PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PARA A
DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
COM FOCO EM RAÇA E GÊNERO – UAB/UFOP
WALDIRENE A. G. FRANCO DE ANDRADE
AS DIVERSAS FORMAS DE INSERÇÃO DA MULHER NEGRA
NO MERCADO DE TRABALHO
Timóteo/2012
WALDIRENE A. G. FRANCO DE ANDRADE
AS DIVERSAS FORMAS DE INSERÇÃO DA MULHER NEGRA
NO MERCADO DE TRABALHO
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em
Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça
da Universidade Federal de Ouro Preto, como exigência
parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão
de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça, sob a
orientação da Tutora Sarug Dagir Ribeiro.
Especialização em Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça.
UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto.
2
Junho - 2012.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha mãe Etelvina que
idealizou essa conquista desde os tempos da
faculdade, ao meu esposo Marcelo e aos meus
filhos Mateus e Caio por entenderem o pouco
tempo disponível para estar com eles.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha amiga Mariene que não permitiu que eu desistisse quando achei que
não ia conseguir. A todos os orientadores que estiveram sempre à disposição para nos
conduzir ao caminho certo, adotando sempre uma postura de mediadores, respeitando
nossos limites, dando o exemplo de profissionalismo em todos os âmbitos do nosso
contínuo aprendizado. A todos que de alguma forma contribuíram direta ou
indiretamente para que eu galgasse mais essa vitória. Enfim, agradeço acima de tudo a
Deus que na sua infinita bondade nunca me desamparou.
4
RESUMO
Várias são as pesquisas no que se refere à inserção da mulher negra no mercado de
trabalho, no entanto, a conclusão de todos os estudiosos e pesquisadores do tema é a
mesma, pois, há muito que se fazer para alcançar a verdadeira equidade inter-racial e de
gênero. Em face disso, apresenta-se aqui uma abordagem teórica com o intuito de
comparar tempos e apontar através de dados obtidos de fontes confiáveis como o IBGE,
DIEESE e outras, as discrepâncias entre a teoria e a prática, a fim de levantar hipóteses
e reflexões sobre a realidade das mulheres negras no mercado de trabalho quando
comparadas às mulheres brancas.
Palavras-chave: Inserção, Mercado de Trabalho, mulheres negras, lutas e
conquistas.
5
SUMÁRIO
Introdução
08
Capítulo 1 – Um breve histórico da escravidão no Brasil
14
1.1. – O princípio de uma dor
16
1.2. – O papel das mulheres escravas na história
19
Capítulo 2 – O princípio da ‘liberdade’
22
2.1 – Alforriadas, mas escravas
23
2.2 – Entre a luta e o pré-conceito
25
Capítulo 3 - Conquistando um espaço no mercado
28
3.1 – (Des)Igualdade de direitos – uma breve comparação
31
Considerações finais
34
Referências
35
6
Índice de tabelas
TABELA 1 - Taxa de participação da população negra e não-negra por sexo
Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005
p.29
TABELA 2 - Taxas de desemprego da população negra e não-negra, segundo sexo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005
p. 30
TABELA 3 – Distribuição de pessoas de 15 a 64 anos, no nível 4 de letramento, de
acordo com a posição na ocupação, segundo o sexo e a raça. Brasil. 2002.
p.32
Índice de gráficos
GRÁFICO 1 - Taxa de freqüência no nível superior das pessoas de 18 a 25 anos de
idade, por cor ou raça, segundo a idade pontual - Brasil - 1997/2007. Em %
p.31
GRÁFICO 2 – Rendimento mensal em dinheiro (R$), das pessoas entre 15 e 64
anos, segundo o sexo e a raça. Brasil – 2002.
p.33
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o intento de desenvolver a temática específica sobre as diversas
formas de inserção das mulheres negras no mercado de trabalho mineiro, de forma a
contribuir para possíveis discussões sobre desigualdades raciais e de gênero, haja vista
que é de grande relevância o papel desempenhado pelo atributo raça/cor dos indivíduos
na produção e reprodução de oportunidades ao mercado.
E nas relações étnico-raciais que a mulher de uma forma geral é vítima de preconceitos.
Comparando-a aos demais grupos minoritários em nossa sociedade, seu prejuízo é
maior, pois sofre dupla discriminação, gênero/raça. E essa situação está presente até nos
próprios movimentos feministas, que subentende-se serem os defensores das causas das
mulheres. Para Azeredo: “Devido à forma como o movimento feminista tem se
organizado, a imagem da feminista tem sido caracterizada como branca, de classe média
e intelectualizada” (AZEREDO, 1994, 203). Dessa forma, as mudanças deveriam
acontecer primeiramente no seio das entidades que se dizem defensoras dos direitos
humanos, feministas ou não! Contudo, dentro do contexto feminista, as mulheres
negras têm buscado o seu espaço.
As mulheres negras, conscientes da importância de seu papel
na história, visam a desmascarar situações de conflito e
exclusão. Com isso, não só contribuíram para a conquista de
visibilidade
como
sujeitos
políticos,
perante
esses
movimentos e a sociedade, como também construíram um
curso próprio através da constituição do movimento
autônomo de mulheres negras. Com isso, lutaram e lutam
para garantir a subsistência, direitos sociais e políticos, e
qualidade de vida para si, seus familiares e para a
comunidade. Explicitamente, a agenda política das mulheres
negras transcende as questões de gênero, abarcando o
combate ao racismo, à discriminação e ao preconceito racial.
(RIBEIRO, 2006, p. 804)
Todas essas ações do movimento de mulheres negras foram e continuam sendo de
grande relevância para que novas conquistas sejam alcançadas. Todavia, há muito ainda
por ser feito devido ao grande contingente de pessoas que discriminam as demais em
virtude de sua cor. Por isso, eles não se atêm a questões de gênero apenas e buscam
disseminar na sociedade o despertar de uma consciência plena de que os direitos são
8
pertinentes a todos os seres humanos independente da etnia, condição social, cronologia
e outros. Porém, algumas mudanças ocorreram para as mulheres em geral, através das
lutas dos movimentos feministas. De acordo com Ribeiro, “milhares de brasileiras
mudaram sua condição: foram índias contra a violência dos colonizadores, negras contra
a escravidão, brancas contra os valores patriarcais vigentes, todas lutando pela
transformação das regras impostas ao feminino”. (RIBEIRO, 2006, p.804).
Vale ainda, mencionar o fato de que os movimentos feministas surgiram com o objetivo
de lutar por igualdade de direitos com relação aos homens. “Os feminismos, em algum
momento de sua história, criaram e propagaram, como expressão de sua identidade, a
noção de "sonoridade" ou da irmandade, a ideia é força de unificação das mulheres,
admitidas como iguais em sua biologia, aglutinadora de energias numa luta comum
contra a desigualdade em relação aos homens. (COSTA, 2004, p. 25 )
É importante ressaltar que desde o início do período colonial a mulher negra foi
reprimida e impedida até mesmo de praticar sua sexualidade de forma saudável, sendo
posta como um objeto e vítima dos desejos de seus patrões e ainda agredidas pelos
ciúmes de suas patroas.
Assim sendo, trazer essa temática para ser debatida mostra a atualidade da pesquisa aqui
empreendida. É importante consolidar os direitos de igualdade de gênero para
fortalecimento dos vários segmentos sociais envolvidos na promoção da igualdade de
gênero. Existem diferentes formas de acesso ao mercado de trabalha a que a mulher
negra foi introduzida, o debate acerca desse assunto pode se transformar numa
importante via de intervenção de ações que promovam a igualdade de gênero e raça.
Analisando a condição negra da mulher na sociedade ainda existem preconceitos em
relação à mesma, pois os serviços que lhe são oferecidos são braçais e uma renda
inferior a outros grupos sociais, posta num ciclo de marginalização. Esse tipo de
estigmatização e estereótipos ainda são reflexos de um processo histórico, que precisam
buscar alternativas que visam à equidade gênero/ raça. Segundo PINTO (2006): “A
maior incorporação das mulheres negras está no setor dos serviços domésticos, este é
mais um traço da desvantajosa situação em que se encontram as negras neste país”.
Na Declaração dos Direitos Humanos no seu artigo I, afirma:
9
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem proceder uns para
com os outros com espírito de fraternidade. (Assembléia Geral
das Nações Unidas, 1948, Resolução nº 217 A (III)).
Todavia para que este direito de igualdade seja respeitado e praticado é necessário a
implementação de políticas afirmativas, que tenha como finalidade eliminar as
injustiças. Segundo a definição do Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim
Barbosa Gomes, Políticas de Ações afirmativas, são:
Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas
ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência
física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar
os efeitos presentes da discriminação praticadas no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade
de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.
(GOMES, 2001, p.40)
Através da implementação dessas políticas, o conceito de cidadania passa a ter uma
proximidade real com a vida cotidiana das mulheres negras, dando oportunidades de
ocuparem cargos em mesmo nível das demais classes sociais.
Analisar esta temática do ponto de vista gênero e raça com foco na mulher negra é
essencial para trazer inclusão de novos valores, numa sociedade o sistema cultural de
um preconceito racial camuflado ainda está enraizado, mas é um meio de inserir novas
ideologias que possam ser consolidadas ainda que seja em médio ou longo prazo.
Analisando historicamente a condição da mulher negra, nos atentamos para o processo
histórico de discriminação e condição desfavorável que foi posta.
Para Aildes Celestina:
Durante quase cinco séculos, a mulher negra foi mantida à
distância dos processos sociais, políticos, econômicos,
educacionais, culturais, alijada de qualquer poder de
interferência, principalmente, em relação às posições
estratégicas da estrutura do poder da sociedade. (AUAD, 1999,
p.74)
E na sociedade contemporânea ainda são revelados resquícios de uma ideologia
etnocêntrica e estigmatizante em relação à mulher, com grande desvantagem para o
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grupo social pertinente a mulher negra, principalmente no que tange a inclusão das
atividades laborais, concordo com a afirmação de Munanga, quando diz:
Apesar das transformações nas condições de vida e papel das
mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a
mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla
discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra
numa sociedade racista.” (MUNANGA, 2006, p. 133).
Na nossa sociedade contemporânea de acordo com pesquisas de estudiosos observarmos
que a maioria dos cargos domésticos são ocupados pelas negras. Apesar de ter sido
abolido o sistema escravista, elas deixaram de trabalhar nas casas dos senhores de
engenho, dos grandes donos das minas de ouro, mas atualmente prestam serviços nas
casas dos grandes empresários e outros, podemos inclusive comparar tal situação a uma
semelhança com a condição de vida que tinha no passado e que outrora Gilberto Freyre,
descreve em sua obra Casa Grande e Senzala.
Com o passar dos tempos as mulheres vêm conquistando seu espaço na sociedade e
ocupando cargos angariados pelos homens. Houve conquistas pelos direitos que tanto
almejavam como, votar, exercer sua cidadania, direito moral de sair às ruas e exporem
suas idéias e também concorrer a cargos políticos, etc. Porém, mesmo diante dessas
conquistas a mulher negra ainda sofre uma desvalorização em detrimento, de uma de
uma incitação ao consumo de bens e produtos materiais da sociedade capitalista.
Contudo, uma trajetória de lutas, resistências e conquistas tem sido marcante na vida
dessas mulheres negras. Elas deram início às mesmas a partir do confronto ao racismo e
suas expressões generificadas, ou seja, com formas de incidência diferenciada sobre
homens e mulheres, com isso é difícil separar as dimensões de raça e de gênero da
experiência de ser mulher negra, assim afirma Bairros:
[...] esta seria fruto da necessidade de dar expressão a diferentes
formas da experiência de ser negro (vivida “através” da raça) o
que torna supérfluas discussões a respeito de qual seria a
prioridade do movimento de mulheres negras-luta contra o
sexismo ou contra o racismo?-Já que as duas dimensões não
podem ser separadas. Do ponto de vista da reflexão e da ação
políticas, uma não existe sem a outra (BAIRROS, 1995, p.461).
É importante está destacando ações de sexismo e racismo a que a mulher negra por
muitos anos foi vítima, para uma melhor compreensão do tema gênero e raça e seus
11
reflexos na vida social e na ascensão ao mercado de trabalho. Numa análise realizada
pelo IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada desde 2005, Retrato das
Desigualdades de Gênero e Raça,em sua 3ª edição, nos revela que apesar de alguns
avanços, a situação da mulher negra ainda é precária, porque segundo esta pesquisa:
O total de mulheres brancas ocupadas em trabalho doméstico
remunerado (13,4% em 1996 e 12,6% em 2006) com o total de
mulheres de negras que desempenham essa mesma atividade
(23% em 1993 e 21,7% em 2006) percebe-se que mesmo
havendo uma pequena queda em ambos os dados na década,
persistem ainda os fatos de que o trabalho doméstico no Brasil é
majoritariamente desempenhado por mulheres negras. Este
quadro inicial da situação do trabalho doméstico no Brasil
revela muito dos padrões vigentes das desigualdades de gênero
e raça, legados do modelo patriarcal e racista. (IPEA, 2008,
p.10)
Se os dados apontam para tal situação, há necessidade de um maior empenho para que
esses paradigmas sejam rompidos, mencionando-se o fato de que a luta pela garantia
dos direitos fundamentais que foram conquistados, como a carteira assinada, por
exemplo, necessita ser intensificada. Acima de tudo as pessoas que não fazem parte
dessa triste realidade necessitam reconhecer que vivemos num país marcado
historicamente por desigualdades raciais e sociais, que são diretamente responsáveis
pela falta de oportunidades para a trabalhadora negra nessa sociedade. E para que se
mude esse quadro de fato as autoridades governamentais precisam aplicar políticas
públicas eficientes que atentem para as necessidades desse público que necessita
urgentemente de oportunidades iguais de emprego, educação, inserção social e outros
benefícios que favoreçam a igualdade entre negros, brancos, pobres, ricos e outros.
Assim nesse trabalho será aprofundada a temática do racismo/gênero de forma que se
possa compreender a discriminação que ainda persiste contra a mulher negra e assim
sendo contribuindo para a superação dos embates sociais que essas mulheres vivenciam
em nossa sociedade.
Para tanto, o principal objetivo da pesquisa é compreender a temática racista e o
processo de inclusão da mulher negra no mercado de trabalho abordando o aspecto
gênero/raça que são inerentes à propositura do respectivo assunto. E propiciará ainda,
refletir sobre o tema raça e o legado racista que ronda as cercanias da sociedade
12
contemporânea, sob uma ideologia de racismo camuflado. Pontuará questões sobre a
inserção da mulher no mercado de trabalho e a situação precária que ainda se encontra
em relação aos demais grupos. Traçará a trajetória de luta e resistência da mulher negra
na sociedade brasileira, além de uma abordagem da importância da mulher negra na
construção histórica da sociedade brasileira.
O respectivo trabalho será desenvolvido em forma de pesquisa bibliográfica,
dissertativa, buscando através de pesquisas em obras de diversos autores, periódicos e
apostilas estudadas durante o curso, sendo feita ainda uma análise de dados estatísticos
a fim de entender a atual situação das mulheres negras no país, comparando-as às
mulheres brancas.
13
Capítulo 1 - Um breve histórico da escravidão no Brasil
Para que haja uma melhor compreensão da situação da mulher negra no mercado de
trabalho, é necessário um conhecimento básico sobre o passado no limiar das lutas
escravocratas no Brasil, após a vinda involuntária dos negros para viver em condições
sub-humanas, ainda que fosse o principal contribuinte para o crescimento econômico e
expansionista desse país.
Tudo começou quando os portugueses necessitavam de mão-de-obra barata para a
obtenção de maiores lucros na produção açucareira, que a princípio, utilizava-se de
mão-de-obra escrava indígena, que não deu certo, daí a necessidade de encontrar novas
alternativas para tal. Foi aí que resolveram aplicar a mesma ‘técnica’ utilizada em
Portugal e alguns outros países. De acordo com Cotrim
A partir do início do século XVII, ocorreu uma grande
redução da população indígena em consequência das guerras
dos colonos contra os índios e das sucessivas epidemias que
os vitimavam. Isso, aliado a outros fatores, fez o colono
português buscar novas alternativas de trabalho. Utilizando
uma experiência já havida no Portugal Metropolitano e nas
ilhas atlânticas, optou-se pela escravidão africana, originando
um lucrativo tráfico de escravos entre as costas da África, a
Bahia, Pernambuco e o Rio de Janeiro. (COTRIM, 2005, p.
212).
O sofrimento começou quando os negros foram desalojados de sua liberdade, de sua
casa e de sua gente. Colocados à própria sorte em navios negreiros, sob condições
mínimas (pra não dizer nenhuma) condições de higiene e conforto, além de mal
alimentados, para atender a uma classe que se denominou “melhor” e “maior”, podendo
assim dominar sobre as outras, que sob perspectivas egoístas, foram denominadas
inferiores, tendo que se submeter ao trabalho servil obrigatório e escravo. Vejamos:
A viagem nos navios negreiros era muito longa e extenuante:
de Luanda (África) até o Recife (Brasil) durava geralmente
35 dias; até a Bahia, 40 dias; até o Rio de Janeiro, cera de
dois meses. Nos escuros porões do navio, o espaço era
reduzido e o calor, quase insuportável; a água era suja e o
alimento, insuficiente para todos. Assim, o ambiente era
14
propício a doenças e epidemias, que vitimavam os africanos
debilitados. (COTRIM, 2005, p. 218):
Essa foi a dura realidade à qual foram submetidos esses seres humanos, que tinham
apenas uma diferença: a cor de sua pele e por isso foram tratados como animais, ou pior
do que isso! No intuito de atender às práticas egocentristas de pessoas que se autointitularam superiores, por serem brancos.
A partir de sua chegada ao destino, os negros eram marcados com ferro em brasa,
depois de serem aprisionados e daí tinham o seu destino traçado, para prestarem seus
serviços a senhores de engenho, que a cada dia aumentavam sua influência e poder,
através das riquezas obtidas pela venda dos produtos obtidos da exploração de mão-deobra escrava.
Chegando ao Brasil, os africanos que sobreviviam à viagem
no navio negreiro, eram vendidos, geralmente no próprio
porto, em leilões. Pouco tempo depois, já estavam
trabalhando nos engenhos de açúcar, nas plantações de
algodão, na mineração, nos serviços domésticos, no
artesanato ou ainda nas cidades, como escravos de ganho.
Realizavam trabalhos temporários em troca de pagamento,
que era revertido, parcial ou totalmente, para seus
proprietários. (COTRIM,
2005, p.218)
Desse modo, a escravidão foi uma forma eficiente de acumulação de riquezas. Portanto,
com relação às pessoas e à sua dignidade foi uma violência irreparável, onde, na maioria
das vezes, o castigo era imposto àqueles que falhavam, através de chibatadas enquanto
estavam amarrados a um tronco, fora as outras formas não menos cruéis de castigo que
lhe eram impostas a quaisquer sinais de rebelião ou faltas cometidas. Isso pressupõe,
dentre outros fatores, que a existência de povos muito pobres e a grande desigualdade
econômica e social existente, se deve a tais fatos.
Segundo Cotrim (2005): Os escravos viviam sob a fiscalização de um feitor e
trabalhavam em média 15 horas por dia e quando desobedeciam às ordens, podiam
sofrer vários tipos de castigos, geralmente aplicados em público, para que os outros
escravos se intimidassem.
15
Quanto às mulheres negras, muitas eram utilizadas no trabalho braçal, auxiliando nas
colheitas ou até mesmo nas plantações, além de ajudarem no preparo de alimentos, ou
como domésticas e ainda como acompanhantes de suas senhoras no intuito de servi-las.
Serviam ainda, como amas de leite para os filhos de suas senhoras, quando as mesmas
não tinham leite para amamentá-los.
Por realizarem tarefas domésticas, as mesmas se enquadravam na citação de Cotrim: “Já
os escravos domésticos, escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam mais
bonitos, dóceis e confiáveis, muitas vezes recebiam roupas melhores, alimentação mais
adequada e certos cuidados.” (COTRIM, 2005, p. 219)
Contudo, vale ressaltar que tal fato não é um indicativo de que as mulheres negras não
sofriam violência por parte dos senhores e até mesmo de suas senhoras. Afinal, as
mesmas eram vistas como meras mercadorias e algumas, por seu porte físico e beleza,
sofriam também violência sexual por parte dos senhores e dos feitores, e nada podiam
fazer para resistir a tais condições, vivendo sob completa submissão, inclusive, fazendo
o possível para agradar a seus ‘proprietários’. Todavia, a relação entre os senhores e
suas escravas e até com suas próprias mulheres era doentia, pois, segundo: “Foi sádica a
relação do homem português com as mulheres índias e negras. Era sádica a relação do
senhor com suas próprias mulheres brancas, as bonecas para reprodução e sexo
unilateral.” (FREYRE, 1933, p.60) Partindo desse pressuposto, depreende-se que as
mulheres de modo geral eram objetos para saciar os desejos mais sórdidos de senhores
sádicos. Porém, a mulher negra, foi a que mais sofreu em virtude desse sadismo, devido
ao fato de ter que sujeitar involuntariamente ao seu senhor e ainda ter que sofrer
humilhações de suas senhoras por causa disso. Sem mencionar o fato de que quando se
achavam grávidas, logo tinham que sofrer a dor de ter que se separar de seus filhos que
lhe eram arrancados dos braços, sem nenhuma piedade.
Porém, destaca-se ainda que a mulher escrava não exerceu apenas trabalhos domésticos
e os trabalhos mais leves da agricultura.
A historiografia tradicional fez acreditar que a mulher cativa
era vista na escravidão apenas em trabalhos específicos,
como criada, lavadeira, costureira e, até mesmo, como
prostituta. Queremos mostrar que, na realidade, centenas de
mulheres, de todas as idades, foram levadas para o trabalho
mais duro do eito, junto com os homens, e realizaram as
mesmas tarefas pesadas, quer nos engenhos, quer nas
extensas lavouras de café, que predominavam em Vassouras
16
no período por nós enfocado, ocupando um arco bastante
amplo, ainda mais aberto do que o do homem.
(ALMEIDA, 2001, p.7)
Com o advento da abolição da escravatura, algumas mudanças surgiram, porém, as
mulheres negras continuaram a ser servas domésticas e pouco valorizadas, pois, a mãode-obra era bem barata.
1.1. – O princípio de uma dor
Ao se verem livres novamente, uma grande alegria ecoou no peito de cada alforriado.
Mas é aí que começa uma outra luta e o princípio de uma dor, contudo, uma dor de não
ser aceito como cidadão possuidor de igualdade de direitos, mas pessoas destituídas dos
mesmos, em uma sociedade completamente preconceituosa com relação àqueles novos
cidadãos brasileiros.
No início, a liberdade não era total, na verdade, era parcial ou mascarada. Segundo Silva
(1993) haviam os escravos de ganho e os escravos de aluguel, que tinham certa
liberdade de ação, porém, “por outro lado, essa liberdade não era total, mas possuía
muitas restrições: havia o controle exercido pelo meio em que convivia, a suspeita por
parte das pessoas livres sobre qualquer ação incomum e as formas de controle como sua
própria cor.”
Isso significa que uma lei foi assinada, contudo, sem ser aceita pela maioria dos
senhores (os brancos), que continuavam com suas práticas abusivas para com os
alforriados.
Já as mulheres negras, que atuaram nos meios urbanos, exerceram várias atividades,
tendo como predominantes as tarefas domésticas. De acordo com Silva (1993): “No
centro urbano, o uso da mão-de-obra feminina em especial passou a ter muita procura.
Haviam escravas ocupando todo o espaço doméstico trabalhando como cozinheiras,
babás, engomadeiras, quituteiras, também nas ruas como vendedoras ambulantes e
prestando serviços por aluguel.”
Para Almeida:
17
O preconceito dos fazendeiros locais com relação ao
trabalho livre encontra raízes numa tradição
senhorial autoritária. Dificilmente um dono de
escravos se sujeitaria a negociar com um homem
livre de igual para igual. O trabalhador livre nacional
era visto como vadio, preguiçoso e indolente por
natureza, sendo, portanto, inapto para o duro
trabalho da fazenda cafeicultora. (ALMEIDA, 2001,
p.12)
Aí já se vê o preconceito enraizado dentro das mentes dos senhores, que trazem em seu
ego a ideia de superioridade. O fato de os negros terem exercido um trabalho forçado e
por sua cor, criaram um conceito equivocado dos negros, relacionando-os a ações e
sentimentos pejorativos. E esse fato se estendeu até aos dias atuais, quando ainda se vê
piadas difamadoras envolvendo pessoas da etnia negra.
Quanto às mudanças, vê-se ainda, uma persistência da discriminação, já que, através de
um olhar mais atento, consegue-se, nas entrelinhas observar que houve apenas a
substituição da casa grande pelas luxuosas mansões, das senzalas pelos pobres barracos
das favelas e do engenho pelas grandes indústrias e usinas açucareiras, entre outros.
Já as mulheres, de escravas passaram a ser vistas como auxiliares de serviços gerais,
pouco valorizadas, exercendo as mais diversificadas atividades consideradas inferiores,
como serviços de limpeza, cozinha, lavanderia e até mesmo prostituição, essa última,
por não ter oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Visto que na atualidade a
mulher negra é ainda mal vista e é olhada de cima, como se estivesse embaixo. Ser
mulher negra significa :
"não viver e agüentar discriminação todos os dias"; "engolir duro para
não
chorar
em
público,
especialmente
sendo
pobre";
"ser
discriminada pelo sexo e pela cor", "pelo homem negro e pelos
brancos"; "ser oprimida... colocada em lugar de submissão"; "ter
dificuldade em arrumar emprego"; "ser explorada pela mulher branca
que não paga o mínimo para a empregada doméstica"; "não ser
reconhecida pela sua capacidade intelectual"; "ser olhada com
indiferença"; "ser vista como `mulata' para ser exibida"; ter que
mostrar que é igual aos outros". (SILVA, 1998, p.2)
Na verdade, muito mais que ser o princípio de uma dor, essa é uma questão de
dignidade humana, vai muito além dos sentimentos, pois, é uma questão social, de
direitos, de igualdade, de respeito àquelas que são iguais às demais etnias, diferenciando
18
apenas na cor da pele, que se trata apenas de uma questão biológica, contudo, são seres
humanos, providas de sentimentos, caráter, inteligência, força, dignidade e merecem ser
reconhecidas como tal.
1.2. – O papel das mulheres escravas na história
Devido ao contexto discriminatório contra a etnia, principalmente no quesito cor da
pele, o que fica evidente é que as mulheres negras nada tiveram a acrescentar na história
desse povo. O que fica subliminar é o fato que elas tiveram muito mais a contribuir do
que se possa imaginar. Não é apenas no âmbito trabalhista, mas em vários outros setores
pertinentes à sociedade em questão. Para exemplificar uma parte dessa contribuição,
citam-se a cultura, a miscigenação, a culinária, dentre outros.
A função das mulheres no interior das senzalas podia
representar a reconstrução e a recriação permanente de
aspectos culturais originais e, portanto, a edificação de
sólidas comunidades. Uma das características fundamentais
das culturas escravas em toda a América foi, sem dúvida, a
manutenção da família nos seus variados sentidos. Sendo a
espinha dorsal na constituição do parentesco, a mulher tinha
o papel-chave na transmissão oral das crenças e dos valores
de uma comunidade negra em gestação.
(GOMES &
PAIXÃO, 2008, p 951)..
Diante de tal fato, entende-se que ela teve um papel importantíssimo na disseminação da
cultura de seu povo, onde se destacavam as suas crenças e valores. Daí percebe-se que
se a sua cultura se enraizou e perpetuou na sociedade brasileira, consequentemente
contribuiu para a formação da cultura vigente na atualidade. Estudos e descobertas
recentes mostram segundo GOMES & PAIXÃO que algumas mulheres negras
deixaram registros a seu respeito:
Entre os caminhos abertos mais recentemente, encontram-se
as análises sobre as narrativas encontradas em testamentos de
libertas, ex-escravas, africanas, crioulas e pardas. Ao
deixarem legados e heranças, falaram das suas vidas, das
experiências da escravidão, dos mundos do trabalho, das suas
expectativas e mesmo afetividades, esperanças e recordações.
(GOMES E PAIXÃO, 2008, p.952)
19
Isso se constitui em outras contribuições deixadas por ela também na história do país.
Através desses documentos os historiadores, sociólogos, antropólogos e outros
estudiosos interessados nessa história oculta, puderam conhecer os anseios dessas
bravas mulheres que resistiram aos dissabores que lhe foram impostos. Dessa forma,
contribuíram ainda para a tradição de se deixar testamentos enquanto estavam doentes
moribundas. Para ilustrar tal fato, cito um depoimento encontrado na pesquisa de
GOMES & PAIXÃO:
O que falou a preta forra Sebastiana Ignácia antes de
morrer?Aos 28 de setembro de 1826 foi sepultada numa
“cova da Fábrica”; teve todos os sacramentos, sendo
amortalhada em hábito de São Francisco e encomendada pelo
pároco, incluindo um “dobre de sinos”. Ficou “doente de
cama de moléstias”, dois dias antes – na presença do padre e
do tabelião – fez seu testamento. Seguindo o ritual e a
natureza dos testamentos da época, revelaria ser “natural do
Gentio da Guiné” e casada em “face da Igreja com Felipe de
Souza, preto forro”, e “desse Matrimônio não tem filho
algum, nem antes dele”. Sendo “irmã de Nossa Senhora do
Rosário de sua Freguesia de Inhaúma”, contraíra dívidas com
a irmandade e as deixava para o seu marido pagar. Mandava
rezar missa e libertava dois escravos que possuía “as duas
crias Maria, e Cândido, os deixa forros, e libertos como se de
ventre livre nascidos fossem”. Para a afilhada Maria, filha de
Isidora Maria, legava “por esmola uma dobra” e para a
“comadre Isidora deixa uma baeta de lemiste”. Para os “mais
seus afilhados deixa[va] a cada um quatro patacas”. Quanto a
“Maria crioula do Engenho Velho sua afilhada e de seu
marido escrava de Dona Isabel deixa[va] uma dobra”, e o
mesmo valeria para “Emerenciana crioula sua afilhada [que]
deixa[va] uma dobra, a qual é também escrava da mesma
Dona Isabel”. Eram todas escravas de Antônio José de Souza.
(GOMES E PAIXÃO, 2008, p.952):
Elas contribuíram ainda com suas danças, seus cânticos, seus pratos típicos, seus
bordados, seu artesanato, suas costuras, seus penteados, suas histórias, seus romances,
seus ideais e muitas outras coisas.
20
ALMEIDA (2001) diz que Slenes mostra o papel ativo das mulheres dentro da
organização familiar não apenas como estabilizadora, mas também como fator de
desequilíbrio da ordem senhorial.
As mulheres negras foram trazidas para diferentes regiões do Brasil, sendo assim,
considerando-se o fato de que as mesmas já eram portadoras de uma bagagem própria
de conhecimentos adquiridos em seu país como, por exemplo, sua linguagem e seus
costumes que eram sempre exercitados quando achavam uma brecha para isso.
Lembrando que as mesmas resistiram às variadas formas de torturas impostas pelo
regime escravocrata, as mesmas conseguiram escrever sua história, com suas
peculiaridades, que refletem no cotidiano atual da sociedade brasileira, se tornando uma
mediadora entre a história e a atualidade. Para comprovar isso, basta citar as suas
influências principalmente nas regiões Norte e Nordeste, como presenças vivas nas
tradições, especialmente nas danças, na culinária e nos rituais religiosos. Uma clara
influência da mulher negra nesses rituais é a lavagem das escadarias do Senhor do
Bonfim, na Bahia e é interessante ressaltar que nesse ritual as mulheres negras
desempenham o mesmo papel da época da escravatura: o trabalho braçal. São elas que
carregam em suas cabeças recipientes cheios de água perfumada (que as mesmas
prepararam sete dias antes em um terreiro de Candomblé) e executam o trabalho de
lavagem das escadas.
Percebe-se assim que as mulheres negras desempenharam um papel importantíssimo e
de grande relevância para a história desse país, todavia, não tiveram o devido
reconhecimento pelo excelente trabalho que fizeram, pelos seus préstimos, ainda que
em condições sub-humanas, simplesmente por não pertencer à classe dominante do
país,ou seja, à elite branca.
Contudo, um novo panorama vem, aos poucos, se formando no Brasil, favorecendo
assim a mulher negra que a partir de muita luta e sofrimento conquistou vários direitos.
Porém, esses direitos ainda permanecem apenas no papel, nas leis, pelo fato de as
mulheres negras ainda sofrerem com os critérios utilizados pela nossa sociedade
classista e desigual, uma vez que não exerce o seu papel no cumprimento e garantia
desses direitos.
21
Capítulo 2 - O princípio da ‘liberdade’
Para se entender o princípio da liberdade das mulheres negras no Brasil, ressaltar-se-á
aqui alguns movimentos que fortaleceram a luta das mesmas para conquistarem seu
espaço no mercado nacional, pois, como já vimos elas chegaram aqui escravizadas,
vitimadas pela diáspora e foram submetidas aos mais variados abusos.
Após a abolição, em 1888, a população negra se tornou livre, porém, tornaram-se um
povo desamparado pelo governo da época e nenhum valor lhes foi atribuído pelos anos
de trabalho e dedicação que favoreceram substancialmente a economia do país.
Devido à resistência e por não aceitarem o fato da liberdade os senhores se recusavam a
empregar as mulheres negras, que na luta pela sobrevivência, a fim de originar renda
para auxiliar no sustento de suas famílias, foram à luta e iniciaram o comércio livre nas
ruas, onde vendiam seus produtos aos transeuntes.
A partir daí, elas não se submeteram mais às correntes e ao jugo dos abusados e
desumanos senhores. Então, para que se fizessem valer dos direitos recém adquiridos, se
organizaram em pequenos grupos. E suas lutas ganharam força com o decorrer do
tempo e desempenharam um importante papel no período pós-abolicionista, no que se
refere à várias conquistas dos movimentos feministas, como por exemplo, a aprovação
do voto feminino, a organização contra a ditadura, a luta pelo direito ao divórcio, dentre
outras mobilizações. Nas últimas décadas elas intensificaram sua participação,
marcando presença nos eventos organizados pelas feministas, como nos Encontros
Nacionais de Mulheres Negras, Congressos e Conferências, lutando pela igualdade de
direitos. Vale ressaltar que o movimento que obteve um grande número de conquistas
foi a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, realizada em Durban na África do Sul, que foi decisiva para a
implantação de políticas de ações afirmativas, que beneficiam os negros brasileiros.
Segundo RIBEIRO:
Sem dúvida, a partir da atuação do movimento social, importantes
passos foram dados, resultando na ampliação da participação política
22
da população negra. Em especial, as mulheres negras, demonstraram
grande impulso organizativo se tomarmos como referência, também, o
ano de 1988, quando no Brasil foi realizado o I Encontro Nacional de
Mulheres Negras – I ENMN, no qual verificamos a demarcação de um
novo ritmo às formulações políticas e à inserção desse e dos demais
setores discriminados na agenda social e política, em âmbito nacional
e internacional. (RIBEIRO, 2008, p.988)
Sendo assim, nota-se que avanços significativos foram adquiridos no decorrer das lutas
tanto dos movimentos negros em geral, como dos movimentos das mulheres e das
mulheres negras, os quais não podem ser dissociados, pois, contribuíram de forma
significativa para as conquistas de cada um. E quanto ao impulso organizativo,
RIBEIRO afirma que:
Constata-se esse impulso no processo de organização da V
Conferência Mundial sobre as Mulheres (China/Beijing, em
1995) e da III Conferência Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de
Intolerância (África do Sul/Durban, em 2001). Isto é
apontado em dois dossiês da Revista Estudos Feministas –
“Mulheres Negras” (coordenado por Matilde Ribeiro, em
1995) e “III Conferência Mundial contra o Racismo”
(coordenado por Luiza Bairros, em 2002). As coordenadoras
dos dossiês argumentam que é impossível analisar a condição
e/ou organização das mulheres em âmbito mundial sem o
reconhecimento da positiva movimentação das mulheres
negras no Brasil e na America Latina e no Caribe e das
contribuições para as conferências de Beijing e de Durban.
(2008, p.988).
Isso mostra o quanto as mulheres negras têm atuado no processo de lutas para que a
liberdade adquirida há aproximadamente 120 anos seja efetivada cabalmente sem negarlhes os direitos que são garantidos mediante leis, especialmente no tocante aos direitos
humanos.
2.1 – Alforriadas, mas escravas.
De certa forma, mesmo após a alforria, as mulheres continuaram escravas de seus
medos por se tornarem exclusas da sociedade. Sabe-se que as questões psicológicas e
sociais escravizam pelo fato de deixar sequelas emocionais, muitas vezes graves, além
de mexer com a autoestima, fazendo com que as mesmas fiquem retraídas e acabem por
23
conformar com a situação, contudo, involuntariamente, devido a vários fatores como
desvalorização, falta de oportunidades, preconceito, discriminação, violência(s) e até
mesmo de programas que façam valer os direitos adquiridos através das lutas e
movimentos organizados em defesa dessas mulheres, dentre outros.
Veja o que diz CARNEIRO (2003, p.14):
Graves sequelas na autoestima das mulheres negras, advindas desta
imagem desvalorizada, presente no imaginário social, encerram duas
ordens diferentes de violência: uma oriunda da ideologia machista
patriarcal, que concebe as mulheres em geral como objetos de
propriedade masculina; a outra, de natureza racial, que institui a
desvalorização das negras em relação às brancas, disponíveis e
acessíveis a “precinhos módicos”.
Observa-se então que essa desvalorização não é atual, o que pode causar na maioria dos
casos um efeito negativo na autoestima. Daí a questão psicológica e emocional, pois, até
pelos turistas essas mulheres são vistas como meros objetos ou mercadorias para
satisfazer-lhes os desejos no âmbito da sexualidade.
A pesquisadora Adriana Piscitelli (Piscitelli, 1996), no artigo Sexo
Tropical, descreve o comportamento clássico do estrangeiro que vem
consumir mulher brasileira. Diz ela: “eles chegam procurando
mulheres, mas têm nítidas preferências: garotas muito jovens, mulatas
ou negras”. Esse estilo de gosto não se limitaria aos europeus que
chegam ao Brasil, os exportadores de meninas para o exterior afirmam
que as meninas “mais morenas” conseguem receber maiores salários
no “Velho Continente” (Piscitelli, 1996, p.16). No entanto, nas
reportagens sobre esta questão, “as poucas alusões à cor dos turistas
são realizadas contrastando sua ’brancura’ com a negritude das
meninas” (Piscitelli, 1996, p. 17, in CARNEIRO et al, 2003, p. 13).
Com isso, surge a necessidade de se instituir a real democracia brasileira, colocando em
prática o princípio de igualdade para todos. É necessário que se ponha fim à questão da
existência de uma raça (etnia) superior e jogar por terra ideologias como o
patriarcalismo que instituiu a hegemonia do sexo masculino; o elitismo classista onde se
insiste na ideia de que uma minoria de classes abastadas domina sobre e explora as
classes menos favorecidas materialmente; o racismo, que ao instituir a superioridade de
um grupo sobre outros, propiciou os mais diversos tipos de violência e opressão, o que
24
inclui a escravidão e a discriminação étnico/racial. Pois, foram esses, dentre outros
fatores que impediram aos grupos sociais discriminados pelas condições econômicas
escassas e por sua cor de gozarem de seus direitos como cidadãos, em detrimento de
uma minoria branca – diga-se de passagem – desfrutar plena e absolutamente de todos
os direitos em nossa sociedade.
São suficientemente conhecidas de todas e todos nós, as condições
históricas que construíram a relação de coisificação dos negros em
geral e das mulheres negras em particular. E sabemos que em toda
situação de conquista e dominação de um grupo humano sobre o outro
é a apropriação das mulheres do grupo derrotado pelo vencedor que
melhor expressa a irreversibilidade da derrota. É a humilhação
definitiva do derrotado e um momento emblemático de superioridade
do vencedor. (CARNEIRO et al, 2003, p.12)
É em função de todas essas evidências que atuam no palco da política brasileira que
surgiram vários movimentos de minorias políticas como o Movimento de Mulheres
lutando pela igualdade de gênero, de negros ou seus descendentes por igualdade de
direitos etc. Ou seja, através da diferença fundamentada nesse pressuposto lutar para se
conquistar a igualdade e isso através de organizações negras que além de denunciar os
processos de exclusão a que os negros estão submetidos na sociedade brasileira,
apontam caminhos para a liberdade na sua forma mais plena, tomando posse das
alforrias mental, social, moral, psicológica, emocional e étnica, podendo dessa forma,
exercer e desfrutar da sua condição de igualdade, gozando plenamente dos direitos que
outrora conquistaram.
2.2 – Entre a luta e o pré-conceito
Mediante o contexto de lutas das mulheres negras contra o preconceito que ainda
sofrem no mercado de trabalho, questiona-se o motivo pelo qual a maioria ainda
permanece inclusa em um grupo de baixa renda, vivendo na maioria dos casos em
favelas, vilas ou nos redutos de prostituição, consumo e comercialização de
entorpecentes, prática de delitos variados e até mesmo morando nas ruas. A
marginalização dos negros ainda prevalece na nossa sociedade. A inserção no mercado
de trabalho torna-se difícil em virtude da desconfiança proveniente de mitos passados a
respeito dos negros. Daí, um grande número das mulheres negras ainda constar no
grupo de domésticas, auxiliares de limpeza ou mesmo auxiliares de serviços gerais, pois
é a oportunidade máxima que lhes é oferecida. E tal situação é agravada devido ao
25
assédio sexual no ambiente de trabalho. CARNEIRO (2003) ilustra bem essa situação
no trecho abaixo:
A entrevista recolhida pela autora de uma entrevistada por um veículo
de comunicação é ilustrativa. Diz a entrevistada: “Em casa de família
meu destino seria pior ainda. Iria ganhar um salário e teria que transar
de graça com o patrão, normalmente um velho gordo e pelanqueiro. O
pior que pode me acontecer é eu virar puta na Suíça. Pelo menos vou
ganhar alguma coisa. No Brasil não ganho nada nem tenho como
ganhar” (Piscitelli, 1996, p. 21 in CARNEIRO, 2003, p.13).
Esta fala coloca outro tema da violência de gênero - o assédio sexual.
Embora pareça um debate novo em nossa sociedade, este tipo de
relação faz parte também de nossa tradição cultural, que vem
perpetuando até os nossos dias a prática, impunemente tolerada, de
utilização das mulheres negras, especialmente as empregadas
domésticas, como objetos sexuais, destinadas à iniciação sexual dos
jovens patrões ou à diversão sexual dos mais velhos. (CARNEIRO,
2003, p.13)
Percebe-se assim a dura realidade a que foram e continuam sendo submetidas essas
mulheres. Porém, vale lembrar que existem grupos ou sindicatos que lutam para que se
mude essa situação deprimente e humilhante. Segundo CARNEIRO(2003) :
As entidades de defesa dos direitos das empregadas domésticas vêm,
há tempos, denunciando a persistência deste tipo de abuso de poder
sobre as empregadas no espaço de trabalho doméstico. Este tipo de
relação, de uso e abuso sexual das mulheres negras, deu origem a um
dos grandes estereótipos que ainda estigmatizam as mulheres negras
na sociedade brasileira, ou seja, o de mulheres sexualmente
disponíveis, dotadas de uma superexcitação genética. (2003, p.13)
O preconceito não se restringe apenas ao trabalho doméstico. Um caso recente (onde
serão omitidos os nomes), ocorrido em uma escola de São Paulo, envolvendo uma
estagiária negra retrata a triste realidade da mulher negra no nosso país, que se diz não
preconceituoso, onde a mesma foi obrigada a alisar os cabelos para manter a boa
aparência.
A estagiária acusa seus superiores de perseguição e racismo.
Conforme Boletim de Ocorrência registrado no dia 24 de novembro,
na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de
São Paulo, ela teria sido forçada a alisar o cabelo para manter a "boa
aparência". A diretora do Colégio ainda teria prometido comprar
camisas mais cumpridas para que a funcionária escondesse os quadris.
Ela conta que foi contratada no dia 1º de novembro de 2011, para
atuar no setor de marketing e monitorar visitas de pais interessados em
matricular seus filhos no colégio. Nos dias anteriores, sempre alguém
26
mandava recado para que prendesse o cabelo e evitasse circular pelos
corredores. Além das advertências, ela afirma ter sofrido ameaças
depois de revelar o conteúdo da conversa aos demais funcionários do
colégio. Eles teriam demonstrado solidariedade ao perceber que a
estagiária estava em prantos no banheiro. "Depois disso, eu me vesti
para ir embora e, quando estava saindo, ela me parou na porta e disse:
'cuidado com o que você fala por aí porque eu tenho vinte anos aqui
no colégio e você está começando agora. A vida é muito difícil, você
ainda vai ouvir muitas coisas ruins e vai ter que aguentar'."
(CORREIO DO BRASIL, 2011, p.01)
Tal notícia ilustra o quanto o país precisa avançar no intuito de se erradicar o
preconceito. A cor da pele, dentre outras características, ainda pesa muito na hora de se
contratar um funcionário. A jornada, pelo que se pode depreender, é longa na conquista
definitiva (dos excluídos) de um lugar ao sol, todavia, provido de dignidade, pelo fato
de ser humano e gozar de igualdade perante a lei e é justo que as pessoas que se dizem
cidadãs reconheçam as diferenças e as respeitem, afinal, vivemos em um país
multiétnico e multicultural, onde as mulheres negras (em pé de igualdade com as
demais) tiveram fundamental importância na sua formação. E é entre lutas e
preconceitos que as mulheres negras vão ganhando campo na sociedade brasileira. Daí
urge a necessidade da implementação de políticas públicas eficazes para que as
mulheres negras tenham qualidade de vida equivalente a das demais. De acordo com
Boletim do DIEESE publicado em novembro de 2005 “Elas são a síntese da dupla
discriminação de sexo e cor na sociedade brasileira: mais pobres, em situações de trabalho
mais precárias, com menores rendimentos e as mais altas taxas de desemprego”.
O racismo, o sexismo, e outras formas de discriminação embutidas nos seres humanos
se manifesta de forma tão sutil, que geralmente não é intencional e é imperceptível, mas
provoca dor, ressentimento e sofrimento em seus receptores, se configurando em
violência. Essa é a principal razão pela qual se deve lutar pelo fortalecimento dos
movimentos e políticas públicas para arrancar esse mal do seio da sociedade brasileira.
27
Capítulo 3 - Conquistando um espaço no mercado
Muitas mulheres conquistaram a o seu espaço no mercado de trabalho após anos e anos
de submissão e exclusão. Porém, a mulher negra ainda sofre uma série de preconceitos
na sociedade brasileira no que tange às questões empregatícias. Atualmente, as mesmas
estão livres dos trabalhos nas casas dos senhores do café e, da cana-de-açúcar, mas, a
maioria delas se encontra subjugada aos serviços informais nas casas de grandes
empresários. Contudo, enfatiza-se aqui que a mulher ocupa hoje, cargos que antes só os
homens detinham, no entanto, na maioria dos casos, o seu salário é incompatível com o
cargo ocupado e inferior ao dos homens e das mulheres de outras etnias.
A realidade socioeconômica brasileira evidencia uma escala
racial em que grande parcela da população negra permanece
em situação de exclusão, e essa situação em relação à mulher
negra, como havia sido evidenciado pelas feministas, ao
mostrar o entrelaçamento entre gênero, classe social e
raça/etnia, agudiza-se ainda mais, ou seja, para as mulheres
negras as desigualdades são potencializadas pelas
discriminações que elas sofrem, restringindo-lhes as
possibilidades de inclusão social. A ausência de recorte racial
na análise do tema da violência, assim como em relação a
outros agravos, tem dificultado a identificação das
desigualdades a que estão expostas as mulheres negras.
Autores/as, principalmente os/as de grupos de feministas
negras, começam a mostrar que há um agravamento das
violências quando a mulher é negra, ocasionadas pelo
racismo que gera outras violências adicionais. Tem sido
observada uma vulnerabilidade maior da população negra no
que diz respeito a agravos crônicos e menor expectativa de
vida, com escores menores no índice de desenvolvimento de
gênero que mede desigualdades entre homens e mulheres.
(MENEGHEL et al, 2010, p. 568-569)
Para que a situação citada por MENEGHEL et al tenha uma mudança significativa, no
mercado de trabalho, os movimentos de mulheres negras tentam sensibilizar as
entidades sindicais para a incorporação dessa luta contra o racismo e para que utilizem
os mecanismos internacionais que combatem as discriminações no âmbito do trabalho
no intuito de que se diminuam essas diferenças. E ainda, permeiam o setor empresarial,
na tentativa de sensibilizá-lo para que adote políticas de diversidade em seus processos
de seleção. Preocupam-se também com projetos que se objetivam a capacitar e reciclar
mão-de-obra de mulheres negras para o esse tão competitivo mercado, visto que a
exclusão abarca outras situações de risco, o que inclui a vulnerabilidade social, a falta
de oportunidades na Educação, o desemprego, entre outros.
Para se ter uma ideia, segundo dados do IBGE (2008) o percentual de pessoas - de 15
anos ou mais - analfabetas no Brasil era de 6,1% de pessoas brancas, 14,3% de pessoas
28
pretas e 14,1% de pessoas pardas. E dentre as que conseguiram concluir o Ensino
Superior somente 4% eram negras contra um total de 13,4% de pessoas brancas. Já no
que diz respeito à participação na força de trabalho, far-se-á uma análise baseando-se
nos dados obtidos na tabela que se segue. Vejamos:
TABELA 1
Taxa de participação da população negra e não-negra por sexo
Regiões metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005
(em %)
Cor e Sexo
Períodos e Regiões
Belo Horizonte
Distrito Federal
Porto Alegre
Recife
Salvador
São Paulo
Total
60,3
64,4
57,6
51,5
61,4
63,6
Negra
Não-negra
Total
Mulheres
61,0
65,0
58,1
51,8
61,5
64,6
55,0
59,3
52,3
43,1
55,3
57,6
Homens
67,7
71,4
64,9
61,9
68,7
72,3
Total
59,2
63,3
57,6
50,8
61,0
63,0
Mulheres
51,6
57,3
49,2
42,1
53,5
54,0
Homens
68,1
71,1
66,9
61,8
70,1
73,0
Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Obs: a) Cor negra = pretos + pardos. Cor não-negra = brancos + amarelos.
b) Taxa de Participação Específica = 100 x (PEA com os atributos específicos) /(PIA correspondente).
c) Dados apurados entre janeiro de 2004 e setembro de 2005.
No biênio 2004-2005, a diferença de intensidade nas taxas de
participação da força de trabalho feminina foi maior nas
Regiões Metropolitanas de São Paulo, de Belo Horizonte e de
Porto Alegre, nas quais a presença de mulheres negras foi
superior em 3,6, 3,4, e 3,1 pontos percentuais (pp) a de nãonegras. De maneira menos acentuada, essa situação foi
encontrada em Salvador e Recife, onde esse diferencial foi de
1,8 pp e 1,0 pp, respectivamente.(DIEESE, 2005, p.2)
Daí, subentende-se que de acordo com a força de participação no trabalho, as mulheres
negras superaram as não-negras pelo fato de nesse período os dados apontarem para
uma dependência maior delas em relação ao trabalho. Contudo, com relação às taxas de
desemprego essa diferença inverte-se, como pode-se perceber na tabela 2, onde os dados
apontam para uma alta taxa de desemprego das mulheres negras, com relação às nãonegras.
De maneira geral, mais de um terço dos ocupados nas seis
regiões pesquisadas pela PED encontram-se em situação
vulnerável de trabalho, isto é, são assalariados sem carteira
assinada, autônomos que trabalham para o público,
trabalhadores familiares não-remunerados ou empregados
domésticos. Com a recuperação econômica dos últimos dois
anos, esta proporção vem se reduzindo, indicando que houve
tênue processo de formalização desses mercados. (DIEESE,
2005, p. 4)
29
TABELA 2
Taxas de desemprego da população negra e não-negra, segundo sexo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – Biênio 2004-2005
(em %)
Cor e Sexo
Períodos e Regiões
Total
Negra
Total
Belo Horizonte
Distrito Federal
Porto Alegre
Recife
Salvador
São Paulo
18,4
20,2
15,4
22,9
25,2
18,1
20,3
21,6
22,1
23,4
26,3
22,0
Não-negra
Mulheres
23,3
24,6
25,7
26,8
29,2
25,1
Homens
17,6
18,8
18,6
20,8
23,7
19,3
Total
15,5
17,4
14,5
21,3
18,0
15,8
Mulheres
18,2
21,1
17,7
25,6
21,0
18,5
Homens
13,1
13,6
11,9
17,7
15,2
13,5
Partindo de uma análise superficial desse quadro, percebe-se que tal situação remete as
mulheres negras à cruel realidade de exclusão que reforça a ideia de inferioridade a que
muitos negros foram e são submetidos ainda. Essa elevada taxa de desemprego, se
comparada às etnias brancas, mantém um quadro de pobreza e marginalidade dos
grupos negros, que os leva a viver em condições subumanas, onde uma grande parcela
dessa população é forçada a residir em barracos nas encostas e em regiões onde há risco
de enchentes, deslizamentos de terras e outros. Além do fato que um bom número
dessas mulheres acaba se prostituindo ou mantendo algum tipo de relação com o mundo
do crime. Isso leva a uma reafirmação da discriminação e se torna em um ciclo vicioso
onde o desemprego gera pobreza, que gera marginalização, que gera discriminação, que
gera falta de oportunidades, que gera desemprego e assim sucessivamente.
Retomando-se discussões anteriores, pode-se depreender que essas desigualdades têm
origem na era colonial, onde “o desenvolvimento das legislações foi feito sob o
comando de Portugal” (HEILBORN et al, 2011, p. 63) e:
Essa lógica colonial foi marcada pela necessidade de
controlar grupos potencialmente destrutivos da ordem
dominante, como as comunidades religiosas milenaristas,
indígenas
e
quilombolas,
indivíduos
socialmente
inferiorizados como as mulheres e as crianças, ou mesmo
populações inteiras socialmente desumanizadas, como os/as
africanos/as escravizados/as. Sob a alegação de uma efetiva
crença na neutralidade jurídica, os primórdios do pensamento
jurídico brasileiro foram estruturados com base em regras de
funcionamento que tomaram como ponto de partida as
formulações encontradas pelos/as juristas e intelectuais da
época para o trato das questões de ordem social. Estas
formulações, por sua vez, baseavam-se no desconhecimento
absoluto e mesmo na negação dos componentes de gênero e
étnico-racial. (HEILBORN et al, 2011, p. 63-64).
Partindo desse ponto, ressalta-se aqui que essa desigualdade gênero/raça é uma história
que ainda está longe do fim e há um caminho longo e árduo a percorrer.
30
3.1 – (Des)Igualdade de direitos – uma breve comparação.
Para início de conversa, ressalta-se aqui que não existe direito dissociado desses dois
fundamentos primordiais para o reconhecimento da igualdade: a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho. Quando associados às leis que os sustentam,
adquirem garantias inquestionáveis, principalmente quando há um esforço coletivo de
órgãos e instituições que lutam e zelam pela execução e cumprimento delas, de que a
igualdade de direitos será absorvida e respeitada pelo mercado trabalhista, no que diz
respeito às mulheres negras. Esse assunto é controverso, pois, os dados apontam para
uma realidade onde essas des(igualdades) estão no topo das discussões que envolvem
atos discriminatórios e preconceituosos contra as classes menos favorecidas, que por
coincidência ou não, é de maioria negra.
Devido a relevância do debate em torno das políticas públicas implementadas em várias
universidades públicas do país e do sistema de cotas para os negros terem a
oportunidade de ingressarem em curso de nível superior, terão prioridade de análise os
indicadores referidos a estudantes que freqüentam curso universitário e pessoas com
curso universitário completo, para fins de comparação.
Gráfico 1 - Taxa de freqüência no nível superior das pessoas de 18 a 25 anos de
idade, por cor ou raça, segundo a idade pontual - Brasil - 1997/2007. Em %
Ora, o Governo Brasileiro tem como principais objetivos construir e fazer cumprir as
leis que primam por uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo-se o
31
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução
das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art.3º,
Constituição da República, 1988).
Todavia, traçando um paralelo entre o ideal e o real, observando-se o gráfico que
representa os dados de um período de 10 anos, percebe-se que apesar de um
crescimento na participação das duas etnias representadas, que a situação continua a
mesma, sendo que os números mostram que uma maioria esmagadora de brancos
continua liderando o ranking das oportunidades no país.
Comparando-se ainda o mesmo gráfico com as tabelas 1 e 2, depreende-se que as taxas
apresentadas estão correlacionadas pelo fato de o mercado de trabalho atual estar
diretamente ligado à qualificação profissional seja a nível técnico ou superior. Contudo,
se os negros não conseguem galgar patamares mais elevados no que se refere à
qualificação, naturalmente ocuparão no mercado as vagas que dispensam tal exigência,
pois, necessitam apenas do empenho físico, relegando a segundo plano o
intelecto/cognitivo. Caso o número das vagas que dispensam qualificação profissional
fiquem escassas, concomitantemente a taxa de desemprego para as pessoas que se
encaixam nesses números aumentará e pelo que apontam os dados pesquisados esse
contingente é o de pessoas negras. Veja o que mostra a tabela do IBGE de 2002 sobre a
distribuição dos negros e brancos ocupados de acordo com o nível de letramento mais
alto, considerando uma escala de 0 a 4 definida pelo próprio instituto.
Tabela 3 – Distribuição de pessoas de 15 a 64 anos, no nível 4 de letramento, de
acordo com a posição na ocupação, segundo o sexo e a raça. Brasil. 2002.
Fonte: IBGE, PNAD 2002, Microdados in MACHADO, 2004, p.93.
Percebe-se claramente que o número de empregados com carteira assinada da cor
branca é quase o dobro de negros, porém, esse número inverte-se quando se trata de
32
empregados domésticos sem carteira. Isso demonstra que mesmo estando no mesmo
nível de letramento que os brancos as oportunidades para estes são muito maiores no
que se refere à estabilidade, já que os negros estão na informalidade que não oferece a
mínima garantia de direitos trabalhistas garantidos em lei, como por exemplo,
reinserção no mercado, FGTS, Contribuição para fins de aposentadoria e auxílios
maternidade e doença, entre outras. E ainda falta oportunidade até para que o negro seja
um empregador, devido a tantos obstáculos que o impedem de montar e gerir um
negócio próprio, mesmo estando nas mesmas condições de letramento que os indivíduos
brancos. E considerando-se os rendimentos mensais dos indivíduos brancos e negros, a
situação permanece a mesma. Observe:
Gráfico 2 – Rendimento mensal em dinheiro (R$), das pessoas entre 15 e 64 anos,
segundo o sexo e a raça. Brasil – 2002.
Fonte: IBGE, 2002 – Microdados in MACHADO (2004, p. 94).
Veja que os homens negros têm um rendimento menor que o das mulheres brancas e as
mulheres negras ficam em desvantagem com relação aos demais e isso demonstra
claramente o quanto a discriminação da mulher negra no mercado de trabalho é
praticada levando-se em conta dados como o rendimento e os números e tipos de vagas
ocupadas por elas.
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Considerações finais
Partindo de hipóteses levantadas durante os estudos e pesquisas realizadas nota-se que
as mulheres de etnia negra continuam sendo uma parcela exclusa da sociedade vigente.
Daí questiona-se onde se encontra na prática a igualdade de direitos e todas as demais
garantias que a lei determina? Até que ponto as políticas públicas implementadas até a
atualidade beneficiam e transformam realmente a vida dessas mulheres? Será que
empiricamente essas mulheres recebem tratamento digno de acordo com as leis que
regem os direitos humanos no país? O que falta, oportunidade, incentivo, força de
vontade própria, autoestima, conscientização do restante da população?
Então observa-se afinal que algumas conquistas mencionadas são de grande valor para o
fim da discriminação das mulheres negras, mas ao que tudo indica, todas essas garantias
de uma melhor qualidade de vida para elas continuam sendo pertinentes às teorias,
porque na prática, não houve mudanças significativas já que o salário base da mulher
negra continua sendo aproximadamente a metade do salário da mulher branca; a mulher
negra continua sendo inserida mais cedo e saindo mais tarde do mercado de trabalho,
devido à necessidade de lutar pela sobrevivência própria e dos seus descendentes;
mesmo quando sua escolaridade equipara-se à da mulher branca, a diferença salarial
continua, sendo que o melhor salário é pago para as brancas; e há ainda o fato de que
mulheres negras continuam com um índice maior de desemprego em qualquer lugar do
país; sem falar que elas, em sua maioria, estão na informalidade, sendo eximidas de seus
direitos básicos, dentre tantas outras barbaridades, pode-se assim dizer, que são
cometidas contra elas.
A despeito dessa situação caótica à qual as trabalhadoras negras são submetidas,
partindo dos dados analisados, infere-se que há
um acordo tácito de omissão e
conformidade entre os responsáveis pela garantia de direitos iguais para todos, deixando
que o preconceito prevaleça.
E só resta concluir que as políticas devem ser revistas e novas propostas mais efetivas
sejam implementadas a fim de colocar um ponto final nessa história de desigualdades
entre negros e brancos, deletando-se um passado onde os mesmos foram colocados
como coadjuvantes, ainda que lhes coubesse o papel principal na construção desse país.
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