PROGRAMAS ELEITORAIS NO RÁDIO E
AS IMPRESSÕES SOBRE A POLÍTICA
PROGRAMAS ELECTORALES EN LA RADIO Y
LAS IMPRESIONES SOBRE LA POLITICA
Mônica Kaseker1
RESUMO
Este artigo apresenta um relato de experiência de uma atividade desenvolvida com
estudantes de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, da Escola de
Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Trata-se
do planejamento e produção de uma campanha eleitoral para o rádio, na disciplina
Produção Sonora em Publicidade e Propaganda, a partir da observação dos programas
apresentados pelos candidatos no Horário Eleitoral Gratuito das eleições de 2012. A
atividade desenvolvida pelo terceiro ano consecutivo, com turmas do 4º período, tem
permitido a observação dos processos de apreensão e apropriação da política por parte
dos estudantes, ao longo de discussões teóricas, observações e análises sobre a relação
da mídia com a política, e de como isso reflete na formulação de estratégias e discursos
de candidatos fictícios criados pelos acadêmicos. Buscando a análise crítica sobre a
realidade social, os estudantes se deparam com um contexto de pasteurização e
espetacularização da política, no qual as ideologias, assim como as identidades
partidárias, nem sempre são aparentes e as eleições ganham aspecto cômico. Como
metodologia empírica foi adotada a observação participante, a partir de anotações
rotineiras por parte da autora\docente durante as atividades, além dos registros em
diários de bordo realizados pelos estudantes no sistema intranet Eureka da PUCPR,
análise de briefings, roteiros, jingles e gravações produzidos pelos alunos.
Teoricamente, busca-se refletir sobre a democracia contemporânea, a partir de autores
como Schumpeter (1965), Hirst (1992), Manin (1995) e Schwartzenberg (1978),sobre o
campo político com Bourdieu (2003) e a questão da ideologia com Therborn (1987). Na
atual democracia representativa, a mídia tem como prerrogativa tornar os candidatos
1
Mônica Panis Kaseker, doutora em Sociologia (UFPR), professora de Rádio da Escola de
Comunicação e Artes da PUCPR. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFPR. [email protected]
visíveis a um público amplo e a política ganha contornos de espetáculo, cada vez mais
personalista, em processos eleitorais que tornam as diferenças ideológicas opacas. A
campanha eleitoral pode ser considerada o ápice ou o fundo do poço da despolitização
da política. Um processo que alimenta a reprodução política com a repetição de arcaicas
fórmulas comunicativas.
Palavras-chave: Rádio, campanha eleitoral, democracia, política.
RESUMEN
Este artículo presenta un relato de experiencia desarrollada con estudiantes de
Comunicación Social – Publicidad e Propaganda, de la Escola de Comunicação e Artes
de la Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Trata-se del planeamiento y
producción de una campaña electoral para la radio, en la disciplina Producción Sonora
en Publicidad y Propaganda, a partir de la observación de los programas presentados
por los candidatos en el Horario Electoral Gratuito de las elecciones de 2012. La
actividad desarrollada por el tercero ano consecutivo, con grupos del 4º período, hay
permitido la observación de los procesos de aprensión e apropiación de la política por
parte de los estudiantes, a lo largo de discusiones teóricas, observaciones e análisis
sobre la relación entre media y política, además de como esos aspectos refleten en la
formulación de estrategias y discursos de candidatos ficticios criados por los
estudiantes. Buscando el análisis crítico sobre la realidad social, los estudiantes se
deparan con un contexto de pasteurización e espectacularización de la política, en que
las ideologías, así como las identidades partidarias, ni siempre se quedan aparentes y las
elecciones adquieren aspecto cómico. Como metodología empírica fue realizada la
observación participante, con notas rutineras por la autora\docente a lo largo de las
actividades, además de los registros en diarios de bordo realizados por los estudiantes
en el sistema intranet Eureka de la PUCPR, análisis de briefings, guiones, jingles y
grabaciones hechas por los alumnos. En las referencias teóricas, se busca reflexionar
sobre la democracia contemporánea, a partir de autores como Schumpeter (1965), Hirst
(1992), Manin (1995) y Schwartzenberg (1978), sobre el campo político con Bourdieu
(2003) y la cuestión de la ideología con Therborn (1987). En la actual democracia
representativa, los media tienen como prerrogativa tornar los candidatos visibles para el
público amplio y la política adquiere contornos de espectáculo, cada vez más
personalista, en procesos electorales que hacen las diferencias ideológicas opacas. La
campaña electoral puede ser considerada el ápice o el punto más fondo de la
despolitización de la política. Un proceso que alimenta la reproducción política con la
repetición de arcaicas fórmulas comunicativas.
Palabras clave: Radio, campaña electoral, democracia, política.
INTRODUÇÃO
O que é ideologia? E plataforma de governo? Como se comportam os partidos
políticos e as coligações em períodos eleitorais? Por que alguns candidatos têm tanto
tempo de propaganda eleitoral no rádio e outros tão pouco? Essas são algumas questões
que surgiram ao longo de uma atividade proposta para uma turma de segundo ano de
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da PUCPR, em que os estudantes
deveriam acompanhar a campanha eleitoral de 2012 à Prefeitura Municipal de Curitiba
e, a partir da observação da realidade, planejar e produzir um programa eleitoral para
rádio, com candidatos fictícios, para a disciplina de Produção Sonora em Publicidade e
Propaganda.
Neste artigo, procura-se refletir sobre os processos de apreensão e apropriação
da política por parte dos estudantes, ao longo de discussões teóricas, observações e
análises sobre a relação da mídia com a política, e de como isso reflete na formulação
de estratégias e discursos dos candidatos fictícios criados pelos acadêmicos.
Este relato de experiência adota como metodologia a observação participante da
autora/professora, a partir de anotações rotineiras, além dos registros em diários de
bordo realizados pelos estudantes no sistema intranet Eureka da PUCPR, análise de
briefings, roteiros, jingles e gravações
produzidos pelos alunos. A pesquisa
bibliográfica busca autores que analisam criticamente a democracia contemporânea,
como Schumpeter (1965), Hirst (1992), Manin (1995) e Schwartzenberg (1978), o
campo político com Bourdieu (2003) e a questão da ideologia com Therborn (1987).
O artigo foi organizado apresentando inicialmente algumas reflexões teóricas,
para em seguida descrever a experiência em si e, ao final, a partir dos primeiros
feedbacks dos estudantes, em seus comentários, textos e produções, analisar algumas de
suas impressões sobre a política e sobre as eleições em sua cidade e em seu país.
1. A VOZ DO POVO
Na Modernidade, a democracia se desenvolveu associada à economia de
mercado e ao capitalismo, tomando forma representativa. Após ser duramente
contestada pelo fascismo e marxismo-leninismo ao longo de mais de 30 anos no início
do século XX, a democracia representativa ocidental foi rejeitada pelos movimentos
estudantis, nos anos 1960, em favor da democracia participativa e direta. De acordo
com Hirst, na década de 1980 a esquerda foi forçada a aceitar o governo representativo,
as eleições multipartidárias e os eleitorados amplos, abandonando a meta de construir
uma sociedade socialista. (1992, p.7-8) Surge então uma nova esquerda democrática que
se propõe a promover a democratização dentro dos parâmetros capitalistas em um “novo
republicanismo”, a partir da ideia de que haveria uma participação ativa dos cidadãos na
luta pela
ampliação de seus direitos sociais e políticos, com o fortalecimento da
sociedade civil organizada. (HIRST,1992)
As principais características da democracia representativa são os eleitorados e
partidos de massa, que permitem, segundo Schumpeter (1961), uma participação que se
limita ao voto em eleições periódicas. Para o autor, a democracia de massa causa
indiferença e alienação ao cidadão e a eleição se torna um instrumento de legitimação
daqueles que chegam ao poder. Ainda que possa existir algum tipo de vontade comum
ou opinião pública no processo democrático, os resultados ainda necessitariam de
unidade e de sanção racional.
O homem teria de saber de maneira definida o que deseja defender. Essa
vontade clara teria de ser complementada pela capacidade de observar e
interpretar corretamente os fatos que estão ao alcance de todos, e selecionar
criticamente as informações sobre os que não estão. (SCHUMPETER, 1961, p.
309)
O autor defende que não poderiam ser contabilizadas como decisões produzidas
pela vontade do povo aquelas que têm alguma interferência ou pressão de grupos e da
propaganda. O indivíduo estaria propenso a agir sob a influência da publicidade e
outros métodos de persuasão, não só sob argumentos racionais. A vontade do povo
poderia ser fabricada por grupos políticos e econômicos. (1961, p.320)
Para Habermas, o comportamento mais apático e desprovido de argumentos do
público é agravado por conteúdos digeríveis e sedutores presentes nas mídias
eletrônicas a partir do século XX. Está aberto o caminho para o que o autor chama de
“subversão do princípio da ‘publicidade’”, que passa a “trabalhar a opinião pública”
(grifos do autor) buscando um consenso fabricado. (1984, p. 228) O comportamento
eleitoral da população na social-democracia é um exemplo, para o autor, de como a
comunicação constrói a opinião não-pública. Habermas afirma que os líderes de opinião
nos Estados sociais democráticos são os mais ricos, mais cultos, bem colocados
socialmente e politicamente interessados e que os menos informados e mais apáticos e
indecisos tornam-se presas fáceis das campanhas eleitorais, sendo mobilizados ora para
um partido, ora para outro. Os eleitores indecisos são conquistados não pelo
esclarecimento ou pelas propostas, mas pela imagem “publicitariamente eficaz” dos
candidatos.
Ao longo da história, o governo representativo foi passando por uma série de
transformações. De acordo com Manin, a representação política, baseada na relação
entre o eleitorado e os partidos políticos, passou a ter outras características. Os partidos
já não se comprometem tanto com um programa político e a cada eleição o eleitorado
tende a votar de maneira diferente. As estratégias eleitorais se baseiam menos nos
partidos e mais nas imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. “Os
políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos
meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos
seus eleitores.” (MANIN, 1995, p. 5) Para o autor, a partir do final do século XX
vivemos uma crise de identificação entre representantes e representados e um declínio
da determinação da política pública por parte do eleitorado, o que Manin denomina de
democracia de público, na qual os eleitores tendem a votar em pessoas e não em
partidos.
Isso pode ser explicado pela influência dos canais de comunicação política que
modificam a relação entre representantes e representados, estabelecendo uma
comunicação direta que suplanta as mediações partidárias. Cada vez mais as decisões de
voto levam em conta a percepção do que está em jogo numa eleição específica, numa
dimensão reativa do voto. Os eleitores reagem mais do que se expressam nas urnas.
Desta forma, a escolha eleitoral cabe mais ao político do que ao próprio eleitor.
(MANIN, 1995, p. 27)
A imagem é um rótulo, uma marca que deve guiar a performance dos políticos e
muitos deles acabam se tornando prisioneiros de sua própria imagem, não podem
mudar. “A política, outrora, era ideias. Hoje, é pessoas. Ou melhor, personagens. Pois
cada
dirigente
parece
escolher
um
papel.
Como
num
espetáculo.”(SCHWARTZENBERG, 1978, p.1) A ideia da cultura do espetáculo surge
com Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo, uma crítica à moderna sociedade do
consumo, publicada pela primeira vez em 1967 e que ganhou destaque depois dos
acontecimentos de maio de 1968. Numa sociedade das aparências, Debord aborda a
negação da cultura, como a própria negação da vida real (1997).
Na política do espetáculo, a publicidade ocupa um lugar de destaque. As
técnicas de marketing político, aquele cuja estratégia permanente é manter o contato
com o cidadão, e eleitoral, destinado a vencer uma eleição em particular, são
amplamente utilizadas para motivar o eleitor ao voto. Em Formas persuasivas de
comunicação política, Neusa Demartini Gomes confirma a tendência de personalização
da política contemporânea até mesmo em países desenvolvidos, o que até pouco tempo
atrás acontecia mais frequentemente em países com altos índices de analfabetismo. Esta
prática vinha justificada pela afirmação de que os povos mais atrasados intelectualmente
não podem sentir atração pelo programa político de um partido, que é algo bem mais
complexo, e que poucos chegam a entendê-lo. Porém, atualmente, o que se nota como
tendência universal, independente de estágio de desenvolvimento social e, no mundo
todo, democrático ou não, é a personalização em que os políticos estão apostando para
motivar o eleitor ao voto. (GOMES, 2000, p. 41)
Com candidatos e partidos cada vez mais semelhantes, numa espécie de
supermercado político, nas palavras de Gomes, a escolha do produto, neste caso leia-se
candidato, é feita muito mais por impulso. Neste contexto, é importante analisar como
os meios de comunicação têm reproduzido este modelo de democracia capitalista.
2. CAMPANHA ELEITORAL 2012 EM CURITIBA
Nas eleições para a Prefeitura Municipal de Curitiba de 2012, participam oito
candidatos: Luciano Ducci (PSB), Ratinho Júnior (PSC), Gustavo Fruet (PDT), Rafael
Greca (PMDB), Bruno Meirinho (PSOL), Alzimara (PPL), Avanilson (PSTU) e Carlos
Morais (PRTB). Tomando este cenário real como base, os estudantes de uma turma do
segundo ano de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da PUCPR foram
convidados a planejar e produzir um programa de rádio para o horário eleitoral gratuito.
Divididos em nove equipes com cinco integrantes em média, os estudantes passaram a
observar o desempenho dos candidatos na campanha, seja no rádio, na televisão, nas
ruas ou em eventos. Cada equipe deveria observar um candidato e criar uma versão
fictícia do mesmo. A nona equipe deveria criar um candidato fictício cujo perfil se
distanciasse das referências existentes na campanha real, já que existiam somente oito
candidatos disputando a prefeitura.
A primeira tarefa solicitada aos grupos foi que desenvolvessem uma pesquisa
sobre o histórico e perfil do candidato, sobre seu partido, coligação e propostas de
governo apresentadas na disputa pela Prefeitura de Curitiba. Em seguida, eles deveriam
criar um personagem, com nome diferente, mas histórico e perfil semelhantes. As
equipes apresentaram então os briefings de campanha, contendo os pontos fracos e
fortes de seu candidato e estratégias que pretendiam desenvolver. Delineadas essas
características, os estudantes realizaram uma pesquisa sonora para desenvolver a linha
de identificação sonora da campanha. As equipes foram motivadas então a observar o
horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, analisando também o posicionamento
dos candidatos entre si: quem eram os candidatos atacados, por quem e por qual motivo.
Como resultado da observação, foi solicitado a cada estudante que redigisse um diário
de bordo sobre os aspectos que mais haviam chamado sua atenção nos programas
eleitorais do candidato observado. O passo seguinte foi a apresentação dos candidatos
fictícios por cada uma das equipes para o restante da turma, com o objetivo de facilitar o
aspecto relacional dos conteúdos, isto é, a possibilidade de críticas e ataques, assim
como defesas, durante o horário eleitoral. Somente após essa aproximação, as equipes
iniciaram a roteirização dos programas e a gravação de jingles e locuções.
Diferente da campanha real, os programas de rádio dos candidatos fictícios
teriam tempos iguais, de cinco minutos de produção, para que os grupos pudessem
exercitar ainda mais a criatividade e os diferentes formatos radiofônicos nas produções.
Os programas deveriam ter apresentadores, fala do candidato, posicionamento em
relação aos demais com ataque e/ou defesa, além de outros quadros, e o uso de formatos
informativos, como entrevistas, enquetes e agenda do candidato; publicitários, como
jingles, slogans e testemunhais; e de entretenimento como quadros de humor, uso de
personagens fictícios e/ou mascotes, leituras dramáticas e até radio-drama.
2.1 IMPRESSÕES SOBRE OS CANDIDATOS E SOBRE A POLÍTICA
Na pesquisa inicial sobre Luciano Ducci, a equipe constata que para tentar a
reeleição, o candidato filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) representa a
coligação “Curitiba Sempre na Frente”, com os partidos PSB, PSDB, PPS, DEM, PP,
PSD, PTB, PRB, PSL, PTN, PSDC, PHS, PMN, PTC e PRB, tendo como vice o
deputado federal Rubens Bueno do PPS. E encontra em suas pesquisas a afirmação:
“Desde a refundação do PSB em 1985, o partido apresenta os mesmos propósitos
socialistas e democráticos” (PSB, 2012). Inicialmente a equipe repete esse discurso do
partido para apresenta-lo, mas numa análise posterior percebe que a campanha se
distancia desses ideais. Analisando mais de perto o programa no Horário Eleitoral
Gratuito, os estudantes concluem em seus diários de bordo:
“o partido que ele faz parte tem uma tradição política e força emergente em todo o país
(...), porém a visão de Ducci é mais ligada ao neoliberalismo. Percebe-se que boa parte
do socialismo que teoricamente faz parte dos princípios do PSB está sendo ocultado”
(A.P.S.B., 2012).
“Ducci integra o PSB – Partido Socialista Brasileiro, porém não fala e esconde a
influência socialista de seu partido” (T.M., 2012)
“Luciano é do Partido Socialista Brasileiro, porém não fala em socialismo, esconde o
nome ‘socialista’ de seu partido e defende o neoliberalismo” (R.C., 2012)
Os estudantes notam também uma campanha construída com base no apoio do
atual governador Beto Richa e mencionam as acusações de uso da máquina
administrativa e falta de transparência contra o atual prefeito em sua campanha pela
reeleição.
Sobre o candidato Ratinho Jr., uma segunda equipe constata logo nas primeiras
observações, que a campanha explora a figura do pai do candidato, o apresentador de
televisão Ratinho, para construir uma imagem “populista e carismática”, o que nos
remete ao conceito de dominação carismática em Weber (1999). O autor diz que
existem três tipos de dominação política exercidos sob diferentes sistemas de
representações coletivas: tradicional, carismática e burocrática. Seja pela tradição, pelas
normas e leis ou pelo carisma, esses poderes necessitam de mecanismos de legitimação.
A liderança carismática pode ser definida como um mecanismo de origem sociocultural
que envolve a fusão do real e do imaginário, dos mitos e crenças de uma população. Em
sua forma “pura”, o carisma jamais poderia ser uma fonte de ganhos privados, ou troca
de prestações e contraprestações. E é daí que surge a primeira contradição e dificuldade
na aplicação do conceito de líder carismático aos comunicadores que usam os veículos,
como o rádio, para se eleger. O carisma se aplica muito bem ao comunicador, que diante
do microfone demonstra seu poder de oratória, consegue solucionar problemas
emergenciais de seus ouvintes, escuta histórias tristes, consola. (WEBER, 1999)
Outros aspectos notados pela equipe que acompanhou a campanha de Ratinho Jr. é que
seu discurso está focado no eleitor jovem e na classe C. Um dos integrantes da equipe
analisa as propostas do candidato como tendo certa coerência com o partido:
“Declarou em 2010 ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse não ser
homofóbico, mas afirmou que casamento é uma questão religiosa’ e que não podemos
confundir liberdade com libertinagem’. Fatos como esse descrevem como o candidato
se relaciona com o partido. Defende os ideais da igreja, mas de algum modo os
mascara.” (R.F., 2012)
Outro estudante relata que vê o candidato Ratinho Jr. como “um político jovem
que não trabalha com a política tradicional e sua comunicação reflete esse pensamento,
pois está bem ligada ao mundo digital e interativo” (R.F.F., 2012). Já outros alunos da
equipe analisam o contexto de forma mais crítica:
“Ele não pode ser considerado nem de esquerda, nem de direita, mas tenta agradar a
todos. Seu discurso foca no ‘inovar’ a administração de Curitiba, saúde, segurança e
educação. Não apresenta nada realmente inovador” (G.L., 2012)
“Os principais argumentos (dos adversários) são a suposta inexperiência do candidato,
suas votações em temas polêmicos na Câmara dos Deputados e algumas posições tidas
como conservadoras, como sua postura contrária ao casamento gay e à adoção de
crianças por casais homossexuais” (G.R., 2012)
“Resumindo bem, Ratinho Jr. está utilizando-se de seus conhecimentos de
comunicação, pois trabalha com publicidade, para aumentar ainda mais o carisma que
tem com a massa dominante adquirida por seu pai, para conquistar um maior número de
votos e levar Curitiba mais uma vez para o fundo do poço. Enriquecendo a elite
abastada e desfavorecendo o povo ignorante que vota em seu nome como prefeito da
cidade”. (G.R., 2012)
Já a equipe responsável pelo acompanhamento da campanha de Gustavo Fruet
percebe o candidato como o que possui maior rejeição no cenário eleitoral. Atribui isso
ao fato de Fruet ter sido historicamente um crítico do PT e do governo federal nos dois
últimos mandatos, por causa das denúncias do mensalão, e ter “virado a casaca” na
campanha eleitoral de 2012. A aliança com o PT acabou gerando rejeição do eleitorado,
segundo os estudantes. Apresentando algumas propostas do candidato, como a do
consumo consciente e da segurança alimentar, notam assuntos complexos e uma fala
prolixa por parte de Fruet, concluindo que se trata de um político pouco carismático.
Lembrando que Gustavo é filho do falecido ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do
Paraná, Maurício Fruet, notam que ele “apela pouco” para o nome de seu pai na
campanha.
Sobre a campanha de Rafael Greca, a quarta equipe identifica seu
posicionamento de oposição em relação ao atual prefeito, repetindo frases ouvidas no
programa de rádio:
“Nessas eleições, a campanha mais cara de Ducci será derrotada pela mais simples e
inteligente de Greca (...) Quanto mais pobre for a minha campanha, mais rica será a
nossa prefeitura. Vote independente, vote com a cabeça e o coração” (GRECA citado
por J.M., 2012)
Os estudantes mencionam a experiência do candidato como ex-prefeito de
Curitiba, ex-deputado federal e ex-ministro do Esporte e Turismo, sem citar questões
polêmicas de seu histórico político, como o fato de seu mandato como prefeito ter sido
enquanto partidário do grupo político de Jaime Lerner, adversário histórico do senador
Roberto Requião (PMDB) e as denúncias de irregularidades que o envolveram durante
sua atuação como ministro, nas comemorações pelos 500 anos do descobrimento do
Brasil. Caso tivessem conhecimento desses fatos poderiam ter percebido contradições
nos discursos reproduzidos em seus diários de bordo, ouvidos no programa de rádio do
Horário Eleitoral Gratuito, como:
“Curitiba não pode aceitar a atual política neoliberal e de excessivas terceirizações
adotada pela atual gestão municipal” (GRECA citado por J.M., 2012)
“É preciso que nossa cidade readquira a criatividade, a inventividade e o respeito que
ela sempre teve diante de todas as outras cidades brasileiras. O Rafael Greca é um
engenheiro experiente, já foi prefeito, um bom prefeito e se soma agora ao nosso velho
MDB de guerra” (REQUIÃO citado por J.M., 2012)
Nas citações reproduzidas, Greca aparece criticando uma prática que era comum
na gestão do ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, na ocasião seu aliado político, a
quem ele próprio sucedeu e que depois viria a ser governador do Paraná. Na época, o
autor dessas mesmas críticas era Roberto Requião, governador do Estado enquanto
Lerner e Greca foram prefeitos. Atualmente, tendo Greca em seu partido, Requião se
refere a Greca como um candidato experiente, que foi um bom prefeito, e cuja
inventividade daquele passado, antes rejeitada, precisa voltar à prefeitura.
Essa distância dos temas políticos demonstrada pela maioria dos estudantes,
assim como o caráter opaco dos fatos políticos, podem ser melhor compreendidos a
partir de Bourdieu. O autor explica que essa abstenção e até mesmo o apolitismo
expressam uma revolta perante a política, uma contestação do monopólio dos políticos.
O habitus do político supõe uma preparação especial, uma aprendizagem necessária
para adquirir o corpus de saberes como o domínio de uma certa linguagem e de uma
certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações entre profissionais
(BOURDIEU, 2003, p.169). É preciso saber as regras do jogo e saber jogar. Essa
dinâmica é o próprio processo de reprodução do jogo. Em outras palavras, Bourdieu
descreve um jogo em que os políticos estão concorrendo entre si, ao mesmo tempo em
que são de certa forma aliados, e do outro lado estão os cidadãos, numa estrutura
triádica. A relação entre representantes e representados é mediatizada pelos
concorrentes e, por outro lado, essa concorrência é dissimulada quando os
representantes se veem obrigados a defender os interesses de seus representados. As
tomadas de posição, portanto, são sempre realizadas de forma relacional, “dependem do
sistema de tomadas de posição propostas em concorrência pelo conjunto dos partidos
antagonistas” (BOURDIEU, 2003, p.178). As decisões dependem de suas posições no
próprio campo. Essa complexidade das relações sociais presentes no campo político faz
com que a cultura política permaneça inacessível à maioria das pessoas.
Nas eleições de 2012 em Curitiba, os demais candidatos aparecem como
“nanicos”, ou seja, em posições subalternas dentro do próprio campo político. Os
estudantes percebem que sua presença é praticamente ignorada pelos candidatos que
lideram as pesquisas. Com pouco tempo no Horário Eleitoral Gratuito, surgem como
figuras exóticas e outsiders, utilizando o termo cunhado por Elias (2000). Bruno
Meirinho (PSOL) e Avanilson (PSTU), como candidatos que dividem os votos de uma
esquerda militante e socialista, Alzimara (PPL), como uma alternativa feminina, e
Carlos Moraes (PRTB), que apela para um discurso bíblico em seu programa de rádio,
após ter sua candidatura indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por um
conflito com seu próprio partido e que, por meio de um recurso, persistiu em continuar
na campanha, entrando com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Após recolher essas informações sobre candidatos, partidos e coligações,
observar os programas eleitorais, os estudantes iniciaram o processo de produção dos
programas. Embora não tenha sido concluída essa etapa até a finalização deste artigo, é
interessante mencionar que todas as equipes planejaram programas de rádio que
ironizavam a política e as eleições em diferentes medidas, seja na escolha do nome do
candidato fictício, como Rhói Bisneto e Gustavo Poutz, seja nas propostas, como a
campanha que prometia instituir a “hora da soneca” nas repartições públicas, ou mesmo
na escolha das trilhas sonoras para as paródias na produção de jingles, como o uso de
músicas sertanejas de sucesso como Balada, de Gustavo Lima. Mesmo estimulados a
planejar programas que desenvolvessem estratégias de comunicação factíveis, a
primeira tendência foi de criar campanhas no estilo “pastelão”, o que revela a forma
como a maioria dos estudantes do grupo encara a política.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atual democracia representativa, a mídia tem como prerrogativa tornar os
candidatos visíveis a um público amplo e a política ganha contornos de espetáculo, cada
vez mais personalista, em processos eleitorais que tornam as diferenças ideológicas
opacas e quase nulas. A campanha eleitoral pode ser considerada o ápice ou o fundo do
poço da “despolitização” da política. Essa ideia de desordem, remete-nos à visão de
Goran Therborn sobre como operam as ideologias. Para o autor, as ideologias são
processos sociais em curso, que constituem e reconstituem todo o tempo nossa
identidade e nos interpelam. Um homem pode atuar com um número quase ilimitado de
sujeitos, que constituem diferentes subjetividades, de acordo com cada papel
desempenhado na vida social. Em cada uma dessas subjetividades é interpelado de
diversas formas pelas ideologias, em termos do que é certo e do que é possível para esse
sujeito. As ideologias competem e se chocam o tempo todo em nosso cotidiano, diante
da complexidade das situações sociais concretas. E também sobrepõem-se, influenciamse e contaminam-se umas às outras (THERBORN, 1987, p.63-65) Portanto, as
ideologias não são recebidas como algo externo a um sujeito fixo e unificado e nem elas
mesmas tem esse caráter estável. "La lucha ideológica no se libra solo entre visiones
rivales del mundo. Es también una lucha por la afirmación de una determinada
subjetividad." (THERBORN, 1987, p.64).
A experiência de produzir um programa de rádio de um candidato fictício,
tomando por base um candidato real, tem sido enriquecedora para todos os envolvidos
(docente e discentes), porque nos revela como as ideologias operam de forma opaca e
oculta nos diferentes âmbitos de atuação social. Como futuros publicitários, mais do que
dominar as técnicas de comunicação e marketing eleitorais, os estudantes precisam
perceber-se como cidadãos e eleitores, sujeitos que necessitam desenvolver sua
maturidade política. Ao tornarem-se comunicadores persuasivos a serviço deste ou
daquele candidato, é importante que tenham consciência de como opera a política e as
implicações de uma campanha eleitoral, para que não sejam somente mais um
instrumento utilitário, e sim senhores de sua atuação político-social. BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 2003.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997.
ELIAS, N.; SCOTSON, J.L. Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das Relações
de Poder a partir de uma Pequena Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
GOMES, N.D. Formas persuasivas de comunicação política: propaganda política e
publicidade eleitoral. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
HABERMAS,G. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Ed. Tempo
Brasileiro, 1984. (Biblioteca Tempo Universitário 76)
HIRST, P.. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1992.
MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, número 29, 1995, p. 5-34.
WEBER, M. Economia e sociedade : fundamentos da sociologia compreensiva.
Tradução de: R. Barbosa e K.E. Barbosa.Distrito Federal: Editora Universidade de
Brasília, 1999.
SCHWARTZENBERG, R.G. O estado espetáculo. Rio de Janeiro – São Paulo: Difel,
1978.
SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Ed. Fundo
de Cultura, 1961.
THERBORN, G. La ideología del poder y el poder de la ideologia. México: Siglo XXI,
1987.
SITES CITADOS
PSB. Disponível em www.psbnacional.org.br/fixa.asp?det=10. Acesso em 13 de
setembro de 2012.
Download

Confira o artigo aqui