PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM FOCO EM RAÇA E GÊNERO – UAB/UFOP WALDIRENE A. G. FRANCO DE ANDRADE AS DIVERSAS FORMAS DE INSERÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO Timóteo/2012 WALDIRENE A. G. FRANCO DE ANDRADE AS DIVERSAS FORMAS DE INSERÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça da Universidade Federal de Ouro Preto, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça, sob a orientação da Tutora Sarug Dagir Ribeiro. Especialização em Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça. UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto. 2 Junho - 2012. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha mãe Etelvina que idealizou essa conquista desde os tempos da faculdade, ao meu esposo Marcelo e aos meus filhos Mateus e Caio por entenderem o pouco tempo disponível para estar com eles. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha amiga Mariene que não permitiu que eu desistisse quando achei que não ia conseguir. A todos os orientadores que estiveram sempre à disposição para nos conduzir ao caminho certo, adotando sempre uma postura de mediadores, respeitando nossos limites, dando o exemplo de profissionalismo em todos os âmbitos do nosso contínuo aprendizado. A todos que de alguma forma contribuíram direta ou indiretamente para que eu galgasse mais essa vitória. Enfim, agradeço acima de tudo a Deus que na sua infinita bondade nunca me desamparou. 4 RESUMO Várias são as pesquisas no que se refere à inserção da mulher negra no mercado de trabalho, no entanto, a conclusão de todos os estudiosos e pesquisadores do tema é a mesma, pois, há muito que se fazer para alcançar a verdadeira equidade inter-racial e de gênero. Em face disso, apresenta-se aqui uma abordagem teórica com o intuito de comparar tempos e apontar através de dados obtidos de fontes confiáveis como o IBGE, DIEESE e outras, as discrepâncias entre a teoria e a prática, a fim de levantar hipóteses e reflexões sobre a realidade das mulheres negras no mercado de trabalho quando comparadas às mulheres brancas. Palavras-chave: Inserção, Mercado de Trabalho, mulheres negras, lutas e conquistas. 5 SUMÁRIO Introdução 08 Capítulo 1 – Um breve histórico da escravidão no Brasil 14 1.1. – O princípio de uma dor 16 1.2. – O papel das mulheres escravas na história 19 Capítulo 2 – O princípio da ‘liberdade’ 22 2.1 – Alforriadas, mas escravas 23 2.2 – Entre a luta e o pré-conceito 25 Capítulo 3 - Conquistando um espaço no mercado 28 3.1 – (Des)Igualdade de direitos – uma breve comparação 31 Considerações finais 34 Referências 35 6 Índice de tabelas TABELA 1 - Taxa de participação da população negra e não-negra por sexo Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 p.29 TABELA 2 - Taxas de desemprego da população negra e não-negra, segundo sexo Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 p. 30 TABELA 3 – Distribuição de pessoas de 15 a 64 anos, no nível 4 de letramento, de acordo com a posição na ocupação, segundo o sexo e a raça. Brasil. 2002. p.32 Índice de gráficos GRÁFICO 1 - Taxa de freqüência no nível superior das pessoas de 18 a 25 anos de idade, por cor ou raça, segundo a idade pontual - Brasil - 1997/2007. Em % p.31 GRÁFICO 2 – Rendimento mensal em dinheiro (R$), das pessoas entre 15 e 64 anos, segundo o sexo e a raça. Brasil – 2002. p.33 7 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o intento de desenvolver a temática específica sobre as diversas formas de inserção das mulheres negras no mercado de trabalho mineiro, de forma a contribuir para possíveis discussões sobre desigualdades raciais e de gênero, haja vista que é de grande relevância o papel desempenhado pelo atributo raça/cor dos indivíduos na produção e reprodução de oportunidades ao mercado. E nas relações étnico-raciais que a mulher de uma forma geral é vítima de preconceitos. Comparando-a aos demais grupos minoritários em nossa sociedade, seu prejuízo é maior, pois sofre dupla discriminação, gênero/raça. E essa situação está presente até nos próprios movimentos feministas, que subentende-se serem os defensores das causas das mulheres. Para Azeredo: “Devido à forma como o movimento feminista tem se organizado, a imagem da feminista tem sido caracterizada como branca, de classe média e intelectualizada” (AZEREDO, 1994, 203). Dessa forma, as mudanças deveriam acontecer primeiramente no seio das entidades que se dizem defensoras dos direitos humanos, feministas ou não! Contudo, dentro do contexto feminista, as mulheres negras têm buscado o seu espaço. As mulheres negras, conscientes da importância de seu papel na história, visam a desmascarar situações de conflito e exclusão. Com isso, não só contribuíram para a conquista de visibilidade como sujeitos políticos, perante esses movimentos e a sociedade, como também construíram um curso próprio através da constituição do movimento autônomo de mulheres negras. Com isso, lutaram e lutam para garantir a subsistência, direitos sociais e políticos, e qualidade de vida para si, seus familiares e para a comunidade. Explicitamente, a agenda política das mulheres negras transcende as questões de gênero, abarcando o combate ao racismo, à discriminação e ao preconceito racial. (RIBEIRO, 2006, p. 804) Todas essas ações do movimento de mulheres negras foram e continuam sendo de grande relevância para que novas conquistas sejam alcançadas. Todavia, há muito ainda por ser feito devido ao grande contingente de pessoas que discriminam as demais em virtude de sua cor. Por isso, eles não se atêm a questões de gênero apenas e buscam disseminar na sociedade o despertar de uma consciência plena de que os direitos são 8 pertinentes a todos os seres humanos independente da etnia, condição social, cronologia e outros. Porém, algumas mudanças ocorreram para as mulheres em geral, através das lutas dos movimentos feministas. De acordo com Ribeiro, “milhares de brasileiras mudaram sua condição: foram índias contra a violência dos colonizadores, negras contra a escravidão, brancas contra os valores patriarcais vigentes, todas lutando pela transformação das regras impostas ao feminino”. (RIBEIRO, 2006, p.804). Vale ainda, mencionar o fato de que os movimentos feministas surgiram com o objetivo de lutar por igualdade de direitos com relação aos homens. “Os feminismos, em algum momento de sua história, criaram e propagaram, como expressão de sua identidade, a noção de "sonoridade" ou da irmandade, a ideia é força de unificação das mulheres, admitidas como iguais em sua biologia, aglutinadora de energias numa luta comum contra a desigualdade em relação aos homens. (COSTA, 2004, p. 25 ) É importante ressaltar que desde o início do período colonial a mulher negra foi reprimida e impedida até mesmo de praticar sua sexualidade de forma saudável, sendo posta como um objeto e vítima dos desejos de seus patrões e ainda agredidas pelos ciúmes de suas patroas. Assim sendo, trazer essa temática para ser debatida mostra a atualidade da pesquisa aqui empreendida. É importante consolidar os direitos de igualdade de gênero para fortalecimento dos vários segmentos sociais envolvidos na promoção da igualdade de gênero. Existem diferentes formas de acesso ao mercado de trabalha a que a mulher negra foi introduzida, o debate acerca desse assunto pode se transformar numa importante via de intervenção de ações que promovam a igualdade de gênero e raça. Analisando a condição negra da mulher na sociedade ainda existem preconceitos em relação à mesma, pois os serviços que lhe são oferecidos são braçais e uma renda inferior a outros grupos sociais, posta num ciclo de marginalização. Esse tipo de estigmatização e estereótipos ainda são reflexos de um processo histórico, que precisam buscar alternativas que visam à equidade gênero/ raça. Segundo PINTO (2006): “A maior incorporação das mulheres negras está no setor dos serviços domésticos, este é mais um traço da desvantajosa situação em que se encontram as negras neste país”. Na Declaração dos Direitos Humanos no seu artigo I, afirma: 9 Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem proceder uns para com os outros com espírito de fraternidade. (Assembléia Geral das Nações Unidas, 1948, Resolução nº 217 A (III)). Todavia para que este direito de igualdade seja respeitado e praticado é necessário a implementação de políticas afirmativas, que tenha como finalidade eliminar as injustiças. Segundo a definição do Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa Gomes, Políticas de Ações afirmativas, são: Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticadas no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. (GOMES, 2001, p.40) Através da implementação dessas políticas, o conceito de cidadania passa a ter uma proximidade real com a vida cotidiana das mulheres negras, dando oportunidades de ocuparem cargos em mesmo nível das demais classes sociais. Analisar esta temática do ponto de vista gênero e raça com foco na mulher negra é essencial para trazer inclusão de novos valores, numa sociedade o sistema cultural de um preconceito racial camuflado ainda está enraizado, mas é um meio de inserir novas ideologias que possam ser consolidadas ainda que seja em médio ou longo prazo. Analisando historicamente a condição da mulher negra, nos atentamos para o processo histórico de discriminação e condição desfavorável que foi posta. Para Aildes Celestina: Durante quase cinco séculos, a mulher negra foi mantida à distância dos processos sociais, políticos, econômicos, educacionais, culturais, alijada de qualquer poder de interferência, principalmente, em relação às posições estratégicas da estrutura do poder da sociedade. (AUAD, 1999, p.74) E na sociedade contemporânea ainda são revelados resquícios de uma ideologia etnocêntrica e estigmatizante em relação à mulher, com grande desvantagem para o 10 grupo social pertinente a mulher negra, principalmente no que tange a inclusão das atividades laborais, concordo com a afirmação de Munanga, quando diz: Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista.” (MUNANGA, 2006, p. 133). Na nossa sociedade contemporânea de acordo com pesquisas de estudiosos observarmos que a maioria dos cargos domésticos são ocupados pelas negras. Apesar de ter sido abolido o sistema escravista, elas deixaram de trabalhar nas casas dos senhores de engenho, dos grandes donos das minas de ouro, mas atualmente prestam serviços nas casas dos grandes empresários e outros, podemos inclusive comparar tal situação a uma semelhança com a condição de vida que tinha no passado e que outrora Gilberto Freyre, descreve em sua obra Casa Grande e Senzala. Com o passar dos tempos as mulheres vêm conquistando seu espaço na sociedade e ocupando cargos angariados pelos homens. Houve conquistas pelos direitos que tanto almejavam como, votar, exercer sua cidadania, direito moral de sair às ruas e exporem suas idéias e também concorrer a cargos políticos, etc. Porém, mesmo diante dessas conquistas a mulher negra ainda sofre uma desvalorização em detrimento, de uma de uma incitação ao consumo de bens e produtos materiais da sociedade capitalista. Contudo, uma trajetória de lutas, resistências e conquistas tem sido marcante na vida dessas mulheres negras. Elas deram início às mesmas a partir do confronto ao racismo e suas expressões generificadas, ou seja, com formas de incidência diferenciada sobre homens e mulheres, com isso é difícil separar as dimensões de raça e de gênero da experiência de ser mulher negra, assim afirma Bairros: [...] esta seria fruto da necessidade de dar expressão a diferentes formas da experiência de ser negro (vivida “através” da raça) o que torna supérfluas discussões a respeito de qual seria a prioridade do movimento de mulheres negras-luta contra o sexismo ou contra o racismo?-Já que as duas dimensões não podem ser separadas. Do ponto de vista da reflexão e da ação políticas, uma não existe sem a outra (BAIRROS, 1995, p.461). É importante está destacando ações de sexismo e racismo a que a mulher negra por muitos anos foi vítima, para uma melhor compreensão do tema gênero e raça e seus 11 reflexos na vida social e na ascensão ao mercado de trabalho. Numa análise realizada pelo IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada desde 2005, Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça,em sua 3ª edição, nos revela que apesar de alguns avanços, a situação da mulher negra ainda é precária, porque segundo esta pesquisa: O total de mulheres brancas ocupadas em trabalho doméstico remunerado (13,4% em 1996 e 12,6% em 2006) com o total de mulheres de negras que desempenham essa mesma atividade (23% em 1993 e 21,7% em 2006) percebe-se que mesmo havendo uma pequena queda em ambos os dados na década, persistem ainda os fatos de que o trabalho doméstico no Brasil é majoritariamente desempenhado por mulheres negras. Este quadro inicial da situação do trabalho doméstico no Brasil revela muito dos padrões vigentes das desigualdades de gênero e raça, legados do modelo patriarcal e racista. (IPEA, 2008, p.10) Se os dados apontam para tal situação, há necessidade de um maior empenho para que esses paradigmas sejam rompidos, mencionando-se o fato de que a luta pela garantia dos direitos fundamentais que foram conquistados, como a carteira assinada, por exemplo, necessita ser intensificada. Acima de tudo as pessoas que não fazem parte dessa triste realidade necessitam reconhecer que vivemos num país marcado historicamente por desigualdades raciais e sociais, que são diretamente responsáveis pela falta de oportunidades para a trabalhadora negra nessa sociedade. E para que se mude esse quadro de fato as autoridades governamentais precisam aplicar políticas públicas eficientes que atentem para as necessidades desse público que necessita urgentemente de oportunidades iguais de emprego, educação, inserção social e outros benefícios que favoreçam a igualdade entre negros, brancos, pobres, ricos e outros. Assim nesse trabalho será aprofundada a temática do racismo/gênero de forma que se possa compreender a discriminação que ainda persiste contra a mulher negra e assim sendo contribuindo para a superação dos embates sociais que essas mulheres vivenciam em nossa sociedade. Para tanto, o principal objetivo da pesquisa é compreender a temática racista e o processo de inclusão da mulher negra no mercado de trabalho abordando o aspecto gênero/raça que são inerentes à propositura do respectivo assunto. E propiciará ainda, refletir sobre o tema raça e o legado racista que ronda as cercanias da sociedade 12 contemporânea, sob uma ideologia de racismo camuflado. Pontuará questões sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho e a situação precária que ainda se encontra em relação aos demais grupos. Traçará a trajetória de luta e resistência da mulher negra na sociedade brasileira, além de uma abordagem da importância da mulher negra na construção histórica da sociedade brasileira. O respectivo trabalho será desenvolvido em forma de pesquisa bibliográfica, dissertativa, buscando através de pesquisas em obras de diversos autores, periódicos e apostilas estudadas durante o curso, sendo feita ainda uma análise de dados estatísticos a fim de entender a atual situação das mulheres negras no país, comparando-as às mulheres brancas. 13 Capítulo 1 - Um breve histórico da escravidão no Brasil Para que haja uma melhor compreensão da situação da mulher negra no mercado de trabalho, é necessário um conhecimento básico sobre o passado no limiar das lutas escravocratas no Brasil, após a vinda involuntária dos negros para viver em condições sub-humanas, ainda que fosse o principal contribuinte para o crescimento econômico e expansionista desse país. Tudo começou quando os portugueses necessitavam de mão-de-obra barata para a obtenção de maiores lucros na produção açucareira, que a princípio, utilizava-se de mão-de-obra escrava indígena, que não deu certo, daí a necessidade de encontrar novas alternativas para tal. Foi aí que resolveram aplicar a mesma ‘técnica’ utilizada em Portugal e alguns outros países. De acordo com Cotrim A partir do início do século XVII, ocorreu uma grande redução da população indígena em consequência das guerras dos colonos contra os índios e das sucessivas epidemias que os vitimavam. Isso, aliado a outros fatores, fez o colono português buscar novas alternativas de trabalho. Utilizando uma experiência já havida no Portugal Metropolitano e nas ilhas atlânticas, optou-se pela escravidão africana, originando um lucrativo tráfico de escravos entre as costas da África, a Bahia, Pernambuco e o Rio de Janeiro. (COTRIM, 2005, p. 212). O sofrimento começou quando os negros foram desalojados de sua liberdade, de sua casa e de sua gente. Colocados à própria sorte em navios negreiros, sob condições mínimas (pra não dizer nenhuma) condições de higiene e conforto, além de mal alimentados, para atender a uma classe que se denominou “melhor” e “maior”, podendo assim dominar sobre as outras, que sob perspectivas egoístas, foram denominadas inferiores, tendo que se submeter ao trabalho servil obrigatório e escravo. Vejamos: A viagem nos navios negreiros era muito longa e extenuante: de Luanda (África) até o Recife (Brasil) durava geralmente 35 dias; até a Bahia, 40 dias; até o Rio de Janeiro, cera de dois meses. Nos escuros porões do navio, o espaço era reduzido e o calor, quase insuportável; a água era suja e o alimento, insuficiente para todos. Assim, o ambiente era 14 propício a doenças e epidemias, que vitimavam os africanos debilitados. (COTRIM, 2005, p. 218): Essa foi a dura realidade à qual foram submetidos esses seres humanos, que tinham apenas uma diferença: a cor de sua pele e por isso foram tratados como animais, ou pior do que isso! No intuito de atender às práticas egocentristas de pessoas que se autointitularam superiores, por serem brancos. A partir de sua chegada ao destino, os negros eram marcados com ferro em brasa, depois de serem aprisionados e daí tinham o seu destino traçado, para prestarem seus serviços a senhores de engenho, que a cada dia aumentavam sua influência e poder, através das riquezas obtidas pela venda dos produtos obtidos da exploração de mão-deobra escrava. Chegando ao Brasil, os africanos que sobreviviam à viagem no navio negreiro, eram vendidos, geralmente no próprio porto, em leilões. Pouco tempo depois, já estavam trabalhando nos engenhos de açúcar, nas plantações de algodão, na mineração, nos serviços domésticos, no artesanato ou ainda nas cidades, como escravos de ganho. Realizavam trabalhos temporários em troca de pagamento, que era revertido, parcial ou totalmente, para seus proprietários. (COTRIM, 2005, p.218) Desse modo, a escravidão foi uma forma eficiente de acumulação de riquezas. Portanto, com relação às pessoas e à sua dignidade foi uma violência irreparável, onde, na maioria das vezes, o castigo era imposto àqueles que falhavam, através de chibatadas enquanto estavam amarrados a um tronco, fora as outras formas não menos cruéis de castigo que lhe eram impostas a quaisquer sinais de rebelião ou faltas cometidas. Isso pressupõe, dentre outros fatores, que a existência de povos muito pobres e a grande desigualdade econômica e social existente, se deve a tais fatos. Segundo Cotrim (2005): Os escravos viviam sob a fiscalização de um feitor e trabalhavam em média 15 horas por dia e quando desobedeciam às ordens, podiam sofrer vários tipos de castigos, geralmente aplicados em público, para que os outros escravos se intimidassem. 15 Quanto às mulheres negras, muitas eram utilizadas no trabalho braçal, auxiliando nas colheitas ou até mesmo nas plantações, além de ajudarem no preparo de alimentos, ou como domésticas e ainda como acompanhantes de suas senhoras no intuito de servi-las. Serviam ainda, como amas de leite para os filhos de suas senhoras, quando as mesmas não tinham leite para amamentá-los. Por realizarem tarefas domésticas, as mesmas se enquadravam na citação de Cotrim: “Já os escravos domésticos, escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam mais bonitos, dóceis e confiáveis, muitas vezes recebiam roupas melhores, alimentação mais adequada e certos cuidados.” (COTRIM, 2005, p. 219) Contudo, vale ressaltar que tal fato não é um indicativo de que as mulheres negras não sofriam violência por parte dos senhores e até mesmo de suas senhoras. Afinal, as mesmas eram vistas como meras mercadorias e algumas, por seu porte físico e beleza, sofriam também violência sexual por parte dos senhores e dos feitores, e nada podiam fazer para resistir a tais condições, vivendo sob completa submissão, inclusive, fazendo o possível para agradar a seus ‘proprietários’. Todavia, a relação entre os senhores e suas escravas e até com suas próprias mulheres era doentia, pois, segundo: “Foi sádica a relação do homem português com as mulheres índias e negras. Era sádica a relação do senhor com suas próprias mulheres brancas, as bonecas para reprodução e sexo unilateral.” (FREYRE, 1933, p.60) Partindo desse pressuposto, depreende-se que as mulheres de modo geral eram objetos para saciar os desejos mais sórdidos de senhores sádicos. Porém, a mulher negra, foi a que mais sofreu em virtude desse sadismo, devido ao fato de ter que sujeitar involuntariamente ao seu senhor e ainda ter que sofrer humilhações de suas senhoras por causa disso. Sem mencionar o fato de que quando se achavam grávidas, logo tinham que sofrer a dor de ter que se separar de seus filhos que lhe eram arrancados dos braços, sem nenhuma piedade. Porém, destaca-se ainda que a mulher escrava não exerceu apenas trabalhos domésticos e os trabalhos mais leves da agricultura. A historiografia tradicional fez acreditar que a mulher cativa era vista na escravidão apenas em trabalhos específicos, como criada, lavadeira, costureira e, até mesmo, como prostituta. Queremos mostrar que, na realidade, centenas de mulheres, de todas as idades, foram levadas para o trabalho mais duro do eito, junto com os homens, e realizaram as mesmas tarefas pesadas, quer nos engenhos, quer nas extensas lavouras de café, que predominavam em Vassouras 16 no período por nós enfocado, ocupando um arco bastante amplo, ainda mais aberto do que o do homem. (ALMEIDA, 2001, p.7) Com o advento da abolição da escravatura, algumas mudanças surgiram, porém, as mulheres negras continuaram a ser servas domésticas e pouco valorizadas, pois, a mãode-obra era bem barata. 1.1. – O princípio de uma dor Ao se verem livres novamente, uma grande alegria ecoou no peito de cada alforriado. Mas é aí que começa uma outra luta e o princípio de uma dor, contudo, uma dor de não ser aceito como cidadão possuidor de igualdade de direitos, mas pessoas destituídas dos mesmos, em uma sociedade completamente preconceituosa com relação àqueles novos cidadãos brasileiros. No início, a liberdade não era total, na verdade, era parcial ou mascarada. Segundo Silva (1993) haviam os escravos de ganho e os escravos de aluguel, que tinham certa liberdade de ação, porém, “por outro lado, essa liberdade não era total, mas possuía muitas restrições: havia o controle exercido pelo meio em que convivia, a suspeita por parte das pessoas livres sobre qualquer ação incomum e as formas de controle como sua própria cor.” Isso significa que uma lei foi assinada, contudo, sem ser aceita pela maioria dos senhores (os brancos), que continuavam com suas práticas abusivas para com os alforriados. Já as mulheres negras, que atuaram nos meios urbanos, exerceram várias atividades, tendo como predominantes as tarefas domésticas. De acordo com Silva (1993): “No centro urbano, o uso da mão-de-obra feminina em especial passou a ter muita procura. Haviam escravas ocupando todo o espaço doméstico trabalhando como cozinheiras, babás, engomadeiras, quituteiras, também nas ruas como vendedoras ambulantes e prestando serviços por aluguel.” Para Almeida: 17 O preconceito dos fazendeiros locais com relação ao trabalho livre encontra raízes numa tradição senhorial autoritária. Dificilmente um dono de escravos se sujeitaria a negociar com um homem livre de igual para igual. O trabalhador livre nacional era visto como vadio, preguiçoso e indolente por natureza, sendo, portanto, inapto para o duro trabalho da fazenda cafeicultora. (ALMEIDA, 2001, p.12) Aí já se vê o preconceito enraizado dentro das mentes dos senhores, que trazem em seu ego a ideia de superioridade. O fato de os negros terem exercido um trabalho forçado e por sua cor, criaram um conceito equivocado dos negros, relacionando-os a ações e sentimentos pejorativos. E esse fato se estendeu até aos dias atuais, quando ainda se vê piadas difamadoras envolvendo pessoas da etnia negra. Quanto às mudanças, vê-se ainda, uma persistência da discriminação, já que, através de um olhar mais atento, consegue-se, nas entrelinhas observar que houve apenas a substituição da casa grande pelas luxuosas mansões, das senzalas pelos pobres barracos das favelas e do engenho pelas grandes indústrias e usinas açucareiras, entre outros. Já as mulheres, de escravas passaram a ser vistas como auxiliares de serviços gerais, pouco valorizadas, exercendo as mais diversificadas atividades consideradas inferiores, como serviços de limpeza, cozinha, lavanderia e até mesmo prostituição, essa última, por não ter oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Visto que na atualidade a mulher negra é ainda mal vista e é olhada de cima, como se estivesse embaixo. Ser mulher negra significa : "não viver e agüentar discriminação todos os dias"; "engolir duro para não chorar em público, especialmente sendo pobre"; "ser discriminada pelo sexo e pela cor", "pelo homem negro e pelos brancos"; "ser oprimida... colocada em lugar de submissão"; "ter dificuldade em arrumar emprego"; "ser explorada pela mulher branca que não paga o mínimo para a empregada doméstica"; "não ser reconhecida pela sua capacidade intelectual"; "ser olhada com indiferença"; "ser vista como `mulata' para ser exibida"; ter que mostrar que é igual aos outros". (SILVA, 1998, p.2) Na verdade, muito mais que ser o princípio de uma dor, essa é uma questão de dignidade humana, vai muito além dos sentimentos, pois, é uma questão social, de direitos, de igualdade, de respeito àquelas que são iguais às demais etnias, diferenciando 18 apenas na cor da pele, que se trata apenas de uma questão biológica, contudo, são seres humanos, providas de sentimentos, caráter, inteligência, força, dignidade e merecem ser reconhecidas como tal. 1.2. – O papel das mulheres escravas na história Devido ao contexto discriminatório contra a etnia, principalmente no quesito cor da pele, o que fica evidente é que as mulheres negras nada tiveram a acrescentar na história desse povo. O que fica subliminar é o fato que elas tiveram muito mais a contribuir do que se possa imaginar. Não é apenas no âmbito trabalhista, mas em vários outros setores pertinentes à sociedade em questão. Para exemplificar uma parte dessa contribuição, citam-se a cultura, a miscigenação, a culinária, dentre outros. A função das mulheres no interior das senzalas podia representar a reconstrução e a recriação permanente de aspectos culturais originais e, portanto, a edificação de sólidas comunidades. Uma das características fundamentais das culturas escravas em toda a América foi, sem dúvida, a manutenção da família nos seus variados sentidos. Sendo a espinha dorsal na constituição do parentesco, a mulher tinha o papel-chave na transmissão oral das crenças e dos valores de uma comunidade negra em gestação. (GOMES & PAIXÃO, 2008, p 951).. Diante de tal fato, entende-se que ela teve um papel importantíssimo na disseminação da cultura de seu povo, onde se destacavam as suas crenças e valores. Daí percebe-se que se a sua cultura se enraizou e perpetuou na sociedade brasileira, consequentemente contribuiu para a formação da cultura vigente na atualidade. Estudos e descobertas recentes mostram segundo GOMES & PAIXÃO que algumas mulheres negras deixaram registros a seu respeito: Entre os caminhos abertos mais recentemente, encontram-se as análises sobre as narrativas encontradas em testamentos de libertas, ex-escravas, africanas, crioulas e pardas. Ao deixarem legados e heranças, falaram das suas vidas, das experiências da escravidão, dos mundos do trabalho, das suas expectativas e mesmo afetividades, esperanças e recordações. (GOMES E PAIXÃO, 2008, p.952) 19 Isso se constitui em outras contribuições deixadas por ela também na história do país. Através desses documentos os historiadores, sociólogos, antropólogos e outros estudiosos interessados nessa história oculta, puderam conhecer os anseios dessas bravas mulheres que resistiram aos dissabores que lhe foram impostos. Dessa forma, contribuíram ainda para a tradição de se deixar testamentos enquanto estavam doentes moribundas. Para ilustrar tal fato, cito um depoimento encontrado na pesquisa de GOMES & PAIXÃO: O que falou a preta forra Sebastiana Ignácia antes de morrer?Aos 28 de setembro de 1826 foi sepultada numa “cova da Fábrica”; teve todos os sacramentos, sendo amortalhada em hábito de São Francisco e encomendada pelo pároco, incluindo um “dobre de sinos”. Ficou “doente de cama de moléstias”, dois dias antes – na presença do padre e do tabelião – fez seu testamento. Seguindo o ritual e a natureza dos testamentos da época, revelaria ser “natural do Gentio da Guiné” e casada em “face da Igreja com Felipe de Souza, preto forro”, e “desse Matrimônio não tem filho algum, nem antes dele”. Sendo “irmã de Nossa Senhora do Rosário de sua Freguesia de Inhaúma”, contraíra dívidas com a irmandade e as deixava para o seu marido pagar. Mandava rezar missa e libertava dois escravos que possuía “as duas crias Maria, e Cândido, os deixa forros, e libertos como se de ventre livre nascidos fossem”. Para a afilhada Maria, filha de Isidora Maria, legava “por esmola uma dobra” e para a “comadre Isidora deixa uma baeta de lemiste”. Para os “mais seus afilhados deixa[va] a cada um quatro patacas”. Quanto a “Maria crioula do Engenho Velho sua afilhada e de seu marido escrava de Dona Isabel deixa[va] uma dobra”, e o mesmo valeria para “Emerenciana crioula sua afilhada [que] deixa[va] uma dobra, a qual é também escrava da mesma Dona Isabel”. Eram todas escravas de Antônio José de Souza. (GOMES E PAIXÃO, 2008, p.952): Elas contribuíram ainda com suas danças, seus cânticos, seus pratos típicos, seus bordados, seu artesanato, suas costuras, seus penteados, suas histórias, seus romances, seus ideais e muitas outras coisas. 20 ALMEIDA (2001) diz que Slenes mostra o papel ativo das mulheres dentro da organização familiar não apenas como estabilizadora, mas também como fator de desequilíbrio da ordem senhorial. As mulheres negras foram trazidas para diferentes regiões do Brasil, sendo assim, considerando-se o fato de que as mesmas já eram portadoras de uma bagagem própria de conhecimentos adquiridos em seu país como, por exemplo, sua linguagem e seus costumes que eram sempre exercitados quando achavam uma brecha para isso. Lembrando que as mesmas resistiram às variadas formas de torturas impostas pelo regime escravocrata, as mesmas conseguiram escrever sua história, com suas peculiaridades, que refletem no cotidiano atual da sociedade brasileira, se tornando uma mediadora entre a história e a atualidade. Para comprovar isso, basta citar as suas influências principalmente nas regiões Norte e Nordeste, como presenças vivas nas tradições, especialmente nas danças, na culinária e nos rituais religiosos. Uma clara influência da mulher negra nesses rituais é a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim, na Bahia e é interessante ressaltar que nesse ritual as mulheres negras desempenham o mesmo papel da época da escravatura: o trabalho braçal. São elas que carregam em suas cabeças recipientes cheios de água perfumada (que as mesmas prepararam sete dias antes em um terreiro de Candomblé) e executam o trabalho de lavagem das escadas. Percebe-se assim que as mulheres negras desempenharam um papel importantíssimo e de grande relevância para a história desse país, todavia, não tiveram o devido reconhecimento pelo excelente trabalho que fizeram, pelos seus préstimos, ainda que em condições sub-humanas, simplesmente por não pertencer à classe dominante do país,ou seja, à elite branca. Contudo, um novo panorama vem, aos poucos, se formando no Brasil, favorecendo assim a mulher negra que a partir de muita luta e sofrimento conquistou vários direitos. Porém, esses direitos ainda permanecem apenas no papel, nas leis, pelo fato de as mulheres negras ainda sofrerem com os critérios utilizados pela nossa sociedade classista e desigual, uma vez que não exerce o seu papel no cumprimento e garantia desses direitos. 21 Capítulo 2 - O princípio da ‘liberdade’ Para se entender o princípio da liberdade das mulheres negras no Brasil, ressaltar-se-á aqui alguns movimentos que fortaleceram a luta das mesmas para conquistarem seu espaço no mercado nacional, pois, como já vimos elas chegaram aqui escravizadas, vitimadas pela diáspora e foram submetidas aos mais variados abusos. Após a abolição, em 1888, a população negra se tornou livre, porém, tornaram-se um povo desamparado pelo governo da época e nenhum valor lhes foi atribuído pelos anos de trabalho e dedicação que favoreceram substancialmente a economia do país. Devido à resistência e por não aceitarem o fato da liberdade os senhores se recusavam a empregar as mulheres negras, que na luta pela sobrevivência, a fim de originar renda para auxiliar no sustento de suas famílias, foram à luta e iniciaram o comércio livre nas ruas, onde vendiam seus produtos aos transeuntes. A partir daí, elas não se submeteram mais às correntes e ao jugo dos abusados e desumanos senhores. Então, para que se fizessem valer dos direitos recém adquiridos, se organizaram em pequenos grupos. E suas lutas ganharam força com o decorrer do tempo e desempenharam um importante papel no período pós-abolicionista, no que se refere à várias conquistas dos movimentos feministas, como por exemplo, a aprovação do voto feminino, a organização contra a ditadura, a luta pelo direito ao divórcio, dentre outras mobilizações. Nas últimas décadas elas intensificaram sua participação, marcando presença nos eventos organizados pelas feministas, como nos Encontros Nacionais de Mulheres Negras, Congressos e Conferências, lutando pela igualdade de direitos. Vale ressaltar que o movimento que obteve um grande número de conquistas foi a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban na África do Sul, que foi decisiva para a implantação de políticas de ações afirmativas, que beneficiam os negros brasileiros. Segundo RIBEIRO: Sem dúvida, a partir da atuação do movimento social, importantes passos foram dados, resultando na ampliação da participação política 22 da população negra. Em especial, as mulheres negras, demonstraram grande impulso organizativo se tomarmos como referência, também, o ano de 1988, quando no Brasil foi realizado o I Encontro Nacional de Mulheres Negras – I ENMN, no qual verificamos a demarcação de um novo ritmo às formulações políticas e à inserção desse e dos demais setores discriminados na agenda social e política, em âmbito nacional e internacional. (RIBEIRO, 2008, p.988) Sendo assim, nota-se que avanços significativos foram adquiridos no decorrer das lutas tanto dos movimentos negros em geral, como dos movimentos das mulheres e das mulheres negras, os quais não podem ser dissociados, pois, contribuíram de forma significativa para as conquistas de cada um. E quanto ao impulso organizativo, RIBEIRO afirma que: Constata-se esse impulso no processo de organização da V Conferência Mundial sobre as Mulheres (China/Beijing, em 1995) e da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância (África do Sul/Durban, em 2001). Isto é apontado em dois dossiês da Revista Estudos Feministas – “Mulheres Negras” (coordenado por Matilde Ribeiro, em 1995) e “III Conferência Mundial contra o Racismo” (coordenado por Luiza Bairros, em 2002). As coordenadoras dos dossiês argumentam que é impossível analisar a condição e/ou organização das mulheres em âmbito mundial sem o reconhecimento da positiva movimentação das mulheres negras no Brasil e na America Latina e no Caribe e das contribuições para as conferências de Beijing e de Durban. (2008, p.988). Isso mostra o quanto as mulheres negras têm atuado no processo de lutas para que a liberdade adquirida há aproximadamente 120 anos seja efetivada cabalmente sem negarlhes os direitos que são garantidos mediante leis, especialmente no tocante aos direitos humanos. 2.1 – Alforriadas, mas escravas. De certa forma, mesmo após a alforria, as mulheres continuaram escravas de seus medos por se tornarem exclusas da sociedade. Sabe-se que as questões psicológicas e sociais escravizam pelo fato de deixar sequelas emocionais, muitas vezes graves, além de mexer com a autoestima, fazendo com que as mesmas fiquem retraídas e acabem por 23 conformar com a situação, contudo, involuntariamente, devido a vários fatores como desvalorização, falta de oportunidades, preconceito, discriminação, violência(s) e até mesmo de programas que façam valer os direitos adquiridos através das lutas e movimentos organizados em defesa dessas mulheres, dentre outros. Veja o que diz CARNEIRO (2003, p.14): Graves sequelas na autoestima das mulheres negras, advindas desta imagem desvalorizada, presente no imaginário social, encerram duas ordens diferentes de violência: uma oriunda da ideologia machista patriarcal, que concebe as mulheres em geral como objetos de propriedade masculina; a outra, de natureza racial, que institui a desvalorização das negras em relação às brancas, disponíveis e acessíveis a “precinhos módicos”. Observa-se então que essa desvalorização não é atual, o que pode causar na maioria dos casos um efeito negativo na autoestima. Daí a questão psicológica e emocional, pois, até pelos turistas essas mulheres são vistas como meros objetos ou mercadorias para satisfazer-lhes os desejos no âmbito da sexualidade. A pesquisadora Adriana Piscitelli (Piscitelli, 1996), no artigo Sexo Tropical, descreve o comportamento clássico do estrangeiro que vem consumir mulher brasileira. Diz ela: “eles chegam procurando mulheres, mas têm nítidas preferências: garotas muito jovens, mulatas ou negras”. Esse estilo de gosto não se limitaria aos europeus que chegam ao Brasil, os exportadores de meninas para o exterior afirmam que as meninas “mais morenas” conseguem receber maiores salários no “Velho Continente” (Piscitelli, 1996, p.16). No entanto, nas reportagens sobre esta questão, “as poucas alusões à cor dos turistas são realizadas contrastando sua ’brancura’ com a negritude das meninas” (Piscitelli, 1996, p. 17, in CARNEIRO et al, 2003, p. 13). Com isso, surge a necessidade de se instituir a real democracia brasileira, colocando em prática o princípio de igualdade para todos. É necessário que se ponha fim à questão da existência de uma raça (etnia) superior e jogar por terra ideologias como o patriarcalismo que instituiu a hegemonia do sexo masculino; o elitismo classista onde se insiste na ideia de que uma minoria de classes abastadas domina sobre e explora as classes menos favorecidas materialmente; o racismo, que ao instituir a superioridade de um grupo sobre outros, propiciou os mais diversos tipos de violência e opressão, o que 24 inclui a escravidão e a discriminação étnico/racial. Pois, foram esses, dentre outros fatores que impediram aos grupos sociais discriminados pelas condições econômicas escassas e por sua cor de gozarem de seus direitos como cidadãos, em detrimento de uma minoria branca – diga-se de passagem – desfrutar plena e absolutamente de todos os direitos em nossa sociedade. São suficientemente conhecidas de todas e todos nós, as condições históricas que construíram a relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular. E sabemos que em toda situação de conquista e dominação de um grupo humano sobre o outro é a apropriação das mulheres do grupo derrotado pelo vencedor que melhor expressa a irreversibilidade da derrota. É a humilhação definitiva do derrotado e um momento emblemático de superioridade do vencedor. (CARNEIRO et al, 2003, p.12) É em função de todas essas evidências que atuam no palco da política brasileira que surgiram vários movimentos de minorias políticas como o Movimento de Mulheres lutando pela igualdade de gênero, de negros ou seus descendentes por igualdade de direitos etc. Ou seja, através da diferença fundamentada nesse pressuposto lutar para se conquistar a igualdade e isso através de organizações negras que além de denunciar os processos de exclusão a que os negros estão submetidos na sociedade brasileira, apontam caminhos para a liberdade na sua forma mais plena, tomando posse das alforrias mental, social, moral, psicológica, emocional e étnica, podendo dessa forma, exercer e desfrutar da sua condição de igualdade, gozando plenamente dos direitos que outrora conquistaram. 2.2 – Entre a luta e o pré-conceito Mediante o contexto de lutas das mulheres negras contra o preconceito que ainda sofrem no mercado de trabalho, questiona-se o motivo pelo qual a maioria ainda permanece inclusa em um grupo de baixa renda, vivendo na maioria dos casos em favelas, vilas ou nos redutos de prostituição, consumo e comercialização de entorpecentes, prática de delitos variados e até mesmo morando nas ruas. A marginalização dos negros ainda prevalece na nossa sociedade. A inserção no mercado de trabalho torna-se difícil em virtude da desconfiança proveniente de mitos passados a respeito dos negros. Daí, um grande número das mulheres negras ainda constar no grupo de domésticas, auxiliares de limpeza ou mesmo auxiliares de serviços gerais, pois é a oportunidade máxima que lhes é oferecida. E tal situação é agravada devido ao 25 assédio sexual no ambiente de trabalho. CARNEIRO (2003) ilustra bem essa situação no trecho abaixo: A entrevista recolhida pela autora de uma entrevistada por um veículo de comunicação é ilustrativa. Diz a entrevistada: “Em casa de família meu destino seria pior ainda. Iria ganhar um salário e teria que transar de graça com o patrão, normalmente um velho gordo e pelanqueiro. O pior que pode me acontecer é eu virar puta na Suíça. Pelo menos vou ganhar alguma coisa. No Brasil não ganho nada nem tenho como ganhar” (Piscitelli, 1996, p. 21 in CARNEIRO, 2003, p.13). Esta fala coloca outro tema da violência de gênero - o assédio sexual. Embora pareça um debate novo em nossa sociedade, este tipo de relação faz parte também de nossa tradição cultural, que vem perpetuando até os nossos dias a prática, impunemente tolerada, de utilização das mulheres negras, especialmente as empregadas domésticas, como objetos sexuais, destinadas à iniciação sexual dos jovens patrões ou à diversão sexual dos mais velhos. (CARNEIRO, 2003, p.13) Percebe-se assim a dura realidade a que foram e continuam sendo submetidas essas mulheres. Porém, vale lembrar que existem grupos ou sindicatos que lutam para que se mude essa situação deprimente e humilhante. Segundo CARNEIRO(2003) : As entidades de defesa dos direitos das empregadas domésticas vêm, há tempos, denunciando a persistência deste tipo de abuso de poder sobre as empregadas no espaço de trabalho doméstico. Este tipo de relação, de uso e abuso sexual das mulheres negras, deu origem a um dos grandes estereótipos que ainda estigmatizam as mulheres negras na sociedade brasileira, ou seja, o de mulheres sexualmente disponíveis, dotadas de uma superexcitação genética. (2003, p.13) O preconceito não se restringe apenas ao trabalho doméstico. Um caso recente (onde serão omitidos os nomes), ocorrido em uma escola de São Paulo, envolvendo uma estagiária negra retrata a triste realidade da mulher negra no nosso país, que se diz não preconceituoso, onde a mesma foi obrigada a alisar os cabelos para manter a boa aparência. A estagiária acusa seus superiores de perseguição e racismo. Conforme Boletim de Ocorrência registrado no dia 24 de novembro, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, ela teria sido forçada a alisar o cabelo para manter a "boa aparência". A diretora do Colégio ainda teria prometido comprar camisas mais cumpridas para que a funcionária escondesse os quadris. Ela conta que foi contratada no dia 1º de novembro de 2011, para atuar no setor de marketing e monitorar visitas de pais interessados em matricular seus filhos no colégio. Nos dias anteriores, sempre alguém 26 mandava recado para que prendesse o cabelo e evitasse circular pelos corredores. Além das advertências, ela afirma ter sofrido ameaças depois de revelar o conteúdo da conversa aos demais funcionários do colégio. Eles teriam demonstrado solidariedade ao perceber que a estagiária estava em prantos no banheiro. "Depois disso, eu me vesti para ir embora e, quando estava saindo, ela me parou na porta e disse: 'cuidado com o que você fala por aí porque eu tenho vinte anos aqui no colégio e você está começando agora. A vida é muito difícil, você ainda vai ouvir muitas coisas ruins e vai ter que aguentar'." (CORREIO DO BRASIL, 2011, p.01) Tal notícia ilustra o quanto o país precisa avançar no intuito de se erradicar o preconceito. A cor da pele, dentre outras características, ainda pesa muito na hora de se contratar um funcionário. A jornada, pelo que se pode depreender, é longa na conquista definitiva (dos excluídos) de um lugar ao sol, todavia, provido de dignidade, pelo fato de ser humano e gozar de igualdade perante a lei e é justo que as pessoas que se dizem cidadãs reconheçam as diferenças e as respeitem, afinal, vivemos em um país multiétnico e multicultural, onde as mulheres negras (em pé de igualdade com as demais) tiveram fundamental importância na sua formação. E é entre lutas e preconceitos que as mulheres negras vão ganhando campo na sociedade brasileira. Daí urge a necessidade da implementação de políticas públicas eficazes para que as mulheres negras tenham qualidade de vida equivalente a das demais. De acordo com Boletim do DIEESE publicado em novembro de 2005 “Elas são a síntese da dupla discriminação de sexo e cor na sociedade brasileira: mais pobres, em situações de trabalho mais precárias, com menores rendimentos e as mais altas taxas de desemprego”. O racismo, o sexismo, e outras formas de discriminação embutidas nos seres humanos se manifesta de forma tão sutil, que geralmente não é intencional e é imperceptível, mas provoca dor, ressentimento e sofrimento em seus receptores, se configurando em violência. Essa é a principal razão pela qual se deve lutar pelo fortalecimento dos movimentos e políticas públicas para arrancar esse mal do seio da sociedade brasileira. 27 Capítulo 3 - Conquistando um espaço no mercado Muitas mulheres conquistaram a o seu espaço no mercado de trabalho após anos e anos de submissão e exclusão. Porém, a mulher negra ainda sofre uma série de preconceitos na sociedade brasileira no que tange às questões empregatícias. Atualmente, as mesmas estão livres dos trabalhos nas casas dos senhores do café e, da cana-de-açúcar, mas, a maioria delas se encontra subjugada aos serviços informais nas casas de grandes empresários. Contudo, enfatiza-se aqui que a mulher ocupa hoje, cargos que antes só os homens detinham, no entanto, na maioria dos casos, o seu salário é incompatível com o cargo ocupado e inferior ao dos homens e das mulheres de outras etnias. A realidade socioeconômica brasileira evidencia uma escala racial em que grande parcela da população negra permanece em situação de exclusão, e essa situação em relação à mulher negra, como havia sido evidenciado pelas feministas, ao mostrar o entrelaçamento entre gênero, classe social e raça/etnia, agudiza-se ainda mais, ou seja, para as mulheres negras as desigualdades são potencializadas pelas discriminações que elas sofrem, restringindo-lhes as possibilidades de inclusão social. A ausência de recorte racial na análise do tema da violência, assim como em relação a outros agravos, tem dificultado a identificação das desigualdades a que estão expostas as mulheres negras. Autores/as, principalmente os/as de grupos de feministas negras, começam a mostrar que há um agravamento das violências quando a mulher é negra, ocasionadas pelo racismo que gera outras violências adicionais. Tem sido observada uma vulnerabilidade maior da população negra no que diz respeito a agravos crônicos e menor expectativa de vida, com escores menores no índice de desenvolvimento de gênero que mede desigualdades entre homens e mulheres. (MENEGHEL et al, 2010, p. 568-569) Para que a situação citada por MENEGHEL et al tenha uma mudança significativa, no mercado de trabalho, os movimentos de mulheres negras tentam sensibilizar as entidades sindicais para a incorporação dessa luta contra o racismo e para que utilizem os mecanismos internacionais que combatem as discriminações no âmbito do trabalho no intuito de que se diminuam essas diferenças. E ainda, permeiam o setor empresarial, na tentativa de sensibilizá-lo para que adote políticas de diversidade em seus processos de seleção. Preocupam-se também com projetos que se objetivam a capacitar e reciclar mão-de-obra de mulheres negras para o esse tão competitivo mercado, visto que a exclusão abarca outras situações de risco, o que inclui a vulnerabilidade social, a falta de oportunidades na Educação, o desemprego, entre outros. Para se ter uma ideia, segundo dados do IBGE (2008) o percentual de pessoas - de 15 anos ou mais - analfabetas no Brasil era de 6,1% de pessoas brancas, 14,3% de pessoas 28 pretas e 14,1% de pessoas pardas. E dentre as que conseguiram concluir o Ensino Superior somente 4% eram negras contra um total de 13,4% de pessoas brancas. Já no que diz respeito à participação na força de trabalho, far-se-á uma análise baseando-se nos dados obtidos na tabela que se segue. Vejamos: TABELA 1 Taxa de participação da população negra e não-negra por sexo Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 (em %) Cor e Sexo Períodos e Regiões Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre Recife Salvador São Paulo Total 60,3 64,4 57,6 51,5 61,4 63,6 Negra Não-negra Total Mulheres 61,0 65,0 58,1 51,8 61,5 64,6 55,0 59,3 52,3 43,1 55,3 57,6 Homens 67,7 71,4 64,9 61,9 68,7 72,3 Total 59,2 63,3 57,6 50,8 61,0 63,0 Mulheres 51,6 57,3 49,2 42,1 53,5 54,0 Homens 68,1 71,1 66,9 61,8 70,1 73,0 Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Obs: a) Cor negra = pretos + pardos. Cor não-negra = brancos + amarelos. b) Taxa de Participação Específica = 100 x (PEA com os atributos específicos) /(PIA correspondente). c) Dados apurados entre janeiro de 2004 e setembro de 2005. No biênio 2004-2005, a diferença de intensidade nas taxas de participação da força de trabalho feminina foi maior nas Regiões Metropolitanas de São Paulo, de Belo Horizonte e de Porto Alegre, nas quais a presença de mulheres negras foi superior em 3,6, 3,4, e 3,1 pontos percentuais (pp) a de nãonegras. De maneira menos acentuada, essa situação foi encontrada em Salvador e Recife, onde esse diferencial foi de 1,8 pp e 1,0 pp, respectivamente.(DIEESE, 2005, p.2) Daí, subentende-se que de acordo com a força de participação no trabalho, as mulheres negras superaram as não-negras pelo fato de nesse período os dados apontarem para uma dependência maior delas em relação ao trabalho. Contudo, com relação às taxas de desemprego essa diferença inverte-se, como pode-se perceber na tabela 2, onde os dados apontam para uma alta taxa de desemprego das mulheres negras, com relação às nãonegras. De maneira geral, mais de um terço dos ocupados nas seis regiões pesquisadas pela PED encontram-se em situação vulnerável de trabalho, isto é, são assalariados sem carteira assinada, autônomos que trabalham para o público, trabalhadores familiares não-remunerados ou empregados domésticos. Com a recuperação econômica dos últimos dois anos, esta proporção vem se reduzindo, indicando que houve tênue processo de formalização desses mercados. (DIEESE, 2005, p. 4) 29 TABELA 2 Taxas de desemprego da população negra e não-negra, segundo sexo Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005 (em %) Cor e Sexo Períodos e Regiões Total Negra Total Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre Recife Salvador São Paulo 18,4 20,2 15,4 22,9 25,2 18,1 20,3 21,6 22,1 23,4 26,3 22,0 Não-negra Mulheres 23,3 24,6 25,7 26,8 29,2 25,1 Homens 17,6 18,8 18,6 20,8 23,7 19,3 Total 15,5 17,4 14,5 21,3 18,0 15,8 Mulheres 18,2 21,1 17,7 25,6 21,0 18,5 Homens 13,1 13,6 11,9 17,7 15,2 13,5 Partindo de uma análise superficial desse quadro, percebe-se que tal situação remete as mulheres negras à cruel realidade de exclusão que reforça a ideia de inferioridade a que muitos negros foram e são submetidos ainda. Essa elevada taxa de desemprego, se comparada às etnias brancas, mantém um quadro de pobreza e marginalidade dos grupos negros, que os leva a viver em condições subumanas, onde uma grande parcela dessa população é forçada a residir em barracos nas encostas e em regiões onde há risco de enchentes, deslizamentos de terras e outros. Além do fato que um bom número dessas mulheres acaba se prostituindo ou mantendo algum tipo de relação com o mundo do crime. Isso leva a uma reafirmação da discriminação e se torna em um ciclo vicioso onde o desemprego gera pobreza, que gera marginalização, que gera discriminação, que gera falta de oportunidades, que gera desemprego e assim sucessivamente. Retomando-se discussões anteriores, pode-se depreender que essas desigualdades têm origem na era colonial, onde “o desenvolvimento das legislações foi feito sob o comando de Portugal” (HEILBORN et al, 2011, p. 63) e: Essa lógica colonial foi marcada pela necessidade de controlar grupos potencialmente destrutivos da ordem dominante, como as comunidades religiosas milenaristas, indígenas e quilombolas, indivíduos socialmente inferiorizados como as mulheres e as crianças, ou mesmo populações inteiras socialmente desumanizadas, como os/as africanos/as escravizados/as. Sob a alegação de uma efetiva crença na neutralidade jurídica, os primórdios do pensamento jurídico brasileiro foram estruturados com base em regras de funcionamento que tomaram como ponto de partida as formulações encontradas pelos/as juristas e intelectuais da época para o trato das questões de ordem social. Estas formulações, por sua vez, baseavam-se no desconhecimento absoluto e mesmo na negação dos componentes de gênero e étnico-racial. (HEILBORN et al, 2011, p. 63-64). Partindo desse ponto, ressalta-se aqui que essa desigualdade gênero/raça é uma história que ainda está longe do fim e há um caminho longo e árduo a percorrer. 30 3.1 – (Des)Igualdade de direitos – uma breve comparação. Para início de conversa, ressalta-se aqui que não existe direito dissociado desses dois fundamentos primordiais para o reconhecimento da igualdade: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Quando associados às leis que os sustentam, adquirem garantias inquestionáveis, principalmente quando há um esforço coletivo de órgãos e instituições que lutam e zelam pela execução e cumprimento delas, de que a igualdade de direitos será absorvida e respeitada pelo mercado trabalhista, no que diz respeito às mulheres negras. Esse assunto é controverso, pois, os dados apontam para uma realidade onde essas des(igualdades) estão no topo das discussões que envolvem atos discriminatórios e preconceituosos contra as classes menos favorecidas, que por coincidência ou não, é de maioria negra. Devido a relevância do debate em torno das políticas públicas implementadas em várias universidades públicas do país e do sistema de cotas para os negros terem a oportunidade de ingressarem em curso de nível superior, terão prioridade de análise os indicadores referidos a estudantes que freqüentam curso universitário e pessoas com curso universitário completo, para fins de comparação. Gráfico 1 - Taxa de freqüência no nível superior das pessoas de 18 a 25 anos de idade, por cor ou raça, segundo a idade pontual - Brasil - 1997/2007. Em % Ora, o Governo Brasileiro tem como principais objetivos construir e fazer cumprir as leis que primam por uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo-se o 31 desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art.3º, Constituição da República, 1988). Todavia, traçando um paralelo entre o ideal e o real, observando-se o gráfico que representa os dados de um período de 10 anos, percebe-se que apesar de um crescimento na participação das duas etnias representadas, que a situação continua a mesma, sendo que os números mostram que uma maioria esmagadora de brancos continua liderando o ranking das oportunidades no país. Comparando-se ainda o mesmo gráfico com as tabelas 1 e 2, depreende-se que as taxas apresentadas estão correlacionadas pelo fato de o mercado de trabalho atual estar diretamente ligado à qualificação profissional seja a nível técnico ou superior. Contudo, se os negros não conseguem galgar patamares mais elevados no que se refere à qualificação, naturalmente ocuparão no mercado as vagas que dispensam tal exigência, pois, necessitam apenas do empenho físico, relegando a segundo plano o intelecto/cognitivo. Caso o número das vagas que dispensam qualificação profissional fiquem escassas, concomitantemente a taxa de desemprego para as pessoas que se encaixam nesses números aumentará e pelo que apontam os dados pesquisados esse contingente é o de pessoas negras. Veja o que mostra a tabela do IBGE de 2002 sobre a distribuição dos negros e brancos ocupados de acordo com o nível de letramento mais alto, considerando uma escala de 0 a 4 definida pelo próprio instituto. Tabela 3 – Distribuição de pessoas de 15 a 64 anos, no nível 4 de letramento, de acordo com a posição na ocupação, segundo o sexo e a raça. Brasil. 2002. Fonte: IBGE, PNAD 2002, Microdados in MACHADO, 2004, p.93. Percebe-se claramente que o número de empregados com carteira assinada da cor branca é quase o dobro de negros, porém, esse número inverte-se quando se trata de 32 empregados domésticos sem carteira. Isso demonstra que mesmo estando no mesmo nível de letramento que os brancos as oportunidades para estes são muito maiores no que se refere à estabilidade, já que os negros estão na informalidade que não oferece a mínima garantia de direitos trabalhistas garantidos em lei, como por exemplo, reinserção no mercado, FGTS, Contribuição para fins de aposentadoria e auxílios maternidade e doença, entre outras. E ainda falta oportunidade até para que o negro seja um empregador, devido a tantos obstáculos que o impedem de montar e gerir um negócio próprio, mesmo estando nas mesmas condições de letramento que os indivíduos brancos. E considerando-se os rendimentos mensais dos indivíduos brancos e negros, a situação permanece a mesma. Observe: Gráfico 2 – Rendimento mensal em dinheiro (R$), das pessoas entre 15 e 64 anos, segundo o sexo e a raça. Brasil – 2002. Fonte: IBGE, 2002 – Microdados in MACHADO (2004, p. 94). Veja que os homens negros têm um rendimento menor que o das mulheres brancas e as mulheres negras ficam em desvantagem com relação aos demais e isso demonstra claramente o quanto a discriminação da mulher negra no mercado de trabalho é praticada levando-se em conta dados como o rendimento e os números e tipos de vagas ocupadas por elas. 33 Considerações finais Partindo de hipóteses levantadas durante os estudos e pesquisas realizadas nota-se que as mulheres de etnia negra continuam sendo uma parcela exclusa da sociedade vigente. Daí questiona-se onde se encontra na prática a igualdade de direitos e todas as demais garantias que a lei determina? Até que ponto as políticas públicas implementadas até a atualidade beneficiam e transformam realmente a vida dessas mulheres? Será que empiricamente essas mulheres recebem tratamento digno de acordo com as leis que regem os direitos humanos no país? O que falta, oportunidade, incentivo, força de vontade própria, autoestima, conscientização do restante da população? Então observa-se afinal que algumas conquistas mencionadas são de grande valor para o fim da discriminação das mulheres negras, mas ao que tudo indica, todas essas garantias de uma melhor qualidade de vida para elas continuam sendo pertinentes às teorias, porque na prática, não houve mudanças significativas já que o salário base da mulher negra continua sendo aproximadamente a metade do salário da mulher branca; a mulher negra continua sendo inserida mais cedo e saindo mais tarde do mercado de trabalho, devido à necessidade de lutar pela sobrevivência própria e dos seus descendentes; mesmo quando sua escolaridade equipara-se à da mulher branca, a diferença salarial continua, sendo que o melhor salário é pago para as brancas; e há ainda o fato de que mulheres negras continuam com um índice maior de desemprego em qualquer lugar do país; sem falar que elas, em sua maioria, estão na informalidade, sendo eximidas de seus direitos básicos, dentre tantas outras barbaridades, pode-se assim dizer, que são cometidas contra elas. A despeito dessa situação caótica à qual as trabalhadoras negras são submetidas, partindo dos dados analisados, infere-se que há um acordo tácito de omissão e conformidade entre os responsáveis pela garantia de direitos iguais para todos, deixando que o preconceito prevaleça. E só resta concluir que as políticas devem ser revistas e novas propostas mais efetivas sejam implementadas a fim de colocar um ponto final nessa história de desigualdades entre negros e brancos, deletando-se um passado onde os mesmos foram colocados como coadjuvantes, ainda que lhes coubesse o papel principal na construção desse país. 34 Referências ALMEIDA, Ana Maria Leal. Da Casa e da Roça: a Mulher Escrava em Vassouras no Século XIX. – Vassouras: USS, 2001. 152p. AUAD, Sylvia M. V. Atzingen Venturoli - Belo Horizonte: Federação Internacional de Mulheres da Carreira Jurídica, CREZ/MG, Centro Universitário Newton Paiva, IA/MG, . p. 74. 1999. AZEREDO, Sandra. Teorizando sobre gênero e relações raciais. 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