PESQUISA
“Violência de gênero: o que pensam os
nossos jovens”
Redação e Análise
Laura Santonieri
Colaboração
Lena Franco
Silvani Arruda
Equipe Responsável
José Roberto Simonetti
Osmar de Paula Leite
Sylvia Cavasin
Vera Simonetti
São Paulo, outubro de 2004
Rua Araújo, 124 - 2º Andar - Vila Buarque - 01220-020 - São Paulo - SP - Brasil
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PESQUISA VIOLÊNCIA
“Violência de gênero: o que pensam os nossos jovens”
Introdução
Esta pesquisa foi realizada a partir de amostra de redações coletadas pela
ECOS – Estudos e Comunicação em Sexualidade, no de 2002. Ela foi um
desdobramento do projeto “Trabalhando com adolescentes: drogas e aids”1,
dirigido a adolescentes de escolas públicas da região metropolitana de São
Paulo..
Uma das etapas do projeto foi discutir o tema violência. Como na ocasião
estava sendo lançada no Brasil a Campanha do Laço Branco,2 aproveitamos a
oportunidade para divulgar a campanha entre os alunos participantes do projeto e
levá-los a refletir sobre o tema.
Para isso, foi solicitado que os alunos, do sexo masculino, de 33 escolas
públicas da Vila Brasilândia3, periferia de São Paulo, escrevessem redações sobre
a violência contra a mulher. Os professores foram orientados a lançar duas
questões de reflexão – “O que os garotos gostariam de dizer aos homens que
praticam violência contra a mulher” e “Por que acontecem atos de violência contra
a mulher”. Eles também podiam contar uma situação de violência que
testemunharam ou alguma história de que ouviram falar.
O material que nos serve de substrato é muito rico. São opiniões e idéias
expressadas diretamente por jovens e adolescentes da periferia de São Paulo,
sem intermediários. A relativa espontaneidade das falas permite identificar e
analisar a concepção que têm sobre a violência e a violência de gênero – o que é
violência para eles, como a identificam e a caracterizam? Interessante é que o
trabalho possibilitou também iluminar as noções que eles possuem sobre direitos
de uma forma geral.
1
Projeto apoiado pela CN-DST/AIDS e UNESCO (2002).
Campanha que tem por objetivo incitar a reflexão dos homens sobre a questão da violência de gênero.
3
Vila Brasilândia – é considerada uma zona de alta exclusão social. Cepid – Fapesp/CEM – Cebrap – Jornal
Folha de São Paulo, Caderno Especial 3 – 09/03/2004.
2
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Importante frisar que a análise do contexto social em que esses homens
jovens estão inseridos é parte crucial deste trabalho. Não basta identificar o que
tomam por violência, mas é preciso ir além e compreender como ela se
estabelece, se reproduz e se perpetua. As opiniões dos homens jovens, aliadas à
análise do contexto, revelam com mais clareza os aspectos do mundo em que
vivem, e fornecem as pistas para a busca de soluções.
A análise das redações revelou uma dura realidade. Ilustra a situação de
exclusão quase que completa em que vivem os jovens das classes sociais mais
baixas. Dois aspectos principais poderiam ser destacados. O primeiro diz respeito
ao nível educacional. Apesar de cursarem o nível médio, quase todos têm muita
dificuldade para escrever, fato que atrapalha a compreensão de suas redações em
casos mais extremos - palavras são escritas de maneira errada, os significados de
muitas são confundidos, e em diversos casos há uma ausência quase que
completa de pontuação. Sabemos que a educação formal e informal ainda é a
principal via de construção da cidadania e autonomia dos indivíduos,
proporcionando desenvolvimento social, político e econômico da sociedade. É
exatamente por esse motivo que apontamos essa questão: para enfatizar que a
educação pública no Brasil ainda é um grande problema, e deixa muito a desejar.
O segundo aspecto a ser destacado é a situação de marginalização e
exclusão desses jovens, que explicitam em seus relatos um cotidiano de pobreza
marcado pelo esfacelamento das relações familiares, falta de emprego e ausência
do Estado. Uma realidade em que a naturalização e a banalização generalizada
da violência influencia o comportamento e a mentalidade dos indivíduos. A
violência de gênero é apenas mais uma expressão desses fenômenos – talvez o
mais cruel, porque aceito e legitimado pelo o que poderíamos chamar de uma
‘ideologia machista’.
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Metodologia
Nossa análise é focada nas redações de jovens do sexo masculino, entre
15 e 21 anos, cursando o ensino médio. Foram coletadas 763 redações nas
escolas, e dessas selecionamos 500 para análise. Num segundo momento, foi
realizada a leitura das redações para a construção das categorias de análise.
Nessa etapa, todas as respostas apresentadas pelos alunos eram sinteticamente
anotadas, objetivando identificar em cada uma qual o principal motivo apontado
para a ocorrência da violência de gênero. Em seguida, fomos classificando e
unindo as respostas parecidas, até construir as categorias de análise, divididas em
cinco grandes blocos4:
1) Atitudes das mulheres que causam violência:
a) Roupas insinuantes/a mulher não se valoriza/a mulher é sem
vergonha;
b) A mulher provoca;
c) A mulher gosta de apanhar/sofrer;
d) Má escolha do parceiro;
e) Falta de denúncia/precisa denunciar;
f) Traição;
2) Atitudes dos homens que causam violência:
a) Machismo;
b) Não aceita quando chega em casa e comida não está pronta/mulher
na vizinha;
c) Covardia;
d) Ignorância;
e) Ciúme;
f) Álcool;
g) Drogas.
4
Nota-se que nosso objetivo foi uma análise qualitativa e não quantitativa, por isso mesmo as categorias são
muitas. Desejamos dar expressão às múltiplas respostas e não apenas categorizá-las, agrupá-las e
contabilizá-las.
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3) Causas sociais que causam violência:
a) Preconceito contra a mulher/discriminação;
b) Mulher é sexo frágil/fragilidade feminina;
c) Independência feminina/mudanças no papel da mulher;
d) Falta de policiamento/impunidade/falta de segurança;
e) Desemprego/falta de dinheiro;
f) Perda dos costumes/valores;
g) Questão de educação/cultura.
4) Atitudes que poderiam ser tomadas para solucionar o problema da
violência:
a) Diálogo como solução/falta de diálogo como problema;
b) Direitos.
5) Concepções que os jovens possuem sobre a violência:
a) Violência física;
b) Violência psicológica/verbal/ameaça;
c) Violência sexual/estupro;
d) Assédio sexual.
Vemos que os quatro primeiros blocos dizem respeito somente às
possibilidades de respostas que os jovens poderiam dar acerca das razões sobre
a causa da violência - com isso pudemos também estudar a postura deles com
relação ao fenômeno. O quinto bloco já faz parte da análise sobre as concepções
de violência manifestadas por eles. Assim, enquanto os quatro primeiros blocos
englobam as respostas por eles dadas, o último foi elaborado a partir das
diferentes concepções que surgiram sobre o que é violência.
Depois demos início à análise do conteúdo, tendo por base o texto/redação
dos alunos como nossa unidade de trabalho. Vale destacar, que as respostas
dadas foram classificadas não somente quando foram usadas as palavras
categorizadas, mas também quando havia uma alusão a elas. Por exemplo:
muitas vezes a resposta do aluno para a razão da violência foi a descrição das
atitudes/situações que o conceito de machismo implica, mostrando uma situação
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sem usar a palavra explicitamente. Assim, quando se considerava a causa da
violência o fato de que “o homem se pensa superior”, “manda e desmanda na
mulher”, “não a deixa sair de casa”, “nem se relacionar com outras
pessoas/familiares”
e
etc.,
incluímos
como
uma
resposta
na
categoria
“Machismo”.5
Um outro exemplo é o da categoria “traição”. A violência é apontada como
resultante de conflitos motivados pela situação da mulher trabalhar fora. O que fica
subentendido, porém, é que a violência acontece por medo ou suspeita de
infidelidade. Nesse sentido, a traição como uma causa da violência não é
explicitada.
Ao criarmos a categoria “direitos”, computamos as redações de rapazes
que demonstraram possuir alguma noção sobre o assunto, no sentido de
considerar que homens e mulheres são iguais perante a lei, que a delegacia de
mulher é uma conquista/direito da mulher, e que a denúncia pode ser um caminho
para combater a violência porque garante o direito dela à integridade física, ao
livre arbítrio e à autonomia como cidadã. Contudo, como veremos adiante, muitas
vezes a denúncia aparece como uma forma de resolver a situação de violência,
mas nem sempre essa idéia vem acompanhada de uma noção sobre direitos no
sentido que atribuímos acima.
5
Um dado importante que não poderia ficar de fora é que, embora muitos acusassem a postura machista dos
homens como causa da violência, isso não implicou que eles próprios não o fossem. Assim, existiram muitos
casos de redações em que indicavam, por exemplo, o ciúme como causa da violência, terminando com uma
frase do tipo ‘mas se eu pegar a minha namorada com outro eu mato’.
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RESULTADOS DAS ANÁLISES
Violência
Quando pensamos no fenômeno da violência6, devemos compreender
como ela se estrutura no tecido social. Devemos lembrar da questão do poder7 e
da dominação como uma conseqüência da tensão e do conflito gerados pelos
fatores de diferença8. Partindo dessa lógica de tensão e conflito presentes na base
da vida social, a violência pode ser vista como expressão da negociação daqueles
que são/estão desprovidos de cidadania9: “A ausência de um sistema de
reciprocidade, minimamente eficaz, se expressa em uma desigualdade associada
e produtora de violência. A impossibilidade de acesso da grande maioria das
camadas populares a bens e valores largamente publicizados através da mídia e
da cultura de massas em geral, acirra a tensão e o ódio sociais”.10 Interessante
notar que alguns jovens possuem noção de que a situação de exclusão a que
estão submetidos é uma violência, ou seja, que sofrem uma violência por não ter
os seus direitos básicos garantidos pelo Estado: “Outra coisa que não deixa de ser
uma violência é um pai de família trabalhar a vida toda e quando se aposenta
ganha um pouco mais que um salário mínimo, ou uma pessoa chegar num
hospital público e ficar horas numa fila e receber um atendimento que nem sempre
é de qualidade.” (Nº 626)11
A desigualdade social produz conflito, tenciona as relações e gera violência
- no caso, esta emerge como um recurso para negociar e resolver conflitos. Dessa
forma, a violência como negociação foi, aos poucos, admitida pela estrutura social,
ajudando na constituição de uma nova ordem estabelecida (já que a cultura é
6
Neste trabalho estamos operando com a noção ampla de violência: a física, a psicológica e a sexual.
“Poder” é utilizado aqui no sentido de um indivíduo impor a outro a sua vontade ou desejo, não só por meio
da força física mas também por meio da possibilidade de usá-la (VELHO 1996). Importante perceber,
portanto, a estreita relação do poder com a violência.
8
“(...)A diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito.” (VELHO
1996:10)
9
“Uma das diferenças associadas diretamente à produção de tensão e conflito é a desigualdade social (...)”
(VELHO 1996:13).
10
VELHO, Gilberto Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica in VELHO
Gilberto e ALVITO Marcos (Orgs) Cidadania e Violência Rio de janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996. Pp19.
11
Essa numeração corresponde ao número atribuído à redação coletada (total de 763 redações).
7
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dinâmica, incorporando novos significados, modificando os existentes) e
influenciando as ações e a maneira de pensar dos indivíduos. “Neste sentido,
tanto quanto a norma, a violência, como forma ou resultado da sua transgressão,
constitui também ela uma linguagem, através do qual uma sociedade nos fala de
seu modo de organização, dos valores que reputa fundamentais, da sua
concepção sobre o mundo, a natureza e o sobrenatural, e do lugar que nela ocupa
a vida humana, como princípios ordenadores da vida associada”12. Ou seja: por
mais que a violência nos pareça simplesmente uma transgressão das regras ou
uma forma de resistência a uma ordem social estabelecida, ela na verdade
fundamenta essa ordem, contribuindo para a organização da sociedade na medida
em que regula a relação entre os indivíduos.
“Seguindo esse raciocínio, se considerarmos uma população de baixa
renda como a nossa, submetida a uma série de violências individuais e coletivas,
que vão desde a privação de bens materiais, culturais e sociais até o
enfrentamento e a banalização das condutas violentas, teremos um campo
absolutamente propício para o exercício de todo o tipo de violência em que
homens agridem e matam outros homens, homens agridem suas mulheres,
mulheres agridem seus filhos, que por sua vez serão futuros agressores”.13 A
percepção da violência como um fenômeno intergeracional14 não escapa a uma
parcela de jovens que identificam problemas com a educação como a principal
causa da violência: “A violência (...) vem do berço porque quando uma criança
presencia uma violência verbal ou mesmo agressão física ela inconscientemente
ela fica com isso na cabeça e quando cresce utiliza essa violência mesmo sem ter
noção que está praticando uma violência...” (Nº 240); “(...) porque os filhos
crescem revoltados com o pai que agride a mulher na frente dos filhos. E isso faz
com que cresça um forte ódio pelo pai que agride e isso é um dos pontos que
geram a violência no mundo”. (Nº 490) Esse aluno possui a visão de que os filhos
12
MONTES, Maria Lúcia Aparecida Violência, cultura popular e organizações comunitárias in VELHO
Gilberto e ALVITO Marcos (Orgs) Cidadania e Violência Rio de janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996. Pp225.
13
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP,
Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002. Pp. 51.
14
“A exposição de crianças à violência intrafamiliar é responsável pelo chamado ‘ciclo da violência
intergeracional’, que corresponde à reprodução da violência, seja na posição de vítima ou de agressor, tanto
no âmbito da família como da sociedade” (MUSZKAT 2002: 50).
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que vêem os pais agredindo as suas mães durante a infância crescem revoltados
e essa é uma forma de tornar as pessoas violentas. A violência é portanto, uma
reprodução social que se dá no âmbito da cultura, da família e dos indivíduos.
A partir desse ponto de vista, foi possível compreender e identificar um
processo de naturalização da violência. Isso ficou bastante claro nos relatos de
muitos jovens que manifestaram o desejo de ser violento com quem pratica
violência, ou seja, agir com um agressor da mesma forma que este último com sua
vítima – principalmente como uma forma de punição. Essa idéia esteve presente
em muitas redações. O linchar e espancar emerge como parte constitutiva do
universo desses jovens. Vejamos alguns exemplos: “Depende da violência tem
que fazer o mesmo com ele. E eu não falava nada. Ajuntava muitas pessoas e
espancava ele”. (Nº 155) Em outra redação, o jovem relata o caso de uma amiga
muito querida que sofria abuso sexual pelo tio. Ele tem a seguinte reação:
“(...)fiquei super irritado e contei para todo mundo na rua nós da rua pegamos o
safado linchamos e chamamos a polícia (...) quando ele retornou a rua nós
falamos ‘você tem 24h para sair da rua e se acontecer algo a ‘X’ você morre’ mas
nem precisou isso tudo ele foi embora...” (Nº 132)
Percebemos que a violência é uma forma de resolver uma situação de
conflito, totalmente legítima na perspectiva deles, como em outro caso15 em que o
jovem bate num agressor e declaradamente se diz ativo no combate à violência
contra a mulher. Portanto, não é errado constatar que a violência não só está
presente na vida dos indivíduos, como é mobilizada de forma legítima em
determinados casos. Nesse sentido é possível identificá-la como um fenômeno
“natural” ou até mesmo banal16 aos olhos da grande maioria dos jovens com quem
trabalhamos.
Entretanto, isso não significa ausência de nuances com relação à
concepção do que seja violência. Vejamos o caso de algumas redações, como por
exemplo a Nº203: “(...) se o cara bate por besteira ele merece tomar uma surra e
morrer (...) mas tem algumas mulheres folgadas que enchem o saco do homem e
15
Redação número 212.
Veremos adiante que a violência também tem a ver com a questão da masculinidade e a forma como os
homens são socializados.
16
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merecem tomar uns tapas mas mesmo assim não merecem apanhar”. Além da
extrema violência como punição, fica a questão: tapa não é o mesmo que
apanhar?
Será
que
apanhar
é
considerado
violência
só
quando
há
espancamento?
Houve um número razoável de redações em que a ‘ideologia machista’ ou o
‘machismo’ emergiram como fatores de violência simbólica e moral, que geram
preconceito e discriminação, impedindo o desenvolvimento profissional da mulher.
Devemos ressaltar que, nesses casos, a submissão tem o status de violência
simbólica. O “marido e os filhos fazendo-a de escrava, destruindo seus sonhos e
planos de vida (...) por causa de puro machismo, dizendo que seu lugar é dentro
de casa...” (Nº 244) Outro jovem17 diz diretamente que o machismo é uma
violência contra a mulher, assim como a discriminação no mercado de trabalho. É
interessante a sensibilidade que os homens jovens apresentaram com relação ao
mercado de trabalho e ao preconceito desse setor da sociedade: “(...) seus
empregos são de empregadas, faxineira, lavadeira, babá, chamados trabalhos
femininos, e quando conseguem empregos melhores iguais aos dos homens
ganham menos, tem mais, além de tudo tem que chegar em casa e cuidar dos
filhos”. (Nº245) Esse jovem identifica, portanto, o fato de que mesmo trabalhando
fora e sofrendo preconceito, a mulher acumula a função de cuidar da casa e da
família. Diz que apesar da obediência aos homens vir de antigamente, ela “só
cresceu com o passar dos anos esse tratamento foi ficando agressivo”.
As percepções da influência da ideologia machista na sociedade e nas
relações entre homens e mulheres, abarcam toda a complexidade que esse
fenômeno comporta. Surgiram falas que caminharam no sentido de identificar a
figura feminina como ‘fraca’ em relação à figura masculina, com uma forte
conotação moral e sem demonstrar nenhuma concepção de violência aí embutida:
“(...) a mulher não tem como se defender fisicamente e é também a mulher muito
mais fraca em termos de popularidade”.(Nº 180) Mas também um outro ponto de
vista surgiu, fazendo um contraponto com o anterior, com uma análise menos
simplista e incorporando o papel da mídia no contexto de construção da imagem
17
Redação 174.
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da mulher – imagem que a prejudica por desvalorizá-la e configura uma violência
simbólica: “Através da mídia, onde muitas, com seus corpos nus destroem a
imagem da verdadeira mulher como se elas fossem somente peitos e bundas
ambulantes, tentam mostrar para a sociedade que não importa a ética e sim a
estética”. (Nº 622)
A mídia foi alvo de críticas em outro momento, mas agora pelo aspecto do
‘incentivo à violência’ ao veicular “(...) desenhos animados que são só lutas (...)
brigas que matam, mostram sangue (...)”. Essa crítica se estende em seguida à
sociedade: “Nós ainda muitas vezes temos um pensamento que a sociedade
impõe e nós seguimos, sem nem saber o porque daquilo. Como aquela idéia de
que a mulher não pode trabalhar fora e o homem pode, isso é um tipo de violência
com relação à mulher, a sociedade impõe isso e nós seguimos, isso nos mostra
como a violência não se mostra só em agressão física mas sentimental” (Nº 598)
Aqui se fala da influência da sociedade na cultura da violência, remetendo-se tanto
ao tipo de informação presente na televisão quanto a uma cultura em que as
pessoas reproduzem sem se dar conta – e que muitas vezes pode incentivar
tanto a violência física como moral.
As redações que acusam o machismo presente na sociedade como causa
da violência, demonstram, de uma maneira geral, uma consciência maior sobre a
influência dessa ideologia no comportamento dos indivíduos: “Os homens tem
mais privilégios, se achando o tal, devido à essa cultura ele sempre vai oprimir as
mulheres. Querendo que a mesma para sempre esteja submissa aos seus desejos
machistas e egoístas...” (Nº 242) Este mesmo jovem acredita que o homem tem
medo de ser superado pela mulher, e ele não foi o único. Essa questão foi
colocada em outras redações, em que o aluno acha que a violência ocorre
justamente por causa desse medo, ou seja, pelo medo que os homens sentem de
que as mulheres possam “ter mais capacidade de obter sucesso na vida do que
eles, por isso acabam usando a sua força que é maior do que a delas as tornando
assim indefesas”. (Nº 496)
Normalmente essa idéia veio acompanhada pela questão do trabalho fora
de casa. A possibilidade de a mulher ganhar um salário mais alto do que o do
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marido causa conflito. Ele pode não se sentir o ‘homem’ da casa ou o provedor da
família, mostrar uma ‘masculinidade ofendida’, medo da independência da mulher
ou
da
possibilidade
de
traição18
que
seria
proporcionada
por
essa
independência19. Nessa mesma redação também é apresentado o fato de que “os
homens não querem aceitar as mulheres como alguém que possa vir a mandar
neles” quando o assunto é trabalho e desenvolvimento profissional. Vemos,
portanto, que existe o lado social do preconceito - o de possuir um chefe do sexo
feminino - e o lado mais particular
e pessoal – em que o êxito profissional
configuraria uma possível independência da mulher em relação ao homem e
conseqüentemente uma mudança na relação de submissão e dependência.
É importante destacar que a violência moral foi, na maioria das vezes,
identificada como tal nos casos em que os homens proibiam o trabalho fora de
casa, impondo a atividade doméstica como a única opção para a mulher - o que
não foi o caso de muitas redações que relataram brigas e xingamentos, pois nem
sempre identificaram o xingamento como violência verbal. A violência física - como
veremos adiante – foi amplamente citada em diferentes situações, e pareceu ser a
mais identificada como violência pelos jovens.
Violência de gênero
A violência de gênero segue a mesma lógica de naturalização, já que é um
dos aspectos de um fenômeno mais amplo e está inserida nesse contexto. Se
para esses homens jovens é normal que os indivíduos se relacionem de forma
violenta, é compreensível que esse modelo de relação se estenda também para a
relação entre homens e mulheres: “Uma vez eu vi na rua de cima um cara que
estava drogado catou a namorada dele pelo pescoço e começou a encher ela de
porrada. Mas eu não tenho nenhuma dó dela pois afinal a vaca teve um filho dele
e ainda continua com ele e ele continua socando ela”. (Nº 126) Outra redação
ilustra a naturalidade com que o jovem encara a violência entre os gêneros ao
18
Muitas redações, ao tratarem deste assunto, apresentaram a possibilidade de traição como o principal
motivo pelo qual os homens não querem ver a sua mulher trabalhando fora de casa. Contudo, só o fato de
estar fora de casa, na vizinha ou na casa de parentes já era motivo para ciúme e brigas, conforme relatado
em muitas redações.
19
Redação 580.
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dizer que possui “(...) um amigo que bate na namorada e espanca até morrer (...)”
(Nº 572) Ora, o fato de considerar o colega agressor como amigo pode significar
que esse jovem não condena tais atitudes, pois não parecem caracterizar algo
imoral. Ele apresenta um tom bem imparcial em relatos de outros fatos violentos sem que se coloque claramente contra ou a favor de quem pratica a violência.
Se pensarmos no campo das relações primárias (relações diretas entre as
pessoas), veremos que não só os indivíduos são diferentes, como a construção
social baseada em gênero e a forma de socialização de homens e mulheres
resultam em papéis diferentes para os sexos. A diferença, o poder, a dominação e
a negociação são, portanto, fenômenos presentes em todos os aspectos da vida
social, disseminados por todas as classes sociais. Tanto as camadas mais
populares como a classe média e a elite são igualmente atingidas por esses
fenômenos. O que muda é a visibilidade20 da violência física, diretamente
relacionada à generalização da violência a que os mais pobres estão expostos,
que por sua vez resulta do ambiente de marginalização e exclusão dessa camada
social.
No contexto de violência e complexidade que permeia a relação entre os
gêneros surge o mito da mulher que “gosta de apanhar” ou que é “burra”. Veremos
adiante que o universo da violência doméstica/familiar21 é muito mais complicado
do que parece. Na grande maioria das vezes não é fácil romper com o ciclo da
violência por meio da denúncia ou do abandono do agressor. Contudo, uma
parcela razoável dos jovens apresentou a visão de que a mulher “gosta de
apanhar”. O argumento principal é o fato de essas mulheres vítimas da violência
conviverem com seus agressores e, em muitos casos, não os denunciarem. Após
afirmar que a violência se tornou comum, um aluno diz que uma mulher que
apanha “uma, duas, três vezes e ainda continua com o marido ou namorado (...)
gostam de apanhar”. (Nº515) Os jovens também questionam o caráter da mulher
20
Visibilidade a que nos referimos é com relação ao número de casos de homicídios e agressões físicas que
ocorrem na periferia, em contraponto ao número de casos que ocorrem nos bairros de classe média e alta.
21
“A violência doméstica se refere aos atos de violência entre pessoas que dividem um espaço geográfico.
Ela não esgota o universo da violência entre pessoas de sexo diferente, da violência sexual ou da violência
contra a mulher de maneira geral. Já a violência familiar é caracterizada quando há laços de consangüinidade,
de adoção, laços afetivos entre a pessoa que agride e sua vítima. Está correlacionada a uma relação de poder
que se estabelece; e inclui a violência conjugal.” (INSTITUTO PATRÏCIA GALVÃO 2003:04)
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que apanha. Um deles relata uma cena de briga entre um casal em que “ele deu
um tapa no rosto dela (...) depois de bater ele deu um beijo nela e um presente e
ficou por isso mesmo. Onde está o caráter da mulher?” (Nº187). Embora a crítica
contra o homem também apareça em alguns casos - “Eu diria que é uma covardia
bater numa mulher mas se elas são daquele tipo que na hora fica adorando que o
homem fique praticando violência neste caso eu fico na boa” (Nº154) - a tônica
continua ser a de que a mulher gosta de sofrer violência.
As ambigüidades surgem em algumas redações, revelando a complexidade
do universo da violência de gênero, muitas vezes sem que os homens jovens se
dêem conta de que expressam posições ambíguas: “Era uma mulher que o marido
dela era um drogado e ele batia todos os dias nela e ela tinha medo de fugir pois
ela temia dele ir atrás e mata-la mas se ela não toma iniciativa é porque gosta de
apanhar e é mulher de malandro que apanha e gosta” (Nº136). Outro exemplo foi
a redação Nº158. O jovem diz: “(...) Homem não bate em mulher, mas tem umas
que são folgada demais e merece tomar uns boxes (...) A mulher que apanha do
marido e não se separa dele é porque gosta de apanhar ou é porque tem medo de
fugir e o marido ir atrás e matar”. A ambigüidade reside no fato de que, mesmo
identificando o medo que as mulheres possuem de morrer por deixarem os seus
maridos, acreditam que elas possam gostar da situação em que vivem. Não
identificam esse medo como uma violência sofrida em forma de ameaça. Os
rapazes expressam o velho preconceito de que a mulher convive com seu
agressor porque não tem “vergonha na cara”, é estuprada porque “provoca” e
“apanha porque gosta”. Possuem uma visão que cristaliza a postura da mulher no
“gosta de apanhar” como se fossem as únicas responsáveis por viver nessa
situação. Não se dão conta que na verdade existe uma série de violências
envolvidas nessa situação. A violência doméstica envolve uma complexa dinâmica
que extrapola a ocorrência de agressão física. Muita gente se confunde ao
acreditar que violência doméstica é só agressão. (SOARES 2002) Também não se
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pode deixar a questão da ameaça de lado até mesmo porque estudos comprovam
que elas são para valer.22
Como os jovens operam com a questão do sofrimento alheio é o aspecto
mais intrigante: nenhuma pessoa gosta de sofrer violência, seja ela de qualquer
tipo. Essa reflexão parece estar longe da realidade desses homens jovens.
Mesmo sofrendo com um cotidiano violento, não são capazes de se colocar no
lugar do outro, estendendo a sua experiência pessoal para o próximo. Outras
idéias que também intrigam (a respeito desta situação) surgiram, como por
exemplo a redação Nº219. O jovem diz que a mulher ‘acostuma’ com a agressão
com o passar do tempo – mas uma vez, encontramos um aspecto que contribui
para naturalizar a violência.
Pode-se dizer que a violência é um fato comum na vida desses jovens: “A
violência é o que mais acontece em todo mundo homem espancando mulheres
por ciúmes, as vezes por coisa nenhuma. Bater em mulher pra muito ta virando
vício ou diversão gostam de ver a mulher sofrer, mas as vezes elas mesmo fazem
por merecer, mesmo assim nenhum homem tem direito de bater em mulher
alguma. E essas mulheres que são violentadas devem denunciar a pessoa, só
assim para elas terem sossego. Porque solução já não tem mais”. (Nº374) Mas ao
contrário das redações anteriores, este aqui já não pensa da mesma maneira. Ele
acha que as mulheres não merecem apanhar mesmo quando agem de uma forma
que possa incitar a violência. A denúncia aparece como um mediador do conflito,
como uma forma de resolver o caso de quem sofre, sem configurar-se como um
mecanismo para acabar com a violência que ocorre ‘em todo mundo’.
A denúncia aparece em muitas redações como uma maneira de acabar
com a violência, assim como o fato de a mulher não abandonar o seu marido
agressor faz com que a violência aumente.23 Essas idéias fazem sentido, e de
certa maneira se completam. Entretanto, a situação é muito mais complexa do que
simplesmente denunciar ou abandonar o agressor. Outros jovens mostraram-se
sensíveis para perceber que “(...) falta coragem para a mulher denunciar” (Nº479).
22
Segundo artigo de Guita e Maria Filomena, em 1999 “o homicídio (...) aparece entre as dez principais
causas de morte de mulheres e o crime passional é o principal motivo pelo qual elas são mortas em São
Paulo (...)” (DEBERT, GREGORI 2002:18/19).
23
Redação 215.
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Ou seja, subentende-se que nesse caso a mulher vive uma situação de ameaça.
Em outra redação, foi apontada a questão do “vai e vem” das relações amorosas
entre vítimas e agressores. A vítima denuncia os maus tratos, mas depois volta a
ficar com o agressor.24
A questão da rigidez das leis também foi lembrada: “As penas deveriam ser
mais rigorosas” (Nº66). Sabemos que muitas vezes a mulher denuncia o marido e
tem que conviver com ele no momento seguinte, já que a pena para o agressor
normalmente é o trabalho comunitário ou o pagamento de uma cesta básica para
alguma instituição - e esse problema parece ser percebido pelos jovens.
Esses relatos abarcam aspectos muito difíceis de se trabalhar na realidade,
nos fornecendo exemplos na prática que apontam para a mesma direção dos
estudos sobre o tema. Ao relatar o seu trabalho com os agentes policiais, Bárbara
Soares afirma que “o mais grave é que não só os agentes da polícia operam sobre
o pano de fundo do preconceito. Como cidadãos, eles expressam na linguagem
policial o espírito que atravessa toda a nossa sociedade. Por isso, infelizmente, as
mulheres em situação de violência também são tratadas de forma inapropriada por
juízes, promotores, profissionais da saúde, por seus amigos e familiares (...). O
problema, ao meu ver, é a conjugação dos clássicos esteriótipos sobre os papéis
de gênero e sobre as relações conjugais, a uma enorme desinformação sobre as
dinâmicas da violência doméstica. O resultado é que, diante da incapacidade dos
profissionais em compreender-lhes o comportamento, as mulheres vitimadas
tendem a se recolher. Forma-se, assim, um círculo vicioso: elas não procuram
ajuda porque não encontram pessoas capazes de compreendê-las e de fato
ajudá-las e são acusadas, por isso, de não quererem sair da situação de violência
(...).”25
Como demonstrou outro estudo, muitas das mulheres que fazem denúncias
– na maioria de lesão corporal – acabam retirando a sua queixa antes que a
punição aos agressores seja efetuada (DEBERT, GREGORI 2002). Isso acontece
mais nos casos de violência entre marido e mulher, e é justamente por isso que
24
Redação 583.
SOARES, Bárbara Musumeci. A Antropologia no executivo: limites e perspectivas in CORRÊA, Mariza
(org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP, Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002, Pp. 43.
25
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essas mulheres acabam por adquirir a imagem de que ‘gostam’ de sofrer
violência, e que são responsáveis por isso. Podemos compreender portanto,
porque encontramos em tantas redações essa mesma idéia. Os jovens apenas
expressam o que o restante da sociedade pensa. Contudo, o fato de as mulheres
retirarem as queixas e abdicarem do seu direito à denúncia é totalmente
compreensível numa situação de violência contínua pois “(...) o drama da violência
doméstica é precisamente esse: ela é crônica, recorrente e aprisionante; ela abala
a autonomia da vítima e destrói-lhe a auto-estima e a capacidade de tomar
decisões; ela se torna, para a vítima, extremamente ameaçadora, a ponto de
paralisar suas iniciativas, e se dá, em muitos casos, associadas a outros
problemas graves, como a pobreza, a drogadição, a violência familiar e a violência
social.” 26
Existe porém uma outra perspectiva, que extrapola a idéia comum de que
as mulheres não buscam os seus direitos porque cedem às ameaças, assumindo
a sua condição de vítimas e oprimidas: é a perspectiva da adaptação e
negociação. Ela “aceita” a violência com o objetivo de preservar a sua família e
mantê-la unida (MUSZKAT 2002).27
Embora exista essa outra perspectiva, está maciçamente presente nas falas
dos homens jovens a idéia de que se a mulher não denuncia é porque gosta da
situação em que vive. Porém, essa não foi a regra: “Eu acho que as mulheres
devem lutar pelo seu direito e não ficar sofrendo como sofre hoje em dia. E tem o
direito da liberdade, lutar pela sua igualdade em tudo” (Nº238). A denúncia implica
uma noção sobre direito e igualdade. Vejamos um outro exemplo: “As mulheres
buscam independência própria como em sua própria casa tendo o direito de
trabalhar fora e o direito de opiniões próprias. Muitos homens pensam que suas
mulheres devem ser iguais as de antigamente, cuidar da casa e dos filhos, só
porque suas avós e suas mães o criaram assim”. (Nº503). Aqui o jovem faz uma
26
SOARES, Bárbara Musumeci. A Antropologia no executivo: limites e perspectivas in CORRÊA, Mariza
(org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP, Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002, Pp. 44.
27
Devemos, portanto, prestar atenção nas nossas próprias concepções – como estudiosos e atores da
sociedade civil – e não cristalizar os papéis de vítimas e agressores. Existe sempre uma perspectiva de
adaptação e negociação entre atores sociais, que tornam toda e qualquer relação algo dinâmico e fluído.
Assim, o importante é compreender essa dinâmica e as situações dentro de seus contextos, tentando fugir ao
máximo de modelos por nós construídos para entender a realidade.
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alusão ao machismo, proveniente da educação. Ele acredita que os direitos são
iguais e acha que a violência ocorre porque os homens estão com medo de ser
dominados.
Numa outra perspectiva, um jovem cita as transformações sociais
impulsionadas pelas mulheres, que foram à luta e conquistaram o direito ao
trabalho, assim como a criação da delegacia de mulheres também figura como
uma conquista. Ele coloca que antes a mulher não podia trabalhar fora, nem
desobedecer ao marido. E atualmente isso mudou28. Outra redação aborda a
questão do direito e da igualdade, caminhando na mesma direção que a anterior:
“Hoje, vemos a cada dia que passa que as mulheres estão conquistando seu
espaço numa sociedade machista que ainda acha que o sexo masculino é
superior ao sexo feminino e que lugar de mulher é em casa passando e
cozinhando para o marido (...) e parar de pensar que são inferiores a nós homens.
Ou seja temos que acabar com essa desigualdade”. (Nº605)
A noção de igualdade apresentou variações de perspectivas, como por
exemplo, a que apresenta uma noção sobre os direitos, identificando uma
desigualdade entre os sexos, mas identifica um processo em que as mulheres
estão se igualando ao homem para o bem e para o mal: “Hoje em dia elas
roubam, matam, usam drogas na maior, como se fossem um ‘homem perdido’”.
(Nº630) Surge então uma visão diferenciada em que as mulheres, ao buscar
igualdade em outros setores da sociedade – como no mercado de trabalho por
exemplo - estão se igualando também na criminalidade, na chance de entrarem
para o mundo do crime.
Machismo
Os
fundamentos
dessa
realidade
repousam
numa
ideologia
que
denominamos ‘Machista’ e que implica principalmente a idéia de superioridade do
homem em relação à mulher. Como conseqüência, outras também estão
presentes, como a idéia de posse, do dever, de submissão e etc. Veremos
também que a questão da masculinidade se faz importante não só para
28
Redação 576.
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compreender essa ideologia, mas também para entender como ela contribui para
legitimar a violência de gênero.
“Se eu ver um homem batendo numa mulher eu não faço nada porque tem
que ver os motivos das brigas. Mas é errado bater em mulher (...) A violência
contra a mulher é ridícula porque nenhum caso justifica a violência, nem a traição.
Mas o homem não aceita a traição e acontece a violência na maioria dos casos”.
Ao responder porque acontecem tantos casos de violência, diz somente: “Porque
os homens são muito machistas e as são mulheres muito putas” (Nº 673). Aqui o
jovem dá a entender que a violência não se justifica nem em caso de traição. Mas,
ao dizer que é preciso examinar os motivos que causaram a violência, nos indica
que em algumas situações ela é legitima – principalmente quando cita a traição e
o fato de o homem não aceitá-la. Ao final da redação aponta para a necessidade
de mais controle e diálogo por parte dos homens, além de leis mais rígidas para
agressores. Talvez estejamos diante de um caso de ambigüidade com relação ao
fenômeno porque o aluno, embora não concorde com a violência, parece achar
normal que ela ocorra – até porque faz parte da dinâmica entre homens
“machistas” e “mulheres putas”.
“As mulheres precisa sofrer um pouco, as vezes nós homens brigamos com
elas por causa delas, as vezes porque elas provocam ou porque são safadas
demais. Mas é sempre assim as vezes acontecem violência por causa da mulher,
eu nunca irei fazer isso só se minha mulher acendiar ai vou partir para a agressão
porque acho que elas irão aprender.” (Nº 691) Nesta redação o discurso contra a
violência aparece como pronto, dando a impressão de que foi ensinado para ser
repetido, porém não internalizado realmente, muito menos traduzido em ações.
Isso porque o rapaz diz que nunca bateria em sua mulher, mas se ela o
desafiasse partiria para a agressão porque essa é uma forma de ensiná-la a não
mais provocá-lo. A mulher é julgada como grande culpada pela violência “porque
não faz o que o marido quer”, ou seja, não se submete ao marido.
“Uma covardia porque homens são muito mais fortes que as mulheres, e
abusam disso agredindo-as, eu conheço exemplo de homens que saem a noite
deixando a mulher e filhos em casa e quando volta já tarde da noite bêbado e
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ainda querendo ter relações sexuais com a mulher e se ela não for ela a espanca
até sangrar, pra mim todo homem que agredisse uma mulher deveria ir pra a
cadeia e ter pena igual a de estupradores, bandidos e etc. Porque o homem acha
que a mulher deve ser submissa a ele, que deve fazer tudo o que ele quiser, que
deve estar a disposição sempre que o homem quiser. A violência contra a mulher
vem sendo um caso muito comum tanto no estupro tanto no casamento em
conflitos, que nesses casamentos tem muitas mulheres que são ‘burras’ que
depois de tudo feito pelo homem ela sai de casa, mas sempre acaba voltando
para o marido que se diz arrependido e diz que nunca mais irá fazer isso, mas é
tudo invenção porque acaba piorando e algumas vezes acaba em morte. E há
algumas vezes que o homem é muito ciumento e a mulher não pode olhar para o
lado que ele já emenda um tapa nela. A única forma de agressão contra a mulher
que eu acho correta é quando a mulher trai o marido, tudo bem que não é certo,
mas se acontecer comigo eu não penso duas vezes e dou um cacete nela, porque
isso não se faz, eu não desejo isso pra ninguém, mas é claro que eu só faria isso
se tivesse casado a muito tempo com filhos daí sim, mas em outro caso não”
(Nº545).
Essa redação foi transcrita na íntegra, pois é um bom exemplo de toda a
complexidade que envolve a violência de gênero – que aparece aqui como a do
tipo familiar. Apesar de o jovem identificar a submissão da mulher e a maior força
física dos homens, vê de uma maneira simplista o fato dela sair de casa após
apanhar e depois voltar, chamando-a de ‘burra’. Identificamos também uma certa
naturalidade com que o jovem fala que a violência familiar pode acabar em morte,
inclusive diz que a violência no casamento (assim como estupros) é muito comum.
Mas o mais alarmante é que mesmo criticando a violência contra a mulher e
achando que os agressores devem ser punidos e ir para a cadeia, ele acha que a
traição justifica a agressão. E mais: que só se estiver casado há muito tempo e
com filhos. Vemos portanto, que não há uma postura coerente com a fala, e que a
questão da honra do homem no casamento é um fator de suma importância.
Essa postura se estende para muitos jovens que, como dito anteriormente,
identificam a idéia de posse e submissão da mulher como machista, que por sua
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vez implica uma noção de honra do homem no relacionamento, como causa da
violência. Assim, parece que importante é não ser enganado, e principalmente,
não ter a sua virilidade colocada em questão pela mulher que procura outro,
mancha a sua honra e questiona a sua masculinidade. Infelizmente o fato de
identificarem uma postura ‘machista’ entre os homens não os impedem de agir da
mesma forma. Em muitos casos não é preciso nem estar casado, para agredir a
mulher: “Eu acho que quase 100% é pelo ciúmes. Como eu tenho ciúmes da
minha namorada se eu catar ela com outro mato eu juro” (Nº 105). Há exemplos
em que, apesar deles não admitirem diretamente que bateriam em suas
namoradas ou esposas, concordam que outros homens pratiquem as agressões:
“Em alguns casos eles estão certos (...) Porque tem muita mulher safada” (Nº
190). A traição aparece como fator de legitimidade por excelência da violência de
gênero. Alguns rapazes a identificam como o principal motivo para que a violência
ocorra: no caso da redação Nº 487, além dessa idéia estar presente, o autor
generaliza dizendo que todas as mulheres traem. Interessante que não é uma
hipótese nem uma suspeita, mas uma afirmação.
Num outro caso, ao responder o porquê da violência, o jovem diz que “A
mulher tem que se por no seu devido lugar e não tentar enfrentar o homem, por
esse motivo elas apanham. E o Homem está certo, tem que sentar o pau” (Nº
224). É possível supor que existe uma idéia entre eles de que a violência é uma
atitude natural de um homem quando enfrentado por sua esposa, e isso fica claro
em narrativas em que descrevem casos de violência que começam justamente
porque a mulher é independente ou enfrenta o marido: “... Alguns homens são
muito machistas, e mandões e quando uma mulher competente encorajada vai
enfrentar o homem machista, o homem já se explode e ai acontece a violência”
(Nº 470).
Masculinidade
Existe a idéia de que a violência é uma atitude natural do homem e ela tem
a ver tanto com a questão da masculinidade, quanto a forma como os meninos
são socializados em nossa sociedade. Segundo Malvina Muszkat, “vivemos numa
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sociedade que condena a violência social, mas que estimula os meninos, no seu
processo de socialização, a supressão de todas as suas emoções com exceção
da raiva (...). São submetidos a um processo de ‘endurecimento emocional’ (...). O
impedimento de manifestações de ternura e o exercício da força e da
agressividade não é para que se “sintam fortes”, mas porque “não podem se
mostrar fracos” (...). Qualquer sensação de fragilidade pode ser o móvel
desencadeante
de
sentimentos
de
humilhação
e
raiva
muitas
vezes
incontroláveis”.29 Assim, não foi difícil encontrar falas condizentes com a idéia de
que a violência é algo natural no homem, em uma série de redações: “O homem é
descontrolado mesmo” (Nº 552) ou que “infelizmente o homem é mais violento”
(Nº 566). Houve até uma redação em que o aluno, apesar de achar que os
homens são muito violentos e se dizer muito calmo, admite a possibilidade de
violência se alguém o tirar do sério (Nº 485). Podemos identificar nuances, ou
seja, uns vêem como algo totalmente natural, outros vêem com mais cautela (ou
com alguma crítica, como nesse último caso). Porém, infelizmente, ainda dentro
de uma lógica que admite a violência como legitima na expressão de uma
identidade “masculina”.
Devemos lembrar que o outro lado da moeda é a socialização das
mulheres, que como num oposto complementar aos homens, devem ser meigas,
submissas, frágeis e seu lugar por excelência é dentro de casa. Assim, entramos
na velha dicotomia homem/mulher, racional/emocional, fortes/fracas, rua/casa. A
lógica que rege a violência como uma expressão de masculinidade – nossos
homens agem assim porque é assim que “homem que é homem” deve agir – e a
submissão como uma expressão da feminilidade, é a mesma que rege as relações
de poder entre os homens e mulheres dentro da família.
Dentro dessa ótica, encontramos alguns exemplos que valorizam a mulher
pelo trabalho desempenhado dentro de casa, ao mesmo tempo em que vêem
como natural a violência praticada por homens/maridos quando descontentes com
suas mulheres/esposas: “...São elas que lavam roupa limpa a casa e faz comida
para a gente por isso eu sou contra em bater em qualquer mulher depende do
29
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP,
Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002. Pp. 50.
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motivo também tem muitas mulheres safadas no mundo de hoje em dia (...) Tem
muita mulher que quando o marido chega do serviço já quer arrumar confusão.
Tem mulher que bebe e enche o saco do marido em casa e o marido perde a
cabeça e acaba batendo na mulher” (Nº 118). Outro exemplo em que poderíamos
supor que o trabalho doméstico é bem visto porque é feito para o bem-estar do
homem: após um longo discurso sobre as qualidades de uma mulher, o rapaz diz
que ela “trabalhava, lavava as roupas dele, não ficava com graça com ninguém.
Só que tem muitos homens que não sabem dar valor a mulher que tem. Apesar
que tem umas mulheres que de vez em quando merecem apanhar”. (Nº 211) Ou
seja, uma mulher que se valoriza trabalha em casa, não olha para o lado, e se não
andar na linha apanha porque merece. Nesse caso há uma pequena crítica ‘aos
homens que não valorizam suas mulheres’, mas que está longe de ser uma crítica
ao modelo violento que rege as relações familiares. Numa outra redação
encontramos uma perspectiva diferente, talvez um tom mais crítico com relação à
violência desempenhada pelos homens dentro de casa. Esse jovem acredita que a
violência acontece porque a maioria dos homens “casam só para ter que usar a
mulher como uma empregada sem salário, onde ao invés de se reunirem e
raciocinarem juntos parte pra agressão”. (Nº 169)
Embora tenham surgido perspectivas diferentes sobre o papel da mulher
dentro de casa, e a questão da submissão feminina, as redações em sua grande
maioria reproduzem a idéia de que faz parte do papel da mulher ser submissa:
“além da mulher ser bonita e atraente também é frágil e às vezes desobediente”
(Nº 467). Existe aqui uma outra importante pista sobre masculinidade: a virilidade.
Sabemos que a masculinidade em nossa sociedade está estreitamente
ligada à virilidade dos homens e não foi difícil identificar esse aspecto nas
redações analisadas, principalmente as redações que trataram de violência
sexual, mais conhecida como estupro: “As mulheres se enfeitam toda e depois
que ‘alguns’ homens se aproveitam delas elas sofrem muito com isso”. (Nº 491)
Não há tom de acusação, mas de constatação. Não podemos descartar aqui uma
culpa que parece recair sobre as mulheres por se arrumarem e se embelezarem.
A mesma idéia pode ser constatada na redação Nº 481, onde o jovem acha que
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as mulheres são “metidas” e “pomposas” e por isso são “atacadas” por tarados.
Por fim pede que as mulheres sejam mais humildes e, apesar de dizer que “os
homens se acham superior”, parece culpar as mulheres da mesma maneira que
as redações anteriores.
Podemos dizer que a idéia de que “homem que é homem” é viril e violento
está implícita, pois foi manifestado uma legitimidade relativa e até mesmo uma
certa compreensão no fato de um homem “atacar” uma mulher - porque teve seu
“instinto de homem” aguçado por uma saia curta, ou um decote ousado. Outros
exemplos confirmam a impressão de que “(...) roupas coladas bermudinhas curtas
peitos grandes bunda grande (...) deixam os violentadores muito doidos e não só
os violentadores (...) deixam qualquer homem doido” (Nº 72) Também foi bastante
comum a idéia de que um estuprador é um homem que é “(...) louco por mulher e
não tem capacidade para arrumar uma mulher (...)” (Nº 189).
Interessante notar que embora o estuprador possua essa faceta de ‘homem
viril’, o estupro surge como a violência mais execrável e condenável que se pode
proferir contra a mulher. Assim, as falas dos jovens sobre esse tipo de violência
estiveram, na maioria das vezes, voltadas para uma veemente punição do
agressor. Na maior parte dos casos a punição ideal para este tipo de agressor é
“virar mulher na cadeia” (Nº 200). Houve um caso mais extremo em que o relato
nos mostra uma realidade bem diferente da que estamos acostumados: “(...)
quando pegaram ele fizeram ele morrer que nem mulher, amarraram ele no poste,
deram tudo nele e no final enfiaram um cabo de vassoura na bunda dele” (Nº 194).
Talvez a justificativa para tanta repugnância seja a comparação de que a
mulher estuprada poderia ser a mãe ou irmã do estuprador. Ao que parece, esse
discurso é um exemplo de uma idéia que valoriza a mulher pelo seu papel na
família e seu desempenho no trabalho doméstico, pois normalmente inclui falas do
tipo “elas que cuidam das nossas roupas, fazem a nossa comida” e etc. O estupro
aparece sempre como ação de estranhos, em lugares desconhecidos e perigosos.
O estuprador quase sempre surge como um homem que “não controla os seus
instintos”. Em alguns casos é apresentado também como alguém que possui
problemas psicológicos.
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Nesse sentido, é compreensível que a questão do estupro doméstico pouco
tenha aparecido. Há somente uma redação que o cita. Nela lê-se o relato de um
marido que chega bêbado e quer transar com a mulher sem camisinha: “... não
Marcos, só com camisinha o rapaz ficou muito nervoso começou a bater na
mulher, a mulher por sua vez aceitou transar com o marido” (Nº 153).
Uma hipótese para essa invisibilidade é que sendo o estupro muito mal
visto por todos (“merecem virar mulherzinha na prisão” e etc.), se ocorrido entre
marido e mulher deslegitima o ‘direito’ dos homens sobre suas esposas – ou, por
outra perspectiva, não estaria dentro da lógica em que as mulheres têm como
“dever” satisfazer as necessidades sexuais dos maridos. De uma maneira geral, e
seguindo o mesmo caminho, tudo isso também pode significar que os maridos
agressores não parecem estar errados quando agridem suas mulheres. As ações,
por mais violentas que sejam, ainda têm o respaldo da idéia de que o homem
detém a posse de sua mulher (incluindo as vontades dela) no casamento.
Associar um homem/marido à figura de um estuprador rompe com a idéia de que
a mulher “tem deveres sexuais para com o marido” ou que, no fundo, ele não tem
a posse da sua esposa e nem é dono de suas vontades.
Não é de se espantar, portanto, que se identifiquem duas concepções
implícitas nos casos de estupro – e que de uma certa maneira se completam
nesse mesmo modelo de relações de gênero: uma relativa ao comportamento
social da mulher – a mulher “provoca” usando roupas insinuantes – a segunda em
relação ao comportamento instintivo/natural do homem que “não consegue se
conter” ao ver uma mulher bonita.
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CONCLUSÃO
As redações contemplam a questão da violência física e psicológica, a
problemática da denúncia, do preconceito do marido com a esposa que trabalha
fora de casa. Abarcam também aspectos do machismo e do ciúme, da traição, da
submissão da mulher e seu papel como dona de casa, assim como razões para a
ocorrência da violência de gênero. Contudo, por mais que esses aspectos tenham
aparecido nas redações, não quer dizer que os jovens as tenham contemplado de
forma coerente e consciente.
A agressão física pode ser considerada a forma de violência mais
identificada, pois se manifesta de maneira clara e pungente. São muitos relatos
sobre mulheres que morrem nas mãos do marido, levam socos, tapas, são
espancadas com canos e outros artefatos.
Em muitos casos recrimina-se o ato violento, mas afirma-se que a violência
serviria de lição aos agressores. Assim como foi comum a idéia da agressão como
lição a uma mulher que não se submete ao marido. Ficou claro que a violência
muitas vezes surge por motivos banais - segundo uma boa parte das redações –
como por exemplo quando as mulheres questionam a demora do marido ou
porque a comida não está pronta quando ele chega do trabalho. O álcool também
figura como um dos principais motivos de violência e devemos atentar para o fato
do contexto social em que estão inseridos: faltam espaços de lazer e educação;
faltam empregos. Muitos abrem um pequeno bar para se sustentar. Outros que
têm tempo livre passam a ser freqüentadores. Há portanto uma combinação cruel,
social e cultural, que propicia o alto nível de alcoolismo e o surgimento de todos os
problemas que esse tipo de doença pode acarretar.
De uma maneira geral, identificamos diferentes nuances e ambigüidades a
respeito do que é violência, incluindo aí a sua legitimidade em determinados
casos. Intriga e preocupa a posição ambígua dos jovens. Houve muitos casos de
redações em que a frase seguinte era completamente oposta à anterior. Como
exemplo, a redação número 470: “(...) Homens que fazem violência contra a
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mulher, que isso é um ato de covardia, pois há mulheres que até merecem uma
corsa, mas jamais o homem pode agredir uma mulher”. Verificamos o mesmo na
redação 570: o jovem inicia criticando os homens que batem em suas mulheres
em casa, mas na rua “amarelam”; identifica o sofrimento das mulheres que ficam
em casa submissas aos maridos, perdendo todo o contato com o restante da
sociedade; o sonho de casamento que se transforma em pesadelo; e termina com
a seguinte sentença: “Tem mulher que são safadas, não valem #*&=§, por isso
merecem levar várias chibatadas, até morrer”. Percebemos portanto, uma
repetição de um modelo vivido na prática mesclado a um discurso decorado,
politicamente correto, mas não refletido, no sentido de não ter sido pensado por
quem o produz. Nesse processo, todas as ambigüidades relativas à violência que
estão presentes na sociedade, tanto no nível do discurso quanto da prática, vão
sendo também manifestadas nas falas e ações do indivíduo. Refletem uma
mentalidade mais geral da sociedade, porém de forma extremada porque se
insere num contexto de ampla exclusão social, onde tanto a falta de educação
formal, quanto os maus exemplos dentro da família, impossibilitam uma reflexão
mais apurada sobre a realidade violenta em que vivem.
O que mais impressionou no presente trabalho foi o fato de que a violência
se apresenta como algo natural e até legítimo. Surge naturalizada por uma
ideologia que assume a superioridade masculina e o direito dos homens sobre
suas esposas. E que se apóia numa forma específica de socialização masculina –
que por sua vez implica uma noção de que “ser homem” é ser forte (violento), sem
demonstrações de sentimentos ou fraquezas. Também surgiu com muita
freqüência a questão da “fragilidade feminina” como um fator que propicia a
violência e essa idéia faz parte, como sabemos, do mesmo processo que, ao
socializar os homens como “fortes”, opera de maneira oposta com as mulheres –
que no caso são “fracas”.30 Embora os jovens tenham, em larga escala, admitido o
machismo como causa da violência, muitas vezes eles mesmos assumiam a
mesma postura. Houve redações que manifestam clareza sobre a condição de
30
Muito comum também foi o aparecimento da afirmação “homem que é homem não bate em mulher” ou a
lógica de que um homem para ser macho tem que bater em outro homem e não numa ’frágil’ mulher;
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opressão e submissão das mulheres, mas as que partiram de uma perspectiva
totalmente oposta, examinando as atitudes das mulheres unicamente pela ótica
masculina, foram maioria. Interessante que nos dois casos a atenção dos jovens
se concentra muito no comportamento/ação das mulheres: escolher bem os
maridos, denunciar, não usar roupas insinuantes, tomar cuidado para não ser
estuprada, etc.
A análise das redações focando a violência de gênero é então coerente
com o universo de estudos sobre o fenômeno, e mais especificamente sobre a
violência familiar – que tem seu maior expoente no casamento, ou seja, em sua
grande maioria, os agressores por excelência são os maridos. Em segundo lugar
aparecem os namorados - e isso ficou amplamente demonstrado nos relatos
contidos nas redações.
Dessa forma, não seria errado focar o espaço doméstico, ou a unidade
familiar para se compreender com mais clareza a violência de gênero não só
porque foram exatamente esses casos que apareceram mais, mas porque há um
tom de naturalidade nessas ocorrências o que a torna mais perigosa ainda.
Segundo Malvina Muszkat “(...) o espaço privado é densamente carregado de
conflitos. A dinâmica e a organização das famílias se baseiam na distribuição dos
afetos, o que tende a criar no espaço doméstico um complexo dinamismo de
competições e disputas que, antes de mais nada, são motivadas pela conquista de
espaços que garantam o amor, o reconhecimento e a proteção, necessidades
básicas da condição humana. O nível de intimidade e de disputa pelos afetos
estimula sentimentos ambíguos de amor e ódio, aliança e competição, proteção e
domínio, entre todos os seus membros.”31 Desta perspectiva, também é fácil
entender porque apareceram relatos de mães que apanham dos filhos. Por mais
que não tenham sido muitos, quando relatados havia a presença de drogas. Por
sua vez, o álcool e as drogas estiveram presentes em muitos dos relatos de
violência, em que é comum o homem chegar bêbado em casa e espancar a
mulher por qualquer motivo.
31
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP,
Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002. Pp. 49.
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Não estamos afirmando que a violência contra a mulher se dá unicamente
neste espaço e na unidade familiar. Todos sabemos que ela é infinitamente mais
ampla porque resulta de uma ideologia que atinge toda a sociedade e comporta
nuances nem sempre visíveis como a violência física – é o caso da violência
simbólica e do preconceito. Assim, de certa forma os jovens identificaram o
preconceito no mercado de trabalho, a questão da educação, da “cultura
da
violência”, e do papel da mídia como fatores que incentivam a violência. A
emancipação feminina e a liberdade que as mulheres vêm conquistando ao longo
dos anos, e a relativa mudança dos papéis do homem e da mulher na atualidade,
também foram citadas, em muitos casos num contexto em que o homem não
aceitava tais mudanças. Embora haja muito preconceito contra a mulher, ele
praticamente foi concebido como violência simbólica nos casos em que mulher
não podia trabalhar fora de casa, e desta forma como uma violência praticada pelo
marido - pois o emprego da mulher aparece sempre como uma possibilidade de
traição e de superação do homem. Muitos foram os relatos que deram a entender
que toda e qualquer ausência do espaço doméstico é motivo para que se suspeite
da mulher e tenham ciúme. Assim, o preconceito foi largamente concebido como
violência simbólica nas questões ligadas ao mercado de trabalho, à capacidade da
mulher em exercitar determinados tipos de serviços e à diferença de salários entre
ambos.
Interessante o tom romântico e muito presente da mãe como aquela que
“dá a luz”, que “cuida do homem” e “cuida da casa”. Quando os jovens reivindicam
o respeito à mulher baseando-se numa comparação com suas mães, também está
implícita uma visão em que a mulher acaba por ser valorizada justamente pelo seu
papel doméstico, ou seja, o seu papel de mãe que, segundo eles, é cuidar da
casa, dos filhos e do marido - ligada também a uma visão da importância das
mulheres para a reprodução. Quando falam “pensem se fosse sua mãe” há uma
valorização da mulher por esse aspecto “sagrado” que permeia a questão da
reprodução - do fato de gerarem seus filhos e de que estes jovens foram gerados
por uma mulher. Aqui, o respeito não provém de uma noção de igualdade de
gênero/pessoas, mas sim por uma questão de respeito que todos devem ter por
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suas mães. Também é interessante nesse caso pensar na dicotomia que cerca o
imaginário
sobre
a
mulher:
ou
ela
é
santa/mãe/submissa,
ou
ela
é
profana/puta/desobediente, e nesses casos identificadas como as “outras” –
aquelas que merecem apanhar e sofrer nas mãos dos maridos. É importante
ressaltar que nas redações analisadas, essa fala sobre as “mães” vieram
acompanhadas de relatos de estupros – e numa pequena proporção ela apareceu
em casos de relatos sobre agressão doméstica e/ou familiar.
Quando possuem uma visão social mais consistente e ampla, atribuem
como incompetência do Estado a falta de segurança e a impunidade. Nesses
casos percebem que as leis não são rígidas e por isso mesmo não inibem os
agressores. Uma questão que surgiu durante a análise de suma importância foi a
denúncia. Ela parece ser vista como um mecanismo para solucionar o
problema/conflito, o que não significa que implique uma noção de direitos iguais
entre os homens e mulheres. Isso porque poucas redações se referem às
denúncias como uma forma de garantir o direito à integridade física, à liberdade e
à igualdade entre os gêneros. Na maioria das vezes, é citada simplesmente como
uma forma de fazer um marido parar de bater em sua mulher, residindo nesse
aspecto a sua função. Quase todas as redações que citaram a denúncia deixaram
de fora as palavras direito e igualdade. Percebemos, portanto, que no universo
estudado – a realidade dos jovens da periferia de São Paulo – a delegacia faz
muito mais sentido do que os direitos. E essa é uma pista importante para
pensarmos onde é que o mecanismo jurídico criado para a defesa dos direitos das
mulheres emperra: como usar um instrumento do qual não se conhece os
fundamentos? Essa é uma questão a se pensar em futuros trabalhos, tanto
teóricos como práticos.
Com o crescimento da desigualdade social, encontramos também um
processo de esvaziamento dos valores humanitários assim como vem ocorrendo
uma perda no referencial da família, que atualmente não tem tido condições de
ajudar na construção dos ideais de autonomia, cidadania e alteridade, e
estabelecer a noção de respeito ao próximo - o que possibilita aos jovens
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reconhecer os próprios limites como indivíduos e como cidadãos, e estender
esses referenciais não só às mulheres mas a toda a população.
Hoje em dia nos deparamos com um Estado praticamente falido, incapaz de
garantir os direitos dos cidadãos de todas as classes sociais, fomentando uma
sociedade completamente desigual. Os direitos mais fundamentais como saúde,
educação e moradia não se estendem a todos, e a ausência quase que completa
de justiça amedronta uma população que vive cercada por todos os tipos de
violência, muitas vezes impossibilitada de garantir os seus direitos. Portanto, não
basta simplesmente saber que tipo de violência os jovens exercem ou são vítimas
– até porque reproduzem aquilo que aprendem - mas quais as razões para a
emergência dessa violência e como ela se instaura. A questão passa tanto pelas
construções dos papéis sociais, quanto pelas relações de gênero, educação
(formal/informal), quanto pela mídia – e todas as representações sobre os papéis
de gênero que ela espelha ao mesmo tempo em que ajuda a construir.
É relevante enfatizar que as redações desses jovens, pobres e amplamente
excluídos da nossa sociedade, são um retrato fiel de “(...) uma população que vive
em estado de marginalidade social (...). São sujeitos de famílias discriminadas e
desrespeitadas pela sociedade (...). Sem condições apropriadas ao lazer, fazem
do bar ou da rua seu ponto de referência social, tendendo-se a voltar-se para
álcool, as drogas, o confronto entre homens e a sexualidade promíscua,
desafiando quase sempre a estabilidade social. (...) Não se pode considerar o
agressor dessa camada social como um representante típico do modelo
hegemônico masculino. Mesmo que influenciado pelos seus esteriótipos de força e
poder ele não usufrui os benefícios da supremacia masculina. (...) Uma coisa,
porém, é certa: a violência exercida pelos homens se apóia em paradigmas
tradicionais da cultura que (...) podem ser interpretados como uma forma de
denúncia de uma sociedade ambígua e perversa que reprime e, ao mesmo tempo,
cultua a violência”.32
Tendemos a nos impressionar, ficar horrorizados e a condenar a atitude dos
nossos homens jovens, e de fato isso é necessário e legítimo, pois elas são
32
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP,
Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002 Pp. 51/52
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extremamente ‘machistas’. Contudo, estamos tratando de instituições sociais, ou
seja, de comportamentos instituídos pela nossa sociedade num processo que é
histórico e que possui raízes muito profundas. Embora hoje não seja mais
permitido encarar a submissão das mulheres com naturalidade - muito menos
admitir que ela sofra violência física ou psicológica freqüentemente – devemos
lembrar que há muito tempo esse foi um aspecto tido como “natural” da alma
feminina. A batalha para desconstruir velhos esteriótipos que legitimam uma série
de violências é uma tarefa árdua. Podemos condenar e punir determinadas
condutas, mas não devemos esquecer que se nossos jovens tivessem consciência
e opção, talvez agissem de outra forma. “O fato é que a violência e a desigualdade
estão na base das próprias instituições. Suas raízes fazem parte do imaginário e
permeiam as práticas e a cultura e é nisso que precisamos investir: na mudança
de mentalidade”.33
A violência é também exercida sobre nossos jovens, influenciando os seus
comportamentos e as suas atitudes. Desse ponto de vista, a violência cruel e
desumana praticada por eles sobre suas namoradas e esposas é apenas a face
mais visível de uma violência que a sociedade produziu e legou a si mesma; é a
expressão da experiência cotidiana da desigualdade e da falta de cidadania em
que vive a maioria da população.
33
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP,
Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002. Pp. 52.
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BIBLIOGRAFIA
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Campinas-SP, Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002
INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO (03/11/2003) Campanha Publicitária Contra a
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MONTES, Maria Lúcia Aparecida Violência, cultura popular e organizações
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Rio de janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996
MUSZKAT, Malvina. Violência e intervenção in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e
Cidadania. Campinas-SP, Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp, 2002
SOARES, Bárbara Musumeci. A Antropologia no executivo: limites e perspectivas
in CORRÊA, Mariza (org.) Gênero e Cidadania. Campinas-SP, Pagu/Núcleo de
Estudos de Gênero – Unicamp, 2002
VELHO, Gilberto Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva
antropológica in VELHO Gilberto e ALVITO Marcos (Orgs) Cidadania e Violência
Rio de janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996
ZALUAR, Alba A globalização do crime e os limites da explicação local. in
VELHO Gilberto e ALVITO Marcos (Orgs) Cidadania e Violência Rio de janeiro:
Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996
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