A educação no Realismo: o
século do método
Edilian Arrais*
CONTEXTO HISTÓRICO
A burguesia se fortalece
Figura 8 – Estado Absolutista
No século XVII intensificou-se o comercio, a colonização assumia características empresariais, enquanto
a Europa era inundada pelas riquezas extraídas da América.
O crescimento das manufaturas alterou as formas de trabalho. A nova ordem consolidou-se com o
mercantilismo — sistema que supõe controle do Estado e que resultou da aliança entre reis e burgueses.
Estes financiavam a monarquia absolutista.
Politicamente, caracteriza-se pelo absolutismo real, e entre os teóricos que defendiam esse tipo de poder
irrestrito, o mais conhecido é o inglês Thomas Hobbes8. Não se tratava de buscar os fundamentos dos
absolutismo a partir do direito divino dos reis, mas sim de acordo com o contrato, o pacto social — é
início da queda das explicações religiosas.
Liberalismo econômico e político
À medida que a burguesia se fortalecia, tomava forma a teoria do liberalismo, tanto do
ponto de vista político, pelo questionamento da legitimidade do poder real, como no
seu aspecto econômico.
Figura 9 - John Locke
principal intérprete da ideias políticas liberais foi John Locke9. Era uma teoria que
exprimia os anseios da burguesia, o liberalismo se opunha ao absolutismo dos reis,
fazia restrição à interferência do Estado na vida dos cidadãos, em defesa da iniciativa
privada.
O século do método
Durante o século XVII, um dos campos que fecundou foi o da filosofia. Filósofos como Descartes,
Bacon, Locke, Hume e Espinosa discutiram a teoria do conhecimento segundo questões de método —
significando direção, caminho para um fim, instrumento que permite a construção de conhecimento. Isto
é, eles colocaram em discussão os procedimentos da razão na investigação da verdade, antes de se
permitir teorizar qualquer tema.
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Thomas Hobbes (1588-1679) foi um teórico político, filósofo e matemático inglês. Sua obra mais evidente é "Leviatã", cuja ideia
central era a defesa do absolutismo e a elaboração da tese do contrato social. Hobbes viveu na mesma época que outro teórico
político, John Locke, que era defensor dos princípios do liberalismo, ao passo que Hobbes pregava um governo centralizador.
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Locke (1632-1704) nasceu em Wrington, Inglaterra. Wrington fica perto de Bristol, de onde era a família de Locke. Eles eram
burgueses, comerciantes. Com a revolução Inglesa de 1648, o pai de Locke alistou-se no exército. Locke estudou inicialmente na
Westmuster School. Em 1652 foi para a Universidade de Oxford. Não gostou da filosofia ali ensinada. Manifestou, mais tarde,
opiniões contrárias à filosofia de Aristóteles. Recebeu o título de Master of Arts em 1658. Nesse período, leu os autores que o
influenciaram: John Owen (1616-1683) que pregava a tolerância religiosa, Descartes (1596-1650) que havia libertado a filosofia da
escolástica e Bacon (1561- 1626), de quem aproveitou o método de correção da mente, e a investigação experimental. Interessouse pelas experiências químicas do também físico Robert Boyle (1627-1691), que inovaram introduzindo o conceito de átomo e
elementos químicos. Foi um avanço em relação à alquimia que dominou durante a Idade Média e a concepção de Aristóteles dos
quatro elementos. Locke atuou nos campos de medicina, filosofia, política, teologia e anatomia.
A grande novidade da ciência nesse século foi a valorização técnica, ao privilegiar o método
experimental, mérito que coube a Galileu Galilei.
A crise da consciência europeia
No século XVII ocorreu uma revolução espiritual denominada crise da consciência europeia — ao opor à
ciência contemplativa um saber ativo, o indivíduo não mais se contentava saber por saber, como um
simples espectador da harmonia do mundo, mas desejava saber para transformar.
As transformações da ciência geraram descompasso em outros setores, e a ordem econômica também se
ressentiu. Embora prevalecessem o mercantilismo e o absolutismo, delineavam-se os anseios liberais na
política, na economia e na ética.
Nas questões de fé, o ideal de intolerância se contrapunha às lutas religiosas, continuando ativas as forças
que polarizavam, de um lado, a religião e a moral cristãs, e de outro as tendências à laicidade,
EDUCAÇÃO NO REALISMO
Educação religiosa
No século XVII, os esforços para institucionalizar a escola, iniciados no século anterior, aperfeiçoaram-se
com a legislação que contemplou tópicos referentes a obrigatoriedade, aos programa, níveis e métodos.
A Companhia de Jesus continuava atuando, mas outras congregações religiosas desenvolveram um
trabalho mais adequado ao espirito moderno, como é o caso da Congregação do Oratório, opositores
constantes do sistema jesuítico.
Educação pública
Embora a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) dificultasse a realização dos projetos de
educação pública, na Europa os alemães foram os que conseguiram melhor resultado.
Em 1642, o Duque de Gotha estabeleceu leis para a educação básica obrigatória, definindo os
graus, as horas de trabalho, os exames regulares, e a inspeção.
Figura 10 – Duque de Gotha
Academias
As academias do século XVI não eram escolas institucionalizadas, mas visam atender aos interesses da
nobreza na formação cavalheiresca de seus filhos. No século XVII, a procura por elas intensifica-se
justamente porque representavam a transmissão dos padrões conservadores no ensino — não mais
atendiam aos seus interesses — para uma formação mais realista.
Devido ao progresso e a decadências das universidades, surgiram as academias científicas, às quais os
cientistas se associavam para trocar experiências e publicações.
Filosofia moderna: racionalismo e empirismo
Há duas tendências opostas: a do racionalismo, que tem como seu principal representante Descartes e a
dos empiristas, representados por Bacon e Locke, entre outros. Essas orientações irão influenciar
fortemente a pedagogia, inclusive até os dias de hoje.
Descartes usou o recurso da dúvida metódica. Começou duvidando e tudo. Do senso comum, dos
argumentos de autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência etc. Só
interrompe as dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso — Penso logo existo.
Quanto a Bacon, valoriza a indução e insiste na necessidade da experiência, criticando o caráter estéril da
logica aristotélica, predominantemente dedutivista10.
Na mesma linha Locke, afirma que nada está no espírito que não tenha passado primeiro pelos sentidos.
Alias a palavra empirismo vem do grego empeiria, que significa experiência.
O realismo na pedagogia
Qual a influência das ideias racionalistas e empiristas na pedagogia? Ainda hoje quando um professor não
teoriza a respeito do processo do conhecimento, trabalha com pressupostos filosóficos em que pode
predominar uma ou outra tendência.
Ser realista — do latim res, coisa — significa privilegiar a experiência, as coisas do mundo e dar atenção
ao problema da época.
A pedagogia realista contrariava a educação antiga, excessivamente formal e teórica. Ao contrário
preferia o rigor das ciências da natureza, buscando superar a tendência literária e estética própria do
humanismo renascentista.
Locke — a formação do gentil-homem
No século XVII, o inglês John Locke exerceu influência muito grande nos séculos seguintes por causa as
concepções sobre o liberalismo e a teoria empirista do conhecimento.
Sua pedagogia realista recusa a retórica e os excessos da lógica, ressalta o estudo da história, geografia,
geometria e ciências naturais. Como médico valoriza a educação física.
Representante dos interesses burgueses valoriza o estudo da contabilidade e escrituração comercial, numa
preparação mais ampla para a vida prática.
Quanto às crianças acredita que o propósito deve ser o de submetê-las à vontade dos adultos e de tornarlhes o espírito dócil e obediente.
Para Locke, o objetivo da educação concentra-se no caráter, muito mais importante que a formação
apenas intelectual, embora esta não devesse absolutamente ser descartada. Propõe o desenvolvimento
físico, moral e intelectual, característico do gentil-homem.
Persistirá nos séculos seguintes um dualismo, ao se destinar à classe dominante uma formação diferente
da que é ministrada ao povo em geral e superior a ela.
Comênio – ensinar tudo a todos
A escola da Idade Moderna propunha-se a buscar um método que ensinasse de forma mais rápida e mais
segura. Esse foi o empenho de toda a vida de Comênio (1592-1670) — o pai da didática moderna.
Comênio pretenda tornar a aprendizagem eficaz e atraente mediante cuidadosa organização de tarefas. Ele
próprio se empenhava na elaboração de manuais — uma novidade para época.
O ponto de aprendizagem é sempre o conhecido, indo do simples para o complexo, do concreto para o
abstrato.
O ensino deveria ser feito pela ação e estar voltado para a ação. Além disso, é importante não ensinar
apenas o que tem valor para a escola, e sim o que serve para a vida. A utilidade de que trata Comênio faz
da pessoa um ser moral, por isso as escoas são oficinas de humanidade.
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A indução é o raciocínio que, após considerar um número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade geral. A
indução, ao contrário da dedução, parte da experiência sensível, dos dados particulares.
Comênio queria ensinar tudo a todos, só assim haveria progresso intelectual, moral e espiritual capaz de
aproximar o indivíduo de Deus.
Fénelon – a educação feminina
A perspectiva dessa educação não via a mulher como pessoa autônoma, mas como apêndice em um
mundo essencialmente masculino.
No Renascimento Erasmo já tinha aconselhado maior cuidado com a educação feminina. Comênio
também trata do assunto, mas foi o bispo Fénelon11 que o retomou.
Vivendo na Corte observava com atenção a superficialidade e a frivolidade das mulheres, geralmente
muito dedicadas a mexericos e ações tolas.
A formação intelectual da mulher, no entanto, não era absolutamente prioritária, por isso alguns cuidados
precisavam ser tomados.
Em suma, no século XVII a Europa ainda se debatia na contradição de uma visão aristocrata da nobreza
feudal diante de um mundo que se construía segundo valores burgueses.
Essa contradição se refletiu na educação — por um lado existia a aspiração a uma pedagogia realista e em
alguns casos, estendida a todos. Por outro, as escolas continuavam ministrando um ensino conservador,
predominantemente nas mãos dos jesuítas e de outras ordens religiosas.
O prevaleceu no século XVII foi a formação do gentleman. Na verdade esboçava-se na educação o
dualismo escolar, que irá se manifestar claramente no século seguinte — uma escola para a elite e outra
para o povo.
Entretanto, estava nascendo a escola tradicional, que vai consolidar-se no século XIX. Essa base aparece
em Comênio — com o método, a organização do conhecimento, o emprego do tempo de estudo, a noção
de programa, o cuidado com o material didático, a valorização do mestre como guia no processo de
aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE
Método – empirismo – didática
*
Graduada em Letras Português/Espanhol; pós-graduanda em Ensino de Língua Espanhola e Usos
de Novas Tecnologias
11
François Fénelon nasceu no dia 6 de agosto de 1651, foi um teólogo católico apostólico romano, poeta e escritor francês, cujas
ideias liberais sobre política e educação, esbarravam contra o "statu quo" da Igreja e do Estado dessa época. Pertenceu à
Academia Francesa de Letras. Faleceu no dia 7 de janeiro de 1715.
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