Discurso para o 12º Congresso das Nações Unidas
de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal
Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhores Ministros,
Senhores Chefes de Delegação,
Senhores Membros das delegações,
Senhoras e senhores,
SOLICITO UM MINUTO DE SILÊNCIO PELA MORTE
DO PRESIDENTE DA POLONIA
Constitui uma honra para o Brasil sediar o 12º
Congresso das Nações Unidas de Prevenção ao
Crime e Justiça Criminal, um evento que se reafirma
como o principal fórum internacional para fixar as
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diretrizes das políticas e das instituições do Estado
contemporâneo que integram o sistema de segurança
pública e justiça criminal.
Este Congresso ocorre após a negociação de
duas importantes convenções das Nações Unidas: a
Convenção sobre o Crime Organizado Transnacional
(Protocolo de Palermo) e a Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção (Protocolo de Mérida).
Nele serão abordados temas relacionados ao sistema
de segurança pública e justiça criminal que são
problemas comuns das nações, tais como o combate
ao crime organizado, a superpopulação carcerária, a
internacionalização
de
práticas
criminosas
e
o
combate à violência armada.
O
tema
deste
Congresso
–
“Estratégias
abrangentes para desafios globais: a prevenção do
crime e os sistemas de justiça criminal e seu
desenvolvimento em um mundo em transformação” –
reflete
a
importância
crescente
da
cooperação
internacional para lidar, em primeiro lugar, com o
caráter transnacional que o crime vem assumindo e,
em
segundo
lugar,
com
2
a
complexidade
dos
instrumentos, tecnologias e ações necessários para
combatê-lo no mundo contemporâneo.
Em que pese o reconhecimento de que ainda há
muito a se fazer, o Brasil vem respondendo a esses
desafios sem hesitação, norteado pela consciência de
que a promoção do direito à segurança se sustenta
em um tripé composto não apenas pelo sistema de
segurança em sentido estrito, mas também na gestão
do sistema penitenciário e do sistema de justiça
criminal.
Foi nesse sentido que em 2004 iniciamos um
processo de reforma do sistema judiciário, que vem se
pautando por uma série de alterações normativas que
visam otimizar e acelerar a prestação jurisdicional.
Essas alterações são fruto de um consenso formado
entre os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo,
formalizado no Pacto de Estado por um Judiciário
mais rápido e republicano.
É neste sentido também que ampliamos a
atenção
e
os
recursos
destinados
ao
sistema
penitenciário e que passamos a construir um novo
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paradigma para as políticas de segurança pública,
calcadas nos seguintes pilares fundamentais:
9
Prevenção
9
Transversalidade na implementação de
políticas, programas e ações
9
Cooperação internacional
9
Participação
da
sociedade
civil
no
planejamento, na execução e na avaliação de
programas e ações
9
Capacitação dos funcionários e agentes
do Estado
O primeiro tema da agenda do 12º Congresso infância, juventude e crime – é muito precioso ao
Brasil, que tem adotado nos últimos anos políticas
voltadas à promoção do desenvolvimento e da
cidadania de crianças e jovens. O Brasil adota desde
1990 a doutrina da proteção integral, partindo do
princípio de que crianças e adolescentes são sujeitos
de direitos e devem ser protegidos pelo Estado. Isso
faz com que tenhamos a firme convicção de que a
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criminalidade infanto-juvenil deve ser enfrentada
com medidas socioeducativas e de inclusão
social, o modo mais eficiente de prevenir e impedir
a vulnerabilidade de crianças e jovens à violência
e à criminalidade.
Nessa linha, o Excelentíssimo Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, em agosto de
2007, lançou o Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania – PRONASCI, pelo qual o
Ministério da Justiça vem investindo cerca de um
bilhão de dólares por ano em uma política
especificamente dirigida ao jovem de 15 a 24 anos,
buscando
inseri-lo
em
um
percurso
social
formativo. Tudo isso para evitar que esses jovens
sejam lançados na criminalidade ou por ela cooptados.
Esse resgate dos jovens acarreta a redução da
criminalidade à qual estariam inseridos em um futuro
muito próximo, e sobretudo permite o resgate cidadão
e a inclusão social daqueles que construirão o futuro
da sociedade.
Em relação ao segundo tema da agenda - o
terrorismo - o Brasil repudia com veemência todas as
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suas manifestações e entende que o combate a esse
crime, de feições transnacionais, deve se pautar pela
Carta das Nações Unidas e outras normas do Direito
Internacional e do Direito Humanitário. O Brasil é
signatário das 13 Convenções da ONU vigentes,
assim como da Convenção Interamericana contra o
Terrorismo, e é membro do Grupo de Ação Financeira
Internacional contra a Lavagem de Dinheiro e
Financiamento do Terrorismo (GAFI). Além disso, o
governo federal encaminhou ao poder legislativo, em
2008, um Projeto de Lei tipificando o financiamento ao
terrorismo, para estancar os meios de subsistência
desses atos tão bárbaros.
Cada vez mais firma-se a convicção de que a
melhor maneira de combater o terrorismo é com
inteligência estratégica e cooperação entre instituições
de segurança, tanto no âmbito interno quanto no
internacional. Embora o Brasil não tenha histórico de
atos terroristas em seu território, não se furta a agir
preventivamente e a cooperar no plano internacional
com as ações de combate a essa prática criminosa.
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O terceiro tema da agenda - a prevenção ao crime
- é de fundamental importância para o Brasil, pois
constitui, como já acentuei, um dos pilares das
políticas de segurança no País. A democracia está
assentada no dever do Estado de garantir a todos os
cidadãos os direitos básicos, entre os quais o direito à
segurança pública. Somente através da garantia da
segurança, da paz e dos demais direitos inerentes
à
cidadania,
é
possível
o
desenvolvimento
econômico e social de uma nação. Por essa razão
as
políticas
de
segurança
não
podem
estar
dissociadas de políticas que assegurem educação,
saúde e bem-estar, oferecendo oportunidades de
desenvolvimento aos segmentos e grupos mais
vulneráveis.
É nessa perspectiva que se insere o PRONASCI,
já
mencionado,
que
corresponde
a
um
novo
paradigma da política de segurança pública no Brasil,
na medida em que articula políticas de segurança com
ações sociais, dando ênfase à prevenção e buscando
atingir as causas que levam à violência, muitas vezes
ligadas a vulnerabilidades sociais. O programa inova,
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ademais, pelas ações multidisciplinares, que têm
como eixo o respeito aos direitos humanos e a
participação da sociedade civil.
No tocante ao quarto tema da agenda - respostas
da justiça criminal ao tráfico de migrantes, tráfico de
pessoas e aos seus vínculos com o crime organizado
transnacional
alcançados
–
nos
nos
orgulhamos
últimos
anos.
dos
O
avanços
Brasil
vem
implementando uma política de enfrentamento ao
tráfico
de
pessoas
caracterizada
pela
transversalidade, com foco na promoção e proteção
dos direitos humanos e voltada para a conscientização
da população e participação de organismos da
sociedade civil. O lançamento de campanhas voltadas
à sociedade, a capacitação de agentes especializados
e a implementação de um sistema de informação
estão entre as iniciativas desenvolvidas nos últimos
anos. Entendemos que esse cruel crime só pode ser
enfrentado com êxito se nos conscientizarmos de que
é necessária uma integração entre os países de
origem, trânsito e destino das vítimas. Aqui quero
deixar registrado que, para o Brasil, a questão da
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migração irregular deve ser considerada sob o
prisma humanitário e administrativo e não sob o
enfoque criminal!
O
quinto
tema
da
agenda
–
cooperação
internacional para o combate à lavagem de dinheiro –
reveste-se de enorme importância para o país, que
tem
no
enfrentamento
desse
crime
uma
das
prioridades do Ministério da Justiça. O Brasil atualizou
sua legislação interna e criou sua unidade de
inteligência financeira, assim como departamentos
especializados em conduzir programas e coordenar
ações de cooperação internacional, conquistando
avanços importantes no combate à lavagem de
dinheiro.
Cabe aqui registrar a iniciativa inovadora da
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à
Lavagem de Dinheiro – ENCCLA – que reúne mais de
80 agências governamentais envolvidas em ações
coordenadas de combate à lavagem de dinheiro e
recuperação de ativos. As ações da ENCCLA
compreendem desde programas de capacitação de
agentes
até
o
desenvolvimento
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do
moderno
Laboratório
de
Tecnologia
contra
Lavagem
de
Dinheiro, que utiliza tecnologia de ponta na análise de
informações
e
funciona
metodologias
e
boas
como
práticas
replicador
de
combate
de
ao
problema.
O Laboratório contra Lavagem de Dinheiro é um
exemplo do emprego da tecnologia e da ciência no
combate à criminalidade, tema que corresponde ao
sexto tópico da agenda deste Congresso: “aspectos
recentes do uso da ciência e tecnologia por infratores
e de seu emprego por parte das autoridades”. O
governo
brasileiro
tem
realizado
investimentos
consistentes em modernização tecnológica voltada à
prevenção e repressão da criminalidade. Nos últimos
sete anos, só o Ministério da Justiça investiu mais de
600 milhões de dólares nessa área, com destaque
para os sistemas de telecomunicações, de polícia
científica, de inteligência policial, de tecnologia da
informação,
impressões
brasileiro.
de
identificação
digitais,
Estes
além
do
investimentos
automática
novo
por
passaporte
permitiram
o
fortalecimento da ação de investigação e geração da
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prova
material
dos
ilícitos,
elementos
estes
fundamentais para o sistema judiciário do país.
O sétimo tema da agenda – o fortalecimento da
cooperação
internacional
para
o
combate
à
criminalidade – encontra grande eco nas ações que o
Brasil tem adotado. O caráter transnacional que a
criminalidade assume no mundo atual exige uma
postura
cooperativa
dos
países
e
instrumentos
eficazes para ações coordenadas. Sendo assim, o
Brasil tem se empenhado em atualizar sua legislação
interna à luz das recomendações internacionais, bem
como
modernizar
o
processamento
e
encaminhamento de informações a outros Estados. O
país tem participado do estabelecimento de forçastarefa com outros países do Mercosul, e tem
cooperação internacional firmada em justiça criminal
com mais de 100 países.
Prova adicional e, possivelmente, definitiva do
propósito do governo brasileiro de implementar
todos os instrumentos internacionais de que o
Brasil é parte na área de prevenção ao crime e da
justiça criminal é a decisão do presidente Lula de
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dar segmento imediato ao que prevêem os artigos
30 e 62 das convenções de Palermo e Mérida,
respectivamente,
no
sentido
de
destinar
percentual dos recursos confiscados provenientes
de lavagem de dinheiro e demais atividades
criminosas
para
financiar
a
implementação
adequada destas convenções e, em especial, para
estruturação da justiça criminal nos países em
desenvolvimento, através do UNODC.
Em relação às respostas da área de prevenção e
da justiça criminal à violência contra migrantes,
trabalhadores migrantes e suas famílias – o oitavo e
último tema da agenda deste Congresso – o Brasil,
como já disse, registrou importantes avanços nas
políticas dessa área, optando pelo tratamento das
migrações sob a ótica dos direitos humanos. O
Ministério da Justiça recomendou a ratificação da
Convenção sobre trabalhadores migrantes e suas
famílias, encaminhou ao parlamento uma nova lei de
imigração e empreendeu ampla anistia aos imigrantes
em 2008, com concessão do direito de trabalho livre,
assim como a extensão dos vistos às suas famílias. O
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Brasil entende que os imigrantes constituem parte
fundamental do progresso econômico e social do país
de acolhida. O fruto de seu trabalho reflete na
produção interna, e o de sua cultura em todas as
áreas da sociedade. O tratamento digno aos
imigrantes também dignifica um país.
É preciso lembrar que a agenda do Congresso é
complementada pela discussão de temas de absoluta
relevância nos cinco workshops que estão sendo
realizados no decorrer deste evento.
O Workshop A é dedicado ao tema da “Educação
em matéria de justiça criminal internacional com vistas
ao primado do Direito”, traz à discussão a prevalência
do direito supranacional ao direito interno. É colher o
direito em prática nos países que está além dos
dispositivos normativos específicos, e que ajuda na
promoção de um direito universal.
O tema do Workshop B - voltado ao “Exame das
melhores práticas das Nações Unidas referentes ao
tratamento de prisioneiros” – constitui um dos
principais desafios da sociedade contemporânea. A
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incompreensão das sociedades para com a questão
prisional vem prevalecendo no mundo, reduzindo o
potencial de investimento estatal nesse setor. Isso
implica uma clara, e muitas vezes proposital, confusão
entre o conceito de tratamento humano e digno e o de
privilégios e regalias aos presos. A importância do
assunto levou à edição das Regras de Tóquio,
instrumento internacional de promoção das regras
mínimas de tratamento ao apenado, que devem estar
refletidas não só na legislação interna de cada um dos
nossos países como também na efetiva prática de
tratamento aos apenados. O governo federal brasileiro
tem feito um importante esforço para a melhoria das
condições carcerárias nos estabelecimentos prisionais
do país, tendo transferido, ao longo dos últimos sete
anos, recursos no montante de 620 milhões de
dólares, destinados à construção, ampliação, reforma
e
aparelhamento
de
estabelecimentos
penais
estaduais, visando criar espaços mais dignos de
prisão e recuperação de presos.
O Workshop C discute as abordagens para a
prevenção da criminalidade urbana, modalidade que
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envolve a preocupação da maioria dos países.
Políticas como o desarmamento da população, a
promoção da cultura da paz,
investimentos em
tecnologia de investigação e atuação policial, melhor
formação do profissional de segurança pública e uma
presença mais efetiva do Estado nas comunidades
parecem constituir a linha adequada de investimentos
para a redução da violência e criminalidade nas
grandes cidades do mundo. Um tema, todavia, que
não pode escapar dessa discussão é a inclusão social
que precisa ser promovida em contraposição às
desigualdades econômicas entre os indivíduos, que
promove a favelização de áreas urbanas, anomia, e
conseqüentemente
um
campo
propício
para
a
proliferação da criminalidade.
O
Workshop
D
reflete
sobre
a
“Resposta
internacional coordenada às relações entre o tráfico de
drogas e outras formas de crime organizado”. No
Brasil, tem prevalecido uma abordagem intersetorial,
fundamentada na responsabilidade compartilhada e
nas ações de redução da demanda e da oferta de
drogas, em função das múltiplas facetas do problema.
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O Workshop E dedica-se, enfim, às “Estratégias e
melhores
práticas
contra
a
superlotação
de
estabelecimentos penitenciários”, problema que o
Brasil reconhece como grave e que demanda
investimentos na construção de unidades prisionais,
mas também, uma discussão mais ampla sobre a
excessiva aplicação da pena restritiva de liberdade
como uma resposta para a criminalidade, cujas
soluções estão muito além da vinculação direta entre
crime
e
prisão.
A
punição
alternativa
ao
encarceramento pode ser um caminho que permita a
responsabilização do infrator e sua reinserção social
com mais eficácia. A propósito vale destacar que este
Congresso ocorre em seqüência à II Conferência
Internacional de Penas e Medidas Alternativas, que
reuniu aqui em Salvador na última semana experts
nacionais e internacionais no tema.
A reflexão que acabo de fazer sobre os assuntos
em debate neste Congresso, tendo em vista as ações,
políticas e iniciativas brasileiras, nos permite concluir
que o Brasil avançou significativamente em áreas de
importância vital no âmbito da prevenção e da justiça
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criminal. A segurança pública, o combate à corrupção,
à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, assim
como o enfrentamento ao tráfico de pessoas e
exploração de migrantes tornaram-se prioridades do
governo brasileiro.
Consciente
da
importância
da
cooperação
internacional no combate à criminalidade, o Brasil vem
participando de forma ativa e propositiva nos fóruns
internacionais,
adotando
recomendações,
diagnosticando falhas e atualizando a legislação
interna, mas também propondo mudanças para o
aprimoramento dos mecanismos de cooperação entre
os países.
Ao ensejo, o Brasil saúda os participantes do 12º
Congresso
e
espera
que
constitua
um
fórum
proveitoso de trocas de experiências e diálogo entre
os Estados, concorrendo para o aperfeiçoamento do
sistema de justiça criminal e o fortalecimento do
Estado de Direito, tendo como perspectiva a promoção
da democracia e o desenvolvimento econômico e
social.
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Muito obrigado a todos.
LEMBRETE: LIBERAR OS PARTICIPANTES DA
UTILIZAÇÃO DO TERNO E GRAVATA DURANTE O
EVENTO. EXCETO NO SEGMENTO DE ALTO
NÍVEL
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Discurso do Excelentíssimo Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto