MARIA SOCORRO CARVALHO MOURA SÁ
DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE
E CRIMINALIDADE
Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pósgraduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Núcleo
de Pós-graduação e Estudos do Semi-árido, Universidade
Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientadora: Profa. Dra. Tânia Elias Magno da Silva
São Cristóvão (SE)
Julho de 2003
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TERMO DE APROVAÇÃO
MARIA SOCORRO CARVALHO MOURA SÁ
DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE E CRIMINALIDADE.
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal de Sergipe, pela seguinte banca examinadora:
_______________________________________________
PROF. DR. ELIANO SÉRGIO DE AZEVEDO LOPES
Universidade Federal de Sergipe
_______________________________________________
PROFA. DRA. VÂNIA FONSECA
Universidade Federal de Sergipe
_______________________________________________
PROFA. DRA. TÂNIA ELIAS MAGNO DA SILVA (orientadora)
Universidade Federal de Sergipe
São Cristóvão (SE), 30 de julho de 2003.
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Catalogação na fonte – BICEN/UFS
Sá, Maria Socorro Carvalho Moura
S111d
Desenvolvimento, meio ambiente e criminalidade/Maria Socorro
Carvalho Moura Sá - - São Cristóvão, Se: 2003.
201p.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação e Estudos do SemiÁrido, Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal de Sergipe.
Orientadora: Profa. Dra. Tânia Elias Magno da Silva
1. Meio ambiente 2. Desenvolvimento Sustentável 3. Direito Penal – Delitos Contra a Administração Pública 4. Município de Canindé do São Francisco 5. Hidrelétrica de Xingó. I. Título.
CDU: 504.03: 343.35 (813.7 Canindé do São Francisco)
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AGRADECIMENTOS
São tantos e tão especiais...
A Deus, por ter-me ajudado a chegar até aqui.
A minha avó, Maria Francisca da Conceição, matriarca da família.
A meus pais, Deraldo e Conceição, pelo exemplo de vida, e a meus irmãos, pelo carinho sempre presente.
A meu esposo, Edson Sá, pelo companheirismo e incentivo.
A meu filho, Edson Júnior, dádiva de Deus e minha maior conquista.
A Prof. Tânia Elias Magno da Silva, pela valiosa orientação e por ter-me ensinado a ver o
Direito de forma mais humana.
A Profa. Stefânia Buonamassa, que me presenteou com seus conhecimentos.
A Profa. Maria Augusta Mundim Vargas, que sempre acreditou em minha proposta de trabalho.
A Eduardo Bastos, por ter-me aberto os caminhos nos universos das Ciências Sociais.
Aos juristas Joaby Gomes Ferreira, João Guilherme Carvalho, Eduardo Matos e Deijaniro
Jonas Filho, pelos valiosos ensinamentos jurídicos.
A Salomão Porfírio de Brito, história viva de Canindé do São Francisco, cujos relatos me fizeram conhecer a velha Canindé.
A toda a equipe de policiais civis que me acompanha desde o início de minha carreira na polícia, pelo exemplo de dedicação e companheirismo.
A equipe técnica da CHESF, pela disponibilidade de informações.
A Paulo Roberto Menezes Mateus, amigo culto, que, no apagar das luzes, me iluminou.
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“Dá instrução ao sábio e, ele se
fará mais sábio: ensina o justo, e
ele crescerá em entendimento”.
Provérbios 9:9
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RESUMO
O tipo de desenvolvimento promovido no país, desde 1950, objetivando colocar o Brasil entre
os países mais desenvolvidos, traz um rastro de destruição e desrespeito ao meio ambiente e
alterações profundas nas localidades e na cultura das populações que se encontravam nas áreas envolvidas pelos projetos. Este estudo visa avaliar o impacto das ações empreendidas na
construção da Usina Hidrelétrica de Xingó (1987-1996), quando uma cidade inteira é transferida com sua população para nova localidade, surgindo, ainda, um contingente populacional
nunca antes imaginando, com drásticas conseqüências de ordem cultural. A conjugação de
determinados fatores implicou profundas alterações nos valores, costumes, perspectivas etc.
da população local, verificando-se o aumento da criminalidade, inclusive o surgimento dos
denominados “crimes do colarinho branco”, isso em razão do aumento significativo dos recursos públicos municipais, por força dos tributos decorrentes da hidrelétrica instalada, tornando-se o município o segundo maior participante nos rateios do ICMS arrecadado em todo
o estado de Sergipe. O estudo procura, assim, desvendar como uma pequena cidade sertaneja
(praticamente um arruado), esquecida entre serras e o rio São Francisco, adquiriu importância
no cenário político e econômico sergipano, através do projeto de implantação de uma usina
hidrelétrica, e também no cenário policial e judicial, em conseqüência das mazelas que se
verificaram ao longo do tempo.
Palavras-chaves: Desenvolvimento; Meio Ambiente; Criminalidade; Hidrelétrica de Xingó;
Canindé do São Francisco.
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ABSTRACT
The type of development promoted in the country, since 1950, aiming to place Brazil amongst
the most developed countries in the world, brings a trace of destruction and disrespect to the
environment and profound alterations on the local cities and in the culture of the populations
that had lived in the areas engaged in the project. This study intends to evaluate the impact of
the actions undertaken in the construction of The Xingó Hydroelectric scheme (1987-1996);
when a whole city is transferred with its entire people to a new location, facing the sudden
growth of the population, a situation that had never been thought before, which caused a dramatic impact on their cultures. The conjunction of some events (facts) implied in profound
alterations on values, habits, perspectives, etc. of the local population, as it can be seen with
the increase of criminality, also with the emerge of the so called “Crime do Colarinho
Branco” (high society crimes – usually made by high graduated civilians), due to the significant increase of the city’s civil resources, also consequence of the tributes paid by the new
hydroelectric scheme; that city became the second best on the apportionment made by the
ICMS in Sergipe State. The study pursuits on disclosing how a small northeastern city (almost
a village), forgotten among mountains and the San Francisco’s river, became so important in
the political and in the economical Sergipe’s scenery because of a hydroelectric scheme implantation project, and also in the criminal and judicial scenery, as a consequence of the malign actions suffered along the way.
Keyword: Development; Environment; Criminality; The Xingó Hydroelectric scheme; Canindé of San Francisco.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Canindé de Baixo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Foto 02 – Máquina do Curtume. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Foto 03 – Canoa de transporte do beiradeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Foto 04 – Beiradeiros em festa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55
Foto 05 – Emancipação política de Canindé do São Francisco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Foto 06 – Prédio da prefeitura da velha Canindé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Foto 07 – Início da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64
Foto 08 – Bairro Xingó, Piranhas, Alagoas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Foto 09 – Ponte Delmiro Gouveia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Foto 10 – Desfile cívico em Canindé do São Francisco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69
Foto 11 – Cavalhada em Canindé do São Francisco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70
Foto 12 – Carnaval em Canindé do São Francisco, 1980. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72
Foto 13 – Catamarã Xingó no cânion do rio São Francisco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .78
2. GRÁFICO
Gráfico 1 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (Sergipe, 2000). . . . . . . . . . 96
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LISTA DE MAPA
Mapa 1 – Rotas de exploração da região de Xingó (século XVII). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Receitas do período de 1997 a 2000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Tabela 2 – Participação de Canindé nas parcelas anuais do ICMS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .90
Tabela 3 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .94
Tabela 4 – Índices específicos IDHM, Canindé 2000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95
Tabela 5 – Histórico de judicância anual: processos criminais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103
Tabela 6 – População de Canindé, 1970-2000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Tabela 7 – Ocorrências policiais em Canindé do São Francisco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
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SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
1. O estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
2. Pesquisa e método. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
3. Estrutura do trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17
II – DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE E CRIMINALIDADE. . . . . . . . . . . . . . . 19
III – DE ARRUADO A CIDADE: A VELHA E NOVA CANINDÉ. . . . . . . . . . . . . . . . . . .44
1. Origem do nome. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2. Breve histórico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3. O impacto da construção da barragem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4. A nova Canindé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72
IV – MANDOS E DESMANDOS: AGRESSÃO AMBIENTAL E CRIMINALIDADE. . . .80
1. Considerações iniciais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80
2. Crimes de “colarinho branco” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
3. Crimes comuns. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
CONCLUSÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
ANEXOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
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I – INTRODUÇÃO
1. O ESTUDO
O objeto do presente trabalho é a analise da relação entre o aumento da criminalidade no município de Canindé do São Francisco e a implantação da Usina Hidrelétrica de
Xingó.
A pretensão é a de que, através de uma análise interdisciplinar, se possa dar conta de um tema desafiador em que se intercruzam problemáticas tão amplas, considerando-se
um tipo de desenvolvimento empreendido ao longo do tempo no Brasil e que, mais uma vez, é
repetido, apesar de toda a carga de reprovações de acadêmicos, técnicos e, mesmo, de grupos de defesa do meio ambiente.
Os dados que têm fundamentado os debates, tanto na academia quanto na sociedade em geral, dão conta de uma espécie de desenvolvimento que agride frontalmente o
meio ambiente, sustentado, ainda, nos antigos preceitos de quando se promovia a industrialização do país a qualquer custo, como uma questão de soberania nacional.
Trata-se de um modelo de política econômica adotado para responder à demanda
de energia elétrica que tem sua gênese na implantação de parques industriais em algumas regiões do país,1 principalmente a partir de 1964, época em que se intensificou a construção de
usinas hidrelétricas. Sucedem-se, então, as grandes barragens, promovendo-se um desenvol-
1
No Nordeste, inicialmente, foram beneficiadas com esta política as cidades de Salvador e Recife.
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vimento que era afirmado como fator de transformações sociais, econômicas e, por mais surpreendente, também de controle ambiental.
A região do baixo São Francisco, já tão castigada pela exploração de suas terras, é
novamente alvo de investidas econômicas, visualizadas que eram as condições adequadas
para instalação de mais uma usina hidrelétrica. Já em 1950, estudos apontavam para a viabilidade de um projeto em Canindé do São Francisco e, em 1987, passa ele a ser, de fato, concretizado.
O fato é que a ideologia desenvolvimentista que caracterizou os governos militares brasileiros, depois de 1964, propagou a euforia pelo então denominado “milagre econômico”, estimulando o sonho por um “novo Nordeste” e, com isso, mascarava uma renovada expansão do capitalismo monopolista em áreas até então desprezadas que, repentinamente, assumiram importância, face aos incentivos fiscais oferecidos pelo governo com o intuito de
alavancar a industrialização regional.
Em 1980, já se anunciava a eminência da falta de energia elétrica em todo o Nordeste. Surgem pressões de industriais já instalados na região, de governadores e outros homens públicos situacionistas que muito se inquietavam com as implicações políticas. Entre as
soluções mais viáveis, a interligação do sistema da CHESF ao de Tucuruí (Pará) e o projeto
da Hidrelétrica de Xingó que foi posto em execução.
Busca-se, com o estudo de caso, compreender como uma pequena cidade sertaneja, praticamente esquecida na entrada de um cânion do rio São Francisco, adquiriu importância política e econômica no cenário estadual e qual a relação que esse panorama tem com a
construção da Usina Hidrelétrica de Xingó e, conseqüentemente, com as mazelas sociais que
foram aparecendo ao longo do tempo, entre elas a criminalidade e os crimes de “colarinho
branco”.
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A perspectiva para um bacharel em Direito não pode deixar de ser, a primeiro
plano, a da questão que, coincidentemente, mais se ressaltou, a das temeridades cometidas,
ou seja, a dos crimes que tanto escandalizaram a sociedade sergipana, causa que foi até de
clamor público. Todavia, adotada tal perspectiva, suas circunstâncias não podem ser desconsideradas como inegáveis conseqüências de fatores determinados, que são explicados por
outras disciplinas, ressaltando-se entre elas, de logo, a Sociologia, e, em seguida, a Antropologia, a Ciência Política e outras que se relacionem à temática em estudo.
Sem dúvida, cuida-se de uma perspectiva que coloca a pesquisadora em situação
complexa. Isso se deve à própria natureza do Direito, porque nele se vêem propósitos pelo
convívio social formalmente ordenado, sendo-lhe valiosas as sanções às condutas reprováveis.
Os graus dos danos e do alcance volitivo dos indivíduos são fatores suficientes para a consideração dos fenômenos, praticamente seus limites. Já as outras disciplinas se investem, à profundidade, nos encadeamentos dos elementos, desde suas causas primordiais, que condicionam os fatos estudados, explicando-os segundo uma fenomenologia social.
Em vista de direcionamentos tão diversos, não raramente, é tarefa difícil, árdua
cruzar conceitos, argumentos e discussões para a devida compreensão acerca dos impactos
que determinados projetos, como o da construção de uma hidrelétrica, podem ocasionar, a
ponto de promover, além do dano ambiental, o aumento da criminalidade.
2. PESQUISA E MÉTODO
O quadro metodológico foi definido a partir do quadro conceitual, na tentativa de
adequar as técnicas de pesquisa e análise à tarefa de alcançar os objetivos propostos. Para
tanto, fez-se necessário levantar as questões que embasam o projeto, sendo elas:
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 Quais os indicadores sócio-culturais que demonstram que houve um impacto
significativo sobre o município de Canindé do São Francisco, a partir da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó?
 Quais as principais conseqüências ambientais decorrentes da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó?
 Como e por que a construção e o funcionamento da Usina Hidrelétrica de Xingó influenciaram no aumento da criminalidade?
Na tentativa de responder as questões acima, fez-se necessário conhecer de perto o
cotidiano vivido pela população da antiga Canindé e as relações sociais hoje existentes. Definiu-se como população-alvo da pesquisa os antigos moradores da velha Canindé, autoridades
policiais e judiciárias que lidam com o fenômeno da criminalidade na atualidade e técnicos da
CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) que participaram da elaboração e execução da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó e, portanto, haviam presenciado todo o
processo de mudança no município.
Nas primeiras idas a campo, foram explicados aos entrevistados os motivos da
pesquisa e do tema em estudo. Houve boa receptividade em relação ao estudo, percebendo-se,
praticamente, uma unanimidade dos antigos moradores de Canindé sobre o impacto que a
construção da usina causou no município e em suas vidas, a ponto de ouvir de muitos entrevistados uma espécie de saudade por um arruado que hoje só existe em suas memórias de velhos beiradeiros, agora, residentes na sede do município, a nova Canindé.
Optou-se pela utilização de uma metodologia qualitativa, por considerá-la mais
adequada ao estudo. Através da análise qualitativa é possível observar atitudes, motivos e
pressupostos que indicam o funcionamento de estruturas e organizações complexas, difíceis
de serem percebidas mediante a observação direta (HAGUETTE, 1987). Segundo Minayo:
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[...] a pesquisa qualitativa torna-se importante para (a) compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos; (b) para compreender as relações que se dão entre atores sociais tanto no
âmbito das instituições como dos movimentos sociais; (c) para avaliação das
políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários a quem se destina (MINAYO, 1998, p. 134).
Ao longo de dois anos de pesquisa (2001-2002), várias idas a campo fizeram-se
necessárias para coletar informações através, realizando-se vinte entrevistas abertas e semiestruturadas, registros fotográficos, coleta de documentos e visitas aos locais que, de certa
forma, ainda estão presentes no imaginário dos antigos moradores.
Considerando a entrevista aberta como um instrumento indispensável à pesquisa
de campo, conforme dispõe Nogueira (1968), foi ela utilizada como recurso capaz de colher,
junto à população local, informações sobre o passado do lugar que não se conseguem em registros escritos, gravados ou imagéticos, além de possibilitar melhor compreensão sobre como
se estruturaram, em nível de imaginário, os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de
Xingó. Ao recorrer a esta técnica considerou-se:
Deve-se recorrer à entrevista, sempre que se tem necessidade de dados que
não podem ser encontrados em registros ou fontes documentárias e que se
espera que alguém esteja em condições de prover. Assim, se trata de conhecer a atitude, preferência ou opinião de um indivíduo a respeito de determinado assunto, ninguém está mais em condições do que ele para dar tais informações (NOGUEIRA, 1968, p. 113).
Instruindo-se nas valiosas observações de Nogueira (1968), planejou-se cuidadosamente os passos das entrevistas, ao tempo em que se marcava antecipadamente os encontros
com os entrevistados, na tentativa de obter a cooperação deles, quebrando-se possíveis barreiras. Foi utilizado, em muitos casos, um gravador, pois ele contribui para a fluência do entrevistado, permitindo-lhe expressar-se livremente, podendo-se esgotar plenamente as questões
tratadas.
Embora o estudo não se caracterize, no prisma metodológico, como uma pesquisa
participante, ao longo das incursões em campo, o contato com os beiradeiros e a população
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atual de Canindé do São Francisco acabou resultando em uma observação participante; nesse
sentido, graças às freqüentes idas à área de estudo, foi possível estar presente em diferentes
momentos da vida dos entrevistados. Através dessa técnica, foi possível ajustar, sempre que
necessário, o roteiro de entrevista e as anotações no caderno de campo que se constituiu em
uma ferramenta valiosa de análise, com os registros dos percursos e percalços de todo o itinerário de pesquisa.
Conforme dispõe Nogueira (1968), a observação participante possibilita que o
pesquisador adentre o pensamento, o sentimento e o comportamento do grupo, facilitando-lhe
a familiarização com as pessoas, ao tempo em que se prepara para apreender a atmosfera social, além de levar a comunidade, por outro lado, a acostumar-se com o pesquisador, incorporando-o como um membro, situação que muito favorece a coleta de dados. Ressalta o autor
citado:
Uma das regras gerais em pesquisa social é que o investigador deve empenhar-se, desde o início, em conquistar a confiança, a simpatia e a boa vontade dos membros do grupo a ser investigado. Em outras palavras, ele tem que
eliminar, tanto quanto possível, as atitudes de reserva, as barreiras que se levantam à sua penetração nas esferas mais íntimas, mais secretas, da vida e da
experiência dos membros do grupo a ser investigado. Ele tem que fazer todo
o esforço possível, neste sentido, embora esteja consciente de que o resultado deste esforço jamais será completo, dadas as diferenças de expectativas
que existem, em todos os grupos humanos, em relação a indivíduos de um e
de outro sexo, de idades diferentes, de diferentes procedências, etc. No entanto, a própria observação das diferenças no tratamento a ele conferido, nas
diferentes situações, por indivíduos do seu sexo ou de sexo oposto, da sua
idade ou de idades diferentes, que com ele se identificam ou dele divergem a
este ou àquele respeito, poderá leva-lo a constatações de interesse e à formulação de hipótese úteis e importantes (NOGUEIRA, 1968, p.95-96).
A observação participante, as anotações no caderno de campo e as entrevistas realizadas também foram fundamentais para o melhor entendimento do universo pesquisado,
além de muito ajudar na difícil tarefa da sistematização e interpretação dos dados.
Em uma segunda etapa, procurou-se coletar dados referentes às ocorrências criminais, em Canindé do São Francisco, do período entre 1988 a 2000, junto à Delegacia Regional
de Polícia e ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. O período, evidentemente, coincide
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com a construção e operacionalização da Usina Hidrelétrica de Xingó. Várias lacunas foram
verificadas devido às falhas no processamento de armazenamento desse material, bem como
de outros elementos que não foram preservados, fatos corriqueiros quando se trata de ocorrências policiais em delegacias.
Os dados foram analisados e corroborados à luz dos depoimentos colhidos junto à
população do município, além de autoridades ligadas à administração da justiça, a exemplo de
promotores públicos, delegados de polícia, policiais militares e advogados que lidam diuturnamente com a questão da criminalidade no município de Canindé do São Francisco.
Os vinte entrevistados foram escolhidos de forma intencional entre moradores da
antiga Canindé e da nova sede municipal, desde que residentes na região desde o início dos
trabalhos de construção da barragem, com a finalidade de levantar a impressão diacrônica
daquelas pessoas que vivenciaram a Canindé dos tempos do arruado e que vivem, hoje, na
nova sede municipal.
Apesar de levar-se em consideração que as conseqüências sociais de um projeto
dessa natureza necessitam de alguns anos para fazerem-se evidentes, presumiu-se que os dados disponíveis podem retratar a situação com uma margem considerável de confiabilidade.
Esses dados foram tabulados e representados em tabelas, enquanto as planilhas originais, fornecidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe e peças dos processos movidos pelo
Ministério Público foram incorporadas aos anexos desta dissertação.
3. ESTRUTURA DO TRABALHO
O trabalho está dividido da seguinte forma: quatro capítulos, entre eles, esta introdução. O segundo capítulo, “Desenvolvimento, Meio Ambiente e Criminalidade”, discute a
relação entre esses três temas, questionando-se o paradigma do desenvolvimento fundado no
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mero avanço econômico e em conquistas tecnológicas frente a novas premissas, entre elas, as
referentes aos fatores culturais e ambientais, implicando em importante corte epistemológico
para a compreensão dos fenômenos sociais, como a ascensão da criminalidade e sua relação
com as transformações ocorridas no meio ambiente.
As alterações decorrentes da industrialização são características comuns a todas as
regiões onde foram aplicadas políticas de desenvolvimento econômico e tecnológico. O município de Canindé foi escolhido por ser peculiarmente interessante aos fins do estudo proposto, já que essas iniciativas metamorfosearam radicalmente a região, verificando-se, inclusive,
a mudança da cidade para outra área geográfica. É a história dessa transformação o objeto do
terceiro capítulo, “De arruado a cidade: a velha e a nova Canindé”.
O quarto capítulo, “Mandos e desmandos: da agressão ambiental e criminalidade”,
analisa o impacto do projeto sobre o município de Canindé do São Francisco, comprovandose o aumento da criminalidade e a agressão ao meio ambiente, a partir da construção da Usina
Hidrelétrica de Xingó.
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II – DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE E CRIMINALIDADE
O presente capítulo tem como objetivo traçar um esboço acerca da discussão
sobre desenvolvimento, meio ambiente e criminalidade que surgiu nos Estados Unidos da
América, na década de 1960, e, de lá, proliferou-se para vários países do mundo. Para melhor compreensão desse tema, face sua complexidade, é fundamental apresentar elementos
que contextualizem as relações nele existentes, buscando-se, desse modo, realizar a difícil
tarefa de discutir obras de autores que trabalham com questões que lhe dizem respeito.
É nessa linha de pensamento que apresentamos as reflexões de Khan (In: CAIDEN, 1988), quando diz que o conceito de desenvolvimento agrega, em sua definição, elementos como, por exemplo, “centro e periferia”, “desenvolvidos e não-desenvolvidos”. Cuida-se de um processo complexo de transformação, que ocorre em uma dada sociedade
quando as condições de natureza política, social, econômica e cultural são favoráveis a
mudanças. A complexidade do conceito de desenvolvimento visualiza-se quando se observa
a questão da ênfase na idéia de crescimento econômico, já que ela tem gerado, como conseqüência, a exclusão social, a miséria e a criminalidade, demonstrando a vulnerabilidade
de segmentos inteiros da sociedade, com reflexos no ambiente. Nos países periféricos, suas
conseqüências têm se caracterizado nas ações de caráter injusto e predatório.
Nos países subdesenvolvidos, porém, onde há um grande contingente de analfabetos, onde a organização popular é deficiente e onde a violência do
forte contra o fraco, do rico contra o pobre, do poderoso contra o fraco é generalizada, essa violência se perpetua e os pobres são espoliados sem que
possa oferecer qualquer resistência, passando da categoria de simplesmente
pobres para a de miseráveis (ANDRADE, 1984, p. 1).
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Seguindo o mesmo raciocínio, Andrade (1984) ainda analisa os riscos de um modelo de desenvolvimento imposto de fora para dentro, em que as ações são implementadas
sem levar em conta o arcabouço cultural da sociedade envolvida. Esse modelo de desenvolvimento, desagregado da identidade e dos valores daqueles que estão sendo atingidos, têm
reflexos quase sempre negativos e impõe projetos alheios à realidade local, exige sacrifícios
em nome do progresso e da construção de uma então aludida grande potência econômica.
Assim Andrade se pronuncia sobre essa questão:
Nesse caso as grandes obras são implantadas sem levar em consideração os
interesses do grosso da população, que é muitas vezes reprimida ao oferecer
resistência aos atos que a prejudicam. Faz-se então uma apologia do progresso, da alta tecnologia que está sendo empregada nas obras de engenharia, na necessidade de importação de máquinas e de acessórios estrangeiros, de técnicas altamente especializadas, da alta rentabilidade do empreendimento e se afirma, com o maior desprezo pela pessoa humana, que o progresso exige sacrifícios, que os bons patriotas devem sacrificar-se pelo progresso da nação e que o país está em vias de se transformar em uma grande
potência (Ibidem, p. 2).
Pode-se dizer que a concepção de desenvolvimento vem, ao longo dos anos e, em especial, a partir de meados do século
passado, incluindo em sua definição, de forma cada vez mais clara, dois componentes específicos: cultura e civilização. Morin assevera que
“o problema de desenvolvimento está diretamente ligado ao problema cultural/civilizacional e ao problema ecológico. O próprio sentido da
palavra desenvolvimento, tal como foi admitido, comporta em si e provoca o subdesenvolvimento” (MORIN, 1993, p.58).
Naquela época (1960), as reflexões sobre as questões relacionadas à natureza tornaram-se presentes nas mesas de discussões de âmbito mundial e, em muitos momentos, ocorreram através das manifestações de grupos ambientalistas2 que promoveram séries de
atos contrários às decisões políticas que afetavam diretamente o equilíbrio do meio ambiente, a exemplo das manifestações contra o depósito
de lixo atômico nos oceanos, contra a construção de armas e usinas nucleares, contra a exploração predatória e irracional da fauna e da flora,
do combate à poluição, da defesa da biodiversidade. Segundo Silva:
2
A organização internacional que mais se destacou na luta pela preservação do meio ambiente foi o Greenpeace,
que data de setembro de 1971, “quando um pequeno grupo de ecologistas e jornalistas. saiu do porto de Vancouver, Canadá, em direção à Amchitka, Ilhas Aleutas, Pacífico Norte, para protestar contra os testes nucleares americanos”, conforme relata a assessora de comunicação da entidade, Tica Minami, em www.greenpeace.org.br. No
Brasil o Greenpeace luta pelo fim da contaminação industrial tóxica, combate a liberação de produtos transgênicos e a exploração de madeira ilegal na Amazônia. E a assessora completa: “a forma de luta que tornou o Greenpeace conhecido em todo o mundo consiste no ‘bearing witness’ (ou ‘testemunha envolvida’): estar fisicamente
presente para testemunhar crimes ambientais e constranger autoridades por darem permissão para que esse mal
aconteça”.
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A crescente intensidade desses desastres ecológicos despertou a consciência
ambientalista ou a consciência ecológica por toda parte, até com certo exagero; mas exagero produtivo, porque chamou a atenção das autoridades para o
problema da degradação e destruição do meio ambiente, natural e cultural,
de forma sufocante. Daí proveio a necessidade da proteção jurídica do meio
ambiente, com o combate pela lei de todas as formas de perturbação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, de onde foi surgindo uma
legislação ambiental em todos os países (SILVA, 2002a, p. 33).
Pode-se afirmar que o impasse desse período residiu na solução de uma visão dualista, na necessidade de adaptar-se o antigo conceito de desenvolvimento, estritamente ligado ao avanço econômico e conquistas tecnológicas no campo da produção, ao novo
paradigma colocado pelos entendimentos acerca da relação entre natureza, sociedade e desenvolvimento. Essas discussões são relativamente
recentes, tendo como ponto referencial a conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente urbano que ocorreu em Estocolmo, em 1972.
Vinte anos depois, houve a conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a chamada ECO92.
3
Cabe salientar que, como resultado da ECO92, surgiu a Agenda 21, documento constituído por diretrizes oriundas de um processo generalizado de conscientização acerca do tema meio ambiente, revelando que os problemas ambientais não afetam a um ou a outro país em separado, mas transcendem os limites geopolíticos. Na visão de Araújo:
Pode-se dizer que Estocolmo foi um divisor de águas no processo de mudanças que chega aos dias atuais, tendo o meio ambiente como centro das exigências de novos estilos de desenvolvimento econômico-social, que incorporem as aspirações legítimas dos diferentes grupos sociais na relação com a
natureza (ARAÚJO, apud MEDINA, 1998, p. 34).
Profecias apocalípticas sobre a morte dos oceanos ecoaram, em 1969, com o anúncio proferido por Ehrlich e complementado, em 1972, pelo relatório Meadows, encomendado pelo Clube de Roma. Esse eco está na raiz, segundo Morin, da conferência de Estocolmo:
As reações aos perigos foram, em primeiro lugar, essencialmente locais e
técnicas. Depois disso, multiplicaram-se associações e partidos ecológicos e
foram criados ministérios do ambiente em setenta países; a conferência de
Estocolmo de 1972 motivou a criação de organismos internacionais encarregados do ambiente (PNUE); programas internacionais de pesquisas e de ação
foram avançados (programa das Nações Unidas para o ambiente, programa
sobre o homem e a biosfera da UNESCO). Finalmente a conferência do Rio
reuniu 175 Estados, em 1992. Trata-se de conciliar as necessidades de salvaguarda ecológica e as necessidades de desenvolvimento econômico do terceiro mundo (MORIN, 1993, p. 57).
3
Entende-se por Agenda 21, as aspirações que foram desencadeadas a partir da conferência das Nações Unidas
sobre meio ambiente e desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro, que aprovou uma série de medidas, visando o desenvolvimento sustentável, em nível global, no qual os países assumem uma série de compromissos para
superar o desafio de incorporar em suas políticas públicas a princípios do desenvolvimento sustentável (NOVAES, 2000).
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A conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, despertou a opinião pública
mundial para os problemas ecológicos. Pela primeira vez a degradação do meio ambiente, provocada principalmente pelo crescimento econômico, é percebida como uma questão global e que supera, enormemente, vários itens de preocupações pontuais. Esse entendimento teve
início com a revolução ambiental norte-americana,4 na década de 1960 e, em seguida, já na década de 1970, expandiu-se para o Canadá,
Europa Ocidental, Japão, Nova Zelândia e Austrália. Chegou à América Latina, à Europa Oriental, e à então União Soviética, ao Sul e Leste
da Ásia somente na década de 1980 (VIOLA, 1996, p. 27).
Segundo Lanfredi (2002), pode-se dizer que, à medida que ocorrem os avanços tecnológicos, científicos e informacionais
no mundo, a dimensão ecológico-ambiental toma destaque ao constituir-se como um dos aspectos mais significativos do processo de globalização, repercutindo então sobre a atividade científica e, ainda, sobre os conceitos básicos utilizados para conhecer a realidade social e redesenhar um novo modelo de desenvolvimento. Tudo isso possibilita a abertura de espaço para considerações que vão além do progresso
econômico e do avanço tecnológico, em busca da sustentabilidade ambiental e, em conseqüência, da qualidade de vida. Ressalta o autor:
Esse modelo de desenvolvimento é o que satisfaz as necessidades presentes,
sem prejuízo da qualidade de vida, também denominado “ecodesenvolvimento ou desenvolvimento durável”, cuida-se de desenvolvimento sem destruir o meio ambiente e com maior justiça social, ou seja, é um desenvolvimento que garante a qualidade de vida. Com esse objetivo, é preciso
aprender a participar, a usar a parceria. Parceria é decorrente de um processo
participativo (LANFREDI, 2002, p. 72).
O maior entrave à realização dos propósitos oriundos das discussões parece residir, conforme as concepções de Bauman
(2000), nas contradições de um mundo que pede a tomada de soluções coletivas enquanto ainda vive sob os limites do individualismo.
É evidente também que há uma certa resistência, para abandonar o papel de protagonista da cena mundial, por parte de determinadas nações que controlam o sistema de produção capitalista do mundo, a exemplo dos países centrais, que estabelecem as normas e
critérios para exploração dos recursos naturais dos países periféricos e da divisão do poder com segmentos da sociedade, constituindo, assim,
uma política de co-gestão, conforme prega a Agenda 21 (LANFREDI, 2002, p. 72).
Em relação aos interesses do capital que perduram no mundo contemporâneo e
que afetam, de forma intensa, as condições do meio ambiente através de uma política de desenvolvimento agressivo, visando somente o lucro financeiro, destaca Carvalho:
No caso dos países capitalistas, em termos mais genéricos, pode-se dizer
que o Estado está organizado para a preservação e reprodução dos componentes essenciais daquelas sociedades, ou seja, para a promoção das condições necessárias à continuidade e à expansão do processo de acumulação,
para a permanência da estrutura de classes, das relações sociais e demais ins4
O termo “revolução ambiental” é trabalhado por Viola (1996) para designar o movimento social americano que
deflagra a discussão sobre as agressões ao meio ambiente provocadas pelo tipo de desenvolvimento empreendido
pelo capitalismo.
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tituições a ela associadas e para a manutenção e fortalecimento do poder e da
dominação da burguesia e dos seus eventuais aliados (CARVALHO, 1987,
p. 37).
A reflexão sobre a necessidade de delinear-se uma nova forma de manejo do meio ambiente fez surgir a expressão “desenvolvimento sustentável”, cuja definição mais comum e compreensível é a de um processo de desenvolvimento que possa atender às necessidades da geração atual sem, no entanto, comprometer a vida das gerações futuras. Cabe salientar que esse é um conceito em processo de
construção que tem gerado grandes debates tanto nos meios acadêmicos como nos políticos. Nesse sentido, concorda-se com Novaes (2000),
quando afirma que o conceito de desenvolvimento sustentável ainda está em processo de construção, sendo ponto constante nas discussões
de teóricos e políticos:
Essa concepção processual e gradativa de validação do conceito implica assumir que os princípios e premissas que deve orientar a implementação de
uma Agenda 21 não se encontram ainda em sua forma definitiva. Tornar a
agenda uma realidade é, antes de tudo, um processo social em que os atores
pactuam gradativa e sucessivamente novos consensos e montam uma agenda
possível, rumo ao futuro que se deseja sustentável (NOVAES, 2000, p.41).
É necessário que o desenvolvimento tenha um significado mais amplo, indo além da questão econômica e tecnológica,
chegando ao aspecto do bem-estar, com a criação de um novo homem, com novos valores e posturas quanto ao uso dos recursos provenientes
da natureza, com a perspectiva de alcançar um modo de crescimento socialmente justo e ecologicamente sustentável, para que ocorram
melhorias efetivas nas condições de vida, na qual é essencial não apenas o fator econômico, mas, fundamentalmente, a valorização e o envolvimento dos diversos atores da sociedade, promovendo-se o imprescindível equilíbrio de suas relações com o meio ambiente. É importante considerar:
O desenvolvimento tem dois aspectos. Por um lado, é um mito global em
que a as sociedades industriais atingem o bem-estar, reduzem as suas desigualdades extremas e proporcionam aos indivíduos o máximo de felicidade
que uma sociedade pode dispensar. Por outro lado, é uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais. Esta concepção técnico-econômica ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade,
da solidariedade e da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento continua
gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto
pobre e abstracto da noção pobre e abstracta de desenvolvimento (MORIN,
1993, p. 64).
O conceito de desenvolvimento não pode estar dissociado da proteção ambiental
que assegura ao homem o direito a uma vida digna, já que ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e bem de uso comum do povo (art. 225, da Constituição da República
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Federativa do Brasil), devendo o Estado implementar meios para sua preservação, garantindo
o bem-estar da população, através de políticas públicas de desenvolvimento, assegurando uma
vida saudável, atendendo à justiça social e criando novas posturas para uso dos recursos naturais. Nesse sentido, desenvolvimento sustentável pode ser entendido como:
Um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção
dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a
fim de atender às necessidades e aspirações humanas (Comissão Mundial
Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMSMAD, 1991, p. 49).
Surgem, assim, reflexões mais profundas para um novo conceito de desenvolvimento. Segundo elas, o desenvolvimento sustentável não será possível se a base de recursos
ambientais se deteriora, se o meio ambiente não pode ser protegido, se o crescimento não levar em conta as conseqüências da destruição ambiental (Comissão Mundial Sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento – CMSMAD, 1991, p.40).
Corroborando essa linha de pensamento, Morin (2000) afirma que o desenvolvimento sustentável está ligado à cultura de
cada povo. Deve-se, no entanto, assegurar o progresso que se direciona para o desenvolvimento fundamentado na sustentabilidade, revelando-se compatível com a preservação do ambiente.
Pode-se afirmar que o atributo da sustentabilidade aparece estreitamente ligado
ao conceito de desenvolvimento e que isso deve apontar para o reordenamento das atividades
econômicas, políticas, sociais e ambientais. Nesse sentido, o papel das políticas públicas e das
ações desenvolvimentistas deve estar fundamentado em procedimentos formais e informais
que expressem relações de poder e que se destinem à resolução pacífica dos conflitos.
As políticas públicas não devem esgotar as possibilidades de envolvimento dos
diferentes segmentos sociais que interferem na administração de recursos da natureza, uma
vez que elas possuem, como principal função, a solução pacífica de conflitos marcantes nas
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sociedades contemporâneas e democráticas, implicando, dessa forma, tarefa de grande
complexidade, conforme Novaes (2001) e Ségun (2000). Essa última autora afirma:
As políticas públicas de desenvolvimento visam à consecução do bemcomum, com ênfase na integralidade, flexibilidade, sentido humanístico e
participação popular nas tomadas de decisões públicas. Todo Estado tem direito a atingir um nível de desenvolvimento que possibilite aos seus cidadãos
uma existência digna, mesmo que para isto seja necessário um retrocesso
tecnológico, como aconteceu no Japão que reduziu a produção de robôs e
voltou a contratar pessoas, ante os problemas sociais advindos do alto índice
de desemprego. Recentemente a classe dos bancários sofreu um impacto
com a informatização da rede, gerando elevado número de desempregados
(SÉGUN, 2000, p.72).
Assim, essas políticas envolvem avanços e retrocessos na busca das soluções possíveis que compatibilizem o desenvolvimento global com o regional, em que a melhoria da
qualidade de vida da população esteja diretamente ligada à preservação ambiental, pois sua
dinâmica, além de complexa, é diversa no tempo e no espaço, tendo em vista a necessidade de
acomodar os interesses associados às diferenças entre os grupos sociais e seus territórios e
suas particularidades. Sintetizando a questão, Perloff observa que:
[...] a qualidade do meio ambiente em que a gente vive, trabalha e se diverte
influi consideravelmente na própria qualidade de vida. O meio ambiente pode ser satisfatório e atrativo, e permitir o desenvolvimento individual ou pode ser nocivo, irritante e atrofiante. (PERLOFF, 1973, p.5).
O meio ambiente deve ser analisado em sua totalidade, não envolvendo apenas
os recursos naturais, mas também as sociedades humanas que com ele interagem, modificando-o conforme suas necessidades, visão compartilhada por vários autores, entre eles,
Silva (1992). Derani (1997) ressalta:
A presença de temas de política de meio ambiente permeando o Direito, atuando sobre políticas públicas e empresariais e movimentos sociais, traz à su-
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perfície o que sempre existiu de fato: a indissociabilidade da natureza com a
cultura. Com base nisso é possível compreender a realidade social pelo
prisma das “forças socializantes da natureza”, ou seja, pelo modo como cada
sociedade se apropria dos recursos naturais e transforma o ambiente em que
vive. Não é sem mais que Hermann Heller, jurista da República Weimar, ao
estudar a diversidade de comunidades políticas, concluía poder atribuir-se
aos complexos naturais um papel fundamental nas diferenças culturais. A
cultura deve ser compreendida como gradual continuação da natureza (DERANI, 1997, p. 68-69).
Adotando o mesmo pensamento, Gutman (1998) entende que o meio ambiente é o
conjunto de elementos naturais e sociais e suas interações entre si, essencialmente dinâmicas,
envolvendo as conseqüências no espaço habitado pelo homem que, sem dúvida, de um lado é
um dos elementos naturais e, de outro, o elemento social necessário.
O conceito de meio ambiente vem ganhando mais consistência e abrangência com
o passar dos anos e à medida que os diálogos se intensificam e os problemas se acumulam. De
uma ótica que considerava o meio ambiente quanto a seus aspectos biológicos e físicos, passou-se a uma concepção mais ampla, em que os aspectos econômicos e sócio-culturais são
considerados também essenciais, evidenciando-se as correlações entre todos eles.
Neste sentido, a visão de meio ambiente é definido como um conceito globalizante. Segundo Leite:
Abrangente de toda natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico artístico, turístico e arquitetônico. É, pois
assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais
que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. (LEITE, 2003, p. 79).
Ressalta-se que o desenvolvimento e a proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos seus elementos
essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visam tutelar a qualidade de vida, em função da qualidade do meio ambiente, como um direito fundamental da pessoa humana.
O meio ambiente é gerado e construído ao longo do processo histórico das ocupações e transformações do espaço natural
pelos agrupamentos humanos:
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[...] engloba todos os demais direitos garantidos aos seres humanos no que
concerne à igualdade entre as pessoas. As desigualdades entre os seres humanos de diferentes condições sociais são sempre surgidas pela problemática
ambiental. A rendas e as facilidades materiais dos mais afortunados permitem-lhes fugir das áreas poluídas, dos distritos pobres e crescer em ambientes sociais e ecologicamente balanceados, enquanto os necessitados não têm
essa opção. A exigência de um ambiente sadio e equilibrado é, ao mesmo
tempo, uma maneira de realçar os demais direitos fundamentais dos seres
humanos, direitos cuja salvaguarda é reconhecida como de interesse comum
da humanidade. (CAMINO, apud FIGUEIREDO, 1998, p. 249).
Apesar do exposto, a realidade mostra um quadro preocupante em relação à questão ambiental, aspecto discutido por Derani (1997) e Mateo (1991), entre outros. Ultimamente, tornando-se a questão mais crucial, o meio ambiente pode ser visto como “uma categoria
social construída no jogo das relações sociais, compreendendo sempre a natureza e a vida”
(IANNI, 1999, p. 314).
Vários outros autores (BARBOSA, 1992; MENDONÇA, 1993 e 2001) quando eclodiu a questão ambiental, procuraram relacioná-la aos conceitos de “condições de vida” e
“qualidade de vida”, expressões vulgarizadas durante as décadas de 1960 e 1970.
Esta abordagem constituiu-se em importantíssimo passo para a ruptura da
predominante concepção naturalista do meio ambiente, dado que ressaltou a
sociabilidade humana e suas práticas enquanto elemento primordial da análise ambiental. Assim, o tratamento da temática e questão ambiental passou a
ser desenvolvido com outro enfoque nos últimos trinta anos, evidenciando
também as necessidades humanas ao tratar da crise relativa ao ambiente no
final do século XX (MENDONÇA, 2001, p. 69).
Pode-se dizer que a preocupação jurídica com as condições e qualidade de vida e
a proteção ao meio ambiente só alcançou interesse maior dos Estados a partir da constatação
da deterioração ambiental e dos limites de uso dos recursos naturais, ou seja, com a referida
crise ambiental e do desenvolvimento econômico.
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A
atual consciência ecológica não dissocia o crescimento econômico da preserva-
ção dos recursos naturais, visão presente na análise de Buarque (apud BURSZTYN, 1993)
quando versa sobre o tema e afirma que a grande realização do crescimento econômico, no
século XX, foi a de promover um mundo, ao mesmo tempo, rico e pobre, pois dividido entre a
pobreza e a riqueza, o atraso e a modernidade, desprovido do tão sonhado equilíbrio como um
projeto civilizador, predominando a velha maneira de fazer-se Ciência, a que domina a natureza, ignorando os valores éticos, sem levar em conta os objetivos sociais. Cristóvam Buarque
afirma que:
A crise que deu lugar ao surgimento do ”ecodesenvolvimento” mostra que o
uso da ciência arrogantemente gera desequilíbrios que exigem uma forma alternativa de pensar, e entender o mundo não apenas diferente na transformação. Ele terá que ser uma forma de fazer ciência onde o conhecimento ouve a
natureza antes de escolher técnicas a serem usadas (BUARQUE, apud
BURSZTYN, 1993, p. 61).
As idéias de um projeto para o desenvolvimento da América Latina surgiram através da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), em 1949. Segundo Morais,
passou-se a discutir os caminhos de desenvolvimento convenientes à região, constatando-se a
necessidade de ajuda financeira aos países para removê-los dos fortes indicadores de estagnação econômica, ressaltando-se, entre eles, a deterioração do intercâmbio mercantil e as taxas
de crescimento lentas.
Como remédio para o atraso da região, a CEPAL propõe as seguintes ações: intervenção do Estado na economia, industrialização, planejamento e o estabelecimento de políticas protecionistas que garantissem o desenvolvimento.
Esses entendimentos influenciaram, na década de 1950, o economista brasileiro
Celso Furtado, que os repassa ao pensamento nacional, o que teve peso decisivo. Em sua visão, o desenvolvimento da América Latina tem como precondição a modernização da econopdfMachine
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mia e da sociedade através da planificação e modernização do papel do Estado, rompendo-se
com a postura liberal para intervir definitivamente na vida econômica e social, com alteração
da base da estrutura de poder (FURTADO, 1966).
Após a Revolução de 1930, até 1945, o país vive um período de desenvolvimento
favorecido pela crise econômica internacional e que se inspira no nacionalismo e na centralidade do poder. Nessa época, o desenvolvimento estava atrelado à idéia de modernização do
país com o concurso do Estado, existindo três correntes de pensamento: a do setor privado, a
do setor público nacionalista e a do setor público não-nacionalista. A primeira defendia um
projeto de desenvolvimento centrado no planejamento e nos interesses do capital privado nacional. A segunda defendia uma intervenção maior do Estado na economia e a terceira, contrária às demais, via com preocupação a intervenção estatal, ao passo que defendiam a entrada
de capital estrangeiro, a não-intervenção do Estado e a necessidade do controle inflacionário.
Essa última reivindicação colocava em risco o próprio modelo de desenvolvimento que vinha
sendo adotado (BIELSCHOWSKY, 2000).
As diversas crises econômicas e políticas por que o Brasil passou, ao longo da
segunda metade do século XX, constituem parte do cenário em que foram implementados os
projetos desenvolvimentistas. Alguns causaram impactos substanciais no imaginário da população brasileira, a exemplo da ponte Rio-Niterói, rodovia Transamazônica, usinas nucleares
de Angra dos Reis, usina hidrelétrica de Itaipu, entre outros. Foram experiências marcadas, de
alguma forma, pelos insucessos das receitas empreendidas na feitura de um “Brasil grande”,
sendo a natureza extremamente agredida.
A “inescrupulosa” exploração dos recursos naturais brasileiros ocasionou a adoção de várias iniciativas governamentais destinadas à preservação do meio ambiente, cujos
insucessos motivaram a criação da Política Nacional do Meio Ambiente e do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Ficou estabelecido que qualquer atividade antrópica que
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altere ou utilize os recursos ambientais, sejam eles a atmosfera, fauna, flora, águas interiores,
superficiais e subterrâneas, passa a ser objeto das normas ambientais, ficando suscetível aos
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente que são, entre outros, o zoneamento
ambiental, a avaliação dos impactos ambientais, o licenciamento de atividades poluidoras e a
definição dos espaços protegidos. Mesmo assim, não se coibiu o comportamento abominável
dos exploradores, devido às leis ambientais frágeis e limitadas vigentes (FIGUEIREDO,
1998, p.327).
Passa-se a investir, também, na conscientização do indivíduo, desmistificando-se,
com eficácia, as dificuldades referentes às iniciativas sociais de cunho mais abrangente, capazes de envolver o cidadão comum na fiscalização da preservação do meio ambiente e na busca
do desenvolvimento sustentável, o que encontrou chancela na proposta que proclamou o conhecido Princípio 10, da Declaração do Rio, 5 que preceitua:
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado de todos os cidadãos interessados. No nível nacional cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio
ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações
sobre materiais e atividades perigosas e em suas comunidades, bem como a
oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados
devem facilitar e estimular a conscientização e participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à
compensação e reparação de danos (FIGUEIREDO, 1998, p. 299).
No Brasil, a questão do meio ambiente teve tratamento constitucional, pela primeira vez, na carta magna de 1988, que lhe confere relevância em vários de seus dispositivos,
5
Os “princípios” são enunciados dos documentos das conferências das Nações Unidas, nos quais os Estados
signatários se comprometem a incorporá-los em suas próprias legislações.
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com especificidade no art. 225,6 o que a faz ser conhecida como uma Constituição marcadamente ambientalista. Derani comenta:
O Estado, como construção humana, tem seus atos moldados pela prática em
sociedade. A produção de extensa legislação ambiental e, em especial, o artigo 225 da Constituição, reclama um determinado compromisso dos atos estatais perante a conservação dos recursos naturais. [...] Mas estou convencida
de que não é permitido desfrutar-se da ausência do aparato estatal quando está em discussão a compatibilização do desenvolvimento da ordem econômica com a conservação dos recursos naturais, ou com a garantia do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado (DERANI, 1997, p.187).
A visão constitucional corrobora legislação ordinária anterior, a Lei n°
6.938/81, em seu art. 3º, inciso I, em que se lê que meio ambiente é o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, a permitir, abrigar e reger
a vida em todas as suas formas. Silva observa:
O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos
seus elementos constitutivos. O que o Direito visa à proteção é a qualidade
do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há
dois objetos de tutela, no caso: um imediatamente, que é a qualidade do
meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança
da população, que se vem sintetizando na expressão “qualidade de vida”
(SILVA, 2002a, p. 81).
O desenvolvimento econômico, a melhoria das condições sociais e a qualidade ambiental ligam-se extremamente ao conceito de desenvolvimento sustentável, idéia visivelmente refletida na Política Nacional de Meio Ambiente, que tem como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (art 2o, Lei nº 6.938/81).
Essa nova ordem de valores também é vista por Camino, quando observa que a
preocupação com o ambiente não é apenas um tema voltado às classes dominantes ou parte de
6
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput, Constituição Federal).
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um modismo mundial, mas um estágio de consciência em que aflora o papel que a Terra tem
na vida do homem. Assim, assevera:
A importância da Terra como um todo, o destino comum da natureza e do
ser humano, o bem comum tanto como bem das pessoas, das sociedades,
como do conjunto dos seres da natureza lembra “o risco apocalíptico que pesa sobre todo o criado” – pois o homem pode tanto ser “o anjo da guarda
como o satã da Terra” – terra que é nossa responsabilidade comum e sofre e
sangra, “especialmente em seus filhos mais singulares, os oprimidos, os
marginalizados e os excluídos” – que são as grandes maiorias dos tempos atuais, a partir das quais impõe-se pensar o equilíbrio universal e a nova ordem ecológica mundial (CAMINO, 1998, p.240).
Evidencia-se, mais uma vez, que o desenvolvimento só será viável quando se
constituir em um conceito amplo de significado, envolvendo estratégias e metas a fim de atender a justiça social,7 isto é, quando as melhorias procedentes do desenvolvimento puderem
ser de fato alcançadas por toda a população, com o aparecimento de uma nova consciência
social. Ressalta Ricardo Carneiro:
[...] a relação entre população e meio ambiente é um processo dinâmico: os
fenômenos populacionais afetam o ambiente e os fatores ambientais afetam
os critérios demográficos, podendo-se apontar claramente a interação existente entre aspectos como nutrição e fecundidade, degradação ambiental e
migração, ou mesmo entre impactos ambientais e transição epidemiológica
de doenças infecciosas para doenças degenerativas, próprias da modernidade
(CARNEIRO, 2003, p. 31).
Há, entretanto, um outro fator, ligado à questão do desenvolvimento, logo, também à ambiental, responsável pela deterioração do bem-estar dos cidadãos, que é a ausência
das garantias legais de um meio ambiente economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente correto. Isso tem provocado conflitos em diversas regiões pobres e impactadas por
7
Na concepção de Paulo Nader, a justiça social tem como “finalidade a proteção aos mais pobres e aos desamparados, mediante a adoção de critérios que favoreçam uma repartição mais equilibrada das riquezas” (NADER,
1998, p.131-132).
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projetos desenvolvimentistas descomprometidos com as realidades locais, onde tem ocorrido,
inclusive, o aumento da criminalidade.
A expansão da criminalidade e suas causas têm motivado grandes preocupações
no mundo contemporâneo, ocasionando uma busca incessante de explicações de natureza
antropológica, econômica etc., inclusive as relacionadas ao meio ambiente e ao meio social
(GOMES e MOLINA, 2000).
A criminalidade está condicionada, evidentemente, à existência de fatores que, por
suas características, concorrem para a prática do crime e, conseqüentemente, para o aumento
da violência considerada como fenômeno social. A criminalidade vincula-se a fatores econômicos e políticos, até climáticos (Mendonça, 2001), envolvendo valores e sentimentos que
são, inclusive, formadores da cultura e contribuem na constituição do ambiente em que vive o
próprio homem.
Não se pode esquecer que a agressão ao meio ambiente constitui, por si só,
uma ação violenta, quando não também criminosa, se como tal estiver prevista em lei.
Segundo Mendonça (2001), são vários os fatores que interagem com o homem no desencadeamento da ação violenta; entretanto, o autor frisa a importância das condições de
vida e desenvolvimento humano.
No caso brasileiro, o processo de desestruturação dos elos societários nas
grandes cidades do país, fruto da rápida urbanização, dá-nos a impressão de que, em
muitos casos, o aumento da violência física não seria senão uma forma de os “indivíduos
sem voz” expressarem-se. A violência seria, então, uma “fala muda” e desesperada de
quem já perdeu as ilusões quanto ao futuro. Nesse sentido, a violência é muito mais que
atos ditos marginais; é, sobretudo, uma forma de linguagem difusa presente nas relações
entre os atores sociais (NEVES, 2002).
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Motivados pela necessidade e interesse de desvendar as causas da criminalidade, estudiosos da temática – Cesare Lombroso: O homem delinqüente8 (1876); Émile Durkheim: Da divisão do trabalho social (1999); Damásio de Jesus: Direito Penal (1991); Orlando
Soares: Curso de Criminologia (2003), entre outros – voltam-se para o controle social do delito, procurando compreender e explicar suas
razões. Constatam que o crime é um fenômeno altamente seletivo e sua prática não resulta de eventos casuais, já que nasce e se desenvolve
no seio da sociedade, constituindo a base conflitual e enigmática do ser humano.
Seu combate não consiste apenas no controle normativo, mas, também, em organizações voltadas para sua prevenção e a
socialização dos homens atingidos pelas desigualdades sociais, passaportes certos que são para a miséria humana, embora não sejam elas as
únicas responsáveis pelos fracassos do controle social e pelos aumentos dos índices de criminalidade. Marx Sorre, segundo Soares, entende
que:
A criminalidade pode ser vista como um sinal de “desadaptação” pois, quando o indivíduo não se adapta ao seu meio, ele é “tratado como criminoso, e é
expulso ou condenado à morte, ou torna-se louco”. Afinal, para ele “a origem do criminoso, como também a do homem genial e a do precursor pertencem à patologia social, ao menos em larga medida”, “todos produtos de
uma falta de adaptação”. Sua concepção de complexo patogênico não engloba a criminalidade, pois se liga diretamente à saúde fisiológica do corpo humano em relação ao meio natural (SOARES, 1984, p. 64-67).
Mas, afinal, qual é a origem do crime?9 Segundo apontam vários estudos, a resposta depende do cruzamento de diversos
fatores sociais, não se recusando a entendê-lo como a reação do homem ao meio em que vive, pois do produto socializador desse meio é que
se forma a personalidade do indivíduo e é em suas interações com a sociedade que ele vivencia a soma das desigualdades sociais (CANO,
2002, p.14-15).
Para Roberto Lyra, “sem solução da questão social não haverá solução da questão criminal” (apud SOARES, 1978, p. 49).
O estudioso ressalta que, já no século XIX, Adolphe Quetelet concluiu seus estudos chamando “a atenção para o fato de que a criminalidade
é fenômeno da vida social, relacionado ao clima, estação, sexo, estado civil, profissão, raça, instrução, condições ambientais em geral, inclusive as econômicas” (SOARES, 1978, p.26).
Fustigado pela necessidade de comer, o homem pode exibir desconcertantes condutas, transformando-se como qualquer outro animal submetido aos efeitos torturantes da fome,10 sendo os denominados crimes famélicos11 umas das conseqüências mais diretas.12
8
Cesare Lombroso (1835-1909), teórico do criminoso nato, pensamento que chamou a atenção do mundo na
época de sua divulgação. É um dos percussores do estudo do crime.
9
Ver Michel Foucault (1977), Erving Goffmann (1980), Zaluar (1996), entre outros.
10
Em seu estudo denominado ‘Geografia da fome’, Josué de Castro inicia-se afirmando que trata de um tema
“delicado e perigoso”, porque constitui um “tabu de nossa civilização”, e a tal ponto que havia poucos escritos
na época em que ele redigiu seu texto. E complementa: “[...] é realmente estranho, chocante, mesmo a observação, o fato de que, num mundo como o nosso, caracterizado por tão excessiva capacidade de se escrever e de se
publicar, haja até hoje tão pouca coisa escrita acerca do fenômeno da fome, em suas diferentes manifestações.
Consultando a bibliografia mundial sobre o assunto, verifica-se a sua extrema exigüidade. Extrema quando a
pomos em contraste com a minuciosa abundância de trabalhos sobre temas outros de muito menor significação.
Tal pobreza bibliográfica se apresenta ainda mais estranha e mais chocante quando meditamos acerca do conteúpdfMachine
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Embora comumente confundidos, os conceitos de criminalidade e violência não
são análogos, segundo o conceito jurídico. O crime e, por conseqüência a criminalidade, é um
conceito que se desenvolve em âmbito jurídico, a partir do estabelecimento de leis específicas
e de sua infração.
Crime é pois, assim, a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal, e ainda a ação ou omissão que a juízo do Legislador, contrasta
violentamente com valores e interesses sociais.
Encontram-se na doutrina conceitos materiais do crime, escritos por renomados autores, tais como: “crime é a conduta humana que lesa ou expõe a
perigo um bem jurídico protegido pela lei penal”. “Crime é ação ou a omissão que, a juízo do legislador contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir que seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal”. (BARBOSA, 2000, p.62).
Segundo Soares (2003) a criminalidade ou delinqüência...
[…] é a qualidade inerente à determinada ação ou omissão anti-social, ou seja, um ato de natureza delituosa. Em sentido lato, é o fenômeno anti-social,
que abrange o conjunto de delitos em suas várias modalidades, durante certa
época e em cada região, ou país. (SOARES, 2003, p. 55).
do do tema da fome – de sua transcendental importância e de sua categórica finalidade orgânica” (CASTRO,
2002, p.11).
11
Crime famélico são furtos cometidos em estado de necessidade, em que o agente, levado pela fome, subtrai
alimentos para suprir suas necessidades.
12
Na obra ‘Menores e loucos’, Tobias Barreto afirma que “o homem é o que come”; George Guilhermet, “dizeme o que comes e dir-te-ei quem és”. Ambos corroboram a tese de que a fome pode desviar o comportamento
humano de tal sorte que o famélico perde a humanidade. Um exemplo, de como fome e criminalidade podem
tecer estreitos laços, é dado por Soares, ao citar o caso do bairro afro-americano do Harlem, em Nova Iorque,
onde eram praticados seis vezes mais crimes do que no resto da cidade; a delinqüência juvenil era duas vezes
maior; cinqüenta por cento das crianças vivendo, na época, separadas dos pais, cujos vencimentos eram inferiores aos dos chefes de famílias de etnia caucasiana. Segundo apurou o autor dessa pesquisa, as conseqüências da
fome espelham muito bem um adágio popular: “a mesa do pobre é escassa, mas o leito da miséria é fecundo”
(SOARES, 2003, p.77).
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Segundo Gilberto Velho, o não-acesso a bens é um dos fatores da criminalidade a
que os excluídos socialmente estão mais expostos, ressaltando que “a incapacidade específica
do poder público em gerir e atender as necessidades básicas de uma população pobre, em acelerado crescimento, acentua mais ainda este quadro, agravado pela evidente conveniência da
polícia com a criminalidade” (VELHO, 1996, p.19).
Levando-se em conta a formação histórica, a extensão territorial, os diferentes aspectos ambientais e os diversos graus de
desenvolvimento, o Brasil tem história para contar acerca da violência, dos crimes e seus fatores em cada uma de suas regiões, desde o
banditismo social, como foi o caso do cangaço no Nordeste, até a miserabilidade extrema que atinge a uma imensa parcela de sua população,
ressaltando-se os sem-teto, os sem-terra e outros que vivem em condições subumanas nas favelas, cortiços e alagados. Wieviorka ressalta:
A violência não é a mesma de um período a outro. Nesse sentido, o historiador Charles Tilly faz um esclarecimento útil quando se propõe a caracterizar
cada grande época histórica que ele estuda por seu “repertório” específico
das formas da ação, e mais particularmente da violência (cf. Tilly, 1986).
Precisamente, as transformações recentes, a partir dos anos 60 e 70, são tão
consideráveis que elas justificam explorar a idéia de chegada de uma nova
era, e, assim, de um novo paradigma da violência, que caracteriza o mundo
contemporâneo (WIEVIORKA, 1997, p. 5).
Hoje, sabe-se que a violência não é um fenômeno que afeta apenas grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, como, constantemente, divulga a
mídia, evidenciando os crimes que nelas acontecem, pois a violência, gerada pelo crescimento
desordenado das cidades, avança também sobre o campo e atinge núcleos urbanos médios e
até pequenos. Quanto a esse aumento da incidência de crimes, pondera Paixão:
Há um sólido consenso, na sociedade brasileira atual, em torno do crescimento da criminalidade violenta nas áreas metropolitanas. Este consenso se
manifesta, por um lado, nas reações das populações que experimentam, em
sua vida cotidiana, os efeitos do crime e da violência, traduzidos em intensos
(e crescentes) sentimentos de medo e fortes demandas por leis e ordem, geralmente mescladas a avaliações negativas das instituições – policiais e judiciárias – implementadoras da ordem (PAIXÃO, apud PINHEIRO, 1983,
p.13-14).
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O latifúndio, concentrador de terra, é fator de expulsão dos rurícolas que, forçados a migrar, buscam nos centros urbanos mais desenvolvidos uma estratégia de sobrevivência. Contudo, despreparada para a vida urbana e sem encontrar lugar no mercado de trabalho,
uma parte acaba marginalizada e sujeita a todos os tipos da violência. A relação entre o crescimento da zona urbana e o aumento da violência é assunto complexo que tem sido motivo de
inúmeros entendimentos, tendendo muitos deles, de certa maneira, a pontos comuns. Tanto
assim, que Paixão ressalta:
A percepção generalizada da associação entre processos rápidos de crescimento urbano e o incremento nas taxas de criminalidade e violência encontra
um forte apoio nas teorias sociológicas convencionais sobre cidade. A lógica
do argumento parece bastante persuasiva: processos rápidos de industrialização e urbanização provocam fortes movimentos migratórios, concentrando
amplas massas isoladas (ou seja, carentes dos controles sociais espontâneos
próprios da família, da comunidade ou da religião) nas periferias dos grandes
centros urbanos, sob condições de extrema pobreza e desorganização social e
expostas a novos comportamentos e aspirações mais elevadas, inconsistentes
com as alternativas institucionais de satisfação disponíveis (PAIXÃO apud
PINHEIRO, 1983, p. 15-16).
O crescimento urbano desordenado, no Brasil, tende a tornar os grandes aglomerados humanos em um “caldo cultural” de todos os tipos de violência, cujas conseqüências
são percebidas na própria paisagem urbana, casas extremamente marcadas pelo medo de seus
moradores e projetadas para dentro de si mesmas, onde a arquitetura de espaço aberto perde
lugar, surgindo estruturas indevassáveis, com muros altos, verdadeiras fortalezas.
Enquanto o crime é desvalor da vida social, causado por um grande número de fatores, violência e criminalidade passam a ser expressões sinônimas, como se houvesse uma
superposição conceitual, embora cada uma delas tenha suas especificidades.
Neves (2002) preocupa-se em delinear a distinção entre violência e criminalidade, indo de encontro a uma tendência hoje muito forte na sociedade brasileira, a de amalgamar
essas duas noções. Sendo assim, a criminalidade pode ser compreendida como um fenômeno
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de desvio e estigmatização social, enquanto a violência – ao menos quando atinge os níveis
atuais – é, antes de tudo, uma questão de crise de sociabilidade. Assim, enquanto a criminalidade, na maior parte do tempo, envolve a formação e elos societários entre grupos marginalizados, a violência socialmente difusa expressa apenas a anomalia social. Seguindo ainda esse
raciocínio Neves complementa, dizendo:
Além disso, há de se levar em conta que existem formas não violentas de
crime e violências que não são tipificadas como crimes (os chamados crimes
de colarinho branco, por exemplo) e violências que não são tipificadas como
crimes pela sociedade (o uso da força pelos poderes constituídos). Sem contar que podemos falar, também, em formas de violência cotidianas que normalmente não são concebidas como tal. Assim é com a violência empregada
pelo Estado contra a população mais carente no que concerne ao não cumprimento de suas responsabilidades em termos de educação, saúde e segurança pública. Há aí, ademais, uma mensagem clara da idéia que se tem, no
país, quanto à “cidadania” dos grupos populares, os quais são vistos como
grupos sem direitos (NEVES et al. 2002, p.147).
Poderíamos acrescentar, nesse caso, as políticas públicas que, visando garantir a
expansão do capital, não atentam para as conseqüências ambientais e demandas sociais, como
na construção das grandes hidrelétricas.
Para a realidade brasileira, a violência não está apenas relacionada a fatores
criminógenos, pois a exclusão em que se encontra grande parte de sua população, vítima da
fome, da miséria, do trabalho forçado de menores, da prostituição infantil, da concentração
de riquezas, porque em poder de um número reduzidos de pessoas, e da carência de políticas
públicas na esfera social, também se caracteriza como violência, ainda que não seja física, é
moral e social, além de evidente agressão aos direitos fundamentais do ser humano.
Pode-se dizer que, a partir de todo o exposto, a idéia que procura reduzir o fenômeno da violência ao crime é irreal, pois estará negando todos os fatores de sua origem, já que a miséria, a fome e o desemprego não somente levam ao crime, à violência, mas resultam
de formas de violências praticadas, principalmente, nas grandes cidades marcadas pelas desigualdades sociais e econômicas. A poluição, a
lógica da produção capitalista industrial, a burocracia, as precárias condições do espaço humano são formas de violência social que resultam
em outras formas de violência, a criminalidade. Conforme Neves:
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A criminalidade pode ser interpretada de forma um pouco diversa; pode ser
considerada uma conseqüência perversa da recriação de sociabilidade em situações de abandono pelo Estado. Diante da completa ausência do Estado no
que diz respeito à saúde, à educação, à segurança social (elementos que poderiam servir de base a novas formas de solidariedade em uma sociedade em
rápida transformação), a criação de elos societários comunitários torna-se a
única forma de vida social significativa para amplos setores da população.
Esses elos se exprimem de diversas formas: nos grupos que se formam em
torno das músicas e danças urbanas, nas torcidas organizadas, no crescimento de movimentos religiosos comunitários e, também, na formação de grupos
criminosos (NEVES, 2002, p. 148).
A população está entre as duas faces da violência: por um lado, a institucional, a
do Estado; por outro, a criminal. Com a total identificação da violência com a criminalidade,
promoveu-se o sentimento de ameaça no seio social, tendo-se, por conseguinte, uma sociedade acuada e, mesmo, aterrorizada a ponto de a idéia de prevenção perder seu tão importante
sabor terapêutico, social ou individual, estruturando-se como um instrumento altamente eletivo:
Em verdade, o amalgama da violência com a criminalidade finda por legitimar e priorizar o lado repressor da ação estatal como única forma de combater a criminalidade violenta no país; o que justificaria, para muitos, certas infrações e certos desmandos cometidos pelo aparato policial (NEVES, 2002,
p.147).
A agressão ao meio ambiente é uma violência, embora, segundo Leite (2003),
nem sempre seja considerado crime no sentido jurídico. Segundo ele, para que os danos ambientais sejam considerados crimes, é necessário que estejam previstos como tal em lei.
Pode-se afirmar que a implementação de grandes projetos, voltados para o desenvolvimento, não raro agride ao meio ambiente, mas essa agressão nem sempre é classificada
como crime, pois nem toda intervenção humana no meio natural é considerada ilegal. Por
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conseguinte, muito mais é um tipo de violência contra o meio ambiente do que um crime propriamente dito. Nessa perspectiva, Fernandes e Fernandes afirmam:
Em meio a críticas e acusações, ambientalistas e ruralistas concordam que
urge, no país, a edição de uma nova lei ambiental, para dar, definitivamente,
um freio àqueles que, sem qualquer outra preocupação, ostentam contra as
“leis naturais do meio ambiente”, sem que respondam por seus abusos. A
que, através de leis positivas, do dogmatismo legal, estabelecer configurações ou tipificações penais mais enérgicas em favor de uma real proteção ao
ecossistema e, para tanto, devem os verdadeiros ambientalistas, através de
pressões a serem exercidas junto às autoridades governamentais, exigir a expedição de um novo diploma legal, minuciosamente, regorizado, ou seja, elencando e punindo todos os casos em que ocorre a criminosa agressão ao
meio ambiente (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 423).
A necessidade de uma lei ambiental, que venha a disciplinar a ação do homem sobre o meio ambiente, esbarra em “um tema cujas fronteiras não estão bem delineadas e, conseqüentemente, os seus limites jurídicos, também, não estão claramente definidos” (ANTUNES, 1998, p. 138).
A tarefa, nesse campo, não se reduz apenas a legislar e punir, mas tipificar o ato
lesivo ao meio ambiente. Assim, Antunes afirma que, “a grande dificuldade para tipificar o
ilícito ambiental é que os seus fundamentos estão também, em uma esfera nova e que atormenta a mentalidade conservadora” (ANTUNES, 1998, p. 150).
As dificuldades em tipificar a intervenção humana nociva ao meio ambiente como
ilícito penal decorrem, principalmente, da omissão de conduta legislativa atinente, uma vez
que as classes políticas ainda se motivam por projetos de desenvolvimento que afetam, de
modo danoso, a natureza e as condições de vida de milhares de pessoas.
Pode-se concluir esta discussão afirmando que desenvolvimento empreendido a
qualquer custo, sem levar em conta as interferências no meio ambiente, em seus aspectos eco-
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lógicos e sociais, pode provocar distorções que favorecem o aumento da violência e da criminalidade, como é o caso aqui em estudo.
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III – DE ARRUADO A CIDADE: A VELHA E A NOVA CANINDÉ
1. ORIGEM DO NOME
A palavra “canindé” é de origem tupi, deriva-se de “kani’ne”, refere-se a um tipo
de ave da família dos psitacídeos13 muito encontrada na região. O substantivo é conhecido
desde o século XVI, quando aparece em crônicas de Gândavo, F. Soares e Gabriel Soares de
Souza; no século XVII, em citações de J. Monteiro, Frei Vicente do Salvador, C. Lisboa, M.
Calado, Simão Vasconcelos, Heriart, Varnhagen e Capistrano de Abreu; no século XIX, em
obras de José de Alencar e Franklin Távora, no século XX, de Mário de Andrade. Todos esses
autores a descrevem como uma ave do tamanho de araras, com penas vermelhas, amareladas e
azuis (SOUZA, 2001; CUNHA, 1998).
Durante o período colonial, era comum adotarem-se, no Brasil, os nomes que os
indígenas davam a extensas áreas de terras, localidades, cursos de água, serras etc. Além de
expressões indígenas, nas nominações, também se levavam em conta nomes de santos católicos ou peculiaridades geográficas e termos ligados à flora e à fauna. Ainda hoje isso pode ser
constatado no estado de Sergipe, um dos primeiros a serem explorados pelos portugueses, que
adentraram a foz do Rio São Francisco, em 1507, com o objetivo de explorar a região. Com
esse feito, a Coroa portuguesa empenhou-se na exploração da região do baixo São Francisco
por achar que o rio constituía uma excelente via de acesso para o interior do território.
13
Espécies de aves de bico robusto, grosso e muito recurvo, que vive nos campos e florestas alimentando-se de
frutas, são os papagaios, araras e periquitos.
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Várias cidades do estado, e não apenas as existentes na bacia do Rio São Francisco, têm nomes de origem indígena, como Itabaiana, Aquidabã, Japaratuba entre outras. Outra
modalidade toponímica está diretamente ligada à atividade desenvolvida na região, a exemplo
das cidades de Malhada dos Bois e Poço Redondo, cujos nomes se devem à criação de gado
para corte e tração, atividade implantada na região após o descobrimento das cachoeiras de
Paulo Afonso, na Bahia, o que frustrou os portugueses em seus propósitos de utilizar o São
Francisco como via de penetração nos sertões (SOUZA, 2001).
Além da praticidade que essas formas de nominação ofereciam, ao tomar detalhes
da natureza, das atividades desenvolvidas etc., supõe-se que a prática era ditada por um interesse de ordem comercial, pois, ao fechar-se algum negócio ou definir-se algum pacto, remontando-se ao local onde o “contrato” havia sido combinado, mediante a lembrança de sua característica predominante, tinha-se a razoável certeza de que a analogia assegurava o efetivo
cumprimento do compromisso (SOUZA, 2001).
Com a finalidade de ordenar as nominações das localidades no país, evitando-se,
assim, a duplicidade, em 1943, é editada, no Brasil, a Lei nº 377. Como já existia uma localidade com o nome de Canindé no estado do Ceará, a cidade sergipana passou a chamar-se de
Curituba, nome também de origem tupi, que significa argila vermelha, em virtude das pedras,
encontradas nas margens de um rio homônimo da região, que apresentam pequenos filetes
vermelhos em seu interior. A mudança do nome trouxe descontentamento para a população do
pequeno arruado sergipano, determinando, de certa forma, a volta do antigo nome, o que aconteceu em 11 de janeiro de 1958, através da Lei nº 890, que devolveu ao município seu
nome de origem, e, para evitar pluralidade de nome no país, passou a chamar-se Canindé do
São Francisco.
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2. BREVE HISTÓRICO
A área onde hoje está localizada a cidade de Canindé do São Francisco foi ocupada, em tempos remotos, por grupos humanos nômades (caçadores e coletores) e, mais tarde,
por sedentários (agricultores). Esses últimos sofreram influências em seu modo de vida com a
chegada dos europeus, no século XVI.
Para Carvalho (2000), a presença de grupos nômades na área decorreu das condições locais, que possibilitavam fácil acesso a alimentos. Ressalta Carvalho:
Os grupos de caçadores coletores que se instalaram em terraços do São
Francisco, no pleistoceno, exploraram as potencialidades do ecossistema da
região. A proximidade da água, com a presença da piracema nas corredeiras,
com a fácil proteína animal obtida do peixe, a fauna disponível e constatada
a partir de vestígios arqueológicos em fogueiras, a possibilidade de contatos
interéticos pelo rio tornaria os terraços do São Francisco, aparentemente, local ideal para a instalação de grupos de tecnologias simples e economia extrativista (CARVALHO, 2000, p. 30).
No século XVII, enquanto a metrópole dirigia seus esforços para promover a cultura canavieira no litoral, o interior era ocupado por criadores que proviam a zona produtora
de açúcar com animais de trabalho, atendendo aos engenhos e ao transporte de mercadorias,
sendo as cidades de Salvador e de Olinda pontos de saída das rotas de ocupação:
O sertão nordestino foi integrado na colonização portuguesa graças a movimentos populacionais partidos de dois focos: Salvador e Olinda. Foram estas
duas cidades que se desenvolveram como centros de áreas e terras férteis de
“massapé” e, conseqüentemente, como centros açucareiros que comandaram
a arremetida para os sertões à cata de terra onde se fizesse a criação de gado
indispensável ao fornecimento de animais de trabalho – bois e cavalos – aos
engenhos, e ao abastecimento dos centros urbanos em desenvolvimento
(ANDRADE, 1980, p. 161).
Os que partiram de Salvador, na direção norte, subiram pela margem direita do
Rio São Francisco, alcançando a região de Paulo Afonso (BA), onde encontraram outros grupos provenientes da Bahia. A expedição que saiu de Olinda, durante o governo de Duarte Coelho, chegou a atingir as margens do rio, na altura da cidade de Penedo, Alagoas.
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ROTAS DE EXPANSÃO DA REGIÃO DE XINGÓ NO SÉCULO XVII
FONTE: CHESF/ENGE-RIO, Tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol.3, Meio Antrópico, fev.1993.
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Com a finalidade de separar as áreas de cultivo agrícola das de pecuária, a Coroa
portuguesa empreendeu uma política voltada para as necessidades dos proprietários:
Para executar essa política e atender aos interesses dos proprietários, que residiam em Salvador e Olinda, os governadores lhes doavam grandes extensões de terra, as quais eram divididas em sítios e entregues aos vaqueiros.
Desse modo, o acesso à terra era privilégio de poucos: os pequenos criadores
alugavam sítios e os agricultores se tornavam rendeiros e dependentes dos
grandes latifundiários. Dentre esses, sobressai a família Garcia d’Ávila, conhecida como da Casa da Torre, que dominava as margens do Rio São Francisco. A população da época era constituída de prepostos dos latifundiários
(vaqueiros ou sitiantes), homens livres (pequenos criadores e agricultores
que, eventualmente, prestavam serviços aos prepostos) e alguns escravos
(CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.7).
Historicamente, o município de Canindé fazia parte da sesmaria14 de 30 léguas de
terras, concedida aos Burgos, família da Bahia chefiada pelo Desembargador Christovam de
Burgos, doadas em 1669, pelo governador de Pernambuco, D. João de Souza, propriedade que
mais tarde pertenceu ao morgado15 de Porto da Folha (SOUZA, 2001), conforme se comprova
no alvará de doação abaixo transcrito:
SESMARIA DE 30 LÉGUAS DE TERRA
Alexandre de Souza Freire, Fidalgo da casa Portugueza e capitam geral do Estado do Brazil, etc. Faço saber aos que este Alvará de doação, e sesmaria,
virem que o Desembargador Christovam de Burgos, Pedro Garcia Pimentel, o capitão Manoel de Coutto Dessa, Hieronimo da Costa Tabordo, e Antonio Rodrigues
me enviarão apresnetar, petição cujo theor he o seguinte: Disem o Desembargador
Christovam de Burgos, Pedro Garcia Pimentel, o capital Manuel de Coutto Dessa,
Hieronimo da Costa Taborda, e Antonio Rodrigues, que elles têm seus gados em
quantidade, e não têm terras em que as possentar: e he vindo a sua notícia, que
donde acabão as terras povoadas, entre o Rio de Vazabarris e o de Sergipe, por elles assima, e pellas rabiceyras do ditto Rio de Sergippe de hua banda e de outra indo pello certam dentro; e para a parte do Rio Sam Francisco, há terras e pastos, que
athe o presente senão occuparão, nem pessoa alguã as povoou ou descobriu, e estam devolutas, e elles supplicantes as querem hora ir descobrir, e povoar, o que he
grande serviço de S. A., e augmento de seus dezimos, e rendas Reaes, portanto P. a
14
Segundo Ann Helen Wainer, as sesmarias tem origem em Portugal, com a finalidade de atender a necessidade
de alimentos: “Diante dos graves problemas da falta de gêneros alimentícios em Portugal e, por esse motivo,
tornados proibitivos às classes menos favorecidas, foram criadas as sesmarias através da lei de 26 de junho de
1375, no reinado de Dom Fernando I, incorporadas no Livro IV (Livro das Ordenações Afonsinas, que contém
as disposições pertinentes ao Direito Civil), sob o título LXXXI, visando com esta medida a incrementar o cultivo do maior número de terras (WAINER, 1999, p.8).
15
Com esse termo se identifica o filho único ou primogênito, de qualquer forma herdeiro das terras de uma determinada família.
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Vm, lhes faça mercr dar-lhe sesmaria a todos cinco, trinta legoas de terras de pasto,
que estiverem juntos, ou devididos, e como se acharem, reservando mattas e catingas desde o Rio de Sergippe athe o Vazabarris, e por elles assima athe entestar com
as terras povoadas ... da demarcação da Serranegra e cabeceyras do rio de Sergippe, de hua banda e de outra, caminhando pello Certão dentro, e de largo, desde o
ditto Vazabarris, athe o de Sergippe, e para a parte do Rio de São Francisco, athe
entestar com as cabiceyras das terras, que possue o Tenente Pedro Gomes, e outros
hereos; os quaes elles supplicantes pedem como terras não dadas, ou devolutivas, e
desaproveytadas, e não povoadas de outros. E. Rem. E visto a informaçam, que sobre este particular me fez o Provedor-mor da fazenda Real deste Estado, que he o
que se cegue:
Senhor. Por ser tanto em utilidade da fazenda Real descobrir e provar
as terras, que o não estam, sendo V. S. servido, deve dar aos supplicantes sesmarias
das terras, que pedem, por terem possibilidade para as descobrirem e povoarem,
como não prejudiquem a terceyros, Bahia e de Novembro vinte e sinco de mil e
seiscentos secenta e nove. Lourenço de Britto de Figueiredo, e serem todos pessoas, que tem cabedal para as aproveytar, e cultivar as dittas terras em benefícios da
fazenda Real. Hey por bem lhes conceder (como pella presente faço) em nome de
S. A. as ditas trinta legoas de terra de pastos de Sesmarias assy e da maneyra, que a
pedem, e centrentam em sua petição, não prejudicando a terceyro; com todas suas
águas, campos, mattas, testadas, lougradouros e mais úteis, que nellas se acharem,
tudo forro, livre, ciza, desenção, ou tributo algum salvo dizimo a Deus, que pagará
nos fruttos, que nellas ouvir; e por ellas será obrigado a dar caminhos livres ao
Conselho, para fontes, pontes e pedregras. Pello que ordeno e mando, a todos os
Ministros, e justiças a que o conhecimento desta com direito deva ou não possa
pertencer, lhe mandem dar a posse Real effectiva, e actual, na forma costumeira
debaixo das clausulas, assima defferidas, e as mais da Ordenação tomo das Sesmarias. Pela firmeza do que lhes mandey passar a presente sub meu sinal, e sello de
minhas armas, a qual se registará nos livros da Secretaria do estado, e nos mais a
que tocar; e se guardará e cumprirá tão pontual, e inteyramente como nella se conthem sem dúvida, embargo, nem contradiçam alguã. (Joseph Cardoso Pereyra a faz
nesta cidade do salvador Bahia de todos os Santos em os vinte e nove dias do mez
de Novembro. Anno de mil e seiscentos secenta neve. Bernard. Vieyra Travasco
fez escrever. Alexandre de Souza Freyre. Alvará de doasam e sesmaria de trinta legoas de terra de pastos, que V. Sa. teve por bem conceder ao Desembargador Christivam de Burgos, Pedro Gracia Pimentel, o capitam Manuel de Coutto Dessa, Hieronimo da Costa Taborda e Antonio Rodrigues, entre o Rio de Sergippe e Vazabarris na forma e pellos respectivos assima declrados. Pa V. S.a ver. (FREIRE, 1977,
p.413-414).
Segundo alguns estudiosos, os esforços para povoar as terras da sesmaria sempre
fracassavam, devido, principalmente, à presença de negros reunidos em mocambos,16 que
matavam o gado e destruíam as plantações, fato tão significativo que motivou, em 1704, a
decisão do então capitão-mor de Sergipe, Dias da Costa, de “extinguir os mocambos, aprisio-
16
Ao discorrer sobre a formação dos mocambos, Felisbelo Freire argumenta: “Além disso, o efeito produzido
nas raças africana e índia, pela invasão holandesa e a guerra da emancipação, foi um efeito anticivilizador. Realmente, os negros, sem a fiscalização do senhor, empenhado na guerra, abandonam as fazendas, o trabalho, e
reúnem-se em mocambos, outros tantos focos de assassinato e de rapinagem, e que ofereceram empecilho ao
desenvolvimento das forças civilizadoras (FREIRE, 1977, p.193).
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nar os negros e reduzir os índios maracaz cucuriás e caboclos que têm domésticos” (SILVA,
apud SOUZA, 2001, p. 22). Explica Felisbelo Freire:
Compreende-se, por conseguinte, que essa tendência bem positiva da sociedade colonial, em sua generalidade, de crimes e de desordens, reclamava
uma medida administrativa que viesse corrigir esse estado, para não se perpetuar. E essa medida só podia afetar a organização judiciária, alargando suas prerrogativas e aumentando seus órgãos (FREIRE, 1977, p.194).
No ano seguinte, é expedido o alvará que dispõe sobre a necessidade de destruir
os redutos indígenas17 com a finalidade de assegurar a paz necessária à consolidação da cultura dos currais ao longo do rio. Como a região não permitia o desenvolvimento de atividades
agrícolas e os curais possibilitavam a geração de impostos, atendia-se, assim, às características de uma população mestiça, segundo Freire discorre:
A profissão do gado era a profissão dominante nestes tempos.
Verifica-se aqui uma lei geral da marcha das civilizações. Antes de o sergipano ser lavrador, foi pastor. E uma razão de ordem étnica influiu para este
resultado. O maior peso específico da população era dado pelas gerações
mestiças, tão contrárias as profissões de hábitos fixos.
Além disto, a formação geológica da capitania não deixava também de prestar sua influência.
Toda zona ocidental, constituída por terrenos agrestados, pouco próprios ao
desenvolvimento de qualquer lavoura, prestava-se à criação do gado (FREIRE, 1977, p.176).
Com a cultura dos currais já consolidada, no final do século XIX, o Capitão Luiz
da Silva Tavares, herdeiro do morgado, vende por quinhentos mil reis, a Francisco Cardoso de
Brito Chaves, a localidade onde, posteriormente, seria erguida a cidade e onde já existiam
quatro fazendas: Cuiabá, Brejo, Caiçara e Oroco, dispersas, facilmente se localizavam suas
clareiras abertas no imenso cerrado catingal, de xiquexiques, mandacarus, unhas-de-gato, ca-
17
Um dos relatos mais importantes, acerca dessa questão, é o da luta travada nos tribunais brasileiros pelos
Índios Xocós, da Ilha de São Pedro, Porto da Folha, Sergipe, para provar o direito que tinham à terra. No episódio evoca-se parte da história nacional, em que a cultura dos currais expulsou os índios de seu habitat e colocou
o gado em seu lugar. Ver: DANTAS, Beatriz Góis; DALLARI, Dalmo de Abreu. Terra dos índios xocós; estudos e documentos. São Paulo: Comissão Pró-Índio, 1980.
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raíbas, entremeados por baraúnas, aroeiras, verificando-se vegetação típica do agreste, xiquexiques, mandacarus, unhas-de-gato, caraíbas, entremeados por baraúnas, aroeiras, verificando-se vegetação típica do agreste:
As primeiras incursões no território de Canindé de São Francisco remontam
aos primórdios das penetrações baianas na região, ainda no século XVII. Entretanto, somente a partir do fim do século passado é que se registra a existência de uma grande fazenda de gado, em torno da qual surgiu um curtume
de couros que deu origem a uma importante indústria mecanizada na região,
que, associado à pecuária extensiva e à agricultura de subsistência constituíam principais fontes de renda. A pesca também compunha o quadro de recursos de um pequeno contingente de moradores. A partir da desativação da
industria (1940), a cidade passou a viver uma fase de declínio.
(CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.11).
FOTO 1 – CANINDÉ DE BAIXO
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
A grande propriedade foi, no final do século XIX, adquirida por Francisco Porfírio, conhecido como Coronel Chico, que ali construiu sua residência e implantou a sede da
antiga Canindé e, em parceria com seu irmão João Fernandes de Brito, fundou o Curtume
Canindé, ocasionando, segundo Souza (2001), uma grande movimentação, já que muita gente
em busca de trabalho foi atraída ao local.
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Os deslocamentos dos rebanhos, a comercialização dos produtos e as primeiras unidades de beneficiamento do couro e do algodão fizeram surgir os núcleos populacionais, inicialmente nos entroncamentos, mais tarde transformados nos povoados e vilas ao longo das travessias do rio, dos caminhos e
das estradas (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3,
Meio Antrópico, fev.1993, p. 8).
Data dessa época também a diferenciação: “Canindé de Cima” e “Canindé de
Baixo”. A primeira constituía-se de um aglomerado de algumas casas de pescadores, enquanto que Canindé de Baixo, próxima à beira do rio, hospedava o curtume, o cemitério, a capela e
residências que possibilitavam a formação de um pequeno arruado cujas imagens ainda permanecem vivas na memória de seus antigos habitantes. O curtume constituía, nesse caso, um
dos elementos que compunham a paisagem como símbolo do desenvolvimento que chegou ao
município, no passado. É através de acontecimentos desta natureza que moradores do local,
como Salomão Porfírio de Brito, neto dos fundadores do curtume, procuram contar, com riqueza de detalhes, a vida de uma cidade encravada entre serras e erigida às margens do Rio
São Francisco, no alto sertão sergipano:
Então meus avós, descendentes de holandeses,18 chegaram a Canindé e, aí,
começaram a trabalhar. Fizeram um “curtumizinho” e um tanque de pedra e
cal debaixo de um carabeiro, daí então começaram a curtir couro. Começando daí o desenvolvimento em Canindé, que desenvolveu muito, e o curtume
chegou a ter cerca de cem ou duzentos operários. Depois de um tempo, meu
avô morreu e meu pai, que era o Coronel Francisco Porfírio de Brito, continuou com o curtume e a minha família passou a ser uma das mais ricas da
região. Naquela época, as minhas irmãs mais velhas estudaram em Aracaju,
no Colégio Nossa Senhora de Lourdes. Não tenho vergonha de dizer hoje
que cresci em Canindé do São Francisco (Salomão Porfírio de Brito, entrevista concedida em 11/02/2002).
18
Quanto à presença dos holandeses em terras nordestinas, Felisbelo Freire diz: “Três fases muito diversas apresenta o domínio holandês no Brasil. Na primeira, que se estende da invasão à administração de Nassau (16301637), o espírito comercial é o que domina, a fim de que a Companhia não desista de seus planos de explorações.
Para antecipar-se o saldo de despesas que se iriam tornando insolváveis, se a frente dos invasores não se coloca
Domingos Calabar, dirigindo uma guerra de emboscadas, de saques, de rapinagem, a invasão vai se estendendo a
maiores âmbitos. Não nos compete nada dizer deste período. A segunda, que vai de 1637 a 1644, compreende
toda a administração de Nassau (1637-1644). Seu alto tino administrativo, seu ilustrado espírito, estabelecem as
bases de uma política verdadeiramente livre, que reivindicaria para a Holanda todo o território setentrional, se
não se manifestasse por parte da Companhia e seus delegados, a tendência de substituir-se o espírito político pelo
espírito mercenário. Na terceira fase que é a guerra da independência, (1645-1654) o heroísmo e patriotismo dos
invadidos foram postos em ação” (FREIRE, 1977, p. 120).
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FOTO 2 – MAQUINA DO CURTUME
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
De um “cortumizinho”, de cal e pedra porque, na época, nem se ouvia falar em
cimento, chegou-se então a uma indústria mecanizada, ao apogeu do lugar e ao reconhecimento da família Brito. Assim, a “cultura dos currais” possibilitou a “cultura do couro”:
Os mais variados utensílios domésticos e móveis eram feitos de couro. Capistrano de Abreu, analisando o complexo cultural que dominou a região e
que ele com grande oportunidade chamou “civilização do couro”, afirmou:
“de couro era a porta das cabanas, rude leito aplicado ao chão, e mais tarde a
cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água,
o mocó ou a alforge para levar comida, a mala para guardar a roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as brocas e os surrões, a roupa de montar no mato, os bangüês para curtumes ou para apanhar sal, para os açudes o material de aterro era levados
em couros por juntas de boi, que calcavam a terra com seu peso, em couro
pisava-se tabaco para nariz”. Este sistema dominou por séculos o sertão, e
quando Spix e Martius percorreram o Nordeste ao chegarem no Piauí ainda
encontraram, até nas fazendas de propriedade do governo imperial o sistema
de criação extensivo enunciado por Antonil (ANDRADE, 1980, p.165).
Todo o comércio do couro era feito através de embarcações denominadas “canoas
de tolda”19 e navios que subiam o rio até a cidade de Piranhas, Alagoas, para onde as cargas
19
As “canoas de tolda” são antigas embarcações tradicionais do baixo São Francisco, de grande porte, feitas
inteiramente em madeira e movidas a velas, que faziam todo o transporte de carga e passageiros entre as cidades
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eram levadas em canoas menores, que aportavam em um pequeno atracadouro chamado Porto
do Furado. Transformava-se a pequena Canindé de Baixo em um dos lugares mais importantes da beira do velho Chico, enquanto esteve em atividade o curtume.
FOTO 3 – CANOA DE TRANSPORTE DO BEIRADEIRO
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
As canoas de tolda são uma lembrança que aflora na memória dos antigos moradores de toda região do baixo São Francisco, como uma época de riqueza, conforme nos mostra o estudo de Rieper (2001) e é característico da região objeto desse estudo. O curtume teve
grande importância para Canindé do São Francisco, gerando empregos diretos e indiretos, o
que pode ser comprovado pelo grande fluxo de canoas carregadas de mercadorias produzidas
na região, que desciam o rio São Francisco até Própria e Penedo, conforme atesta Rieper
(2001):
e povoados da região. Mesmo sendo fortemente presente no imaginário do ribeirinho, como um símbolo da fartura uma vez existente, restava navegando, em 2000, um único exemplar original, de nome Lusitânia, adquirida
pela “Sociedade Canoa de Tolda”, atualmente em restauração (RIEPER, 2001, p.15).
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A absorção de mão de obra para o trabalho nos barcos era significativa, encontram-se, em grande parte das famílias ribeirinhas, pessoas que trabalharam embarcadas no baixo São Francisco. Em cada barco trabalhava, seu dono, que, em geral, não embarcava nas viagens, desempenhando mais a tarefa
de fiscalizar o trabalho, receber o dinheiro e manter a canoa. O piloto que era
o comandante da embarcação tinha grande autonomia, inclusive na negociação de cargas e preços (RIEPER, 2001, p.52).
FOTO 4 – BEIRADEIRO EM FESTA
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga
Canindé.
Segundo o relato do Sr. Salomão, o comércio de couro se expandiu e a fábrica
chegou a ter cerca de 100 a 200 pessoas trabalhando. Seus avós adquiriram outra propriedade,
a que deram o nome de Cuiabá, onde foi construído o primeiro açude no município. Essa foi a
fase áurea do curtume, o que possibilitou ao pai do entrevistado tornar-se um dos grandes
proprietários de terras e da riqueza da região. Homem de posses, podia até pagar os estudos
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das filhas em Aracaju, que estudavam internas, no Colégio Nossa Senhora de Lourdes,20 o que
lhe garantia um bom “status” entre os moradores daquela localidade.
O curtume, implantado no final do século XIX, mesmo considerado a principal
fonte de renda dos habitantes da região, não resistiu ao tempo, encerrando suas atividades em
1940, quando foi desativado, ocasionando um grande prejuízo para a então vila de Canindé.
Porém, isso não impediu a elevação da vila à condição de cidade, fato que aconteceu em 25 de
novembro de 1953, quando é desanexada do município de Porto da Folha, através da Lei Estadual nº 525/A. Em 1954 foi eleito o primeiro prefeito e, finalmente, em 5 de fevereiro de
1955, o município obteve sua autonomia administrativa (SOUZA, 2001).
FOTO 5 – EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE CANINDÉ
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
Há um período de isolamento que se estende entre a emancipação política de Canindé do São Francisco (1953) e a implantação do Projeto Califórnia (1986), época em que
também se inicia a construção da barragem de Xingó (1987). A esse respeito relata Lopes:
20
Colégio de origem francesa, administrado pelas irmãs Sacramentinas, autorizado a funcionar pela Lei Estadual
nº 880, de 24 de novembro de 1924, mantinha, em suas dependências, alunas em regime de internato. Certidão
expedida pela Secretaria de Justiça e do Interior, datada de 04.11.1924.
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Somente a partir da segunda metade dos anos 80 é que o sertão sergipano,
notadamente o município de Canindé do São Francisco, vai passar por transformações extremamente importantes do ponto de vista econômico e social,
como conseqüência da implantação do projeto Califórnia e da Hidrelétrica
de Xingó. Além de sair do isolamento em relação aos outros municípios do
estado, a região vai apresentar um elevado crescimento demográfico, uma
interação crescente com outras regiões e um forte estímulo na expansão e dinamização das atividades agrícolas (LOPES, 2000, p.180-181).
O Projeto Califórnia surge na esteira das ações desenvolvidas pelo governo de
Sergipe21 para aproveitar os recursos hídricos, com a finalidade de impulsionar a agricultura
irrigada, abrindo novas fronteiras agrícolas. Neste sentido, lançou-se mão de aporte financeiro
oriundo do Banco Mundial, viabilizando-se a construção de um conjunto de perímetros irrigados, envolvendo-se um projeto mais amplo, de alcance estadual, o denominado “Chapéu de
Couro”.22 Entre os perímetros consolidados, está o Califórnia:
Com o projeto, o governo de Sergipe pretendia tornar produtivas as terras
das fazendas Califórnia e Cuiabá, instalando nelas colonos da própria região,
visando minorar os graves problemas de emprego e renda historicamente
presentes na vida dos sertanejos. Para tanto, lançou mão da prerrogativa de
considerá-las de interesse para implantação de um projeto de utilidade pública, desapropriando-as ainda em 1984 e dando início à construção da infraestrutura de irrigação, cujo término ocorreu dois anos depois (LOPES,
p.144).
Concluídas as obras de infra-estrutura da irrigação em 1986, as terras foram assim
distribuídas:
A superfície dessas fazendas foi dividida em duas áreas, sendo uma de sequeiro, com 61 lotes, e a outra, passível de irrigação, com 307 lotes. Os lotes
foram concedidos a trabalhadores sem-terra da região e técnicos ligados à
agricultura selecionados pelo Estado, e pequenos empresários que se dispusessem a trabalhar com agricultura irrigada (LOPES, 2000, p.144).
21
Governador João Alves Filho, gestão de 1982 a 1987.
Projeto idealizado pelo governador João Alves Filho em seu primeiro governo (1982-1987), com a finalidade
de criar ações que visassem a convivência com a seca.
22
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A organização do perímetro proporcionou, inicialmente, a construção de uma agrovila com 114 casas; posteriormente, muitos colonos foram construindo suas residências
nas unidades produtivas, vez que preferiram residir nelas (LOPES, 2000). Segundo atesta Lopes:
Na área existem 2 grupos escolares, uma igreja católica, um campo de futebol e as sedes da Associação do Projeto de Irrigação Califórnia – APICAL e
Associação dos Agricultores Irrigantes de Canindé do São Francisco – ASSAI. Aquela, através de contrato de comodato com a COHIDRO, administra
os 3 tratores de pneus, para o uso de todos os assentados do perímetro (LOPES, 2000, p.146).
No projeto, são cultivados quiabo, milho, tomate, feijão, amendoim, abóbora, banana e goiaba, sendo o quiabo o principal produto, exportado para Aracaju, Recife e Salvador.
Quanto ao predomínio do cultivo do quiabo, importa acrescentar que se trata de uma planta de
desenvolvimento rápido, resistente a pragas, doenças etc., pouco exige quanto à qualidade dos
solos, seus custos de produção, por conseguinte, são dos mais baixos. Talvez em vista disso,
Araújo ressalta:
O redirecionamento da produção para o quiabo deu-se em virtude das características favoráveis de adaptação da cultura à região e pelos benefícios que a
mesma proporciona: produção continuada por um período de 4 a 6 meses,
colheitas intermitentes que permitem comercialização duas a três vezes por
semana, certeza de comercialização do produto colhido (apesar da flagrante
insatisfação com os preços vigentes) adequação da cultura às características
do solo e do clima do perímetro aliado a facilidade de fornecimento de água
pela irrigação (ARAÚJO, 1997).
Ademais, Lopes ressalta:
A perspectiva de tornar o projeto um grande produtor de frutas de mesa, apesar dos cultivos de banana, goiaba, mamão, melancia, melão e acerola existentes na área, foi frustrada. O que sobressaiu e hoje constitui atividade dominante no projeto é a horticultura, principalmente o quiabo, que se tornou o
produto mais importante do assentamento. A área plantada com fruteiras,
que em 1990 representava 8,22% da área total, caiu para 1,53% seis anos
depois. Em contrapartida o quiabo sozinho respondia em 1996 por 67,18%
da produção e 45,82% da área cultivada do assentamento (LOPES, 2000,
p.147).
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Apesar das conquistas no campo da produção, segundo Lopes, até 2000, os colonos sobreviviam em meio a uma série de dificuldades, entre elas, a falta de estrutura da associação em que se agrupam e a burocracia que impede o recebimento do título definitivo do
lote:
Os colonos do Califórnia, assim como os dos demais projetos de irrigação
implantados pelo governo estadual, hoje com mais de dez anos, não possuem
o título definitivo das terras, devido a problemas burocráticos e fatores de
ordem política injustificável. Segundo o coordenador da área de colonização
da COHIDRO, já foi solicitada em caráter de urgência à diretoria da empresa, a nomeação de uma comissão para analisar o problema e dar o parecer
sobre a emancipação dos assentamentos do governo estadual, a fim de resolver de uma vez a questão da titulação definitiva dos lotes (LOPES, 2000,
p.148).
FOTO 6 – PRÉDIO DA PREFEITURA DA VELHA CANINDÉ
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
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3. O IMPACTO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM
Canindé do São Francisco era a típica cidade destinada a ser apenas mais um ponto no mapa de Sergipe. As dificuldades das vias de acesso e de infraestrutura, aliadas às características ingratas do clima, colocavam-na fora dos roteiros turísticos e dos negócios, públicos
e privados, do estado. A cidade limitava-se apenas a uma rua principal de 500 metros, contava
com 120 casas residenciais e 14 prédios públicos (Câmara municipal, delegacia de polícia,
Fundação SESP, centro telefônico, correio, prefeitura municipal, garagem municipal, posto do
INAM, grupo escolar, cemitério e quatro casas residenciais pertencentes à prefeitura municipal). “Vivia” tranqüila e aparentemente esquecida com seus 530 habitantes, cujo sustento vinha da pesca e da pequena agricultura de subsistência (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.66-67).
Localizada nas margens do rio São Francisco, numa estreita faixa de terra
entre os altiplanos da chapada e as escarpas do rio, a cidade de Canindé, por
motivo da construção da UHE Xingó, veio a ser relocada em março de 1987.
Pouco antes da relocação da cidade, foi implantado o Projeto Perímetro Irrigado do Califórnia (designado popularmente Projeto Califórnia), o qual se
propõe ao aproveitamento das terras agricultáveis nas proximidades da nova
cidade, ao mesmo tempo em que consolida o remanejamento da população
atingida pelo empreendimento de Xingó (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.11-12).
Segundo os depoimentos colhidos junto a antigos moradores da localidade, não
havia comércio nem feira livre na cidade, excetuando-se duas ou três vendas que dispunham
dos bens de primeira necessidade. Tudo era adquirido no município de Piranhas, em Alagoas,
e levado de canoa até o porto de Canindé de Baixo, para depois ser transportado a cavalo até a
cidade, já que não existiam estradas e sim caminhos e picadas no meio do mato. As comunicações, via Correios, chegavam com muita dificuldade, pois o malote viajava de Penedo a
Piranhas, cidades de Alagoas, até chegar em Canindé, onde as correspondências eram distri-
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buídas para os povoados de Capim Grosso e Curituba, reconhecidos como os mais importantes do município.
Na década de 1950, quando ainda se desenvolviam os trabalhos de implantação da
primeira usina da Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF, em Paulo Afonso,
Bahia, Canindé do São Francisco já era visto como local com possibilidades para a implantação de uma usina, devido às condições favoráveis de terreno para tal finalidade. A construção
iniciou-se em 1987, tornando-se a Usina Hidrelétrica de Xingó uma das maiores obras do setor elétrico brasileiro dos últimos anos. As obras foram paralisadas durante o período de outubro de 1989 a março de 1990, iniciando-se o funcionamento da primeira turbina somente em
1995.
Com a chegada dos primeiros trabalhadores e maquinários, o pequeno arruado teve sua rotina modificada. Sem estrutura para receber um volume de pessoas muitas vezes superior a de seus moradores, motivaram-se os engenheiros da CHESF a propor a transferência
da sede do município para um novo local como medida de segurança, edificando-se um alojamento para solteiros.
A cidade estava localizada na margem direita do rio São Francisco, tendo sido relocada pela CHESF em 1987, com o objetivo de desimpedir o espaço
para a circulação e o transporte pesado, construção de alojamentos e para
resguardar a cidade dos inconvenientes da proximidade com o canteiro de
obras. (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio
Antrópico, fev.1993, p.172).
A construção de uma usina hidrelétrica é uma obra de grande porte que atrai uma
significativa quantidade de operários. Exige uma ação anterior de desapropriação de terras
destinadas à obra e aos alojamentos da denominada logística (matérias, maquinários e operários). Em Canindé do São Francisco, além dessa desapropriação, fez-se necessária a construção de escritórios, alojamentos para solteiros, vila para técnicos e trabalhadores com suas fa-
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mílias, bem como melhoria da malha viária para o transporte de materiais, maquinários e o
acesso às instalações.
Embora essas mudanças sejam, do ponto de vista da engenharia, justificáveis, isso
provoca o deslocamento compulsório de um contingente populacional, cujos efeitos se destacam como os mais penosos e traumáticos de todo o processo de implantação de obras dessa
natureza:
A rigor, além dos efeitos negativos específicos deste deslocamento para
quem sai da região, esse processo instala, potencialmente, uma dinâmica de
desestruturação-reestruturação da economia e da vida social local e regional,
desencadeando, desde o anuncio da implantação do projeto, um clima de incertezas, instabilidades e expectativas (REIS e BLOEMER, 2001, p.74).
Inúmeros autores são unânimes quanto às conseqüências danosas de projetos dessa natureza e porte em regiões subdesenvolvidas que adotam o capitalismo. Andrade é um
deles:
Geralmente os grandes projetos de utilização de recursos naturais, em um
país subdesenvolvido e que fez uma opção capitalista, acarretam a quebra de
padrões tradicionais de costumes, de uso de recursos e de cultura, provocando efeitos que, conforme o planejamento, quase sempre são danosos do ponto de vista social e ecológico, embora proporcione crescimento econômico.
Um crescimento econômico que se faz apenas em benefício de grupos minoritários que habitam e produzem em áreas e locais bastante distantes das áreas em que se procede a intervenção (ANDRADE, 1984, p. 1).
Na expressão de uma moradora23 da antiga Canindé do São Francisco, houve uma
espécie de “aliança de três mãos”, abrangendo estado, município e CHESF, para a construção
da nova sede municipal. Parceria definida, no relatório da CHESF/ENGE-RIO, como parte
importante na consolidação do projeto de construção da Usina de Xingó, como resposta à adequação das condições locais para a concretização do projeto:
23
Dona D. G., entrevista realizada em 11 de fevereiro de 2002.
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Objetivando integrar o empreendimento Xingó a realidade local e regional, a
CHESF vem desenvolvendo ações em conjunto com os governos estaduais e
municipais envolvidos, podendo se citar:
 Em 30 de outubro de 1987 foi assinado convênio entre a CHESF e a FIDAM (órgão da Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas) para
elaboração do plano diretor de Piranhas.
 Em 29 de março de 1988 foi assinado o convênio “Guarda-Chuva” entre
a CHESF, o governo do estado de Alagoas e a prefeitura de Piranhas,
onde são definidas ações em diferentes áreas.
 Em 11 de maio de 1989 foi assinado o primeiro termo aditivo ao convênio celebrado em 29 de março de 1989, transferindo para a Secretaria de
Planejamento as obrigações assumidas pelo estado e que eram de responsabilidade da FIDAM.
 Com a instalação das primeiras famílias, em janeiro de 1989, no bairro
Xingó, os serviços de educação e saúde tiveram início no primeiro trimestre de 1989.
 Em Julho de 1991 foram assinados os convênios de educação saúde e
renda.
A CHESF vem mantendo entendimentos com o governo do estado de Sergipe, objetivando a implementação de projetos semelhantes na área sergipana
do empreendimento. (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.71).
Essas medidas estão presentes no rol das ações desenvolvidas que desencadearam
o desenho da nova Canindé do São Francisco, localizada a cerca de 4 km da antiga. Construída e dotada de infra-estrutura própria, com escola, hospital, agência bancária, comércio, meios
de comunicação, para lá se deslocaram as 18 famílias que residiam no antigo arruado.
A velha Canindé de Baixo, transformada em alojamento para solteiros, aos poucos
era tomada por uma grande quantidade de pessoas, oriundas dos mais diferentes rincões do
país, que chegavam para trabalhar nas obras da construção da usina, enquanto o beiradeiro,
enterrando suas velhas tradições, deixava o local em que estavam fincados seu modo de vida,
sua história, sua identidade e seus sonhos, hoje presentes apenas nas lembranças que povoam
o imaginário social, indo em direção do progresso anunciado. Segundo Andrade esta prática é
constante em projetos desta natureza, conforme comprova o referido pesquisador ao dizer
que:
[...] as grandes obras são implantadas sem levar em consideração os interesses do grosso da população, que é muitas vezes reprimida ao oferecer resistência aos atos que a prejudicam. Faz-se então uma apologia do progresso,
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da alta tecnologia que está sendo empregada nas obras de engenharia, na necessidade de importação de máquinas e de acessórios estrangeiros, de técnicos altamente especializados, da alta rentabilidade do empreendimento e se
afirma, com o maior desprezo pela pessoa humana, que o progresso exige
sacrifícios, que os bons patriotas devem sacrificar-se pelo progresso da nação e que o país está em vias de se transformar em uma grande potência
(ANDRADE, 1984, p. 2).
FOTO 7 – INÍCIO DA CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE XINGÓ
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
Com o avanço da instalação do canteiro de obras, pouco a pouco foi sendo apagada a identidade dos filhos daquele antigo porto do baixo São Francisco. Alguns moradores,
como “donas” Aidê, Georgina, Durvalina e seu filho Lázaro, ainda relutaram em deixar o local, mas acabaram sendo retirados sob o pretexto da insegurança, conforme registra Souza
(2001, p. 21). A desventura concretizava-se:
Chegou o dia da mudança. Muitos sofreram aquela triste despedida.
Foi com dor no coração que aquela gente abandonou sua casa e se retirou de sua cidadezinha amada com destino a nova cidade. Cada um
daqueles beiradeiros sonhava com melhores dias, uma condição melhor, e o que se vê hoje em dia é um injusto e inexplicável contraste,
pois o município que nos tempos de penúria e indigência era um pai
amoroso que se preocupava com seus filhos, nos dias atuais tornou-se um
pai perverso e injusto para com seus descendentes que os têm mergulhado
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numa pobreza absoluta enquanto ele, o município, é detentor de grandes posses (A.A.C. entrevista concedida em março de 2002).
Os estudos empreendidos pela CHESF concluíram que a antiga sede municipal
não possuía condições físicas para abrigar todo o contingente de trabalhadores que, por certo,
procuraria o local, contabilizado, na época, em torno de 10.000 pessoas.24 Ainda, muitas delas
chegavam acompanhadas de suas famílias, causando grande impacto no município, que, às
voltas com um expressivo número de forasteiros, não tinha condições para alojá-los. Buscando um local mais próximo, a CHESF, mediando um acordo entre os administradores dos municípios envolvidos, elegeu um deles, Piranhas, para onde foram transferidos os recémchegados, assentando-os em um local construído para esse fim, que recebeu o nome de bairro
Xingó.
Construído mediante convênio com o governo de Alagoas, o bairro Xingó, em Piranhas, foi a primeira área residencial operária projetada pela CHESF, apta a promover a total
integração de trabalhadores à população de uma cidade. Com essa iniciativa, pôs-se fim ao
dito “muro de Berlim”, denominação que se dava aos bairros construídos para abrigar trabalhadores de hidrelétricas, separando-os do resto das cidades onde se instalavam, o que ocasionava problemas dos mais variados, que iam desde a segurança, que era particular, até a educação dos filhos dos itinerantes, já que muitos desses bairros não possuíam escolas ou, mesmo,
qualquer outra infra-estrutura.25
A proximidade do empreendimento de Xingó, do qual dista 3,5 km, e a localização espacial dos novos assentamentos e dos serviços públicos, assim como o crescimento de atividades econômicas, provocaram modificações
quanto à função de Piranhas como ponto de apoio à vida econômica e social
do município. O planejamento e a ação governamental, orientados pela
CHESF, procuraram enfatizar suas funções administrativas, diluindo seu
perfil como centro comercial. Visavam também preservar o sítio histórico e
arquitetônico de Piranhas, mediante a estruturação de dois novos centros no
município (os bairros Xingó e Nossa Senhora da Saúde), as “cidades livres”
que habitualmente ocorrem de forma paralela às construções das barragens
24
25
Conforme entrevista concedida por L.G. em abril de 2002, empregado da CHESF.
Conforme entrevista concedida por F. J. A. em fevereiro de 2002, Diretor de Operações da CHESF.
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foram substituídas, neste caso, pelas vilas satélites. Através dessas medidas
de localização de assentamento, foi possível controlar indiretamente o crescimento de Piranhas.
[...]
Segundo já se registrou no memorial descritivo do empreendimento, o bairro
Xingó, com as vilas Sergipe e Alagoas, acrescentou ao município cerca de
280 ha de solo urbanizado, enquanto a vila satélite de Nossa Senhora da Saúde contribuiu com 71 ha, perfazendo um total aproximado de 304 ha destinado à habitação e atividades econômicas e sociais tipicamente urbanas e para atender a uma demanda heterogênea quanto ao poder aquisitivo da população (CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio
Antrópico, fev.1993, p.171).
FOTO 8 – BAIRRO XINGÓ, PIRANHAS, ALAGOAS
Acervo da CHESF.
Para receber esse contingente de trabalhadores, a CHESF ainda construiu hospital,
escolas e, como meio de facilitar o acesso entre o canteiro de obras, em Canindé do São Francisco, e o Bairro Xingó, construiu, em 1987, uma ponte sobre o Rio São Francisco, denominada Delmiro Gouveia, ligando os municípios Piranhas e Canindé, já que até então o transporte de veículos e pessoas era feito em duas balsas grandes.
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FOTO 9 – PONTE DELMIRO GOUVEIA, CONSTRUÍDA EM 1987
Acervo da autora.
A chegada repentina desse contingente de migrantes em Canindé, aliada à transferência dos antigos moradores, causou um impacto na comunidade nativa, que se viu obrigada a conviver com a “chegada do estranho”,26 com o “outro”, que, além de trazer hábitos,
valores e referências próprias, era alheio aos antigos hábitos, costumes e valores dos antigos
moradores. Aos poucos, o novo modo de vida, ditado pela dinâmica da nova Canindé, foi
sendo assimilado pelos antigos habitantes, mesclando-se traços culturais mais antigos com os
novos e modificando, de certa maneira, os costumes familiares e a identidade dos beiradeiros.
É preciso inverter a perspectiva. Essas populações têm vivido e sofrido impacto do estranho que não só invade territórios tribais e terras camponesas,
confinando ou expulsando, mas também quebra linhagens de família, destrói
relações sociais, clandestiniza concepções culturais, valores, regras – vitais
para a sobrevivência de tribos indígenas e comunidades rurais. No mínimo,
repositórios de concepções alternativas do humano, que nossa sociedade, em
seu conjunto belicoso e violento, vem perdendo ou já perdeu. Assim como a
devastação da floresta destrói definitivamente espécies vegetais úteis, a devastação ou a mutilação de grupos sociais diferentes do nosso suprime modos de viver e de pensar, bem como destrói saberes que representam um
germe de alternativa para a desumanizarão acelerada que estamos vivendo
(MARTINS, 1993, p.12).
26
MARTINS, José de Souza. A chegada do estranho. São Paulo: HUCITEC, 1993.
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Decerto que esse é um fenômeno decorrente do processo migratório ocorrido na
região, pois a migração, conforme nos ensina Reis e Bloemer (2001), seja voluntária ou forçada, desestrutura tanto o migrante como a população nativa. Ambos são fortemente atingidos
por modos de vida diferentes dos seus, conseqüência dos processos de interação social a que
ficam obrigados, o que precipita sincretismos e mudanças de hábitos culturais, muitos são os
que perdem expressão e, mesmo, são sobrepostos por outros ou, simplesmente, desaparecem.
Por outro lado, tal processo de deslocamento demanda a necessidade de readaptação a um novo ambiente físico e social, onde haverá a contingência de
retomar o processo produtivo através da reestruturação de tudo o que foi
deixado para trás. É nesse sentido, portanto, que se torna compreensível a afirmação de Bartolome (1983) de que a migração coloca a prova as estratégias adaptativas tradicionais, que estavam voltadas para uma interação com
um ambiente físico específico e que compreendem técnicas e saberes desenvolvidos e acumulados ao longo dos anos. Do mesmo modo, foi também ao
longo dos anos que este espaço foi construído e culturalmente mapeado, estendendo-se em várias direções a malha da sociabilidade comunitária (REIS
e BLOEMER, 2001, p.97).
Com o início da instalação do canteiro de obras, várias mudanças aconteceram na
vida da população de Canindé do São Francisco. O contato permanente com elementos culturais diferentes, trazidos pelos migrantes, acabou refletindo em seus hábitos, em sua cultura.
A cultura do homem ribeirinho sempre esteve estreitamente ligada aos ciclos da
natureza, verificando-se, em especial, um intenso processo interativo com o São Francisco.
Desde a mais tenra idade, as crianças aprendiam o manejo da canoa, das redes de pesca, dos
covos e dos currais, assumindo, em função da permanente convivência com o rio, um sistema
de crenças, valores e hábitos para toda uma vida. Há de acrescentar-se, ainda, a atividade agro-pastoril, também de longa tradição.27 A medição do tempo ditada pelas cheias e vazantes
27
No caso dos ribeirinhos do baixo São Francisco, aplica-se a classificação de pescadores-lavradores por exercerem ambas as atividades consorciadas. A categoria de pescadores artesanais também se aplica, devido à utilização de embarcações e instrumentos feitos por eles mesmos, verificando-se, portanto, um maior grau de autonomia (DIEGUES, apud Rieper, 1983).
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do rio, bem como pelo movimento das massas de ar, dos ventos responsáveis pelo ir e vir das
canoas de tolda, faz com que sua história esteja ligada ao meio natural.
Essa convivência, de certo modo, harmônica com o meio natural tem sofrido drásticas mudanças impostas pelas políticas de desenvolvimento adotadas na região, que vêm interferindo na cultura da população beiradeira, alterando as formas de lidar com o rio, em especial após a construção das usinas hidrelétricas, o que alterou o regime das águas durante o
ano (RIPER, 2001).
FOTO 11 – DESFILE CÍVICO EM CANINDÉ, EM 07/09/1981 (ao fundo, a antiga sede do município).
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
No caso estudado, o impacto das mudanças não afetou apenas a economia local, embasada na pesca e na pequena agropecuária, mas alterou, inclusive, os traços mais
fortes da cultura beiradeira, como as festas locais, que representavam acontecimentos marcantes e hoje quase não são mais lembradas; ainda, a vaquejada,28 o leilão, a cantiga de
28
Festa do Nordeste, originada no ciclo do gado, caracterizada pela derrubada do boi ou do novilho pelo vaqueiro montado em seu cavalo.
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roda, o Natal, as festas de ano-novo, a cavalhada,29 a “roda de São Gonçalo”,30 o samba de
Coco que se dançava descalço, levantando a poeira até o dia amanhecer. Conforme atesta
Nunes, esses são elementos de um acervo cultural, que conta à história das sociedades que
se instalaram ao longo do rio São Francisco e nas crônicas dos viajantes que retratam o
imaginário desta região, além disso, a pesquisadora relata que:
Esse patrimônio é complementado com as festas populares realizadas em
torno da devoção, sobretudo dos santos padroeiros, das vaquejadas, dos grupos de expressões culturais, como: reisados, trovadores, cavalhadas, zabumbas, samba de coco, pastoris e com as festas cívicas que comemoram a emancipação dos municípios (NUNES, 2001, p.5).
FOTO 11 – CAVALHADA EM CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
O “fole de oito baixos”31 cedeu lugar ao “axé music”32. A rua, o antigo cenário
das festas populares, foi substituída, como lugar de encontros, pelo Clube Social Altemar Du-
29
De origem portuguesa, é um folguedo popular inspirado na luta de cristãos contra os mouros, composto de
doze cavalheiros divididos em duas equipes diferenciadas por cores azul e vermelha.
30
Dança tradicional inspirada em fatos inerentes a vida do santo, que se empenhava em retirar as prostitutas da
vida das ruas.
31
Para Márcia Loureiro, “a sanfona brasileira é ‘parente’ da concertina inglesa. Denominada acordeom, foi patenteada em Viena em 1829, mas só adquiriu o teclado duas décadas depois. Chegou ao Brasil – onde o fole de
oito baixos no Nordeste já fazia história – com as imigrações italianas e alemãs e, aos poucos, foi conquistando
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tra,33 que se tornou também ponto de lazer da população da nova Canindé. Essas mudanças
foram registradas pela CHESF:
Cabe ressaltar que a atual localização da cidade reduziu muito as atividades
de recreação e lazer ligadas ao rio. Essas áreas foram substituías pelas praças, quadras de esporte e pelos espaços fechados (clube, bares, lanchonetes,
sorveterias e piscinas). As entrevistas revelaram que a população jovem tende a incorporar esses novos espaços, mas, ao mesmo tempo, aponta os banhos de rio como atração também para às “pessoas de fora” (CHESF/ENGERIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993,
p.192).
Os acontecimentos festivos atuais são: o “Canindé Fest”, que é o carnaval fora de
época, com blocos carnavalescos e trios elétricos, de clara inspiração soteropolitana, exótica
na região; herdados da tradição local, permanecem os eventos do mês de dezembro, as novenas em louvor da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, e as festas natalinas, com
missas e apresentações de grupos folclóricos.
povo e elite. Segundo o pesquisador Mário de Aratanha, Luiz Gonzaga fez mais sucesso com o baião do que
com a sanfona, pois "a elite musical só aceitou o acordeom a partir de estetas refinados como Chiquinho, que fez
Radamés Gnatalli mudar seu conceito sobre o instrumento, e Orlando Silveira, que a partir do choro espraiou-se
em arranjos que abrangeram estilos diferentes". In: LOUREIRO, Mônica. “Uma celebração da sanfona: grandes
nomes fazem ciclo de shows no Rio de Janeiro para festejar a importância do instrumento”. In:
http://www.cliquemusic.com.br.
32
Resulta de desdobramentos a partir do frevo baiano, quando ainda executado por Dodô e Osmar em uma então
engenhoca, o “trio elétrico”. Caetano Veloso, 1969, com “Atrás do trio elétrico”, divulga o ritmo no país, seguido, nos anos de 1970, por “Os Novos Baianos”. Na década seguinte, Sarajane e Luiz Caldas, com o dito “frevo
debochado” ou, simplesmente, “deboche” ou “fricote”, dão origem à “axé music” com sua musicalidade híbrida.
33
Salão de festa, com bar e piscina, de propriedade da prefeitura municipal de Canindé do São Francisco.
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FOTO 12 – CARNAVAL EM CANINDÉ, 1980.
Acervo de Salomão Porfírio de Brito, morador da antiga Canindé.
4. A NOVA CANINDÉ
A nova Canindé do São Francisco nasceu em decorrência da construção da Usina
Hidrelétrica de Xingó, iniciada em 1987. Segundo os documentos da CHESF, relativos ao
estudo de viabilidade da obra, existiam duas razões para a transferência da cidade para um
novo local. A primeira, fruto de uma conjectura que não se efetivou, era a pretensão de construir mais uma barragem, na altura da cidade de Pão de Açúcar, Alagoas – conseqüentemente,
a água de seu reservatório poderia chegar até aquela localidade. A segunda, a que foi decisiva,
era a previsão de um grande fluxo de veículos pesados, materiais. equipamentos etc. – toda a
área próxima ao rio seria ocupada fatalmente, não havendo mais espaço para a permanência
de pessoas que não se integrassem ao projeto, mesmo a dos beiradeiros.
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Devido ao estudo em referência, já em 1982, ficava comprovada a necessidade da
transferência da sede municipal para o que então se denominou de “vila satélite”, onde hoje se
localiza a cidade de Canindé de São Francisco, reservando-se seu antigo lugar para a instalação do canteiro de obras da barragem. Uma terceira razão ainda se acrescentaria às duas registradas no estudo da CHESF: a implantação do Projeto Califórnia, iniciativa do governo de
Sergipe, envolvendo grande área de terras para a agricultura irrigada. Enfim, através de pesquisa realizada pela própria prefeitura, em 1983, a comunidade, depois de certa relutância,
manifestou-se favorável à transferência de sua sede municipal.
Surgiram assim, três frentes de trabalho: uma, a do resgate arqueológico; a outra,
voltada para a construção da usina; e, por fim, a terceira, destinada a convencer a população
sobre a necessidade da mudança. Essa última foi considerada, por um engenheiro da CHESF
entrevistado, que participou de todo o processo, como a mais difícil das tarefas, já que a cidade tinha sua história e as pessoas não estavam dispostas a deixar o torrão natal, separarem-se
de suas antigas referências. Apesar de tudo:
[...] não se deveu à possibilidade de alagamento de sua área, mas a um desejo de sua população e ao planejamento global do projeto Xingo, que recomendara a estruturação da cidade para receber uma pressão populacional
previsível na região, a partir da construção da UHE Xingó. (FURTADO,
1990, p. 19).
Na etapa inicial, a Universidade Federal de Sergipe ficou incumbida de coordenar o levantamento e a recuperação de materiais arqueológicos que seriam comprometidos
com a construção da usina hidroelétrica, tarefa que se concretizou com as descobertas feitas
em área hoje submersa, onde foi encontrado o maior número de peças (materiais líticos, cerâmicos, pinturas e gravuras rupestres, ossos e outros) e, entre elas, esqueletos humanos –
sítios Justino e São José I (DINIZ et al, 1998).
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Com o convênio firmado entre a CHESF e a Universidade Federal de Sergipe, teve início em maio de 1988 o Programa de Salvamento Arqueológico de
Xingó, o qual deverá se desenvolver até a época de enchimento do reservatório. Esse Programa que vem sendo desenvolvido em terraços do quaternário localizados próximo ao rio São Francisco e em riachos que serão inundados quando da formação do futuro reservatório, identificou vários sítios
com presença de materiais líticos, cerâmicos, pinturas e gravuras rupestres,
ossos e outros, evidenciando a presença passada do homem nessa região.
(CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.72).
O Projeto de Salvamento Arqueológico de Xingó é oriundo de uma pesquisa empreendida pelas arqueólogas Cleonice Vergner e Suely Amâncio, do então Departamento de
Psicologia e Sociologia, da Universidade Federal de Sergipe, que empreenderam um mapeamento dos sítios arqueológicos do estado de Sergipe, em 1985. Essas pesquisadoras localizaram, no município de Canindé do São Francisco, quatro sítios de registro gráfico (arte rupestre), nas proximidades do Rio São Francisco. Propuseram, então, intensificar a pesquisa com o
objetivo de ampliar as incursões em busca dos vestígios da presença humana na região, antes
da chegada dos portugueses.
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó e, conseqüentemente, a iminência da inundação de parte da área onde estavam os vestígios, em 1988, a CHESF aprovou a
realização do Projeto de Salvamento Arqueológico de Xingó, o que possibilitou a assinatura
de convênio e a dotação de recursos para tal finalidade. O acordo envolveu a Universidade
Federal de Sergipe, a PETROBRÁS e a CHESF. As primeiras incursões deram prova da riqueza dos materiais ali escondidos e, a partir daquele momento, as escavações prosseguiram
até a inundação da área (DINIZ et al, 1998).
Hoje, esses materiais integram o acervo do Museu de Arqueologia de Xingó
(MAX), onde parte dele está exposta e o restante, compondo uma coleção à disposição de
futuras pesquisas, haja vista sua importância para os estudos sobre a ocupação humana na
região do baixo São Francisco e suas inter-relações com outros achados, tanto ao longo do rio
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como em todo o Nordeste do Brasil, na difícil tarefa de mapear as rotas e a vida do homem
nas Américas de antes da chegada dos europeus.
O material encontrado alude a ritos fúnebres, industria lítica, cerâmica e expressões gráficas. Impressionando os pesquisadores pela beleza e riqueza, os achados dão prova
de uma sociedade que desapareceu há milhares de anos, deixando, sob a terra, as marcas de
um tempo remoto e que hoje se procura desvendar, montando-se um imenso quebra-cabeça.
Achados que datam, mais ou menos, de 9 mil anos atrás.
Enquanto as obras do canteiro eram iniciadas e as incursões arqueológicas aconteciam, a população vê surgir a nova Canindé, projetada e construída pela CHESF, com ares de
“grandeza”, cidade nova e bonita em relação ao velho arruado na beira do rio, atraindo um
grande contingente de pessoas, de todo o Brasil, a procura de empregos, lucros e vantagens,
surgindo, assim, o “Eldorado Sergipano”; enquanto isso, eram eles, os antigos moradores da
velha Canindé, seduzidos a deixar o pequeno núcleo ribeirinho e rumar para a nova cidade,
inaugurada em 06 de março de 1987.
A nova cidade foi edificada acerca de 4 km do rio, sendo projetada e equipada para receber uma população em torno de 10 mil habitantes, dentro de uma
perspectiva de tornar-se um pólo de desenvolvimento econômico, capaz de
estabelecer um novo arranjo espacial, com nova organização da rede urbana
estadual [...] a nova Canindé tornou-se uma área receptora de migrantes, com
uma população heterogênea, movida por interesses e aspirações variadas,
formando uma massa humana sem valores comuns, altamente dependente
das oscilações no ritmo das obras de Xingó e com todos os problemas das
áreas pioneiras e em colonização (REIS, 1991, p.64).
O remanejamento das famílias obedeceu a critérios definidos pela CHESF, que
apresentou às 18 famílias seis opções de deslocamento, sendo a escolhida aquela que versa
sobre a construção da nova Canindé. As alternativas foram expostas da seguinte forma:
Em relação ao processo de remanejamento, foi definido que somente as famílias “diretamente atingidas” seriam deslocadas da área de inundação, para
as quais a CHESF ofereceu seis opções de remanejamento, cuja escolha ficou a critério de cada família.
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[...]
a) Projeto de irrigação Iço-Mandantes, na borda do lago de Itaparica, no
município de Petrolândia (PE), com permuta de casa, acesso a lote irrigado de acordo com a força de trabalho familiar, com tamanhos variando
de 1,5 a 6,0 ha e complemento em área de sequeiro, totalizando 25 ha e
demais direitos e deveres dos reassentados de Itaparica, conforme acordado com os mesmos.
b) Lotes na fazenda Xingó (margem esquerda – Alagoas, direita – Sergipe),
com permuta de casa a ser construída no local.
c) Na borda do lago Xingó, acima da cota de inundação, com lote e permuta de casa a ser construída no local.
d) Solução própria – indenização da casa, terra e benfeitorias (conforme cada caso) e apoio de transporte para mudança de utensílios, com distância
limitada a 500 km do local de origem.
e) Bairro Nossa Senhora da Saúde (Nova Piranhas), no município de Piranhas, com permuta de casas, construção de um barracão com boxes individuais para guarda de apretechos de pesca, um lote de sequeiro e construção de um ancoradouro para pequenas embarcações, no trecho situado
entre a ponte Delmiro Gouveia e a UHE Xingó (a jusante).
f) Cidade de Canindé de São Francisco, com permuta de casa, permuta e/ou
indenização de terras e benfeitorias (conforme cada caso)
(CHESF/ENGE-RIO – tomo II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio
Antrópico, fev.1993, p.65-66).
Para os moradores da velha Canindé, a transferência para a nova cidade foi apresentada pelo poder público e pela CHESF como uma vantagem, pois, além de ganharem
casa nova, havia a promessa de emprego nas obras de construção da usina. Com o passar
do tempo, partes das promessas feitas não foram cumpridas. Durante as décadas de 1980 e
1990, o município enriqueceu-se, ao passo que o beiradeiro mergulhou numa pobreza quase absoluta. No entanto:
Segundo as autoridades locais, ainda existe uma forte e crescente pressão
para o aumento da oferta dos serviços públicos, assim como de lotes urbanos para residência e atividades econômicas. (CHESF/ENGE-RIO – tomo
II, Diagnóstico Ambiental, vol. 3, Meio Antrópico, fev.1993, p.173).
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Além disso, em função da automação do processo de funcionamento da usina,
após a conclusão das obras, o número de empregados da CHESF diminuiu sensivelmente,
caindo de dez mil para cento e setenta trabalhadores.34
Se, por um lado, os milhares de pessoas que foram atraídos para Canindé, com a
esperança de um emprego estável e uma relativa segurança financeira, viram a miragem desfazer-se com o desmantelamento do canteiro de obras, por outro, os habitantes da velha Canindé, que se viram obrigados a renunciar a sua convivência diária com o rio, perdendo o antigo hábito de vida, traduzido na forma de comercializar, pescar, trabalhar, divertir-se etc.,
tampouco puderam continuar a contar com a remuneração oriunda do trabalho nas obras de
Xingó, e nem mais podiam retornar ao antigo lugar.35
A população ribeirinha não tinha, na época, idéia da dimensão dos impactos que a
construção da hidrelétrica de Xingó poderia causar ao meio ambiente, conforme foi apurado
nas entrevistas realizadas. As pessoas viam a construção da usina como uma forma de melhoria do nível de vida. Alguns moradores entrevistados reconhecem que a usina proporcionou
melhores condições econômicas para o município.
A cidade atual de Canindé do São Francisco constitui um aglomerado urbano com
problemas dos mais diversos, destacando-se, entre eles, a violência e a criminalidade, o que
motivou a criação do 4o Batalhão da Polícia Militar (4o BPM), lá sediado:
Com a criação da Companhia que durou aproximadamente quatro anos e
com o acréscimo populacional da cidade devido a construção da hidrelétrica
de Xingó, o Movimento dos Sem-Terra (MST) e por ser um município que
faz fronteira com os estados de Alagoas e Bahia, resolveu o então Coronel
PM Joseluci Ramos Prudente, Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Sergipe, transformar de Sub-Unidade para Unidade Operacional para
que prestasse melhor segurança à sociedade deste município (publicado em
BGO nº 61, de 06/04/94. M. A. M. S. – MAJ QCOPM – Cmt do 4o BPM).
34
35
Dados colhidos em março de 2002 em entrevista concedida pelo Eng. F. J. A. M.
Dados colhidos em março de 2002 em entrevista concedida por A.A.C.
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Decorridos 14 anos da transferência, o município já tinha recebido um volume
considerável de recursos (ICMS), enquanto a população, cada vez mais pobre, carente de todo
tipo de assistência, convivia com notícias que davam conta de denúncias de desvio de recursos públicos, corrupção municipal, chacinas, assassinatos encomendados, afastamentos de
autoridades, intervenções municipais etc. Imagem da atual Canindé, visão corroborada pelo
depoimento abaixo:
Não se pode negar que o sertanejo foi castigado, um castigo tão medonho
que até o gigante e invencível Rio São Francisco caiu e foi dominado pela
sanha maldita do homem que, em nome do progresso, levou-o para uma quase que irreversível morte. A nova Canindé roubou a identidade cabocla, destroçou os sentimentos de cada um dos descentes da beira do velho Chico.
Em lugar a caça e da pesca, a sobrevivência chega hoje através do bendito
dinheirinho das aposentadorias, além da vergonha de se ver obrigado a ir para uma fila mendigar uma cesta de comida. Tudo foi dizimado a troco de
quê? Até os restos mortais do povo que deu vida a Canindé foram arrancados
de suas tumbas onde repousaram para a eternidade, e foram levados para o
novo cemitério da nova e vaidosa menina sertaneja que, hoje, como uma jovem mocinha, precisa ser exemplada para perder sua vaidade e seu orgulho
(A.A.C. entrevista concedida em janeiro de 2003).
Pelo depoimento acima, feito como um desabafo, pode-se constatar que a mudança ocorrida em Canindé é considerada como uma forma extremada de violência praticada contra o homem e o meio ambiente. A nova Canindé já nascia com as marcas da violência, facilmente verificáveis tanto nas mudanças do habitat humano como na degradação do meio ambiente.
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FOTO 13 – CATAMARÃ XINGÓ, NO CÂNION DO RIO SÃO FRANCISCO
Acervo da CHESF.
Atualmente, a cidade vem tentando implementar ações com a finalidade de criar
alternativas para a sobrevivência da população. Essa política tem como objetivo maior à fixação do homem em seu meio, como resposta para o volume de pessoas que se chegaram no
município no final dos anos 1980 e início da década de 1990.
Política materializada nas ações do Programa Xingó36, que procura capacitar a
mão-de-obra da região do semi-árido para o trabalho na área de turismo e da produção artesanal. Essas atividades, segundo o SEBRAE, podem melhorar a qualidade de vida da população
local 37.
36
O Programa Xingó foi instituído, em 1996, com a missão de gerar emprego e renda, contribuindo, assim, para
o crescimento do semi-árido através da melhoria da qualidade de vida do homem sertanejo, proporcionando a
conquista da cidadania e a diminuição do êxodo rural. Trata-se de uma iniciativa do CNPq – Conselho Nacional
de desenvolvimento Científico e Tecnológico – em conjunto com a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco – e o SEBRAE-Nacional. O programa busca criar um centro compartilhado de desenvolvimento científico, tecnológico e de produção do trópico semi-árido do Nordeste. Atualmente utiliza as instalações e edificações da CHESF que foram usadas durante a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó. (Folder do Programa
Xingó, 2002).
Com a finalidade de aumentar a geração de empregos, trazendo oportunidades produtivas em diferentes áreas,
aproveitando as potencialidades da região e enfrentando as adversidades locais, resultados concretos estão sendo
obtidos nas atividades do Programa Xingó:
37
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Aspectos que aponta para o cotidiano atual de uma população que está descobrindo no dia-a-dia novas alternativas para a sobrevivência, como resposta à falta de oportunidade
via CHESF ou mesmo ações governamentais.
Piscicultura – neste setor, uma unidade demonstrativa de cultivo em tanques-redes vem mudando a realidade da
pesca praticada na região;
Educação – professores da rede pública estão sendo capacitados e o projeto de alfabetização e profissionalização
de jovens e adultos contribui para a formação profissional da comunidade;
Energia – através da instalação de sistemas de eletrificação fotovoltaica, o grupo de energia está promovendo a
melhoria da qualidade de vida em comunidades da área de atuação do programa, verificando-se a instalação de
sistemas de bombeamento d’água e energização de prédios públicos com sistemas fotoelétricos (luz solar);
Recursos hídricos – implantação de sistemas de irrigação, unidades de aproveitamento d’água de poços, sistemas de informações hidrológicas e sedimentológicas, além de trazer benefícios à população local, pretendendose constituir num referencial para pesquisas no país;
Turismo – promover a região como um destino turístico, alavancando grandes oportunidades de negócios e
empregos é o propósito da área de turismo; um museu arqueológico e um centro de documentação e pesquisa são
projetos trabalhados pelos pesquisadores do setor de arqueologia e patrimônio histórico, a fim de resgatar a memória histórica e cultural da região.
Diversidade biológica – no que diz respeito às questões ambientais, a diversidade biológica da região vem sendo estudada através de levantamentos faunísticos e florísticos, verificando-se a estruturação de um herbário e um
centro de informações sobre plantas da caatinga. (Jornal da Folha do Meio Ambiente, ano 11, n. 101, jan/fev.
2000, p. 8).
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IV – MANDOS E DESMANDOS:
AGRESSÃO AMBIENTAL E CRIMINALIDADE
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A população de Canindé do São Francisco foi testemunha de uma atmosfera de
38
mandos e desmandos39 que envolveu o município, a partir de 1987, quando se deu o início
da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, o que motivou a transferência da sede municipal e foi marco de profundas transformações que fizeram aflorar uma série de mazelas sociais.40
Segundo Souza (1988, p. 124), deu-se a apropriação econômica dos recursos naturais, no caso, não só os hídricos, envolvendo tanto a expropriação como a reconversão da base
social e material da região envolvida. Para Reis e Bloemer (2001):
O processo de apropriação econômica dos recursos hídricos e ambientais,
necessário à instalação de hidrelétricas, implica, também, em um processo
prévio de expropriação e de reconversão da base material e social da região.
Além do espaço específico destinado a alojar a obra, parte do território necessita ser inundado devido à formação do reservatório. Seu entorno deverá
ser utilizado como área de proteção ambiental. Outras áreas serão ocupadas
por vilas residenciais e alojamentos para técnicos e trabalhadores da obra, ou
recortadas pela construção de novas estradas e instalação de linhas de transmissão. Disto decorre a perda de terras na região e a necessidade de deslocamento compulsório das populações que ocupam os espaços requeridos pelo empreendimento, cujos efeitos e constrangimentos têm sido destacados
como os mais penosos e traumáticos de todo o processo de implantação de
obras desta natureza. (REIS e BLOEMER, 2001, p. 74).
38
Segundo HOUAISS (2001), Mando – séc. XV (Portugal); direito ou poder de mandar, de ordenar; autoridade;
domínio; poderio; mandamento, ação ou efeito de mandar; recomendação imperativa; ordem; mandado; comando militar.
39
Segundo HOUAISS (2001), Desmando – séc. XV (Portugal – desmamdo, desmando); ato ou efeito de desmandar (-se); imoderação; excesso na maneira de proceder ou de tratar (algo); exagero; abuso; desregramento
moral; dissolução de costumes; devassidão; quebra ou violação de ordens; indisciplina; desobediência.
40
Criminalidade em geral, flagelo da fome, doenças endêmicas, descaso do poder público com a população mais
desfavorecida, entre outros aspectos.
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As obras da Usina de Xingó provocaram uma série de transtornos para a população local, e, com a transferência da sede municipal, a cultura do lugar, o hábito tradicional do
antigo morador foi alterado e a vida cotidiana modificada. A partir de 1987, o município passou a vivenciar fenômenos criminosos, crimes encomendados, de colarinho branco e uma
freqüência maior de crimes comuns.41
A transferência para a nova Canindé teve reflexo no modo de vida da população
nativa que, à medida que o canteiro de obras avançava, foi sendo solapada nas bases tradicionais de sua cultura. Pode-se afirmar que o impacto da construção não apenas agrediu o meio
natural, mas interferiu diretamente no modo de vida local, abalando, em poucos meses, todo
um patrimônio construído ao longo de centenas de anos, modificando, sem sombra de dúvida,
a consciência coletiva do grupo. A consciência coletiva, segundo Émile Durkheim, pode ser
definida como:
O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de
uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria;
podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não
tem por substrato um órgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas tem, ainda assim, características específicas que
fazem dela uma realidade distinta. De fato, ela é independente das condições
particulares em que os indivíduos se encontram: eles passam, ela permanece.
É a mesma no norte e no sul, nas grandes e nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Do mesmo modo, ela não muda a cada geração, mas liga
umas às outras as gerações sucessivas. Ela é, pois bem diferente das consciências particulares, conquanto só seja realizada nos indivíduos. (DURKHEIM, 1999, p. 50).
O aumento da criminalidade pode estar diretamente ligado ao projeto empreendido na região. Segundo Velho, as intervenções, feitas sem considerar as especificidades dos
locais envolvidos, podem romper com os processos de reciprocidade, promovendo a conturbação social, o conflito, pois, embora a presença seja benéfica para o enriquecimento cultural
de um grupo, pode, também, conforme o caso, ser altamente conflituosa:
A alteridade possibilita a troca nos mais diferentes níveis, como a matrimonial, o econômico, o político etc. No entanto, se reconhecemos com Mali41
Roubos, furtos e homicídios.
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nowski42, Mauss43 e Lévi-Strauss44 que a reciprocidade é motor e expressão
do social, há que reconhecer também que ela não é automática e que a impossibilidade da troca e de processos de reciprocidade pode gerar impasses
sócio-culturais e irrupções de violência dentro de grupos e sociedades ou entre eles (VELHO, 1996, p. 10).
As alterações provocadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, além da
agressão ao meio ambiente, estão na base explicativa do aumento das ocorrências criminais, 45
com destaque para os chamados crimes comuns (furtos, roubos, homicídios entre outros), e os
denominados crimes do “colarinho branco”
46
estes últimos motivando o afastamento e pri-
sões de autoridades municipais.
Conforme nos mostra Paixão, o aumento dos índices de crimes comum, pode ser
explicado sociologicamente a partir de uma série de circunstâncias:
A lógica da explicação sociológica convencional do crime supõe que certas
circunstâncias exercem uma força de atração sobre os atores do fenômeno
criminoso [...] migração intensa, favela, baixas condições de vida, concentração de rendas, desemprego aberto [...] baixos níveis educacionais numa
grande cidade, adicionados, tendem a produzir subculturas desviantes e freqüentemente criminosas (PAIXÃO, apud PINHEIRO, 1983, p.25).
Ainda a respeito desse tipo de criminalidade, é ilustrativa a referência ao estudo
realizado por Freitas (2002), ao fazer menção à situação vivida pela cidade de Chicago, no
início do século XX. Embora ela esteja distante da realidade estudada, pode nos ajudar na
compreensão da natureza do fenômeno em si:
42
MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacifico Ocidental. New York: E. P.. Dutton & Co. Inc., 1966.
MAUSS, Marcel. Essai sur le Don. Sociologie et Anthropologie. Paris: PUF, 1950.
44
LÉVI-STRAUSS, Claude. Les structures élémentaires de la parenté. Paris: PUF, 1949.
45
Entende-se por ocorrências criminais aqueles eventos delituosos cometidos pelo cidadão comum e que são
indícios do aumento do comportamento violento dos que habitam ou transitam pelas cidades. (SOARES,
2003:9).
46
Informa Castilho que Sutherland entende como crime do colarinho branco aquele que é cometido por pessoas
de elevada responsabilidade e status no exercício de suas atribuições, considerando três espécies de delitos: (a)
“os dos homens de negócios ou empresários no desempenho de suas atividades”, (b) “os atos ilícitos de profissionais, como os médicos” e (c) “os atos ilícitos no âmbito da política”. O que há de comum entre eles é, então, o
caráter classista. Ressalta, ainda, que Sutherland dedicou-se, principalmente, à primeira espécie, analisando ocorrências com quinze empresas de serviços públicos atuantes nas setenta maiores cidades dos Estados Unidos,
associando, por conseguinte, a qualificação de “colarinho branco” à idéia de criminalidade econômica (CASTILHO, 2001, p. 62-63).
43
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Os políticos locais serviam aos interesses de grandes companhias, como, por
exemplo, os trustes das ferrovias. Havia também figuras que eram especialistas na arte da apropriação combinada com aceitação social, como Charles T.
Yerkes, que comandava o sistema ferroviário da cidade em favor de seu lucro particular. Alguns políticos eram suspeitos de envolvimento com o crime
organizado. William Thompson, por exemplo, foi prefeito de Chicago por
duas vezes, em 1915 e depois em 1927, e pesava sobre ele acusações de prática de fraudes e de estar na folha de pagamento do gangster Al Capone.
Como aponta Robert E. Lee Faris, Chicago, na década de 1920, era considerada a campeã mundial do crime organizado. (FREITAS, 2002, p. 47).
No caso de Canindé do São Francisco, pelo que se apura, alguns políticos locais
atendiam não aos interesses dos trustes e grandes empreendimentos, mas aos deles próprios, e
especializavam-se, com certeza, na arte da apropriação combinada com a aceitação social e,
com mais ênfase, é certo, com a subjugação social. Ademais, os “alguns” políticos não se envolviam, tão exatamente, com o crime organizado, eles mais “organizavam” o crime e, por
conseguinte, praticando fraudes, não integravam as folhas de pagamento de qualquer “chefão”, eles eram os próprios “chefões”. Assim a cidade Canindé pelo menos se afamava como
a campeã sergipana do crime.
2. CRIMES DE “COLARINHO BRANCO”
O volume considerável de recursos que, subitamente, foram destinados à região
era impensável para os munícipes e administradores da velha Canindé do São Francisco, que
até então somente conheceu uma arrecadação deficitária. Esse aumento no volume de recursos
foi que provocou no município um fenômeno até então desconhecido, o crime de “colarinho
branco”.47
47
O delito, denominado por Soares (2003) “delinqüência dourada” e, por Fernandes e Fernandes (2002), “criminalidade política” – essa mudança na arrecadação parece ter interferido no comportamento dos administradores
municipais, levando-os a violar as leis estabelecidas para incrementar suas atividades ocupacionais e, principalmente, as referentes ao gerenciamento de negócios.
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Não são poucos os processos criminais que tramitam na justiça sergipana contra
ex-administradores e altos funcionários do município de Canindé do São Francisco, situação
antes impensável para qualquer cidade do interior e, ainda mais, do sertão. Segundo Paixão:
Tradicionalmente, os estudos sobre criminalidade associam os crimes contra a propriedade e as fraudes com as grandes cidades modernas, considerando que a predominância dos crimes de sangue é característica do que se
tem chamado de sociedade tradicional e das pequenas cidades. Na comparação com o interior do estado, a capital revela traços de maior modernidade, ainda que não muito acentuados. (PAIXÃO apud PINHEIRO, 1983,
p.208).
O crime de “colarinho branco” é denominado, também, de “criminalidade pacifica”, por ocorrer sob o manto da legalidade e com a utilização de técnicas avançadas, fazendo
com que seus autores gozem da respeitabilidade social, passando incólumes, livres das sanções da lei. Esse tipo de fronteira entre o fenômeno cultural e o criminal é entendido por Renato P. Saul da seguinte forma:
A confluência entre a dinâmica cultural e a criminosa produz convergências
e desacordos flagrantes no seu tratamento cientifico. O crime pode ser visto
como expressão de processos culturais, ou subculturais, ou, inversamente,
culturas ou subculturas podem ser vistas como comportamentos criminosos.
De outro lado, há um campo de tensões bastante amplo entre as práticas
culturais e as práticas caracterizadas por autoridades legais e políticas como crime. (SAUL, apud SANTOS, 1999, p. 118).
No entender de Neves (2002), a corrupção e os escândalos na política são uma espécie de violência que faz surgir movimentos sociais centrados em questões éticas, mostrando
as profundas transformações na forma com que esses militantes vislumbram sua intervenção
na sociedade.
No caso de Canindé do São Francisco, a denúncia foi da iniciativa do proprietário
da Radio Xingó FM, que passou a usar os microfones da emissora para informar à população
acerca de desvios e maus usos de verbas públicas. Esse fato não motivou a formação de um
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movimento social específico, voltado para acompanhar a situação, forçando o jornalista a protocolar denúncia no Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, ressaltando:
Toda a sociedade sergipana vez por outra abalada pelas ocorrências sangrentas registradas em Canindé do São Francisco, comenta com estranheza e até
indignação, a disparidade entre os vultosos recursos de que dispõe a Prefeitura, e a situação calamitosa de pobreza e penúria em que vivem os habitantes daquele infelicitado município, com apenas 15 mil habitantes e uma receita mensal média de dois milhões e duzentos mil reais, Canindé poderia
tornar-se em pouco tempo um município modelo, exibindo conquistas nas
áreas social, econômica, como alias, declarou o próprio Governador Albano
Franco, inconformado com o que lá vem sucedendo. (TRIBUNAL DE
CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE, Processo nº 000136/2001, Vol. I, fl.
2).
Encobertos pela sombra do status do cargo que ocupam ou pela coação que impetravam, os infratores escapavam das penalidades da lei. Abusavam de suas prerrogativas, distorciam, manipulavam e ocultavam informações sobre seus atos. Trata-se de modalidade delituosa de natureza complexa, estruturada de forma sofisticada, diferente dos crimes de rua. De
acordo com Sampson, isso decorre, em parte, da desinformação sobre esse tipo de criminalidade:
Não há muita informação sobre crimes do colarinho branco, com há sobre
crimes de rua. Parte disso é pela complexidade de muitas dessas fraudes financeiras. Porque o crime do colarinho branco é mais complexo, em termos
de sua organização, mais difícil de processar. A maioria dos governos não
tem dados a respeito dele. E também porque os autores desse tipo de crime
estão no poder. Assim, não é possível estuda-lo tão bem como os crimes de
rua. Há mais especulação. (SAMPSON, 2002, p. 17).
Desmandos administrativos na gestão pública têm despertado reações na sociedade e impelido as autoridades, tanto do legislativo, como executivo e do judiciário, a tomar
medidas visando coibir essa prática que lesa as rendas públicas48 e, conseqüentemente, a população em geral. Conforme Fernandes e Fernandes:
48
Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos dão conta de que a fraude e sonegação fiscal dão um prejuízo à
sociedade de 12 a 14 vezes maior do que os roubos e furtos.
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A criminalidade política por parte de governantes (peculato, emprego irregular de verbas etc.) foge a toda espécie de repressão, jamais tornando-os réus
de processo judicial, com a condenação severa, que inegavelmente, mereceriam pelo uso desvirtuado e desonesto do encargo que o povo lhes confiou
(FERNANDES e FERNANDES, 2002, p. 387).
Ao analisar a história das relações políticas e administrativas no Brasil, depara-se,
não raramente, com a figura de um coronel que sintetiza, em parte, as arbitrariedades administrativas que ocorreram ao longo do tempo nos pequenos municípios brasileiros, em especial
nos do Nordeste, encarnada por chefes políticos municipais, às vezes travestidos de advogados, médicos, comerciantes etc., a serviço de um líder maior. Daí, a atividade do jagunço e o
cangaço, conforme Victor Nunes Leal:
O papel da capangagem e do cangaço nas lutas políticas locais tem sido muito relevante, embora diminua com o desenvolvimento da polícia, que não raro faz a suas vezes. Djacir Menezes focaliza o assunto, quanto à região estudada, em várias passagens de sua obra sobre a formação social do Nordeste
(pág. 82, 176, 228 etc.). E observa o maior relevo do fenômeno nas zonas de
criação: “com efeito, a agricultura fixava, em certos pontos do ecúmeno nordestino, camadas da população ao solo, evitando ou coibindo mais a capangagem resultante do nomadismo primitivo do regime pastoril dos três primeiros séculos. Mas, no nordeste das caatingas, das zonas caracterizadamente pastoris, continuam os clãs organizados entorno de potentados locais”
(LEAL, 1993, p.23-24).
Os coronéis faziam de tudo para permanecer no poder e dele retirar o máximo de
proveito, tanto em benefício próprio como de seus familiares, aliados e correligionários, usufruindo à larga de seu prestígio político e pessoal:
[...] arranjar emprego; emprestar dinheiro; avalizar títulos; obter créditos em
casas comerciais; contratar advogados; influenciar jurados; estimular e “preparar” testemunhas; providenciar médicos ou hospitalizações nas situações
mais urgentes; ceder animais para viagens; conseguir passes na estrada de
ferro; dá pousada e refeição; impedir que a polícia tome as armas de seus
protegidos, ou lograr que as restitua; batizar filhos ou apadrinhar casamentos; redigir cartas, recibos e contratos, ou mandar que o filho, o caixeiro, o
guarda-livros, o administrador ou o advogado o façam; receber correspondência; colaborar na legalização de terras; compor desavenças; focar casamentos em casos de descaminhos de menores, enfim uma infinidades de
préstimos de ordem pessoal, que dependem dele ou de seus serviçais, agregados, amigos ou chefes. (LEAL, 1993, p.38).
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Os líderes políticos de Canindé do São Francisco parecem terem assumido, em
parte, a figura dos coronéis. Contrataram jagunços e pistoleiros que serviam como guardacostas ou, até mesmo, para a eliminação de adversários políticos, além da coerção e amedrontamento de pessoas. Também empregaram parentes e amigos na gestão municipal, beneficiaram-se com a concessão de ambulâncias para transporte de doentes e com a distribuição de
medicamentos, além da prática de fraudes eleitorais, o que muito caracteriza esse tipo de ator
social tão emblemático.
Ao falar acerca da localidade onde geralmente são encontrados os coronéis, as cidades do interior, Leal esclarece:
Conquanto suas conseqüências se projetem sobre toda a vida política do país, ou “coronelismo” atua no reduzido cenário do governo local. Seu habitat
são os municípios do interior, o que é que vale dizer os municípios rurais, ou
predominantemente rurais; sua vitalidade é inversamente proporcional ao
desenvolvimento das atividades urbanas, como sejam o comércio e a indústria. Conseqüentemente, o isolamento é fator importante na formação e manutenção do fenômeno. (LEAL, 1993, p.251).
O coronelismo promoveu uma espécie de criminalidade nascida da busca de ganhos fáceis, e das mais bem urdidas, pois os infratores raramente iam para a cadeia ou, pelo
menos, eram importunados pela ação do Estado, bem como seus atos dificilmente vinham a
público, já que agiam sob o manto da legalidade. Daí talvez a raiz do dito popular: “quem
rouba um tostão é ladrão, quem rouba um milhão é barão”.A respeito disso, Sampson afirma:
A falta de regulação, a ambição e a motivação financeira existem mesmo entre as pessoas que tem muito dinheiro. Não há um limite natural para o ser
humano. As pessoas podem ter dinheiro e ser invejosas, querer ainda mais.
(SAMPSON, 2002, p. 17).
Ao lado da pobreza em que a população de Canindé do São Francisco sempre viveu, após a conclusão das obras de Xingó e início das operações, surgiu importante fonte de
recursos financeiros: os repasses, aos cofres municipais, das cotas do ICMS (imposto sobre
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circulação de mercadorias e serviços) incidente na produção e comercialização de energia
elétrica, também na prestação de diversos serviços, evidentemente, vinculados às atividades
da CHESF, inclusive serviços de comunicações e transporte interestadual e intermunicipal,
isso além de outros tributos.
O descaso do poder público parece contribuir para que aflore a criminalidade. E,
como afirma Sampson (2002), o poder pode estar ligado ao crime nas duas pontas da sociedade:
O poder, paradoxalmente, está ligado ao crime nas duas pontas. As pessoas
que estão à margem da sociedade, sem poder nenhum, não tem nada a perder
e não são alcançadas pelo controle social. Do outro lado, os que estão no topo, que quase não tem regulação, também estão livres do controle. Isso precisa ser estudado, mas não há dados disponíveis, em grande parte porque esse conhecimento não é do interesse de quem está em altas posições no governo. A história é conhecida: a motivação principal de quem chega ao poder
parece ser reter seu status. Eles são o controle social. (SAMPSON, 2002, p.
17).
Na análise do volume de receita arrecada entre 1987-2000 verifica-se (Tabela
1), que a arrecadação do município de Canindé do São Francisco aumentou consideravelmente a partir do momento em que é ligada a primeira turbina da Usina Hidrelétrica de
Xingó, no ano de 1996, quando se inicia também a transferência de recursos, conforme
prevê o texto constitucional de Sergipe.
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TABELA 1 – RECEITAS DO PERÍODO DE 1997 A 2000.
EXECÍCIO
FINANCEIRO
RECEITAS (EM REAIS)
ICMS (COTAS)
OUTRAS
TOTAIS
Ano de 1997
5.337.776,91
3.885.314,54
9.223.091,45
Ano de 1998
12.327.471,47
6.359.255,28
18.686.726,75
Ano de 1999
18.904.132,05
6.604.378,25
25.508.510,30
Ano de 2000
24.835.981,52
9.011.146,38
33.847.127,90
TOTAIS
61.405.361,95
25.860.094,45
87.265.456,40
FONTE: Tribunal de Contas do Estado de Sergipe – Demonstrativo da
receita orçada com a arrecadada: Contas Anuais de Governo dos Exercícios de 1997,
1998, 1999 e 2000.
No período de 1997 a 2000, o município de Canindé do São Francisco teve uma receita
arrecadada e acumulada no valor de R$ 87.265.456,40, sendo que parte dela, a quantia de R$
61.405.361,95, foi proveniente de transferência constitucional do Estado, referente à parcela devida
na distribuição do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), que corresponde
ao percentual de 70,36% da receita total arrecadada.
Município outrora pobre passa a ter direito ao segundo maior índice de coeficiente49 para distribuição da Cota-Parte do ICMS arrecadado pelo Estado de Sergipe, por força do art. 158,
inciso IV, da Constituição Federal, que trata da exploração e comercialização de energia elétrica.
49
Índice calculado pelo Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, conforme determina a Constituição estadual,
em consonância com o parágrafo único do art. 161 da Constituição Federal, o que permitiu a materialização da
tabela 2 que discrimina os índices para Canindé do São Francisco.
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TABELA 2 – PARTICIPAÇÃO DE CANINDÉ NAS PARCELAS
ANUAIS DO ICMS DISTRIBUIDAS ENTRE OS MUNICÍPIOS
SERGIPANOS.
PERÍODOS
ÍNDICES (%)
1996 – 1997
7,24
1997 – 1998
17,68
1998 – 1999
23,75
1999 – 2000
25,62
FONTE: Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.
Os índices apontam para um volume crescente de entrada de recursos no município, com possibilidade de maior poder de investimento por parte do gestor público municipal,
com visualização de uma época de melhoria na qualidade de vida para seus moradores, o que
contraditoriamente não ocorreu.
Em meados da década de 1990, ocorre o afastamento de autoridades municipais
acusadas de desvios de verbas e de corrupção, conforme consta em denúncia à justiça formalizada pelo promotor então atuante no município, segundo se observa nos itens abaixo:
10. Registrou-se assim um dos momentos mais obscuros da vida política de
Canindé do São Francisco, uma vez que, com a entrada em operação da Usina Hidroelétrica de Xingó, o município, um dos mais violentos e pobres do
Estado de Sergipe, assolado pela seca anos a fio, de repente se transformou
em um oásis de arrecadação, passando a ter a segunda maior receita do Estado de Sergipe.
11. Este fez proliferar a disputa pelo poder e a ambição dos corruptos de
plantão, os quais saquearam de forma voraz e sem qualquer pudor a referida
fonte de recursos. No citado período, além dos inúmeros desmandos administrativos e de diversos crimes contra a vida, destacamos o cometimento da
“Chacina de Canindé”, onde quatro pessoas tiveram as suas vidas ceifadas,
dentre elas o Presidente da Câmara, o Sr. Ademar Rodrigues e o assassinato
do Prefeito Delmiro Miranda de Brito, além de, posteriormente, ocorrer o afastamento da Prefeita Hortência Carvalho, não se olvidando o fato de, apesar de estar o município inundado de recursos, possuía um dos piores índices
de desenvolvimento humano do país. (MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE, Denúncia Crime – Promotor de Justiça Deijaniro Jonas Filho, Canindé do São Francisco, 01/09/2001, fl. 8-9).
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Essa “opulência financeira”, como já identificado, decorre do recebimento da cota
do imposto relativo a circulação de mercadoria e sobre prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), transferido pelo estado, recursos que,
administrados fora da ética e da moral, criaram distorções e ocasionaram o aumento das tensões sociais.
Segundo Fernandes e Fernandes (2002), o domínio moral difere da lei penal, pois
há atos imorais que não são punidos, enquanto alguns morais os são:
O exame das diversas legislações penais dá conta que sociedades diferentes
têm concepções divergentes da criminalidade dos atos; uma ação é punida
num pais e noutro não. O mesmo se pode dizer em relação à noção de moralidade. (FERNANDES e FERNANDES, 2002, p. 51)
Com o recebimento de um volume maior de recursos, o município vê-se envolto
em pouco tempo, em denúncias de desvios de verbas públicas, fato que leva a população a
questionar a idoneidade de seus administradores e refletirem acerca da moralidade na gestão
pública.
O Direito faz uma diferença entre leis sociais e leis penais, analogamente ao conceito de moralidade e criminalidade, segundo o qual uma ação pode ser imoral, mas não necessariamente ilegal, contudo, as normas que regulam o comportamento social necessariamente não coincidem com as leis que controlam o comportamento penal. Embora a lei decorra
do fato social, uma ação pode ser socialmente inaceitável, mas não constituir crime ou vice e
versa, face ao princípio da reserva legal, encontrado nos direitos e garantias individuais presente em nossa Constituição Federal50.
50
Segundo Alexandre de Moraes, “o art. 5º, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do
Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processos legislativos constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. (MORAES,
2000, p. 67).
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A respeito dessa relação entre vida moral e união de moralidade dos atos legais e
ilegais é ilustrativa a citação de Ruscheinsky:
A expectativa de mudanças culturais relaciona-se com o ponto de vista da
vida moral e a visão de moralidade dos atos legais e ilegais. Ações concernentes ao movimento em apreço remetem a nova intuição de vida, um modo
de sentir os interesses e de ver a realidade conflitiva em que se vive. Também tornam-se significativos os termos comparativos com outras formas de
organização social, isto é, conhecer outras alternativas à sociedade existente
para enfrentar a dominação ideológica e como nelas se situam alguns aspectos: trabalho/trabalhador, terra/riqueza, mulher/cidadania, a participação/democracia distributiva. (RUSCHEINSKY, apud SANTOS, 1999a, p.
354).
A moralidade social não está necessariamente escrita em leis, mas, porque é constituída de princípios, exerce uma força imensa sobre o indivíduo ou, pelo menos, lhe é determinante. Por isso, no caso do gestor público, a incontinência em seu comportamento, na administração ou fora dela, em sua linguagem, em sua postura moral, em sua vida privada como
em sua atuação pública, poderá revelar falta de decorro que, embora não seja crime, pode trazer reflexos danosos para a administração.
O comportamento desonesto do detentor do poder político implica afronta ao cidadão comum. Assim, os integrantes de altos escalões do governo, ao acumular fortunas, ficando impunes, incitam o homem comum a pensar que tudo é possível (FERNANDES e
FERNANDES, 2002).
A política pode constituir-se em um fator gerador de comportamento criminoso,
conforme atestam os estudos na área da criminologia, na medida em que, entre outros aspectos, a não-punição dos culpados “maiores” não inspira o temor à lei no cidadão comum:
No tema da criminalidade econômica ressalta a exclusão, que se traduz na
impunidade. No Censo Penitenciário de 1994, por exemplo, não consta
qualquer registro de presos cumprindo pena pela prática de crimes contra o
sistema financeiro, sendo irrelevante o registro relativo a crimes que se incluem ou poderiam ser incluídos na criminalidade econômica (CASTILHO,
2001, p. 228).
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O suborno e a corrupção, pelo que parece, jamais saíram de moda, seja no Brasil
ou em outro país, conforme se observa na citação abaixo:
O Baksheesh dos egípcios, o trink geld dos alemães, a “mordida” dos mexicanos, a “bustarella” dos italianos, ou speed money dos indianos, ou vzyatha dos russos, o payoff americano, a “caixinha” ou “jeitinho” brasileiros,
tudo a significar a imoral “engraxada”, o acerto por fora ou a vulgaríssima
“molhada de mão”. Ingredientes a comporem a corrupção ativa e a passiva,
quando não a concussão. Verdade é que Neil H. Jacoly, Peter Neenikis e Richard Eelles, autores do livro Exhortation World Business (“Suborno e Extorsão no Mundo dos Negócios)” levantaram denominações equivalentes em
mais de 20 idiomas (FERNANDES e FERNANDES, 2002, p. 614).
No caso brasileiro os autores citados, relatam um episódio descrito por Gilberto
Freire na obra, Sobrados e Mocambos, ocorrido na cidade de Diamantina (MG), no século
XVIII:
[...] o monopólio do fornecimento de carne de determinado comerciante,
que se findava, e ele alegando sacrifícios feitos, o pouco lucro e o bem dos
povos, queria renovar o contrato de fornecimento. Para tanto, segundo o escritor citado, o comerciante distribui dinheiro a rodo entre gente do governo”. E conclui: “teria talvez conseguido seu intento não fosse a habilidade
maior de outro grupo chefiado por dois frades, que arremataram o monopólio, organizando uma das mais grossas negociatas já vistas no Brasil (FERNANDES e FERNANDES, 2002, p. 617).
No caso de Canindé do São Francisco, a imprensa sergipana noticiou fartamente
as denúncias de corrupção, envolvendo políticos do município e, em especial, crimes cometidos pelo grupo que, na época se encontrava no comando da prefeitura. Um exemplo é a denominada “chacina de Canindé”, noticiada pelo jornal CINFORM, de 23 a 29 de janeiro de
1995, com a chamada de página: “Terra sem lei, onde a justiça é mesmo cega: Pistolagem
mata presidente da Câmara de Vereadores e mais três em Canindé”. E continua a reportagem:
Se as tradições dos crimes políticos em Canindé do São Francisco forem levadas a sério nas investigações do assassinato do vereador Demar de Teles e
os três acompanhantes, é bem provável que também se encontre um motivo
político. A trajetória de Canindé nesta década revela uma relação muito próxima com a pistolagem. (CINFORM, 23 a 29/01/1995 – Polícia, p. 13).
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Canindé do São Francisco, depois de viver os tempos do cangaço.51 nos anos de
1930, passou décadas com o registro de apenas alguns ilícitos passíveis de penas, envolvendo
arruaças e algumas lesões corporais cometidas por moradores, quase sempre, embriagados,
em seus dias de folga. A partir da década de 1990, vê-se envolvido em escândalos de corrupção, passando o município a viver em constante fiscalização dos poderes públicos estaduais
na tentativa de conter os desmandos, e tudo a ponto de ser necessário estruturar-se ali uma
delegacia de polícia regional, além de tornar-se sede de comarca e do 4o Batalhão de Policia
Militar de Sergipe, evidentes conseqüências da expansão da criminalidade em Canindé do São
Francisco.
O que antes eram apenas denúncias, a corrupção e os hoje denominados crimes de
“colarinho branco” se materializam como delitos consumados nos relatórios produzidos pela
inspeção do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, em especial nos referentes aos anos de
1994 e 2000, quando se constataram diversas irregularidades, com flagrantes desvios de verbas públicas na prefeitura de Canindé do São Francisco, constatando-se uma propositada e
bem urdida desorganização administrativa.
A medida que o município crescia, com a entrada de um volume considerável de
recursos, apresentava um dos piores índices de desenvolvimento humano do país (Tabela 3).
TABELA 3 – ÍNDICES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL (IDHM)
CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO, SERGIPE: 1991 – 2000.
ANO
IDHM
IDHM
RENDA
IDHM
IDHM
LONGEVIDADE
EDUCAÇÃO
0,416
1991
0,452
0,472
0,468
2000
0,580
0,527
0,584
FONTE: PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
0,628
52
51
A propósito do cangaço, vale lembrar que, segundo Alcino Alves Costa (autor da obra”Lampião além da versão”, publicado pela Sociedade Editorial de Sergipe, com o apoio do Governo do Estado de Sergipe, em 1996),
Canindé foi palco do fato conhecido como “a tragédia de Canindé”, ocorrido em 06 de janeiro de 1932, por mão
de Lampião e seu Bando.
52
O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH52, levantado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), visa observar o nível de desenvolvimento humano nos países. Com base nele é que
surgiu o IDHM:
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TABELA 4 – ÍNDICES ESPECÍFICOS DO IDH-M
CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO, SERGIPE: 2000.
ITEM
ÍNDICE
Pobreza
0,280
Juventude
0,386
Alfabetização
0,490
Escolaridade
0,226
Emprego formal
0,034
Violência
0,928
Desigualdade
0,034
Exclusão social
0,317
Fonte: AMORIM E POCHMAN, 2003.
Conforme se observa na Tabela 3, Canindé do São Francisco apresenta um dos
piores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do país, ocupando uma das
últimas posições no ranking. Com alto índice de pobreza, de analfabetismo, baixa escolaridade, alto índice de violência e conseqüentemente alta taxa de exclusão social e desigualdade
(Tabela 4), o que reforça a tese de que os recursos que entraram na prefeitura municipal atra-
IDH-M é, assim como o IDH, um índice que mede o desenvolvimento humano de uma unidade geográfica. Como o IDH foi concebido para ser aplicado no nível de países e grandes regiões, sua aplicação no nível municipal
tornou necessárias algumas adaptações metodológicas e conceituais. Essa necessidade decorre de duas razões:

Os únicos dados (para as variáveis relevantes) definidos, coletados e processados de maneira uniforme para todos os municípios brasileiros são aqueles provenientes dos Censos
Demográficos do IBGE. Portanto, para garantir a homogeneidade do cálculo dos índices, todos os indicadores tem que ser extraídos, direta ou indiretamente, dos censos.

Além disso, o fato dos municípios serem unidades geográficas menores e
sociedades muito mais abertas, dos pontos de vista econômico e demográfico, do que um país ou uma região, faz com que o PIB per capita não seja um bom indicador da renda efetivamente apropriada pela população residente, e a taxa combinada de matrícula não seja um bom indicador do nível educacional efetivamente vigente no município.

Além disso, o fato dos municípios serem unidades geográficas menores e
sociedades muito mais abertas, dos pontos de vista econômico e demográfico, do que um país ou uma região, faz com que o PIB per capita não seja um bom indicador da renda efetivamente apropriada pela população residente, e a taxa combinada de matrícula não seja um bom indicador do nível educacional efetivamente vigente no município.
(IDHM - Definição dos indicadores e metodologia.
http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/ceae/ibge/indicadoresmetodologia.htm#idhm.
Acesso em 25/10/2003.
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vés do advento da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, não foram utilizados para beneficiar a população local. Situação que é esboçada através do mapa produzido pelo PNUD,
onde o município aparece lado a lado entre aqueles que alcançaram os piores índices em Sergipe, vejamos:
Gráfico 1
Fonte: PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003.
Os atuais índices de qualidade de vida da população de Canindé do São Francisco,
medidos pelo PNUD, demonstram que em 1991 (IDHM - 0,452) era de baixo desenvolvimento e em 2000 chegou a casa dos 0,527, condição pouco confortável para definir como médio
desenvolvimento. Na análise dos dados, constata-se que houve pouco investimento na área
social, principalmente no que se refere a saúde e educação, com reflexo no aumento da taxa
de pobreza. Somam-se, a isso, denúncias de mau uso de verbas públicas por parte de seus gestores, conforme está descrito em relatórios do Processo nº 000136/2001, do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.
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No período auditado pelo Tribunal de Contas do Estado de Sergipe,53 constatou-se
desde a falta da merenda escolar e carteiras nas salas-de-aula até o atraso no pagamento dos
servidores públicos. Os desmandos também se constataram nas práticas de nepotismo,54 no
autoritarismo desmedido, na dilapidação do patrimônio público, sendo incontestes os indícios
de enriquecimento ilícito mediante desvios de recursos municipais e de associações em montagens de grandes esquemas de corrupção, o que levou o Ministério Público a mover ação
civil pública em defesa do patrimônio público, lutando contra o que Leal chama de sobrevivência do patrimonialismo das estruturas políticas locais:
O patrimonialismo das estruturas políticas locais sobreviveu e manifesta-se
de maneira curiosa. Se uma pessoa vem a ocupar um posto de comando na
organização político-administrativa, não é raro presenciar-se a ascensão de
grande número de pessoas da “terra dele”. Não só parentes de todos os graus,
mas também amigos de infância, antigos colegas de trabalho, vizinhos, parentes e amigos desses vizinhos e amigos ocupam cargos “de responsabilidade” ou de “confiança” em torno do novo potentado. O chamado familiarismo e outras formas de nepotismo podem ser classificados como aspectos
do patrimonialismo. Já que este se baseia em relações de lealdade e confiança pessoal, é obvia a vantagem que traz a preferência dispensada a parentes,
amigos e conhecidos, expostos ao controle da mesma estrutura local. (LEAL,
1993, p. 43-44).
Um exemplo possível dessa situação é o da Cooperativa Prestadora de Serviços
Ltda (COOPSEL), formada por 21 pessoas e que, segundo os dados levantados pelos auditores do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, prestaria ao município serviços dos mais
diversos, incompatíveis com as qualificações dos cooperados, com a natureza da empresa
prestadora de serviços e num quantitativo de horas impossível a ser coberto pelo número dos
ditos cooperados. O relatório de auditoria n. 06/03, que dá suporte a segunda intervenção no
município, diz textualmente:
25
Relatório n. 06 – Tribunal de Contas do Estado de Sergipe – Esse relatório avaliou as contas da prefeitura de
Canindé do São Francisco do período compreendido entre janeiro a dezembro de 1999.
54
Pratica de favoritismo patronal de um funcionário ou agente público, empregando parentes em cargos de confiança.
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A Cooperativa encontra-se em atividade desde 01/09/98 e, até o dia
28/06/2000 não conseguiu regularizar seus registros na OCESE, razão pela
qual entendemos como irregular o seu funcionamento, visto que tal procedimento colide com as determinações contidas no art. 107 da Lei n. 5764 de
16 de dezembro de 1971. [...] De igual modo, entendemos como irregular a
prestação de serviços médicos e odontológicos, visto que a Cooperativa é de
trabalho e não de saúde. [...] Ao nosso entender, a constituição de uma sociedade prestadora de serviços tendo em seus quadros como cooperados os
funcionários do Órgão que contratou essa mesma sociedade para prestarlhe serviços, se revestem de ato danoso para o órgão contratante, visto que,
já tendo pago seus salários, também os pagas à sociedade contratada através de fatura mensal apresentada. Desta forma, sendo os serviços prestados
pelo pessoal da Prefeitura, [...] indagamos: Como pode o cooperado prestar
serviços à Prefeitura através da Cooperativa se o mesmo é funcionário da
Prefeitura e recebe seus salários através de folha de pagamento mensal? Até
que se prove o contrário, entendemos que tal procedimento foi intencional e
em razão de sua ocorrência, merece uma tomada de decisão enérgica por
parte desta Corte de Contas nos que diz respeito às faturas pagas. Tendo e,
vista, que esta inspeção alcança o período de janeiro a dezembro de
1999’’(TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE, Relatório de
Auditoria, nº 06/03, vol. IV, p. 37).
As denúncias foram recebidas pelo judiciário e hoje tramita ação penal em juízo,
estando os réus presos na Penitenciária Dr. Manoel Carvalho Neto (Complexo Penitenciário
da Grande Aracaju).55 As investigações continuam sendo efetivadas pelo Tribunal de Contas
do Estado de Sergipe, na tentativa de levantar a real situação do município no período sob
auditoria.
O Relatório nº. 07/03, do Processo nº 000136/2001, do Tribunal de Contas do Estado, constatou, entre outros fatos, irregularidades nas emissões de notas fiscais, viciando a
prestação de contas referentes ao ano de 1999, servindo ela, inclusive, de referências para
outras avaliações:
A exemplo do exercício de 1999, onde ficou comprovada a supervalorização
do orçamento para aquele ano, também para o exercício de 2000 foi adotado o mesmo procedimento [...]. É de cristalino entendimento que tal orçamento jamais será executado em sua plenitude, servindo apenas para que o
Executivo Municipal faça sua administração sem que tenha a mínima intervenção ou participação do Poder Legislativo local. Desta forma, submete55
Unidade prisional localizada no município de São Cristóvão (SE).
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mos tais procedimentos à consideração superior [...]. Não se justificam as
discrepâncias apresentadas tanto na prestação de contas de 1999 como no
orçamento do ano 2000 porque tal fato não se registraria se não houvesse
tratamento diferenciado para contribuintes por parte da Prefeitura de Canindé do São Francisco, que cobrou imposto de alguns contribuintes e deixou de cobrar a outros, descumprindo o artigo 150 da Constituição Federal
(TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE, Processo nº
000136/2001, vol. V, p. 25).
Em Canindé do São Francisco, além da prevalência dos desmandos administrativos, ocorreram, ainda, os crimes de mando, ressaltando-se a denominada “chacina de Canindé”,56 fato amplamente noticiado pelos jornais e que causou uma grande repercussão entre a
população local, denunciando-se a presença de fenômeno da pistolagem57 na região, um fenômeno ainda comum na cultura política brasileira, a ponto de Santos afirmar:
[...] a sociedade brasileira tem revelado ao contrário, com rupturas com a
norma jurídica praticadas pelas próprias elites políticas e econômicas. Tal é
o caso do fenômeno da pistolagem, investigado por César Barreira, que afirma: “O fenômeno da pistolagem é, atualmente, marcado pelos aspectos
urbanos, deixando de ser um fenômeno só rural”. Ressalta o fenômeno da
impunidade neste aço de crime: “A impunidade das pessoas envolvidas nos
crimes – pistoleiros, mandantes ou intermediários – é apontada como um fator determinante no fortalecimento e continuidade destes homicídios”.
A pistolagem revela “um outro poder que se reproduz à margem
da lei, negando o universo jurídico, as regras e as convenções do campo jurídico”, relações de poder que se exercem pela “afirmação de um poder paralelo, que faz coexistir modernidade e arcaísmo; um universo jurídico, com
seus códigos e suas regras, convivendo com a (in) justiça pelas próprias
mãos” (SANTOS, 1999, p. 33).
Há também indícios, levantados pelo Ministério Público, de que a morte do prefeito de Canindé do São Francisco, em 1993, vítima de acidente automobilístico na estrada
que liga o município à capital do estado, teria sido homicídio (conforme denúncia do MP oferecida em 12/09/2001). Contudo, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas.
56
Segundo Lima Jr. O fenômeno da chacina deve ser entendido como “assassinato de mais de três pessoas, geralmente de forma violenta na calada da noite, com o intuito de eliminar pessoas que têm alguma ligação com a
criminalidade”. (LIMA JR, 2001, p. 14). Quanto a Canindé do São Francisco, a chacina que ocorreu no dia 20 de
janeiro de 1995, custou a vida de quatro pessoas, entre as elas o presidente da Câmara de Vereadores do município, o Sr. Ademar Rodrigues.
57
O fenômeno tomou tamanha dimensão que motivou a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI), instalada na Câmara Federal, em 1992, com a finalidade de investigar os crimes de “pistolagem” nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, especialmente na área conhecida como “Bico do Papagaio”.
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Em razão desse e de outros fatos, o Ministério Publico, classificando como catastrófica a administração pública desenvolvida em Canindé, ingressou em juízo com diversas
ações penais e cíveis responsabilizando seus gestores, conforme se pode verificar na denúncia:
Como se vê no registro acima [...] até a falta de gerência dos Alcaides...), não
somente para o Ministério Público, mas também para o Tribunal de Contas e
para o Poder Judiciário, os administradores municipais são os principais responsáveis pelo estado caótico de coisas que passou a reinar no município, com
flagrante desvio de verbas públicas e assaques aos cofres públicos, motivando
assim tais fatos o ingresso em Juízo de diversas penais e cíveis, a exemplo da
presente peça (Denúncia oferecida ao juízo de Canindé do São Francisco, em
12/09/2001).
Uma espécie de “ganância” parece ter tomado conta dos sentimentos dos administradores do município, o esquema de corrupção instalado e constatado pela corte de contas
estadual,58 ia desde empresas fantasmas à utilização de funcionários laranja, ao superfaturamento de obras que sequer eram executadas, sendo suas verbas desviadas para os bolsos dos
agentes públicos, além de contratações em total desrespeito aos interesses da comunidade.
Pelo estado caótico que reinava no município, não podia deixar de ressaltar o representante do
Ministério Público:
Este fato fez proliferar a disputa pelo poder e a ambição dos corruptos de
plantão, os quais saquearam de forma voraz e sem qualquer pudor a referida
fonte de recursos. No citado período, além dos inúmeros desmandos administrativos e de diversos crimes contra a vida, destacamos o cometimento da
“Chacina de Canindé”, onde quatro pessoas tiveram suas vidas ceifadas,
dentre elas o Presidente da Câmara, o Senhor ADEMAR RODRIGUES e o
assassinato do Prefeito DELMIRO MIRANDA DE BRITO, além de, posteriormente, ocorrer o afastamento da prefeita HORTÊNCIA CARVALHO,
não se olvidando o fato de apesar de estar o Município inundado de recursos,
possuía um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. (Denúncia oferecida ao Juízo de Canindé do São Francisco, em 12/09/2001).
No desempenho da função pública, exige-se do agente público a observância dos
princípios éticos de lealdade e boa-fé, em suma, das regras que asseguram a boa gestão e a
26
Relatório nº 06 do TC de 22/09/2000.
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disciplina interna da administração pública. Desrespeitados tais fatores, incorre o agente em
improbidade administrativa. Um de seus indícios ocorre quando o agente ostenta riqueza incompatível com seus rendimentos, ou evolução patrimonial, situação, por sinal, bem delineada no município de Canindé do São Francisco, constatando-se que, os agentes públicos perderam o controle administrativo, envolvend0-se em desmandos, lesões do erário e do patrimônio
municipais e vários desvios de poder.
A primeira intervenção estadual em Canindé do São Francisco foi fundamentada
através no Ato Deliberativo nº. 469/95, de 03 de agosto de 1995, do Tribunal de Contas do
Estado de Sergipe:
[...] considerando que este Tribunal de Contas, analisando os processos de Relatórios
de Prestações de Contas da Prefeitura Municipal de Canindé do São Francisco, decidiu que se encontram devidamente comprovados atos de improbidade administrativa, praticados pela atual Prefeita Municipal Sra. Hortência Silva Carvalho Santos,
conforme se depreende das Decisões anexas;
considerando que, de igual forma, analisando os convênios de Receita, este Tribunal
constatou que a referida administradora deixou de prestar contas de recursos recebidos, apesar de lhe ter sido concedido o prazo de quinze dias para que as mesmas fossem apresentadas (TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE, Ato Deliberativo nº 469/95, de 03 de agosto de 1995).
Destarte, no referido documento, é citada a então prefeita do município como autora de várias irregularidades, com destaque para a não-prestação de contas de vários convênios celebrados, envolvendo verbas transferidas pelo estado. Assim diz o relator do Tribunal
de Contas do Estado de Sergipe:
Da apreciação do Relatório de Inspeção em apreço, destacam-se inúmeras irregularidades, graves, sendo algumas insanáveis sintetizadas às folhas 02 a
03, as quais motivaram a citação do responsável para supri-las e/ou justificálas (PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 18/04/95).
Após o período de intervenção, a prefeita retornou ao cargo, já que as irregularidades haviam sido sanadas pelo interventor, conforme dispõe a legislação sobre essa matéria.
Todavia, embora tenha retornado a seu posto, passou a responder judicialmente por seus atos.
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Em 2001, novas evidências foram suficientes para o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe envolver-se, novamente, em intervenção no município, apontando irregularidades cometidas não só pelo principal gestor, mas também por seus auxiliares.
Em seu extenso relatório, a corte de contas59 aponta várias irregularidades administrativas ocorridas no período que vai de 1997 a 1999, fato que motivou o Pedido de Intervenção Estadual nº 002/2001, do Ministério Público, que destaca, entre as infrações cometidas, evasão de receitas do Imposto Sobre Serviço (ISS), utilização irregular de recursos do
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), adulterações de notas fiscais,
enriquecimento ilícito através de transações duvidosas de imóveis (Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, Acórdão nº 961/2001, fl.329-339).
O relatório destaca, ainda, que as irregularidades foram significativas a ponto de
alcançar a marca de dez milhões de reais, isso somente no ano de 1999, o que dá suporte ao
representante da lei mais uma vez intentar em juízo ação penal, agora com base nos artigos
28860, 29961 e 31662 do Código Penal, referentes, respectivamente, à formação de quadrilha,
fraude e concussão.
3. CRIMES COMUNS
Além da improbidade administrativa, o município vê-se também envolto no aumento dos crimes comuns, remetendo-nos, assim, a um outro aspecto de nossa pesquisa, o da
59
Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Processo nº 000136 – Relatório de Inspeção nº 06/00, de
22/09/2000, que conclui que 31 itens de despesas apreciado, no período de 01/01 a 31/12/1999, foram glosados
– fls. 843-916.
60
Dispõe sobre o crime de formação de quadrilha.
61
Dispõe sobre o crime de falsidade ideológica.
62
Dispõe sobre o crime de concussão – crime praticado por funcionário público que, na visão de Julio Fabbrine
Mirabete, consiste em “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida”. (MIRABETE, 2003, p.318).
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prática de ações delituosas comuns.63 Conforme se observa no quadro demonstrativo de judicância,64 fornecido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, houve acréscimos significativos de várias ocorrências criminais (tabela abaixo):
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
TABELA 5 – HISTÓRICO DE JUDICÂNCIA ANUAL: PROCESSOS CRIMINAIS EM CANINDÉ DO SÃO
FRANCISCO
Crimes contra a
vida
0
4
1
3
3
6
–
8
–
19
7
2
9
Crimes contra o
patrimônio
3
1
3
2
–
3
1
5
4
14
5
2
6
Contravenções
penais
–
–
–
–
–
–
–
–
–
1
–
1
1
Outros feitos
criminais
1
–
–
1
1
5
1
12
8
17
16
16
37
Pequenos crimes
(1)
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
29
Delitos com
tóxicos
–
–
–
–
–
–
–
2
–
2
2
1
1
Delitos de trânsito
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
2
–
3
TOTAIS
4
5
5
7
4
14
2
27
12
53
32
22
86
Natureza processual
Nota: (1) – Com trâmites em Juizado Especial Criminal (pequenas causas).
FONTE: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, mar. 2003.
Ao analisar-se a Tabela 5, verifica-se que os crimes contra a vida65 têm seu maior
índice, 19 casos, em 1997, época em que a cidade vive intensa instabilidade política em de-
63
Segundo Lima Jr: “Crimes atribuídos aos cidadãos comuns, são aqueles cometidos pela população difusa”
(LIMA JR., 2001, p. 14).
64
Referente ao julgamento ou o que é relativo a julgamento.
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corrência da denúncia de corrupção na gestão municipal. Os atos lesivos à vida mantêm-se
abaixo de dez casos em todo o período de construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, apesar
de ser o período de maior deslocamento migratório, verificando-se um aumento significativo
da população.
Em 1989, em decorrência da crise econômica que o país estava atravessando, há a
paralisação da construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, ano em que ocorrem quatro homicídios. O número decresce imediatamente e volta a subir nos anos de 1991 e 1992, tendo um
pico em 1993, quando cresce em torno de 100%, considerado o número de casos ocorridos no
ano anterior. E, em 1995, chega a oito homicídios. Nesse ano, há uma intensa rotatividade de
mão-de-obra pouco especializada, oriunda de outros lugares do país. Há um aumento considerável do número de pessoas que passam a circular na região, principalmente na sede municipal. Como asseveram Beato Filho (1998) e Cohen (1980), o contexto urbano pode oferecer
oportunidade para o incremento do fenômeno criminoso.
Em 1995, três turbinas da hidrelétrica já estavam em funcionamento e as obras da
barragem careciam cada vez menos de mão-de-obra. Importa considerar, também, que nesse
ano ocorre a chamada “chacina de Canindé”, misturando-se interesses políticos com os crimes
comuns. Os promotores, em suas denúncias, então informam que em Canindé do São Francisco imperava os desmandos administrativos, o nepotismo e os crimes de mando.
Além dos crimes contra a vida, com destaque para o homicídio, a Tabela 5 informa sobre os crimes contra o patrimônio,66 as contravenções penais,67 outros feitos criminais,68
delitos de trânsito e delitos de tóxicos. Crimes considerados comuns, mas que contribuem
para a criação de uma imagem social da localidade violenta. Os homicídios, em particular, são
os que causam maiores impactos no imaginário da população. O homicídio é considerado o
65
Segundo MIRABETE, “os crimes que atingem a pessoa humana em seu aspecto físico ou moral” (MIRABETE, 2003, p. 61).
66
São os crimes de furto, roubo e latrocínio.
67
Infração de menor potencial ofensivo, descrita no Decreto Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, que versa sobre
a classificação das infrações tendo em vista a gravidade da violação legal. Não existe diferença ontológica entre
crime e contravenção, ficando a diferença por conta de se estabelecer ilícito de menor gravidade.
68
Denominam-se lesões corporais, a ofensa a integridade corporal ou a saúde de outrem.
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crime por excelência e tem primazia entre os delitos mais graves, pois é o atentado contra a
fonte mesma da ordem e segurança geral (CAPEZ, 2003).
O fato é que o homicídio afeta profundamente a consciência coletiva, agride-a
destrutivamente, de maneira brutal e chocante, em suas bases mais primárias, aquelas com
referências na unidade social sustentada nos sentidos da sobrevida e da autopreservação relacionados aos laços de parentesco e ao pertencimento a um território, a um grupo social, dos
vínculos entre as pessoas. Em resumo, o homicídio é o que há de mais contrário à comunhão
necessária entre as pessoas, característica tanto na “solidariedade mecânica” como na “solidariedade orgânica”, expressões adotadas por Durkheim como fatores de sedimentação das relações sociais.
Conforme o autor citado, no primeiro caso, trata-se da solidariedade predominante
em sociedades pré-capitalistas, identificando-se os indivíduos em função da religião, das tradições, dos costumes, da família etc; já no segundo, a “solidariedade orgânica”, própria às
sociedades capitalistas, ela é conseqüência da divisão do trabalho, garantindo-se a união social por meio de uma interdependência entre indivíduos que, segundo suas próprias palavras,
“garante a união social, em lugar dos costumes e das tradições, ou das relações sociais estreitas” (DURKHEIM, 1999, p. 64).
Não somente para o Ministério Público, mas também para o Tribunal de Contas
do Estado de Sergipe e para o Poder Judiciário, os administradores municipais foram os principais responsáveis pela situação caótica que passou a reinar no município, sendo ajuizadas
diversas ações, penais e cíveis, que versavam sobre corrupção, nepotismo, desvios de verbas
públicas, fraudes, crimes de pistolagem, formação de quadrilha etc. (Denúncia oferecida em
31/07/2001).
No ano de 1997 foram registrados 19 homicídios. Na época, deu-se a conclusão da
construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, sendo, portanto, um período de grande desempre-
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go na cidade. Os anos seguintes trazem índices inferiores, porém, significativos em se tratando de um município que, no ano 2000, apresentava cerca de 17.754 habitantes, consoante censo demográfico realizado pelo IBGE:
TABELA 6 – POPULAÇÃO DE CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO, 1970 – 2000.
População residente
Ano
Total
Urbana
Rural
Taxa de
Taxa de ur-
Densidade
crescimento
banização
demográfica
(%)
(%)
(hab/km2)
1970
2.837
363
2.474
–
12,80
3,12
1980
6.153
359
5.794
8,06
5,84
6,77
1991
11.473
5.322
6.151
5,83
46,39
12,63
1996
14.513
7.877
6.636
4,81
54,28
15,98
2000
17.754
9.303
8.451
5,15
52,40
19,55
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, censos de 1970, 1980, 1991 e 2000 e
contagem da população em 1996.
Em 1970, o Censo de Contagem da População Brasileira, recenseou 2.837 habitantes em Canindé do São Francisco; desses, apenas 363 moravam na sede do município. Dez
anos depois houve um acréscimo populacional de 8,06%; entretanto, a sede municipal havia
tido uma redução de 4 pessoas. Em 1991, época em que ocorria a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, o número de habitantes no município praticamente duplica e chega à casa
dos 11.473 habitantes, 5.322 deles em área urbana, o que representa uma taxa de urbanização
de 46,39%. Em 2000, essa taxa chega à casa dos 52,40%.
A análise dos dados demográficos demonstra que a região sofreu um impacto
muito grande com o aparecimento da hidrelétrica, tendo um enorme contingente de pessoas se
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instalado na sede municipal, isso sem levar em conta que houve também um impacto populacional causado pela implantação do Projeto Califórnia.69
Cabe considerar que, em 1997, cresceu o número de várias ocorrências criminais
em Canindé do São Francisco, com destaque para os crimes contra o patrimônio e outros feitos criminais, denotando um desenvolvimento significativo da agressividade e da violência
entre os habitantes do município. Aliás. os “outros feitos criminais”, que correspondem a infrações menores como ameaças, lesões corporais, crimes de dano, calúnia e injúria, crescem
de forma peculiar, chegando à marca de 37 ocorrências em 2000, não dispondo o governo do
estado de estrutura no município para investigar e punir os culpados.
Conforme Beato Filho, as condições de vida da população podem ser a explicação
de alguns tipos de criminalidade:
Outra forma de analisarmos a distribuição de delitos seria não pelo tamanho das cidades, mas pelo seu grau de desenvolvimento. Utilizando o Índice
de Desenvolvimento Humano da ONU, obtive resultados que indicam que o
grau de desenvolvimento dos municípios está associado positivamente a alguns tipos de crimes, tais como o roubo e o roubo à mão armada (BEATO
FILHO, 1998, p. 82).
Outro fato importante é o aparecimento, em 1995, de delitos ligados a tóxicos,
com ausência, no entanto, de relatos que versem de forma adequada sobre essa atividade criminosa. Talvez o comércio de drogas tenha sido desenvolvido na região a partir do início do
grande fluxo de trabalhadores ou, ainda, devido à proximidade do chamado “polígono da maconha”,70 colocando Canindé do São Francisco na rota de passagem dessa droga, mas de mo-
69
Quanto ao impacto do Projeto Califórnia, há o estudo empreendido por Eliano Sérgio Azevedo Lopes, “Assentamentos rurais e desenvolvimento local: dimensões econômicas, sociopolíticas e redes sociais no campo sergipano”, tese de doutorado defendida no Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade,
do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 2000. Trabalho
que procura analisar as dimensões sócio-econômicas dos assentamentos rurais, a partir de um olhar regionalizado, em relação a Sergipe, com ênfase maior na política e processos de construção de redes sociais como elementos que impulsionam diferentes perspectivas de desenvolvimento local.
70
Região de Pernambuco e Bahia banhadas pelo rio São Francisco utilizada para plantio de maconha. Em 1999,
o governo federal estimou que nessa área residiam 350 mil pessoas, em 32 municípios, das quais, 40 mil estavam
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do bem diferente, em magnitude de organização e de forma, do narcotráfico praticado em
cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde jovens são aliciados em favelas para servirem
como “soldados do tráfico”.
A respeito desse aliciamento feito nas favelas Gilberto Velho esclarece:
Nas favelas, na periferia dos grandes centros urbanos e nos conjuntos habitacionais multiplicaram-se quadrilhas, compostas predominantemente por jovens, que passaram a exercer, em muitos casos, um controle efetivo sobre estas áreas da cidade. Através do tráfico passaram a ter acesso a armas de todos os tipos, com as quais exercem seu poder e travam verdadeiras guerras
com seus competidores. Dentro desse quadro de valores tradicionais em que,
por exemplo, as gerações mais velhas ocupavam uma posição de prestígio
vão por água abaixo. Diferentes tipos de vida associativa, previamente existente soa colocados em cheque pela ascensão dos traficantes e seus séqüitos
(VELHO, 1996, p. 18).
A apreensão de entorpecentes na jurisdição de Canindé do São Francisco deve-se,
em sua quase totalidade, às ações da Polícia Federal, que montou barreira, na altura da cidade,
com a finalidade de apreender drogas vindas, principalmente, em ônibus, da cidade baiana de
Paulo Afonso, em direção as cidades de Aracaju ou Salvador. Canindé é, portanto, apenas
uma rota de passagem da droga.
Apesar de não poder se comparar a situação vivida nesse município com a de
grandes centros urbanos, a população local sente os efeitos dos pequenos traficantes e usuários, a tal ponto que passam a conviver com a “lei do silêncio”71 e com as conseqüências dela
decorrente, situação que levou um dos entrevistados a afirmar:
No início dos anos 1990 havia um tráfico de drogas muito grande, já que a
população que procurou Canindé chegava em torno de 10.000 pessoas, com
um número muito grande de assalto, furtos e outros crimes, tudo por conta
da miscigenação cultural, já que o homem vinha trabalhar e quando demitido, muitas vezes envolvia-se em tráficos de drogas e outros crimes (J.L.O,
entrevista concedida em fevereiro de 2003).
envolvidas na plantação da maconha (O Estado de São
http://www.estado.estadao.com.br/edição/pano/99/16/cid757.html).
Paulo,
17/06/1999,
disponível
em
71
Segundo Orlandi, “o silêncio não é vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade significativa. [...], o silêncio não está entre as palavras. Ele as atravessa [o silêncio], como condição de significação,
resulta que há uma incompletude da linguagem quanto ao sentido” (ORLANDI, 1995, p. 70-71).
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Os depoimentos dos entrevistados demonstram uma consciência das mudanças
sociais ocorridas em Canindé do São Francisco, em razão da implantação da usina como fator
que motivou o aumento de ações criminais cometidas no município. Segundo um entrevistado, o desemprego, que veio como conseqüência da finalização das obras da barragem, é visto
como o que levou ao mundo do crime parte daquelas pessoas que haviam chegado em Canindé a procura de trabalho e sustento e acabaram sem trabalho, sem meios de sobrevivência,
ficando completamente desamparadas.
Segundo os dados obtidos junto a Delegacia Regional de Canindé do São Francisco, não há muitos registros de ocorrências no período da construção da Usina Hidrelétrica de
Xingó, visto que nem todos os casos eram encaminhados à justiça, pois uma parte dos fatos
nem chegava a ser lavrada em autos e iniciados os inquéritos correspondentes, uma outra esbarrava nas impossibilidades de levantarem-se provas conclusivas. Por essa razão, as tabelas 3
e 4 diferirem da Tabela 7.
2000
4
1999
7
1998
1996
5
1997
1995
1993
1992
1991
1990
1994
Crimes contra a vida
1989
Tipificação criminal
1988
TABELA 7 – OCORRÊNCIAS POLICIAIS EM CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO
12 14 14 16
Crimes contra o patrimônio
1 5 5 4 5 6 8
Delitos de tóxicos
1 1
1 2 3
Delitos de trânsito
3 2 1
2 8 5
Contravenções penais
Outros feitos criminais
19 14 4 6 16 14 34
Juizados especiais
28 29 15 22 38 44 66
TOTAL
FONTE: Delegacia Regional de Canindé do São Francisco, 2002.
Ao confrontar os dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
com os dos livros de registro de inquéritos policiais, da Delegacia Regional de Canindé do
São Francisco, percebe-se, de imediato, duas discrepâncias de informações. Em primeiro lupdfMachine
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gar, uma parte dos crimes registrados na instância policial não chega até a justiça devido às
desistências dos denunciantes, à falta de provas ou, ainda, às soluções obtidas em nível de
delegacia; um segundo diz respeito ao fato de que, no período de 1988 a 1993, os processos
de Canindé do São Francisco eram julgados pelo juiz da comarca de Porto da Folha.
A falha na coleta e sistematização das informações policiais somente foi resolvida
com a instalação da Coordenadoria de Estudos, Pesquisa e Estatística –CODEP, da Secretaria
de Segurança Pública de Sergipe, criada em novembro de 1998, que tem como finalidade elaborar a estatística acerca do fenômeno criminógeno em todo o estado. A ausência de sistematização das ocorrências policiais, por parte da Secretaria de Segurança Pública de Sergipe,
parece demonstrar a pouca importância dada ao fenômeno da criminalidade e ao da violência
em geral, verificando-se apenas ações voltadas para a repressão, sem a preocupação de compreender as raízes dos fatos e acompanhá-los, o que impossibilitou, ao longo do tempo, o bom
planejamento da atividade policial. A inexistência de muitos dados constituiu-se em um entrave para o presente estudo. Nesse sentido, é correta a afirmação de Paixão:
Pesquisadores da criminalidade encontram um obstáculo inicial para o seu
trabalho na qualidade e natureza das estatísticas existentes sobre o fenômeno. As informações disponíveis provem de duas fontes: queixas registradas e
prisões efetuadas. Entretanto, é ingenuidade tomar estas informações como
um retrato fiel ou confiável da criminalidade real de uma comunidade. A natureza do fenômeno criminoso – atos ilegais – leva seus atores e agentes, por
razões obvias, ao ocultamento e ao segredo. Além disso, muitos crimes não
chegam ao conhecimento das organizações públicas de controle social por
diversas (e razoáveis) motivos. Assim, as estatísticas oficiais de criminalidade retratam apenas uma amostra dos padrões reais de crime numa dada comunidade: o crime oficialmente detectado (PAIXÃO, 1983, p. 18).
Talvez muitos casos tenham deixado de ser registrados, porque, na época do início
da construção da usina e da transferência da cidade, o distrito judiciário ficava no município
de Porto da Folha, o que, possivelmente, impediu ou inviabilizou a apuração de muitos feitos
criminais. Segundo um dos entrevistados...
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Canindé, em 1998, era Distrito Judiciário de Porto da Folha e não tinha muita movimentação processual. Havia agitação na cidade porque se estava na
fase de transição (em relação à implantação da usina) e talvez por isso muita
coisa fugiu da visão das autoridades (J.G.C, entrevista concedida em fevereiro de 2003).
Os dados analisados confirmam a hipótese central do estudo, de que a construção
da Usina Hidrelétrica de Xingó, estimulou o crescimento da criminalidade comum e fomentou
o surgimento de outro tipo de delito, conhecido como “crime de colarinho branco” ou “delinqüência dourada”.
Os técnicos que planejaram a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, mesmo
sabendo que deveriam propor ações que visassem o respeito ao meio ambiente e interferissem
de forma amena sobre a população local, não lograram tanto êxito assim, os dados mostram
que estiveram mais preocupados com a consolidação da obra civil do que com o meio ambiente e a população em seu entorno. Os reflexos desse descaso aparecem no aumento da criminalidade e na destruição do meio ambiente.
A situação evidenciada em Canindé do São Francisco mostra o resultado nefasto
de uma intervenção de grandes proporções em uma região, descontextualizada de sua realidade ambiental e humana, tendo, assim, promovido e reforçado a exclusão social, transformando
uma população em refém do medo, o que resultou em uma comunidade estigmatizada por
uma série de crimes, por fenômenos criminógenos, os reais e, até mesmo, os fictícios.
O aumento da criminalidade no município decorre do impacto causado pela construção da Usina Hidrelétrica de Xingó que, além de gerar problemas ambientais de difícil solução, alterou profundamente o modo de ser da população, impondo-lhe outras estratégias de
sobrevivência e condições de vida, inclusive, submetendo-a bruscamente ao convívio com um
contingente populacional que para lá migrou em curto espaço de tempo, sem que a mesma
estivesse preparada para a chegada do que lhe era estranho. Os responsáveis pela empreitada
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não procuraram preparar aquelas pessoas para o processo de mudança que ocorreria, inclusive, no que se refere à administração pública.
Há uma relação direta entre o projeto de desenvolvimento empreendido no município de Canindé do São Francisco e o afloramento da criminalidade, tanto em relação aos
crimes comuns, como os de “colarinho branco” que motivaram toda uma publicidade negativa, criando uma imagem de violência e desmandos que imperaram e ainda imperam no município.
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CONCLUSÃO
Há uma relação do tipo de desenvolvimento promovido através da construção da
Usina Hidrelétrica de Xingó com o aumento da criminalidade e os danos ao meio ambiente,
em Canindé do São Francisco. Em virtude do empreendimento, o município transformou-se
profundamente, em todos os aspectos, envolvendo desde a paisagem e o ambiente natural até
a vida das pessoas, tanto no plano individual como no social.
Ademais, o que é mais grave, com o advento da hidrelétrica, não se verificou alguma modalidade de sincretismo cultural, fundindo-se o novo ao antigo, ou mesmo, diga-se,
algum tipo de aculturamento, impondo-se, então, uma nova modalidade cultural à antiga. O
que ocorreu, na verdade, foi a desculturação de uma população antiga, sobejamente ampliada por levas de migrantes, entregue ao sentimento do vazio, do sem sentido, caso não ao desvalor, restando-lhe, tão-somente, as modalidades de um exótico cosmopolitismo agravadas
pelo individualismo exacerbado, levado aos extremos.
A obra, que visava atender à demanda de energia elétrica do Nordeste, principalmente dos pólos industriais de Recife e Salvador, constituiu-se, enfim, num marco de
grandes perturbações culturais para o município de Canindé do São Francisco, aflorando
todos os tipos de mazelas sociais, a exemplo da corrupção, dos crimes comuns e de “colarinho branco”, das agressões ao meio ambiente.
O fato é que, apesar dos discursos de políticos e de técnicos da própria CHESF,
verificou-se uma política de crescimento econômico a qualquer custo, em que as especifici-
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dades locais foram desconsideradas, rompendo-se um processo de reciprocidades nas relações entre pessoas e entre elas e o meio ambiente, comuns em comunidades interioranas como a velha Canindé, exacerbando-se, conseqüentemente, a conflituosidade, a confusão social.
A entrada de um volume de um considerável volume de recursos nas contas da
prefeitura de Canindé do São Francisco, em decorrência da produção de energia elétrica,
corroborou uma enxurrada de desmandos administrativos, em duas gestões, a ponto de haver
afastamento e prisão de autoridades municipais e processos de averiguação de culpa.
As mudanças ocorridas no município, não há como se negar, refletiram de forma
dramática no meio ambiente e na sua cultura de sua população, promovendo surpreendente
elevação dos índices de pobreza, a despeito dos repasses de recursos financeiros cada vez
mais altos, não refletindo, positivamente, esse aporte no “índice de desenvolvimento humano
municipal”, que hoje possui uma das piores taxas do país (4.926). A situação é relatada nas
páginas das auditorias do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e dos processos movidos
pelo Ministério Público que avaliam grande parte do estado calamitoso em que se encontra o
município.
Além dos crimes de “colarinho branco”, a população passou a conviver com o
aumento da criminalidade em geral, materializada em eventos trágicos, a exemplo, o da
“chacina de Canindé”, envolvendo o assassinato de um prefeito no exercício de seu cargo,
além dos furtos e roubos que são fatos líquidos e certos, alguns já mitificados pelo povo, portanto parte seu imaginário. São, sem dúvida, fenômenos criminógenos que afloraram com as
transformações sociais e ambientais ocasionadas com a construção da Usina Hidrelétrica de
Xingó e pelo conseqüente aumento do repasse de recursos para a cidade.
As mudanças são percebidas pela população, o governo do estado, por seu lado,
dentro de suas possibilidades, procurando sanar os eventos criminosos, lá instala o 4o BatapdfMachine
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lhão de Polícia Militar, também a Delegacia Regional de Polícia de Canindé do São Francisco, um fórum é construído e surge, até mesmo, um juizado especial criminal. Entretanto, foram medidas que não lograram completo bom êxito.
Nesse cenário, o executivo municipal passou a incorporar práticas e armas dos
antigos coronéis, com contratação de pessoas que mais se assemelhavam a capangas ou
mesmo jagunços, como guarda-costas. É instalado na cidade um clima de medo e terror. Os
bens públicos estão nas mãos de uma família que passa a comandar e dar as regras da vida
na localidade. Este imaginário é possível, porque a cidade tem dinheiro para bancar as loucuras do gestor municipal.
Assim, pode-se dizer que há uma relação entre a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó e a criminalidade e, certamente, as alterações no meio ambiente do município de
Canindé do São Francisco.
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DESENVOLVIMENTO, MEIO AMBIENTE E CRIMINALIDADE