A Batalha de Aljubarrota
14 de Agosto de 1385
Contexto político: a crise de
1383/85
Como sabes, desde que Portugal foi fundado por
D. Afonso Henriques, o nosso País sempre esteve
envolvido em guerras com Castela.
Uma das épocas mais importantes desta longa
guerra foi o episódio da Crise de 1383/85. Sem rei para
governar Portugal, houve um momento complicado
que, depois de ultrapassado, deu início à segunda
dinastia de reis portugueses, a dinastia de Avis.
Mas comecemos do início...
O rei D. Fernando, estava há vários anos envolvido em pequenos
conflitos com Castela por considerar que tinha direito ao trono do país
vizinho,
por
ser
neto
de
Sancho
IV
de
Castela.
No entanto, a sorte nesta luta nunca esteve do seu lado, pelo que,
após algumas batalhas perdidas (em 1369 e em 1381), o rei assinou um
tratado de paz, que implicava o casamento de D. João I de Castela com a
sua única filha, D. Beatriz.
Mas neste tratado D. Fernando pôs também por escrito que o
casamento não deveria trazer problemas de sucessão do trono português.
Ele não queria que Portugal deixasse de ser independente.
D. Fernando morreu em 1383, no mesmo ano em que foi assinado o
tratado. Apesar de D. Beatriz não poder reinar e só um filho seu (homem)
com mais de 14 anos poder ser rei de Portugal, este facto veio trazer
problemas…
Enquanto o filho de D. Beatriz não subisse ao trono, a pessoa
responsável por reinar em Portugal seria a viúva de D. Fernando, D. Leonor
Teles.
Ela
seria
a
regente
do
reino.
A população já andava muito insatisfeita por problemas agrícolas e por
doenças como a peste. Por isso, quando D. Leonor Teles subiu ao poder,
todos ficaram ainda mais descontentes, pois perspetivava-se que o Reino de
Portugal podia vir a perder a sua independência.
É que D. Leonor tinha como conselheiro um galego, o Conde Andeiro, e
o povo tinha medo que ele viesse a favorecer o país vizinho (na altura,
Castela,
pois
a
Espanha
ainda
não
existia).
E o povo não se engana: D. Leonor Teles, com o Conde João Andeiro,
celebra com o rei D. João I de Castela o Tratado de Salvaterra de Magos, que
estabelece que a Coroa de Portugal passaria a pertencer aos descendentes
do Rei de Castela, D. João I, passando a capital do Reino para Toledo.
O Reino de Castela iria inevitavelmente dominar Portugal. A situação
que se cria provoca mal estar e não agrada à maioria da população
portuguesa.
Um grupo de nobres junta-se e decide matar o Conde Andeiro com a
ajuda de D. João, Mestre de Avis, filho bastardo de D. Pedro I (pai de D.
Fernando, o que tornava D. João irmão ilegítimo deste).
Após a morte do Conde, D. Leonor Teles foi obrigada a sair da cidade
de Lisboa, fugindo para Santarém. Depois, foi depois pedir ajuda aos reis de
Castela.
Temendo uma invasão do exército castelhano, o povo de Lisboa
reconhece o Mestre de Avis como "Regedor e Defensor do Reino" e a
burguesia apoia-o com dinheiro, de modo a pagar as despesas da guerra.
É claro que o rei de Castela não aceitou nada bem esta situação,
uma vez que os "seus direitos" sobre Portugal estavam a ser ameaçados.
Assim, decide invadir Portugal e ocupa a cidade de Santarém.
Para lutar contra esta invasão trava-se a Batalha dos Atoleiros, em
abril de 1384. D. Nuno Álvares Pereira lidera o exército português e
vence os castelhanos usando a famosa tática do quadrado que lhe voltou
a dar a vitória na Batalha de Aljubarrota.
Pouco tempo depois, em maio, o rei castelhano voltou à carga e
cercou a cidade de Lisboa. No entanto, o povo não se rendeu e o cerco
foi levantado quatro meses depois, devido à peste.
Após o regresso dos seus soldados, D. João de Castela preparou um
poderosíssimo exército para uma nova investida.
Perante esta situação, reuniram-se as cortes em Coimbra (marçoabril de 1385), onde se proclamou o Mestre de Avis Rei de Portugal.
Ao tomar conhecimento desta decisão, o rei de Castela invadiu de
novo Portugal, em 8 de julho de 1385, por Almeida, com um numeroso
exército de 40.000 homens, seguindo depois por Trancoso, Celorico
da Beira, Coimbra, Soure e Leiria.
O exército português, comandado por Nuno Álvares Pereira,
tinha-se colocado em posição de combate. A Batalha tinha-se tornado
praticamente inevitável.
O desenrolar da Batalha
No dia 14 de agosto, logo pela manhã, o exército de D. João I ocupa uma
posição fortíssima no terreno, escolhido na véspera por Nuno Álvares Pereira,
que decidira não esperar em Lisboa pelos castelhanos e encontrar-se com eles a
caminho de Leiria. D. Nuno preparou o terreno, aproveitando pequenas
elevações do terreno, onde colocaria arqueiros e besteiros. Mandou cavar fossos
(chamados covas-de-lobo) disfarçados com folhas, para que os cavaleiros
castelhanos lá caíssem.
No final da manhã chegam os castelhanos, que circulam pela estrada
romana. Evitam o choque com os portugueses, uma vez que isso implicaria a
subida de um terreno em condições extremamente desfavoráveis. Preferem
tornear a forte posição portuguesa pelo lado do mar, até estacionarem na ampla
esplanada de Chão da Feira.
O exército português constituído por aproximadamente 7000 homens
de armas (cerca de 1700 lanças, 800 besteiros e 4000 peões), move-se
então uns dois quilómetros para Sul e inverte a sua posição de batalha
para ficar de frente para o inimigo, muito mais numeroso: 5000 lanças,
2000 cavalos, 8000 besteiros e 15 000 peões, num total de 30 000 homens,
com 700 carroças, milhares de animais carregando mantimentos e
munições, 8000 cabeças de gado e muitos pajens e outra gente de
serventia!
D. Nuno Álvares Pereira organizou o pequeno exército. Os besteiros e
arqueiros a pé formavam filas para derrubar os inimigos. Havia também
cavaleiros ingleses a ajudar o exército português. Depois, dispôs as suas
forças em três alas, sendo que uma delas (maior) ficava de reserva à
retaguarda, comandada por D. João Mestre de Avis.
À frente uma grande linha de soldados comandada pelo Condestável
(D. Nuno) enfrentava de frente os castelhanos, dando-lhes a sensação de
que estavam em vantagem.
A ala esquerda era a célebre ala dos namorados, que enfrentou
bravamente os castelhanos, e a ala direita era conhecida por ala da
madressilva, que, enquanto a primeira lutava, fazia chover flechas sobre o
exército inimigo.
Esta tática militar, que ficou conhecida como a "tática do quadrado", foi o
segredo para a derrota dos castelhanos. Apesar da batalha sangrenta, as
maiores perdas foram do exército castelhano que foi cercado de surpresa
pelas tropas portuguesas.
Passava das 18 horas quando se deu o assalto castelhano à posição
portuguesa. Uma vez iniciada a batalha, é então possível referir os cinco
principais momentos do combate:
1º- a impetuosa vanguarda do rei de Castela (na sua
maior parte constituída por tropas auxiliares francesas)
inicia o ataque, provavelmente a cavalo, sendo rechaçada
nas obras de fortificação antecipadamente preparadas
pela hoste de D. João I, obras essas que constituíram uma
surpresa absoluta para os seus arrogantes adversários. Para
prosseguir o combate, os franceses são obrigados a
desmontar (aqueles que o conseguem fazer) na frente do
inimigo e, por isso, em posição absolutamente crítica.
2º- ao saber do desbarato da sua linha da frente, D. João I de Castela
decide mandar avançar o resto do exército, maioritariamente também a
cavalo. Ao aproximarem-se da posição portuguesa, apercebem-se de que contrariamente ao que supunham - o combate está a/ tem de ser travado a pé,
dadas as características do sistema de entrincheiramento defensivo gizado pela
hoste portuguesa. Por isso, os cavaleiros castelhanos desmontam cedo e
percorrem a pé o que lhes falta (escassas centenas de metros) até
alcançarem os adversários. Ao mesmo tempo, cortam as suas compridas
lanças, para melhor se movimentarem no corpo-a-corpo que se avizinha;
3º- entretanto, os homens de armas de D. João I de Castela vão
sendo crivados de flechas e de virotões lançados respectivamente
pelos arqueiros ingleses e pela “ala dos namorados” portuguesa, o
que, juntamente com o progressivo estreitamento da frente de batalha
(devido aos abatises, às covas de lobo e aos fossos) os entorpece,
embaraça e torna "ficadiços" (de acordo com Fernão Lopes) e os
aglutina de maneira desordenada na parte central do planalto - tais
foram, porventura, os minutos mais decisivos da jornada;
4º - quanto às alas castelhanas, essas permanecem montadas,
destinadas que estavam - como era tradicional na época - a cercar a cavalo
a posição portuguesa, coisa que, devido à estreiteza do planalto, apenas a
ala direita (chefiada pelo Mestre de Alcántara ) terá conseguido, e mesmo
assim numa fase já tardia da refrega;
5º- o pânico apodera-se do exército castelhano, quando dentro do
quadrado português, a bandeira do monarca castelhano é derrubada.
Os castelhanos precipitam-se então numa fuga desorganizada. Seguese uma curta, mas devastadora perseguição portuguesa, interrompida
pelo cair da noite. D. João de Castela põe-se em fuga, em cima de um
cavalo, juntamente com algumas centenas de cavaleiros castelhanos.
Percorre nessa noite perto de meia centena de quilómetros, até alcançar
Santarém, exausto e desesperado. Até à manhã do dia seguinte, milhares
de castelhanos em fuga são chacinados por populares nas imediações do
campo de batalha e nas aldeias vizinhas.
O restante das forças franco-castelhanas saem de Portugal, parte
passando por Santarém e depois por Badajóz e a outra parte, através da
Beira, por onde tinham entrado.
No campo de batalha, as baixas portuguesas foram cerca de 1000
mortos, enquanto no exército castelhano se situaram em aproximadamente
4000 mortos e 5000 prisioneiros. Fora do campo da batalha, terão sido
mortos nos dias seguintes pela população portuguesa, cerca de 5000
homens de armas, em fuga, do exército castelhano. Devido ao significado
político da Batalha e aos seus numerosos nobres e homens de armas que
aí morreram, Castela permaneceu em luto por um período de dois anos.
Consequências da Batalha de Aljubarrota
 Para a Europa, a Batalha de Aljubarrota constituiu uma das batalhas
mais importantes ocorridas em toda a época medieval.
 Para Portugal, esta batalha, ocorrida no planalto de S. Jorge no dia 14 de
agosto de 1385, constituiu um dos acontecimentos mais decisivos da sua
História. Sem ela, o pequeno reino português teria, muito
provavelmente, sido absorvido para sempre pelo seu poderoso vizinho
castelhano. Sem o seu contributo, o orgulho que temos numa história
largamente centenária, configurando o estado português como uma das
mais vetustas e homogéneas criações políticas do espaço europeu, não
seria hoje possível.
 A vitória portuguesa em Aljubarrota permitiu também a preparação
daquela que seria a época mais brilhante da história nacional - a época
dos Descobrimentos - que, de outra forma, pura e simplesmente não
teria ocorrido.
 A Batalha de Aljubarrota proporcionou definitivamente a consolidação
da identidade nacional, que até então se encontrava apenas em
formação, e permitiu ás gerações futuras portuguesas a possibilidade
de se afirmarem como nação livre e independente.
Depois da Batalha…
Finalmente, o rei de Castela desiste de invadir Portugal e assina-se
um tratado de amizade com a Inglaterra (cujos soldados ajudaram na
Batalha de Aljubarrota) onde os dois países prometem ajudar-se
mutuamente.
Este acordo foi reforçado com o casamento de D. João I com D. Filipa
de Lencastre (originalmente, Lancaster).
Já ouviste falar da "Ínclita Geração"? São todos os famosos filhos do
casal: D. Duarte, D. Pedro, o Infante D. Henrique, D. Isabel, D. João, D.
Fernando.
As figuras da Batalha
D. Nuno Álvares Pereira
Nuno Álvares Pereira é um dos cavaleiros portugueses
mais conhecidos da nossa história, não só pela sua bravura,
mas por toda a história da sua vida.
Filho de uma família fidalga, Nuno Álvares Pereira
nasceu a 24 de Julho de 1360 e tinha pouco mais de 20 anos
quando se deram as suas grandes aventuras contra os
exércitos castelhanos.
Com apenas 13 anos entrou para a corte do rei D.
Fernando, sendo então escolhido para ser escudeiro da
rainha D. Leonor Teles ao mesmo tempo que aprendia tudo
sobre a guerra e as armas com um tio. Pouco tempo depois
foi armado cavaleiro.
Casou-se por conveniência dos pais com 16 anos, em
1376, com D. Leonor de Alvim. Também esta situação era
muito comum na época.
Durante a crise de 1383, provocada pela morte
de D. Fernando, colocou-se ao lado do Mestre de
Avis, que parecia mais preocupado em defender os
interesses de Portugal do que D.Leonor Teles, a
regente do reino.
D. João, Mestre de Avis, chamou-o para o
conselho do governo e mais tarde, durante as
cortes de Coimbra, nomeou-o Condestável do
Reino, um cargo criado pelo rei D. Fernando.
Entre 1383 e 1385 liderou o exército português
a várias vitórias, sendo as mais conhecidas as da
Batalha de Aljubarrota e da Batalha dos Atoleiros,
onde usou a técnica do quadrado. Esta técnica
baseou-se numa estratégia militar que Nuno
Álvares Pereira tinha descoberto há pouco tempo
num livro e que fora usada por Alexandre Magno,
embora com exércitos maiores.
Em 1388 iniciou a edificação da
capela de São Jorge de Aljubarrota e,
em 1389, a do convento do Carmo, em
Lisboa, onde se instalaram os frades da
ordem do Carmo, no ano de 1397.
Tornou-se rico e poderoso, mas
soube dividir com os seus companheiros
de armas grande parte das terras que
lhe foram doadas. No fim da vida, teve o
cuidado de repartir também pelos netos
os seus domínios e títulos.
A sua vida de soldado não acabou
com a crise de 1383/85. Ainda participou
na conquista de Ceuta, em 1415, onde
mostrou novamente o seu grande valor.
Nunca perdeu uma batalha que
fosse liderada por si. Conta-se que a
sua espada, que tinha o nome de Maria
gravado, lhe dava a devida protecção.
Nuno Álvares Pereira acabou a sua vida
ligado à Igreja. Depois de se tornar viúvo entrou
para o Mosteiro do Carmo em 1423, por ele
fundado, mudando o nome para frade Nuno de
Santa Maria. Por ter dedicado os seus últimos
dias à Igreja e a ajudar os mais pobres, depois
da sua morte, em 1431, o povo começou a
chamá-lo de Santo Condestável.
Este título nunca foi verdadeiro, mas ficou
perto com a sua beatificação em 1918.
Uma das filhas de Nuno Álvares Pereira
casou com D. Afonso, um dos filhos de D. João
I, dando início à Casa de Bragança, uma família
que reinou em Portugal e da qual é
descendente D. Duarte de Bragança.
Em abril de 2009, D. Nuno Álvares Pereira
foi canonizado pelo Papa Bento XVI.
A Padeira de Aljubarrota
A Padeira de Aljubarrota é uma das
personagens mais curiosas ligadas à famosa
Batalha de Aljubarrota.
Não se pode afirmar com certeza que esta
pessoa tenha existido, nem sequer que a
história que se conta acerca dela seja verdade.
Uma coisa é certa: existiu alguém, de nome
Brites de Almeida, que foi padeira naquela terra.
E parece que era tão corajosa como a da lenda.
Vamos contar-te o que se sabe dessa
mulher.
«Chamava-se Brites de Almeida e era tão feia e tão
matulona que chegou a fazer-se passar por homem. Na
verdade, as profissões que teve pela vida fora foram
quase todas masculinas, já que, logo em criança, repudiou
a sua condição de mulher.
Parece que nasceu em Faro. Os pais eram gente
muito pobre e humilde que vivia de uma pequena taberna.
Desde miúda, Brite revelou-se corpulenta e viva. Era
ossuda e muito feia, com os seus cabelos crespos, o nariz
adunco e uma boca excessivamente rasgada.
Os pais exultaram com o seu nascimento, porque o aspecto forte da
criança os levou a crer que tinham ali uma rapariga de trabalho, tanto mais
que trazia seis dedos em cada mão.
Mas os pobres enganaram-se! Brites mostrou-se logo na infância
desordeira e destemida, preferindo mil vezes andar à pancada com a
miudagem e vagabundear pelas redondezas do que ajudar os pobres pais
a mudar as pipas e a servir canecas de vinho aos clientes.
Enfim, amargurou-lhes a vida!
Teria uns vinte e seis anos quando ficou órfã. Isso não a ralou
grande coisa, porque lhe deu a possibilidade de ser senhora absoluta
de si, sem recriminações.
Vendeu, então, os parcos bens que lhe tinham ficado dos pais, que
incluíam uma casita em Loulé, comprou gado e partiu.
Andou de vila em vila, de feira em feira. Pelos caminhos conviveu com toda
a casta de vagabundos, desde almocreves e soldados a frades e pedintes.
Quando calhava dormia a céu aberto, comia pão com azeitonas. Adestravase no manejo das armas, aprendeu a esgrimir e a utilizar o pau; meteu-se em
bulhas e nunca deixou sem resposta uma provocação.
De tudo isto resultou uma larga fama de valentaça.
Apesar disso, certo soldado alentejano, atraído pela fama de Brites, que
corria já todo o Sul do País, procurou-a e propôs-lhe casamento. Ela porém,
que não estava nada interessada em perder a sua adorada independência e
que não era lá muito inclinada a sentimentalismos, tanto ouviu
que acabou por anuir com uma condição: lutarem antes
do casamento!
E a briga foi de tal ordem que o soldado acabou
estirado no chão, ferido de morte. Ao ver o estado em que
pusera o «noivo», Brites montou a primeira mula que achou
à mão e fugiu com medo da justiça.
Dirigiu-se a Faro e daí embarcou para Espanha. Não chegou contudo, ao
reino vizinho, porque o barco em que seguia foi abordado por piratas
mouros, que a levaram para a Mauritânia, onde foi vendida como escrava.
Adquiriu-a um senhor que já tinha dois outros escravos portugueses e
Brites não descansou enquanto não achou meio de fugir.
Para isso combinaram todos três matar o seu senhor e, na primeira
oportunidade, cravaram-lhe uma adaga no peito e fugiram. Embarcaram
com destino a Portugal, mas a viagem foi difícil: um enorme temporal
encapelou o mar e enovelou o vento. O barco rolou ao deus-dará dias e
dias, sem timoneiro que lhe valesse, velas rotas, mastro quebrado. Por fim,
por um acaso, deu à costa, na Ericeira.
Brites, que se julgava procurada pela justiça real ainda por causa da
luta com o soldado alentejano, enfrentando a sua necessidade de
sobrevivência, vestiu-se de homem e cortou os cabelos.
A corpulência e aspecto masculino, proporcionaram-lhe a oportunidade
de exercer o ofício de almocreve, ofício que bem conhecia dos seus
tempos de vanguarda, ofício que lhe possibilitava a combinação de um
modus vivendi que lhe agradava de sobremaneira.
Assim, enquanto lhe apeteceu e agradou, viveu a vida agitada e
desbragada a que se habituara nas terras do sul.
Um dia, porém, farta daquele
ofício e da terra, partiu. Passava
por Aljubarrota quando ouviu dizer
na taberna que a padeira da terra
necessitava de ajudante. Aceitou o
lugar e, tempos depois, acabou
sendo dona do negócio, por morte
da patroa. Diz-se que por ali se
fixou até ao fim dos seus dias,
acabando casada com um honesto
lavrador – certamente da sua
força, que de outro modo não
podia ser.
Em Aljubarrota era conhecida
como a Brites Pesqueira,
provavelmente por se saber que
da Ericeira chegara.
Em Aljubarrota amanheceu o dia 14 de Agosto de 1385.
Até ela chegavam os clamores da batalha, o ruído do
terçar das armas, os gritos surdos dos moribundos e os
relinchos dos cavalos enlouquecidos pelo cheiro do sangue
e pelo barulho da refrega. Não pôde resistir. Pegou na
primeira arma que achou, esquecida no solo por um fugitivo,
e juntou-se à hoste dos portugueses que tentava expulsar o
invasor.
Derrotados os castelhanos, voltou para casa cansada,
coberta de farrapos manchados, mais desgrenhada que
nunca mas com uma intensa sensação de leveza. Mal
entrou pressentiu que qualquer coisa de anormal se passava
e logo desconfiou ter-se ali escondido algum fugitivo
castelhano.
Intrigou-a a porta do forno fechada e correu a abri-la.
Espantada, achou lá dentro sete castelhanos, apavorados.
Intimidou-os a sair, mas como, a coberto do pânico, os
homens fingissem dormir, Brites pegou na pá do seu ofício e
tanto chuçou para dentro que os desgraçados não resistiram
aos golpes e morreram.
Depois disto, numa excitação colectiva, provocada por
um exacerbado nacionalismo e pelas circunstâncias de
guerra aberta que se vivera nesse dia, Brites tomou o
comando de um grupo de mulheres da povoação e partiu à
cata dos foragidos, que se sabia estarem escondidos pela
região, perseguindo-os sem quartel.
Diz a lenda que o resto da vida de Brites de Almeida foi
calma e harmoniosa, casada com o seu lavrador.
Contudo, o feito daquele dia nunca mais
se apagou da memória dos Portugueses e,
apesar da barbárie do acto em si, acabou
por tornar-se como que um símbolo da
independência do Reino.
Durante anos, a pá, que a tradição
conta ser ainda a mesma, foi
religiosamente guardada como bandeira de
Aljubarrota.
Quando sob o domínio espanhol dos
Filipes, foi escondida dentro de uma
parede, donde só foi retirada depois da
aclamação de D. João IV, em 1640.
Durante séculos, no dia 14 de Agosto,
nas comemorações da batalha, aquela pá
era levada em procissão e nunca passou
nenhuma personalidade nacional em
Aljubarrota que lhe não fosse mostrado
aquele famigerado instrumento.
In Lendas Portuguesas, Investigação, Recolha e textos de Fernanda Frazão
Amigos do Livro, Editores, LDA.
Mosteiro da Batalha
Considerado Património Mundial pela UNESCO, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, também
conhecido como Mosteiro da Batalha, é uma obra-prima da arte gótica e manuelina em Portugal e no
mundo. Situado no distrito de Leiria, foi edificado na sequência de uma promessa feita por D. João I à
Virgem Maria caso Portugal vencesse Espanha na Batalha de Aljubarrota (14 de Agosto de 1385).
A obra iniciou-se em 1388, estando a cargo do arquitecto português Mestre Afonso Domingues.
Durante os vários anos que levou a ser construído (cerca de século e meio), o mosteiro sofreu
influências de vários mestres e, por isso, de diferentes estilos (com destaque para os estilos
manuelino e gótico flamejante).
Logo à entrada, o portal principal reveste-se de inúmeras esculturas alusivas a figuras bíblicas:
apóstolos, profetas, anjos e Jesus Cristo rodeado pelos quatro evangelistas. No interior, a construção
é composta por Igreja, Capela do Fundador, Claustro Real, Sala do Capítulo, Claustro de D. Afonso V,
Capelas Imperfeitas e Lavabo dos Monjes.
A Capela do Fundador foi construída em 1426 pelo mestre irlandês Huguet, que introduziu a
decoração do gótico flamejante. Aí se encontram os túmulos de D. João I, D. Filipa de Lencastre e
dos filhos de ambos. Os vitrais das janelas góticas representam as cenas religiosas da Visitação,
Adoração dos Magos, Fuga para o Egipto e Ressurreição de Cristo. As capelas laterais têm altares de
diversos séculos, assim como alguns túmulos medievais.
O Claustro Real é da autoria dos mestres Afonso Domingues e Huguet. Como tal, é uma mistura
dos estilos gótico e manuelino. Mais tarde, já no século XV, foram-lhe adicionados elementos
decorativos que incluem, entre outros motivos, cordas, esferas armilares, flores de lis, cruzes de
Cristo e conchas.
Também da autoria do Mestre Afonso Domingues é a Sala do Capítulo. Na sala, de destacar uma
abóboda sem nenhum suporte além das paredes e uma janela com vitrais do século XVI a
representarem cenas da Paixão de Cristo.
Por sua vez, o Claustro de D. Afonso V integra os túmulos de D. Duarte e de D. Leonor. Não
apresenta decoração, apenas se destacando os capitéis e o luxuoso portal manuelino da autoria de
Mateus Fernandes. O claustro apresenta sinais de não estar concluído.
As Capelas Imperfeitas, de rara beleza, com milhares de esculturas incrustadas, constituem o
exemplo mais forte da arte manuelina. Foram mandadas construir por Dom Duarte que aí pretendia
fazer um Panteão, mas não chegaram a ser concluídas.
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A Batalha de Aljubarrota - Outro valor mais alto