"Turbulência perfeita" está atingindo o país,
diz Ilan
10/02/2015 - 05:00
Por Silvia Rosa
O risco cada vez mais iminente da adoção de
racionamento de energia e a crise na Petrobras podem
levar o Brasil a registrar retração de 1% do PIB em
2015, prevê Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú
Unibanco. Para Goldfajn, que foi diretor de Política
Econômica do BC (2000-2003) e economista do FMI
(1996-1999), o país vive uma "turbulência perfeita" com
uma série de notícias negativas que mantém os índices
de confiança baixos e dificultam a retomada dos
investimentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual a perspectiva para o crescimento do PIB neste ano?
Ilan Goldfajn: Basicamente o que estamos observando é uma conjunção de fatores que devem
levar a um crescimento negativo (recessão) neste ano. Dos fatores importantes para essa
desaceleração, o primeiro é que os índices de confiança estão muito baixos, não estamos vendo
uma retomada do investimento. Tínhamos a esperança que, na medida em que se tem o
começo do segundo mandato, o investimento pudesse retomar, mas isso não aconteceu. Isso
tem a ver também com a questão da Petrobras, com os problemas políticos que dificultam ter
uma visão mais clara sobre o que vem pela frente. Além disso, há impactos diretos de algumas
variáveis, por exemplo, no setor de petróleo devemos ter menos investimentos. Os setores de
construção e infraestrutura provavelmente terão algum impacto de menor produção também,
nem que seja na reorganização de novos projetos, que vão demorar para começar.
Considerando esses fatores, revisamos a projeção para o PIB de 0% para - 0,5%. Mas não para
por aí, temos o risco de racionamento de energia elétrica e de água [no Estado de São Paulo]. O
racionamento de energia elétrica tem impacto no PIB, o de água é mais difícil de calcular. Mas
fazendo a nossa melhor estimativa, se for decretado racionamento de energia, pode ter uma
queda de mais 0,5% do PIB, levando a uma retração de 1% em 2015. É um começo do que, até
brinco, seria uma turbulência perfeita. São os riscos se materializando.
Valor: Qual o impacto da crise da Petrobras e da Operação Lava-Jato para o PIB e para o
resultado fiscal?
Goldfajn: A Petrobras é a maior empresa do setor de petróleo. De forma geral no setor,
estimamos queda de 20% nos investimentos e de 15% na produção. Já do lado fiscal, o impacto
tem de ser calculado. Você produz menos, tem menos dividendos, menos royalties.
Valor: A troca de comando na Petrobras será suficiente para retomar a credibilidade junto aos
investidores?
Goldfajn: Para ter aumento de confiança, tem de ter confiança em tudo. A questão dos
escândalos, das dúvidas, dos problemas legais afetam o investimento. Temos de levar em
consideração que os processos legais, que são feitos de forma institucional, reforçam a
democracia, as instituições e, lá na frente, podem contribuir para um país mais forte. No caso,
não é uma questão só de substituição de nomes, mas de mostrar que de fato há uma mudança
na gestão, que a empresa começa a dar a volta por cima e isso é relevante.
Valor: O governo conseguirá entregar a meta de superávit primário de 1,2% do PIB neste ano?
Goldfajn: Há um desafio extra. Quando a meta para este ano foi anunciada, o déficit esperado
para o ano passado era perto de 0%. Nós tínhamos 0,2% do PIB. O resultado do ano passado
foi negativo em 0,6%, ou seja, estamos falando de uma diferença de 0,8%. Para uma mesma
meta de 1,2%, você precisava fazer 1% de ajuste e agora precisa fazer 1,8%. É um desafio
grande. Agora, eu vejo a equipe econômica comprometida em atingir a meta, comprometida em
reduzir o déficit primário para um superávit primário, em reduzir o déficit nominal que foi 6,3%,
um dos maiores do mundo no ano passado, preocupada com a dinâmica da dívida bruta e em
levá-la para baixo. A minha expectativa é que venham mais medidas. O governo vai cortar
despesa corrente, investimento, aumentar tributos, tudo isso que já está aí, na esperança de lá
na frente retomar o crescimento.
Valor: Há a possibilidade de retomar o crescimento em 2016?
Goldfajn: Acho que 2016 ainda está no jogo. Prevemos que o PIB pode crescer em torno de
1%, se o governo conseguir a retomada. Mas tem que ter todo mundo comprometido e outras
medidas, como reformas, melhorar a produtividade, reduzir o custo de se fazer negócios, ou
seja, a retomada da credibilidade fiscal é importantíssima, mas para crescer em 2016 é preciso
mais do que isso.
Valor: Qual o cenário para inflação neste ano? O BC conseguirá alcançar o objetivo de levar a
inflação para perto do centro da meta em 2016?
Goldfajn: Acho que este ano, com um aumento dos preços administrados acima de 10%, vai
ser difícil ficar com inflação abaixo do teto da meta de 6,5%, nossa projeção é de 7,1%. Mas
uma parte dessa expectativa tem a ver com o aumento de 30% a 40% de energia elétrica. Esse
aumento já reflete a escassez de energia. Por outro lado, quando você olha os preços livres, os
preços de serviços, eles já estão começando a ir na direção correta, ou seja, já começa a se
imaginar que a partir de 2016 a inflação começa a convergir. Estamos prevendo inflação abaixo
de 5,5% para 2016, porque hoje há uma demanda muito menor, uma economia crescendo
abaixo do potencial, um cenário internacional desinflacionário, com quase todos os bancos
centrais reduzindo juros, estimulando a economia através de programas de quantitative easing
[afrouxamento monetário] como o do Banco Central Europeu. No entanto, temos uma corcova
dos preços administrados. Hoje estamos pagando pela política de congelamento de preços que
se adotou nos últimos anos. Desta forma, nosso cenário é de elevação final de 0,25 ponto
percentual da taxa básica de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária [Copom],
levando a taxa Selic para 12,50%.
Valor: Na semana passada foi anunciada a mudança na diretoria do BC, com saída do diretor
de Política Econômica, Carlos Hamilton, e a indicação de um executivo de mercado, Tony
Volpon. O que esperar da nova diretoria?
Goldfajn: As decisões vão continuar sendo tomadas por um comitê, a mudança de um outro
membro não tem essa força toda, para mudar completamente a forma de pensar. Quem está
ocupando a diretoria de Política Econômica é alguém que já estava lá [Luiz Awazu Pereira da
Silva], a diretoria tem dois novos membros, acho que são bem-vindos. Voltar a ter um membro
que vem do mercado é bem-vindo, mas não vejo nem melhor nem pior que um membro bom
dos quadros do BC. O Carlos Hamilton foi um diretor muito bom. Ele não se furtou a contribuir,
sempre estava disposto a ter um diálogo aberto com todas as frentes da sociedade. Tenho
certeza que foi um colega que sempre contribuiu com o resto dos membros e também não se
furtou a discordar quando foi necessário, e essa característica é interessante manter.
Valor: O sr. esteve em Davos, no Fórum Econômico. Qual a avaliação da percepção dos
investidores estrangeiros em relação ao Brasil?
Goldfajn: A minha impressão é que a recepção à equipe econômica foi muito boa, o discurso foi
muito bom, abriu-se espaço para a volta da confiança. Agora, logo depois de Davos tivemos
vários choques aqui, a tempestade perfeita, desde racionamento, à questão da Lava-Jato, do
déficit [fiscal]. Então, há uma confiança maior na equipe econômica e há a percepção de mais
dificuldade com respeito à realidade. Agora, um fator que todos nos perguntaram é o apoio do
conjunto do governo a essas medidas [fiscais], não só da equipe econômica, mas do resto dos
ministros, presidente, dos partidos de coalização. E isso é relevante para confiança. A
aprovação das medidas no Congresso vai ser muito importante como primeiro sinal.
Valor: Como o sr. avalia o risco de um rebaixamento do rating do Brasil após o anúncio das
medidas fiscais?
Goldfajn: Eu diria que assim que foram anunciadas a meta e as medidas fiscais, as agências de
classificação de risco ficaram mais relaxadas. Começou o ano, os números piores do ano
passado vieram e acendeu o alerta de volta. Na medida em que começa a ficar difícil atingir a
meta, porque no ano passado foi a festa fiscal, faz com que mesmo com todos os esforços fique
alguma dúvida sobre a capacidade de atingir [a meta], e, portanto, dúvida com relação às
agências.
Valor: Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, trouxe dúvidas sobre a
continuação das atuações do BC no câmbio. Há espaço para reduzir as intervenções?
Goldfajn: Eu entendo que no discurso em novembro, quando a equipe econômica foi
anunciada, eles deixaram claro que o estoque de proteção cambial, os famosos swaps e o
hedge que estava sendo vendido, em torno de US$ 100 bilhões é um tamanho adequado, e,
portanto, isso significa que não vai aumentar esse estoque muito mais, mas também não vai
reduzi-lo de forma acentuada. Acho que o mercado pode ter a tranquilidade que algum estoque
de proteção vai se manter, mas também de que esse estoque não é infinito, que possa
comprometer as finanças do BC e do resto do setor público. Você pode manter o estoque
rolando 100%, ou rolando 80% e com um programa pequeno, mas a intenção de manter o
estoque me parece parte relevante da política cambial. De qualquer forma, não imagino o real
se apreciando muito mais ao longo do tempo. Acho que ele deve fechar o ano em R$ 2,90,
caminhando mais ou menos com a inflação.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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