por sua particularidade e pelo seu caráter sui generis.
Contudo, a história dos indígenas bolivianos nos remete ao
seu passado colonial/republicano: a homogeneização e incorporação dos indígenas na sociedade de classes não representam
somente a destruição do modo de produção comunal, mas igualmente a esteriotipação e submissão da cultura milenar indígena.
Portanto, a trajetória dos MIBs tem raízes no seu passado de servidão e exclusão étnica, que é resultado da acumulação das opressões e das frustrações sofridas durante todos os séculos passados.
Neste início de século XXI, a trajetória protagonizada pelos
MIBs para conseguir uma real inclusão política, econômica, social e cultural, significa o redirecionamento do Estado-nação e da
sociedade civil boliviana a caminho do reflorescimento da noção
de indígena. Por um lado, os MIBs representam um conjunto
de acontecimentos históricos que urge compreender analisando
a sua complexidade interna e externa; por outro lado, os MIBs
protagonizaram a criação de formas inovadoras de intervenção
na realidade social da Bolívia.
Assim, propomos nesse livro discutir os MIBs procurando entender o seu papel na configuração do Estado-nação, na criação
de identidades, as suas características e as suas perspectivas para o
futuro, em consonância com a teoria sociológica na busca de um
enquadramento adequado à sua composição e organização.
Neste sentido, sabemos que a discussão acerca da sociologia
dos movimentos sociais é uma das mais complexas da sociologia
geral. Hoje em dia, apesar de se ter mais de um século de pro1. A palavra C´hama significa força no idioma Aymara.
8
Movimentos Sociais Latino-americanos
dução científica sobre a temática, ainda estamos confrontados
a uma grande indefinição sobre os movimentos sociais, como
afirma Sidney Tarrow (Melucci, 1996: 12). A própria discussão
teórica e epistemológica sobre os MIBs talvez careça ainda de
uma melhor sistematização, de modo que se possa compreender
qual a magnitude de sua força, da sua identidade e de suas perspectivas. Tal fato deve-se principalmente à análise e à profunda
observação descritiva dos agentes sociais em luta, ficando reduzida ao momento histórico em que é desencadeada a ação coletiva,
ou seja, restringindo a análise sociológica aos processos políticos
em curso, e não se verificando uma teorização decorrente de um
estudo aprofundado da natureza identitária e das características
distintivas desses novos movimentos sociais (NMSs).
Assim, em traços largos, abordaremos no primeiro capítulo
as principais perspectivas teóricas da sociologia dos movimentos
sociais, desde o paradigma clássico europeu, o paradigma clássico
norte-americano até o quasi paradigma latino-americano. Bem
como se discutirá a noção de indígena e do Estado-nação na Bolívia. No segundo capítulo, mostraremos o método e as técnicas
de pesquisa empregadas nesse estudo. No terceiro capítulo, aprofundar-se-á o debate sobre questões gerais relativas ao porquê da
existência dos MIBs e aos seus respectivos objetivos como movimento social. E por fim, no quarto capítulo, debatemos mais as
relações da ação coletiva em momentos específicos de ascensão e
de estabilização na relação conflitual entre os MIBs e o Estado
boliviano no século XXI.
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PARTE I
Enquadramento Teórico e
Metodologia
Capítulo 1
Os movimentos sociais, as relações
entre Estado e sociedade civil e a
globalização como epicentro da
modernidade latino-americana
1.1 Perspectivas Teóricas sobre os
Movimentos Sociais
1.1.1 Teorias e conceitos paradigmáticos da
Sociologia dos movimentos sociais:
A abordagem clássica americana e europeia
Os clássicos da sociologia Karl Marx, Émile Durkheim e Max
Weber não apresentaram em suas obras o tema dos movimentos
sociais de forma direta (Gohn, 2002). No entanto, estes autores
deram iníci, no flanco de uma Sociologia mais orgânica, à discussão que iria constituir a sociologia dos movimentos sociais. Estas
contribuições são visualizadas em suas observações sobre os indivíduos e os grupos sociais em sociedade, por exemplo, as classes sociais, os antagonismos, o conflito social, e a transformação
social são temáticas essenciais da sociologia política, e analisadas
através das lutas sociais estudadas por Marx.
Assim, estes conceitos servem como base para um indicativo
do ponto de vista objetivo e subjetivo para a organização de um
determinado movimento social, neste caso, o movimento operário clássico através da praxis social (Marx, 2003). Para Marx, é
impossível separar a “teoria da prática revolucionária de classes
sociais”: a teoria e a prática são indissociáveis, sendo a praxis so13
Elizardo Scarpati Costa
cial o produto da intervenção coletiva e da ruptura da realidade
social. Como é sabido, a proposta de Marx incide, sobretudo, na
análise do conflito entre classes sociais dirigentes e subalternas.
Ou seja, dentro da matriz teórica marxista, as classes sociais são
imprescindíveis para se entender todas as ações políticas e a tomada do poder por uma classe social. Ora, no âmbito da presente investigação caberia perguntar-se, tendo em conta o quadro
de referência marxista, o seguinte: até que ponto os indígenas
bolivianos organizados através dos MIBs se reivindicam como
uma classe social? No sentido que Marx conceituou como sendo
a “consciência de classe para si” e não somente “classe em si”.
Segundo, existirá na Bolívia um conflito mais étnico que econômico de acordo com o repertório discursivo reivindicativo dos
levantes sociais no início do século XXI? Ou os dois processos
conflituais (étnico e econômico) são pares entre si, ou seja, estão
em consonância sem hierarquização de importância e de valor?
Portanto, é necessário fazer uma análise social, política e econômica da Bolívia, para focarmos os MIBs em uma
perspectiva marxista, tendo em conta os seguintes aspectos: a
questão da identidade indígena, dos atores em jogo, os papéis
das lideranças indígenas, o Estado boliviano, a crise do neoliberalismo nos finais do século XX e inícios do XXI, a postura
ideológica de alguns partidos políticos bolivianos, para, assim,
entendermos como a viabilidade da perspectiva marxista pode
ser verificada através dos MIBs como potenciais agentes protagonistas da “revolução social” – “como meios mais eficientes para alcançar a distribuição radical dos bens” (Alexander,
1998: 5) – bem como compreender qual a posição do marxismo2 no cenário conflitual boliviano.
2. Segundo Gohn (2002), em geral, dentro do pensamento sociológico latino-americano, o trabalho de Marx influenciou duas vertentes de pensamento: uma é
a que ficou conhecida como o “marxismo ortodoxo”, hegemônico até a década de
60, que priorizava em suas análises os fatores econômicos e estruturais da sociedade
capitalista para a criação das demandas políticas dos movimentos sociais tendo à
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Movimentos Sociais Latino-americanos
Por outro lado, a corrente que foi consagrada como paradigma dominante ao lado da matriz marxista até a década de 19603
foi a Escola de Chicago e os interacionistas simbólicos. Dentro
desta perspectiva americana de estudo dos movimentos sociais,
temos a abordagem de Herbert Blumer (1978) que tem forte inspiração e influência de Robert Park, autor que cunhou o termo
multidão para caracterizar ações que, apesar de serem coletivas,
são dispersas e individuais. Sua obra é fortemente marcada pela
psicologia individualista dos membros em um determinado coletivo (Park apud Estanque, 1999: 85). Blumer foi talvez o mais
influente autor da Escola de Chicago, criador do conceito de interacionismo simbólico em 1937 para analisar os comportamentos
coletivos – ele descrevia os significados simbólicos, manifestados
pelos movimentos sociais, como o conjunto de relações sociais de
interação entre os membros do grupo que eram movidos principalmente pelos símbolos com uma ênfase ao microssociológico,
enquanto os movimentos sociais eram vistos por Blumer como
“pequenas sociedades” (Alexander, 1998: 4). No período do pós-guerra, a comunicação de massas através da propaganda, criava
alguns símbolos através da opinião pública, que eram absorvidos
por alguns indivíduos e influenciava a mudança do pensamento
com relação ao coletivo. Os indivíduos passavam a ter uma perspectiva egoísta da ação coletiva. Além disso, a linguagem é um
dos aspectos principais de comunicação simbólica dos grupos.
Visto assim, as manifestações públicas são construídas por essas
narrativas fomentadas pela comunicação social e absorvidas pelos
movimentos sociais (Blumer, 1978).
frente Lenin e Trotsky. A segunda perspectiva seria o marxismo baseado nas obras
filosóficas e políticas de Marx, que dá ênfase à filosofia e desvincula a teoria de
Marx ao movimento operário, ligando-o somente ao trabalho acadêmico, os principais autores desta perspectiva são Rosa Luxemburgo, Gramsci e Lukács.
3. Aqui afirmamos que a matriz teórica americana liderada por Blumer foi dominante não só nos Estados Unidos, mas também em contexto latino-americano até
a década de 60. Exclui-se aqui a Europa da nossa observação.
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