Entrevista sobre o Programa ESEC-TV
Ficha de Identificação
Nome: Luís Miguel Cruz Pato
Instituição: Escola Superior de Educação de Coimbra
Cargo/Função: Coordenador
Programa: ESEC-TV
Questões
1. O Programa
Com a reestruturação da televisão pública portuguesa em 2003, o segundo
canal propôs a abertura de antena ao experimentalismo do universo
académico. Neste sentido, gostaríamos de saber se o programa ESEC-TV
pretende corresponder, de alguma forma, a esta oportunidade.
- Qual é a proposta do programa ESEC-TV ?
O principal objectivo do programa “ESEC TV” é divulgar os eventos que a
Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) organiza e promove. Para
alem deste aspecto há a preocupação de fazer uma abordagem às iniciativas de
âmbito cultural que fazem parte da agenda de Coimbra.
- Os seus principais objectivos?
Os objectivos do “ESEC TV” passam por divulgar as iniciativas de autoria da
ESEC e mostrar que na cidade de Coimbra há uma infinidade de assuntos que
ultrapassam a ideia de que esta cidade se resume aos poucos eventos que são
divulgados nos canais nacionais.
- Apresenta-se como um programa experimental? Em que sentido?
Aqui, invariavelmente, a resposta passará pela própria génese de produção
televisiva que o “ESEC TV” promove; isto porque o programa (que tem um
formato de magazine televisivo) é o resultado do trabalho de uma equipa de
profissionais (composta por cinco elementos – que funciona como núcleo base
do projecto), docentes e alunos que trabalham ou estudam na ESEC. O
programa, tal como o próprio projecto, tem uma preocupação didáctica que
passa por proporcionar aos alunos da ESEC um espaço de produção televisiva a
um nível profissional.
- A produção tem conhecimento do público do programa?
Tendo em conta a hora tardia (1 e 2 da madrugada) em que o programa é
exibido pela RTP2, há uma noção adquirida que o público do “ESEC TV” não
será o mesmo em que baseiam os shares dos reality shows e das telenovelas.
Para alem deste aspecto, e ao termos em conta a natureza cultural do
programa, consideramos que ele terá um público mais selectivo que provirá de
um consumo de conteúdos que ele próprio selecciona na Internet (Youtube,
etc.). Um público que está habituado a ver conteúdos televisivos através de uma
grelha construída por ele próprio. Poderá ser considerado público com um
consumo televisivo “à la carte”!
2. Qualidade
- Na sua opinião, o que pode ser considerado qualidade em televisão em
referência às magazines de carácter cultural, social e/ou científico?
Pessoalmente considero que há uma devastação cultural na oferta televisiva. Já
na década de 90 (a era histórica do boom da criação e progressiva oferta de
fenómenos televisivos privatizados) se falava que a “suposta” oferta televisiva
era baseada nos gostos do público; aqui, observa-se a existência de uma
perversão que está camuflada sob um consumismo televisivo fundamentado em
interesses meramente capitalistas. Hoje, tal como sucedia no século passado, a
verdade que substancia o fenómeno televisivo, que actualmente temos, não
podia ser mais maquiavélica porque ainda persiste uma programação
televisiva baseada em “telelixo” que é o resultado mais visível dos interesses
capitalistas. Por isso, considero que actualmente a qualidade televisiva tem um
papel cada vez mais residual.
- Considera que a A:2, actual RTP 2, emite uma programação de
qualidade?
Se sim, por quê?
Não.
- A produção do programa ESEC-TV
tem por base parâmetros de
qualidade? Se for o caso, poderia explicar brevemente quais são eles?
Tal como afirmei, anteriormente, só o facto do “ESEC TV” partir de uma base
onde há uma preocupação de cariz didáctico já faz com que haja um cuidado
qualitativo no tipo de conteúdos que compõem cada programa.
- A qualidade é entendida apenas em termos de senso comum ou há
alguma discussão mais aprofundada em termos de conteúdo e formato?
Como o programa “ESEC TV” é resultante do trabalho de uma equipa de
profissionais base que conta com a colaboração de alunos e professores da
ESEC; há, naturalmente, uma discussão acerca de todas as fases de produção
que compõe o “ESEC TV”. Por isso, a qualidade nunca foi entendida como um
aspecto de mero senso comum.
- Considera que o ESEC-TV consegue cumprir com a qualidade que se
espera de um programa de uma estação de serviço público? Se sim, por
quê?
Considero que a grande questão aqui será a seguinte: “Que conteúdo é que
poderá ser considerado como um exemplo de serviço público televisivo que
cumpra a qualidade que lhe é esperada?” Como há poucos exemplos, proponho
que se veja esta questão através de duas hipóteses de serviço público. Se
partirmos do exemplo de um conteúdo que têm a preocupação de seguir uma
agenda baseada em “telelixo” ou em temas provenientes do fenómeno que já se
denomina como: “Agenda Surfing” – que é pegar no que é vendável pela
mediação da comunicação social e ampliá-lo infinitamente até conseguir o
share pretendido pela estação. Só posso dizer que não! O “ESEC TV” não está a
cumprir este modelo de serviço público. Porém, se tivermos como exemplo um
programa que tem preocupações acerca da produção de conteúdos originais,
sem interesses políticos; uma constituição de um verdadeiro espaço para uma
produção televisiva que provenha da sociedade civil onde a difusão cultural
possa ter um lugar de destaque. Só posso dizer que sim, o “ESEC TV” preenche
este modelo de serviço público.
- Indique 3 atributos que considera relevantes no que diz respeito à
qualidade de um programa de televisão:
Aqui considero que os aspectos que possam atribuir qualidade a um programa
de televisão terão que, obrigatoriamente, estar relacionados com a
originalidade, variedade qualitativa, e preocupações didácticas.
3. Temas
Um dos aspectos muito discutidos nos estudos sobre a qualidade na televisão
é a diversidade tanto da programação quanto de programas.
- A produção do ESEC-TV
tem algum tipo de preocupação com a
diversidade na abordagem de temas e também com a representação de
diferentes vozes que geralmente não têm representatividade nos
media?
O “ESEC TV” é um espaço televisivo, com formato de magazine, que tem uma
grande variedade de conteúdos – cerca de cinco por programa; por isso, há
uma preocupação na escolha dos temas de cada peça que compõe o programa,
bem como as diferentes abordagens que lhes são dadas e a sequência que
devem ter em cada programa. Também se deve destacar que o programa tem a
preocupação em dar voz às pessoas e consequentemente às realidades que
geralmente não ocupam um espaço representativo nos media; aqui, destaca-se
uma despreocupação em relação às agendas mediáticas em prol de interesses
culturais e de assuntos didácticos que podem, ou não, ser da responsabilidade
da ESEC.
- Como são seleccionados e tratados os temas a serem abordados no
programa?
Ao termos como base a variedade de assuntos tratados em cada programa
“ESEC TV” observa-se que a selecção e o tratamento de cada conteúdo têm
como objectivo fazer com que cada magazine seja um programa único – apesar
da continuidade (raccord) natural que faz com que cada programa seja parte
da realidade televisiva do “ESEC TV”. Aqui, durante as escolhas editoriais, dá-se
o natural destaque aos eventos que a ESEC promove sendo que no resto do
programa há uma tentativa de abordar assuntos que tenham alguma ligação a
estes no entanto, tem-se sempre a preocupação de fazer uma programação
variada.
4. Papel da Universidade
- O programa ESEC-TV tem a intenção de aproximar a academia (e seu
discurso) e a sociedade, no sentido de democratizar e fomentar o
acesso e a divulgação do conhecimento?
Ao observarmos a génese didáctica do projecto e do programa só podemos
concluir que houve uma preocupação de democratizar e fomentar o acesso e a
divulgação do conhecimento por parte da ESEC. Aqui, podemos ver que estes
aspectos se conseguiram através da “oferta” de uma experiência profissional,
para adicionar ao conhecimento teórico, adquirido ao longo dos anos nas
várias licenciaturas, aos seus alunos. Por fim, poder-se-á referir que, para alem
da preocupação com os alunos da ESEC, também houve com o “ESEC TV” uma
preocupação de partilhar e difundir conhecimento para a comunidade.
- Na sua opinião, o programa cumpre um certo papel institucional da
universidade no sentido de promover não apenas as suas actividades
de ensino e investigação, mas também de usar o seu potencial para
gerar discussões, reflexões e fomentar o interesse da comunidade a
respeito de temas variados?
Só o facto de estarmos a falar de uma instituição do ensino superior que se
predispõe a uma exposição semanal perante a comunidade, através de um
programa que é integralmente produzido por profissionais, alunos e docentes
da ESEC, está-se, naturalmente, a falar de um motivo que pode gerar
discussões. Nem que seja com questões como a que se segue: “Se eles conseguem
fazer um programa televisivo, porque é que outras estruturas de ensino
superior não conseguem?”.
Para alem deste aspecto, observa-se que os vários temas e as abordagens que
lhes são dadas no “ESEC TV” poderão ser alvo de discussão criativa; aliás, todas
as fases de produção do programa são caracterizadas por um discussão
construtiva porque o “ESEC TV” é resultante de um grande esforço de uma
instituição do ensino superior que sabe qual a importância de criar nos seus
alunos um espírito crítico. Aqui, o facto de haver uma preocupação deste
programa se diferenciar do típico magazine fundamentado em modelos de
televisão indoor ou numa colectânea de trabalhos de alunos (modelos
apresentados por outras instituições do ensino superior no: Espaço
Universidades da RTP 2) poderá ser também um aspecto gerador de discussão.
5. Participação dos Alunos
- Conforme a informação disponível no website, a produção do
programa conta com a participação de alunos e estagiários do curso,
mas gostaríamos de saber sobre o modo de produção dos programas,
especialmente como é distribuído o serviço, quero dizer, qual é o grau
de autonomia dos alunos na proposição de temas e na produção de
peças?
Os alunos que colaboram com a “ESEC TV” na produção do programa fazem-no
através do acompanhamento a equipas de gravação em exteriores, ou nos
momentos em que se gravam as apresentações em estúdio. Nesta colaboração
há que se destacar o facto dos alunos terem uma participação activa nas suas
actividades desde o primeiro momento; esta característica diferencia-se da
ideia tradicional do aluno que tem a possibilidade de apenas acompanhar e
observar os ambientes profissionais parar tirar notas. A “ESEC TV”, enquanto
estrutura, tem, desde o primeiro momento, a preocupação de incluir todos os
colaboradores numa actividade efectiva de produção audiovisual. Aqui
observa-se uma clara contradição ao que é praticado noutras estruturas de
produção audiovisual onde os estagiários têm apenas uma actividade que se
resume à mera observação. Em suma, na “ESEC TV” há um política que se
resume à frase: “aprender a fazer”.
- Há algum tipo de manual com linhas de orientação sobre o que se deve
e o que não se deve fazer?
Não, no “ESEC TV” há uma orientação teórico-prática “in loco” que é feita em
todas as fases de produção pelos elementos que compõem a equipa da “ESEC
TV”.
- Em que medida o programa contribui para a formação do olhar crítico
e reflexivo dos futuros profissionais? Até que ponto eles são
estimulados a pensar criticamente a televisão e são treinados a utilizar
as qualidades intrínsecas à sua natureza para criar, contar e
compartilhar narrativas que sejam úteis, agreguem valor e estimulem
uma mudança de foco da completa banalização que assolou a
comunicação social nos últimos anos, tanto em Portugal quanto em
outros países do mundo?
Ao partimos do pressuposto do magazine “ESEC TV” ser fruto de um trabalho
que provêm do esforço conjunto de uma equipa base de profissionais, alunos e
professores da ESEC, poder-se-á afirmar que há um estímulo natural à
criatividade e à existência de um espírito crítico. Por isso, em suma, pode-se
dizer que neste projecto há uma preocupação efectiva de mudar as
mentalidades dos futuros profissionais da comunicação que são formados na
ESEC e de outros alunos, provenientes de outras instituições do ensino superior,
que procuram este projecto para fazerem os seus estágios curriculares na área
da produção audiovisual – aqui, destacam-se dois estudantes da Universidade
de Aveiro.
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