III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do
Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP)
8 a 11 de Novembro de 2011
ISSN 1984-9265
DEFESA NACIONAL E SOCIEDADE: PANORAMA SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO ATUAL
CENTRO DE PREPARAÇÃO DE OFICIAIS DA RESERVA DE SÃO PAULO
SILVA, Peterson Ferreira da
Mestre pelo PPGRI “San Tiago Dantas”
(UNESP, UNICAMP e PUC-SP)/Pró-Defesa (MD e CAPES)
Resumo: O CPOR-SP é um dos órgãos de formação de oficiais da reserva do Exército Brasileiro. Anualmente,
recebe jovens voluntários dentre os que se alistam para o serviço militar obrigatório visando a formá-los oficiais
da reserva não remunerada. Além de se tornarem uma espécie de elo entre o Exército e o meio universitário,
alguns desses jovens podem exercer funções como oficiais temporários, preenchendo uma necessidade específica
da Força em termos de efetivo. O objetivo deste estudo exploratório é situar e analisar o CPOR-SP no contexto
do atual debate sobre serviço militar obrigatório e voluntário profissional, argumentando as vantagens, tanto em
termos de relações civis-militares quanto operacionais, de uma maior permeabilidade entre a sociedade e suas
Forças Armadas.
Introdução – Que forças armadas o Brasil almeja?
Nos últimos três anos, é possível observar que o tema Defesa permeia a agenda
pública e governamental em nosso país, sobretudo a partir do lançamento, em 2008, da
Estratégia Nacional de Defesa (END). Ao lado da questão da instabilidade dos recursos para
investimentos e seus programas militares, outro grande desafio para a Defesa é o peso dos
gastos com pessoal em seu orçamento, especialmente considerando os inativos e pensionistas.
Enfrentar tal discussão, por sua vez, representa a oportunidade de pensar a estrutura militar em
geral, passando pela formulação de efetivas políticas de recursos humanos e pelas diferentes
formas de ingresso, com destaque para o debate sobre o serviço militar obrigatório inicial e
suas reverberações não só nas Forças Armadas, mas também na sociedade como um todo.
A ideia central desse artigo é explorar alguns reflexos „práticos‟ dessa discussão,
tomando como base a tentativa de situar e analisar o papel de um dos mais importantes centros
de preparação de oficiais da reserva do Exército Brasileiro: o CPOR-SP.
No ano em que completam dezoito anos, todos os jovens brasileiros do sexo masculino
devem se alistar para o serviço militar inicial. Para aqueles que, no período de seleção, estão ao
menos na última série do ensino médio, é possível se „voluntariar‟ para uma das vagas
oferecidas pelos vários órgãos de formação de oficiais da reserva do Exército distribuídos pelo
território nacional.
Sob um olhar atento, o cotidiano dos centros nervosos desse sistema, os cinco centros
de preparação de oficiais da reserva (CPOR‟s), revela um encontro das diversas formas de
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ingresso na Força Terrestre, entre os formados pelas escolas de carreira, os temporários, os
„engajados‟ voluntariamente após o serviço militar inicial, os „recrutas‟ anuais, os sargentos,
entre outros, com todas as vantagens e desvantagens do sistema atual. No cerne dessa realidade,
na prática do dia-a-dia da tropa, estão refletidas as definições (ou a falta dessas) sobre que tipo
de forças armadas que o país realmente deseja e está disposto a concretizar.
Assim, na primeira parte, discorre-se sobre o atual contexto internacional marcado
pela expansão de exércitos voluntários. Em seguida, é realizada uma breve introdução sobre o
quadro brasileiro com foco na relação entre sociedade e sua Defesa. Por fim, é construído um
panorama sobre a contribuição do atual CPOR-SP no que se refere a fornecer a faceta mais
visível dos reflexos dessa discussão, acompanhada de algumas conclusões.
1. Contexto Internacional: conscrição e voluntariado
O ano de 1648 é considerado a origem do Exército Brasileiro. Foi quando ocorreu a I
Batalha dos Guararapes, em 19 de abril, resultando na vitória de um exército „mestiço‟ sobre
forças holandesas. Curiosamente, nesse ano, no outro lado do Atlântico, foram assinados os
Tratados de Vestfália, os quais definiram o Estado-nação como o elemento mais basilar das
relações internacionais.
Ao longo do tempo, essa dinâmica entre o soldado e o diplomata se tornou,
parafraseando Raymond Aron (1986), o núcleo da política internacional e, de certa forma,
perdura até hoje, apesar das contínuas transformações em diversos aspectos.
No que se refere à figura do soldado, as mudanças são evidentes. Fatores domésticos e
externos, bem como de ordem tecnológica, acompanharam a vitória e a derrota de diferentes
disposições de forças militares. Com efeito, é possível vislumbrar uma linha do tempo
abrangendo os tradicionais mercenários, os exércitos de massa de Napoleão, as primeiras
fileiras industrializadas da I Guerra Mundial (1914-1918), a magnitude da mobilização exigida
pela II Guerra Mundial (1939-1945), a lógica nuclear predominante na Guerra Fria e,
finalmente, a recente valorização de uma espécie de „padrão‟1 composto por forças voluntárias
profissionais altamente tecnológicas, implementado, principalmente, nos EUA e na Europa.
No entanto, como mostra a História Militar, a tecnologia e as transformações
conceituais, doutrinárias, organizacionais e culturais caminham juntas, bem como a habilidade,
a técnica e o treinamento. Nesse sentido, não é possível afirmar que existam bons soldados que
1
Para essa discussão em especial, ver WENDT e BARNETT (1993).
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„só‟ carecem de bons equipamentos ou soluções exclusivamente tecnológicas. Nada substitui a
importância da experiência, do treinamento e da contínua exploração das possibilidades e
limitações encontradas ao longo da interface entre militares e toda a estrutura que os circunda. 2
De fato, quando os tanques de fabricação soviética do então quarto maior exército do
mundo se transformaram em meros alvos para helicópteros de ataque americanos no Iraque,
ficou clara a importância da qualidade em detrimento da mera quantidade (COHEN, 2002). Sob
determinadas ponderações, tal fórmula já havia sido aplicada com sucesso na Guerra das
Malvinas/Falklands (1982), bem como seria utilizada em Kosovo (1999), Afeganistão (2001) e
Iraque (2003).
Nos EUA e nas principais potências europeias, a ideia central no pós-Guerra Fria foi
investir em forças militares mais enxutas e altamente expedicionárias, a fim de cumprir
diferentes missões em várias partes do globo. As vicissitudes dos conflitos internacionais
tinham forçado a emergência de forças militares mais flexíveis e dotadas de grande mobilidade.
O problema era, por um lado, o elevado custo de acompanhar o desenvolvimento tecnológico
contido na infinidade de sensores, satélites, computadores de bordo, veículos não tripulados,
softwares, simulações virtuais e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC‟s) em geral,
catalisadas pela competitividade do setor privado, no contexto do fenômeno da globalização.
Por outro lado, isso significava soldados com níveis de especialização e treinamento não
condizentes com as limitações proporcionadas pelo serviço militar obrigatório. Cada vez mais
era necessário não só capacitá-los a lidarem com complexos e interdependentes equipamentos,
mas também manter esses militares atualizados e em condições de pronto emprego.
Ademais, apesar dos conscritos não „precisarem‟ receber bons soldos em função da
obrigatoriedade, acabavam, no final, caros de convocar, alimentar, vestir, equipar, alojar e
treinar para, pouco tempo depois, serem dispensados e o ciclo recomeçar no ano seguinte.
Como resultado desses fatores, vários países abandonaram gradualmente a conscrição
e diminuíram o tamanho de seus exércitos (COHEN, 2002:244). Os britânicos o fizeram ainda
na década de 50. Os EUA deixaram de lado a conscrição em 1973, principalmente
considerando as lições absorvidas da Guerra do Vietnã, seguidos por vários outros países desde
então. Entretanto, foi com o fim da Guerra Fria que a onda do „voluntariado militar‟ se tornou
mais evidente, atingindo, só na última década, as forças armadas da França - berço do exército
2
Sobre essa discussão específica, recomenda-se BIDDLE, HINKLE e FISCHERKELLER (1999) e HERRERA (2004).
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de massas - (2000-2002)3, da Espanha (2000-2002)4, da Itália (2003-2005)5, da Suécia (20092010)6 e, mais recentemente, da Alemanha (2009-2011)7, entre outros.
No entanto, recrutar voluntários para as fileiras militares e mantê-los não se mostrou
uma escolha ausente de desvantagens, especialmente em situações de missões/conflitos de
longa duração ou em períodos de elevado crescimento econômico. Na Espanha, por exemplo, a
dificuldade de encontrar voluntários para suas fileiras em plena fase de prosperidade econômica
fez com que fossem recrutados centenas de latino-americanos com dupla cidadania, como
argentinos e uruguaios8. No Reino Unido, assinala-se a existência de recrutamentos além de seu
território, como as tropas de origem nepalesa “Gurkhas”9. Na França, há a Legião Estrangeira,
tradicional corpo de seu exército composto por cerca de 7700 voluntários10 do mundo todo
(incluindo brasileiros)11, utilizados nas operações mais arriscadas.
No debate recente sobre o caso alemão, o fim da conscrição deixou também uma
lacuna considerável em parte da rede de serviços sociais do país na medida em que afetou seu
tradicional „serviço civil‟12 em hospitais, asilos, creches etc. Ao longo das discussões no
3
“France salutes end of military service”. BBC News, 29/11/2001.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/1682777.stm >. Acesso em 12/10/2011.
4
“Spanish
army
goes
professional”.
BBC
News,
16/11/2000.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/1026222.stm >. Acesso em 12/10/2011.
Disponível
Disponível
em
em
<
<
5
“Conscription days over for Italy”. The Guardian, por Rory Carroll, 25/10/2000. Disponível em <
www.guardian.co.uk/world/2000/oct/25/worlddispatch.rorycarrol >. Acesso em 12/10/2011.
6
“Sweden ends compulsory military service”. Defense News,
www.defensenews.com/story.php?i=4694162 >. Acesso em 12/10/2011.
01/07/2010.
Disponível
em
<
7
“‘End of an Era’ as Germany suspends conscription”. Spiegel Online, 01/04/2011. Disponível em <
www.spiegel.de/international/germany/0,1518,737668,00.html >. Acesso em 12/10/2011.
8
“Spain’s army fills gaps from abroad”. BBC News, 19/06/2001.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/1397221.stm >. Acesso em: 12/10/2011.
9
Disponível
Anualmente, em média 176 jovens ingressam no Exército Britânico dessa
www.army.mod.uk/gurkhas/7562.aspx >. Acesso em: 12/10/2011.
10
em
<
forma. Ver <
Ver o site oficial da Légion étrangère < www.legion-recrute.com/en/ >. Acesso em: 12/10/2011.
11
“Cresce o número de brasileiros na Legião Estrangeira”. BBC Brasil, 04/03/2008. Disponível em: <
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/03/04/cresce_numero_de_brasileiros_na_legiao_estrangeira426070047.asp >.
12
“Germany to scale back mandatory civilian service”. Spiegel Online, 21/05/2011. Disponível em <
www.spiegel.de/international/germany/0,1518,692751,00.html >. Acesso em: 12/10/2011.
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Parlamento e na mídia, foi possível identificar os argumentos frequentemente levantados pelos
defensores do serviço militar obrigatório em vários países, como a preservação da identidade
nacional, a formação cidadã, a experiência individual marcante e o convívio com outras
realidades e classes sociais.
It is the end of an era ... We do not need to glorify the draft in retrospect. There were idle
periods and tasks assigned only to keep recruits busy, at least when service still lasted
over a year. But there were also experiences that one would not have gained otherwise:
sharing a room with buddies who came from very different social backgrounds; the
process in which such a mixed bunch became a group where everyone took responsibility
for the others; and the final stage, where the 'old hands' among the conscripts took the
new recruits under their wing or possibly even had to train them, in what was many
recruits' first taste of leadership [...]The value of such experiences cannot be measured in
euros and cents, and their significance for national security may be negligible. But the
question of whether society will feel their lack can only be answered in a few years' time.
(Jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung apud Spiegel Online, 01/04/2011, “„End of an
Era‟ as Germany suspends conscription” Op. cit.)
Já o Exército Norte-americano (US Army), sem dúvida um dos mais ativos em todo o
mundo, oferece uma gama de benefícios aos seus militares a fim de atrair e manter mais
candidatos, como bolsas de estudos integrais, subsídios para livros, cursos diversos, passagens
de transportes, planos de saúde integrais, programas de reinserção no mercado de trabalho civil,
entre outros13. Mesmo assim, há um crescente movimento de complementação desses soldados
profissionais com civis contratados, seja para suporte técnico e logístico distantes dos
combates, seja no contexto dos novos mercenários e suas Private Military Companies (PMC‟s).
Salienta-se que o „civil‟ sempre atuou nos conflitos de algum modo, mas se, por exemplo, na II
Guerra Mundial havia 734 mil contratados pelos EUA para 5,4 milhões de seus soldados (1:7),
no Afeganistão, em 2009, essa relação era de, respectivamente, 74 mil para 55 mil (1:0,7)
(PETERSOHN, 2010:2).
Em 2004, inclusive, houve políticos nos EUA defendendo a volta do serviço militar
obrigatório como resultado do que denominaram de „a geração da guerra contra o terrorismo‟,
ensejando debates acalorados14, com forte participação do meio acadêmico:
Proponents of a draft say it is unfair to ask only those who volunteer to make virtually all
the sacrifices required of the country in this time of war. We do indeed owe them a great
deal. Undoubtedly, it is tragically unfair when some lose their lives while the rest of us do
not even surrender our tax cuts. But the fact that certain groups – especially rural whites
13
Ver o site oficial de recrutamento do US Army < www.goarmy.com/benefits.html >. Acesso em: 11/10/2011.
14
Para essa discussão em especial recomenda-se o artigo “Conscription is the wrong prescription”. Los Angeles
Times, por Michael E. O’Hanlon, 28/04/2004. Disponível em: < www.brookings.edu/opinions/
2004/0428usmilitary_ohanlon.aspx >. Acesso em: 11/10/2011.
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and minorities –serve disproportionately in the military also indicates that the military is
offering opportunities to people who need them. Society asks a great deal of its military
personnel, especially in the context of ongoing war in Afghanistan and Iraq. But it also
compensates them better than ever before – with pay, healthcare, educational
opportunities, retirement pay and the chance to learn skills within the armed forces that
are often highly marketable thereafter. Today's enlisted military personnel are generally
compensated more generously than individuals of similar age and experience and
educational background working in the private sector, once health and retirement benefits
are factored in (“Conscription is the wrong prescription”. Los Angeles Times, por
Michael E. O‟Hanlon, 28/04/2004 Op. Cit.)
Toda essa discussão, portanto, não apenas se desdobra em termos de administração
puramente militar, mas está inserida num amplo contexto permeado de fatores econômicos,
políticos, comerciais, tecnológicos, diplomáticos e sociais.
Por exemplo, é típico afirmar-se que o estabelecimento militar é a principal fonte da
filosofia ou política que salienta o uso da força na resolução de conflitos, nacionais ou
internacionais. Tal suposição desdenha a extensão em que as forças armadas são uma
criação da estrutura social maior, e a extensão a que elas servem às necessidades
econômicas e políticas da população civil. É uma concepção que vê a instituição militar
antes como um órgão hermético, um apêndice vestigial, que como uma criação da
sociedade contemporânea. É um ponto de vista que despreza as profundas cisões
faccionárias em orientações estratégicas existentes na própria profissão (JANOWITZ,
1967:12).
Hoje, em vários países, observa-se que o debate sobre Segurança e Defesa abrange,
por exemplo, vertentes de desenvolvimento tecnológico via encomendas de produtos de defesa
(bens e serviços), assim como a utilização das forças armadas em iniciativas de diplomacia de
defesa, complementando grandes objetivos de política externa e de cooperação internacional
(COTTEY e FORSTER, 2004). Além do mais, as ameaças e vulnerabilidades encontradas no
ambiente internacional atualmente são difusas, frequentemente transnacionais e ultrapassam
facilmente a dimensão eminentemente militar. Não por acaso, é possível observar a
complexidade das demandas que homens e mulheres das mais diversas fileiras militares ao
redor do globo enfrentam cotidianamente, tendo que trabalhar, por exemplo, em diferentes
atividades não-militares (ex. pequenas obras de infraestrutura e apoio a outros órgãos
governamentais) e de forma coordenada com diferentes atores (ex. ONG‟s, OI‟s, lideranças e
instituições locais15), sob constante escrutínio da mídia, pressionados pelo contínuo avanço
tecnológico em seus equipamentos e conscientes do „terreno cultural‟ que os cerca
(FICHTNER, 2006).
15
PETRAUS (2006), “Chapter 2 - Unity of Effort: Integrating Civilian and Military Activities”, pp.43-56.
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Seja no Iraque, no Afeganistão ou na Missão de Estabilização das Nações Unidas para
o Haiti (MINUSTAH), é possível verificar a necessidade de militares capazes de agir ao longo
de todo o amplo espectro da missão e não só executando tarefas puramente combatentes
(ibidem). Daí a importância da capacidade de reflexão e, sobretudo, da iniciativa, necessárias
para compensar a indisponibilidade de ordens para lidar com todas as situações adversas
(NETO, 2011). O domínio de idiomas estrangeiros também se torna essencial em contextos de
coalizões internacionais e em operações de paz (PEREIRA, 2007:175), possibilitando a efetiva
interação, incluindo negociações, com pessoas detentoras de diferentes valores culturais.
David H. Petraus (2007), reconhecido general norte-americano, vai mais longe ao
propagar a ideia de que jovens oficiais frequentem cursos de graduação e de mestrado em
universidades civis, a fim de tirá-los da zona de conforto intelectual, desenvolver o pensamento
crítico, as habilidades comunicativas, ter a oportunidade de vivenciar outras experiências, entre
outros benefícios, resguardado, evidentemente, o foco combatente. Trata-se de ideias as quais
podem ensejar, inclusive, pontos de reflexão importantes para o caso brasileiro:
Sending American military officers to graduate school also benefits our country as a
whole by helping to bridge the gap between those in uniform and those who, since the
advent of the all-volunteer force, have had little contact with the military. The truth is
that, just as the military has developed certain stereotypes of academics, journalists and
other civilians over the years, these groups in turn hold certain stereotypes about those in
the military. It‟s important that we in the military understand those we serve – the
American people – and it is equally important that our citizens understand those in
uniform who have raised their right hand and sworn to support and defend the
Constitution of the United States against all enemies foreign and domestic (PETRAUS,
2007).
2. Introdução sobre o quadro brasileiro: Defesa e Sociedade
Em 2010, as Forças Armadas contavam
com 327.710 militares, sendo,
aproximadamente, 67.000 (20,45%) da Marinha, 70.710 (21,75%) da Força Aérea e 190.000
(57,8%) do Exército16. Destes, cerca de 70.000 (representando cerca de 37% do efetivo do EB)
são selecionados dentre os mais de 1 milhão de alistados anualmente com idade para cumprir o
serviço militar obrigatório inicial17.
16
IISS (2010), p. 69. Até o momento, o Ministério da Defesa não divulga tais informações sistematicamente.
17
“Queremos sair aplaudidos”. Entrevista com o comandante do Exército Brasileiro, General-de-Exército Enzo
Martins Peri à Revista Veja, 19/01/11, p. 17.
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Salienta-se, ainda, que, no mesmo ano, o orçamento do MD foi de cerca de R$59
bilhões18. Destes, aproximadamente R$ 42,6 bi (72,3%) foram utilizados para gastos com
pessoal (com destaque para os inativos e pensionistas), sendo cerca de R$ 21,9 bi (51,5%) do
Exército, R$ 10,8 bi (25,5%) da Marinha e R$ 9,5 (22,3%) da Força Aérea, além de 0,7% da
Administração Central. Em cada uma das três Forças o peso dos gastos com pessoal se repete
de forma semelhante, chegando a ocupar quase 85% do orçamento do Exército Brasileiro19.
Nesse quadro, o debate brasileiro sobre a manutenção ou não do serviço militar
obrigatório realmente existe20, mas sem dúvida não é um dos destaques da agenda pública ou
governamental nas últimas décadas21. De um lado, há os defensores da adoção do serviço
inteiramente voluntário e profissional no Brasil, argumentando, em linhas gerais, que somente
o número verificado de candidatos anualmente supriria plenamente as demandas das três
Forças. Acreditam que essa opção implicaria necessariamente num „choque‟ de modernização
da estrutura militar atual. Forçá-las-ia, conforme essa visão, a acompanhar a tendência
internacional de forças armadas cada vez mais tecnológicas, otimizadas, detentoras de altos
níveis de mobilidade e em permanente prontidão – características importantes face as incertezas
do sistema internacional e suas intempestividades em termos de crises, conflitos, missões de
caráter humanitário emergencial e de paz (ex. MINUSTAH).
Ademais, defendem deixar de lado as limitações e estruturas típicas da conscrição. Sob
esse ponto de vista, seria contraproducente manter vastas estruturas de recrutamento e seleção
para incorporar cerca de 70.000 jovens de um universo de mais de 1 milhão, fornecer
alojamento, alimentação, fardamento, equipamento e treinamento durante doze meses para,
depois, descartar a maioria desse contingente e repetir o processo no ano seguinte. Esse
contexto seria, portanto, o grande responsável pelos, assim denominados, „desvios de missão‟,
18
Um levantamento padronizado da série histórica do orçamento militar brasileiro pode ser encontrado em
SIPRI Military Expenditure Database, Brazil < www.sipri.org/databases/milex >. Acesso em: 10/10/2011.
19
Sobre essa discussão em especial, ver, por exemplo, BRUSTOLIN (2009).
20
Ver, por exemplo, a discussão levantada pelos deputados Jair Bolsonaro e Efrain Filho sobre o serviço militar
no Brasil. TV Câmara, Programa Brasil em debate, 06/07/2009. Disponível em: <
http://www2.camara.gov.br/tv/materias/BRASIL-EM-DEBATE/185760-DEP.-JAIR-BOLSONARO-(PP-RJ)-E-DEP.EFRAIN-FILHO-(DEM-PB)---SERVICO-MILITAR-NO-BRASIL-.html >. Acesso em: 10/10/2011.
21
Sobre uma abordagem específica sobre esse tema, ver, por exemplo, KULHMANN (2001).
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isto é, tarefas vistas como mais condizentes a outros órgãos públicos do que especificamente à
caserna, como o „combate‟ ao mosquito da dengue22 ou „operações‟ contra a febre aftosa23.
Esse processo de profissionalização da tropa, segundo essa perspectiva, também seria
capaz de alçar as Forças Armadas a outro patamar no imaginário popular: não como uma
espécie de rito de passagem à maioridade com a qual muitos jovens cidadãos não se identificam
minimamente, uma obrigação no caminho laboral e universitário24, mas sim como mais uma
opção profissional e/ou uma questão de vocação, de liberdade de escolha, como na maioria dos
países desenvolvidos. A adoção do pleno voluntariado, segundo seus proponentes, conferiria
maior racionalidade à máquina pública no que se refere às regiões mais carentes do país: as
Forças Armadas, em especial o Exército, alocariam seus recursos estritamente em Defesa,
deixando de assumir funções destinadas à família e à escola (ex. vetores de valores, de
cidadania e de formação profissional) ou à Polícia Federal (ex. crime organizado internacional),
bem como a outras entidades do governo (ex. saúde, trabalho e educação), forçando a
elaboração de efetivas políticas públicas e não meramente ações paliativas.
Ainda segundo os defensores do voluntariado profissional, num mundo onde os custos
de desenvolver, operar, manter e evoluir produtos de defesa cada vez mais sofisticados, suas
respectivas doutrinas, técnicas e habilidades, as Forças Armadas deveriam concentrar esforços
(e os preciosos recursos do erário) em suas necessidades de primeira ordem e não em tarefas
pouco condizentes com sua natureza militar.
Do outro lado do debate, estão os adeptos da manutenção do serviço militar
obrigatório, os quais, basicamente, temem que tropas exclusivamente voluntárias causem um
maior distanciamento entre militares e civis, além das eventuais dificuldades de atrair jovens
com boa formação em períodos de crescimento econômico. Nessas condições, argumentam que
haveria constantes instabilidades no dimensionamento da máquina militar, além da necessidade
22
“Exército vai ajudar a combater a dengue no Recife”. Portal Terra, Brasil, 12/05/2008. Disponível em: <
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI2881866-EI715,00-Exercito+vai+ajudar+a+combater
+a+dengue+no+Recife.html >. Acesso em: 10/10/2011.
23
“Contra aftosa, Exército é mantido na fronteira com Paraguai”. Valor Econômico, por Tarso Veloso,
23/09/2011. Disponível em: < www.valor.com.br/empresas/1015272/contra-aftosa-exercito-e-mantido-nafronteira-com-paraguai >. Acesso em: 10/10/2011.
24
Ver, por exemplo, a entrevista do deputado federal Efraim Filho sobre o serviço militar obrigatório no
programa Palavra Aberta, TV Câmara, 22/08/2011. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/
tv/materias/PALAVRA-ABERTA/201370-DEP.-EFRAIM-FILHO-(DEM-PB)---SERVICO-MILITAR-OBRIGATORIO.html
>. Acesso em: 10/10/2011.
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de oferecer salários maiores, os quais, na prática, seriam de difícil viabilização (hoje, os
recrutas recebem um Salário Mínimo). As estruturas pertinentes à adoção do pleno
voluntariado, à luz do histórico brasileiro no setor de defesa (ex. contingenciamentos), traria,
segundo esse entendimento, mais consequências negativas do que benefícios já que:
“...faltaria o bom candidato para as Forças Armadas mal dotadas de meios e,
particularmente, mal remunerada, levando a abrigar só os desprovidos de qualificação, os
de baixo nível intelectual, os desocupados e aqueles no limiar da marginalidade,
dissociados da necessária representatividade de todos os estratos de uma sociedade”
(ENCARNAÇÃO FILHO, 2006:21).
Argumentam também que na realidade social dos rincões da Amazônia brasileira e ao
longo das extensas fronteiras, nos quais a desinformação, as desigualdades e a pobreza
predominam, o único instrumento do Estado brasileiro presente são as Forças Armadas, em
especial o Exército, com, por exemplo, seus pelotões de fronteira e, sobretudo, com o serviço
militar obrigatório. Nesses casos, uma das únicas chances de ascensão social de muitos jovens
repousaria em prestar o serviço militar inicial na expectativa de „engajar‟ e tentar permanecer
na Força. Em termos de Segurança e Defesa, a conscrição representaria a garantia da identidade
nacional nessas regiões muitas vezes esquecidas pelo poder público, trazendo para o Exército
cidadãos que dificilmente prestariam um concurso público para tal fim, mas que, em
contrapartida, conhecem bem sua região, suas comunidades e suas vulnerabilidades.
Portanto, a permanência do serviço obrigatório permitiria, de acordo com seus
defensores, às Forças Armadas continuar obtendo para suas fileiras, a baixo custo,
representantes de diversos segmentos da sociedade brasileira, sendo os voluntários, na medida
do possível, priorizados na seleção. Esse fluxo anual de jovens, moldados em diferentes tipos
de organizações militares, prosseguiria imprimindo estabilidade em seu efetivo, tornando
possíveis os sucessos verificados, por exemplo, no âmbito da MINUSTAH, considerada
referência em termos de missões de paz. Além disso, ao contrário dos EUA e de países
europeus para os quais a necessidade de forças mais „expedicionárias‟ forneceram o tom das
reformas pós-Guerra Fria, a tradição diplomática brasileira de rechaçar instrumentos militares
como elementos de pressão internacional, somada à extensão territorial, fronteiriça e dos
recursos naturais do país, seriam elementos suficientes para a manutenção da alta capilaridade e
a „estratégia de presença‟ proporcionada pelo serviço militar inicial obrigatório.
Paralelamente, a partir do lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (2008), os
temas associados às Forças Armadas em geral ganharam projeção tanto na agenda pública
quanto na governamental. Por um lado, a END deixa clara a opção não só pela manutenção,
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mas também pelo reforço do serviço obrigatório. Por outro lado, é possível identificar, ao
mesmo tempo, um significativo questionamento no Congresso sobre esse assunto25.
As Forças Armadas se colocarão no rumo de tornar o Serviço Militar realmente
obrigatório. Não se contentarão em deixar que a desproporção entre o número muito
maior de obrigados ao serviço e o número muito menor de vagas e de necessidades das
Forças seja resolvido pelo critério da auto-seleção de recrutas desejosos de servir. O uso
preponderante de tal critério, ainda que sob o efeito de melhores atrativos financeiros,
limita o potencial do serviço militar, em prejuízo de seus objetivos de defesa nacional e
de nivelamento republicano (BRASIL, 2008, „O serviço militar obrigatório: nivelamento
republicano e mobilização nacional‟, p. 38).
Apesar disso, a parcela de conscritos nas Forças Armadas tem diminuído
historicamente. Kulhmann (2001), por exemplo, indica que em 1999 essa participação
representava 6,21% na Marinha, 2,93% na Força Aérea e 38,14% no Exército26.
Hoje, de fato, além dos concursos de carreira para as escolas tradicionais de nível
superior (Escola Naval – EN, Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN e Academia da
Força Aérea – AFA), as três Forças absorvem homens e mulheres voluntários com as mais
variadas escolaridades, inclusive com diversas formações universitárias27.
Na Força Terrestre, mais detidamente, há diversos concursos públicos para vagas de
carreira e temporárias nas mais diferentes áreas do conhecimento, além de doze colégios
militares que oferecem o ensino fundamental e médio. Homens e mulheres visando a construir
uma carreira no EB, formados em determinados cursos superiores, podem, por exemplo,
ingressar na Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEX, antiga EsAEx). Na área
25
Ver, por exemplo, “CRE [Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional] debate papel das Forças
Armadas e obrigatoriedade do serviço militar”. Senado Federal, Portal de Notícias, Comissões, Defesa Nacional,
30/09/2011. Disponível em: < www.senado.gov.br/noticias/cre-debate-papel-das-forcas-armadas-eobrigatoriedade-do-servico-militar.aspx >. Acesso em: 10/10/2011. “Comissão quer ouvir ministro da Defesa
sobre serviço militar obrigatório”. Agência Câmara de Notícias, 16/09/2011. Disponível em: <
http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/SEGURANCA/202721-COMISSAO-QUER-OUVIR-MINISTRO-DADEFESA-SOBRE-SERVICO-MILITAR-OBRIGATORIO.html >. Acesso em: 10/10/2011.
26
KUHLMANN (2001), p. 77. Espera-se que o Livro Branco divulgue dados atualizados sobre esse assunto.
27
Na Marinha, por exemplo, há quatro Escolas de Aprendizes-Marinheiros que anualmente realizam concurso
público para jovens do sexo masculino, entre 18 e 21 anos, detentores de ensino fundamental, oferecendo
vencimentos mensais, após formado, de aproximadamente R$ 1200,00. As mulheres com menos de 29 anos de
idade e formadas em diferentes áreas (ex. Ciências Contábeis e Administração) podem, por exemplo, prestar
concurso público para uma das vagas oferecidas pelo Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW), com
vencimentos mensais de aproximadamente R$ 5150,00. Na Força Aérea, entre os concursos públicos realizados
pelo Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR), encontram-se as vagas (de carreira) para
engenheiros formados em diversas especialidades, com salário, após formado, de cerca de R$ 4700,00. Aos
possuidores do ensino médio existe, por exemplo, a Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR).
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de Saúde, há a Escola de Saúde do Exército (EsSEx), a qual forma oficiais nas áreas de
medicina, odontologia e farmácia. Nas Exatas, existe o Instituto Militar de Engenharia (IME).
Já os possuidores do ensino médio/técnico podem disputar as vagas oferecidas pela Escola de
Sargentos das Armas (EsSA), formadora de sargentos de carreira do EB.
O militar temporário com nível superior ingressa no Exército por meio de seleções, em
áreas específicas, conduzidas por cada uma das doze Regiões Militares. O Estágio de
Adaptação e Serviço (EAS) possui duas vertentes. A primeira é de caráter obrigatório e abrange
estudantes, do sexo masculino, do último semestre de medicina, farmácia, odontologia e
veterinária, bem como os universitários que tenham obtido adiamento de incorporação. A
segunda é de caráter voluntário e compreende homens e mulheres, com menos de 38 anos
naquelas mesmas especialidades supracitadas. Já o Estágio de Serviço Técnico (EST) abarca
homens e mulheres, com menos de 38 anos, formados em determinadas profissões e de acordo
com a necessidade do Exército, com remuneração estimada em R$ 4500,00. Essas seleções
ocorrem todo ano com base em: (1) comprovação de habilitação e especialização exigidas para
os cargos a desempenhar, (2) prova de títulos, (3) exame de saúde e (4) entrevista28. Lembrando
que, para o nível médio técnico, há o Estágio Básico de Sargento Temporário (EBST).
Então, qual o papel corrente do serviço militar obrigatório nas Forças Armadas? De
acordo com alguns de seus defensores, serve basicamente para, primeiro, reproduzir na tropa
uma espécie de „espelho da sociedade brasileira‟, mantendo um forte vínculo entre civis e
militares. Em segundo lugar, supre, num primeiro momento e a reduzido custo, demandas
menos especializadas nas atividades cotidianas das Forças, além de prover o país com uma
vasta reserva (baseada no recrutamento anual) teoricamente mobilizável em apoio aos núcleos
de militares permanentes (baseados em profissionais)29. Destaca-se que, ao término do primeiro
ano do serviço militar inicial, os que desejarem, e conseguirem, ser „aproveitados‟ passam a
dispor de cursos internos (ex. Curso de Formação de Cabos – CFC, de Sargentos – CFS, de
Sargentos Temporários – CFST), habilitando-os a galgar especializações nas graduações mais
fundamentais por um tempo máximo de cerca de 7-9 anos. Salienta-se, todavia, que não há
possibilidades de ingresso nas graduações de cabo e soldado na FAB e no EB a não ser via
serviço militar obrigatório inicial.
28
Ver: < www.exercito.gov.br/web/ingresso/militar-temporario >. Acesso em: 10/10/2011.
29
Baseado em ENCARNAÇÃO FILHO (2006) Op. cit., p. 24.
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No ano em que completam dezoito anos, todos os brasileiros do sexo masculino30
devem se alistar para o serviço militar inicial, dirigindo-se à Junta de Serviço Militar (JSM)
mais próxima de sua residência. Entretanto, antes de qualquer seleção propriamente dita, é
realizada uma dispensa parcial baseada no Registro de Alistamento (RA):
Após o alistamento é realizada a dispensa parcial da seleção, por meio de porcentagem,
referente a cada Junta de Serviço Militar, pelo último algarismo antes do dígito do RA,
momento em que se elimina parcela significativa dos alistados. Por exemplo, de
determinada junta, somente serão selecionados os números com final 2 e 3, ou seja, 20%;
de outra, os de final 2,3,4,5,6, totalizando 50%. Neste corte, não se considera nenhum
aspecto: nível de escolaridade, habilitações, capacidade física, situação sanitária,
desejo de servir, etc. Forma-se então parte do excesso de contingente, que somente
deverá prestar o “juramento à bandeira” em data determinada (KUHLMANN, 2001:82)
Ressalta-se que, primeiro, nem todas as Juntas de municípios contribuem efetivamente
com conscritos por diferentes motivos (ex. localização das organizações militares, necessidades
e limitações orçamentárias)31. Em segundo lugar, há algumas brechas informais ao longo de
todo o processo que permite, dentro das possibilidades, a priorização dos voluntários.
Ao término da seleção efetiva, os cidadãos podem ser designados para a prestação do
serviço militar obrigatório em uma organização militar da ativa („quartéis‟), num Tiro-deGuerra (TG) ou tentar ser matriculado, caso possua escolaridade igual ou superior à terceira
série do ensino médio, num dos Órgãos de Formação de Oficiais da Reserva (OFOR).
Nas organizações militares da ativa („quartéis‟), o agora „recruta‟ deverá permanecer
por um período de dez meses, o qual “é subdividido em Período Básico e Qualificação
participando de atividades específicas das Forças Armadas, podendo permanecer por até sete
anos engajado, conforme a disponibilidade de vagas”32.
Já os Tiros-de-Guerra (TG) consistem em órgãos de formação de reserva que
possibilitam aos convocados, mas não incorporados em „quartéis‟, prestarem o serviço militar
inicial nos municípios onde estão residindo. A instrução realizada nos TG‟s varia de seis a dez
meses e, ao final do período, são licenciados do Exército. As instruções normalmente ocupam
30
As mulheres estão isentas do serviço obrigatório, mas podem ser voluntárias de carreira ou temporárias.
31
Ibidem, p. 83.
32
Site do Exército Brasileiro, Serviço Militar, Quartéis < www.exercito.gov.br/web/ingresso/quarteis >. Acesso
em: 10/10/2011.
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poucas horas por dia, além de atividades específicas aos finais de semana, permitindo aos
convocados conciliar trabalho e estudo33.
Finalmente, os alistados considerados aptos na Seleção Geral para o serviço militar
obrigatório, detentores de grau de escolaridade igual ou superior ao último ano do ensino
médio, podem se voluntariar à Seleção Especial/Complementar aos centros de preparação de
oficiais da reserva (CPOR‟s), capazes de formar quadros em mais de uma Arma, e aos núcleos
de preparação de oficiais da reserva (NPOR‟s). Estes geralmente oferecem apenas uma Arma
(ex. Infantaria) na medida em que estão vinculados a uma unidade militar, mas por essa mesma
razão acabam facilitando a formação desses militares em função da especificidade daquela
organização e da existência, por exemplo, de um campo de instrução próximo, mais
equipamentos pertinentes e um ambiente mais „operacional‟. Destaca-se que o ingresso em
OFOR só é possível durante o período de seleção para o serviço militar obrigatório34.
Atualmente, há cinco CPOR‟s, localizados, respectivamente, nas cidades de Recife, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Cada um deles possui um determinado
número de NPOR‟s vinculados em função, basicamente, de assuntos de natureza técnicopedagógica. O CPOR‟s e os NPOR‟s compõem os OFOR. Estes, com a Diretoria de Formação
e Aperfeiçoamento (DFA), constituem o Sistema de Formação de Oficiais da Reserva de 2ª
Classe (SisFOR)35.
3. PANORAMA SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO ATUAL CPOR-SP
O Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo e os NPOR‟s vinculados
têm por missão formar o aspirante-a-oficial combatente da reserva de 2ª Classe (não
remunerada), habilitando-o a ingressar no Corpo de Oficiais da Reserva do Exército (CORE).
A análise sobre o papel atual do CPOR-SP permite identificar algumas das vantagens e
desvantagens do modelo de estrutura militar vigente no Brasil, sobretudo no que diz respeito
aos reflexos do serviço militar obrigatório inicial.
33
Ibidem, ‘Tiro de Guerra” < www.exercito.gov.br/web/ingresso/tiro-de-guerra >. Acesso em: 10/10/2011.
34
Ibidem ‘CPOR e NPOR’ < www.exercito.gov.br/web/ingresso/cpor-e-npor >. Acesso em: 10/10/2011.
35
A
relação
de
todos
os
OFOR
pode
ser
visualizada
em:
<
http://dsm.dgp.eb.mil.br/svmil/obrigatorio_tabela.htm >. Acesso em: 16/10/2011. Nota: esta tabela disponível
em página oficial do Exército Brasileiro na internet não contempla, por exemplo, o CPOR de Porto Alegre,
criado em 1928, bem como mudanças recentes de denominações no que se refere às organizações militares
listadas.
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A idealização dos atuais cinco CPORs36 se deve à figura do então jovem capitão Luiz
de Araújo Lima (1891-1930). Filho de um general do Exército, tentou implantar, na década de
20, um sistema de formação de oficiais de reserva no Brasil, com base em estudos sobre
mobilização na I Guerra Mundial. As tentativas, mesmo sofrendo resistências por parte dos
oficiais de carreira37, culminaram na criação, em 1927, do CPOR da cidade do Rio de Janeiro.
Os resultados alcançados por esse Centro motivaram, conforme previsto nos estudos iniciais, a
ampliação do número desses, iniciando por um embrião do CPOR-SP na 2ª Região Militar, em
1930. No entanto, o já Major Correia Lima não viveu para ver sua obra, sendo assassinado,
num quartel do qual era comandante em Curitiba, no contexto da Revolução de 193038.
O CPOR-SP ocupou diversas sedes, foi até extinto por dois anos em função de sua
participação na Revolução Constitucionalista de 1932, até se instalar, em 1948, no Sítio
Histórico de Santana, o “Solar dos Andradas”. Fazenda dos jesuítas confiscada, em 1761, pela
Coroa Portuguesa em decorrência de ordem do Marquês de Pombal, foi também residência de
José Bonifácio de Andrada e Silva, em meados de 1824, quando foi palco dos eventos do “Dia
do Fico” de D. Pedro I. Ademais, o „Solar dos Andradas‟ foi transformado em escola pública
(1850), em hospital de variolosos (1875), em núcleo colonial para imigrantes (1877) e em
quartel das tropas federais (1894), antes de abrigar o CPOR-SP de fato (1948).
Antes, em 1942, esse Centro, ao lado de seus homólogos pelo país, teve participação
significativa no contingente enviado para lutar na II Guerra Mundial39:
Na composição da tropa [da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária enviada à Europa
junto com o V Exército Americano], cerca de 1/3 dos oficiais empregados tinham sido
formados pelos centros de preparação existentes no país, inclusive o de São Paulo.
Segundo os relatos de jovens oficiais formados na Escola Militar do Realengo que
lutaram na Segunda Guerra Mundial, os R/2 foram a grande surpresa. Eles agiram como
se tivessem freqüentado as mesmas escolas de formação dos militares da ativa e
apresentaram um perfeito desempenho, apesar do pouco tempo de formação. (TRATZ e
SILVA, 2008: 26).
36
O CPOR do Rio de Janeiro foi criado em 1927, o de Porto Alegre em 1928, o de Juiz Fora (atualmente, sediado
em Belo Horizonte) e o de São Paulo em 1930 e, finalmente, o de Recife em 1933.
37
TRATZ e SILVA (2008:15) mencionam, por exemplo, que Correia Lima teve, preliminarmente, dificuldades em
obter meios para a instrução em decorrência da não aceitação por parte dos oficiais de carreira da real
necessidade de se formar oficiais de reserva.
38
Baseado em TRATZ e SILVA (2008). Assinala-se a dificuldade de encontrar estudos sobre esse tema no país.
39
Quarenta ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) cursaram o CPOR-SP, um deles, Amaro
Felicíssimo da Silveira, foi morto em combate à frente de uma patrulha.
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Os CPOR‟s e NPOR‟s, bem como o Exército como um todo, passaram por muitas
transformações ao longo do tempo, com especial destaque para o papel dos oficiais
temporários. Kuhlman (2001), por exemplo, afirma que:
Inicialmente, o objetivo dessa formação era completar a base da pirâmide do oficialato
com tenentes que poderiam ficar até oito anos no serviço ativo, passando depois para a
reserva não remunerada. Atualmente, devido à pouca quantidade de alunos aproveitados
no serviço ativo – por causa do aumento de efetivo formado pela Academia Militar das
Agulhas Negras – e pelo Estágio de Serviço Técnico – que supriria administrativamente
as unidades – houve uma mudança de propósito. Recentemente, o Diretor de Formação e
Aperfeiçoamento expediu diretrizes40 que apontavam a necessidade de formar uma massa
crítica – possível elite social, já que quase todos têm o curso superior iniciado – favorável
ao Exército, visando estabelecer ligações afetivas entre o Exército e parcela importante da
sociedade. Os órgãos de formação da reserva são constantemente utilizados para reuniões
de antigos alunos, o que demonstra essa ligação entre a sociedade elitizada e o Exército.
Em contrapartida, há uma reclamação dos oficiais das organizações militares combatentes
que recebem estes jovens oficiais temporários por considerarem sua formação militar
insuficiente, o que dificulta os trabalhos nos quartéis. Portanto, caracteriza-se mais uma
vez uma distorção de objetivo, um vício de origem, qual seja: deseja-se formar
mentalidades favoráveis ao partido fardado41, em não jovens oficiais em condições de
realizar, a contento, os objetivos da Defesa (KUHLMANN, 2001: 85-86).
Realmente, é possível identificar no Exército, nas últimas décadas, uma gradual busca
por quadros especializados, formados no meio civil, visando a atender suas necessidades
„burocráticas‟, no sentido weberiano, embora esse mesmo movimento seja mais evidente na
Marinha e na Força Aérea42. Os processos de modernização por que passava a Força Terrestre
levou, por exemplo, à criação, em 1988, da então Escola de Administração do Exército
(EsAEx, atual EsFCex), em Salvador-BA, a fim de fornecer ao cotidiano das organizações
militares oficiais formados em Administração, Direito, Ciências Contábeis, Comunicação
Social, Informática, Psicologia, entre outros, levando novos conhecimentos à caserna.
40
[Diretrizes de Trabalho para o Ano 2000 – “Recomendações específicas aos órgãos de formação da reserva –
é essencial o entendimento ... que o maior objetivo do curso é a formação do cidadão, futuro integrante da elite
nacional e que tenha conhecimento principalmente dos valores que são as bases do Exército Brasileiro. Por esta
razão, dever-se-á envidar todo o esforço no sentido de só virem a ser incorporados jovens universitários, até
mesmo como fator de valorização do curso e do posto de Aspirante a Oficial da Reserva”. Of n. 71-Circ-SPI, 17
fev. 2000, do Diretor de Formação e Aperfeiçoamento. Grifos nossos.] (KUHLMANN, 2001: 85). Em TRATZ e
SILVA (2008:49), encontra-se: “... o concludente do CFOR [Curso de Formação de Oficiais da Reserva] se
identifica com os valores culturais e sociais do Exército Brasileiro, reconhecendo os direitos, os deveres e as
obrigações inerentes ao Oficial, tornando-se capaz de se destacar como agente difusor e multiplicador de
idéias, da cultura, da tradição e dos costumes militares”.
41
Termo trabalhado especificamente por FERREIRA (2000).
42
Por exemplo, o embrião do atual CIARR da FAB foi criado em 1982, sendo considerada instituição pioneira na
inserção do segmento feminino na Aeronáutica.
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Em 2002, foi aprovado o regulamento para o corpo de oficiais da reserva do
Exército43, consolidando, sobretudo, as diversas formas de captação de quadros temporários
especializados no meio civil, antigos „oficiais auxiliares‟, como os: (I) Estágio de Instrução e de
Preparação para Oficiais Temporários (EIPOT), (II) Estágio de Instrução Complementar (EIC),
(III) Estágio de Adaptação e Serviço (EAS), (IV) Estágio de Instrução e Serviço (EIS), (V)
Estágio de Instrução Complementar de Engenheiro Militar (EICEM) e (VI) Estágio de Serviço
Técnico (EST). Voltados, básica e respectivamente, a (I) aspirantes-a-oficial R/2 egressos de
OFOR, (II) egressos do EIPOT, (III) médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários (MFDV)
em caráter obrigatório, (IV) MFDV em caráter voluntário, (V) R/2 egressos do IME em caráter
voluntário e, (VI) em caráter voluntário, aspirantes-a-oficial R/2, reservistas de 1ª ou 2ª
categorias, homens dispensados de prestar o serviço militar inicial e mulheres, todos integrantes
de categorias profissionais de nível superior de interesse do Exército, exceto MFDV.
No entanto, como todas as possibilidades mencionadas até o momento são
normalmente distantes, e até estranhas, ao civil, torna-se importante a existência de um contato
anterior qualquer com a caserna44. Esse geralmente é viabilizado, na prática, mais pela figura
de um militar conhecido (ex. familiar), capaz de explicar as possibilidades e limitações de cada
opção de ingresso na vida na caserna, do que por visitas de divulgação em escolas, faculdades
ou pesquisas profundas nos respectivos sites das três Forças na internet45. No escopo das falhas
de divulgação por parte das Forças Armadas em geral, o serviço militar obrigatório, com seus
OFOR e TG‟s, acaba servindo também como difusor dessas possibilidades profissionais. No
que tange aos concludentes do CFOR, observa-se que a maioria não é convocada como oficial
temporário de fato, mas se identifica relatos de que alguns desses ex-alunos prestam concurso
para outras escolas militares ou áreas correlatas (ex. Polícia Militar) ou participam, após
formados, das seleções para EST.
43
Decreto nº 4.502, de 9 de dezembro de 2002.
44
A bem da verdade, é possível afirmar que há falhas de divulgação das carreiras públicas em geral no Brasil e
não só no que tange às opções de ingresso nas Forças Armadas. A Administração Pública como um todo parece
confiar demasiadamente na publicidade derivada da lógica dos concursos. Como resultado, grande parte dos
universitários de centros de excelência desconhecem as possibilidades profissionais e as peculiaridades do
serviço público brasileiro. Por outro lado, inúmeras empresas buscam divulgar sistematicamente seus
processos seletivos nas melhores universidades no país a fim de atrair os mais qualificados candidatos.
45
Este padrão foi verificado em depoimentos de ex-alunos do CPOR-SP.
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Atualmente, o CPOR-SP oferece, de acordo com o número de vagas fixadas
anualmente pelo Estado-Maior do Exército (EME), em média 175 vagas, além das 220
oferecidas pelos 11 NPOR‟s vinculados, totalizando 395.
Para ser „voluntário‟ a essa seleção específica, o candidato deve, durante o processo de
alistamento obrigatório: (1) ser brasileiro nato, (2) estar, no mínimo, matriculado na última
série do ensino médio [na prática se prioriza, desde 1991, os matriculados em ensino superior46]
e (3) ter sido considerado apto na Seleção Geral da Classe convocada. Se o conscrito for
selecionado, será encaminhado à Comissão de Seleção Especial/Complementar, sediada no
CPOR, onde realizará a inspeção de saúde, o exame de aptidão física, a entrevista e o exame
intelectual. O segundo exige um índice mínimo nos testes físicos de flexão de barra,
abdominais, flexão de braços e corrida de 12 minutos. A terceira, “objetiva a obtenção de
dados gerais sobre o candidato com vistas a auxiliar o processo de seleção” (TRATZ e
SILVA, 2008:51). O último é uma prova objetiva, no nível do 3º ano do ensino médio,
compreendendo as disciplinas de português, matemática, geografia e história, bem como uma
redação. Os aprovados em todas as fases da seleção especial estão aptos à matrícula.
As motivações desses jovens para ingressarem no CPOR-SP são variadas. Conforme
relatos, abrangem a possibilidade de prestar o serviço militar em tempo parcial (no Centro é,
em tese, das 7h30 ao 12h), sair desse como oficial, realizar o desejo de ter uma „experiência
militar‟, curiosidade, origem financeira, repetir a vivência de um ex-aluno do CPOR (ex.
familiar), ter a chance de servir como temporário depois de formado, antecipar o tipo de vida
almejada (via concurso) para outras escolas militares, entre outras.
Com o fim da seleção, no início de fevereiro, há o ritual de ingresso na vida militar
com a abertura do portão principal, em conjunto, pelo comandante do CPOR-SP e pelo aluno
mais novo (o claviculário da turma). As duas primeiras semanas do „Período Básico‟ são em
regime de internato, a fim de favorecer a adaptação à vida da caserna e suas atividades
pertinentes, como arrumação do alojamento, inspeções, formaturas, instruções etc. Tudo é
desenhado para imprimir o sentido de coletividade, de „espírito militar‟ 47. Ensinam, desde o
início, os pilares do Exército: a hierarquia e a disciplina. As diversas atividades internas, como
os concursos de Ordem Unida, as competições desportivas, os seminários e as formaturas em
46
TRATZ e SILVA (2008:40).
47
Sugere-se, para o caso da AMAN, a obra de CASTRO (2004), referência sobre o tema.
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datas comemorativas, são formatadas para reforçar a assimilação de valores como liderança,
cooperação, perseverança, equilíbrio emocional e disciplina.
O aniversário do Centro Solar dos Andradas, em 10 de abril, é um dos marcos do
calendário. Familiares, convidados e autoridades locais assistem aos padrinhos e madrinhas
entregarem aos alunos a boina e a platina, “assegurando-os de que estão prontos a ostentar o
uniforme do Exército em meio à sociedade paulistana” (SILVA e TRATZ, 2008:80). No final
do período, as instruções recebidas são aplicadas no acampamento durante cinco dias, o 1º
Exercício de Longa Duração (ELD), seguido da recepção dos alunos pelos familiares no pátioformatura. Na semana seguinte, ocorrem as palestras sobre as Armas (Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia, Comunicações, Serviço de Intendência e Quadro de Material Bélico),
seguidas pela cerimônia de escolha, após um ordenamento dos desempenhos escolares, bem
como de iniciação de „entrada na arma‟.
Em maio, inicia-se o „Período de Formação e Aplicação‟ constituído por instruções,
atividades e visitas técnicas específicas de cada Arma em organizações militares. No mês de
julho, as atividades do Centro são intensificadas em razão das „férias‟ escolares dos alunos por
meio de expediente integral. Logo na segunda semana ocorre o 2º ELD, geralmente na AMAN.
As atividades prosseguem pelos meses de agosto e setembro para, no final de outubro,
os „01‟ de cada Arma colherem o primeiro fruto de seus esforços: uma viagem de instrução aos
EUA. Viabilizados, nos últimos anos, por colaboradores, esses alunos visitam lugares como a
Casa Branca, a Junta Interamericana de Defesa (JID), a Comissão do Exército Brasileiro em
Washington (CEBW), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Academia Militar de West
Point. Conforme o final do ano letivo se aproxima, são realizados o 3º e o 4º LDO, as últimas
atividades, visitas e solenidades. Os últimos momentos são preenchidos pelos preparativos e
ensaios para a formatura, em dezembro, do „Aspirantado‟, na qual ocorre a entrega das espadas
e a saída simbólica pelo mesmo portão principal de fevereiro. Apenas os melhores alunos, e
conforme as vagas abertas pelo Exército, serão convocados como oficiais temporários. A
grande maioria retorna para a vida civil, podendo ou não, mais adiante, prestar para uma escola
militar ou exercer como oficial temporário atividades pertinentes à sua formação universitária.
As cerca de 1468 horas de atividades48 distribuídas ao longo do ano letivo no CPOR,
somadas aos eventuais 3 meses e meio de EIPOT, podem ser vistas como uma grande síntese
dos cinco anos vivenciados em regime integral pelos oficiais com passagem na Escola
48
Ministério da Defesa, Exército Brasileiro, DECEx-DFA, CPOR de São Paulo, Plano Geral de Ensino (PGE), 2011,
Anexo A, Calendário Geral.
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Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) (um ano - 1567h), em Campinas-SP, e na
AMAN (quatro anos - 8361h), totalizando 9928h (VIEIRA, 2011). Daí a principal origem das
pequenas „rusgas‟, no cotidiano das organizações militares, entre os aspirantes e tenentes
formados na AMAN e aqueles dos OFOR.
No entanto, a própria observação da rotina do CPOR-SP, bem como de outras
organizações militares, permite identificar o encontro e a convivência entre militares oriundos
das diversas formas de ingresso na Força: a incorporação de recrutas e a baixa dos soldados do
efetivo variável, as atividades apoiadas pelos „engajados‟, pelos sargentos (temporários e de
carreira), as instruções e os exercícios executados ao longo de 45 dias para os aspirantes do
EAS/EST, a convivência entre aspirantes e tenentes temporários, os oficiais formados pela
AMAN, pela EsFCEx, pelo IME, pela EsSA etc.
Vistos nessa perspectiva, cada forma de ingresso tem seu lugar e suas limitações no
Exército. A título de ilustração, o CFO oferecido pelos OFOR tem, com efeito, um caráter mais
„difusor‟ dos valores da caserna e da „experiência militar‟ – não só entre alunos, mas entre seus
respectivos familiares –, com possibilidade de os melhores alunos permanecerem em
organizações militares até, em média, sete anos. Para os advogados, médicos, engenheiros,
entre outros, que entram na Força, como temporários ou de carreira, os poucos dias de instrução
militar têm propósito mais de adestramento militar básico, tendo em vista o foco de suas
respectivas responsabilidades dentro do EB. Já dos formados pela AMAN, com maiores
chances de se tornarem um dos generais „de quatro estrelas‟ da Força Terrestre, é exigida uma
formação mais ampla dentro e fora das organizações militares, sendo cada vez mais comum a
participação desses jovens oficiais - bem como de praças em geral - em cursos de graduação e
de pós-graduação em universidades civis. A existência dessa diversificação de formas de
ingresso é positiva, porém é possível identificar algumas importantes limitações, conforme
apresentadas a seguir.
Conclusões
As principais contribuições dos Órgãos de Formação de Oficiais da Reserva de 2ª
classe (OFOR) identificadas neste trabalho, podem ser sintetizadas em três aspectos
interdependentes. Primeiro, formam oficiais voluntários da reserva da linha bélica que,
conforme necessidades do Exército, podem suprir demandas nos primeiros postos de oficialato
(aspirantes-a-oficial e tenentes), para os quais há maiores exigências de efetivo.
Concomitantemente, no contexto global de forças militares reduzidas e cada vez mais
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profissionalizadas, ajudam a manter o Exército próximo à sociedade, em especial ao meio
estudantil. Por fim, possibilitam aos jovens universitários conciliar o serviço militar inicial com
seu curso superior civil, evitando o retardo na formação profissional.
Todavia, uma análise apurada sobre esses CPOR‟s/NPOR‟s revela um sutil paradoxo:
ao mesmo tempo em que simbolizam o único elo entre o Exército e os jovens civis dispostos a
viver uma breve „experiência da caserna‟ como oficial da linha bélica, e não „atrás de uma
mesa de quartel‟49, essas organizações acabam ignorando, em função de um sistema de seleção
preliminar baseado em amostragem e da limitação representada pelo período de alistamento
militar, grande parcela de brasileiros detentores de todos os atributos físicos, culturais,
psicológicos e morais desejados pela Força e que, inclusive, desejam servir.
Nesse quesito, essa limitação pode ser inserida num debate mais amplo, permitindo
discutir a própria interação entre a sociedade e sua Defesa, bem como, simultaneamente, a
relação entre a base e o ápice da „pirâmide‟ de militares organizada em postos e graduações nas
Forças Armadas. Trata-se, basicamente, das opções de (1) adotar o voluntariado pleno, (2)
tornar o serviço militar realmente obrigatório ou (3) aperfeiçoar o atual sistema que, na
realidade, está mais próximo a de um modelo misto. Sem a pretensão de buscar respostas
definitivas, mas de suscitar algumas reflexões, é possível levantar os seguintes pontos.
A concepção da conscrição de acordo com certos trechos da END (2008), ou seja, a
limitação e a reversão da “tendência de diminuir a proporção de recrutas e de aumentar a
proporção de soldados profissionais” (BRASIL, 2008:37) dificilmente será viabilizada na
prática. Primeiro, porque não oferece elementos suficientes, ao menos na própria END, para
sua aplicação. Segundo, por não atender às necessidades das Forças, tampouco aos interesses
de uma sociedade em geral pouco afeita à ideia de um „serviço militar realmente
obrigatório‟(ibidem:38) em moldes napoleônicos.
Ademais, no contexto de forças armadas cada vez mais dependentes de tecnologia, de
seus operadores e de especialistas (ex. submarinistas, técnicos e controladores de vigilância
aérea), um serviço efetivamente obrigatório de em média 12 meses sem priorização dos
desejosos de servir, nos termos da END, dificilmente ofereceria as bases para o posterior
engajamento e a eventual especialização dentro das Forças Armadas em número suficiente para
substituir os profissionais atuais. Destaca-se que o simples aumento do período de serviço (ex.
49
Argumento recorrentemente verificado durante entrevistas e conversas informais com ex-alunos do CPORSP.
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18-24 meses) não resolveria o problema, porque só aumentaria os custos do treinamento para
indivíduos que, com efeito, continuariam almejando sair da Força na primeira oportunidade.
Nesse quadro hipotético, como fazer a seleção e preencher formalmente as vagas dos
OFOR se os critérios da “combinação do vigor físico com a capacidade analítica”, bem como
“da representação de todas as classes sociais” (BRASIL, 2008:38), prevaleceriam diante do
critério “de auto-seleção de recrutas”? Mais especificamente, como obrigar indivíduos a
demonstrar seu „vigor físico‟ e „capacidade analítica‟ para, em seguida, classificá-lo de acordo
com a representatividade de sua classe social? É justamente por esses fundamentos que o
modelo atual, na realidade, não é tão obrigatório assim.
A implementação de um sistema „all-volunteer force’ profissional no Brasil, por sua
vez, representaria, conforme experiências internacionais, uma espécie de choque em termos
culturais, conceituais e organizacionais não só nas Forças Armadas quanto na sociedade e seus
governos no que diz respeito a temas de Segurança e Defesa. Num primeiro momento, o maior
impacto dessa escolha seria sentido pelo Exército Brasileiro, já que quase 1/3 (70000) de seu
contingente atual é oriundo do serviço militar obrigatório. Com a eventual adoção do
voluntariado pleno e presumindo a intenção de buscar recrutas que preencham
satisfatoriamente os requisitos, é provável que haja a necessidade de oferecer salários mais
altos e outros benefícios condizentes com a melhor atração possível de talentos, os quais
poderiam variar conforme a situação econômica do momento, a exemplo de outros países.
Assim, se hoje um conscrito das Forças Armadas recebe um Salário Mínimo (R$ 545),
e tendo como base, por exemplo, que um soldado profissional Fuzileiro Naval (concursado)
recebe, após formado, dois salários mínimos50, é possível vislumbrar a Força Terrestre
diminuindo seu contingente, a fim de selecionar bons candidatos e tentando não comprometer
ainda mais os cerca de 80% de seu orçamento destinado a pagamento de pessoal. Todavia, a
opção de diminuir drasticamente seus efetivos é considerada inviável por oficiais do Exército,
argumentando, especialmente, o peso da extensão territorial brasileira em suas atividades. Ao
mesmo tempo, inexiste, no quadro atual, um debate capaz de transcender a questão desses
efetivos em direção a uma discussão mais consistente, abrangente, profunda e contínua na
agenda governamental sobre Política de Defesa (ex. enfrentar diretamente a questão do peso
50
Marinha do Brasil, Corpo de Fuzileiros Navais, Comando do Pessoal de Fuzileiros Navais, Edital de
convocação para Concurso de Admissão às Turmas I e II/2012 do Curso de Formação de Soldados Fuzileiros
Navais, 1. Disposições iniciais, item 1.2. Publicado no DOU nº 33, de 16 de fevereiro de 2011. Disponível em: <
www.ensino.mar.mil.br/ marinhafn/Edital.pdf?id_file=259 >. Acesso em: 15/10/2011.
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dos inativos e pensionistas). Nesse sentido, o lançamento da END (2008) e seus
desdobramentos podem ser considerados um concreto avanço.
Portanto, a adoção do voluntariado profissional certamente exigiria uma reestruturação
profunda não só nas Forças Armadas, mas também no Ministério da Defesa, pois implicaria em
outro nível de esforços (e seus custos) no que se refere, por exemplo, à divulgação de suas
missões, ações, operações, campanhas de recrutamento, oferecimento de benefícios, melhores
salários etc. Em decorrência desse cenário, a visão, sobretudo, do Exército como ator „social‟,
„civilizador‟, „difusor de valores‟ e como „instrumento de construção de identidade nacional‟
em regiões desprovidas de efetivo poder público (ex. faixas fronteiriças na Amazônia)
dificilmente conseguiria sobreviver no mesmo nível do presente, face às novas demandas
postas pela eventual escolha do voluntariado profissional em toda a estrutura militar.
Nesse contexto, a seleção para os OFOR, uma vez inexistindo o serviço militar
obrigatório, certamente seria por meio de um concurso público de âmbito nacional, da mesma
forma que os realizados anualmente para a EN, AMAN, AFA, IME, EsFCEx, EsSA etc, ou
seleções nos moldes às realizadas pelos ROTC´s norte-americanos.
No contexto do atual serviço militar que, na prática, aproxima-se paulatinamente mais
de um sistema misto do que efetivamente obrigatório, embora conserve em seu âmago grande
parte das vantagens desse e do voluntariado profissional, o paradoxo mencionado acima no
caso dos OFOR pode ser também encontrado no nível mais basilar do Exército. Muitos
brasileiros desejosos de entrar para as fileiras do EB como soldados e cabos não possuem
formas de ingresso possíveis fora do âmbito do serviço militar obrigatório. Há, por exemplo,
aqueles que, apesar de reunir as condições necessárias e desejadas pela Força Terrestre, foram
dispensados quase automaticamente por „sorteio‟ em função de seu „final de RA‟ não ter sido
contemplado na seleção. Também existem os que gostariam de fazê-lo um ou dois anos após o
alistamento militar.
Essas duas espécies de lacunas em termos de possibilidades de ingresso no Exército
Brasileiro, isto é, como cabo e/ou soldado fora do período de alistamento militar e tenente „R/2‟
da linha bélica, podem ser vistas muito mais como questões de ajustes do que problemas de
grande monta. Trata-se de, em geral, oferecer mais mecanismos e instrumentos de priorização
dos desejos de servir, uma vez preenchidos os atributos desejados para tal fim, e complementar,
se necessário, com conscritos.
No que diz respeito especificamente às formas de ingresso fora do período de
alistamento, se a lógica é a manutenção e ratificação do sistema corrente, a questão da
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divulgação dessas oportunidades profissionais se torna relevante. Como visto neste trabalho, as
três Forças oferecem diversas maneiras para os cidadãos integrarem seus quadros, seja
temporariamente ou em termos de carreira. Porém, a falta de uma divulgação mais assertiva
acaba fazendo com que o serviço militar obrigatório seja considerado, ao longo da vida de
muitos indivíduos, a imagem reinante, a face mais evidente, quando não a única, das Forças
Armadas.
Nesse sentido, buscando contribuir, mais detidamente, para o debate das questões
mencionadas neste trabalho, são elencados cinco pontos de reflexão tomando como pressuposto
a manutenção das linhas gerais do atual sistema ou mesmo a título de uma eventual fase
preliminar da opção representada pela adoção do voluntariado profissional:
1. O processo atual de seleção realizado durante o alistamento obrigatório ignora
parte dos aptos e desejos de servir. Se o intuito é conceber o serviço militar como se fosse um
„espelho da sociedade‟ ou como, segundo a END (BRASIL, 2008:37), um „nivelador
republicado‟, certamente há outras formas de concretizá-lo diferentemente do reforço de sua
obrigatoriedade ou da simples manutenção dos procedimentos atuais lastreados por sorteio.
Ponderando o panorama brasileiro, suas peculiaridades regionais e o contínuo avanço das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC‟s), é possível vislumbrar um alistamento
obrigatório sobre o qual se otimizaria, por exemplo, as variáveis geográficas, as características
físicas e de escolaridade, bem como, preferencialmente, o desejo de servir com as necessidades
e perfis almejados pelas Forças Armadas como um todo. Tal processo deveria abranger durante
a análise não apenas uma „amostra‟, mas sim todo o universo de alistados, com o objetivo de
priorizar os voluntários dentre aqueles que cumprem os requisitos. Afinal, se um indivíduo
obedece a todos os critérios formais e, ainda, quer servir ao seu país, por que não priorizá-lo em
relação aos indivíduos em idêntica posição, mas não inclinados, naquele momento, à vida na
caserna?
Tomando como base um caso paulista, com um sistema de seleção mais refinado seria
possível, por exemplo, o Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP)51 trabalhar, conforme suas
necessidades e atentando para o desejo de servir, tanto com indivíduos carentes de
oportunidades que poderiam ser beneficiados, por exemplo, por um curso de pintura
automotiva do Projeto Soldado-Cidadão, quanto com alunos de ensino médio técnico de
51
Hoje, o AGSP, sediado em Barueri, é encarregado, basicamente, da fabricação, manutenção e recuperação de
produtos de defesa, como armamentos, rádio-transmissores, geradores elétricos, redes de camuflagem e
recuperação de viaturas blindadas, em especial os blindados Urutu e Cascavel.
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mecânica ou mesmo com estudantes universitários de engenharia. Por um lado, esse
refinamento na seleção não só contribuiria para levar melhores quadros para a Força Terrestre,
como seria plenamente condizente com o princípio caro à Administração Pública da
eficiência52. Por outro lado, poderia observar, dentro das possibilidades, algumas peculiaridades
dos alistados, como eventuais campos de atuação técnica e profissional, maximizando as
chances de aproveitar as capacidades e os interesses dos indivíduos, incluindo o caso dos
voluntários ao processo seletivo das vagas oferecidas pelos OFOR.
2. O sistema atual também limita o processo seletivo para os CPOR’s/NPOR’s. Em
decorrência do primeiro ponto, somente os cidadãos no período de alistamento militar podem,
após considerados aptos na Seleção Geral da classe convocada, voluntariar-se para o processo
seletivo específico dos OFOR de sua respectiva região. Nessa direção, é possível identificar um
duplo desperdício de oportunidades. Primeiro, o EB perde a chance, basicamente, de contar
com potenciais talentos, inclusive desejosos de servir, que sequer foram contemplados na
amostragem inicial (ex. excesso de contingente) ou que, por variados motivos e obedecidas
todas as exigências físicas e intelectuais da Força, decidam tentar a seleção depois ou mais de
uma vez. Segundo, os cidadãos com vocação e detentores das qualidades pertinentes à caserna
deixam de ter a oportunidade de prestar para a seleção e desenvolver-se, perdendo a ocasião de,
mais facilmente, gostar e adotar convictamente a profissão militar mais adiante, seja por meio
da tentativa de engajamento como aspirante-a-oficial, do ingresso na carreira militar
propriamente dita (ex. AMAN, IME, EsFCEx, EN e AFA) ou da atuação como oficial
temporário após concluído o curso superior (ex. EAS e EST).
Nessa direção, seria interessante, por exemplo, permitir a participação no processo
seletivo aos CPOR‟s/NPOR‟s dos interessados não abarcados diretamente pelo período de
alistamento militar, podendo estipular, por exemplo, uma idade máxima semelhante à
estabelecida para a AMAN, de 21 anos. Tal flexibilização poderia ensejar algumas vantagens
tanto para a Força quanto para os cidadãos:
I.
A amplitude da concorrência na seleção ajudaria a atrair mais talentos para o Exército,
podendo gerar reverberações positivas na tropa;
II.
Seria mais uma oportunidade para jovens, aptos e desejosos de servir, que não
conseguiram, por variados motivos, ou não o quiseram, durante o período de alistamento;
52
BRASIL. Constituição Federal, Art. 37.
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III.
Preencheria o interesse de candidatos de servir especificamente numa linha bélica durante
um curto espaço de tempo. De fato, alguns jovens buscam viver uma „experiência militar‟
sem almejar propriamente uma carreira no EB, tampouco nutrem, inicialmente, a intenção
de exercer mais adiante em organizações militares, „atrás de uma mesa‟, a formação
adquirida numa universidade (ex. EST, EAS) ou prestar um concurso para uma escola
similar à EsFCEx;
IV.
Contribuiria para a aproximação entre militares e civis no meio acadêmico na medida em
que mais universitários estariam aptos a prestar o processo seletivo. Ademais, a própria
incorporação desses poderia colaborar para a formação de canais de interação, via, por
exemplo, divulgação de eventos e oportunidades profissionais do meio militar no civil e
vice-versa, especialmente quando se considera o baixo número de centros de estudos
estratégicos nas universidades brasileiras;
V.
No contexto da maior concorrência pelas vagas e da visibilidade decorrente, poderia servir
como instrumento de incentivo e de divulgação das diferentes opções de ingresso nas
Forças Armadas em geral;
VI.
Essa flexibilização no processo seletivo praticamente não representaria grandes ônus para
o EB, o qual não teria que modificar quaisquer infraestruturas ou implicaria em mudanças
legais abrangentes. Por exemplo, em caso de empate entre um voluntário civil e outro no
período de alistamento militar, este seria priorizado, atendendo ao disposto no parágrafo 1º
do Art. 2253 e no Art. 2754 da Lei do Serviço Militar55;
Salienta-se que conferir ao processo seletivo dos OFOR um caráter mais próximo a de
um concurso público abrangente não implicaria numa sólida concorrência em relação ao
processo seletivo realizado, por exemplo, para a AMAN. Apesar de ambos formarem
aspirantes-a-oficial da linha bélica, há diferenças evidentes. Por exemplo, o tempo de formação
nos OFOR é de aproximadamente 10 meses, enquanto na AMAN é de 5 anos. No que tange às
missões de ambas as instituições, os primeiros formam oficiais „R2‟, dos quais apenas alguns
53
“Art. 22, § 1º. Os brasileiros matriculados em Escolas Superiores ou no último ano do Ciclo Colegial do Ensino
Médio, quando convocados para o Serviço Militar, inicial, serão considerados com prioridade para matrícula ou
incorporação nos Órgãos de Formação de Reservas, existentes na Guarnição Militar onde os mesmos estiverem
frequentando Cursos, satisfeitas as demais condições de seleção previstas nos regulamentos desses Órgãos.”
54
“Art. 27. Os Ministros Militares poderão, em qualquer época do ano, autorizar a aceitação de voluntários,
reservistas ou não.”
55
Lei 4.375, de 17 de agosto de 1964.
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conseguem convocação para vagas temporárias após formados, já a segunda forma os oficiais
de carreira do núcleo duro combatente do Exército Brasileiro. Portanto, em vez de representar
um concorrente para as vagas das Agulhas Negras, a ampliação do processo seletivo nos OFOR
poderia até mesmo funcionar como mais um instrumento de incentivo e de divulgação não só
da Academia de Resende-RJ, mas de outras oportunidades profissionais oferecidas pelas três
Forças.
Torna-se oportuno, à luz das considerações anteriores sobre os OFOR, trazer também
alguns pontos de reflexão para os casos do EST/EAS e dos cabos e soldados.
3. As vagas para EST, e seu cotidiano profissional, são pouco conhecidas no meio
universitário. É possível afirmar que há grande desconhecimento por parte dos universitários
brasileiros sobre as oportunidades representadas pelas vagas de oficiais temporários nas Forças
Armadas. Num contexto de considerável distanciamento entre universidades e o meio militar,
seria benéfico para ambos os lados uma estratégia mais assertiva de divulgação dessas
possibilidades profissionais. Nesse ponto, mais uma vez, destaca-se que o Exército possui dois
modos de ingresso nesse segmento especializado: (1) a EsFCEx, cujo preenchimento de vagas
de carreira é por concurso, seguido de um ano de curso de formação em Salvador-BA, e (2) as
seleções para EST, já citadas neste trabalho, espalhadas pelas 12 Regiões Militares, permitindo
ao candidato exercer suas funções, de caráter temporário, praticamente na mesma região e sem
precisar se deslocar para Salvador. Essas diferenças realmente são importantes para candidatos
não afeitos à ideia de se deslocar por períodos relativamente longos de sua região original56.
No caso específico dos oficiais temporários de serviço técnico (EST), anualmente a
relação de vagas, cuja remuneração líquida inicial é aproximadamente R$ 4200,00, é divulgada
nas respectivas páginas de internet das 12 Regiões Militares57. Além disso, é possível encontrar
explicações sobre militares temporários na página oficial do Exército Brasileiro58. Contudo, o
que acaba prevalecendo é a divulgação popularmente conhecida como „boca-a-boca‟, sobretudo
por meio de um militar conhecido (ex. familiar ou amigo de faculdade) que auxilia na
56
Situação semelhante ocorre na Força Aérea Brasileira (FAB) em relação ao Centro de Instrução e Adaptação
da Aeronáutica (CIAAR), em Belo Horizonte-MG, por meio do qual realiza vários concursos públicos de âmbito
nacional para oficiais temporários em diversas especialidades.
57
Ver, por exemplo, a página da internet do Serviço Militar da 2ª Região Militar, Comando Militar do Sudeste
(CMSE) < http://www.2rm.eb.mil.br/smr2/servico_militar >. Acesso em: 15/10/11.
58
Exército Brasileiro, Militar Temporário < www.exercito.gov.br/web/ingresso/militar-temporario >. Acesso
em: 15/10/11.
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divulgação de tais vagas, além de, frequentemente, explicar melhor o cotidiano do oficial
técnico temporário dentro de uma organização militar. A rotina desse técnico, embora tenha as
peculiaridades típicas da caserna, é muito mais próxima a de uma empresa do que o imaginário
excessivamente „combatente‟ predominante no meio universitário sobre essas vagas – algo que
dificilmente se esvaecerá apenas através de sites na internet.
Portanto, o investimento em estratégias de divulgação dessas vagas nos institutos de
ensino superior de excelência ou a efetiva transformação de parte dessas seleções em concurso
público, e sua subsequente maior publicidade, provavelmente trariam benefícios tanto para a
Força quanto para a sociedade. Para a primeira, representaria mais chances de captar melhores
recursos humanos como resultado da maior concorrência pelas vagas, além de possibilitar às
organizações militares absorver conhecimentos específicos e/ou mais dinâmicos do meio civil
(ex. campo cibernético). Para a segunda, a mera ampliação da divulgação dessas seleções (ex.
participação em feiras de profissões) já seria mais um canal de interação interessante entre
universitários e o meio militar.
4. Ausência de vagas passíveis de preenchimento via concursos públicos, em
complementaridade à conscrição, para cabos e soldados no Exército. No que se refere aos
soldados e cabos, observa-se a ausência de possibilidades de ingresso após o período de
alistamento obrigatório, deixando de lado muitos jovens aptos e dispostos a integrar as
graduações mais iniciais do Exército. A Marinha do Brasil (MB), por exemplo, já realiza
concurso público de admissão a cursos de formação de soldados Fuzileiros Navais. Neste ano,
foram estipuladas 1275 vagas, com remuneração inicial prevista entre R$ 550,00 (durante o
curso) e R$ 1100,00 (formado). Entre outras exigências para a inscrição, encontra-se possuir
entre 18 e 21 anos de idade e ter concluído o ensino fundamental59. Contudo, segundo
pesquisas socioeconômicas da própria MB, em média 85% dos aprovados nesses concursos
possuem ensino médio completo, refletindo positivamente tanto no rendimento durante o
treinamento quanto na qualidade da formação desses soldados60.
59
Este edital em especial está disponível, entre outros sites voltados especificamente para concursos públicos,
em: < www.vestcon.com.br/concurso/md-ministerio-defesa-comando-marinha-fuzileiro-naval-2011.aspx >.
Acesso em: 15/10/2011.
60
Sobre esse assunto em especial, consultar, por exemplo, a matéria “CIAMPA: o berço do Soldado Fuzileiro”,
por Vinicius Pimenta, [2006]. Disponível em: < www.alide.com.br/artigos/ciampa/index.htm >. Acesso em:
15/10/2011.
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Portanto, tendo em mente as observações anteriores, o EB certamente se beneficiaria da
realização de concurso público para algumas vagas de cabos e/ou soldados de seu Núcleo Base
(NB), complementando os soldados engajados após o serviço militar inicial. Essas vagas
poderiam, inclusive, ser criadas visando ao atendimento de necessidades específicas da Força
Terrestre (ex. mão-de-obra para a Engenharia Militar), tendo em vista eventuais dificuldades de
encontrar ou formar determinadas especialidades dentre os egressos do Efetivo Variável (EV).
5. As opções de ingresso nas Forças Armadas ainda são, em geral, pouco
conhecidas. O baixo conhecimento de estudantes de ensino médio/superior sobre a existência
dos CPOR‟s/NPOR‟s, e seus diferenciais no contexto do serviço militar inicial, não é um fato
isolado. À exceção, possivelmente, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e do
Instituto Militar de Engenharia (IME), e de certa forma a AMAN, a AFA e a EN, as demais
oportunidades de ingresso nas Forças Armadas raramente são opções para estudantes de ensino
médio/superior. Na Marinha, por exemplo, o processo seletivo, realizado neste ano, para o
cargo de engenheiro eletrônico do Quadro Complementar de Oficiais da Armada, teve 16
candidatos para 8 vagas. De forma análoga, 17 candidatos se inscreveram para as 11 vagas de
engenheiro mecânico61. Segundo um oficial da Marinha, essa situação se explica, em parte,
pelo simples desconhecimento.
Há muitas dúvidas sobre nosso trabalho, benefícios e, principalmente, sobre os processos
de seleção. Sem conhecimento, é difícil atrair civis para os nossos quadros. (ViceAlmirante Ademir Sobrinho, Diretor de Ensino da Marinha, O Globo, 2011 Op. Cit.).
Nessa direção, muito mais efetivas do que uma propaganda relativamente custosa de
aproximadamente trinta segundos na televisão fora do horário nobre, seriam visitas de oficiais
em determinadas escolas e instituições de ensino superior com o objetivo de divulgar e sanar
dúvidas sobre formas de ingresso nas Forças Armadas, bem como investir na crescente onda
das redes sociais. Essa estratégia de focalização de divulgação não só ajudaria a atrair mais
candidatos para as três Forças como também serviria como instrumento de aproximação entre
militares e o meio estudantil.
Por fim, torna-se importante salientar a dimensão afetiva verificada em torno do
CPOR-SP, com todos os seus altos e baixos, como em qualquer instituição. Na medida em que
61
“Marinha não só mantém concursos, como investe na divulgação da carreira”. O Globo, Economia, por Ione
Luques,
25/02/2011.
Disponível
em:
<
http://oglobo.globo.com/economia/boachance/mat/
2011/02/24/marinha-nao-so-mantem-concursos-como-investe-na-divulgacao-da-carreira-relacao-de-apenasdois-candidatos-por-vaga-923878311.asp >. Acesso em: 15/10/2011.
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a maioria dos seus alunos não é convocada como oficiais temporários após a conclusão do
curso, por razões intrínsecas à proposta dos OFOR, a experiência vivenciada no “Solar dos
Andradas” é a que efetivamente permanece. Alguns desses alunos prestam concursos da
carreira militar – seja nas Forças Armadas ou nas Polícias Militares – e/ou servem mais adiante
como temporários dentro do escopo de suas respectivas formações universitárias, levando para
as organizações militares novos conhecimentos e perspectivas cultivados no universo civil.
Outros simplesmente carregam consigo os ensinamentos absorvidos para aplicar de algum
modo em suas profissões. De uma forma geral, todos culminam auxiliando na difusão dos
valores e da carreira das armas em algum momento, seja, por exemplo, utilizando
oportunamente „histórias de quartel‟ entre amigos e familiares ou incentivando direta ou
indiretamente novos candidatos à farda.
Tais situações certamente se repetem em relação a outros OFOR e o Exército está
ciente e busca incentivá-las como objetivo de ordem primeira nesses órgãos. O que muitos
talvez esqueçam são as vantagens para a sociedade e suas Forças Armadas dessa constante
permeabilidade entre civis e militares, abrangendo diversos segmentos e possibilidades ao
longo da vida de seus cidadãos.
Nessa direção, este trabalho buscou contribuir de alguma forma à necessária discussão
sobre essas questões em nosso país, em especial no que tange a incentivar maiores
aprofundamentos sobre esse tema ainda pouco estudado e eivado de estereótipos. Novamente,
que forças armadas o Brasil almeja?
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