LIVRO DOS GALARDOADOS COMO PRÉMIO SAKHAROV
QA-01-14-333-PT-C
LIVRO DOS
GALARDOADOS
COMO PRÉMIO
SAKHAROV
LIVRO DOS
GALARDOADOS
COMO PRÉMIO
SAKHAROV
PREFÁCIO
Martin Schulz
Presidente do Parlamento Europeu
O ano de 2013 foi rico, um ano excecional, para o prémio Sakharov. Quatro laureados
acorreram a Estrasburgo para receberem os seus prémios. Primeiro, as Mulheres de
Branco, em abril, depois Guillermo Fariñas, em julho, e, finalmente, Aung San Suu Kyi,
em outubro. Os quatro tinham sido declarados vencedores há alguns anos ou, no caso
da laureada birmanesa, há mais de 20 anos. A demora não aconteceu por vontade
própria: as autoridades dos respetivos países impediram-nos de se deslocarem para
receber o prémio. Por medo da sua coragem inabalável, da liberdade de pensamento
que encarnam e da sua capacidade de reanimar a chama da esperança em todos os
democratas.
O ano de 2013 foi também o ano da consagração da mais jovem laureada de sempre. Em
20 de novembro, Malala Yousafzai, de 16 anos, proferiu uma intervenção tocante a favor
dos direitos das crianças e, em particular, do acesso das raparigas à educação. Como os
outros laureados, Malala pagou muito caro a sua oposição às forças obscurantistas da
sua época. O seu combate quase a levou à morte e forçou-a ao exílio. Malala recebeu o
galardão por altura do 25.º aniversário do prémio Sakharov, rodeada pelos anteriores
laureados. Que belo símbolo para a rede Sakharov, que viu assim a juventude de Malala
juntar-se à vitalidade dos seus membros!
O ano de 2013 foi, portanto, encorajador. Mas não podemos fechar os olhos. Em
2014, temos assistido à persistência de conflitos em que as vítimas são atacadas
principalmente devido às suas ideias, às suas crenças, ao seu género ou à sua pertença
a uma minoria. Muitos laureados não puderam ainda receber o seu prémio. Razan
Zaitouneh, uma das vencedoras de 2011, foi raptada na Síria e não há ainda notícias
dela. O regime iraniano mantém Nasrin Sotoudeh e Jafar Panahi em prisão domiciliária,
enquanto o regime chinês tenta sistematicamente silenciar Hu Jia. Em 2014, o manto
de silêncio continua a pesar sobre aqueles que defendem a liberdade de pensamento.
Ao distinguir este ano o Dr. Denis Mukwege, escolhido de forma unânime, o Parlamento
Europeu premeia não apenas um médico devotado, mas sobretudo um homem de paz.
Não apenas um médico que trata do corpo, mas sobretudo um homem que se bate
pela dignidade das mulheres. Numa região onde a violação é uma arma de guerra e de
terror e num mundo onde as ameaças à liberdade das mulheres se multiplicam, o seu
empenho e a sua coragem são exemplares.
Encontram-se disponíveis mais informações sobre a União Europeia
na rede Internet, via servidor Europa (http://europa.eu)
Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2014
ISBN 978-92-823-5595-4
doi:10.2861/59053
© União Europeia, 2014
Reprodução autorizada mediante indicação da fonte
Printed in Belgium
IMPRESSO EM PAPEL BRANQUEADO SEM CLORO ELEMENTAR (ECF)
O PRÉMIO SAKHAROV
Atribuído
pela primeira vez em 1988 a Nelson Mandela e Anatoli
Marchenko, o Prémio Sakharov para a Liberdade de
Pensamento é o maior tributo prestado pela União
Europeia (UE) aos esforços desenvolvidos em prol
dos Direitos Humanos. O prémio reconhece pessoas,
grupos e organizações que tenham dado um contributo
relevante para a liberdade de pensamento. Por
intermédio da atribuição deste prémio e da rede que lhe
está associada, a União Europeia apoia os laureados, que
assim se sentirão estimulados e mandatados para lutar
pelas causas que defendem.
Até ao presente, o prémio foi atribuído a dissidentes,
dirigentes políticos, jornalistas, advogados, ativistas da
sociedade civil, escritores, mães, esposas, dirigentes de
minorias, um grupo antiterrorista, militantes pacifistas,
um ativista contra a tortura, um caricaturista, um
prisioneiro de consciência que cumpriu longos anos
de pena, um realizador, uma criança defensora do
direito à educação e até à própria Organização das
Nações Unidas (ONU) enquanto organismo. Destina-se
a recompensar, em especial, a liberdade de expressão,
a salvaguarda dos direitos das minorias, o respeito pelo
direito internacional, o aprofundamento da democracia
e o primado do Estado de direito.
O Parlamento Europeu atribui o Prémio Sakharov, no
valor de 50 000 euros, numa cerimónia solene que se
realiza durante uma sessão plenária, em Estrasburgo, no
final de cada ano. Os candidatos podem ser nomeados
por cada um dos grupos políticos do Parlamento
Europeu (PE) ou por um deputado, com o apoio,
no mínimo, de 40 deputados a cada candidato. Os
nomeados são apresentados numa reunião conjunta
da Comissão dos Assuntos Externos, da Comissão do
Desenvolvimento e da Subcomissão dos Direitos do
Homem, cabendo aos membros que integram estas
comissões parlamentares a votação de uma lista
restrita de três finalistas. A Conferência dos Presidentes,
órgão do PE dirigido pelo presidente que engloba os
dirigentes dos vários grupos políticos com assento
parlamentar, escolhe o vencedor ou vencedores do
Prémio Sakharov, o que faz da seleção dos laureados
uma escolha verdadeiramente europeia.
ANDREI
ANDREI SAKHAROV (1921-1989), físico de renome da URSS, ativista
SAKHAROV
A FONTE DE INSPIRAÇÃO
dos Direitos Humanos, dissidente político e paladino das reformas, aceitou a
ideia da instituição de um prémio com o seu nome como «um importante ato de
reconhecimento do meu trabalho em defesa dos Direitos Humanos», como o próprio
afirmou em carta dirigida ao Parlamento Europeu (1). Qualificou a instituição de prémios
desta índole como «útil», na medida em que isso chama «a atenção para o problema
dos Direitos Humanos, encorajando todos aqueles que deram o seu contributo para
esse propósito». O Parlamento Europeu anunciou a pretensão de criar este prémio no
quadro de uma resolução aprovada em dezembro de 1985.
DO PRÉMIO
Em 1980, Andrei Sakharov foi exilado no perímetro fechado da cidade de Gorky,
depois de ter publicamente protestado contra a intervenção militar soviética no
Afeganistão em 1979. Enquanto esteve no exílio, viveu sob apertada vigilância policial
das autoridades soviéticas e fez greve de fome duas vezes, para que autorizassem a
mulher a submeter-se a uma cirurgia ao coração nos Estados Unidos. Elena Bonner,
também condenada em 1984 ao exílio em Gorky, foi finalmente autorizada a viajar
até aos Estados Unidos para se tratar, em outubro do ano seguinte. O Parlamento
Europeu deu todo o seu apoio à família, tendo inclusive ponderado reservar um lugar
vazio no hemiciclo para Andrei Sakharov. Acabou por vingar a ideia alternativa, que
foi a instituição de um prémio epónimo. Sakharov foi o escolhido, porque se tratava
«um cidadão europeu que personificava a liberdade de pensamento e de expressão e
porque tinha decidido renunciar a todas as vantagens materiais e a todas as honras por
causa das suas convicções e da sua consciência», como declarou Jean-François Deniau,
relator da iniciativa, perante o Parlamento Europeu reunido em sessão plenária.
Pioneiro da física nuclear e pai da bomba de hidrogénio soviética, Andrei Sakharov
tinha 32 anos quando se tornou membro de pleno direito da Academia das Ciências
da URSS, passando a usufruir dos privilégios concedidos à «Nomenclatura», ou seja, à
elite da União Soviética.
Todavia, no final dos anos 50, Sakharov demonstrou uma cada vez maior preocupação
relativamente às consequências climáticas dos testes nucleares e às implicações
políticas e morais do seu trabalho, que poderia implicar a ocorrência de mortes
em massa.
O ponto de viragem da sua evolução política ocorreu em 1967, quando solicitou às
autoridades soviéticas que aceitassem uma proposta dos Estados Unidos para uma
rejeição bilateral do desenvolvimento dos sistemas de defesa antimísseis balísticos,
que Sakharov descreveu como uma ameaça de grandes proporções para uma guerra
nuclear à escala global no seu ensaio Reflexões sobre o Progresso, a Coexistência Pacífica
e a Liberdade de Pensamento, de 1968. As autoridades soviéticas rejeitaram o pedido
de Andrei Sakharov, baniram-no de toda a investigação militar ultrassecreta após a
publicação do ensaio e destituíram-no de todos os privilégios. Em 1970, tornou-se um
dos cofundadores da Comissão dos Direitos do Homem na URSS, tendo abraçado a causa
dos defensores dos Direitos Humanos e das vítimas dos julgamentos de caráter político
como a sua principal preocupação. Em 1972, casou-se com Elena Bonner, também
ela uma ativa defensora dos Direitos Humanos. Apesar da crescente pressão exercida
pelo Governo, Sakharov não só reclamou a libertação dos dissidentes no seu país, mas
também viria a tornar-se um dos mais corajosos opositores ao regime, personificando
a luta contra a privação dos direitos fundamentais. Nas palavras do Comité do Prémio
Nobel, que o agraciou com o Nobel da Paz em 1975, Sakharov foi «um porta-voz da
consciência da Humanidade». Não foi autorizado a deslocar-se para receber o prémio,
mas nem a repressão nem o exílio conseguiram quebrar a sua resistência.
Como já foi dito, o prémio foi criado por uma resolução do Parlamento Europeu
aprovada em dezembro de 1985. Um ano depois, Mikhail Gorbachev, que lançara a
perestroika e a glasnost na União Soviética, autorizou Andrei Sakharov e Elena Bonner
a regressarem a Moscovo. Foi nesta cidade que Sakharov viria a morrer, em dezembro
de 1989.
Em 2013, o prémio com o seu nome comemorou um quarto de século de existência
de apoio aos Direitos Humanos, tendo ultrapassado todas as fronteiras, mesmo as de
regimes opressores, para distinguir os ativistas dos Direitos Humanos e os dissidentes
de todo o mundo. Os defensores dos Direitos Humanos reconhecidos pela atribuição do
prémio pagaram caro o seu empenho na defesa da dignidade humana: muitos foram
perseguidos, espancados, deportados ou privados da liberdade. Em várias ocasiões, os
laureados não foram sequer autorizados a receber o prémio presencialmente.
Foi esse o caso, por exemplo, da vencedora do Prémio Sakharov de 2012, Nasrin
Sotoudeh, que, da prisão de Evin, no Irão, na qual à época se encontrava detida,
escreveu cartas a Andrei Sakharov, entretanto falecido, em que indagou filosoficamente
o significado da dissidência, estabelecendo um paralelo entre a sua própria causa e a
causa de Sakharov.
«A renovação da vida e da resistência que quotidianamente demonstrou são
admiráveis. As suas conquistas representaram um gigantesco triunfo para os
defensores da liberdade em todo o mundo. Que os vindouros saibam concretizar os
sonhos que deixou por realizar».
(1) As cartas de Andrei Sakharov
citadas nesta publicação integram
o espólio dos Arquivos Históricos do
Parlamento Europeu.
PRÉMIO SAKHAROV
OS LAUREADOS
A REDE DO PRÉMIO SAKHAROV
(RPS) congrega vencedores
do Prémio Sakharov e deputados ao Parlamento Europeu. Foi criada em 2008, ano em
que o prémio comemorou o seu 20.º aniversário. A criação da rede veio reconhecer «o
papel especial dos vencedores do Prémio Sakharov na sua qualidade de embaixadores
da liberdade de pensamento», tendo os seus membros «concordado com o reforço dos
esforços conjuntos em prol dos defensores dos Direitos Humanos em todo o mundo
através de ações comuns dos vencedores do Prémio Sakharov, desenvolvidas em
conjunto e sob a égide do Parlamento Europeu».
Por ocasião do 25.º aniversário do prémio, em 2013, a rede promoveu uma conferência
para debater o aprofundamento dos seus objetivos. Vinte dos laureados, bem
como os representantes de África, da Ásia, da Europa, da América Latina e do Médio
Oriente, reuniram-se com o presidente e com deputados ao Parlamento Europeu,
com outros representantes de instituições, serviços e agências da União Europeia,
com ONG, organizações internacionais, jornalistas e estudantes, no quadro de um
intenso colóquio de três dias, durante o qual também se debateu a atribuição do
Prémio Sakharov de 2013, no Dia Mundial da Criança, a Malala Yousafzai, a primeira
personalidade a ser galardoada antes de atingir a idade adulta.
A conferência culminou numa declaração em que os membros da rede reiteraram
o seu apoio, quer coletiva, quer individualmente, a campanhas de promoção dos
direitos fundamentais a nível internacional, em concertação com a sociedade civil e
as organizações internacionais, incluindo a campanha pelo fim da violência exercida
sobre as crianças e pelo fomento da educação infantil. A declaração frisa a necessidade
da existência de solidariedade e coordenação entre os defensores dos Direitos
Humanos, exortando todos os membros da rede a agirem como sistema de alerta para
casos de violação dos Direitos Humanos à escala mundial. A União Europeia, por seu
turno, é instada a firmar um compromisso diplomático de grande alcance em relação
aos membros da rede nas suas representações espalhadas pelo mundo, tendo em vista,
designadamente, a proteção dos vencedores do Prémio Sakharov e dos defensores dos
Direitos Humanos que se encontrem em perigo.
A RPS pretende agora dar seguimento aos seus compromissos através de ações no
terreno que visem aumentar o grau de sensibilização para os temas relacionados
com os Direitos Humanos e as suas violações. Os elementos que a integram também
promovem a organização de palestras Sakharov em todos os Estados-Membros da
União Europeia e participam em campanhas internacionais e eventos de sensibilização
para esta problemática, apoiando ativistas da sociedade civil e defensores dos
Direitos Humanos.
2014
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
Denis Mukwege
Malala Yousafzai
Nasrin Sotoudeh e Jafar Panahi
«Primavera árabe» (Mohamed Bouazizi, Asmaa Mahfouz, Ahmed El Senussi, Razan Zaitouneh
e Ali Ferzat)
Guillermo Fariñas
«Memorial» (Oleg Orlov, Sergei Kovalev e Ludmila Alexeieva, em nome de «Memorial» e de todos os
outros defensores dos Direitos Humanos na Rússia)
Hu Jia
Salih Mahmoud Mohamed Osman
Alexander Milinkevich
«Damas de branco», Hauwa Ibrahim e Repórteres Sem Fronteiras
A Associação de Jornalistas da Bielorrússia
Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas, e todo o pessoal desta organização
Oswaldo José Payá Sardiñas
Izzat Ghazzawi, Nurit Peled-Elhanan e Dom Zacarias Kamuenho
A plataforma cívica «¡Basta Ya!»
Xanana Gusmão
Ibrahim Rugova
Salima Ghezali
Wei Jingsheng
Leyla Zana
Taslima Nasreen
Oslobodjenje
As Mães da Praça de Maio
Adem Demaçi
Aung San Suu Kyi
Alexander Dubček
Nelson Rolihlahla Mandela, Anatoli Marchenko (a título póstumo)
2014
DENIS
MUKWEGE
DENIS MUKWEGE
é um médico congolês que dedica a sua vida à
reconstrução dos corpos e das vidas de dezenas de milhares de mulheres e raparigas
congolesas, vítimas de violações coletivas e de violência sexual brutal na guerra em
curso na República Democrática do Congo.
Nascido em Bukavu em 1955, Mukwege estudou medicina e fundou o serviço de
ginecologia do Hospital Lemera na parte oriental da República Democrática do Congo.
O médico fugiu para Bukavu e aí abriu um hospital composto por tendas, tendo
construído uma nova maternidade e um bloco operatório. Porém, tudo foi destruído
em 1998 durante a segunda guerra do Congo.
Sem se deixar demover, Mukwege voltou a construir o seu hospital, desta vez em Panzi,
trabalhando horas a fio e preparando os funcionários para o tratamento de mulheres
que tivessem sido vítimas dos combatentes, os quais haviam «declarado as mulheres
como seu inimigo comum». Mukwege já tratou mais de 40 mil mulheres desde que o
hospital abriu pela primeira vez em 1999, altura em que recebeu a sua primeira vítima
de violação apresentando feridas de balas nas coxas e nos órgãos genitais. Algumas
semanas depois, dúzias de mulheres dirigiram-se ao hospital, afirmando terem sido
violadas e torturadas.
«Comecei a perguntar-me o que é que se estava a passar», declarou Mukwege à
BBC. «Estes não eram apenas atos violentos de guerra, mas antes, parte da própria
estratégia... Várias pessoas foram violadas simultânea e publicamente. Uma aldeia
inteira pode ser violada durante a noite. Deste modo, eles não causam apenas
sofrimento às vítimas, mas também a toda uma comunidade, que é forçada a assistir.
Como consequência desta estratégia, as pessoas veem-se obrigadas a abandonar a sua
aldeia, os seus campos, os seus recursos, tudo».
Mukwege é reconhecido internacionalmente como sendo um perito na reparação
dos danos patológicos e psicossociais resultantes da violência sexual. O hospital Panzi
disponibiliza cuidados físicos e psicológicos, ajudando as mulheres a desenvolverem
novas competências para a vida e as raparigas a voltarem à escola. É também
providenciado o apoio jurídico necessário para levar os seus agressores a tribunal.
O médico congolês tem vindo a lutar incansavelmente pela defesa dos direitos da
mulher e pelo fim da violência gerada em torno da disputa pelos recursos naturais do
Congo. O próprio Dr. Mukwege também se tornou vítima quando, em 2011, homens
armados invadiram a sua casa e apontaram uma arma à sua filha. O seu guardacostas foi morto, mas Mukwege conseguiu fugir com a família para a Suécia e para a
Bélgica. Em 2013, regressou à República Democrática do Congo depois de um grupo
de mulheres, a viver com menos de um dólar por dia, se juntar para lhe comprar um
bilhete de volta a casa.
Mukwege encontra-se presentemente a viver no hospital Penzi, no qual exerce a
função de diretor.
2013
MALALA
YOUSAFZAI
MALALA YOUSAFZAI
é uma jovem paquistanesa de 17 anos, que
os talibãs balearam no rosto em 2012 para impedirem que ela e outras raparigas
pudessem ir à escola. Sobreviveu aos ferimentos graves e, em 2013, tornou-se a mais
jovem laureada de sempre com o Prémio Sakharov.
Malala Yousafzai dedicou o prémio aos «heróis desconhecidos do Paquistão», numa
apologia arrebatadora do direito de todas as crianças à educação.
«Muitas crianças não têm nada para comer, não têm água para beber e desejam
ardentemente poder ir à escola. É alarmante o facto de 57 milhões de crianças estarem
privadas de educação. É um facto que deve abalar a nossa consciência», disse Malala aos
representantes de 28 nações num Parlamento superlotado e na presença excecional de
quase todos os laureados com o Prémio Sakharov, reunidos por ocasião da conferência
comemorativa do 25.º aniversário da entrega do prémio. «Uma criança, um professor,
uma caneta e um livro podem mudar o mundo», afirmou nessa ocasião.
A luta de Malala em prol da educação começou aos 11 anos de idade, quando escreveu
um diário anónimo em linha sobre o quotidiano escolar de uma jovem sob o regime dos
talibãs, no Vale de Swat, no Paquistão. Em 2009, os Talibãs decretaram o encerramento
de todas as escolas femininas, no momento em que o exército paquistanês lutava pelo
respetivo controlo. Malala e a família tiveram de fugir da sua cidade natal sitiada, onde
a escola foi completamente destruída.
Ao voltar a casa depois de a situação ter melhorado em termos de segurança, Malala e
o pai, Ziauddin, que dirigia uma escola feminina, continuaram a defender a educação
das raparigas, contra todas as ameaças. Malala utilizou uma doação para comprar
um autocarro escolar, precisamente o autocarro em que ela foi baleada e outras duas
jovens feridas no atentado reivindicado pelos talibãs.
Malala sobreviveu e tornou-se militante empenhada na causa da educação das
raparigas, cofundadora do Fundo Malala e membro do Comité de Crise da Educação
para a Juventude, instituído pelo enviado especial da ONU para a Educação em todo o
Mundo, Gordon Brown, que conjetura que, ao ritmo atual, a última rapariga a começar
a frequentar a escola entrará em 2086, e não em 2015, como constava dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio.
«No Islão, as meninas podem frequentar o ensino. É dever e responsabilidade de
qualquer pessoa, seja menino ou menina, aceder à educação e ao conhecimento»,
diz Malala.
A ONU escolheu o seu dia de aniversário, 12 de julho, para instituir o Dia Malala. Em
2014, Malala Yousafzai festejou o dia de anos na Nigéria, encontrando-se com alunas
que escaparam ao rapto do grupo terrorista Boko Haram em Chibok, confortando as
famílias das 219 jovens que ainda se encontram sequestradas e pedindo ao presidente
Jonathan uma ação mais empenhada. Malala expressou também solidariedade em
relação às crianças envolvidas nos conflitos na Síria e em Gaza.
2012
NASRIN
SOTOUDEH
NASRIN SOTOUDEH
é uma advogada iraniana de Direitos Humanos
que esteve entre os poucos que defenderam os manifestantes detidos nos protestos
em massa de 2009 e que participou em outros importantes processos políticos
relacionados com Direitos Humanos, antes de sua própria detenção em 2010.
Quando foi distinguida com o Prémio Sakharov em 2012, Nasrin Sotoudeh cumpria o
segundo de uma pena de prisão de seis anos na tristemente célebre cadeia iraniana de
Evin e estava na altura numa greve de fome de sete semanas, regime de prisão solitária,
em protesto contra as pressões judiciais exercidas sobre a família.
Não obstante o estado de extrema fraqueza e fragilidade, encontrou força e coragem
para escrever uma mensagem memorável ao Parlamento Europeu, que foi lida em seu
nome na cerimónia de entrega pela sua colega e amiga Shirin Ebadi, laureada com o
prémio Nobel da Paz.
Nasrin Sotoudeh afirmou: «A história dos Direitos Humanos e dos mecanismos para a
sua salvaguarda tem origens longínquas, mas a sua concretização depende ainda, em
larga medida, das intenções dos governos, que são os maiores violadores dos Direitos
Humanos». Sotoudeh identificou estas violações como a causa principal da onda
revolucionária que varre o Médio Oriente. Dirigindo-se aos defensores dos Direitos
Humanos e aos prisioneiros políticos, acrescentou: «Tal como vós, também eu sei que a
democracia ainda tem um longo e difícil caminho a percorrer».
Inesperadamente, Nasrin Sotoudeh foi libertada em setembro de 2013, facto que foi
saudado pelo presidente M. Schulz como «um importante sinal positivo dado pelas
autoridades iranianas e, em particular, pelo recém-eleito presidente Hassam Rouhani».
Em dezembro de 2013, encontrou-se com a primeira delegação do Parlamento Europeu
a visitar o Irão em seis anos. N. Sotoudeh debruçou-se sobre o problema dos presos
políticos e denunciou os julgamentos realizados em tribunais revolucionários, e não
em tribunais comuns, como falta de transparência. Ela solicitou à delegação que
questionasse as autoridades iranianas sobre este assunto. A delegação foi informada
de que os tribunais revolucionários foram instituídos para julgar os crimes contra o
Estado e, portanto, não foi possível efetuar qualquer alteração. O encontro causou
furor entre os radicais iranianos, que acusaram Nasrin Sotoudeh e Jafar Panahi de
alimentarem a sedição.
A advogada porfia na defesa dos Direitos Humanos, dos direitos das mulheres e das
liberdades fundamentais. Em 2014, luta contra a exclusão do exercício da advocacia,
carreira por cuja prática lutou ao longo de vários anos, começando com a defesa de
menores contra a aplicação da pena de morte, uma causa que continua a acarinhar.
Em julho de 2014, quando eclodiu a guerra em Gaza, N. Sotoudeh lançou uma
campanha nos meios de comunicação social e nas redes sociais intitulada Stop Killing
Your Fellow Beings («Pare de matar os seus semelhantes»). Não pôde deslocar-se ao
Parlamento Europeu para receber o Prémio Sakharov ou para participar nos eventos da
RPS, uma vez que continua a estar proibida de deixar o Irão, mas Ebadi representou-a
na Conferência de 2013.
N. Sotoudeh tenciona permanecer no Irão e lutar pelas reformas a partir do interior.
2012
JAFAR
PANAHI
JAFAR PANAHI
é um cineasta iraniano vencedor de múltiplos prémios que
foi proibido de rodar filmes durante 20 anos.
Apoiante declarado do «Movimento verde» de oposição no Irão e crítico do então
presidente Ahmadinejad, foi condenado a uma pena de seis anos de prisão por
«propaganda contra a República Islâmica», embora a sentença não tenha chegado a ser
executada: não está preso; mas paira sobre ele a ameaça de uma detenção a qualquer
momento.
Foi detido em 2010, quando estava a rodar um filme clandestino sobre a fracassada
rebelião popular de 2009 do «Movimento verde». Embora libertado ao fim de três
meses, na sequência de protestos internacionais e de uma greve da fome, Jafar Panahi
foi então condenado a uma pena de prisão, proibido de fazer filmes, de viajar e de falar
para os meios de comunicação social.
J. Panahi disse à delegação do Parlamento Europeu que visitou no Irão em 2013 que
o seu testemunho e o do seu advogado foram ignorados durante o julgamento e que
o veredicto já estava decidido há muito tempo. Alertou igualmente a delegação para
o facto de as questões de Direitos Humanos estarem a ser negligenciadas, na medida
em que o mundo está concentrado no acordo nuclear com o Irão, e opinou que, uma
vez as sanções suspensas, a repressão no país vai aumentar. A nova flexibilidade da
cúpula dirigente iraniana só estava a ser aplicada aos negócios estrangeiros, e não
aos assuntos internos, afirmou J. Panahi, continuando a verificar-se pressões sobre a
imprensa, sobre os detidos e sobre a vida cultural.
Numa entrevista aos meios de comunicação social dada em julho de 2014, e desafiando
a proibição que lhe havia sido imposta, Jafar Panahi confessou que, quando foi proibido
de trabalhar, se sentiu como se tivesse sido libertado de uma pequena prisão e tivesse
sido enclausurado numa ainda maior.
Não obstante, J. Panahi desobedeceu duas vezes à proibição de realizar filmes. Em 2011,
rodou Isto não é um filme, que mostra o cineasta em casa, sentado à mesa da cozinha,
a falar com o advogado e à espera de ser detido. Em 2014, regressou à realização com
Cortina Corrida, em que a personagem principal é um guionista que vive sozinho com o
cão numa casa à beira-mar, com as cortinas permanentemente corridas.
J. Panahi não se concebe a si próprio como uma pessoa política, mas como alguém
que quer denunciar a injustiça. Manifestou-se contra a censura no Irão e criticou o
presidente Rouhani por não cumprir as promessas eleitorais neste domínio, tendo
lançado a campanha Passo a Passo, com o objetivo de pôr fim à pena de morte no país.
Jafar Panahi não pôde deslocar-se ao Parlamento Europeu, mas a filha, Solmaz, e os
realizadores Costa Gravas e Serge Toubiana representaram-no na cerimónia de entrega
do Prémio Sakharov e o presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos,
Karim Lahidji, na Conferência da RPS de 2013.
2011
MOHAMED
BOUAZIZI
MOHAMED BOUAZIZI
(1984-2011) foi o catalisador da Revolução de
Jasmim na Tunísia e uma inspiração para o movimento pró-democracia que varreu o
Médio Oriente e o Norte de África em 2011 conhecido como a «primavera árabe».
Ainda estava vivo, agonizante e envolto em ligaduras da cabeça aos pés, quando o
regime autoritário do presidente Zine al-Abidine Ben Ali, no poder desde 1987, se
começou a desmoronar.
Um trabalhador denodado oriundo de uma família pobre, M. Bouazizi foi a principal
fonte de sustento da sua família desde os 10 anos de idade, vendendo frutas no
mercado. Abandonou a escola aos 19 anos para poder pagar os estudos dos seus
irmãos mais novos.
Dez dias após a morte de M. Bouazizi, Ben Ali foi forçado a renunciar e a abandonar o
país, enquanto os manifestantes marchavam em Túnis, muitos deles transportando a
imagem de M. Bouazizi.
A 4 de janeiro de 2011, morreu com 26 anos, após se ter imolado pelo fogo em sinal de
protesto contra um sistema que o impedia, a ele e à sua família, de levar uma vida digna.
Por diversas ocasiões, M. Bouazizi havia sido vítima das forças policiais tunisianas, que
o multavam, confiscavam a sua mercadoria e as balanças, tendo até sido vítima de
violência. A família considera que foi a humilhação, e não a pobreza, que o levou a
imolar-se, após ter procurado justiça e esta lhe ter sido negada. M. Bouazizi regou-se
com combustível e acendeu um isqueiro à porta do município, na pequena cidade de
Sidi Bouzid. Homem popular conhecido por oferecer produtos às famílias mais pobres
e cuja situação despertou a simpatia geral, o seu ato gerou protestos que rapidamente
se espalharam, com tunisianos de todas as esferas sociais a invadir as ruas, protestando
contra um governo corrupto, o elevado desemprego e as restrições à liberdade.
O único consolo da família de Mohamed Bouazizi reside no facto de a sua morte não ter
sido em vão, pois o seu ato conduziu à chamada «revolução popular», abalou governos
despóticos na Tunísia e no resto do mundo árabe e sensibilizou os jovens árabes para a
possibilidade de expressarem as suas frustrações e lutarem pela sua dignidade quando
confrontados com a injustiça, a corrupção e os regimes autocráticos.
A «primavera árabe» e seu otimismo inicial abrandaram e verificou-se um retrocesso
em algumas das suas conquistas, mas, na sua terra natal, a Tunísia de M. Bouazizi, foi
aprovada uma Constituição democrática em 2014 e terão lugar, até o final do ano,
eleições legislativas e presidenciais.
2011
ALI
FERZAT
ALI FERZAT
é o mais famoso caricaturista e autor de sátira política da Síria e
uma das figuras culturais mais famosas do mundo árabe. Nascido em Hama, em 1941,
publicou mais de 15 mil caricaturas em jornais sírios e internacionais e foi premiado
por ter satirizado ditadores como Saddam Hussein e Muammar Khadafi, quando estes
governavam o Iraque e a Líbia, respetivamente. O trabalho de Ali Ferzat alargou os
limites da liberdade de expressão na Síria, ao visar as temíveis forças de segurança
do país. Em 2011, quando a «primavera árabe» chegou à Síria tornou-se mais direto
nos ataques a figuras do governo, em particular ao presidente Bashar al-Assad. Nas
manifestações contra o regime, os sírios empunhavam as suas caricaturaas nas
ruas. Depois de ter publicado um cartoon de Assad a pedir boleia ao ditador líbio
Khadafi, que fugia num carro a grande velocidade, foi atacado na praça Umayyad, em
Damasco, e violentamente agredido por um grupo de indivíduos encapuzados, que
deliberadamente lhe fraturaram ambas as mãos, em sinal de aviso por ter desrespeitado
o presidente al-Assad e desobedecido aos seus líderes. Inconsciente em consequência
da agressão, Ali Ferzat foi arrastado ao longo da estrada pelo carro para onde tinha sido
atirado, seguidamente empurrado e abandonado na rua.
A. Ferzat não só recuperou o uso das mãos, como rompeu a barreira do medo ao
tornar-se um dos mais acérrimos críticos do regime através das suas palavras e da
sua arte.
Impossibilitado de assistir à cerimónia do Prémio Sakharov em 2011 por estar a receber
tratamento das suas lesões no Koweit, o prémio ser-lhe-ia entregue por ocasião do
debate público da Rede do Prémio Sakharov realizado nas instalações do Parlamento
Europeu, em outubro de 2012, onde aproveitou o ensejo para debater com o presidente
do Parlamento Europeu e outros laureados a revolução em curso na Síria e o futuro da
democracia na sequência do despertar árabe. Na qualidade de premiado com o Prémio
Sakharov, dirigiu-se à primeira edição do Fórum Mundial da Democracia, em 2012, ano
em que foi igualmente eleito uma das 100 personalidades mais influentes do mundo
pela revista Time.
Em 2014, Ali Ferzat foi o orador principal do festival de cinema da Rede do Prémio
Sakharov One World Human Rights, em Praga, onde se encontrou com representantes
governamentais, dos meios de comunicação social e das ONG, trazendo o debate
sobre o conflito sírio para o centro da tragédia: num conflito em curso que já custou
a vida a centenas de milhares de pessoas e provocou milhões de deslocados estão as
esperanças humanas esquecidas de dignidade e liberdade.
2011
ASMAA
MAHFOUZ
ASMAA MAHFOUZ
é uma defensora dos Direitos Humanos egípcia e
uma das cofundadoras do movimento de jovens 6 de abril. Quando o Egito abraçou
a «primavera árabe», em 2011, Asmaa desafiou a repressão exercida pelo regime de
Mubarak sobre os ativistas e difundiu um apelo em vários meios sociais digitais para
que os egípcios reclamassem o respeito da liberdade, da dignidade e dos Direitos
Humanos através de um protesto pacífico na praça Tahrir, em 25 de janeiro de 2011.
O vídeo tornou-se viral, foi visto 80 milhões de vezes, e inspirou uma onda de vídeos
semelhantes, tendo como consequência a ocupação da praça Tahrir por centenas de
milhares de pessoas para reclamar o fim do regime de 30 anos de Hosni Mubarak no
Egito, o que viria a acontecer em 11 de fevereiro de 2011.
Na entrega do Prémio Sakharov, Asmaa Mahfouz considerou o prémio «uma
homenagem aos heróis da revolução. Um prémio para todos os jovens egípcios
que sacrificaram as suas vidas», tendo acrescentado: «Não os trairemos. Vamos, sim,
prosseguir o caminho que iniciaram. Queremos ter certeza de que este sonho se
tornará realidade».
Foi um dos principais oradores na reunião da Rede do Prémio Sakharov realizada em
Bruxelas, no Parlamento Europeu, e no primeiro Fórum da Democracia Mundial do
Conselho da Europa, em outubro de 2012, onde se debateu o desenvolvimento da
situação no Egito após a revolução.
Em 2014, com a eleição, no Egito, de um ex-chefe do Exército, Abdel Fattah al-Sisi,
para a presidência do país, após a deposição do presidente islamita Mohammed Mursi
em 2013 e um período de governo interino apoiado pelos militares, Asmaa asseverou
que estava a ser vítima de uma violência crescente, ameaças e vigilância. Uma forte
repressão exercida pelas autoridades visando, inicialmente, a Irmandade Muçulmana,
alargou-se para atacar vozes críticas e ícones de renome da revolução de 25 de janeiro,
em particular os ativistas do movimento 6 de abril. Asmaa Mahfouz disse que tanto ela
como outros ativistas foram atacados nos meios de comunicação social, acusados de
serem agentes estrangeiros e de ameaçar a segurança nacional, levando as pessoas a
insultá-la nas ruas.
Em abril de 2014, um tribunal egípcio proibiu o 6 de abril . Três dos dirigentes do
movimento de esquerda, Ahmed Maher, Mohammed Adel e Ahmed Douma, estão
a cumprir uma pena de três anos de prisão acusados, nomeadamente, de se terem
manifestado ilegalmente, contrariando a nova lei egípcia que restringe a liberdade
de manifestação, enquanto um quarto, Alaa Abdel Fattah, foi condenado a 15 anos, o
que fez reagir o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e a própria Asmaa
Mahfouz que, num tweet, escreveu: «Quinze anos por se ter manifestado? E os que
mataram? Nunca haverá um Estado enquanto isto continuar».
2011
AHMED
EL ZUBER
EL SENUSSI
AHMED EL SENUSSI
, nascido em 1934, é o prisioneiro de consciência
que mais anos esteve detido na Líbia. É familiar de Idris, o único rei da Líbia, deposto
pelo coronel Kadhafi em 1969.
Ahmed El Senussi foi acusado de conspiração numa tentativa de golpe de Estado
contra o regime de Muammar Kadhafi em 1970, tendo passado 31 anos na prisão, nove
dos quais em isolamento, numa cela tão exígua que lhe era impossível estar em pé. Foi
libertado em agosto de 2001, juntamente com dezenas de outros prisioneiros políticos.
Quando uma revolta popular apoiada pela OTAN derrubou o ditador líbio em 2011, o
Conselho Nacional de Transição (CNT) assumiu o governo do país e El Senussi, membro
do CNT, ficou encarregado dos presos políticos. No entanto, apesar das eleições, a
ilegalidade e a instabilidade permaneceram temas candentes da política na Líbia, com
diferentes fações a disputar o controlo das armas.
Benghazi, cidade de El Senussi, que havia sido posta de parte por Kadhafi, apoia
energicamente o federalismo, sistema que esteve em vigor durante a maior parte
do reinado do rei Idris. Em 2012, 3 mil delegados da região reuniram-se em Benghazi
para instituir o Conselho de Transição Cirenaica (CTC), do qual El Senussi foi nomeado
dirigente. O CTC pronunciou -se a favor de um elevado grau de autonomia para a região,
mas declarou aceitar o CNT como símbolo da unidade do país e seu representante
legítimo na arena internacional. Ora, não só a declaração do CTC não tem qualquer
valor jurídico, como o CTC não é apoiado por milícias, ao contrário do que acontece
com o outro grupo federalista principal com sede em Benghazi, o Bureau Político
da Cirenaica, chefiado por Ibrahim Jadhran, que pretende estabelecer um governo
paralelo, e de quem El Senussi se distanciou.
Ahmed El Zuber El Senussi e os líderes tribais que chefia defendem o federalismo
através de uma nova Constituição.
Em outubro de 2012, na reunião da Rede do Prémio Sakharov realizada no Parlamento
Europeu, El Senussi debateu com o presidente Martin Schulz, Asmaa Mahfouz e Ali
Ferzat as consequências da revolução e do conflito armado na Líbia e o futuro da
democracia nos países árabes na sequência da «primavera árabe». Na primeira edição
do Fórum Mundial da Democracia realizada no Conselho da Europa, Ahmed El Senussi
denunciou a ausência de um governo eficaz na Líbia e refutou as acusações de traição
que lhe foram feitas por ter apelado à instituição de um sistema federal, afirmando
que essas acusações se trataram de uma tentativa intencional de fazer uma leitura
errada da sua proposta e de manchar a reputação de todos quantos querem melhorar a
situação. Ahmed El Senussi participou na Conferência da RPS de 2013.
2011
RAZAN
ZAITOUNEH
RAZAN ZAITOUNEH
é uma jornalista síria e advogada no domínio da
defesa dos Direitos Humanos, que foi sequestrada numa zona controlada pelos rebeldes
nos subúrbios de Damasco, em 9 de dezembro de 2013. Continua desaparecida,
pensa-se que esteja bem, mas o seu paradeiro e os raptores são ainda desconhecidos.
Apesar de ameaçada, Razan Zaitouneh denunciou corajosamente as violações dos
Direitos Humanos pelo regime de Damasco e pelos rebeldes. Foi sequestrada com o
marido e também ativista Wael Hamada e dois colegas, o poeta e advogado Nazem
Hamadi e a ex-presa política Samira Khalil, no escritório dos dois grupos que fundou,
o Centro de Documentação de Violações e o Gabinete de Apoio ao Desenvolvimento
Local e aos Pequeno Projetos, em Douma.
Zaitouneh é uma das ativistas civis mais importantes e credíveis da revolução síria. O
seu rapto é considerado por analistas sírios como um episódio decisivo na cisão atual
na Síria entre as forças civis e os extremistas, e um evento que constituiu um golpe fatal
para a revolução síria.
RAPTADA EM DEZEMBRO DE 2013
A sua família já apelou à ajuda internacional para que Zaitouneh e os seus colegas
sejam encontrados.
«Nós, família de Razan Zeitouneh, militante dos Direitos Humanos, advogada, escritora
e, acima de tudo, um ser humano, fazemos esta declaração mais de três meses após
o sequestro deliberado e que nenhum partido ainda reivindicou, sobre o qual não
proferiu qualquer declaração ou apresentou pedido, numa clara tentativa de ganhar
tempo e de calar a voz livre da nossa filha, juntamente com os seus colegas, para os
forçar a deixar de escrever e para lhes coartar o direito à liberdade de expressão»,
declarou a família num comunicado divulgado em abril de 2014 e publicado pelo
Centro de Documentação de Violações.
Militantes e políticos de todo o mundo, incluindo o presidente Martin Schulz, têm
apelado à sua libertação: «Em nome do Parlamento Europeu, apelo à sua libertação
imediata... A sua vida foi ameaçada pelo regime e pelos grupos rebeldes por aquilo que
ela é, uma jovem corajosa que se recusa a ceder e continua a lutar pacificamente pela
democracia e uma Síria livre».
Os Repórteres Sem Fronteiras, laureados do Prémio Sakharov, e 45 outras ONG fizeram
um apelo conjunto para a sua libertação e dos ativistas com ela sequestrados.
Quando o prémio lhe foi atribuído, em 2011, Razan Zeitouneh vivia na clandestinidade,
depois de ter fugido de um ataque à casa onde vivia perpetrado por agentes de
segurança do Estado. Razan Zeitouneh consagrou o montante do Prémio Sakharov que
lhe foi atribuído a salvar a vida de um ativista atingido por disparos de um tanque.
2010
GUILLERMO
FARIÑAS
Doutorado em psicologia, jornalista independente, dissidente político e, atualmente,
GUILLERMO FARINÃS
porta-voz da oposição Unión Patriótica de Cuba,
fez 23 greves de fome ao longo dos anos, com o objetivo de promover uma mudança
política pacífica, a liberdade de opinião e a liberdade de expressão no seu país.
Como jornalista, fundou uma agência noticiosa independente, a Cubanacán Press, para
informar o resto do mundo sobre o destino dos prisioneiros políticos em Cuba, mas
acabou por ser forçado pelas autoridades a encerrá-la.
Em fevereiro de 2010, após a morte controversa do preso Orlando Zapata, Fariñas
iniciou uma greve de fome que durou 130 dias, para apelar à libertação dos presos
políticos que adoeceram na sequência dos muitos anos de cativeiro. Só pôs fim à greve
da fome em julho de 2010, após o Governo cubano ter anunciado que estava em vias
de libertar 52 presos políticos.
Guillermo Fariñas não pôde participar na cerimónia de entrega do Prémio Sakharov
de 2010, no Parlamento Europeu, porque não foi autorizado a sair de Cuba. Em julho
de 2012, foi detido por ocasião do funeral de outro dissidente cubano e vencedor do
Prémio Sakharov, Oswaldo Payá, tendo sido preso temporariamente.
Depois de o Governo cubano ter abrandado as restrições em matéria de viagens
impostas aos cubanos e na sequência do regresso das «Damas de branco» a Cuba,
Guillermo Fariñas dirigiu-se ao Parlamento Europeu, em julho de 2013, numa cerimónia
tardia de entrega do Prémio Sakharov realizada em sua honra.
No seu discurso de agradecimento, Fariñas afirmou: «Estou aqui, hoje, não porque a
situação tenha mudado fundamentalmente, mas por causa das realidades do mundo
moderno e, sobretudo, por causa da crescente desobediência civil dos cubanos que
obrigou o regime – para utilizar as palavras do lendário príncipe Dom Fabrizio de O
Leopardo – a “mudar tudo para que tudo fique na mesma”».
Fariñas participou ativamente na Conferência da RPS de 2013 e no debate do Fórum
Mundial da Democracia subordinado ao tema Solution Journalism in Action, durante
o qual destacou que os jornalistas «prosseguirão o seu trabalho para que as pessoas
em Cuba saibam o que se está a passar». Em 2014, foi preso várias vezes e brevemente
detido, ameaçado de morte e de internamento num hospital psiquiátrico, espancado
e hospitalizado.
2009
«MEMORIAL»
Nascida em 1927, Ludmila Alexeieva está à frente da organização e é uma das poucas
dissidentes da era soviética ainda no ativo na Rússia moderna, famosa por militar por
um julgamento justo dos dissidentes presos.
Oleg Orlov, um dos dirigentes da organização «Memorial» desde 1994 e membro do
respetivo Conselho, reuniu, em 2014, provas de raptos no leste da Ucrânia, à medida
que os separatistas pró-russos combatiam as forças ucranianas, descobrindo aí práticas
comparáveis aos sequestros que a «Memorial» documentou ao longo décadas durante
as duas guerras na Chechénia, onde ele próprio foi sequestrado.
OLEG ORLOV, SERGEI KOVALEV e LUDMILA ALEXEIEVA foram galardoados
com o Prémio Sakharov, em 2009, em nome da organização «Memorial» e de todos os outros defensores dos Direitos
Humanos na Rússia.
Esta organização foi fundada em 1988 com o objetivo de acompanhar e denunciar as violações sistemáticas dos
Direitos Humanos nos antigos países da URSS. Dos seus fundadores fazia parte Andrei Sakharov, que também
cofundou o Grupo de Helsínquia de Moscovo com Ludmila Alexeieva.
Sergei Kovalev, atual presidente da organização «Memorial», é conhecido por ter
negociado, em 1995, a libertação de cerca de 2 mil pessoas feitas reféns no ataque
ao hospital de Budennovsk pelos rebeldes chechenos, a única vez em que um ataque
terrorista na Rússia não implicou um assassinato em massa dos reféns. Kovalev acusa
a Rússia de interferir nos assuntos internos da Ucrânia e de provocar uma guerra civil
e congratula-se com facto de ver os «países civilizados a abandonar a sua indiferença
habitual», que, segundo ele, Putin aprendeu a explorar.
Os membros desta organização e os colaboradores mais próximos têm vindo a ser
ameaçados, sequestrados e assassinados ao longo dos anos. Em 2014, a «Memorial»
foi classificada como «agente estrangeiro» pelas autoridades russas, após terem sido
introduzidas alterações a uma lei de 2012, que permite às autoridades registar como
«agentes estrangeiros», sem o seu consentimento, as ONG que recebam fundos
do exterior.
Centenas de ONG foram afetadas por esta lei e nenhuma ONG independente se registou
voluntariamente como «agente estrangeiro», o que, na Rússia, significa «espião», tal
como declarado por Kirill Koroteev, advogado da «Memorial», à Subcomissão dos
Direitos Humanos do Parlamento. Orlov não esteve presente na Conferência RPS de
2013, para poder lutar contra esta lei em tribunal, mas a «Memorial» perdeu o caso e o
respetivo recurso.
A «Memorial» e outras ONG prosseguem agora essa luta no Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem. O Grupo Helsínquia-Moscovo também se recusou a registar-se
como «agente estrangeiro», tendo Alexeieva afirmado que iria continuar a trabalhar
em prol dos Direitos Humanos, sem contribuições exteriores.
Orlov discutiu a questão da tortura na Rússia nos debates públicos que tiveram
lugar durante o festival de cinema RPS-One World Film, em 2014, tendo Koroteev
representado a organização «Memorial» no Encontro Europeu da Juventude.
2008
HU
JIA
HU JIA
O dissidente chinês
encontrava-se detido e foi libertado quando o
Parlamento Europeu o galardoou, por ocasião do 20.º aniversário do Prémio Sakharov,
em virtude dos seus apelos à realização de um inquérito oficial sobre o massacre
ocorrido na praça de Tiananmen e à indemnização das famílias das vítimas, do seu
ativismo em prol do ambiente e do trabalho que desenvolveu na luta contra a sida. Em
2014, Hu Jia foi novamente sujeito a períodos de prisão domiciliária. Na realidade, tem
sido posto em prisão domiciliária todos os anos, por alturas do aniversário do massacre
da praça Tiananmen, em 4 de junho, desde que, em 2004, levou flores para a praça.
Desde 2 de julho de 2004, a sua casa, em Pequim, encontra-se sob vigilância diária,
24 horas por dia. Por vezes, nem sequer é autorizado a sair para comprar alimentos
ou remédios.
Em 2007, através de uma audioconferência, deu um corajoso testemunho à
Subcomissão dos Direitos do Homem do Parlamento Europeu, alertando para o milhão
de pessoas perseguidas pelo departamento de segurança nacional chinês por lutarem
pelos Direitos Humanos, encontrando-se muitas delas detidas em prisões, em campos
de trabalhos forçados ou em hospitais psiquiátricos.
Em consequência do seu testemunho, Hu Jia foi detido em 27 de dezembro de 2007,
acusado de «incitar à subversão contra o poder estatal», e condenado, em 3 de abril
de 2008, a três anos e meio de prisão, ao mesmo tempo que se viu privado dos seus
direitos políticos durante um ano.
Quando lhe foi atribuído o Prémio Sakharov, foi pressionado pela polícia de segurança
do Estado a renunciar ao galardão.
No entanto, Hu Jia aceitou corajosamente o prémio, qualificandoo de «importante
prémio para a China». Numa carta endereçada ao presidente do Parlamento Europeu
em julho de 2012, Hu Jia afirmou que considerava o prémio «uma grande honra», que o
encorajava e melhorava consideravelmente a forma como era tratado na prisão.
Libertado em junho de 2011, Hu Jia tentou, à saída da prisão, criar uma ONG para
lutar pelos Direitos Humanos, mas os seus membros foram presos. Atualmente, é
responsável por uma rede de cidadãos que reúnem numa assembleia política. Hu Jia é
igualmente coordenador do movimento dos «Advogados de pés descalços», um grupo
informal de consultores jurídicos que defendem os militantes dos Direitos Humanos
na China.
Em 2013, por ocasião do 25.º aniversário do prémio, a Declaração da Rede do Prémio
Sakharov exortava «as autoridades chinesas a porem termo às frequentes restrições
impostas a Hu Jia, galardoado com o Prémio Sakharov». O laureado foi impedido de
comparecer devido às limitações à sua liberdade impostas pelas autoridades chinesas e
foi representado pela sua mulher, também ela nomeada para o prémio Sakharov, Zeng
Jinyan, que realçou as dificuldades dos presos políticos e respetivas famílias. Em 2014,
as ameaças e o assédio a Hu Jia aumentaram de tal forma que a sua vida se encontra
em risco.
2007
SALIH MAHMOUD
MOHAMED OSMAN
SALIH MAHMOUD OSMAN
vinha, há mais de duas décadas, a
prestar assistência jurídica gratuita às pessoas detidas arbitrariamente, torturadas
e vítimas de graves violações dos Direitos Humanos no Sudão, quando, em 2007, o
Parlamento Europeu lhe atribuiu, por unanimidade, o Prémio Sakharov.
No seu discurso de agradecimento pela atribuição do prémio, Salih Osman declarou:
«Sou natural do Darfur e nasci em Jebel Marra. Durante muitos anos, trabalhei como
advogado no Darfur, no Sudão. Fui detido e torturado por causa das minhas atividades.
Membros da minha própria família foram torturados e deslocados pela milícia no
Darfur. Durante muitos anos, no âmbito do meu trabalho, representei milhares de
pessoas que precisavam da minha ajuda nos tribunais. Vi milhares de pessoas que
tinham sido torturadas; vi centenas de mulheres e raparigas que tinham sido vítimas
de abuso sexual».
Salih Osman repertoriou crimes perpetrados e participa ativamente na proteção de 3,2
milhões de sudaneses deslocados das suas casas pelos combates no Sudão.
Osman continua a chamar a atenção para um conflito que dura há mais de uma década,
desde que eclodiu em Jebel Marra, em 2003, e que foi descrito pelas Nações Unidas
como uma das piores crises humanitárias em todo o mundo. Apesar da forte pressão
internacional e de tentativas de mediação, não foi ainda assinado um acordo de paz
global com todas as partes em conflito, embora grupos de rebeldes se estejam agora a
unir em torno de uma agenda cada vez mais nacional.
Salih Osman salienta que as causas que levaram a guerra, como a espoliação de terras
e a marginalização política, não só estão ainda por resolver, como têm também sido
agravadas por novas necessidades não satisfeitas no sentido de alinhar as legislações
nacionais pelos padrões internacionais e garantir a independência do poder judicial.
Osman, que foi membro da oposição no Parlamento sudanês entre 2005 e 2010, é um
acérrimo defensor do Tribunal Penal Internacional (TPI) pois os «africanos não têm
onde se dirigir para obter a justiça e a reparação devidas em resultado da inexistência
de sistemas judiciais adequados em África», afirmou ele no seu discurso de laureado
com o Prémio Sakharov perante representantes das instituições da União Europeia,
do TPI e de mais de 200 organizações da sociedade civil presentes no fórum UEONG,
em 2013.
Na declaração final da Conferência RPS, realizada em 2013, Salih Osman defendeu a
denúncia da impunidade e da tortura.
2006
ALEXANDER
MILINKEVICH
ALEXANDER MILINKEVICH
é um dos dirigentes máximos do
Movimento pela Liberdade, integrado na oposição democrática da Bielorrússia, que
teve «a coragem de desafiar a última ditadura da Europa», nas palavras do então
presidente do Parlamento Europeu, Borrell Fontelles, quando lhe entregou o Prémio
Sakharov de 2006.
O cientista Alexander Milinkevich foi escolhido, em outubro de 2005, pela Oposição
Democrática Unida como candidato comum às eleições presidenciais, pugnando por
um futuro verdadeiramente democrático e apresentando-se como alternativa real ao
autoritarismo do presidente Alexander Lukashenko, cuja vitória foi duramente criticada
pela oposição na Bielorrússia e violentamente denunciada no estrangeiro por razões
de fraude eleitoral. Após a contestação, Milinkevich foi preso sob vários pretextos,
embora contra ele não tenha sido formulada qualquer acusação.
Milinkevich não se apresentou às eleições presidenciais em 2010, uma vez que entendeu
que não haviam sido introduzidas quaisquer alterações à legislação eleitoral a nível
interno que garantissem eleições justas, livres e abertas. Lukashenko mantém-se no
poder e a situação dos Direitos Humanos na Bielorrússia deteriorou-se ainda mais
após as eleições de 2010, com a promulgação de uma lei que criminaliza qualquer
comportamento considerado contrário aos interesses do Estado e a prossecução do
silenciamento e da detenção de jornalistas, ativistas e outras vozes críticas do atual
regime. Os ativistas da sociedade civil receiam que possa vir a ser aprovada uma lei
contra «os agentes do estrangeiro» análoga à da Rússia, embora Lukashenko pareça
estar tentando a distanciar-se do Kremlin, depois de a Rússia ter anexado a Crimeia
em 2014.
Milinkevich enalteceu a pouco habitual utilização do bielorrusso por Lukashenko, que
geralmente fala em russo, num discurso proferido em julho de 2014, embora tenha
declarado à BBC que, «até agora, trata-se apenas de uma tendência, não de uma
estratégia».
Na sua qualidade de galardoado com o Prémio Sakharov, Milinkievich é consultado com
regularidade por entidades parlamentares preocupadas com a situação na Bielorrússia
e participou em eventos relacionados com a Rede do Prémio Sakharov, incluindo a
Conferência da Rede em 2013.
Num debate da RPS na Lituânia com a participação de Berta Soler, de autoridades
nacionais, de parlamentares lituanos e de deputados ao Parlamento Europeu,
Milinkevich denunciou a intimidação constante e a humilhação perpetrada pelos
poderes públicos da Bielorrússia contra os defensores dos Direitos Humanos. Declarou
o seu apoio a uma maior integração europeia da Bielorrússia e a um diálogo crítico, mas
construtivo, com as autoridades deste país. O diálogo foi também um dos elementos
fulcrais das intervenções que proferiu durante os debates públicos à margem do festival
de cinema RPS-One World Film, no Parlamento Europeu. Milinkevich argumentou que
a União Europeia precisa de aprofundar cada vez mais a sua relação com a Bielorrússia,
a fim de propiciar um maior grau de liberdade. A Bielorrússia, por seu turno, carece
de assistência económica e esse facto, no entender de Milinkevich, poderia ser usado
como alavanca para forçar aquele país a encetar um diálogo com a União Europeia,
nomeadamente no domínio dos Direitos Humanos.
© AFP ImageForum
2005
«DAMAS
DE BRANCO»
DAMAS DE BRANCO,
O movimento das
ou «Damas de blanco»,
constituiu-se de forma espontânea em resposta à detenção de 75 pessoas entre os seus
familiares e maridos durante a «primavera negra», uma forte vaga repressiva do regime
cubano dirigida contra os militantes pró-democracia. As «Damas de branco» desfilaram
pelas ruas e endereçaram cartas às autoridades cubanas solicitando a libertação dos
presos, mas nunca obtiveram qualquer resposta.
No entanto, as suas ações de protesto persistentes foram profícuas: os dois últimos
prisioneiros da «primavera negra» foram libertados em março de 2011. A maior parte
aceitou o exílio em Espanha, embora um número reduzido tenha decidido ficar em
Cuba, prosseguindo a luta em condições adversas e com grande sacrifício pessoal, lado
a lado com as indomáveis «Damas de branco».
As «Damas de branco» não desistiram de percorrer as ruas de Havana todos os domingos
após a missa, com flores na mão e lutando pela justiça social sob o regime comunista
vigente em Cuba. O grupo foi crescendo, apesar das dificuldades de comunicação, dos
espancamentos, das detenções e do assédio moral que lhes foi infligido. Cerca de 100
«Damas de branco» foram temporariamente detidas em julho de 2014, uma invulgar
detenção em grande escala, que levou outros dissidentes a concluir que o número
crescente de seguidoras constitui agora uma ameaça para o regime cubano.
Em 2013, as «Damas de branco» de Cuba puderam finalmente usar da palavra perante o
Parlamento Europeu e aceitar pessoalmente o Prémio Sakharov que lhes fora atribuído
em 2005. A presidente Berta Soler e as representantes Belkis Cantillo Ramirez e Laura
Maria Labrada Pollán, filha da dileta cofundadora Laura Pollán, falecida em 2011, foram
autorizadas a sair de Cuba, depois de as autoridades cubanas terem amenizado as
restrições de viagem impostas aos cidadãos e as terem autorizado a deslocar-se ao
Parlamento Europeu, que lhes prestou tributo pela coragem e pelo empenho na causa
dos Direitos Humanos.
Berta Soler comparou o Prémio Sakharov a um «escudo» que iria proteger as «Damas
de branco» após o seu regresso a Cuba.
Pouco depois da cerimónia da entrega do Prémio Sakharov, as «Damas de branco» e
outros dissidentes, com o laureado de 2010, Guillermo Fariñas, instituíram a Plataforma
Internacional para os Direitos Humanos em Cuba.
Berta Soler representou as «Damas de branco» na Conferência da RPS em 2013,
durante a qual, a par de Guillermo Fariñas e da filha de Oswaldo Payá, exortou a rede a
reivindicar «a libertação dos presos políticos e dos prisioneiros de consciência em Cuba
e por todo o mundo». Com Alexander Milinkevich, Berta Soler participou igualmente
num debate da RPS na Lituânia e continua a instar a UE a fazer dos Direitos Humanos
um pré-requisito para a celebração de quaisquer acordos com Cuba.
2005
HAUWA
IBRAHIM
HAUWA
Jurista que exerce a advocacia ao abrigo da lei islâmica (sharia),
nasceu em 1967 no seio de uma família muçulmana, numa aldeia
pequena e pobre do estado de Gombe, no norte da Nigéria.
IBRAHIM
Deveria contraído matrimónio aos dez anos, mas, como criança de personalidade
vincada pela convicção da mãe de que a educação é a única forma de vencer a pobreza,
Hauwa Ibrahim rebelou-se contra este destino, fugindo de casa e inscrevendo-se num
colégio interno feminino, para aí prosseguir a sua instrução.
Quando, a partir de 1999, a lei islâmica começou a ser aplicada em 12 Estados do
norte da Nigéria, Hauwa Ibrahim desenvolveu o que pode ser apelidado uma prática
extraordinária: defender mulheres acusadas de adultério e condenadas à pena de
morte por lapidação e crianças condenadas à amputação dos membros por furto, entre
outros casos. Assumiu, assim, o papel de advogada de defesa, sem receber honorários,
em mais de 150 processos, salvando as vidas de Amina Lawal, Safiya Hussaini, Hafsatu
Abubakar e de muitas outras. De início, sendo mulher, não estava autorizada a usar
da palavra num tribunal submetido à lei islâmica (sharia), nem sequer a dirigir-se
diretamente a um juiz, motivo por que tinha de passar notas para as mãos de colegas
do sexo masculino. Agora, só é chamada à barra do tribunal quando os casos são
difíceis ou requerem um «peso pesado», atendendo à fama que alcançou e ao facto de
as atitudes em relação à aplicação da lei islâmica, inicialmente aceite sem discussão,
terem mudado, com os governadores a recusarem-se a assinar as condenações de
morte, ora impopulares.
Em resultado da sua experiência, Hauwa Ibrahim foi designada em 2014 pelo presidente
Jonathan para a Comissão Presidencial encarregada de apurar os factos relacionados
com o sequestro de 219 raparigas raptadas pelo grupo terrorista Boko Haram em
Chibok, no norte da Nigéria, e de as ajudar a localizar.
Hauwa Ibrahim pediu o apoio internacional para a «tragédia por resolver» das jovens
sequestradas, incluindo o do Parlamento Europeu e do Congresso dos Estados Unidos,
reivindicando para uma ação mais decidida para fazer face à violência exercida sobre
as mulheres, a pobreza extrema, os elevados níveis de desemprego e a falta de
oportunidades, cenário em que «a religião e o fanatismo religioso se tornam um ópio
perigoso para quem não tem esperança».
Hauwa Ibrahim defende com veemência o ponto de vista segundo o qual a educação
de todas as crianças começa em casa com as mães, motivo por que a educação das
jovens acabará por melhorar a sociedade no seu conjunto. Investiu, por isso, o dinheiro
do Prémio Sakharov numa fundação e canaliza os juros para a educação das crianças
pobres no norte da Nigéria, pagando propinas e adquirindo materiais diretamente para
garantir que as crianças dispõem dos meios para se manterem na escola.
Hauwa Ibrahim participou também ativamente da Conferência de 2013 da RPS,
debateu os direitos da criança no âmbito do fórum à margem do festival de cinema
RPS-One World Film e proferiu uma palestra Sakharov na Irlanda.
REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS
Os
(RSF) são uma organização
não governamental de âmbito internacional sediada em França, que luta pela liberdade
de informação em todo o mundo.
2005
REPÓRTERES
SEM FRONTEIRAS
Para os Repórteres Sem Fronteiras, a liberdade de expressão e de informação
será sempre a liberdade mais importante do mundo e o fundamento de qualquer
democracia. A organização argumenta que, «se os jornalistas não forem livres para
relatar os factos, denunciar abusos e alertar o público, como é que nós poderemos
reagir ao problema das crianças-soldados, defender os direitos das mulheres, ou
preservar o ambiente?»
Esta organização acompanha e denuncia constantemente os atentados à liberdade
de informação cometidos a nível mundial, combate a censura e as leis destinadas a
restringir a liberdade de informação, apoia moral e financeiramente os jornalistas
perseguidos e as suas famílias e presta assistência material aos correspondentes de
guerra, a fim de melhor acautelar a sua segurança. Para contornar a censura, a rede
dos Repórteres Sem Fronteiras publica ocasionalmente artigos proibidos nos países
de origem, acolhe jornais encerrados nos Estados em que se encontram sediados e
serve de fórum aos jornalistas «silenciados» pelas autoridades nacionais. Desde 2002,
a rede dos Repórteres Sem Fronteiras presta ainda assistência jurídica às vítimas e
representaas em tribunal, com o propósito de assegurar o julgamento dos assassinos e
torturadores de jornalistas.
Os RSF atribuem anualmente dois galardões, o Prémio Repórteres Sem Fronteiras e o
Prémio Netizen, que reconhecem e homenageiam autores de blogues, jornalistas e
meios de comunicação social do mundo inteiro.
A rede publica anualmente um Índice Mundial da Liberdade de Imprensa. O índice
de 2014 abrange 180 países e «centra-se no impacto negativo dos conflitos sobre a
liberdade de informação e os seus protagonistas». A Síria é mencionada como um
exemplo extremo, na medida em que a guerra civil neste país acarreta um impacto
negativo na liberdade de imprensa nos países limítrofes, sendo os conflitos internos
igualmente responsáveis pelas violações crassas da liberdade de informar no Mali e na
República Centro-Africana. No Irão, segundo os Repórteres Sem Fronteiras, nenhuma
das promessas feitas pelo novo presidente Hassan Rouhani para melhorar a liberdade
de informação foi ainda levada à prática.
Na qualidade de entidade distinguida com a atribuição do Prémio Sakharov,
os Repórteres Sem Fronteiras congregaram outros laureados e promoveram a
coordenação de atividades. Em 2013, os seus representantes participaram ativamente
da Conferência da Rede. E em 2014, o representante dos RSF junto da União Europeia,
Olivier Basille, debateu a sublevação e a liberdade de imprensa na Ucrânia no âmbito
do fórum à margem do festival de cinema RPS-One World Film e exortou os jovens
estudantes que participaram no Evento Europeu da Juventude a «não terem medo de
enveredarem pela recusa do anonimato ao abordarem questões que exigem coragem».
Representando mais de 1 000 profissionais que trabalham num ambiente caracterizado
ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS
DA BIELORRÚSSIA (AJB) defende os direitos dos jornalistas, que não raro
por dificuldades extremas, a
são vítimas de intimidações, assédio, ações de natureza penal e deportações.
O empenho da AJB a favor da causa da liberdade de expressão e do fomento de um
jornalismo independente e profissional naquele país tem constituído uma fonte
de inspiração. A AJB visa sensibilizar os cidadãos para o seu direito constitucional à
liberdade de informação e para o exercício dos seus direitos. Defende os direitos dos
jornalistas, sobretudo em tempos de crise, como o período de violência que se seguiu
às contestadas eleições presidenciais de 2010.
A AJB pretende liberalizar a regulamentação dos meios de comunicação social e
incentivar a prática de um jornalismo de elevada qualidade, pautado pela ética. A AJB
tem sido, desde a sua constituição, a principal associação representante da imprensa
independente na Bielorrússia, cujo objetivo central consiste em prestar ao público uma
informação objetiva, verídica, exaustiva e oportuna.
Não obstante os grandes esforços de melhoria que foram envidados, a situação dos
meios de comunicação social na Bielorrússia está ainda longe de ser propícia. A lei
relativa aos meios de comunicação social de 2009 permite às autoridades encerrar
meios de comunicação que entendam ser excessivamente críticos. Para poder operar
na Bielorrússia, a imprensa estrangeira tem de obter uma licença, sendo a ausência
de acreditação um obstáculo à colaboração dos jornalistas locais, que recebem
advertências do KGB e do Ministério Público, sempre que são apanhados. O Código
Penal contém ainda disposições que penalizam a difamação de altos funcionários do
Estado. Os meios de comunicação social independentes são vítimas de discriminação
económica: as maiores empresas de serviços postais, tipográficos e de distribuição
são geridas pelo Estado, podendo recusar-se a prestar serviços a alguns meios de
comunicação mais críticos.
A AJB e os seus membros continuam a trabalhar sem se deixarem intimidar, tendo Ales
Bialatski, candidato ao Prémio Sakharov, fundador do Centro de Direitos Humanos
«Viasna» e um dos mais conhecidos presos políticos da Bielorrússia, agradecido
publicamente à presidente da associação, Zanna Litvina. Bialatski saiu da prisão em
junho de 2014, tendo suscitado apoios a nível nacional e internacional e a atenção
constante dos jornalistas ao seu caso por esse facto. Os jornalistas, segundo as suas
palavras, não tinham escrito menos sobre ele próprio do que sobre aquilo que está a
acontecer aos direitos cívicos e políticos de toda uma nação.
Zanna Litvina representou AJB na Conferência da Rede que assinalou o 25.º aniversário
do Prémio Sakharov em 2013.
Logo que eclodiu a agitação na vizinha Ucrânia, em 2014, e um dos seus membros foi
detido, a AJB denunciou a violência contra jornalistas na Crimeia, afirmando que os
que recorrem à violência contra os jornalistas demonstram o seu verdadeiro intento,
que é o de «travar a divulgação de informações indesejáveis para determinados
círculos políticos».
2004
A ASSOCIAÇÃO
DE JORNALISTAS
DA BIELORRÚSSIA
© UN Photo/Sergey Bermeniev
2003
KOFI ANNAN, SECRETÁRIO-GERAL
DAS NAÇÕES UNIDAS,
E TODO O PESSOAL
DESTA ORGANIZAÇÃO
NAÇÕES UNIDAS
Ao atribuir o Prémio Sakharov às
em 2003, o Parlamento
Europeu reconheceu os esforços envidados por esta organização a favor da paz, dos
Direitos Humanos e das liberdades fundamentais.
O Prémio Sakharov distinguiu, em especial, o pessoal das Nações Unidas, pelo seu
trabalho incansável em prol da paz no mundo, muitas vezes em condições difíceis.
A atribuição do prémio prestou homenagem, designadamente, à memória de Sérgio
Vieira de Mello, alto-comissário para os Direitos Humanos e um dos mais dignos
representantes das Nações Unidas, que foi uma das vítimas mortais de um atentado
terrorista contra o quartel-general da organização em Bagdade, quando se encontrava
no Iraque, em 2003, como enviado especial de Kofi Annan.
Kofi Annan foi o sétimo secretário-geral das Nações Unidas. Ocupou este cargo de 1997
a 2006, tendo sido o primeiro a surgir de entre as fileiras do pessoal das Nações Unidas.
Foi sempre um defensor dos Direitos Humanos, do Estado de direito, dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio e do continente africano, tendo procurado aproximar as
Nações Unidas da opinião pública mundial, ao estreitar os laços com a sociedade civil,
o setor privado e outros parceiros.
Em 2005, Kofi Annan apresentou à Assembleia Geral das Nações Unidas um relatório,
que, sob o título «Um conceito mais amplo da liberdade», expõe a sua visão de uma
reforma global e profunda da organização. Este relatório conduziu nomeadamente
à criação, em março de 2006, de um novo Conselho dos Direitos do Homem, para
substituir a antiga comissão com o mesmo nome, com o propósito de reforçar as
estruturas da organização mundial e de, assim, não só promover e proteger os direitos
fundamentais, como tomar as medidas que se impõem contra os principais infratores
aos Direitos Humanos.
Depois de ter completado dois mandatos como secretário-geral das Nações Unidas,
em 2007, Kofi Annan colaborou com várias organizações ativas a nível mundial e à
escala africana, incluindo a sua própria Fundação Kofi Annan. Desde 2013, preside à
associação «The Elders» (Os anciãos), um grupo de dirigentes mundiais reunidos por
Nelson Mandela em 2007.
Em 2012, assumiu o cargo de enviado especial conjunto da ONU e da Liga Árabe à
Síria, com o objetivo de encontrar uma solução para o conflito, mas acabou por se
demitir, classificando-o como uma «missão impossível». Kofi Annan pressente que a
comunidade internacional não tem coragem para atuar no terreno, mas exortou um
grupo de países a trabalhar em conjunto para ajudar o Iraque e a Síria a solucionarem
os atuais conflitos nos seus territórios.
2002
OSWALDO JOSÉ
PAYÁ SARDIÑAS
OSWALDO JOSÉ PAYÁ SARDIÑAS
(19522012) é essencialmente
conhecido por ter fundado o Projeto Varela, uma campanha a favor da realização de um
referendo sobre a instauração de leis que garantam os direitos civis, eleições livres e
pluralistas, a libertação de todos os presos políticos e reformas económicas e sociais
em Cuba.
Reformador ativo desde a juventude, Oswaldo Payá Sardiñas foi perseguido e
condenado em diversas ocasiões pelas suas críticas às políticas e injustiças de Fidel
Castro, o que não o impediu, no entanto, de criar, em 1988, o Movimento Cristão
de Libertação, atualmente um dos maiores movimentos da oposição em Cuba. Em
1990, Oswaldo Payá Sardiñas lançou um apelo ao diálogo nacional e começou a
recolher 10 000 assinaturas, com vista a converter uma proposta cívica em lei.
Em 1997, elaborou o ambicioso Projeto Varela, apoiado por milhares de cubanos,
mas bloqueado por uma iniciativa em sentido contrário das autoridades cubanas,
alegadamente aprovada por via plebiscitária, que tornava permanente o caráter
socialista do Estado cubano.
Muitos dos ativistas do Projeto Varela foram presos durante a «primavera negra» de
2003, mas Payá não desistiu. Em 2008, apresentou à Assembleia Nacional um projeto
de lei de amnistia para os presos políticos e, em 2010, lançou o «Foro Todos Cubanos».
Oswaldo Payá nunca foi preso, mas a família assevera que ele recebeu várias ameaças
de morte. Em 22 de julho de 2012, acabou por perder a vida num controverso acidente
de viação em Cuba. Em sua homenagem, o presidente do Parlamento Europeu, Martin
Schulz, manifestou a convicção de que «as ideias de Oswaldo Payá irão perdurar, dado
que a sua obra e o seu empenho influenciaram toda uma geração de ativistas cubanos
que se inspiraram no seu exemplo para promoverem a liberdade política e os Direitos
Humanos».
O Movimento Cristão de Libertação continua a exigir a clarificação das circunstâncias
da sua morte. A família de Oswaldo Payá rejeitou a versão oficial do acidente de
viação e a filha, Rosa Maria, solicitou junto do Conselho dos Direitos do Homem das
Nações Unidas e de outras organizações internacionais a realização de um inquérito
internacional isento às causas da morte do pai, tendo denunciado a perseguição e as
ameaças infligidas à família pelos agentes da segurança do Estado. Em junho de 2013, a
família de Payá mudou-se temporariamente para os Estados Unidos.
Rosa Maria Payá participou na conferência comemorativa do 25.º aniversário do Prémio
Sakharov no Parlamento Europeu, cuja declaração final exigiu «uma investigação sobre
a morte do Prémio Sakharov de 2002, Oswaldo Payá».
Em 2014, a família foi recebida pelo Papa Francisco, de quem esperam apoio à realização
de um referendo sobre a marcação de eleições livres em Cuba.
2001
IZZAT
GHAZZAWI
IZZAT GHAZZAWI
(1952-2003) foi um docente e escritor palestiniano,
cujas obras incidiram, quer nos problemas e sofrimentos infligidos pela ocupação
israelita ao território palestiniano, quer no seu próprio sofrimento. A vida de Izzat
Ghazzawi foi marcada pelo assassinato do seu filho Ramy, de 16 anos de idade, pelo
exército israelita, que ocorreu em 1993. Ramy foi morto no pátio da escola quando
tentava socorrer um colega ferido. Não obstante esta tragédia, Izzat Ghazzawi não
cessou a procura de um diálogo cultural e político com o povo israelita.
Nascido no seio de uma numerosa família de refugiados que fugira para a Cisjordânia
em 1948, Izzat Ghazzawi escreveu a sua primeira peça de teatro aos 13 anos. Fez um
mestrado em Literatura Inglesa e Americana e trabalhou como docente na Universidade
de Birzeit. Foi presidente da Associação de Escritores Palestinianos, autor de romances
e contos, crítico literário e organizou e presidiu à primeira Conferência Internacional de
Escritores na Palestina (1997).
Izzat Ghazzawi fez igualmente parte do órgão executivo do Conselho Palestiniano para
a Justiça e a Paz. Foi preso e condenado em várias ocasiões pelas autoridades israelitas
por causa da sua atividade política. O mais difícil que teve de suportar nesse tempo foi a
separação da família, em especial dos seus seis filhos, que só podia ver quinzenalmente
em grupos de dois a dois durante 30 minutos.
Um encontro com escritores israelitas em Jerusalém, em 1992, relativamente ao qual
Izzat Ghazzawi estava inicialmente apreensivo, acabou por ser um verdadeiro ponto
de viragem em termos pessoais. Foi aí que I. Ghazzawi começou a conceber os seus
colegas israelitas como parceiros para a construção de um futuro em que palestinianos
e israelitas seriam iguais em todas as esferas da vida.
Na cerimónia de entrega do Prémio Sakharov em 2001, a então presidente do
Parlamento Europeu, Nicole Fontaine, prestou-lhe homenagem pelo facto de ser
«incansável na procura de paz e na promoção do diálogo entre os povos israelita e
palestiniano. O seu ânimo nunca esmoreceu, apesar da prisão, apesar da censura e,
acima de tudo, apesar da perda irreparável do filho Ramy, com 16 anos de idade».
No Parlamento Europeu, Ghazzawi evocou a cura que podemos alcançar quando
«somos capazes de entender as necessidades do próximo» (2).
Logo após a morte do filho, juntamente com o escritor israelita Abraham B. Yehoshua e
o fotógrafo Oliviero Toscani, Izzat Ghazzawi publicou o livro Enemies (Inimigos) sobre as
relações entre palestinianos e israelitas, que teve um êxito retumbante.
Izzat Ghazzawi faleceu em 4 de abril de 2003.
(1) 25 years of the Sakharov Prize: the
European Parliament upholding
freedom of thought, Centro de
Arquivo e Documentação,
Parlamento Europeu, Periódicos
Cardoc, n.º 11, novembro de 2013,
p. 112.
2001
NURIT
PELEDELHANAN
NURIT PELEDELHANAN
, nascida em Israel em 1949, é professora
universitária e escritora. Em 1997, a filha, Smadar, de 13 anos, foi vítima de um atentado
suicida, cometido em Jerusalém Ocidental por um palestiniano.
«Só por ser israelita, a minha menina foi morta por um jovem oprimido e exasperado
ao ponto de se suicidar e de cometer um assassínio, só porque era palestiniano. Ambos
foram vítimas da ocupação israelita da Palestina. Agora, o sangue de ambos mistura-se
nas pedras de Jerusalém, que sempre foram indiferentes ao derramar de sangue».
Nurit Peled não permitiu a presença das autoridades israelitas, incluindo o próprio
primeiro-ministro, nas cerimónias fúnebres.
Filha do célebre general Matti Peled, conhecido pela sua campanha em prol da paz e do
progresso, Nurit Peled tornou-se um símbolo de todos os que, em Israel, lutam contra a
ocupação e pela liberdade da Palestina.
Por outro lado, demonstra também um grande empenho em mudar a mentalidade
da sociedade israelita, sobretudo a da geração mais jovem. Na sua obra mais recente,
intitulada Palestine in Israeli school books: Ideology and propaganda in education
(A Palestina nos livros escolares em Israel: ideologia e propaganda na educação), a
autora chama a atenção para o tipo de educação praticada nas escolas israelitas,
que parece raiar mais o racismo do que a tolerância e a diversidade. Nurit Peled tem
criticado severamente os dirigentes mundiais, incluindo George W. Bush, Tony Blair
e Ariel Sharon, pelo facto de «incutirem nos respetivos cidadãos um medo cego dos
muçulmanos».
Nurit PeledElhanan foi cofundadora do Tribunal Russell, um tribunal popular
internacional instituído em 2009 para analisar o papel e a cumplicidade de terceiros nas
violações do Direito internacional perpetradas por Israel contra o povo palestiniano.
Em 2013, participou de forma ativa na Conferência da Rede do Prémio Sakharov,
chamando repetidamente a atenção para o sofrimento das crianças em situações de
conflito e em zonas sob ocupação. Quando a guerra eclodiu novamente em Gaza, em
julho de 2014, Nurit Peled-Elhanan exprimiu-se nos meios de comunicação social e
na Internet: «Estou a escrever-lhe da boca do inferno. Genocídio em Gaza, pogroms e
massacres na Cisjordânia, pânico em Israel causado por bombardeamentos... Insto a
União Europeia a lançar mão de todos os instrumentos diplomáticos e económicos ao
seu dispor para ajudar a salvar o meu país e a tirá-lo deste abismo de morte e desespero
em que vivemos... restituindo a vida, tanto aos judeus, como aos palestinianos».
2001
D. ZACARIAS
KAMUENHO
D. ZACARIAS KAMUENHO
Quando foi nomeado para o prémio,
era
presidente do Comité Intereclesial para a Paz em Angola (COIEPA), uma entidade de
caráter ecuménico que congregou a Conferência Episcopal Católica de Angola e de São
Tomé, da qual também foi presidente, a Aliança Evangélica de Angola e o Conselho das
Igrejas Cristãs de Angola. O Parlamento Europeu reconheceu a firmeza, a imparcialidade
e a persistência da sua voz em defesa da paz, da democracia e dos Direitos Humanos
em Angola, por ter criticado destemidamente ambos os beligerantes, o Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA) e o grupo rebelde UNITA ao longo dos 27
anos de guerra em que o país viveu depois de se ter tornado independente de Portugal
em 1975.
No final dos anos noventa, começou a despontar no povo angolano uma nova
consciência da necessidade de lutar pela paz e pelos Direitos Humanos, encorajada
pelos esforços dos dirigentes religiosos e por diversas organizações da sociedade
civil no sentido de se promover uma «reconciliação nacional inclusiva». À frente desse
movimento para a paz encontrava-se D. Zacarias Kamuenho.
Nascido em Chimbundo (Huambo, Angola) em 1934, foi ordenado padre em 1961 e
tornou-se arcebispo de Lubango em 1995. A sua voz firme, imparcial e persistente
fez-se repetidamente ouvir junto de todas as partes em conflito, num esforço para
alcançar uma paz duradoura pela via do diálogo político.
O cessar-fogo de 2002, que se seguiu ao assassinato do líder da UNITA Jonas Savimbi,
as conversações de paz e o clima geral favorável à democratização ficam a dever-se à
campanha dirigida por D. Zacarias Kamuenho e outros destacados representantes da
sociedade civil e religiosa. Em 2003, D. Zacarias Kamuenho renunciou à presidência da
Conferência Episcopal de Angola e de São Tomé, mas continuou ativo, através da sua
diocese e do Comité Intraeclesial para a Paz em Angola, a trabalhar em prol do sucesso
da democracia, do respeito pelas liberdades fundamentais e pelos Direitos Humanos, da
instauração do Estado de direito e de uma reconciliação nacional duradoura. Em 2007,
D. Zacarias declarou que, «em especial nos dois últimos anos, tem vindo a despontar no
povo angolano uma nova consciencialização da necessidade de lutar pela paz e pelos
Direitos Humanos, encorajada e representada pelos esforços dos líderes religiosos e
por diversas organizações da sociedade civil, que perseguem o objetivo fundamental
da “reconciliação nacional”».
Em 2013, participou na Conferência da Rede do Prémio Sakharov.
2000
«¡BASTA
YA!»
BASTA YA!
Os membros da iniciativa
arriscaram as suas vidas na luta
contra o terrorismo. A sua única «arma» era a mobilização pacífica dos cidadãos em
defesa das liberdades fundamentais. Durante muitos anos, as liberdades fundamentais
e os Direitos Humanos estiveram em perigo no País Basco, devido ao terrorismo da
ETA e grupos afins. Milhares de pessoas foram vítimas de campanhas de intimidação,
extorsão, chantagem e atentados contra si próprias, as suas famílias ou os seus bens.
Não tinham a possibilidade de se exprimir livremente, nem de exercer os seus direitos
sem ter de correr grandes riscos.
A iniciativa «¡Basta Ya!» foi criada porque as liberdades cívicas fundamentais e os
Direitos Humanos se encontravam sob ameaça no País Basco, nomeadamente no
que dizia respeito aos cidadãos «não nacionalistas», devido ao terrorismo da ETA e às
atividades de grupos com ela relacionados. A sua instituição ficou também a dever-se
ao aumento do nacionalismo étnico e xenófobo entre os partidos mais moderados e os
grupos que procuravam chegar a acordo com a ETA.
A iniciativa cidadã «¡Basta Ya!» (designação que significa «Basta!»), que recebeu o
estatuto de órgão consultivo no Conselho Económico e Social das Nações Unidas em
julho de 2004, consistia num coletivo de cidadãos que defendiam os Direitos Humanos
fundamentais, a democracia e a tolerância no País Basco.
A organização levou a cabo várias atividades, entre as quais se destacam as duas
grandes manifestações realizadas em San Sebastian, em fevereiro e outubro de 2000,
nas quais se exigiu a dissolução da ETA, o apoio às vítimas do terrorismo e a defesa
da Constituição e do Estatuto de Autonomia do País Basco como base para uma
coexistência digna de todos os cidadãos bascos.
A iniciativa «¡Basta Ya!» dissolveu-se em 2007. Os seus dirigentes, Carlos Martinez
Gorriarán, Juan Luis Fabo, Rosa Díez e Fernando Savater, criaram o partido político
Unión Progreso y Democracia (UPyD), que luta em prol da manutenção da unidade do
Estado espanhol.
Fernando Savater era o líder intelectual do movimento e representou a iniciativa
«¡Basta Ya!» na cerimónia de entrega do Prémio Sakharov, que teve lugar em 2000 no
Parlamento Europeu. Em 2013, foi também ele que representou a iniciativa «¡Basta Ya!»
na Conferência da Rede do Prémio Sakharov, que comemorou o 25.º aniversário do
prémio com o mesmo nome.
1999
XANANA
GUSMÃO (1)
XANANA GUSMÃO
é conhecido como o «Mandela timorense».
Reconhecido como líder e símbolo da resistência timorense que teve por objetivo pôr
cobro ao conflito armado em prol da independência da Indonésia, tinha acabado de ser
libertado da prisão onde havia cumprido sete de uma pena de 20 anos sob a acusação
de separatismo, quando o Parlamento Europeu o galardoou com o Prémio Sakharov
em dezembro de 1999.
Com a retirada dos portugueses de Timor-Leste, a Indonésia deu início a uma política
de desestabilização do país vizinho. Em 7 de dezembro de 1975, a Indonésia invadiu
Timor-Leste. Xanana Gusmão passou à clandestinidade, tendo assumido em 1978
a liderança do braço armado da Frente Revolucionária para a Independência de
Timor-Leste (Fretilin).
Segundo as estimativas, a violência que acompanhou a invasão causou a morte a
200 000 pessoas, mas não logrou quebrar a determinação do povo em resistir. Xanana
Gusmão empreendeu diversas tentativas para conseguir a resolução pacífica do
conflito. Assim, propôs ao Governo indonésio um plano de paz e conversações sob
a égide das Nações Unidas. Em 1986, conseguiu reunir as forças políticas e sociais de
Timor-Leste no Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT).
No entanto, em 20 de novembro de 1992, Xanana Gusmão foi detido e condenado,
primeiro, a prisão perpétua e, mais tarde, a 20 anos de prisão. Todavia, a resistência
timorense manteve-se e foram exercidas enormes pressões internacionais sobre a
Indonésia em prol da sua libertação. Quando foi libertado em setembro de 1999 (pouco
tempo depois do referendo de 30 de agosto, em que 80% da população de Timor-Leste
se pronunciou a favor da independência), Xanana Gusmão prometeu «fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para trazer a paz a Timor-Leste e ao meu povo».
Em abril de 2002, nas primeiras eleições presidenciais livres realizadas em Timor-Leste,
Xanana Gusmão foi eleito com cerca de 83% dos votos. Em 20 de maio de 2002, Kofi
Annan, secretário-geral das Nações Unidas, declarou oficialmente a independência
da República Democrática de Timor-Leste, tendo Xanana Gusmão desempenhado
as funções de presidente até maio de 2007. Em 2008, sobreviveu a uma tentativa de
assassinato. Atualmente, ocupa o cargo de primeiro-ministro e declarou, em agosto de
2014, que pretende manter-se no exercício das suas funções, embora anteriormente
tivesse anunciado a intenção de se retirar nesse ano.
Em 2013, participou na Conferência da Rede do Prémio Sakharov.
Em relação ao surto de Ébola de 2014, para cujo combate Timor-Leste contribuiu
com um milhão de dólares, Xanana Gusmão afirmou na ONU que «esta emergência
constitui um sério aviso para o facto de todos os choques de desenvolvimento serem
amplificados por vulnerabilidades existentes e instituições fracas».
(1) Xanana Gusmão mudou legalmente
o nome de José Alexandre Gusmão
para Kay Rala Xanana Gusmão.
Kay Rala foi o nome de guerra
que utilizou durante a luta pela
liberdade e a autodeterminação
de Timor-Leste e Xanana o nome
pelo qual ele era conhecido na
juventude.
1998
IBRAHIM
RUGOVA
Em 1998, aquando da escalada do conflito armado entre as unidades sérvias e o
Exército de Libertação do Kosovo, o Parlamento Europeu homenageou um homem que
defendeu de forma consequente o princípio da resistência pacífica à violência.
IBRAHIM RUGOVA
afirmou que este representava
Ao receber o prémio,
para si próprio e para todo o povo do Kosovo o reconhecimento de uma luta pacífica e
dos sacrifícios que ela implica.
Nascido em 2 de dezembro de 1944, em Cerrca (Istog), no Kosovo, Rugova dava aulas
de literatura na Universidade de Priština, antes de, em 1989, ter sido eleito presidente
da Liga Democrática do Kosovo (LDK). Nesse mesmo ano, o regime de Belgrado aboliu
o estatuto de autonomia da província do Kosovo e reprimiu os albaneses, encarcerando
os dirigentes oposicionistas. Em 1990, os 2 milhões de albaneses do Kosovo adotaram
a sua própria Constituição. Num referendo realizado em 1991, 97% pronunciaram-se
a favor da independência do Kosovo e, em 1998, Rugova foi reeleito presidente da
autoproclamada República do Kosovo.
Ibrahim Rugova empenhou-se numa oposição pacífica ao regime sérvio, reiterando
constantemente a sua disponibilidade para encetar um diálogo com Belgrado. A sua
posição nas negociações recebeu críticas por parte de Adem Demaçi, que favorecia
uma abordagem mais nacionalista. Simultaneamente, tentou chamar a atenção do
mundo para a causa do seu povo, instando repetidamente a comunidade internacional
a intensificar a pressão e a proporcionar proteção internacional ao Kosovo. Convencido
de que a autodeterminação de um povo apenas se poderá processar num clima de
paz, Rugova assinou, na qualidade de responsável pelas negociações em nome dos
albaneses do Kosovo, o Acordo de Paz de Rambouillet, em 18 de março de 1999. A
recusa de Belgrado em assinar esse acordo teve como consequência os ataques da
NATO à Jugoslávia, em 24 de março, e a retirada das forças jugoslavas do Kosovo.
Rugova foi obrigado a passar à clandestinidade. Em março de 2002, Ibrahim Rugova
foi eleito primeiro presidente do Kosovo. Viria a falecer de cancro em 21 de janeiro
de 2006.
1997
SALIMA
GHEZALI
SALIMA GHEZALI
é jornalista, escritora e ativista dos direitos das
mulheres argelinas. Nos anos 80, começou a participar no movimento feminista
argelino, nomeadamente como cofundadora da organização «Mulheres da Europa e
do Magrebe» e como chefe de redação da revista feminina NYSSA, fundada também
por ela.
Tendo passado de professora a jornalista, começou a editar em 1994 o semanário
argelino La Nation (A Nação), redigido em francês, o mais lido na Argélia. Durante a
guerra civil entre o Governo e os grupos rebeldes, que teve início em 1991 e que assolou
o país durante 11 anos, o La Nation preconizou o diálogo político entre todas as partes
envolvidas no conflito, defendeu os Direitos Humanos e a liberdade de expressão para
todos e teceu críticas, tanto ao Governo, como aos grupos islâmicos, sendo o único
jornal a tomar tal posição. Por este motivo, o jornal foi apreendido e suspenso várias
vezes, acabando por ser proibido em 1996, após Ghezali ter publicado no jornal Le
Monde Diplomatique um artigo sobre a situação dos Direitos Humanos na Argélia.
A publicação do La Nation foi retomada em 2011 na Internet. Numa carta da diretora,
Ghezali explicou as razões subjacentes à sua decisão: «Não podemos ficar indiferentes
à dinâmica dos jovens do mundo árabe que lutam pela dignidade e pela liberdade.
Não podemos ficar indiferentes ao que se passa no nosso país. Queremos que o povo
argelino seja feliz, porque o merece. Queremos instituições sólidas, melhores recursos
humanos numa verdadeira democracia e a consolidação do Estado de direito». Finalizou
a carta com o desejo de «uma Argélia melhor, onde impere a boa governação».
Salima Ghezali foi galardoada com uma série de prémios de Direitos Humanos e
prossegue as suas atividades em prol dos direitos das mulheres, dos Direitos Humanos
e da democracia na Argélia.
Em 2013, participou ativamente em eventos promovidos pela Rede do Prémio Sakharov,
incluindo a Palestra Sakharov em Marselha e a conferência do 25.º aniversário.
1996
WEI
JINGSHENG
O «pai do movimento democrático chinês» vive no exílio, mas continua a ser um
dirigente ativo na oposição à ditadura comunista na China.
É o autor da obra The Courage to Stand Alone: Letters from Prison and Other Writings
(A coragem de estar sozinho: cartas escritas na prisão e outros escritos), uma coletânea
de artigos que inicialmente escrevera em papel higiénico na prisão e que agora se
encontram publicados em mais de 12 línguas.
Foi condenado a duas penas de prisão, de 29 anos no total, 18 anos dos quais pelas suas
atividades e obras em prol da democracia, nomeadamente o ensaio pioneiro de 1978,
intitulado The Fifth Modernization: Democracy (A Quinta Modernização: Democracia).
Tudo começou com um mural assinado no «Muro da democracia» em Pequim, no
qual os trabalhadores, artistas e intelectuais exerciam o seu direito à liberdade
de expressão. Esse mural causou sensação, não só porque atacava abertamente a
«ditadura democrática do povo» dos comunistas, mas também porque o autor ousou
assiná-lo, tanto com o seu verdadeiro nome, como com os seus dados de contacto.
Na revista clandestina Exploração, fundada e editada pelo próprio
WEI
JINGSHENG
, deu à estampa o artigo «Democracia ou nova ditadura?»,
identificando o então dirigente comunista Deng Xiaoping como o novo ditador. Três
dias mais tarde, foi detido e acusado de fomentar uma «contrarrevolução», sendo
condenado em 1979 a uma pena de 15 anos de prisão. Wei Jingsheng passou pelo
corredor da morte, em seguida foi colocado em regime de isolamento e esteve detido,
sob uma apertada vigilância, em campos de trabalhos forçados até 1993, altura em que
foi libertado devido à decisão da China de se candidatar aos Jogos Olímpicos de 2000.
No espaço de seis meses, foi detido uma segunda vez, acusado novamente de levar a
cabo atividades contrarrevolucionárias, julgado e condenado a mais 14 anos de prisão.
No momento da entrega do Prémio Sakharov em 1996, Wei Jingsheng continuava
detido. Em 1997, após forte pressão internacional, Wei Jingsheng foi libertado e
deportado para os Estados Unidos. O próprio afirmou, no entanto, que de facto não foi
libertado e que o exílio é apenas uma outra forma de punição.
Em Washington, dirige a Fundação Wei Jinsheng, a coligação chinesa Além-Fronteiras
para a Democracia e a Aliança Democrática Asiática.
Em 2013, Wei Jinsheng participou na Conferência da Rede do Prémio Sakharov, que
exortou as autoridades chinesas a libertar todos os defensores dos Direitos Humanos
que se encontram detidos.
Wei Jingsheng afirmou a sua crença na eventual democratização da China num artigo
comemorativo do 25.º aniversário dos acontecimentos da Praça Tiananmen publicado
em 2014, no qual declarou que «não restam dúvidas de que o povo chinês (erguendo-se
nos ombros dos heróis de 1989) há-de encontrar o caminho para a democracia».
1995
LEYLA
ZANA
LEYLA ZANA
Em 1991,
foi a primeira mulher curda a ser eleita para o
Parlamento turco. Devido ao seu ativismo político, também esteve presa dez anos,
tendo sido condenada pelos tribunais turcos por atentado contra a unidade do país.
Aos 15 anos de idade, casou-se com o antigo presidente do município de Diyarbakir,
Mehdi Zana, que foi preso durante o regime militar vigente na década de oitenta,
acusado de «separatismo». Tendo iniciado os estudos aos 23 anos de idade,
obteve os diplomas do ensino primário e secundário em apenas três anos e acabou
por desempenhar um papel de liderança que não procurou, uma vez que o seu
desenvolvimento pessoal começou a ser praticamente considerado como um
sinónimo da concretização dos direitos fundamentais da população curda. Eleita para o
Parlamento por esmagadora maioria, Leyla Zana provocou um escândalo na cerimónia
de tomada de posse quando pronunciou em curdo as seguintes palavras: «presto
juramento em nome da fraternidade entre os povos turco e curdo». Na altura, falar em
língua curda no espaço público era considerado crime.
Em 1994, foi-lhe retirada a imunidade parlamentar e condenada a 15 anos de prisão por
«traição e filiação no Partido Armado dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)», acusação
que sempre negou.
O Parlamento Europeu atribuiu-lhe o Prémio Sakharov em 1995 pela corajosa defesa
dos Direitos Humanos e pelo seu empenho numa solução pacífica e democrática para
os conflitos entre o Governo turco e a população curda.
Em 2004, após o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter determinado que Leyla
Zana não tivera um julgamento justo e independente, a galardoada pôde, finalmente,
usar da palavra perante o plenário do Parlamento Europeu na cerimónia de entrega do
Prémio Sakharov.
Em 2012, foi novamente condenada a uma pena de prisão de dez anos por «difusão
de propaganda terrorista», mas, na qualidade de deputada do Parlamento turco
reeleita em 2011 goza de imunidade parlamentar até ao próximo escrutínio, agendado
para 2015.
Também em 2012, Leyla Zana reuniu-se com o primeiro-ministro Erdoğan, após ter
afirmado publicamente que esperava que ele resolvesse a questão curda. A iniciativa
serviu de base para o processo de negociação entre o PKK e o Governo turco, graças
ao qual o líder do PKK, Abdullah Öcalan, proferiu a sua exortação histórica ao PKK,
em março de 2013, para que renunciasse à resistência armada e passasse ao combate
político democrático. Leyla Zana permanece ativa no processo de paz em curso.
Em 2013, participou na Conferência da Rede do Prémio Sakharov, exortando a rede a
saudar, na sua declaração final, «as negociações de paz em curso entre o Governo turco
e o líder curdo Abdullah Öcalan, que se encontra detido, a fim de viabilizar uma solução
duradoura para décadas de combate curdo».
1994
TASLIMA
NASREEN
TASLIMA NASREEN
Nascida no Bangladeche em 1962,
começou a
escrever aos 13 anos de idade, sendo conhecida pelos seus escritos veementes sobre a
opressão de que as mulheres são vítimas e pelas críticas firmes que tece à religião, não
obstante ter sido forçada ao exílio e às inúmeras fatwas (julgamentos religiosos) que
reclamam a sua morte. Tendo sido galardoada com vários prémios, as suas obras foram
traduzidas para 30 línguas.
Médica, humanista laica e ativista dos Direitos Humanos, Taslima Nasreen afirma
convictamente a sua identidade bengali. Porém, devido ao seu pensamento e às suas
ideias, alguns dos livros de que é autora foram proibidos no Bangladeche e ela própria
foi igualmente banida tanto do Bangladeche como do Estado indiano de Bengala
Ocidental.
Em 1994, quando ganhou o Prémio Sakharov, já havia procurado refúgio na Europa,
vivendo exilada em França e na Suécia. No discurso de agradecimento pela atribuição
do prémio, Taslima Nasreen afirmou que vem de uma parte do mundo em que as
tensões sociais e o sofrimento humano são avassaladores: como escritora, entende não
poder fechar os olhos perante a fome e a dor quotidianas.
Alguns anos mais tarde, em setembro de 1998, Taslima Nasreen regressou ao
Bangladeche para visitar a mãe, que se encontrava gravemente doente. Mal a notícia
se espalhou, os fundamentalistas religiosos reclamaram, uma vez mais, a condenação
à morte da escritora. Um tribunal emitiu um mandado de captura e ameaçou confiscar
os seus bens. O Parlamento Europeu respondeu ao pedido de ajuda de Taslima Nasreen
e exortou, numa resolução, o Governo do Bangladeche a proteger a vida e a garantir
a segurança da escritora. Devido às ameaças constantes, Taslima Nasreen foi obrigada
a deixar o país em janeiro de 1999. Atualmente, vive em Nova Deli, pois viu-se forçada
a sair também de Bengala em 2011, que ela considera a sua segunda casa, por uma
fatwa emitida por sacerdotes kolkata. Já em 2014, a Comissão Nacional dos Direitos
Humanos do Bangladeche apoiou o seu direito de regressar a casa. Numa visita que
efetuou ao Parlamento Europeu em junho de 2013, Taslima Nasreen, ao insurgir-se
contra o extremismo de todas as religiões, insistiu em que fosse concedido apoio
aos movimentos laicos no Bangladeche, a fim de contrariar a escalada do fundamentalismo islâmico.
Em novembro de 2013, Taslima Nasreen participou na Conferência da Rede do
Prémio Sakharov.
1993
OSLOBODJENJE
OSLOBODJENJE
é um jornal diário bósnio. O nome significa «Libertação» e
o jornal constituiu uma tábua de salvação para as pessoas retidas no cerco a Sarajevo,
entre 1992 e 1996, durante a guerra na antiga Jugoslávia, ao conseguir ser publicado
todos os dias, exceto num.
O Oslobodjenje empregava trabalhadores bósnios, sérvios e croatas da Bósnia. Nenhum
deles deixou o jornal quando a guerra começou, embora o pudessem ter feito. Ficaram
e lutaram para manter a unidade e a diversidade étnica da sua cidade e do seu país,
desmentindo a propaganda da Grande Sérvia de que era impossível que sérvios,
croatas e muçulmanos vivessem juntos e em paz.
No final da guerra, dos 75 corajosos jornalistas que arriscaram a vida diariamente,
5 haviam sido mortos e 25 feridos. Todos sofreram tragédias pessoais, incluindo a morte
de entes queridos e traumas por assistirem quotidianamente a uma mortandade.
As instalações do Oslobodjenje, localizadas numa das mais perigosas zonas de conflito
em Sarajevo, ficaram reduzidas a escombros. A equipa do jornal mudou-se para um
abrigo subterrâneo, improvisando geradores de energia a partir de velhos motores
Lada e atravessando o Beco do Atirador Furtivo para todos os dias chegar ao local de
trabalho, com homens armados tão perto que se podia ouvi-los a conversar e a cantar.
«Os nossos esforços visavam impedir a morte, a divisão ou mesmo o completo
desaparecimento do mapa da Bósnia-Herzegovina», declarou Zlatko Disdarević, um
dos antigos redatores.
Os trabalhadores do Oslobodenje fizeram do seu trabalho quotidiano um símbolo de
resistência. Os jornalistas distribuíam o jornal sempre que os condutores achavam que
fazê-lo era demasiado perigoso. E quando a rede dos 700 quiosques de distribuição do
Oslobodenje em toda a Bósnia foi incendiada, as páginas com as notícias passaram a ser
cortadas e enviadas por fax, para em seguida serem coladas umas às outras, a fim de
que os cidadãos de outras cidades sitiadas, como Mostar, as pudessem ler.
Em 1993, os trabalhadores do Oslobodenje foram designados Editores Internacionais
do Ano pela World Press Review, que os distinguiu pela sua «coragem, perseverança
e dedicação aos princípios do jornalismo», após o que conquistaram vários outros
prémios jornalísticos.
Em 2006, o jornal foi adquirido por duas das maiores empresas da cidade e a
página eletrónica do Oslobodenje refere agora que, embora a organização tenha
mudado muito, o seu «compromisso com a liberdade e com a justiça continua a ser
inquebrantável».
A editora Vildana Selimbegovic representou o Oslobodenje na conferência da Rede do
Prémio Sakharov em 2013. Ela integrou o corpo redatorial durante a guerra e, embora
marcada pela experiência, prossegue o seu trabalho com dedicação.
© 2005 John Isaacson
1992
AS MÃES
DA PRAÇA
DE MAIO
AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO
Durante muitos anos,
(Las
Madres de La Plaza de Mayo) mantiveram-se unidas na luta e na dor de quem nunca
encontrou os filhos que perderam. Este movimento, que surgiu da procura encetada
pelas mães das crianças «desaparecidas» durante a «guerra suja» na Argentina
(1976-1983), contribuiu para derrubar o regime militar do país e para julgar e encarcerar
alguns dos responsáveis por crimes contra a Humanidade.
Ser uma «mãe da praça de maio» significava enfrentar o medo e suportar ameaças,
violência e detenções arbitrárias, num país onde se esperava que as mulheres
sofressem as injustiças em silêncio. Estas mães usaram os corpos como «cartazes
ambulantes» das fotografias e dos nomes dos filhos desaparecidos, reclamando a sua
devolução. Numa época em que as pessoas não podiam sequer reunir-se, as Mães
realizaram o seu primeiro protesto empreendendo uma marcha lenta em círculo, no
sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, na «Plaza de Mayo». Apenas 14 mulheres
participaram neste protesto, mas, mais tarde, juntaram-se-lhes centenas de outras
mulheres. Foi a resistência passiva que as manteve unidas, mesmo quando algumas
delas iam «desaparecendo».
Em 2014, as Mães assinalaram o 30.º aniversário e 1 900 marchas desde que começaram,
em abril de 1977, a manifestar-se todas as quintas-feiras para denunciar publicamente
o desaparecimento dos seus filhos. Em 1986, o movimento dividiu-se entre a linha
fundadora das «Mães da Praça de Maio» e a associação das «Mães da Praça de Maio»,
apesar de ambos os grupos contarem entre os seus membros com algumas das Mães
fundadoras.
Em julho de 2014, a linha fundadora pronunciou-se contra um projeto-lei proposto por
deputados do partido da presidente Kirchner, para que o lenço branco das Mães fosse
adotado como símbolo nacional argentino, a par da bandeira e do hino nacional, com
base na afirmação de que o movimento é um movimento de resistência ativa e o lenço
um sinal do amor que partilham com os filhos. A associação das Mães, presidida por
Hebe Bonafini, aprovou o plano.
Esta associação está agora a trabalhar para que a Universidade Popular que criou se
transforme no Instituto dos Direitos Humanos Mães da Praça de Maio da Universidade
Estatal argentina, uma ideia já aprovada pelo Senado e por duas Comissões da Câmara
dos Deputados, apesar da oposição política. O grupo trabalha igualmente em projetos
urbanos.
Aquando da eclosão da guerra em Gaza em 2014, Bonafini expressou solidariedade
com o povo palestiniano, em particular, com as mães que «são quem mais sofre» na
tentativa de proteger os filhos.
1991
ADEM
DEMAÇI
ADEM DEMAÇI
Nascido em Priština, no Kosovo, em 1936, o escritor
passou
grande parte da sua vida na prisão, entre 1958 e 1990, por lutar pela defesa dos direitos
fundamentais dos albaneses do Kosovo e ter denunciado a cruel opressão pela Sérvia
de dois milhões de albaneses no Kosovo.
«Nos nossos dias, podemos confirmar que a liberdade de expressão é o primeiro passo
indispensável para a democracia. Sem liberdade de expressão não há diálogo, sem
diálogo não se pode descobrir a verdade e sem a verdade o progresso é impossível».
Após a libertação, Demaçi assumiu a direção do Conselho da Defesa dos Direitos do
Homem e das Liberdades. Em 1996, encetou uma carreira política ao filiar-se no Partido
Parlamentar do Kosovo, tendo-se tornado o seu presidente. Demaçi foi um dos mentores
da grande vaga de protestos contra o regime sérvio, afirmando que não-violência
não significa necessariamente passividade e dando assim início a uma campanha de
protesto visível, mas não violenta, contra o domínio sérvio. Esta campanha instava os
kosovares a apagarem as luzes durante cinco minutos e a manterem-se imóveis nas
ruas durante um minuto, de forma totalmente sincronizada.
Entre 1998 e 1999, durante a guerra no Kosovo, foi o representante político do Exército
de Libertação do Kosovo (UCK), tendo permanecido no território enquanto outros
dirigentes abandonaram o país.
Depois da guerra, consagrou-se principalmente à reconciliação étnica e ao regresso
dos refugiados. Assumiu a presidência do Comité para a Compreensão Mútua, a
Tolerância e a Coexistência, que reúne representantes de todos os grupos étnicos do
Kosovo, «porque o Kosovo pertence a todos» e «porque queremos uma sociedade livre,
democrática e multiétnica».
Demaçi continua a ser uma das principais autoridades políticas do Kosovo, que, em
junho de 2014, saudou a primeira reunião histórica dos governos do Kosovo e da
Albânia como um passo para fortalecer os dois países e os albaneses em geral.
«O Kosovo e a Albânia deveriam ter dado esse passo muito mais cedo, mas mais vale
tarde do que nunca», declarou Demaçi a um jornal diário do Kosovo, recomendando a
criação de um fundo para os albaneses que continuam a viver na Sérvia.
Demaçi não pôde participar na Conferência da Rede de 2013, que assinalou o
25.º aniversário do Prémio Sakharov, por razões de saúde e atendendo à sua
avançada idade.
1990
AUNG SAN
SUU KYI
AUNG SAN SUU KYI
A primazia de
na luta pela democracia na Birmânia/
/Mianmar foi reconhecida aquando da atribuição do Prémio Sakharov em 1990. Vinte
e três anos depois, em 22 de outubro de 2013, Aung San Suu Kyi pôde, por fim, receber
pessoalmente o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento.
Numa cerimónia solene realizada no Parlamento Europeu, Aung San Suu Kyi, ao
dirigir-se aos representantes eleitos dos 28 Estados-Membros, proferiu uma defesa
apaixonada dos valores democráticos, salientando que a transição da Birmânia para
a democracia está longe de estar concluída. A atual Constituição, afirmou nesse
momento, garante um papel privilegiado aos militares, motivo pelo qual o tem de ser
revista, a fim de garantir o direito dos cidadãos birmaneses a «viverem de acordo com
sua consciência» e a «serem donos do seu próprio destino».
Aung San Suu Kyi exortou a comunidade internacional a prosseguir a ajuda ao
aprofundamento da democracia e dos Direitos Humanos na Birmânia e agradeceu o
apoio de longa data que o Parlamento Europeu deu à sua causa.
Filha de Aung San, um herói nacional da Birmânia independente que foi assassinado
quando ela apenas tinha dois anos de idade, e de Khin Kyi, uma eminente diplomata
birmanesa, Suu Kyi testemunhou a repressão brutal dos manifestantes que se opunham
ao regime militar de U Ne Win, quando regressou ao país em 1988 para cuidar da mãe,
que se encontrava gravemente doente. Foram estes massacres que a levaram a dar
início ao seu combate pacífico pela democracia e pelos Direitos Humanos.
Em 1990, a sua Liga Nacional para a Democracia alcançou uma vitória esmagadora nas
eleições legislativas, mas a junta militar não só se recusou a abrir mão do poder, como
reprimiu os seus apoiantes por meio de detenções e represálias sangrentas. Aung San
Suu Kyi passou grande parte das duas décadas que se seguiram detida ou em prisão
domiciliária. Durante este período, as autoridades recusaram-se a emitir um visto ao
marido, a quem fora diagnosticado um cancro, para ele a poder visitar em Mianmar,
instando-a, em vez disso, a abandonar o país. Prevendo que não lhe seria permitido
regressar ao país, Aung San Suu Kyi declinou a oferta e não voltou a ver o marido até à
morte, ocorrida em 1999.
Em 2010, encontrava-se ainda em prisão domiciliária aquando das primeiras eleições em
Mianmar em 20 anos, acabando por ser libertada seis dias mais tarde. Enquanto o país
encetava reformas democráticas, Aung San Suu Kyi concorreu às eleições legislativas
intercalares de abril de 2012, nas quais o seu partido conquistou 43 dos 45 lugares em
disputa, o que a transformou na dirigente máxima da oposição parlamentar.
© Platon/Trunk Archive
Aung San Suu Kyi luta agora por uma revisão constitucional que lhe permita concorrer
à presidência do seu país.
© CTK Photo/Igor Zehl
1989
ALEXANDER
DUBČEK
ALEXANDER DUBČEK
(1921-1992) foi a figura de proa do movimento
reformador que ficou conhecido como a «Primavera de Praga», em 1968, na então
Checoslováquia.
Dubček cresceu no seio de uma família empenhada na construção do socialismo
na União Soviética. Em 1939, Dubček filiou-se secretamente ao Partido Comunista e
juntou-se igualmente à resistência clandestina contra o Estado eslovaco pró-alemão.
Em 1968, quando Dubček, um comunista confesso, se tornou o novo primeiro-secretário do Partido Comunista da Checoslováquia, procurou liberalizar o regime.
Foi ele quem deu início a um conjunto de reformas, proporcionando à imprensa
uma maior liberdade de expressão, reabilitando as vítimas das purgas políticas da
era de Estaline e encetando um programa de reformas económicas e uma ampla
democratização da vida política da Checoslováquia. Tais reformas suscitaram, no
entanto, preocupações em Moscovo e os seus esforços para dar ao socialismo um rosto
humano acabaram por ser aniquilados, em 21 de agosto de 1968, quando os tanques
do Pacto de Varsóvia invadiram e assumiram o controlo da cidade de Praga. Dubček foi
raptado pelo KGB e levado para o Kremlin, tendo ficado detido por um breve período
de tempo.
Em 1970, foi acusado de traição, demitido de todas as funções e expulso do Partido
Comunista checoslovaco. Durante 15 anos, ganhou a vida como operário e só voltou à
vida política ativa em 1988, na qualidade de ativista dos direitos cívicos.
Quando lhe foi atribuído o Prémio Sakharov, em 22 de novembro de 1989, Dubček era
ainda um cidadão privado de Direitos Humanos (1), mas poucos dias depois, em 28 de
novembro, o Partido Comunista da Checoslováquia foi afastado do poder e derrubado
pela «Revolução de Veludo».
«Estou plenamente convencido de que o “vento da liberdade” de que os checos e os
eslovacos usufruíram quando Dubček esteve no poder foi o prólogo das revoluções
pacíficas que agora varrem a Europa Oriental e a própria Checoslováquia», escreveu
Sakharov na sua mensagem ao Parlamento Europeu de 10 de dezembro de 1989,
apenas quatro dias antes de morrer.
Depois da revolução de 1989 na Checoslováquia, Dubček foi eleito presidente da
Assembleia Confederal, entre 1989 e 1992. Dirigindo-se ao Parlamento Europeu em
janeiro de 1990, quando recebeu o Prémio Sakharov, Dubček observou que, «mesmo
nos momentos mais difíceis da sua história, as nações que compõem o meu país nunca
deixaram de sentir que são parte integrante da grande luta da humanidade para
alcançar a liberdade» e que, da «Primavera de Praga» à «Revolução de Veludo», «os
ideais da liberdade, da soberania e da justiça social mantiveram-se sempre bem vivos».
Dubček morreu em novembro de 1992, vítima de um acidente de viação.
(1) 25 years of the Sakharov Prize: the
European Parliament upholding
freedom of thought, Centro de Arquivo
e Documentação, Parlamento
Europeu, Periódicos Cardoc, n.º 11,
novembro de 2013, p. 55.
1988
NELSON
ROLIHLAHLA
MANDELA
Como o próprio Mandela afirmou, «o que conta na vida não é o simples facto de termos
vivido, mas sim a diferença que fizemos na vida dos outros».
NELSON MANDELA
morreu a 5 de dezembro de 2013 na sua casa em
Joanesburgo, com 95 anos de idade. A morte de Nelson Mandela foi recebida com
manifestações de pesar em todo o mundo, mas também como celebração de uma vida
dedicada à liberdade e à democracia.
Em 1988, a par do dissidente soviético Anatoly Marchenko, Mandela foi o primeiro
a ser distinguido com o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu. À época, ainda se
encontrava detido em prisão domiciliária por ordem do regime do apartheid da África
do Sul, que o privou da liberdade durante 27 anos em consequência da sua luta contra
o racismo.
Nelson Mandela foi um membro ativo do Congresso Nacional Africano e cofundador
do primeiro escritório de advocacia de negros na África do Sul, que intensificou a sua
militância à medida que o apartheid se tornou mais tirânico. Foi condenado a prisão
perpétua em 1964 e, finalmente, libertado em 1990, quando o regime do apartheid
começou a vergar sob a pressão interna e internacional.
Pouco depois da sua libertação, Nelson Mandela proferiu uma alocução perante o
Parlamento Europeu sobre a necessidade de uma solução justa e duradoura para
transformar a África do Sul num «país unido, democrático e não racista». Tudo o que
ficasse aquém desse objetivo seria «um insulto à memória dos numerosos patriotas
da África do Sul e de toda a região, que sacrificaram as suas vidas para que nós hoje
pudéssemos desfrutar deste momento, em que com confiança podemos afirmar que o
fim do regime de apartheid está próximo».
Durante os anos noventa, Nelson Mandela, na qualidade de presidente entre 1994 e
1999, dirigiu a transição da África do Sul do apartheid para uma democracia racialmente
inclusiva, pugnando pela «verdade e reconciliação» como caminho para a paz.
Por ocasião da sua morte, em 2013, as homenagens multiplicaram-se, incluindo a que
lhe foi prestada pela Rede do Prémio Sakharov.
«Hoje, a África do Sul perde o pai e o mundo perde um herói. Presto homenagem a
um dos maiores seres humanos do nosso tempo. Nelson Mandela morreu, mas o seu
legado perdurará para sempre», declarou Martin Schulz, presidente do Parlamento
Europeu e copresidente da Rede do Prémio Sakharov.
Aung San Suu Kyi, por seu turno, afirmou que Nelson Mandela nos fez «entender que
ninguém deve ser perseguido por causa da cor da pele ou das circunstâncias em que
nasceu. E também nos fez compreender que podemos mudar o mundo, mudando
atitudes e alterando modos de perceção».
Por fim, Kofi Annan salientou que «Nelson Mandela, com uma vida única de sacrifício,
dignidade e génio político, propiciou uma saída pacífica para um dos grandes males
dos tempos modernos».
© Instytut Sacharowa w Moskwie
1988
ANATOLI
MARCHENKO
ANATOLI MARCHENKO
(1938-1986), um dos mais conhecidos
dissidentes da antiga União Soviética, faleceu na prisão de Tchistopol, na sequência de
uma greve de fome de três meses em defesa da libertação de todos os prisioneiros de
consciência soviéticos.
«A vida heróica de Anatoli Marchenko e a sua obra representam um enorme contributo
para as causas da democracia, do humanismo e da justiça», segundo as palavras que o
próprio Andrei Sakharov endereçou ao Parlamento Europeu, no momento em que o
recomendou o nome de Marchenko para receber o prémio.
Anatoli Marchenko tinha apenas 48 anos de idade, mas passara mais de 20 anos
na prisão e em exílio interno. Os protestos internacionais que se seguiram à sua
morte foram um fator preponderante para pressionar Mikhail Gorbachev, então
secretário-geral do Partido Comunista, a finalmente autorizar a libertação em grande
escala dos prisioneiros políticos em 1987.
Anatoli Marchenko tornou-se mundialmente famoso através de uma autobiografia
sobre o tempo que passou nos campos de trabalhos forçados e nas prisões soviéticas,
intitulada «O Meu Testemunho», que o autor havia redigido em 1966. Este livro foi o
primeiro a debater os campos e as prisões da era pós-Estaline, despertando o mundo
para a realidade de os gulags não terem desaparecido com a morte de Estaline.
A publicação levou Anatoli Marchenko novamente à prisão por propaganda
antissoviética, tendo o autor assumido abertamente o papel de dissidente, antes de
ser reencarcerado em 1968, ao denunciar perante a opinião pública as condições
de detenção dos prisioneiros políticos. Em carta aberta dirigida aos meios de
comunicação social em julho de 1968, Anatoli Marchenko advertiu para o facto de que
a União Soviética não permitiria que a Primavera de Praga tivesse continuidade, uma
previsão que se tornou realidade em agosto, quando os tanques do Pacto de Varsóvia
invadiram a Checoslováquia e Anatoli Marchenko foi novamente condenado à prisão e,
seguidamente, ao exílio.
Porém, quanto maior era a repressão, maior era a vontade que Anatoli Marchenko tinha
de agir. A par de Andrei Sakharov e da atual dirigente Ludmila Alexeieva, Marchenko
foi um dos fundadores do influente Grupo Moscovo Helsínquia, criado em 1976 para
fiscalizar a observância por parte da União Soviética das cláusulas de Direitos Humanos
inscritas na Ata Final de Helsínquia de 1975, o primeiro ato da Conferência sobre
Segurança e Cooperação na Europa, que se destinava a melhorar as relações entre o
bloco comunista e o Ocidente.
Foi preso pela última vez em 1980 após ter dado à estampa o seu último livro, Viver
como Qualquer Pessoa. Anatoli Marchenko não sobreviveu à pena de 15 anos de prisão
que lhe foi imposta.
A viúva, Larissa Bogoraz, ela própria uma ativista e candidata ao Prémio Sakharov,
recebeu o prémio em nome do marido, em 1988.
UNIÃO EUROPEIA:
O PAPEL DO PARLAMENTO
EUROPEU NO
DOMÍNIO DOS
DIREITOS HUMANOS
De acordo com as sondagens, os cidadãos europeus consideram que os Direitos
Humanos devem ser o valor que o Parlamento Europeu deve defender com prioridade
absoluta. O Parlamento Europeu toma frequentemente iniciativas específicas relativas
à prevenção da tortura, à proteção dos defensores dos Direitos Humanos, à prevenção
de conflitos, à promoção dos direitos da mulher e da criança e à defesa das minorias,
dos direitos dos povos indígenas e das pessoas com deficiência, entre outros aspetos.
O Parlamento Europeu apoia ativamente a campanha em prol de uma moratória
das Nações Unidas sobre as execuções e da abolição da pena de morte em todo o
mundo, bem como o Tribunal Penal Internacional na sua luta contra a impunidade dos
genocídios, dos crimes de guerra e dos crimes contra a Humanidade. No quadro da
União Europeia, a Agência dos Direitos Fundamentais visa assegurar a proteção dos
direitos fundamentais das pessoas e o seu tratamento com dignidade.
O respeito da dignidade humana, da liberdade, da democracia e da igualdade, bem
como a salvaguarda do Estado de direito e dos Direitos Humanos, constituem princípios
consagrados no Tratado da União Europeia que são juridicamente vinculativos. Os
Estados-Membros que cometam uma violação grave destes valores podem, com a
aprovação do Parlamento Europeu, incorrer na suspensão dos direitos decorrentes dos
tratados da União Europeia.
Os Direitos Humanos estão enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, que entrou em vigor em 2009 juntamente com o Tratado de Lisboa. Este
Tratado criou igualmente a base jurídica para que a União Europeia, como um todo,
fosse signatária da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), a qual foi
ratificada pelos 28 Estados-Membros da União Europeia. A adesão da UE à CEDH,
atualmente em curso, irá colmatar a lacuna existente a nível da proteção dos Direitos
Humanos e reforçar a coerência entre os sistemas de Direitos Humanos do Conselho da
Europa e da União Europeia.
No âmbito da Política Externa e de Segurança Comum e da Política de Cooperação para
o Desenvolvimento, o Direito da União estabelece como objetivo o desenvolvimento
e reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dos Direitos
Humanos e das liberdades fundamentais. Estes objetivos foram explicitamente
incorporados em grande parte graças ao Parlamento Europeu. Nas suas relações
com países terceiros, a União deve promover a democracia, o Estado de direito, a
universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais,
o respeito pela dignidade humana, os princípios da igualdade e solidariedade e o
respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do Direito internacional.
A Subcomissão dos Direitos do Homem, no âmbito na Comissão dos Assuntos Externos,
é o órgão responsável pelos trabalhos parlamentares no domínio dos Direitos
Humanos. Os seus relatórios e resoluções são adotados pela Comissão dos Assuntos
Externos. A Comissão do Desenvolvimento organiza igualmente debates regulares
sobre os Direitos Humanos nos países em desenvolvimento.
Todos os meses, o Parlamento debate em sessão plenária casos urgentes de violação
dos Direitos Humanos em países terceiros, em especial situações individualizadas. As
resoluções do Parlamento Europeu servem frequentemente como base para a ação do
Conselho de Ministros da União, da Comissão Europeia e do Serviço Europeu para a
Ação Externa, tendo, por vezes, um impacto imediato nas ações dos governos em causa.
As competências legislativas do Parlamento permitem-lhe impedir a celebração de
acordos com países terceiros, caso se verifiquem violações graves dos Direitos Humanos
e dos princípios democráticos. Nesta perspetiva, o Parlamento insiste no cumprimento
rigoroso das cláusulas relativas aos Direitos Humanos que são sistematicamente
incluídas nos referidos acordos. Em abril de 2011, o Parlamento solicitou à União Europeia
que suspendesse as negociações para a celebração de um acordo de associação entre a
União Europeia e a Síria. Em setembro de 2011, o foi parcialmente suspenso até que as
autoridades sírias pusessem termo às violações sistemáticas dos Direitos Humanos. Em
2014, o conflito sírio prossegue e a União reforçou as medidas restritivas.
Todos os anos, a União Europeia publica um relatório sobre a situação dos Direitos
Humanos e da democracia no mundo, que é analisado pelo Parlamento. Por outro
lado, o papel do Parlamento na defesa dos Direitos Humanos foi consolidado através
do apoio à democracia e ao diálogo político parlamentares, da realização de audições
com representantes da sociedade civil de países terceiros e do envio de delegações
ad hoc para avaliar a situação dos Direitos Humanos in loco. Os mais importantes fóruns
para o diálogo político entre o Parlamento Europeu e deputados de países terceiros
são: a Assembleia Parlamentar Paritária ACPUE, a Assembleia Parlamentar da União
para o Mediterrâneo, a Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana , denominada
EuroLat, e a Assembleia Parlamentar Euronest, com os parceiros da Europa Oriental.
O Parlamento Europeu já utilizou os seus poderes em matéria orçamental para aumentar
consideravelmente os recursos destinados a programas no domínio da democracia e
dos Direitos Humanos e pugnou, com êxito, pela manutenção do Instrumento Europeu
para a Democracia e os Direitos Humanos (IEDDH).
O IEDDH é um instrumento financeiro e político de capital importância, mediante o qual
a União Europeia contribui para o desenvolvimento e a consolidação da democracia
e do Estado de direito, para o respeito de todos os Direitos Humanos e liberdades
fundamentais à escala mundial e para o apoio e a proteção dos defensores dos Direitos
Humanos em todo o mundo.
ENDEREÇOS
E CONTACTOS DO
PARLAMENTO EUROPEU
BRUXELAS
Rue Wiertz/Wiertzstraat, 60
1047 BRUXELLES/BRUSSEL
Tel. +32 22842111
Fax +32 22306933
LUXEMBURGO
Plateau du Kirchberg
BP 1601
L-2929 LUXEMBOURG
Tel. +352 4300-1
Fax +352 4300-24842
ESTRASBURGO
1, avenue du Président Robert Schuman
BP 1024F
67070 STRASBOURG CEDEX
Tel. +33 388174001
Fax +33 388174860
Para mais informações, pode consultar:
http://www.europarl.europa.eu/sakharov
http://www.europarl.europa.eu/sakharov
Download

Livro de Laureados do Prémio Sakharov