Mais uma crise de criatividade!
(publicado no Jornal Panrotas em março de 2006)
O povo brasileiro sempre foi considerado muito criativo. Não sei quem faz essas
pesquisas nem quais os critérios adotados para escolha dos pesquisados, mas uma
coisa é certa: as opiniões de alguns técnicos do governo, com toda a certeza, não são
levadas em conta! Se Brasília fosse levada em conta nas pesquisas, o índice de
criatividade cairia drasticamente e o nosso país correria o risco de ser tão criativo
quanto Bangladesh (com todo o respeito, claro!)
Penso isso toda a vez que me deparo com notícias que dão conta que o
governo está precisando gerar receita para cobrir este ou aquele rombo, para criar
este ou aquele programa, enfim, para garantir recursos que financiem seus sonhos
mirabolantes. Nessa hora, no momento em que os técnicos do nosso governo se
juntam para fazer um brainstorming (aqui no interior, dizemos toró de parpite) é que
aparece a verdadeira veia criativa de nossos dedicados barnabés: -- vamos aumentar
algum imposto, diz um. -- Podemos criar uma nova alíquota, responde outro. -- É mais
eficaz inventar uma nova contribuição obrigatória, dispara aquele homenzinho raquítico
lá do fundo da sala, escondido atrás de pesados óculos de grau, cabelo escorrido na
testa e caneta Mont Blanc reluzente espetada no bolso externo do paletó risca de giz!
Pronto, naquela frase simplista, transbordando de lógica malandra, está sintetizado
todo o potencial criativo da equipe.
Confesso, nunca estive numa dessas reuniões, mas, a julgar pelas propostas
que aparecem na mídia, esses encontros de notáveis não devem decorrer num clima
muito diferente daquele que satirizei acima. É uma pena, desperdiçamos excelentes
oportunidades de demonstrar nossa verdadeira criatividade, mas o que se vai fazer? A
seqüência a gente sabe de cor, elege-se deputado maroto, que indica afilhado
incompetente, etc...etc...etc... Bom, as eleições estão aí para que a gente possa
praticar mais um pouco, quem sabe desta vez a gente faz jus à fama de criativos e
acerta a mão?
Pois é, ironias à parte, tudo isso me ocorreu ao ler a notícia de que o governo
(não sei que parte dele, mas a esta altura, isso é apenas detalhe) pensa em instituir
uma nova taxa nos bilhetes aéreos para financiar um fundo de combate à pobreza
ou algo que o valha. Santo Deus, quanta criatividade! Para mascarar a incompetência,
usa-se o poder de taxar. Para fazer caridade eleitoreira, esbaldam-se com o chapéu
alheio! Na visão vesga de quem urde tais enredos, compete à classe média acabar com
a má distribuição de renda, ora pois! Talvez o governo se esqueça dos milhões de
dólares que estão sendo investidos na missão brasileira no Haiti com resultados mais
que duvidosos. Ou então, na fortuna entregue a meia dúzia de países miseráveis em
forma de perdão da dívida com o Brasil! Vamos falar sério: se é para ajudar a
combater a fome e a miséria, não seria melhor, como bem disse João Martins,
Presidente da Abav Nacional, taxar a produção e venda de armas? Mas tudo bem,
vamos condescender com a falta de criatividade dos técnicos de Brasília, vamos aceitar
que uma idéia como esta, está fora do alcance de suas parcas possibilidades. Vamos
fazer de conta que entendemos que, mais uma vez, a conta precisa ser paga pelo
setor de turismo. Afinal, os números do setor, vistosos e em crescimento, fruto do
trabalho de uma equipe competente, embora ilhada na aridez criativa de Brasília, e de
um trade turístico engajado, de tão consistentes, podem ter acendido a cobiça dos
sem-criatividade de plantão.
Se essa é a nossa sina, se cabe ao setor produtivo do turismo pagar mais essa
conta, permitam-me contribuir, modestamente, com a falta de criatividade dos
companheiros entrincheirados no planalto central: por que não transformar a taxa
paga pelos americanos para obter visto de entrada no Brasil em doação para a tal
causa da pobreza e da miséria? O governo poderia abolir a obrigatoriedade de visto de
entrada, e cobrar, aqui, na chegada, um valor que seria destinado à nobre causa do
desequilíbrio social no mundo! Pelo menos não seríamos hipócritas, teríamos um bom
motivo para enfiar a faca naqueles que nos visitam e irrigam a economia com seus
dólares. Com o respeito e a propensão que o americano tem para colaborar com
causas politicamente corretas, talvez essa taxa fosse mais palatável do que a cobrança
pura e simples do visto de entrada.
Bom, está lançada a idéia, pode não ser lá muito criativa, mas pelo menos eu
tenho uma bela desculpa. Em primeiro lugar, não sendo brasileiro, não tenho nenhuma
obrigação estatística de ser criativo, meu povo nem aparece nesse tipo de pesquisa, e
depois, bom... e depois eu tenho que confessar que, ultimamente, tenho passado
muito tempo em Brasília! Será que fui contaminado?
Rui Carvalho
Diretor de Comunicação da Federação Brasileira de CVB’s
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