Intervenção do Prof. Luís Vasconcelos
Avaliar o ser e o estar ao longo da vida
Estamos aqui hoje porque mais uma vez esquecemos algures no percurso da nossa
existência o sentido da liberdade e da democracia. E infelizmente, de forma cíclica, a
história mostra-nos que, geralmente só damos valor àquilo que se perde e que depois se
torna urgente e necessário reconquistar. Por isso lutamos para não incorporarmos no
oblívio estes valores que defendem e preconizam a existência de um mundo melhor, onde a
equidade de direitos e oportunidades seja a condição primordial, aquela que de garante,
eleve o nosso país e também a nossa civilização a um estado superior de consciência que
espelhe claramente sermos iguais e todos um. É o desejo enaltecedor de uma consciência
possível e melhor, porque a consciência real de agora e de até agora não tem cumprido os
requisitos de uma boa existência.
Pelo facto de nos termos esquecido da nossa história humana colectiva e estarmos a
permitir o seu branqueamento, o aviltante momento presente ganha terreno e procura
reinar pela divisão e espartilhamento da condição humana e dos seus valores intrínsecos
procurando aniquilar a sua essência espiritual, deixando um invólucro vazio e automatizado
que somente responda às ditaduras neoliberalistas as quais são globalmente nocivas e
invasivas à nossa condição humana.
Somos todos humanos! E não se pode jamais separar a tríade que nos constitui.
Corpo Físico, Mental e Espiritual ou Emocional. Que animal de espécie estranha! É capaz
dos feitos mais grandiosos e das maiores atrocidades em simultâneo. Somos paradoxais,
dicotómicos e polarizados. Mas temos inscrito o signo veemente da nossa condição vertical.
Seja pela genética evolutiva ou pela sociabilização somos um ser que caminha de pé e que
se interroga perante o espaço infinito. No entanto querem-nos vergar o corpo para nunca
mais levantar a cabeça. Temos impreterivelmente que afirmar que amamos o
conhecimento e que ambicionamos a evolução através do saber pensar para atingir a
verdadeira ascensão, o mistério de entendermos tudo enquanto pessoas!
Por isto também somos professores!
Vivemos um tempo em que poucos parecem ter esse estado de consciência. O
decorrer dos dias presentes não prenunciam nada de bom. Por isso debatemo-nos contra o
jugo. E o estado político deste país que nos deveria proteger, desnorteou-se,
desresponsabilizou-se e vendeu-se ao privado. Talvez o governo socratiano não saiba que o
estado somos todos nós. Pergunto-me: _Quando tudo tiver sido escamoteado, e a
exploração grassar que irá ele regulamentar? Lembrei-me por analogia das células
cancerígenas. Só querem subsistir, mas são tão estúpidas que matam o seu hospedeiro e
morrem. Não há sobrevivência. Será que suprimir a esperança e a qualidade de vida é a
grande estratégia deste executivo?
Isto é tão claro, que demonstram todos os dias quão profundo é o desrespeito pelos
portugueses. E sofremos essa agressão dentro da nossa primeira casa. E atacaram a
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educação, não somente para subtrair uns milhares de postos de trabalho à função pública,
com o falso pretexto de combater o défice. Mas também atacaram a escola, a nossa
segunda casa, para minar por dentro o berço da formação do cidadão consciente, atento e
reivindicativo, que sabe pensar, e não se corrompe por ideias que o desviam de um
propósito mais sublime. Definitivamente, este governo deve ter escrito pelas paredes dos
seus gabinetes: Bem aventurados os pobres de espírito!
Não querem que pensemos, não querem que o sindicalismo prevaleça, pois é
exactamente a actividade sindical, e a razão de tantos anos de luta que é interminável, a
linha divisória que nos resguarda da arena e do ataque dos leões. É caso para dizer que se
antes perseguiam-se cristãos, agora perseguem-se cidadãos.
Este medíocre estado de consciência que nada tem de grandioso, a não ser a
maldade, procura na educação através de uma professora ministra acéfala avaliar o
desempenho da classe docente. Convenhamos ironicamente, o seu trabalho é bem
executado, diligente e técnico, em suma, uma moça de recados idílica e subserviente de um
pseudo engenheiro também sem juízo próprio.
Começo a pensar que não é da avaliação dos professores que necessitamos, mas sim
da avaliação das consciências das pessoas. A senhora ministra até pode pensar que é
excelente nas suas actividades, mas perguntemos: _Será que o é enquanto pessoa? Não
confundamos esta questão com bom mocismo! Há quem não seja pessoa. A ministra é uma
pessoa insuficiente sem a mínima noção de ética colectiva dado que não sabe o que são
relações interpessoais e deveria ser exonerada das suas funções. E já agora sem pensão de
reforma estatal, e até pode ser que uma escola privada superior a aceite, (já que se
pretende privatizar todo o ensino superior) através de um contrato ad eternum, onde
pagaria o seu PPR à banca privatizada e onde o seu seguro médico fosse tão baixo que
nunca mais cuidasse da higiene oral para não ter de abrir a boca e mostrar o seu sorriso
cínico, sim, porque humildade e simpatia são atitudes que não constam do seu repertório
enquanto pessoa. Mas isso depende só de nós. É por isso que se põe a premente questão:
Aonde está o papel individual de construção de um projecto educacional, que diz
respeito a cada um de nós enquanto professor sócio ou não? Somos cada vez mais, mas
ainda não somos suficientes, porque se assim o fosse este circo de aberrações e de
atentados à dignidade humana e laboral já teria terminado. Falta de informação, não me
parece. Falta de consciência cívica, em muitos de nós, sim. Afinal como podemos exigir a
outrem aquilo que nos não temos. Respeito por nós próprios. Palavra que aprecio muito e
que é súmula de todas as atitudes sociais. Eu não respeito quem não me respeita, e quando
assim o é, é impreterível colocar quem de direito no seu lugar. E muitos de nós não
respeitamos esta política execrável. Foi por isso que a memorável marcha e a plataforma
sindical conseguiram por agora ganhar tempo e conter os abusos. Num jogo de estratégia
como este, o tempo é precioso como referiu o colega Mário Nogueira. A senhora ministra
só tem o poder que lhe atribuirmos, e ela ainda tem muito poder porque existem pessoas
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que são professores, os quais são humanamente negligentes e alheias a si mesmas e aos
outros. Ontem, mas sobretudo hoje, ao olhar para esta reunião magna, e ao constatar
tantos espaços vazios questiono-me: Onde estão os professores que deveriam preencher
esses espaços? É certo que nem todos os sócios do sindicato caberiam aqui. Também é
verdade que em determinados momentos pessoais da vida de cada indivíduo, outras
prioridades tenham lugar. Mas isso não é de modo algum sinónimo de não estar atento e de
saber ser e estar na sociedade e no trabalho bem como no mundo. Constatei ao longo desta
semana que existem professores associados que nem sabiam que este congresso tinha
lugar, porque o placard sindical e as reuniões e plenários sindicais não são para frequentar,
e nem os emails e sms e site do SPM são para se visitar. Outros continuam a dizer que os
sindicatos não fazem nada. Estupefacto só se pode depreender que compreender a sua
realidade pessoal e laborial deve ser uma seca. Outros não vieram porque tinham de ir às
compras como se não existisse espaço entre este e o próximo congresso. Não digo que são
maus professores, conheço muitos deles empenhados e profissionais, mas será que posso
dizer o mesmo quanto à sua conduta enquanto pessoas? Afinal momentos altos como este,
onde se reflecte o estado das coisas e se propõem novas estratégias consertadoras da
classe docente não são dignos do mais alto respeito e da mais ampla participação?
Estas últimas palavras não são para os que aqui se encontram presentes. Vocês são
quase sempre os mesmos, e isto já é um lugar-comum, mas pedia-vos que ao saírem por
estas portas no dia de hoje levem convosco a vontade de mudar consciências, não só dos
nossos alunos, familiares e amigos, mas também de muitos professores que têm de ser
chamados à atenção e à pedra filosofal da cidadania. Sejam os arautos duma nova era, onde
tudo está a ser decidido e de forma eficaz sensibilizem para um despertar da pessoa de
cada indivíduo. Lembrem-lhes que o maior crime que se pode perpetrar contra a
humanidade é um crime individual para connosco próprios e que se reflecte por causa
efeito na vida de outrem. Digam-lhes que a falta de consciência de que a vida é para ser
vivida com intensidade e que não deve ser desperdiçada tem implicações e consequências
directas na vossa qualidade de vida pessoal e profissional. Dêem-lhes como exemplo, que o
Holocausto Nazi não foi o crime mais horrendo a que a humanidade assistiu, mas sim que,
maior ainda foi todos os outros seres humanos que também participaram indirectamente
ou directamente ao terem permitido que tal acontecesse como se nada fosse com eles. E
depois questionem-lhes que contas vão apresentar à morte. E se vos retorquirem: _Morte?
Digam-lhes: _Não é da morte física que devem de ter medo, mas sim de estarem mortos
enquanto estiverem e forem vivos!
Luís Vasconcelos
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