32
EIXO TEMÁTICO: CURRÍCULO E SABERES
MODALIDADE: MESA REDONDA
IDENTIDADES JUVENIS: OUTROS SABERES, NOVOS CURRÍCULOS
Elisabete Maria Garbin (PPGEDU/UFRGS - Coordenadora)
Angélica Silvana Pereira (PPGEDU/UFRGS)
Lisiane Gazola Santos (ULBRA/UFRGS)
Michele Barcelos Doebber (FACED/UFRGS)
RESUMO
Nesta mesa redonda propomos mostrar e discutir alguns recortes de pesquisas inscritas no campo dos Estudos
Culturais em Educação, acerca de constituições identitárias juvenis na contemporaneidade. Os recortes dão ênfase às
práticas culturais que abarcam os sujeitos que integram diferentes tribos urbanas, que têm a música como cenário e
fio condutor em suas práticas culturais. As ferramentas das pesquisas realizadas constituíram-se em: observações,
entrevistas, registros fotográficos e diários de campo. Um dos principais objetivos dos estudos foi atentar para os
processos de identificação dos jovens dando visibilidade aos seus múltiplos saberes atrelados à música, pois, dessa
forma, produzem e reproduzem distintas maneiras de 'ser' e 'estar' jovem em diferentes tempos e espaços urbanos. A
música é uma das principais formas pela qual os jovens se apropriam das imagens sociais seja de etnia, de gênero, de
classes sociais, de estilos como linguagens, vestimentas, marcas corporais, nomadismos metropolitanos, ainda que
pouco falem sobre essas diferenças. As músicas que nossos jovens consomem é que falam sobre tais diferenças e, às
vezes, falam por eles. Tais expressões, dentre tantas outras, nada mais são do que diferentes práticas culturais do
cotidiano juvenil urbano, e adquirem significados em contextos específicos, partilhadas [ou não] com seus pares.
Conclui-se que, apesar das diferenças entre os vários estilos de música consumidos pelos jovens, todos contribuem
na formação e fortalecimento de identidades. A música passa a ser uma espécie de fio, de eixo, que vai de casa para
a escola e para onde quer que os jovens forem. A questão central está, então, em conhecer e entender esta mistura
de ânsias e imaginários juvenis. Nossas conclusões apontam para a importância da escola considerar como legítimas
as culturas juvenis, assim como entender o currículo como múltiplo, disseminado e aberto a outros saberes e 'novos
currículos'.
Palavras-chave: identidades juvenis; música; práticas culturais
SE LIGA!!! NÓS ESTAMOS NA ESCOLA!!!
UM ESTUDO SOBRE TERRITÓRIOS ONDE SE INSCREVEM IDENTIDADES MUSICAIS
JUVENIS
Elisabete Maria Garbin (PPGEDU/UFRGS)
32
Michele Barcelos Doebber (FACED/UFRGS)
Problematizando o estudo...
Este estudo é parte do projeto de pesquisa Música e Identidades – possibilidades etnográficas
pós-modernas, em desenvolvimento no Núcleo sobre Currículo, Cultura e Sociedade do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O
projeto estudou temáticas juvenis, música e processos identitários. A partir dos discursos de jovens encontrados em
espaços escolares, este recorte tem como objetivo analisar como a música, enquanto artefato cultural contribui para o
processo de construção das culturas e identidades juvenis, no que diz respeito à produção de estilos juvenis,
especialmente as suas vestimentas, músicas e outros artefatos. A intenção é demarcar que a música e os gostos
musicais, em muitos momentos, estão atrelados a diferentes usos e reinterpretações por parte dos jovens
entrevistados, produzindo múltiplas identidades, sentimentos de pertença e constituindo estilos. Para tanto, foram
realizadas entrevistas e observações com jovens do Ensino Médio em uma escola pública de Porto Alegre/RS. A
fundamentação teórica está inscrita no campo dos Estudos Culturais em Educação e as ferramentas
teórico-metodológicas constituíram-se de entrevistas, observações, fotografias e diários de campo. As análises
mostram que muitos jovens além de usarem da vestimenta para comunicar sua maneira de ser e seus gostos musicais,
outros vão além e passam a portar símbolos e mensagens expressos no corpo, nos adereços e até mesmo na forma
de tatuagens e piercings. Vemos, assim, que a música e os investimentos em diferentes gostos musicais, em muitos
momentos, estão atrelados a diferentes usos e reinterpretações de estilos e que os jovens podem ressignificá-los de
diversas formas, valorizando-os como suporte de comunicação com seus pares.
Numa sala de aula, um jovem com os fones de um walk man nos ouvidos, sussurra,
entusiasmado, um trecho de um rock pop nacional: é o amoooor, é o calooor que aqueece a
allmaaa!!; enquanto outro gruda, sorrateiramente, em seus ouvidos o seu radinho de pilha
[provavelmente para ouvir uma canção de sua preferência]. Num canto da sala, uma jovem
'devora' páginas de um livro de poesias, best seller do momento. Junto à parede, uma jovem
digita um torpedo em seu celular; já outra tenta esconder, junto aos cadernos, a última edição
de uma revista juvenil, que traz na capa o galã da novela do horário nobre. Um jovem, num
outro canto da sala, aguarda a professora passar por entre as carteiras e mochilas 'da hora'
espalhadas pela sala, para mostrar aos colegas uma tatuagem no ombro direito; e eis que
adentra na sala, esbaforida, uma garota, desfilando um cabelo multicolorido, sussurrando aos
colegas: pintei com papel crepom! Ao lado da janela, uma jovem escreve um bilhete para um
colega: Eahe k ra, vamu zoa nu xou dus omi? Toca um celular! E a professora [alheia a isso
tudo?] segue explicando a matéria... (Garbin, 2005).
As cenas descritas no excerto acima poderiam ser de uma sala de aula qualquer, em qualquer lugar... São
expressões que trazem o gosto musical diferenciado dos jovens, sua literatura preferida, a escolha de suas
vestimentas, suas linguagens, falam de seus territórios, suas marcas corporais que colaboram com a afirmação da sua
existência aos olhos dos outros. Expressões essas, dentre tantas outras, que nada mais são do que diferentes práticas
culturais do cotidiano destes jovens, e adquirem significados em contextos específicos, partilhadas [ou não] com seus
32
pares e, às vezes, frente a tensões identitárias de toda ordem, levam a condutas compulsivas.
A música, uma fonte de inspiração dentre os jovens, principalmente no que diz respeito a sua vida cotidiana e
aos seus desafios; é uma das principais formas pela qual os jovens se apropriam das imagens sociais seja de etnia, de
gênero, de classes sociais, de estilos, ainda que pouco falem sobre essas diferenças. As músicas que eles consomem
é que falam sobre tais diferenças e, às vezes, falam por eles. Por outro lado, os jovens falam muito sobre os estilos
das músicas que ouvem. Para comprovar isso, basta acessar uma sala de bate papo sobre música da internet, por
exemplo, em que eles falam sobre as músicas que ouvem, seus gostos, suas preferências por uma ou outra aquela
banda, sobre sua sonoridade, etc. Nosso objetivo não é entrar na discussão sobre as divisões entre música de
mercado e música erudita, composições masculinas e/ou femininas, música urbana e música rural, música européia e
música americana, sobre música sertaneja, nordestina, nativista... Não se pode esquecer que somos e sempre
seremos híbridos, misturados em nossas preferências de consumo cultural. Apesar das diferenças entre os vários
estilos de música veiculados pela mídia, todos contribuem na formação e fortalecimento de identidades; a música
passa a ser uma espécie de fio, de eixo, que vai de casa para a escola e para onde quer que os jovens forem.
Nossos alunos e alunas ‘levam’ suas músicas para a sala de aula de alguma maneira. Ou através de seus
walkman – parte de uma cultura universal -, CDs player, ou através da memória dos filmes que assistem, dos vídeos,
DVDs, dos videoclipes, das fitas cassete, enfim, dos artefatos culturais de seu cotidiano. O que estamos querendo
dizer é que a cultura popular, também através da música, está na sala de aula e por meio dela os alunos e alunas vão
forjando as identidades.
Dimensões temáticas analisadas...
Três dimensões temáticas foram extraídas das recorrências nas observações, entrevistas, diários de campo e
fotografias para este recorte: a) Produção de estilos juvenis - vestimentas, adereços; b) Narrativas de si relacionadas
ao repertório musical que consomem; c) Símbolos, marcas e mensagens expressas no corpo.
a) Produção de estilos juvenis – vestimentas, adereços
Com a expansão da indústria do design na contemporaneidade e, dentre elas, a indústria do design corporal,
tornou-se condição sine qua non, principalmente dentre jovens, a busca de uma sobrevalorização do corpo e seus
assessórios para marcar sua presença no mundo, uma espécie de “corrida sem fim para aderir a si, a uma identidade
efêmera, mas essencial para si e para um momento do ambiente social”, ou seja, “para se tornar notado,
multiplicam-se os sinais da sua existência de maneira visível no corpo (LE BRETON, 2004, p.19). Soma-se a essa
idéia, o fato de que precisamos entender que os signos da cultura popular, as imagens e sons da mídia dominam cada
vez mais nosso senso de realidade e a maneira como definimos a nós mesmos e o mundo ao nosso redor; vivemos
numa sociedade saturada pela mídia. Os processos cotidianos de fragmentação somados ao poder da cultura da
massa, inscrita em códigos e estilos, gestos e performances, têm nas cenas juvenis um terreno próprio para a
formação de identidades. Para Frith (1997), nós absorvemos a música em nossa vida, em nosso ritmo, em nossos
corpos e esta é uma experiência de identidade – não algo que se adquira de forma acabada e pontual, mas sim um
32
processo gradual. O excerto de entrevistas com jovens entre 16 e 18 anos ilustram as assertivas anteriores:
Um dia, eu vi um grupo de roqueiros assim, e fui lá conversar com eles e aí começou. Daí, eu
comecei a andar que nem eles assim, com as roupas rasgadas, do jeito que eu gostava...
(Cássia, 16 anos)
Ultimamente estou me vestindo ‘normal’. [...] mas, já fui roqueira, já me vesti de preto, de
rock and roll até a cabeça, mas cansei, cansei, porque é um estilo sem futuro!? (Lana, 17
anos)
Ah, eu sou bem pagodeiro, calça de brim, camisetinha social e é bem a moda, né? (Kaio, 18
anos)
Stuart Ewen (1991) argumenta que na contemporaneidade, vivemos sob a égide de uma política do estilo, ou
seja, que a partir do “estilo”, construímos marcas de distinção, de identidade e um lugar no mundo. Já para Carmo
(2001, p. 203) “o grupo e o indivíduo passam a ser reconhecidos pelos adereços e vestimentas que usam, e o estilo
torna-se importante expressão da identidade do grupo e dos ideais por ele adotado”.
b) Narrativas de si relacionadas ao repertório musical que consomem
Eu sou um pouco de cada coisa, eu não acho que eu sou punk , que eu sou roqueira, somente.
Eu gosto mais de metal, mas eu não sou... Eu sou um pouquinho de cada coisa! (Cássia, 16
anos)
Eu sou um jovem bem pagodeiro! (Júlio, 17 anos)
Logo que eu comecei a escutar rock and roll [...] eu mudei totalmente. Agora eu vou andar
de preto, eu vou pôr um piercing, vou fazer isso, vou fazer aquilo, vou pintar meu cabelo de
vermelho, vou fazer ‘não sei o quê’ no meu cabelo, vou fazer ‘espeto’, [...] influencia muito,
sim...
(Lana, 17 anos)
Os discursos dos jovens acima demonstram o hibridismo, o “tingimento” identitário que os interpela. É uma
espécie de declaração: eu sou [eu estou] o que eu ouço, neste momento, neste lugar, neste contexto. Valdívia (1999)
afirma que “a música ocupa tanto um lugar de destaque quanto de disputa, uma vez que todos nós somos levados a
definir e afirmar nossas identidades, em parte através das nossas atividades e escolhas musicais” (p.64). Woodward
(2000), ao referir-se aos investimentos de identidade, sugere que os termos identidade e subjetividade se cruzam de
alguma maneira. Para a autora “subjetividade sugere a compreensão que temos sobre o nosso eu (...), envolve os
pensamentos e as emoções conscientes e inconscientes que constituem nossas concepções sobre 'quem somos nós'
(...), nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais" (p.55). Entretanto, assinala a autora,
nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura dão
significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade [ .
. . ] os sujeitos são, assim, sujeitados ao discurso e devem, eles próprios, assumi-los como
indivíduos que, dessa forma, se posicionam a si próprios. As posições que assumimos e com as
quais nos identificamos constituem nossas identidades (2000, p.55).
Assim, para a autora, as posições de sujeito ocupadas constituem as identidades. A autora observa que, por
exemplo, “fatores sociais podem explicar uma construção particular de maternidade, especialmente a de “boa mãe”
32
num ponto histórico, mas não explicam que investimentos indivíduos têm em posições específicas e as ligações que
eles fazem com tais posições” (ibidem, p.42). Como explicar as perguntas feitas por mães às professoras de música
de escolas, do tipo: Como se explica por que, dos dois filhos que eu tenho, cada qual prefere e consome estilos
de música completamente diferentes um do outro, mesmo tendo sido expostos aos mesmos gêneros musicais
de nossa preferência [referindo-se as preferências dos pais] e tendo o mesmo acesso a audiências musicais? A
resposta, por enquanto, limita-se a dizer-lhes que a única coisa que sei é que, assim como agora eu “estou” eu, ela
“está” ela, cada filho “está” uma pessoa diferente. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que a mídia tem um papel de
interpelação na vida dos jovens, como é o caso aqui, porém o impacto da mesma provoca manifestações distintas.
Inspiramo-nos em Hall (1998) quando observa que os processos de fragmentação de identidades produzem um
sujeito com uma identidade “móvel”, “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais
somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (p.13). Para Hall “a identidade é
realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na
consciência no momento do nascimento” (Ibidem, p.38). Provavelmente essas premissas não respondam às
perguntas das mães a que nos referíamos há pouco, assim como não explicam a nós mesmas. E essas diferenças e
descentramentos emergem num mesmo território, com jovens praticamente da mesma idade, com as mesmas
“condições” [computador em casa, escolaridade, acesso a internet, televisão a cabo, aparelhagem de som, acesso a
shows de vários estilos, dentre outros]. Como afirmou Hall: “psicanaliticamente, nós continuamos buscando a
‘identidade’ e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos ‘eus’ divididos numa unidade”
(Ibidem, p.39). Provavelmente por isso não concordamos com as afirmativas adornianas e seus seguidores de que
jovens são consumidores passivos, totalmente manipuláveis pela indústria fonográfica. Por um lado, pudemos verificar
em entrevista por telefone com diretores de departamento de televisão de grandes gravadoras como a EMI e a
WARNER, por exemplo – aqueles que determinam os estilos dos videoclipes a serem criados, para veicular a
música que deverá “emplacar” [chamada de 'música de trabalho'] de uma banda, cantor ou cantora – que há, sim, um
direcionamento destas ao consumo de mercado, principalmente no lançamento de CDs e “jabás” pagos às rádios
oficiais. Por outro lado, pode-se constatar que a maioria dos jovens entrevistados conhece os diferentes gêneros
musicais que consome e é capaz de escutar, localizar histórias de seus ídolos, influências e fontes musicais, como
também muitos deles estudam música, tocam um tipo de instrumento; entretanto, em sua maioria, buscam
aproximar-se do repertório de sua preferência musical, como que para dizer a si mesmo e aos outros: “eu já toco
duas músicas “deles”! Estes jovens não hesitam em emitir seus juízos de valor sobre a música que consomem, de
que gostam e sobre as de que não gostam. Seus padrões de consumo são também complexos e não sinalizam um
simples assujeitamento à indústria fonográfica e seus tentáculos.
c) Símbolos, marcas e mensagens expressas no corpo
Eu tenho um piercing no queixo... Tenho uma tatuagem no pulso ‘Amor e Loucura’, outra nas
costas ‘Vida Louca’ e uma estrelinha na barriga. [...] ‘Vida Louca’ é título de uma música do
Cazuza, porque a minha vida é muito louca, assim... (Angel, 18 anos)
Ah, eu faria símbolos do Guns, sabe? Bandas de rock and roll (Diogo, 21 anos)
32
Eu não tenho tatuagem, eu não tenho piercing, mas eu queria ter. Meu pai não deixa. [...] eu
faria um desenho do Canibal C dum Cd que tem, ou faria o pentagrama do Crisan (Cássia,
16 anos)
Em suas narrativas, os jovens parecem utilizar seus corpos como um texto comunicativo gerador,
armazenador e transmissor de informações culturais, no caso, a música.
E sobre a tatuage m que tu te ns o que e la significa?
Ah, eu fiz ela em homenagem a uma música do Children of Botton , que é uma música que
eu acho bem legal, curto pra caramba, aquela música, é a melhor música que eu acho deles.
E o que te m a ve r o símbolo com a música?
O nome da música significa estripador [...] É morte. Muitas pessoas ficam falando ‘Ah, tu vai
morrer porque tu botaste a tatuagem’, não, nada a ver. Se tu vai acreditar no que os outros
falam, é muito difícil...
Seus discursos indicam que as marcas servem, sobretudo, às intenções do estilo, “ao conservar o estatuto de
acessórios para adornar o corpo e compor um visual, construído no sentido de se demarcar socialmente ao marcar
um estilo próprio, singular e autêntico” (Ferreira, 2004, p. 96). Sob o reinado do olhar,
a superfície torna-se o lugar da profundidade. Para se destacar do fundo de indiferenças,
convém, pois tornar-se visível se se quer escapar ao anonimato. A originalidade do vestuário,
do penteado, da atitude, etc., ou, bem entendido, a tatuagem, o piercing, as escarificações, o
branding, etc., são meio de sobrevalorizar o corpo e afirmar a sua presença para si e para os
outros. São sinais para não se passar despercebido e logo para existir aos olhos dos outros, ou
pelo menos se ter disso o sentimento (LE BRETON, 2004, p. 19).
Segundo Woodward (2000, p.15), “o corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento de fronteiras que
definem quem nós somos servindo de fundamento para a identidade”. Para Sant´Anna (2001, apud, RAMOS, p.13)
tatuagens desenhadas “em diferentes partes do corpo vestem e despem ao mesmo tempo as subjetividades de cada
um [ . . . ] A tatuagem é, nesse aspecto, concebida como uma forma de comunicação corporal, na qual cada tatuado
se dispõe às incisões da história, há muito responsável por marcar os corpos para melhor socializa-los”. A autora
segue argumentando que “a riqueza cultural que representa a tatuagem como vestimenta encarnada e, igualmente,
como uma metamorfose que vai muito além da própria pele [ . . . ] A tatuagem demarca e circunscreve [ . . . ] A
tatuagem demarca grupos, alimenta códigos de sociabilidade, fomenta saberes especializados e constitui um mundo
de imagens” (ibidem, p.14).
Gotas finais...
Ao retomarmos as três dimensões de análise deste recorte, resultados das recorrências nas observações,
entrevistas e diários de campo, a saber, a produção de estilos juvenis - vestimentas, adereços; as narrativas de si
relacionadas ao repertório musical que consomem e os símbolos, marcas e mensagens expressas no corpo.
As ‘tribos’ são hoje o exercício da multiplicidade, da tolerância, segundo achados do Dossiê Universo
Jovem2 MTV. A aproximação de jovens com gostos parecidos, atitudes comuns num cenário de diversão e
32
consumo semelhantes - leia-se show da Big Band Rolling Stones no Rio de Janeiro no mês de fevereiro/2006 que
segundo a mídia, reuniu 1,3 milhão de pessoas além das platéias no mundo inteiro, assistindo pela televisão, pelos
computadores, ao vivo, e o show da banda irlandesa U2 dois dias depois em São Paulo que reuniu milhões de
pessoas de todos os lugares, com os mesmos gostos. O fato é que muitas culturas povoam a juventude brasileira,
como metaleiros, internautas, roqueiros, pagodeiros, rappers, punks, reggueiros, grunges, nerds, boyzinhos,
luluzinhas, burguesinhos, manos, skinheads, patricinhas, mauricinhos, maloqueiros, maconheiros, funkeiros,
skatistas, gays, drag queens, favelados dentre tantos, [ufa! como os pares se aproximam!].
As palavras da ex-VJ da MTV, Sonia Francine (2000), reporta-nos aos jovens de hoje, para observar que,
sobre eles, é impossível dizer 'os jovens são isso' [ou 'aquilo']. A autora assinala que "o espectro que vai dos liberais
aos conservadores, dos modernos [eu incluiria, aqui, dos pós-modernos] aos antiquados, dos adesistas aos
inconformados, dos antenados aos distraídos, tem muito mais nuances do que as citadas". E ela segue argumentando:
Há jovens alienados agora, assim como havia antes. Há jovens equivocados e jovens
esclarecidos. Há jovens altruístas e idealistas, como há ambiciosos e egocêntricos. Todos com
muitas coisas em comum entre si (...). Se a música continua uma boa referência do que
querem e sobre o que pensam os jovens, seu significado não é muito evidente – a mesma
menina que se diverte com Planet Hemp e Charlie Brown Jr pode gostar de Hanson e de
Ivete Sangalo; o garoto que ouve um pagode romântico e "alienado" pode amar Thaíde & DJ
Hum e Racionais MC's, Chico Science e Nação Zumbi, representando os pobres das regiões
mais pobres do Brasil. Alguns jovens da periferia adoram Djavan e não têm o menor respeito
por Caetano Veloso, mas quase todos reverenciam Legião Urbana (Ibidem, p.113).
As “diferenças" e "similaridades" em relação aos gostos [no caso, musicais] dos jovens a que se refere
Francine (2000) na citação acima, parecem vir ao encontro dos comentários de McRobbie (1995), quando esta se
refere ao processo de aquisição de identidade no terreno dos Estudos Culturais. A autora assinala que
por um lado ele é fluido, nunca completamente assegurado e está continuamente sendo refeito
(...) por outro lado, ele só existe em relação ao que não é, às outras identidades que são seu
"outro"; (...) a identidade, portanto, está fundada na identidade social, em grupos sociais ou
populações com algum sentido de uma história e de uma experiência partilhada" (p.58-59).
Das revoluções culturais do nosso tempo, a emergência da chamada 'cultura da mídia' - incluindo-se nela as
tecnologias virtuais - em sua dimensão global, resulta numa espécie de mix cultural sustentado pelas diferenças nas
condutas de jovens em suas práticas culturais que podem ser constatadas em grupos diversificados em uma mesma
sala de aula. Somos interpelados incessantemente por símbolos do consumo que, ao mesmo tempo em que nos
constituem dessa ou daquela maneira, acabam sendo ressignificados a todo o momento. Logo, se problematizarmos
o conceito de juventude(s) com as lentes da cultura, podemos ver tais juventudes como, no mínimo, comunidades de
estilos, atravessadas por identidades de pertencimento, desde o look de suas vestimentas e adereços, incluindo aqui
estilos musicais, comportamentos, gírias, atitudes corporais, etc. Observe que alguns jovens em sua sala de aula usam
um tipo de roupa que corresponde a um estilo musical que vêm consumindo neste momento, assim como outros dão
seus sinais de identidade através de piercings, brincos, tatuagens e outros tipos de marcas corporais, buscando
afirmar uma singularidade que já não indica uma forma de dissidência ou inconformismo sociais, e, sim, mais uma
32
prática que simplesmente significa 'estar na moda', 'ser do grupo', e não 'protesto contra o sistema capitalista', ou
'protesto contra as regras hipócritas do mundo adulto'. Por tal, perguntamos: estaremos nós, enquanto educadores,
atentos a essas novas práticas, identidades, formas de expressão, dos jovens contemporâneos?
A questão central está, então, em conhecer e entender esta mistura de ânsias e imaginários juvenis. Por isso
perguntamos: quantas vezes neste ano, meu caro professor, você foi a uma banca de revistas para buscar por aquelas
destinadas ao público juvenil? Você já experimentou convidar seus alunos a musicar poemas de clássicos da literatura
que são trabalhados em sala de aula? Conheces as bandas musicais preferidas dos teus alunos e alunas? Conheces as
letras de algumas dessas músicas? Certo é que a juventude contemporânea tem se caracterizado por suas diferentes
culturas, que afloram em muitos lugares, ao mesmo tempo, como a da geração zapping, da geração digital, das
características de nomadismos, da linguagem do 'tipo assim', da 'parada animal', enfim, urge que nos percebamos - e
também aos nossos alunos e alunas - como sujeitos de uma condição cultural que através de inúmeros investimentos
nos modifica, transforma e constitui diferentes maneiras de ser e estar no mundo.
Não fiquemos no passado, não julguemos e não condenemos preliminarmente, não façamos relações de
causa e efeito entre determinadas manifestações juvenis E traços de caráter para não repetirmos os intermináveis [e
cada vez mais aprofundados] choques de geração, sob pena de nos transformarmos em 'alienígenas' diante de nossos
alunos e alunas [!] e sem abertura para estes outros saberes e novos currículos...
REFERÊNCIAS
BRETON, David Le. Sinais de identidade – tatuagens, piercings e outras marcas corporais. Trad. Tereza Frazão.
Lisboa: Ed. Miosótis, 2004.
CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia – a juventude em questão. São Paulo: Ed. SENAC, 2001.
DOSSIÊ UNIVERSO JOVEM2 MTV. ROCCA, Wilma (Org.). Escritório de pesquisa e planejamento –
[email protected], 1999.
EWEN, Stuart. Todas las Imágenes del Consumismo – la política del estilo en la cultura contemporánea. México,
D.F.: Editorial Grijalbo, 1991.
FERREIRA, Vítor Sérgio. Do Renascimento das marcas corporais em contextos de neotribalismo juvenil. In: PAIS,
José Machado; BLASS, Leila Mª da Silva. Tribos Urbanas: produção artística e identidades. Pinheiros: Annablume,
2004, p. 71-102.
FRANCINE, Sonia. Os jovens de hoje e os mistérios de sempre. In: Revista Veja Especial 2000, ano 33-nº 52, 27
de dezembro de 2000, Editora Abril.
FRITH, Simon. Music and Identity. In: HALL, Stuart e DU GAY, Paul (ed.). Questions of Cultural Identity. Sage
Publications, 1997, p. 108-127. (Trad. Ricardo Uebel)
GARBIN, Elisabete Maria. Se Liga!! Nós estamos na Escola!! - Drops sobre culturas juvenis contemporâneas.
Jornal NH, Novo Hamburgo: setembro, 2005. Caderno Cultura NH na Escola.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 2ª ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes
Louro. Rio de Janeiro, DP&A, 1998.
McROBBIE, Angela. Pós-marxismo e Estudos Culturais. In: SILVA, Tomáz Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de
aula, Petrópolis: Vozes, 1995.
SANT´ANNA, Denise Bernuzzi de. Apresentação. In: RAMOS, Célia Maria Antonacci. Teorias da tatuagem:
32
corpo tatuado: uma análise da loja Stoppa Tatoo da Pedra. Florianópolis: UDESC, 2001.
VALDÍVIA, Angharad N. Repensando a pedagogia para o século XXI: garotas adolescentes, cultura popular e a
política de identidades juvenis. In: SILVA, Luíz Heron da (Org.). Século XXI: qual conhecimento? Qual
currículo? Petrópolis: Vozes, 1999.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu
(Org.). Identidade e Diferença – A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
32
EIXO TEMÁTICO: CURRÍCULO E SABERES
MODALIDADE: MESA REDONDA
IDENTIDADES JUVENIS: OUTROS SABERES, NOVOS CURRÍCULOS
Elisabete Maria Garbin (PPGEDU/UFRGS - Coordenadora)
Angélica Silvana Pereira (PPGEDU/UFRGS)
Lisiane Gazola Santos (ULBRA/UFRGS)
Michele Barcelos Doebber (FACED/UFRGS)
RESUMO
Nesta mesa redonda propomos mostrar e discutir alguns recortes de pesquisas inscritas no campo dos Estudos Culturais em
Educação, acerca de constituições identitárias juvenis na contemporaneidade. Os recortes dão ênfase às práticas culturais que
abarcam os sujeitos que integram diferentes tribos urbanas, que têm a música como cenário e fio condutor em suas práticas culturais.
As ferramentas das pesquisas realizadas constituíram-se em: observações, entrevistas, registros fotográficos e diários de campo. Um
dos principais objetivos dos estudos foi atentar para os processos de identificação dos jovens dando visibilidade aos seus múltiplos
saberes atrelados à música, pois, dessa forma, produzem e reproduzem distintas maneiras de 'ser' e 'estar' jovem em diferentes tempos
e espaços urbanos. A música é uma das principais formas pela qual os jovens se apropriam das imagens sociais seja de etnia, de
gênero, de classes sociais, de estilos como linguagens, vestimentas, marcas corporais, nomadismos metropolitanos, ainda que pouco
falem sobre essas diferenças. As músicas que nossos jovens consomem é que falam sobre tais diferenças e, às vezes, falam por eles.
Tais expressões, dentre tantas outras, nada mais são do que diferentes práticas culturais do cotidiano juvenil urbano, e adquirem
significados em contextos específicos, partilhadas [ou não] com seus pares. Conclui-se que, apesar das diferenças entre os vários
estilos de música consumidos pelos jovens, todos contribuem na formação e fortalecimento de identidades. A música passa a ser
uma espécie de fio, de eixo, que vai de casa para a escola e para onde quer que os jovens forem. A questão central está, então, em
conhecer e entender esta mistura de ânsias e imaginários juvenis. Nossas conclusões apontam para a importância da escola
considerar como legítimas as culturas juvenis, assim como entender o currículo como múltiplo, disseminado e aberto a outros saberes
e 'novos currículos'.
Palavras-chave: identidades juvenis; música; práticas culturais
SABERES (DES) ESCOLARIZADOS DE JOVENS PUNKS EM PORTO ALEGRE
Angélica Silvana Pereira (PPGEDU/UFRGS)
Esta comunicação constitui-se em um recorte de estudo sobre jovens que adotam o movimento punk como um estilo de
vida, em Porto Alegre. Tais jovens se encontram em vários espaços públicos da cidade partilhando e atribuindo significados às suas
práticas culturais, através de vestimentas, músicas, bandas, materiais literários [fanzines e outros] que produzem por e para jovens
punks de todas as partes do mundo. Tais materiais, bem como as histórias contadas por alguns desses jovens, evidenciam saberes
concernentes à cultura punk que os constituem.
O principal objetivo do estudo é discutir aspectos pertinentes aos processos de identificação desses sujeitos, através das
diversas tramas narrativas pelas quais alguns jovens ditos punks narram a si mesmos, narram os 'outros' e como são narrados em
diversos espaços sociais em Porto Alegre. Focaliza-se no modo como as narrativas atravessam e são atravessadas pelas práticas
culturais ditas punks.
Neste recorte, são trazidas algumas interdiscursividades relacionadas às histórias desses jovens, observadas, vivenciadas e
contadas a partir de tais práticas, cruzadas com suas passagens pela escolarização formal. Os caminhos teórico-metodológicos são
calcados na etnografia pós-moderna e têm nos diários de campo, sua base de construção de dados, além de entrevistas e textos
imagéticos.
Nas análises preliminares, alguns jovens punks, através de suas narrativas, são veementes ao afirmar: o movimento punk me
educa! Destacam o slogan faça você mesmo, adotado pelo movimento, como um saber que endereça tais jovens a buscar
32
possibilidades de autonomia na vida cotidiana.
Dentre os jovens que fizeram corpo ao referido estudo, a grande maioria abandonou a escola antes de concluir o ensino
médio, ou desistiu de ingressar nas universidades. Segundo suas narrativas, a escola não consegue lidar com os seus jeitos ditos
'estranhos' e 'diferentes' de serem alunos e com os seus saberes punks. Logo, as narrativas destes jovens, evidenciam os diferentes
posicionamentos que ocupam a partir dos discursos que circulam no meio escolar.
Mostram também como tais sujeitos posicionam a escola nas suas vidas e como a representam em materiais produzidos
dentro da cultura punk. Tais representações, geralmente estão associadas às idéias de prisão e opressão. Sendo assim, cabe-nos
indagar: como a escola pensa e elege os saberes escolares que compõem os seus currículos? As culturas juvenis são contempladas
ao se pensar os currículos destinados ao ensino escolarizado desses sujeitos?
O que são punks?
O que são punks? Para as pessoas, punks são vagabundos, que só querem arrumar
brigas e bagunças. Mas nada disso é verdade, eles são pessoas iguais às outras, que
querem um mundo mais justo. Eles não apóiam o dinheiro, pois se não existisse o
dinheiro, não haveria roubo, seqüestro, inveja, etc. As roupas que os punks usam, têm
um significado: querem mostrar seus ideais O. A roupa rasgada, demonstra que eles
não são consumistas. Os inimigos dos punks, além dos governos, são os skinheads.
Enquanto os punks querem uma sociedade justa, os skinheads só querem confusão, são
racistas, são contra homossexuais, nordestinos, e outros povos [ . . . ]. Pra mim, punks
são pessoas que querem um mundo melhor, elas são revoltadas com a sociedade, pois a
sociedade não aceita elas. (Excerto extraído do site www.pessoal.educacional.com.br).
Inspirei-me na primeira frase do excerto acima para ‘apresentar’ brevemente a cultura punk. Tal excerto abarca muitas das
características do universo punk. Como o próprio texto revela, ser punk diz respeito a um conjunto de jeitos de ser e estar no mundo,
cada um com os seus próprios significados.
A cultura punk, entre tantas outras, diz respeito às inúmeras maneiras de ser e de estar jovem na contemporaneidade, em
diferentes espaços sociais. Essas multiplicidades juvenis remetem ao uso da categoria juventude no plural. As reflexões acerca das
culturas juvenis destacadas por autores como Reguillo (2003) e Feixa (1999) afirmam que não existe uma única juventude, e sim,
juventudes. Para Reguillo (2003), ser jovem corresponde à multiplicidade e mobilidade de incorporações, invenções de símbolos e
mesclas vividas em suas culturas.
Como expressões dessas culturas juvenis, o movimento punk em Porto Alegre tem grande visibilidade pelas ruas e em
outros espaços públicos, principalmente no Parque da Redenção [parque localizado na região central da cidade], ao entardecer dos
domingos. Em bandos, muitos jovens dirigem-se ao Monumento do Expedicionário [monumento construído em homenagem aos
expedicionários da II Guerra Mundial], para lá estarem juntos.
Feixa (1999) argumenta que as culturas juvenis são expressões coletivas das experiências sociais dos jovens, através da
construção de estilos de vida distintos, localizados no tempo livre e/ou em fendas da vida institucional – escola, família, igreja... Sua
expressão de maior visibilidade é o conjunto de estilos juvenis ‘espetaculares’, como é o caso dos jovens punks, em Porto Alegre.
Para falar sobre cultura punk, apoio-me nas teorizações no campo dos Estudos Culturais, em que cultura é entendida como
um campo de luta entre diferentes grupos sociais acerca de significações (Silva, 2000). Segundo Hall (1997), a cultura assume um
papel central porque atravessa tudo o que acontece na vida cotidiana e nas representações dos sujeitos sobre os acontecimentos do
dia a dia. Para autores como John Frow e Meaghan Morris (apud Costa, Silveira, Sommer, 2003) o conceito de cultura pode ser visto
como um conjunto de práticas de representação que compõem e recompõem grupos diversos na sociedade.
Através dos séculos de uso, a palavra cultura foi adquirindo uma série de significados díspares e muitas vezes
contraditórios. Hebdige (2004) apresenta dois conceitos iniciais sobre cultura. Um vem do século XIX, que define a cultura como
norma de excelência estética, o outro se refere a um modo específico de vida que expressa determinados significados e valores, não
apenas em relação à arte e ao ensino, mas também às instituições o ao comportamento cotidiano.
Ainda no contexto mundial em que a cultura estava relacionada com a idéia de excelência estética, a sociologia desenvolveu
32
o termo subcultura, a partir de estudos sobre comportamentos considerados desviantes, como por exemplo, o dos jovens
delinqüentes. Segundos Islas (1998), o termo subcultura provém da escola de Chicago, que o entende como a diversidade cultural
correspondente aos grupos sociais localizados em áreas de menor integração ao sistema, ou seja, marginais, ligadas a condutas e
valores de rudeza, rebeldia, delinqüência. – marginalizadas. Surge assim, o conceito de subcultura juvenil, que implicou, em um
primeiro momento, uma série de comportamentos juvenis diferentes àqueles dos seus pais e adultos.
O movimento punk que hoje é também chamado por seus adeptos de cultura punk, foi considerado uma subcultura juvenil
durante os anos que surgiu e se proliferou pelo mundo. Com as teorizações dos autores do campo dos Estudos Culturais, subcultura
passa a ser entendida como sistema de significação, estilos de vida e modos de expressão desenvolvidos por grupos em posições
estruturais subordinadas, em respostas aos sistemas de significação dominantes. Assim, tais grupos refletiam suas tentativas de
solucionar as contradições estruturais originárias de um contexto social mais amplo (Broke, 1985, p. 8). Nesse sentido, o conceito de
subcultura na contemporaneidade, diz respeito aos valores, crenças, atitudes e estilos de vida de uma minoria dentro de uma
sociedade, geralmente relacionadas às culturas juvenis, como punks e skinheads, e metaleiros, por exemplo.
De modo a articular com os conceitos [inesgotáveis] de cultura e subcultura, pode-se trazer o estudo acadêmico sobre
punks de Helena Wendel Abramo que problematiza as cenas juvenis de punks e darks no espetáculo urbano de São Paulo. Segundo
a autora, “a maior parte dos acontecimentos que põem em evidência a juventude dos anos 80 parece estar ligada à formação de tribos
(bandos, estilos, subculturas, culturas) ligada a determinados estilos musicais e modos espetaculares de aparecimento” (1994, p. 43).
Conforme a autora, o fenômeno deflagrador da onda de grupos juvenis com características mais exageradas e espetacularizadas, foi o
aparecimento do punk na Inglaterra em 1976/1977, como uma nova subcultura juvenil que se articula ao mesmo tempo entre uma
reversão do rock e um modo de vestir extremamente ‘anormal’.
A cultura punk diz respeito às práticas culturais que implicam em saberes desses jovens, como músicas, literatura alternativa
[fanzines] e um estilo de vida relacionado ao slogam ‘do it yourself’ -‘faça você mesmo’, que abarca o aspecto chocante e estranho
de seu visual. Cabe destacar que entendo determinadas práticas como culturais, porque instituem, renovam e colocam em circulação
significados pertencentes a culturas específicas.
Ao falar sobre saberes de jovens punks, enfatizo neste momento àqueles construídos a partir da (des)articulação entre
cultura e escola em que, conforme Veiga-Neto (2004), pode ao mesmo tempo produzir e reproduzir tanto a cultura na sociedade em
que a escola está situada, produzindo e reproduzindo também a própria sociedade.
Como basiladora de práticas culturais juvenis, a cultura punk além de constituir, ensina modos de ‘ser’ e ‘estar’ jovem hoje,
na cidade de Porto Alegre [e em muitas outras]. Ainda segundo Veiga-Neto (idem), a vida escolar e social gravitam em torno dos
currículos escolares . No entanto, há que ser considerado o que o autor chama de “alargamento do conceito tradicional de currículo”
(p.52), ou seja, um currículo que extrapola o espaço escolar e que está presente em espaços e lugares diversos, produzindo saberes
diversos, como, por exemplo, os saberes dos referidos jovens punks.
Saberes musicais punks - A gente gosta de barulho!!!
O subtítulo acima traz um excerto de um jovem punk, ao comentar sobre a música e sua importância para os adeptos da
cultura punk. É através da música que muitos jovens punks expressam suas idéias, impressões, sensações e sentimentos sobre o
mundo.
Shuker (1999), assim como Abramo (1996), destaca o punk como uma subcultura jovem associada diretamente com a música,
que rapidamente se expandiu para muitos centros urbanos do mundo. Em uma conversa com um jovem punk, o mesmo salienta:
Punk (25anos): O movimento punk está identificado com a música direto. Se não tivesse se identificado com a música, seria
nada a mais, nada a menos que uma outra vertente política. A música é o contraponto. É o som, o barulho.
32
Como se pode observar no excerto acima, o jovem destaca que a música assume o papel fundamental na identificação dos
sujeitos punks. O estilo punk rock era “barulhento, rápido e agressivo. As bandas punks usavam [e usam] as apresentações ao vivo
para estabelecer uma identidade e construir sua reputação” com seu público (Shuker, 1999, p. 223). No início do movimento, as
técnicas de gravação de discos simulavam uma apresentação ao vivo. Os vocais punks rejeitavam a perfeição da voz, abusando das
vozes graves e gritadas, enfatizando mais a voz e instrumentos do que as letras. O ritmo punk era considerado primitivo e
minimalista, com bandas formadas, geralmente com três instrumentos: guitarra, baixo e bateria. Essa era a melhor combinação para
expressar o sentimento punk de ira e frustração e para representar o cotidiano como se fosse o dia do juízo final.
Hoje, há trinta anos do surgimento do movimento punk, ao ouvir um CD de punk rock, muitas dessas características
permanecem e são facilmente identificáveis, como as vozes e acordes ásperos e gritados, letras incompreensíveis e ritmos rápidos e
estridentes.
Muitos jovens são autodidatas ao aprender a tocar seus instrumentos e assim compõem suas bandas de punk rock. Cantam
composições próprias, geralmente com textos de denúncia e protesto contra problemas sociais como a fome, miséria, guerra,
preconceito racial, étnico e de gênero. Repudiam em suas composições, a qualquer forma de opressão, conforme mostra o excerto da
música Não, da banda punk porto-alegrense No Rest.
Já nascemos programados e sem opção
Não temos futuro nem proteção
Nossos pais lutaram e não venceram
Somos filhos órfãos da revolução
Agora nesse instante planejam mais uma ação
Mantendo a miséria e a ignorância como fonte à exploração
Movimentam enorme quantidade de dinheiro
E nem sequer vemos um centavo em nossas mãos
Não! Não! Não!
Para os jovens punks, a música tem grande importância nas suas práticas com o grupo de pertencimento.
Além de ser uma forma de expressão, através das formações de bandas estabelecem uma vasta rede de contatos
com outros jovens, organizam festas, shows e se aventuram para muitos lugares desconhecidos com o objetivo de
mostrar as músicas que compõem e para seus pares.
Além da música, o movimento punk faz da produção, da troca e da circulação de fanzines uma prática cultural de grande
importância para as suas relações com outros jovens punks do mundo.
A literatura produzida nos fanzines punks
Os fanzines punks são artefatos produzidos para contar as vivências dentro do movimento punk e para expressar as
impressões e sentimentos sobre o mundo dos sujeitos ditos punks.
Num fanzine, pode-se encontrar relatos
de shows,
entrevistas com bandas punks e eventos que participam, fotografias, textos informativos sobre suas práticas, desenhos que
expressam suas idéias e sentimentos sobre o que vivem e o que vêem no mundo, cartas de leitores, textos de abertura em forma de
editoriais, enfim, nos fanzines, os punks, registram o que querem e como querem, como evidencia o excerto que segue:.
Além de artefato, o fanzine é também uma prática cultural do movimento punk. Como uma forma de expressão livre, exime o
autor do compromisso de assinar seu nome embaixo. Muitos materiais encontrados nos zines [como também são chamados os
fanzines] trazem as assinaturas dos seus autores. O que pudemos notar examinando tais artefatos, assim como nas conversas com os
jovens com os quais tive contato, é que muitos deles se utilizam codinomes dentro da cultura punk, e por esses são reconhecidos e
identificados na rede de relações que estabelecem.
Tal situação nos permite trazer o estudo de Garbin (2001) sobre identidades juvenis em chats de música da Internet, quando
apresenta os nicknames com um forte marcador de identidades, uma forma de invenção identitária juvenil ao manifestarem suas
32
presenças nas conversas dos chats. Assim, os codinomes e apelidos punks são marcadores de suas identidades principalmente
dentro do movimento, através dos quais podem também se reinventar.
Na cultura punk, o fanzine dificilmente é comercializado através da venda. Fanzine não é pra ser vendido, é pra ser trocado
, dizem alguns punks. Essas trocas acontecem entre jovens do mundo inteiro, através do correio ou pessoalmente. Atualmente, a
Internet tem facilitado esse processo, principalmente para aqueles que têm acesso fácil a ela. Quando são vendidos, os preços dos
fanzines punks equivalem, em valor comercial, apenas para a cobertura do custo de sua produção, de forma a não favorecer o lucro.
No Brasil, os fanzines começaram a ser produzidos na metade dos anos 1960, quando a ditadura militar estabelecia alto
controle sobre a grande imprensa. Assim, os fanzines assumiram o caráter de divulgação dos acontecimentos, sem ter grandes
compromissos com a estética padronizada, com assinaturas de nomes ou comprometimentos políticos, que não fosse com a denúncia
e o protesto.
Dessa forma, o fanzine é considerado uma publicação independente e amadora, correspondente ao slogam punk faça você
mesmo, que pode ser feita artesanalmente, quase sempre em pequena tiragem, impressa em mimeógrafos, fotocopiadoras ou
pequenas impressoras offset (Magalhães, 2003).
A escola, assunto recorrente nas narrativas dos jovens punks, é também representada nos fanzines, sendo posicionada
como o inimigo que reprime, deforma, aprisiona e oprime, ocupando um lugar de descrédito.
Os fanzines caracterizam-se como um meio alternativo e independente de expressão. Segundo Souza (2003), para alguns
jovens e especialmente para os jovens punks, os modelos de comunicação massiva, tais como televisão, jornais e revistas de grande
tiragem e rádios oficiais são questionados e vistos como reprodutores das culturas dominantes.
Assim, os produtores de fanzines punks, constroem meios alternativos de comunicação controlados por eles mesmos,
afastando da mídia a legitimidade de comunicar o conteúdo das suas vivências, criando uma rede de comunicação entre si.
Puig (2002) aponta a possibilidade das culturas juvenis apresentarem características próprias, as quais podem necessitar de
meios de comunicação também próprios, dentre eles, os impressos. Souza (2003) trata os fanzines como práticas educativas [que
também são culturais], na sua pesquisa realizada com jovens pertencentes a grupos de música e religião em Santo Antônio da
Patrulha/RS. Para a autora, tal rede de comunicação serve como canal para um imaginário de comunidade, com a qual é compartilhado
um universo simbólico capaz de expressar laços de união e solidariedade; desejos e objetivos comuns.
Juntamente com a vestimenta, com a música, com a linguagem, com os gestos e com os grafites, os fanzines são expressões
de culturas juvenis, que evidenciam a diversidade de suas constituições identitárias. Como artefato e prática cultural, o fanzine pode
ser visto como difundidor e constituidor de identidades punks, na medida em que através deles, os punks narram-se, manifestam-se,
expressam-se e estabelecem relações com o outro e consigo mesmo.
Visual punk: alunos estranhos e alienígenas
Muito estranhos! Assim é considerada pela escola a grande maioria dos jovens punks desse estudo. Para Bauman (1998),
estranho é algo ou alguém que está fora da ordem. É o diferente sobre o qual não se pode falar porque não o conhecemos. É o que
está fora de mim, sobre o qual eu não tenho saberes e que, por isso, torna-se ameaçador e ‘inconvivível’. Dentre as práticas culturais
punks, o visual é um dos aspectos que mais chama atenção e causa estranheza. Cabelos com penteado estilo moicano utilizando
sabão para deixá-los ‘espetados’. Roupas escuras, geralmente pretas, rasgadas, que causam a impressão de velhas e sujas, muitas
vezes pintadas e bordadas com símbolos e palavras que expressam idéias e posicionamentos. Calçados pesados como os coturnos
pretos ou tênis da marca all’star com aspecto envelhecido. Acessórios como munhequeiras de couro com metais pontiagudos
incrustados e correntes, as quais podem servir também como instrumentos de autodefesa. Jaquetas em tecido ou couro decoradas
com tachinhas metálicas, com apliques e pinturas de símbolos, nomes de bandas, frases e palavras que evidenciam a atitude punk.
Esses são alguns dos investimentos no estilo visual punk, no entanto, não é o visual que necessariamente determina o que é ser
punk.
Conforme o excerto que de uma conversa com um jovem punk, o mesmo destaca que o visual é apenas uma das
32
características do movimento:
Ser punk é muito mais do que se vestir assim ou assado. Ser punk é não se conformar com o mundo do
jeito que tá, tá ligado? Tem que resistir tem que fazer alguma coisa. Tem punk que nem se veste de
preto. Tem um amigo meu que se tu olhar pra ele na rua, tu não diz que o cara é punk, mas o cara tá
sempre na luta. Tem uns aí que só porque se vestem que nem a gente, ficam dizendo pra todo mundo
que são punks. Mas não é bem assim, né, cara... Punk é tá resistindo todo dia, ali, na luta... (Diário de
campo, novembro de 2004).
Como evidencia o excerto, o visual não é tudo, mas faz parte das práticas culturais ditas punks. Outros jovens que
participaram desse trabalho, destacaram que o visual sempre foi um causador de estranheza para as pessoas, em diferentes espaços,
como aconteceu também na escola que estudava:
Punk (22 anos): Eu comecei a gostar do punk, não porque eu achava bonitinho... Acontece que eu, quando tinha 9, 10 anos,
hoje eu tenho 22, eu ia pro colégio com a camiseta do lado avesso. Eu nem sabia que existia esse troço, assim, de punk. Daí, eu
tinha uma amigo que assim como eu, gostava de usar a camiseta virada do avesso. Aí, nós pintávamos as camisetas com coisas
que a gente gostava. Quando a gente chegava no colégio, os professores diziam que a gente era punk. E a gente nem sabia o
que era isso... Mais tarde nós fomos saber e agora eu tô aqui, junto com eles. Eu gosto do punk, acho que os meus professores
estavam certos, eu era punk desde pequeno, e ainda não sabia.
Embora o movimento punk não esteja ligado somente à música e ao visual, é através destes que ganha destaque e
visibilidade entre seus pares e na sociedade em geral. Tais aspectos reiteram o processo de identificação de jovens punks dentro de
suas práticas entre os diferentes, principalmente dentro da escola.
A importância do espaço escolar como lugar onde ocorrem os processos de identificação dos sujeitos, seja através do
‘outro’ com o qual partilha idéias e sentimentos, seja através do ‘outro’ como um marcador da diferença. Nesse sentido, os
interstícios escolares [lanchonete, intervalos de aulas, encontros com amigos nos corredores...] passam a ser espaços e lugares onde
os jovens estabelecem relações significativas, através das quais acabam ressignificando o ‘estar’ na escola. Assim, a escola passa a
ser vista muito mais como um espaço de socialização, do que de construção do conhecimento, possivelmente devido ao grande
distanciamento entre os saberes escolares e os saberes da vida desses jovens.
Santomé (1995) salienta que os currículos escolares perpetuam a ausência de algumas vozes na eleição das culturas
trabalhadas nas salas de aula. Além das questões do mundo feminino, das etnias minoritárias, das classes trabalhadoras [e outras],
destaca o emudecimento das culturas infantis e juvenis. Assim, a escola nega o que muitas vezes os estudantes mais gostam de fazer
ou aquilo que lhes causa mais prazer: os seus saberes (des) escolarizados, ou seja, aquilo que aprendem dentro da escola [não
necessariamente dentro da sala de aula], e também fora do espaço escolar, com seus grupos de pertencimento.
Segundo Santomé (1995), o silenciamento e a negação dessas culturas, produzem respostas curriculares que acabam
tratando as questões juvenis de forma banalizada ou como souvenirs, ou seja, apenas em algumas aulas a escola abre espaço para
que os jovens possam levar e mostrar para a escola seus saberes, suas práticas culturais.
32
Outra questão a ser destacada, são os discursos que circulam no ambiente escolar, produtores dos sujeitos que nela
habitam. Para tal reflexão, Green e Bigun (1995) apontam o surgimento de um novo sujeito-aluno, constituído pelo novo estado da
cultura, chamado de pós-modernidade, ou seja, o sujeito multifacetado, fragmentado, inacabado. Os autores questionam a
possibilidade de existirem alienígenas na sala de aula, já que a escola não consegue lidar com esses sujeitos. Seriam então, os jovens
punks narrados aqui, em suas próprias histórias, tais alienígenas? Seriam os que fogem à norma?
Dentre os jovens que fizeram corpo a esse estudo, apenas três seguiram estudando e hoje se encontram na universidade.
Apenas um concluiu o ensino médio e os demais desistiram antes do ingresso na oitava série. Tais informações endereçam-nos a
indagar como a escola lida com a diferença e com os saberes juvenis que não são, necessariamente, construídos dentro do espaço
escolar. Cabe também questionar de que modo os próprios jovens posicionam a escola em suas vidas, que papel a escola ocupa. Por
que a escola deixa de ser importante para esses sujeitos? Como a escola lida com as práticas culturais e com os saberes de jovens
‘tão diferentes’?
Reflexões finais
As narrativas vindas dos jovens punks que fazem corpo a esse estudo, trouxeram elementos referentes às práticas culturais
concernentes ao movimento punk como constituidoras de suas identidades e como marcadoras de diferenças dentro da escola.
Ser e estar punk hoje, em Porto Alegre, significa, dentre outras coisas, um aprendizado construído dentro e/ou fora da
escola, em espaços sociais diversos. Tais aprendizagens só acontecem porque estamos inseridos numa sociedade que, a partir das
suas narrativas e práticas culturais, instituem saberes a serem apreendidos, aprendidos e empreendidos, todos carregados de
significados adquiridos social e culturalmente. Bauman (1998) destaca que ninguém pode construir o mundo das significações e
sentidos a partir do nada. “Cada um ingressa num mundo ‘pré-fabricado’, em que certas coisas são importantes e outras coisas não o
são; em que as conveniências estabelecidas trazem certas coisas para a luz a deixam outras na sombra” (p. 18).
Valendo-me das palavras de Bauman acima citadas, torna-se possível constatar que os currículos escolares são
organizações e seleções que dão luz a alguns saberes em detrimento de outros. E como diz Silva (2004), “o currículo é sempre o
resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir,
precisamente, o currículo” (p.15 ). Dessa forma, as narrativas presentes nos currículos, instituem formas de ‘ser’ e ‘estar’ na
sociedade, que segundo o autor, “dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e
quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio,
quais vozes são autorizadas e quais não são” (p.195).
No entanto, entendo que como grande desafio, cabe aos educadores o movimento de desestranhar aquilo que lhe é
estranho. O que pode aprender sobre e com esse estranho? Assim, proponho que a partir das problematizações em torno da cultura
punk, pensemos nas culturas juvenis como pistas para observar e discutir em torno das tensões que recorrem nas diferentes
maneiras de constituição identitária dos jovens pós-modernos, considerados estranhos e alienígenas. Faz-se necessário o
deslocamento de olhares, de modo a descristalizar verdades instituídas e admitir a condição pós-moderna como constituidora de
sujeitos [jovens] com identidades instáveis, cambiantes, ambivalentes e incompletas.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Helena W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.
BROKER, P., (1998). A concise glossary of the cultural theory. New York: Arnold.
COSTA, M.V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L. H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, n. 23, p.
36-60, maio/jun/jul/ago, 2003.
FEIXA C. De culturas, subculturas y estilos. In: ____. De jóvenes, bandas y tribus. Barcelona: Ariel, 1999. P. 84–105.
GARBIN, E. M. www.identidadesm usicaisjuvenis.com .br: um estudo de chats sobre m úsica da Internet. T ese de Doutorado – P rograma de
32
P ós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 2001.
GREEN, B. e BIGUN, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org). Alienígenas na sala de
aula. Petrópolis: Vozes, 1995. P. 208-243.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação &
Realidade, v.22, n 2, jul./dez., p.17, 1997.
HEBDIGE, D. Subcultura: el significado del estilo. Barcelona: Paidós, 2004.
ISLAS, J. A. P. Memorias y olvidos. Una revisión sobre el vínculo de lo cultural y lo juvenil. In: CUBIDES, H. J.; TOSCANO, M. C. L.;
VALDERRAMA, C. E. H., (ed.). Viviendo a toda: jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. Fundación Universidad
Central, Santafé de Bogotá: Paidós, 1998. P. 46-54.
MAGALHÃES, H. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2003.
PUIG, Quim. El fandom como estilo de vida: fanzines españoles (1976 – 2000). In: RODRÍGUEZ, F. (coord). Comunicación y cultura
juvenil. Barcelona: Ariel, 2002. P. 93-108.
REGUILLO, Rossana. Las culturas juveniles: un campo de estudio; breve agenda para la dicusión. Revista Brasileira de Educação,
n. 23, p. 36-60, maio/jun/jul/ago, 2003.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, T. T. (org).
Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. P. 159 – 177.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e identidade social: territórios contestados. In: ___, T. T. (org).
Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. P. 159 – 177.
___ .Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
___. Docum entos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SHUKER, Roy. Vocabulário de m úsica pop. São P aulo: Hedra, 1999.
SOUZA, C. Z. V. G. No tecer da vida, a juventude; no tecer da juventude, a vida : práticas educativas de jovens de Santo Antônio da P atrulha, em grupos
de música e religião. Dissertação de Mestrado – P rograma de P ós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, UFRGS, 2003.
VEIGA-NET O, Alfredo. Cultura e currículo: um passo adiante. In: MOREIRA, Antonio Flavio; P ACHECO, José Augusto; GARCIA, Regina Leite.
Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro:DP &A, 2004, p.51-56.
32
EIXO TEMÁTICO: CURRÍCULO E SABERES
MODALIDADE: MESA REDONDA
IDENTIDADES JUVENIS: OUTROS SABERES, NOVOS CURRÍCULOS
Elisabete Maria Garbin (PPGEDU/UFRGS - Coordenadora)
Angélica Silvana Pereira (PPGEDU/UFRGS)
Lisiane Gazola Santos (ULBRA/UFRGS)
Michele Barcelos Doebber (FACED/UFRGS)
RESUMO
Nesta mesa redonda propomos mostrar e discutir alguns recortes de pesquisas inscritas no campo dos Estudos Culturais em
Educação, acerca de constituições identitárias juvenis na contemporaneidade. Os recortes dão ênfase às práticas culturais que
abarcam os sujeitos que integram diferentes tribos urbanas, que têm a música como cenário e fio condutor em suas práticas culturais.
As ferramentas das pesquisas realizadas constituíram-se em: observações, entrevistas, registros fotográficos e diários de campo. Um
dos principais objetivos dos estudos foi atentar para os processos de identificação dos jovens dando visibilidade aos seus múltiplos
saberes atrelados à música, pois, dessa forma, produzem e reproduzem distintas maneiras de 'ser' e 'estar' jovem em diferentes tempos
e espaços urbanos. A música é uma das principais formas pela qual os jovens se apropriam das imagens sociais seja de etnia, de
gênero, de classes sociais, de estilos como linguagens, vestimentas, marcas corporais, nomadismos metropolitanos, ainda que pouco
falem sobre essas diferenças. As músicas que nossos jovens consomem é que falam sobre tais diferenças e, às vezes, falam por eles.
Tais expressões, dentre tantas outras, nada mais são do que diferentes práticas culturais do cotidiano juvenil urbano, e adquirem
significados em contextos específicos, partilhadas [ou não] com seus pares. Conclui-se que, apesar das diferenças entre os vários
estilos de música consumidos pelos jovens, todos contribuem na formação e fortalecimento de identidades. A música passa a ser
uma espécie de fio, de eixo, que vai de casa para a escola e para onde quer que os jovens forem. A questão central está, então, em
conhecer e entender esta mistura de ânsias e imaginários juvenis. Nossas conclusões apontam para a importância da escola
considerar como legítimas as culturas juvenis, assim como entender o currículo como múltiplo, disseminado e aberto a outros saberes
e 'novos currículos'.
Palavras-chave: identidades juvenis; música; práticas culturais
PRÁTICAS CULTURAIS PRODUZINDO IDENTIDADES MUSICAIS
JUVENIS NA ESCOLA
Lisiane Gazola Santos (ULBRA/UFRGS)
Nesta comunicação apresento um recorte do estudo desenvolvido com jovens alunos do Ensino Médio noturno de uma
escola pública de Porto Alegre no ano de 2004. No decorrer da pesquisa vivenciei e experimentei estar junto aos alunos, às suas
práticas e saberes culturais, aos espaços em que circulavam e atribuíam significado na escola. No decorrer do texto apresento e
problematizo as ferramentas da pesquisa tais como observação participante, entrevistas semi-estruturadas e registros fotográficos. A
pesquisa intencionava dar visibilidade a múltiplos saberes, atrelados à música, que (re)produzem distintas maneiras de ser e estar
32
jovem em um determinado contexto escolar. Saberes esses que estão inseridos em processos permanentes e constantes de
(re)significação, constituindo diversas identidades juvenis.
Inicialmente apresentarei as articulações que foram realizadas para a construção do referencial teórico da pesquisa,
mostrando como entendo e interpreto os jovens, a música e determinadas práticas culturais em um contexto escolar específico. Logo
depois discuto como tais aspectos passam a integrar e produzir múltiplos processos nos quais os jovens constituem suas
identidades.
Exponho, a seguir, o depoimento de um dos jovens, denominado Gabriel, que participou das entrevistas. Convém destacar
que todos os nomes, apelidos e siglas referentes aos jovens que participaram dessa pesquisa são fictícios, foram inventados pelos
próprios sujeitos, com a finalidade de preservar a identidade e os verdadeiros nomes dos mesmos. Em sua narrativa, Gabriel destaca
seu entendimento sobre o que caracteriza ser jovem na atualidade.
Gabriel [23 anos]: Eu fui pai com 17 anos entendeu, tá eu era... Já tinha aquela idade tinha que trabalhar
tinha compromisso entendeu, tinha que trabalhar durante o dia. Muitas vezes não deu pra trabalhar de
noite, até por isso, que eu ainda estou estudando, mas não deixei de ser jovem.
Desse excerto foi possível rever alguns conceitos prévios, de acordo com a narrativa do jovem, sobre o que caracterizaria
um sujeito jovem. Pude reinterpretar meus escritos e pensares a partir das narrativas dos jovens que integraram a pesquisa. Esse fato
possibilitando-me cogitar outras maneiras de ser jovem, maneiras estas que não se prendem a limites de idade, raça, meio social, nível
de escolaridade, entre outros. No presente trabalho proponho trazer algumas reflexões e problematizações sobre uma questão que
circula, de forma freqüente, não só nos meios de comunicação, mas também no dia-a-dia pessoal e profissional de quem participa de
ambientes escolares – as diferentes formas e os diversos saberes que constituem os jovens e possibilitam que vivam as juventudes
na contemporaneidade. No presente trabalho utilizo o termo juventudes, ancorada em determinados pressupostos teóricos.
Amparo-me em autores tais como Margulis e Urresti (1998) e Carrano (2000), que entendem a juventude como uma complexidade
variável, que se difere através de inúmeras formas de ser nos distintos espaços e tempos sociais, históricos e culturais. Nessa
perspectiva teórica, na qual ancoro o presente estudo, enfatizo que quando utilizar o termo juventude, o farei na forma plural:
juventudes.
Ressalto que a curiosidade e as problematizações em torno dos saberes e práticas culturais incorporados e vivenciados
pelas juventudes, iniciaram durante a construção do meu projeto da dissertação de mestrado. Esse projeto e a própria pesquisa estão
vinculados ao campo teórico dos Estudos Culturais, o qual concebe a educação como um processo mais amplo, não restrito somente
a práticas e saberes desenvolvidos na escola, ou especificamente restrito as salas de aula. Dessa forma considero os estudos sobre
educação e cultura como possibilidades de análise sobre outras práticas e saberes culturais também presentes em espaços escolares
e que não se restringem exclusivamente ao campo pedagógico. Lanço mão das argumentações de Silveira (2002) ao referir-se as
possíveis relações que podem se dar no espaço educativo:
[...] das possíveis relações entre “textos e diferenças”, penso que, dentro de uma visão utópica [...] do
espaço educativo para o convívio, para o encontro fecundo e para as trocas que vêm das diferenças
culturais, todos nós, como sujeitos discursivos, deveríamos ser sensíveis às dimensões que fazem da
linguagem cotidiana um lugar privilegiado de consagração do preconceito, do desprezo, do repúdio, da
ridicularização e, mesmo, do ódio (p.22).
32
Nessa direção, enfatizo que os saberes, as vivências e experimentações dos jovens, dentro do espaço escolar, são mais
amplos e complexos do que as relações estabelecidas nos processos de ensino-aprendizagem, vinculados aos currículos mais
tradicionais. Articulando esse entendimento com as análises de Silveira (2002), pode-se considerar que o espaço escolar é um
produtivo lugar de socialização, de convívio, de experiências e de constantes trocas de saberes entre as juventudes. Também
problematizo que tais relações, entre os jovens, também podem se efetivar no âmbito das diferenciações.
Para que o leitor compreenda os vários cenários e sujeitos desse trabalho e acompanhe os questionamentos que balizam
este trabalho, cumpre ressaltar que darei visibilidade às práticas e saberes culturais (re)produzidos pelos jovens anteriormente
referidos, no período de outubro a dezembro do ano de 2004. Convém ressaltar que compreendo as práticas culturais como as
diversas ações, processos de significação, ressignificação, empreendidos e/ou vivenciados pelos jovens. Torna-se pertinente
justificar que selecionei algumas práticas em detrimento de outras que ocorreram em determinado tempo e espaço de uma escola.
Freqüentemente, em nossas pesquisas, enquanto escolhemos ou somos levados a escolher os caminhos a serem percorridos,
diversas decisões são tomadas e, conseqüentemente os contornos de nossas pesquisas também vão sendo delineados, não como os
pensamos inicialmente, mas como nossos olhares, nossas condições reflexivas e interpretativas possibilitam constituí-los.
Das escolhas feitas, destaco as práticas culturais produzidas pelos jovens alunos que integram o Projeto das Tribos,
projeto esse elaborado e desenvolvido por alunos do Grêmio Estudantil da escola em questão. Sendo assim, destaco como tais
práticas podem criar condições de articularem-se com determinados saberes, produzindo distintas identificações e diferenciações
entre os jovens. O referido Projeto, em sua fase inicial, tratou de dar visibilidade a alguns grupos de pertencimento no espaço
escolar, denominados como a Tribo do Rock, Tribo do Pagode, Tribo do Hip Hop e Tribo de Todos os Sons. Tal fato trouxe também
à discussão as diferentes formas pelas quais os saberes atrelados à música e as próprias preferências musicais, podem influenciar na
produção, negociação e mobilidade de identidades (Frith, 1997). Enfatizo que neste estudo estarei vinculando as identidades dos
sujeitos envolvidos, suas histórias e seus saberes, com o meio cultural no qual estão inseridos. Nessa direção Hall nos aponta que:
[...] a identidade cultural não está fixa, é sempre híbrida. Mas é precisamente porque surge de formações
históricas muito específicas, de histórias, de repertórios culturais de enunciação, que pode construir-se
em um posicionamento que nós chamamos, provisoriamente, identidade. (Hall, 1996, p.502).
A partir das considerações de Hall (1996), é possível entendermos o quanto os saberes e os repertórios culturais dos jovens
que freqüentam as escolas na contemporaneidade, são importantes para que possamos compreender um pouco mais os alunos que
temos. Nesse sentido, enquanto professores, seria pertinente nos questionarmos o quanto sabemos sobre nossos alunos? O que
suas preferências e saberes relacionados a musica podem nos contar?
A música atravessando saberes na escola
Convém deixar claro que, nesse trabalho a música é considerada como um elemento central na produção das identidades e
32
na constituição das culturas juvenis. A música se faz constantemente presente em nosso cotidiano, nos locais que freqüentamos,
shopping centers, ruas, shows, cinemas, escolas, bares, ou através de aparelhos portáteis como Walkmans, iPods (tocador de MP3,
ou seja, arquivos digitais de música), pelo rádio ligado em casa, no trabalho, no carro, na televisão. Dessa forma, a música é parte
constitutiva das nossas culturas e das nossas próprias identidades e (re)significações, tendo em vista que também através da
cultura, atribuímos sentidos às coisas e aos processos que possibilitam uma compreensão de nós mesmos. Nas argumentações de
Shuker (1999), evidencia-se a importância da música em nossas vidas, sobretudo na vida dos jovens na contemporaneidade.
Corroborando com os argumentos anteriormente referidos, Dayrell (2005) afirma que “[...] a relação entre a música e as
agregações juvenis não é uma relação natural; ao contrário, é uma construção histórica” (p.37). Ainda a partir desse autor é
destacado que a música possibilita aos jovens que eles se experimentem, expressem suas percepções de mundo, identifiquem-se com
determinados grupos. E é justamente nesse aspecto, a formação de grupos, essa socialização que caracteriza as distintas maneiras
pelas quais os jovens podem estabelecer processos de identificação e também de pertencimento, a partir de saberes específicos que
localizo meu interesse nesse trabalho.
Acordes metodológicos
Quanto aos fazeres metodológicos, denominados nesse trabalho como acordes por se tratarem de uma composição
específica, que foi elaborada para a investigação de um determinado contexto escolar. Justifico a escolha do termo acordes tendo em
vista que esse expressa, segundo o dicionário Aurélio, um complexo sonoro resultante da emissão simultânea de três ou mais sons
de freqüência diferente. Portanto esclareço que para a composição da pesquisa me utilizei de diferentes e simultâneas ferramentas
metodológicas. O foco de minha atenção estava direcionado para o período no qual o Projeto das Tribos se desenvolveu;
realizaram-se observações participantes, que posteriormente foram registradas em diários de campo, entrevistas semi-estruturadas
que enfocavam os saberes “musicais” dos alunos, a importância que a música poderia assumir em suas vidas e como, muitas vezes
pode produzir diferentes maneiras de socialização entre os jovens. Além das entrevistas com os integrantes das Tribos e do Grêmio
Estudantil e das observações participantes, também utilizei registros fotográficos. As fotografias, as observações e as entrevistas
foram autorizadas antecipadamente pelos alunos ou seus responsáveis, caso fossem menores de idade e pela própria Direção da
escola.
Os relatos extraídos das entrevistas apresentaram possibilidades analíticas que estariam relacionadas com as narrativas de
identidade, na forma como os jovens, alunos do ensino noturno, se descreveram. Dessa forma, abordo as entrevistas como
narrativas pertencentes a uma situação específica de interação, onde há narrador e narratário, assim como entrevistador e
entrevistado. O processo contínuo de contar, narrar, enfim, comunicar a alguém ou a nós mesmos o que se passa a nossa volta, quem
somos, como agimos, me fez retomar o que Culler (1999) tratou por centralidade cultural da narrativa. Segundo o autor teríamos
mais facilidade para compreender os acontecimentos e fatos contados por histórias do que por uma lógica científica. Desta forma
pude entender que as narrativas sobre as preferências musicais, os modos de ser dos entrevistados revelaram múltiplos significados
e interpretações sobre os saberes que esses jovens valorizam. Saberes esses que podem constituir processos nos quais se dão as
produções de identificação e diferenciação entre eles.
As fotografias foram usadas tanto como uma forma de registro, quanto uma maneira diferenciada de inserção no campo de
pesquisa, um material que possibilitou “descobertas” sobre o que se estava sendo investigando. Sobre tal perspectiva, Almeida
32
(2004) enfatiza que, em boa parte dos trabalhos acadêmicos, as fotografias são utilizadas prioritariamente como uma forma de registro,
mas os seus usos não podem se encerrar neste aspecto, ou seja, limitando as múltiplas possibilidades de se explorar este olhar sobre
os fenômenos envolvidos nos contextos de investigação. Segundo o referido autor, que está inserido no campo da etnografia visual,
a produção qualificada da imagem, na qual o pesquisador/fotógrafo seleciona imagens significativas a partir de ângulos, expressões
e objetos, em conexão com a narrativa produzida pelo sujeitos, possibilita a abertura de múltiplas possibilidades de interpretação.
As observações foram registradas em diários de campo, compreenderam os momentos das entrevistas, das atividades que
aconteceram a partir dos encontros na sala do Grêmio Estudantil, nos corredores, no saguão e nas escadarias da escola. Minha
participação, nessas atividades, variava conforme o nível de convivência que ia se instaurando. Corroborando com essa postura
investigativa, Bogdan e Biklen (1994) enfatizam que a participação do pesquisador no decorrer de suas observações pode variar ao
longo do estudo.
Destaco, ainda, que os registros fotográficos, assim como os registros de observações e as transcrições das entrevistas,
não são “espelho[s] da realidade” (BARROS, ECKERT, GASTALDO et al., 1998, p. 102). As fotografias, tanto quanto as
interpretações e descrições realizadas pelo investigador, são matizadas pelas suas subjetividades. Sendo assim, os autores passam a
denominar os registros como “imagens construídas” (p. 102-103).
Jovens embalados por um Projeto
O Projeto das Tribos envolveu variadas atividades, como a Gincana das Tribos, os shows na escadaria interna da escola e
o Festival de Bandas, possibilitando, desta forma, que se originasse um espaço, na instituição, para que a música e os saberes
atrelados a ela, pudessem ser (re)produzidos, acolhidos e (re)significados no ambiente escolar. Esse processo não se daria apenas
pelo viés “pedagógico”, mas também pela percepção da forma “como os jovens vivem e elaboram suas situações de vida”
(CARRANO, 2000, p. 23).
A Gincana, primeira atividade vinculada ao Projeto que destacamos para este artigo, foi organizada com três grandes tribos
nomeadas antecipadamente pelo Grêmio Estudantil, que seriam as equipes concorrentes: a Tribo do Pagode, a Tribo do Hip Hop
e a Tribo de Todos os Sons, essa última formada por alunos pertencentes a outras tribos compostas de poucos integrantes, tais
como a Tribo do Reggae, a Tribo do Samba, a Tribo Natureba e a Tribo do Rock. Discordando de tal organização, um aluno
resolveu incluir mais uma tribo, por considerar ser uma “afronta” o fato de que o Rock fosse representado como uma parte da
Tribo de Todos os Sons. A proposta foi aceita pelo Grêmio, tendo em vista que o aluno reuniu mais de trinta colegas com a mesma
opinião, constituindo-se, assim, a Tribo do Rock.
As tarefas da Gincana que ocorreram na segunda quinzena do mês de outubro do ano de 2004 versavam sobre saberes
referentes a distintos gêneros musicais e conhecimentos gerais, além de contemplarem atividades esportivas, as quais eram
previamente hierarquizadas segundo um quadro de pontuação para cada situação. A segunda atividade vinculada ao Projeto das
Tribos a qual dei ênfase foi o show musical, que utilizou como palco, a escadaria interna da escola. As bandas que se apresentaram
eram constituídas pelos próprios alunos.
Ocorreram dois shows; o primeiro tinha como objetivo divulgar a Gincana das Tribos e o segundo, foi sugerido pela direção
32
como uma forma de “conter” os alunos enquanto os docentes participavam de reuniões.O Festival de Bandas, terceira atividade do
Projeto destacada neste trabalho, faz parte da programação fixa de eventos da escola e contou com o incentivo, a participação e a
organização do Grêmio Estudantil, devido à estreita relação do Festival com o Projeto das Tribos. Durante a atividade, se
apresentaram bandas de variados gêneros musicais (rap, pagode, rock e thrash metal). Cada banda dispôs de trinta minutos para
realizar seu show para jurados e para a platéia, composta tanto por alunos da escola como por convidados.
Diante de tantos projetos e atividades simultâneos, observei que o contexto e as práticas envolvidas se mostravam
propícias para entender como os jovens estabeleciam processos de identificação ou de diferenciação entre eles, como se dava o
convívio dos agrupamentos juvenis no ambiente escolar e como esses inúmeros processos articulavam-se e produziam saberes que
subjetivavam os jovens envolvidos.
É pertinente salientar que inicialmente o objetivo do Projeto das Tribos era, proporcionar aos alunos de Ensino Médio
noturno condições para que estabelecessem laços de amizade e constituíssem seus próprios grupos de pertencimento, as tribos. Em
vários livros, trabalhos acadêmicos, artigos e revistas as tribos urbanas ou tribos juvenis são consideradas como grupos de jovens
que se reúnem em locais determinados. Locais nos quais ocorrem compartilhamento de valores, rituais, códigos estéticos, músicas e
características próprias. Essas tribos apresentam também variadas formas de adesão e pertencimento a agrupamentos. Nos escritos
de Maffesoli (1998) sobre as tribos, o autor faz referência a essas formas dispersas, pontuais e tênues pelas quais os jovens
estabelecem esses agrupamentos. E é essa uma das perspectivas nas quais me amparo para compreender os jovens, seus saberes e
as suas distintas formas de socialização.
Impacto sonoro: saberes e práticas culturais
Dos dados discutidos na pesquisa que originou o presente trabalho, destaca-se algumas
possibilidades analíticas que abordam saberes e práticas culturais pertinentes a um determinado contexto
escolar. Tendo como cenário as múltiplas significações que a música pode assumir entre os jovens,
organizei dois focos analíticos: o primeiro que aborda os múltiplos pertencimentos expressos pelos jovens
e o segundo que enfatiza a música e os modos de vestir juvenis.
Em relação aos processos de identificação que os jovens desenvolvem a partir da música, e da
forma como esses processos podem produzir múltiplos pertencimentos, destaco o excerto de uma das
entrevistas no qual o entrevistado que utiliza o apelido de MKM, expressa suas relações pessoais com a
música.
MKM [17 anos]: Eu sou uma pessoa que tem vários grupos, vários amigos, eu procuro não ficar preso
em um lugar só, estou começando a freqüentar o grupo do Reggae [...] eu não sou muito de curtir Hip
Hop, a minha vida mesmo, é o samba!
Esse jovem destaca sua participação em vários grupos, seu atual interesse pelo grupo do reggae, apesar de considerar que
32
sua vida seja “realmente” o samba, além de integrar a Tribo do Hip Hop. Essas considerações levantadas pelo jovem levaram-me a
compreender que MKM, assim como seus colegas, integra simultaneamente vários grupos, várias tribos. Assinalo ainda, que na
época da realização da entrevista, MKM ainda participava, com sua banda de Pagode, dos shows realizados na escadaria da escola.
Tendo observado de como a música está presente na vida desses jovens, de como influencia em seus processos de
identificação detive-me em analisar como a sua presença produz múltiplas significações. A seguir apresento um excerto de entrevista
realizada com uma jovem, do qual também se destaca o múltiplo pertencimento que se desenvolvem a partir das preferências
musicais.
Louquinha do Reggae [17 anos]: Para mim, assim tipo, digamos, sou de todas as tribos, curto um pouco
de pagode, um pouco de rock, em geral as músicas, sabe? [...]. [Um] roqueiro não entraria [na tribo do] no
pagode, roqueiro acha pagode horrível, sabe? [Os pagodeiros] são mais alegres, os roqueiros são
loucos...
É importante ressaltar que ambos os jovens destacaram suas múltiplas preferências, ao citarem que “curtem” vários gêneros
musicais. Como podemos inferir, os relatos desses jovens nos apontam para a importância e o espaço que a música ocupa em suas
vidas, nos seus momentos de lazer, de convivência, de solidão, de estudos, de relaxamento, dentre outros. Além disso, a música,
muitas vezes pode ser utilizada como forma de expressão dos sentimentos e das preocupações vivenciados por eles.
Ao visibilizar, através deste estudo, determinadas práticas e saberes culturais atrelados à música, produzidos e vivenciados
pelos jovens em questão, problematizo olhares, coloco em suspenso paradigmas, estereótipos e determinados preconceitos.
Atitudes estas que interpretam os jovens segundo categorias fixas e estáticas, que seguem determinados padrões de
comportamento, atitudes, estilos e pertencimentos. Pude extrair, a partir das narrativas dos alunos e das minhas próprias impressões
como pesquisadora, a relevância das questões que envolvem os saberes, principalmente os que se vinculam à música na
constituição das identidades e pertencimentos juvenis.
Considerando-se que os saberes que circulam na escola são mais amplos do que aqueles que compõem os currículos
escolares, trago à cena algumas evidências de como os jovens lhes atribuem diferentes significados. Destacarei esse processo de
significação e ressignificação desenvolvido pelos jovens em relação aos saberes que compartilham, através das vestimentas e das
marcas corporais. A seguir, de um excerto de entrevista realizada com o jovem que utiliza o apelido de Juan, destaco como o modo de
vestir pode ser entendido:
Juan [19 anos]: Há um tempo atrás eu me vestia assim, escrotamente... (risos), calça rasgada, assim,
suja, tinha uma calça que eu não lavava fazia mais de um ano. Eu gostava dela assim, suja. Eu usava ela
suja mesmo, aquilo era pra mim o máximo, calça suja, All Star sujo, rasgado nos dedos, era uma relíquia,
eu tenho agora um vermelho, mas aquele eu vou guardar na lembrança, para o resto da vida porque ele
marcou muitas coisas, muitas andanças, muitas caminhadas, muita noite nas ruas... O meu cabelo
também, o cabelo comprido foi por causa do Kurt Cobain, o brinco eu sempre gostei, eu uso brinco
desde os 10 anos. E agora eu uso calças, camiseta. Agora eu me visto melhor por causa do trabalho,
como é que eu vou para o trabalho de calça rasgada e às vezes com o cabelo sujo, fedorento, pô daí não
tem como!
32
Assinalo que o jovem entrevistado relatou algumas alterações que foi obrigado a incorporar em seu visual a partir do
momento em que ingressou no mundo do trabalho, no qual não é permitido a “calça rasgada, o tênis sujo, o cabelo comprido e sem
lavar”. Da fala do jovem, outro aspecto interessante de ser destacado é a necessidade de identificação, através do visual, com o seu
ídolo Kurt Cobain, vocalista da sua banda favorita. Ainda em relação ao excerto de entrevista de Juan, é possível apontar o quanto
às vestimentas, são elementos importantes nas culturas juvenis. O modo de vestir-se influencia tanto na expressão dos sujeitos por
suas preferências musicais, como também na marcação das identidades desses sujeitos, nos grupos aos quais estão inseridos.
Dessa maneira é elucidativo o comentário de Le Breton (2004), ao referir-se às diversas maneiras pelas quais o corpo é
adornado através da “originalidade do vestuário, do penteado, da atitude, etc., ou bem entendido, a tatuagem, o piercing, as
escarificações, o branding, etc., são meios de sobrevalorizar o corpo e afirmar a sua presença para si e para os outros” (p.19) [grifos
do autor]. O que nos leva a refletir junto com Le Breton (2004), que os jovens envolvidos no Projeto das Tribos utilizaram-se
também de determinados saberes e de práticas culturais atreladas à música, para afirmarem as suas existências aos olhos dos demais
colegas.
Partindo das perspectivas nas quais considera-se a importância dos saberes vinculados à música, que muitas vezes são
partilhados pelos jovens no espaço escolar, é necessário que façamos uma revisão das nossas concepções sobre saberes e
currículo. De acordo com Silva (2003), o currículo seria o resultado de uma seleção, de um universo mais amplo de saberes e de
conhecimentos. A discussão empreendida pelo referido autor aborda o currículo e os saberes que circulam na escola de uma maneira
produtiva para esse trabalho. Produtiva, pela dinâmica que nos possibilita ao tratarmos dos saberes que a escola privilegia para
compor seus próprios currículos. Quanto à etimologia da palavra currículo, Silva (2003, p. 15) ainda nos lembra que esta “vem do
latim curriculum, ‘pista de corrida’” e que a partir do percurso dessa corrida, desse trajeto vamos nos constituindo e “acabamos por
nos tornar o que somos”. O autor complementa essas argumentações relacionando-as a produção de identidades:
Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento,
esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente,
centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade,
na nossa subjetividade (SILVA, 2003, p.15).
Na perspectiva dos Estudos Culturais, campo teórico ao qual essa pesquisa se vincula, a identidade não é entendida como
algo pronto ou acabado, o que nos leva a pensar nos processos de identificação. No caso destas análises, tais processos são
pensados a partir das opções por determinadas músicas, pelas vestimentas, pelas marcas corporais, pelos grupos de pertencimento
que os jovens compreendem como representativos de determinadas identidades juvenis, marcas estas fundamentais no contexto do
Projeto aqui apresentado. Nas palavras de Hall (2000), “ela (identidade) não é, nunca, completamente determinada – no sentido de
que se pode sempre, ‘ganhá-la’ ou ‘perdê-la’; no sentido de que ela pode sempre ser, sustentada ou abandonada” (p. 106, grifos do
autor). Nesse sentido, Frith (1997) contribui para esse trabalho ao destacar a música como uma metáfora da identidade,
compreendendo que esta não é algo fixo, mas sim um processo. Nas palavras do autor, “a música constrói nosso senso de identidade
através das experiências diretas do corpo, tempo e sociabilidade” (p. 124); ele ressalta ainda que a música não pode ser entendida
apenas como um reflexo dos sujeitos, do povo, mas sim como também produtora dos sujeitos, podendo criar experiências. Nesse
contexto, a música é a possibilidade da experiência do indivíduo com ele mesmo, com a sua própria história e contextos culturais.
Outras trilhas sonoras: considerações finais
32
Para finalizar, minha intenção, neste momento, é problematizar os processos de identificação refletidos nas expressões
juvenis destacadas pelos seus saberes e práticas culturais atreladas à música. Destaco que o objetivo maior do Projeto das Tribos,
aqui exposto era promover a socialização, melhorar a convivência no espaço escolar e originar determinadas práticas culturais dentro
da escola. Cumpre destacar que os jovens envolvidos nesse Projeto salientam as alterações que o mesmo acarretou no cotidiano
escolar e na constituição de suas identidades. Acredito que o exercício de pensarmos sobre outros saberes relacionados aos
interesses dos jovens, os saberes ditos mais escolares que circulam pelo espaço escolar, a música enquanto um importante elemento
agregador e produtor das culturas juvenis, dentre outros aspectos, possibilitarão questionarmos muitas verdades pré-estabelecidas e
tidas como referência, como norma, como padrão dos currículos escolares.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Francisco de Assis de. Aprontando Filhos de Santo: um estudo antropológico sobre a transmissão-reinvenção em
uma rede de casas de batuque em Porto Alegre. Porto Alegre, Seminário Avançado: Itinerários de Pesquisas no campo juvenil:
perspectivas etnográficas pós-modernas, do Programa de Pós-graduação em Educação/UFRGS, 30 nov. 2004. Palestra.
BARROS, Alfredo; ECKERT, Cornelia; GASTALDO, Édison et al. A grafia da luz na narrativa etnográfica. In: ACHUTTI, Luiz E
(org.). Ensaios (sobre o) Fotográfico. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1998.
BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Traduzido
por Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994.
CARRANO, Paulo C.R. (2000). Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento: revista da faculdade de educação da UFF.
Rio de Janeiro, n.1, maio, p. 11-27.
CULLER, Jonathan. Narrativa. In: ______. Teoria Literária – uma introdução. São Paulo: Beca Produções,
1999.
DAYRELL, Juárez. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
FRITH, Simon. Music and identity. In: HALL, Stuart e DU GAY, Paul (ed.). Questions of Cultural Identity. Sage Publications, 1997.
HALL, Stuart. “The formation of a diasporic intellectual: an interview with Stuart Hall by Kuan-Hsing Chen”. In: MORLEY, David e
CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues in Cultural Studies, London / New York: Routledge, 1996, p.484-503.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz T. (org.) Identidade e diferença: a perspectiva
dos Estudos Culturais. 2 edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
LE BRETON, David, Sinais de identidade: tatuagens, piercings e outras marcas corporais. Lisboa: Miosótis,
2004.
32
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Tradução de Maria de Lourdes
Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
MARGULIS, Mario e URRESTI, Marcelo. La construción social de la condición de la juventud. In: CUBIDES, Humberto J.,
TOSCANO, María Cristina Laverde, VALDERRAMA, Carlos Eduardo H., (ed). “Vivendo a toda” – Jóvenes, territórios culturales y
nuevas sensibilidades. Série Encuentros, Fundación Universidad Central, Santafé de Bogotá: Paidós, 1998, p.3-21.
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Textos e diferenças. Leitura em Revista. Ijuí. Associação de Leitura Brasil Sul, n.3. jan/jun. 2002.
SHUKER, Roy. Vocabulário de música pop. Traduzido por Carlos Szlak. São Paulo: Hedra, 1999.
Download

MESA REDONDA IDENTIDADES JUVENIS