QUAL É O REQUISITO FUNDAMENTAL PARA SER UM VERDADEIRO AUDITOR FISCAL
DO TRABALHO?
Jose Cláudio Gomes*
Vamos contar uma história para responder a pergunta do título.
Era uma vez, há muito tempo, uma inspetora do trabalho inglesa, que escreveu o
seguinte texto, a respeito de uma fiscalização realizada por ela em 1903:
“ Um excitante domingo que eu passei continua vivo em minha
memória. Uma denúncia anônima que eu tinha recebido, reportava que mulheres –
empregadas de uma bem conhecida fábrica – estariam trabalhando no domingo.
Eu visitei a fábrica às 11 horas, desse domingo, mas tive que
esperar, antes da porta da frente ser aberta.
Vistoriando as salas de trabalho eu as encontrei vazias, mas as
janelas estavam abertas e as coberturas colocadas sobre o trabalho davam a
impressão que tinha sido postas ali com açodamento.
Numa visita prévia eu tinha conseguido os nomes e endereços de
algumas trabalhadoras, então, eu chamei um hansom cab (fiacre) e me dirigi a Brixton
e Balham – os distritos dormitórios para os trabalhadores do West End – somente para
ouvir, em seus lares, que elas estavam trabalhando.
Então me dirigi de volta a fábrica esperando que desta vez eu
obteria uma entrada imediata, pois uma segunda visita de um inspetor não seria muito
esperada.
Entretanto eu encontrei a mesma situação. As salas de trabalho
estavam outra vez vazias.
Ao anoitecer eu retornei a Brixton e Balham e encontrei as
trabalhadoras em casa e elas me contaram, com excitação, como elas tinham sido
empurradas para dentro de um banheiro da casa do empregador – que ficava anexa à
fábrica – em cada uma das minhas visitas.
Assim, eu tive o conforto de ouvir que minhas atividades haviam
desorganizado completamente o dia de trabalho e as declarações resultaram num bem
sucedido processo”.
( MARTINDELE H., 1944, From one generation to another, pg 75,
George Allen and Unwin, London, citado em Women of Courage, SUSAN YEANDLE,
Health & Safety Executive, 1993, pg 14 )
Agora cumpre analisar a fiscalização realizada por essa notável
inspetora do trabalho.
Ela se dirigiu a fábrica uma primeira vez, coletou nomes e
endereços das empregadas, examinando documentação.
Dirigiu-se a fábrica uma segunda vez, no domingo, não se
contentando com as anotações de “ponto”, queria dar o flagrante.
Examinou com atenção o ambiente de trabalho, viu detalhes
como : “janelas abertas e coberturas colocadas às pressas”. ( Olhos de inspetor ).
Pegou um “hansom cab”, ou seja, um fiacre ou cabriolé em que o
cocheiro viaja atrás do passageiro. Era 1903, os taxis eram puxados a cavalo. Foi do
West End à Brixton e Balham, distritos de Londres, onde moravam as trabalhadoras. A
distância mínima do deslocamento é, hoje, sete milhas e meia, leva-se de automóvel
cerca de vinte e seis minutos. Em cabriolé, mesmo sem trânsito intenso, deveria
demorar quanto?
Entrevistou as famílias de mais de uma trabalhadora. Voltou.
Foi na fábrica uma terceira vez, examinou o ambiente de
trabalho novamente.
À noite – na Londres do início do século passado - voltou à
residência das empregadas e entrevistou várias.
Voltou para sua residência. Por baixo, cinco ou seis horas, só de
deslocamentos. Posteriormente fez relatórios e processou a empresa.
A resposta à pergunta do título está contida nesta história.
Persistência, coragem, entusiasmo, dedicação, ou resumindo, amor pelo que se faz, é o
requisito fundamental para ser um verdadeiro Auditor Fiscal do Trabalho.
Os outros requisitos, como competência técnica, inteligência,
conhecimento especializado e geral, etc, nada são sem o primeiro requisito. Não
existirá nada que supere a dedicação, com esta qualidade mesmo as deficiências
técnicas serão superadas.
Um inspetor do trabalho que simplesmente cumpre pontuações
necessárias para atingir metas fixadas pelo Ministério não resolve nada, pior, não se
realiza como pessoa.
Nestes tempos de “banalização da injustiça social”, como refere
CHRISTOPHE DEJOURS, em que se nega o sofrimento, se institui a mentira, se
racionalizada e banaliza o mal, nos centros de trabalho e se propaga o desemprego, o
inspetor do trabalho tem uma tarefa hercúlea pela frente e a primeira tarefa é não
deixar que essa banalização do mal lhe atinja. Deve sentir fúria quando seu senso de
justiça é injuriado, deve trabalhar com persistência, entusiasmo e dedicação, sabendo
que o seu trabalho é fundamental aos trabalhadores e, portanto, ao país.
Voltando a história inicial, a inspetora, nas suas próprias
palavras, foi gratificada pelo trabalho bem cumprido. Ao fim de sua vida profissional
registrou suas atividades para os colegas que viriam. O título de um de seus livros é
justamente: “De uma geração a outra”. Certamente, ao cerrar os seus olhos para
sempre, estava plenamente realizada. Pode existir coisa melhor?
Notas :
1. HILDA MARTINDALE começou a trabalhar como inspetora do trabalho em 1902,na
Inglaterra. Escreveu uma livro sobre as suas atividades em 1944 ( From one generation
to another ). O Health & Safety Executive, da Inglaterra, publicou em 1993, o livro :”
Women of Courage “ ( Mulheres de Coragem ) que narra a história das primeiras
mulheres inspetoras do trabalho. Não existe tradução para português.
2. CHRISTOPHE DEJOURS, é psiquiatra e psicanalista francês. Diretor do Laboratório de
Psicologia do Trabalho da França. Seu livro : A banalização da injustiça social “ ,
tradução para o português, encontra-se na sétima edição da Editora Fundação Getúlio
Vargas. A Cortez Editora e a Oboré publicaram outro livro do autor : “ A Loucura do
Trabalho “, um estudo sobre a psicopatologia do trabalho, que está na quinta edição e
13ª reimpressão.
* José Cláudio Gomes é Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.
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