O Globo/RJ, 07 de julho de 2004
STF | Ministros Aposentados | Ministro Nelson Jobim
É complicado o tribunal examinar a si mesmo
PAÍS
Helena Chagas, Carolina Brígido e Lydia Medeiros
A única modificação aparente no amplo gabinete
com vista para a Praça dos Três Poderes e o Planalto é
uma espécie de lousa com rabiscos e fórmulas matemáticas incompreensíveis, em cima de um cavalete
ao lado da mesa de reuniões. É que, além de estudar
mudanças na pauta para racionalizar e dar rapidez aos
trabalhos da mais alta corte de Justiça do país, abrir
caminho no corporativismo para as inovações que a
reforma do Judiciário vai trazer e trabalhar para recompor a delicada relação com o Executivo, o novo
presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson
Jobim, ainda encontra tempo para uma distração: aulas de lógica, dadas em seu próprio gabinete. A lógica
de Jobim no Supremo é defender a apuração de irregularidades cometidas por magistrados pelo
Conselho Nacional de Justiça, órgão previsto na
reforma do Judiciário para exercer o controle externo dos tribunais: "O conselho vai servir para acelerar as decisões dos tribunais. Quando um tribunal
examina a si mesmo, a coisa fica mais complicada. "
O Ministério Público corre o risco de perder seus
poderes de investigação em uma ação que será julgada pelo STF. O senhor acredita que o Ministério Público abusou dos poderes dados a ele
pela Constituição?
NELSON JOBIM: Houve abusos individuais. Certo voluntarismo juvenil de alguns procuradores. Isso
deu uma impressão ruim do geral. Em 1988, depois
da promulgação da Constituição, eu fui fazer uma palestra para o Ministério Público e avisei: "Vocês se
cuidem porque vai haver o anseio juvenil por esse poder e isso pode dar problema". Uma meia dúzia de
promotores começou a fazer abusos. E esses abusos
foram privilegiados pela imprensa, davam matéria.
Houve uma troca de vantagens. Mas isso já passou.
O STJ divulgou que 122 magistrados estão sendo
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investigados pelo tribunal. O senhor apóia essas
investigações?
JOBIM: Tem que ser apurado, mas tem que ter cuidado. Existe uma tensão muito forte entre ser acusado e ser culpado. O tempo lógico da apuração não é
o tempo lógico da acusação. É preciso utilizar instrumentos mais eficazes de investigação. O
Conselho Nacional de Justiça é importante por isso.
Pode ser constrangedor investigar um colega que se
encontra a toda hora no corredor. O conselho é um órgão mais impessoal. O conselho vai servir para acelerar as decisões dos tribunais. Quando um tribunal
examina a si mesmo, a coisa fica mais complicada.
Por que existem atualmente mais casos de corrupção de juízes vindo à tona?
JOBIM: O Judiciário não estava na agenda da sociedade. Agora, estão percebendo que ele integra as
instituições do Estado que viabilizarão ou não o desenvolvimento do país.
O fato de a taxação dos servidores inativos ter chegado ao STF é sinal de que o Congresso deixa brechas ao legislar?
JOBIM: Não vamos legislar, vamos discutir se a
Constituição autoriza ou não. O que o Congresso faz
é sábio. Com o aumento da participação eleitoral e a
inexistência de partidos sólidos, não existe hegemonia partidária no Congresso. Só há condição de
aprovar o que tiver o voto da maioria dos presentes. A
aprovação das leis depende da ambigüidade do texto.
Quando fui deputado, o doutor Ulysses ( Guimarães,
presidente da Assembléia Constituinte) pedia para eu
escrever os artigos da Constituição. Eu mostrava para ele o texto tecnicamente perfeito, sem brechas.
Mas aí o texto só tinha 20% dos votos. Então eu redigi outros textos, aumentando o nível de ambigüidade, até chegar no ponto do acordo. Faz parte
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O Globo/RJ, 07 de julho de 2004
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Continuação: É complicado o tribunal examinar a si mesmo
do jogo democrático.
Isso não sobrecarrega os tribunais?
JOBIM: Daí a razão pela qual a súmula vinculante é
perfeita ( mecanismo pelo qual as instâncias inferiores ficam obrigadas a repetir decisões do STF
sobre assuntos já julgados) . No momento em que você tem muitas possibilidades de interpretação com
um texto ambíguo, todas elas são legitimas. A súmula vinculante vai legitimar a opção escolhida pelo
Supremo. Ela não vai apenas economizar tempo, vai
dar segurança às decisões. As pessoas não podem depender da distribuição do processo: se cair com um
juiz, vai ser tal decisão; se cair com outro, outra decisão.
Essa insegurança jurídica é alegada por estrangeiros como argumento para não investirem
no Brasil. O senhor acredita que a reforma do Judiciário vai resolver esse problema?
JOBIM: Ajuda, claro. A questão da segurança jurídica é fundamental. Mas isso é um processo evolutivo. Durante o regime militar implantou-se uma
diferença entre o legal e a oposição. Mesmo depois
que desapareceu o regime militar ainda há certos co-
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legas juristas que criaram uma espécie de populismo
judiciário. Quando você podia à época fazer oposição e não aplicar a lei do regime militar na sentença
é uma coisa. Agora, quem está fugindo da legislação
é alguém que está alheio ao processo democrático.
Nós não podemos fazer isso. Quem faz isso desqualifica o poder da maioria. Não pode ser uma loteria.
No discurso de posse na presidência do STF o senhor condenou corporativismos. Como é representar o Judiciário e, ao mesmo tempo,
defender pontos da reforma que não têm o apoio
dos juízes?
JOBIM: Sem problema nenhum. Isso é uma posição
antiga minha. Tem um momento que é de catarse, em
que todo mundo reclama, grita, quebra prato, diz desaforo e fala da mãe do outro. Hoje isso perdeu a importância no processo político, essa fase já passou.
Tanto que a imprensa nem dá mais importância a esse
tipo de discurso. Agora, estamos em uma época de
aprovações. Fala-se com mais clareza que determinadas posições são meramente corporativas.
Antes não se dizia que eram corporativas, mas que era
o interesse da nação.
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