AS REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DE ASSU/RN A PARTIR DO
DISCURSO FEMINISTA DE MARIA EUGÊNIA (1972)
Roberg Januário dos Santos (Mestrando/PPGH/UFCG)
[email protected]
Lucilvana Ferreira Barros (Mestranda/PPGH/UFCG)
[email protected]
Este trabalho é parte de um projeto de pesquisa mais amplo que investiga as
representações identitárias do Assu/RN, a partir das estratégias discursivas situadas nas
produções dos escritores locais da segunda metade do século XX. Particularmente nesta
comunicação, objetivamos problematizar a construção identitária de Assu/RN a partir do
ideário discursivo de uma intelectual radicada nesta cidade desde 1939, notadamente Maria
Eugênia M. Montenegro. Pretendemos ainda investigar a partir de seus enunciados a forma
como esta configurava seu lugar de gênero, seus desejos, seu olhar em torno do feminino,
buscando perceber a maneira como suas falas inscreviam um lugar de ambigüidade, por
um lado uma postura voltada para os signos do feminismo (desejo de emancipação
feminina, liberdade), por outro denunciavam resquícios de um conservadorismo, um corpo
ainda marcado pelo olhar machista, conservador. Para elaboração deste estudo, partimos da
análise discursiva do Discurso de posse na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras
(1972). Assim, corroboramos com a ideia de que
Os discursos e pronunciamentos, ao serem vistos como
monumentos, não são apenas ornamentos retóricos, nem
argumentos de provas no discurso do Historiador. Não são apenas
fontes através das quais pesquisamos, estudamos um dado objeto
ou acessamos as ideias, sentimentos, desejos ou objetivos de dados
sujeitos, mas eles se tornam a matéria mesma da análise do
historiador. (ALBUQUERQUE JUNIOR, In: PINSKY; LUCA,
2011, p. 235)
Partindo desta fala de Albuquerque Junior, podemos compreender que os discursos
e pronunciamentos se constituem em objetos de investigação, é a própria produção do
discurso que deve ser estudada.
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No dia 21 de junho de 1972, Maria Eugenia Maceira Montenegro proferia discurso
de posse na Academia Norte - Rio-Grandense de Letras. Nesta oportunidade, a referida
escritora e poetisa, fala aos acadêmicos expressando seus ideais identitários, por sua vez,
representando seu lugar espacial e social, na medida em que mesmo não sendo natural de
Assu/RN, ela representa este espaço em consonância com uma tradição local que considera
Assu a “Atenas Norte-Rio-Grandense”, “a terra dos verdes carnaubais”, “terra dos poetas”,
entre outras. Além do mais, seu discurso demarca o lugar social de uma mulher que
presencia as novas tendências do feminismo, uma intelectual que procurava mostrar a força
das mulheres, o avanço destas, a capacidade feminina.
Maria Eugênia Maceira Montenegro nasceu em 1915 no município de Lavras/MG,
após formação escolar, exercia atividades sociais na sua cidade. No entanto, após
matrimônio (1938) com Nelson Borges Montenegro, recém formado pela Escola de
Agronomia de Lavras, ela veio para o Rio Grande do Norte, Estado do seu esposo,
precisamente para o município de Ipanguaçu, onde residiu entre 1939 a 1958, momento em
que se transferiu para Assu. Maria Eugênia faleceu em 2006.
Quando esteve em Ipanguaçu, Maria Eugênia desenvolveu trabalhos sociais
exercendo, por exemplo, a presidência da Legião Brasileira de Assistência, haja vista a
prerrogativa de ter se tornado naquele momento a primeira dama do município, pois seu
esposo, Nelson Borges Montenegro foi prefeito por duas vezes de Ipanguaçu. Nelson era
membro de uma das mais influentes famílias do Vale do Açu1: os Montenegros. Família de
posses agrícolas, criatórias e com espaço político demarcado na região. Os trabalhos
assistenciais desenvolvidos por Maria Eugênia dizem respeito principalmente ao período
do primeiro mandado de prefeito de Nelson, correspondente a 1952 a 1957, uma vez que o
segundo mandado, conforme Amorim (1982) transcorreu entre 1962 e 1968.
Além disso, Maria Eugênia ingressa na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras
em 1972, assumindo a cadeira n. 16, que teve como patrono Segundo Wanderley, como
primeiro ocupante Francisco Palma, Rômulo Chaves Wanderley como segundo ocupante e
antecessor dessa escritora. A Academia Norte-Rio-Grandense de Letras foi fundada em
1936, em Natal, capital do Estado, inicialmente com 25 cadeiras, de modo que com o
passar dos anos ampliaram-se as cadeiras a ponto de chegar ao número de 40. É preciso
1
O nome Açu vem do tupi Taba-Açu (referindo-se a "Aldeia Grande"). Ao longo dos anos, a grafia foi
alterada para Assu. Todavia, tanto o rio quanto o vale continuam sendo escritos com ç.
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pensar um pouco acerca das academias de Letras, pois enquanto lugar praticado se faz
necessário se entender sinteticamente como surgiu estes espaços.
As academias de Letras vieram a surgir no país no período republicando, pois sem
um público numeroso e por falta de um pólo de atração de grandes figuras consideradas
sábias do período imperial, notadamente o Parlamento, escritores, intelectuais e letrados
buscaram criar um espaço que lhe fornecesse visibilidade e representatividade. Desse
modo, foi criada em 1896, no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras. Para
Azevedo (1963, p 342) a referida instituição visava “concentrar os grandes nomes da
literatura nacional e fomentar, com o culto das letras o da língua pátria, acabaria por
assumir uma função de alcance não apenas literário, mas social e político: o da defesa da
unidade do idioma nacional”.
Além do mais, o período republicano possibilitou além da criação da Academia
Brasileira de Letras, a criação de núcleos e academias estaduais de letras. É preciso pensar
que desde a Monarquia, se apresentava, Conforme Broca (2004), uma predominância
literária da corte sobre as províncias, o que implica pensar que logo no início da República
a situação estava posta, na medida em que não mais o Parlamento, mas a Academia
Brasileira de letras perpetuaria tal situação. Desse modo, em reação a este quadro, os
grupos locais e regionais de intelectuais passaram a formar espaços de propagação e
divulgação de saberes visando se contrapor a este predomínio, é daí que surgem inúmeros
ambientes desse porte.
Para Maria Eugênia, a entrada na Academia de Letras lhe proporcionaria não
apenas compartilhar de um espaço iluminado pelo saber, mas desenhar um espaço de fuga,
um lugar onde ela tivesse visibilidade, pudesse falar não apenas a partir de seu lugar de
mulher, mais de intelectual, sentimento que denunciava mais que orgulho de pertencer a
academia, demonstrando encantamento, perplexidade. Em suas palavras: “Estou com
vontade de esconder-me em algum lugar, assustada com o esplendor que me rodeia, a
voejar “D LUCEM VERSUS” tal mariposa encantada com a luz que incide nas paredes
desta casa, dando-lhe este aspecto magnífico da dignidade humana que a envolve”
(MONTENEGRO, 1972, p. 231). Percebe-se que esta escritora estava fascinada com o
ambiente da academia, inclusive considerando que “esta casa irradia por todos os recantos
a cultura universal de Câmara Cascudo e Amaro Cavalcanti [...]” (MONTENEGRO, 1972,
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p, 231). Mas, também podemos compreender uma ótica que se destina a enxergar como
iluminada a classe dos intelectuais, uma visão que elege os intelectuais como seguimento
que detém a luz da civilização, o que nos possibilitar perguntar acerca do restante dos
seguimentos sociais? estariam nas luzes? escuro? pardo?
Podemos rastrear o discurso de Maria Eugênia mediante três ângulos: o primeiro
diz respeito a uma tentativa de inserção das potencialidades intelectuais do Rio Grande do
Norte no cenário nacional e internacional; segundo, enfatizar a desterritorialização
feminina; terceiro, consubstanciar a tradição assuense de espaço intelectualizado.
Esta escritora e poetisa viveu um momento histórico marcado pelas constantes
manifestações femininas em prol dos seus direitos, oportunidade de vários movimentos,
convenções, reuniões e manifestações. Desse modo, mesmo algumas tendências
considerando o ano de 1975 como marco desses movimentos feministas no Brasil,
notadamente sobre influências estadunidenses e européias, Pedro (2006, p?) elenca que
estes movimentos reivindicatórios vinham ganhando proporções desde a década de 1960
ganhado expressão após 1970, pois
Convém destacar, antes de mais nada, que a iniciativa da ONU
apenas repercutiu o que estava acontecendo desde os anos 60 e,
principalmente, no início dos anos 70, em vários países da Europa
e nos Estados Unidos, onde as manifestações feministas enchiam
as ruas das cidades reivindicando direitos [...].
Além disso, as décadas de 1960 e 1970 apresentariam modificações substanciais no
Estado potiguar, de modo que se vivia naquele instante certas transformações ditas
modernizadoras. A política do Estado foi sacudida pela campanha moderna ao governo do
Estado, por parte de Aluisio Alves, no ano de 1960. Uma campanha com cara de cruzada
rumo a uma forma avançada de se governar, com uso forte do marketing. Após o seu
governo transcorrido entre 1961 e 1965, surgiram questionamentos acerca das condições
desse avanço. Já na economia, o Estado passava por uma etapa de transição, haja vista o
declínio das chamadas economias tradicionais, particularmente a cera de carnaúba, agave,
algodão, etc., e o surgimento de novas fontes econômicas, como é o caso da exploração de
petróleo, do turismo litorâneo, da fruticultura irrigada e de instalação de grandes indústrias
(FELIPE, 2010).
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Além do mais, uma questão presente na fala de Maria Eugênia é justamente o
sentimento nacional, não por acaso, vivíamos nesta época o chamado ufanismo da Ditadura
Militar, a ideia de país perfeito, de amor a nação, de um “Brasil para frente”, entre outros.
Na verdade, foi um período histórico marcado pelas discussões em torno da identidade
nacional. Atrelado a esse contexto, é possível se vislumbrar a tendência de intelectuais
reforçarem esta identidade, como é o caso de Ariano Suassuna e a criação do movimento
armorial ligado a cultura do sertão nordestino, seria a valorização da tradição sertaneja para
reforço de uma tradição identitária do Brasil, pois se valorizava a cultura de um espaço
integrado a nação: o sertão.
Nesse sentido, Maria Eugênia demonstraria no seu discurso de posse na Academia
de Letras todo um viés feminista, projetando a busca da emancipação das mulheres. Ela
começa por enfatizar Nísia Floresta, intelectual potiguar que ganhou expressão nacional e
internacional, de modo a ser bastante conhecida pela causa feminista, pela participação em
processos como o abolicionismo e o republicanismo. Para Maria Eugênia “[...] a imortal
Nísia descortinou a mulher brasileira com as centelhas vivas de sua inteligência e coragem,
um horizonte novo, rompendo elos que acorrentavam às arcaicas condições sociais,
integrando-a aos meios sócio-políticos-cultural da vida nacional” (MONTENEGRO, 1972,
p.232). Ou seja, Nísia seria o exemplo primário de mulher que afrontou as estruturas
arcaicas e galgou lugar social de destaque, contribuindo para a inserção da mulher na vida
patriótica.
Na visão de Maria Eugênia, o caminho para a superação feminina estaria no mundo
das letras, do conhecimento, daí em seu discurso, elencou personalidades femininas ligadas
a intelectualidade ou a profissões liberais ligadas de alguma forma com as letras. A escolha
para iniciar seu discurso através de Nísia Floresta é, na verdade, uma estratégia para
impactar os interlocutores, pois Nísia, de acordo com Lajolo e Zilberman (1998, p. 258),
advogou “[...] a busca do saber e a conquista do conhecimento, encarando-os como prérequisito para a mulher ter seu valor reconhecido no mundo dos homens”.
Além de Nísia, Maria Eugênia cita outras intelectuais do Estado e as projeta no
cenário nacional, na medida em que considera que Auta de Souza possui um dos cânticos
mais belos da poética brasileira e Angelina Macêdo seria [...] outra batalhadora incansável
da emancipação da mulher ”(MONTENEGRO, 1972, p. 233). Ainda evidencia que esta
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última deveria aparecer nas antologias brasileiras. Esta escritora observa que “no panorama
nacional, a mulher potiguar tem a sua página reluzente, que marca sua personalidade
patriótica, seu desejo de servir, de integra-se a comunidade e a pátria” (MONTENEGRO,
1972, p. 234). Percebe-se uma nítida ênfase patriótica na fala dessa escritora, na verdade,
esse é o sentimento de construção de identidades, notadamente local, estadual e nacional.
Daí podermos concordar com Hall quando (2006, p.48), tomando por base a
discussão de Benedict Anderson acerca da problemática das culturas nacionais como
comunidades imaginadas, evidencia que “[...] na verdade, as identidades nacionais não são
coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação”. Assim, as identidades das nações ou dos espaços nacionais transcendem
as dimensões políticas sendo elaboradas por meio de uma rede de sentidos, de discursos e
por um sistema de representação simbólica.
Já cientes de que em seu texto Maria Eugênia cita várias mulheres potiguares, não
podemos deixar de observar o trato com as mulheres assuenses. Para tanto, ela prepara o
terreno do discurso exaltando a identidade local assuense. Na verdade, ela fortifica uma
rede de representações identitárias acerca deste espaço. Daí podermos concordar com
Foucault (2010) quando elenca que em toda sociedade a produção do discurso é
atravessada por controles, seleções, distribuições e jogos de poderes. Assim, nesse discurso
em análise, as estratégias discursivas são lançadas, de modo a definirem determinadas
representações identitárias para o Assu e para as mulheres potiguares. Nesse sentido, cabe
pensarmos que “as representações identitárias são matrizes de práticas sociais, guiando
ações e pautando as apreciações de valor. Elas se traduzem, pois, não apenas em
performance de atores, mas em discursos e imagens (PESAVENTO, 2008, p.89).
Além disso, as representações, conforme Chartier (1991), se manifestam por duas
vias, notadamente uma apresentação de algo ausente e uma representação de uma presença.
Por este viés, podemos entender o sentido que Maria Eugênia representa o espaço
assuense, pois se apropria e representa uma tradição iniciada desde a década de 1920 e
desencadeia em seu momento presente de produção, novas estratégias de reforço dessa
tradição, como é o caso da representação feminina.
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Já o espaço, conforme Certeau (2011) é um lugar praticado, por sua vez, também
narrado. Além do mais, os espaços transcendem sua dimensão física, se mesclando em
meio à trama histórica. Baggio (In: COSTA; OLIVEIRA. 2011 p.266) considera que
[...] o território, e alguns dos seus atributos, constituem-se não
apenas como um construto material e econômico, mas também
como um valor simbólico, o que implica na valorização das
práticas históricas e culturais empreendidas pelos sujeitos sociais e
de suas relações com o espaço vivido [...].
Além disso, para compreender a fluente relação entre o social e o espaço, se faz
necessário pensar este último mediante o prisma da relação “[...] pertencimento a uma
trama, elemento que participa dos diversos afrontamentos e acontecimentos que se dão no
social (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2008, p.72).
Desse modo, o espaço assuense é subjetivado pela escritora em seu discurso, de
maneira a corroborar com a ideia de espaço poetizado, por isso ela considera que foi a terra
assuense que lhe forneceu a inspiração intelectual, pois “para alcançar esta tribuna, foi-me
primordial o encontro primeiro com a terra, com as condições sociais que obrigaram a
procurar nos “sarcófagos da flor” - os livros – o convívio salutar e edificante dos silentes
amigos”. Ainda menciona que “pisei o solo do Açu, antiga Vila Nova da Princesa, a
Atenas Norte-Riograndense – terra de poetas e de heróis, berço de Perceval e Ulisses
Caldas, os bravos imortais dos campos de Curuzu, da guerra do Paraguai
(MONTENEGRO, 1972, p. 238)
Assim, nestes trechos, Maria Eugênia ramifica seu apego a espacialidade assuense
considerando-a como a terra dos heróis, a terra tida como “Atenas do Rio Grande do
Norte”. Essa imagética acerca do Assu foi delineada por outros escritores, como Francisco
Amorim, Romulo C. Wanderley, Lauro de Oliveira, entre outros. Esses intelectuais
contribuíram para invenção de uma tradição local pautada em mitos de origem, heróis,
terra dos poetas, Atenas, entre outros. Quanto ao cognome “Atenas Norte - Riograndense”,
não se estranha tal uso, haja vista que no campo literário dos primeiros anos do século XX,
o Brasil presenciou uma verdadeira literatura helênica, pois conforme Broca (2004, p.153154)
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[...] A Grécia triunfou plenamente em nossas letras até a guerra de
1914, pelo menos. Alguns citavam-na a cada passo, porque
realmente lhe conheciam a história e freqüentavam os mestres da
antiguidade clássica; outros helenizavam de oitiva, porque
ninguém podia considerar-se verdadeiramente culto , se não falasse
em Heitor, Ajax e no cerco de Tróia.
A ideia de Assu enquanto Atenas, inicialmente gestada na primeira metade do
século XX, ganha expressão na segunda metade deste século, uma vez que vários
intelectuais propagaram tal cognome, projetando este espaço como berço da cultura
potiguar, daí Maria Eugênia demonstrar “[...] tão grande amor do povo açuense pelas
letras, que pelas ruas da antiga Vila Nova da Princesa, perambulam Demócritos, Diógenes,
Sócrates, Sólons. Desmóstenes, numa explosão cultural, de admiração a decantada Grécia”
(MONTENEGRO, 1972, p. 239).
Neste trecho acima, esta escritora associa à imagem assuense a um panorama grego,
notadamente pelo viés do saber, do amor a sabedoria, citando a presença de filósofos. Até
mesmo no tocante aos elementos naturais, ela os vincula a aspectos gregos. Assim, enfatiza
que “ali, na terra nos verdes carnaubais, onde o Rio Piranhas Açu serpenteia faminto de
sede, o filho de Afrodite cobrou o mais alto tributo em distância [...]”. Tanto os carnaubais,
quanto o rio são elementos utilizados pelos escritores locais para a construção da paisagem
imagética de Assu.
Assumindo a postura de alçar as mulheres no topo da vida social, Maria Eugênia
apresenta em seu discurso as contribuições de mulheres assuenses para as letras e para a
pátria. Nesse sentido, ela cita Carolina Wanderley como uma das fundadoras da Academia
de Letras; Sinhazinha Wanderley, professora, poetisa e compositora assuense; Stela e Alice
Wanderley, letradas românticas e Belisaria de Carvalho, tida como baronesa da Serra
Branca e Assu, referenciada em ato abolicionista. Assim, além de exaltar a mulheres da
terra que lhe deu inspirações poéticas, ela reforça a representação da família Wanderley,
essa, por sua vez, bastante tradicional em Assu e conhecida em boa parte do Nordeste,
inclusive citada na produção do sociólogo Gilberto Freyre. Ela, ainda, termina essa fala
enunciando que essas foram “mulheres que marcaram época e engrandecem o panorama
social e cultural da nossa pátria” (MONTENEGRO, 1972, 240).
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Todavia, nessa análise do discurso de Maria Eugênia, também percebemos algumas
contradições. Mesmo efetuando uma forte construção representativa da mulher potiguar,
colocando-a como exemplo do transgredir de determinadas normatividades arcaicas e
patriarcais, ela deixa explicito, em alguns trechos do seu discurso, que muitas conquistas
femininas no Rio Grande do Norte foram desencadeadas pelas mãos masculinas, pois se
referindo a Celina Guimarães, primeira eleitora do Brasil, essa escritora mostra que “esta
bela página cívica, a mulher norte-riograndense deve-a ao ilustre e consagrado homem
público - o Senador Juvenal Lamartine (MONTENEGRO, 1972, p 234).
Já com relação ao ensino, Maria Eugênia observou que “convém notar que, se hoje
a mulher norte-riograndense desfruta um lugar ao sol no panorama social, muito o deve à
“Liga de Ensino”, fundada em Natal em 08.10.1911, tendo como seu inspirador Henrique
Castriciano”. Ou seja, percebe-se neste trecho que para a referida escritora, muito da
emancipação das mulheres se deve a educação, e neste caso especifico que ela se refere, a
educação chegou por mãos masculinas. O que nos chama a atenção não é o fato de Maria
Eugênia registrar as ações masculinas em prol das mulheres, mas é a maneira como ela
exalta a figura masculina, dotando-o quase de um status heróico.
Portanto, com ares de ato triunfal, particularmente visibilizado por sua posse na
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Maria Eugênia articula uma maquinaria
discursiva com o objetivo de demarcar seu lugar enquanto escritora, mulher e habitante de
um espaço poetizado, representando-o identitariamente pelo prisma de uma realidade
espacial
e
humana
marcada
por
traços
de
homogeneidade,
tradicionalismo,
consubstanciado por um sentimento de destaque intelectual e de reafirmação do papel das
mulheres neste processo. Além disso, o discurso (1972) de Maria Eugênia, delineado pelo
sentimento patriótico, pelo desejo de progressão feminina e pelos atributos espaciais já
citados, faz parte de uma rede discursiva que gestou um conjunto de representações
identitárias para o Assu/RN, de modo a concebê-lo pelo viés imagético como ambiente da
intelectualidade, da teatralidade, poetização e berço cultural do Estado.
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2. ed. Belo Horizonte:
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