Ministério da Educação
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Setor de Ciências da Saúde
Departamento de Farmácia
Disciplina de Química Medicinal Farmacêutica
Propriedades Estruturais e Ação dos Fármacos
Introdução
- Ação dos fármacos: interação entre a micro (fármaco) e biomacromolécula (sítio de ligação
biológico) → Fase farmacodinâmica.
- De acordo com o tipo de interação entre o fármaco e a biofase, podemos dividi-los em dois
grupos:
1 – Fármacos estruturalmente inespecíficos: dependem única e exclusivamente de suas
propriedades físico-químicas (ex: coeficiente de partição óleo/água, pKa) para promover o
efeito biológico;
2 – Fármacos estruturalmente específicos: seu efeito farmacológico se deve à interação
específica com determinada biomacromolécula, denominada receptor ou biorreceptor; esta
interação é dependente da estrutura do fármaco (arranjo espacial dos grupamentos funcionais),
que deve ser complementar ao sítio de ligação localizado na biomacromolécula.
Fármacos estruturalmente inespecíficos
Ex: Anestésicos gerais
Mecanismo de ação (mais aceito): envolve alterações de biomembranas lipoprotéicas,
elevando o limiar de excitabilidade celular ou interação inespecífica com sítios hidrofóbicos de
proteínas do SNC.
Atuam por interações do tipo van der Waals.
> lipossolubilidade, > potência
Tabela 1: Correlação entre propriedades físico-químicas e a atividade biológica dos fármacos
estruturalmente inespecíficos
Anestésico geral
Coeficiente de partição
MAC50
óleo:gás
Br
224
C
F3 C
0,7% de 1 atm
Cl
H
Halotano
F
F2HC
90,8
C
O
CF3
1,15% de 1 atm
H
Isoflurano
MAC50 = Concentração alveolar mínima para provocar imobilidade em 50% dos pacientes
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Figura 1: Influência da modificação estrutural no mecanismo de ação dos barbitúricos
H3CH2C
CH(CH3)CH2CH2CH3
O
N
H3CH2C
O
O
H
H
O
N
N
H
CH(CH3)CH2CH2CH3
N
H
O
S
Pentobarbital
Tiopental
(estruturalmente específico: anticonvulsivante,
(estruturalmente inespecífico: anestésico geral, maior
interage com os receptores do GABA, aumentando a
lipossolubilidade que o pentobarbital, devido a
condutância de cloreto)
substituição O → S)
Fármacos estruturalmente específicos
Modelo chave-fechadura:
Biomacromolécula = Fechadura
Sítio de ligação = Buraco da fechadura
Micromoléculas = Chaves / Ligantes:
1 – Chave original: agonista natural, endógeno, ou substrato natural de uma enzima.
Leva à resposta biológica.
2 – Chave modificada: semelhante à chave original. Agonista modificado, sintético ou
natural, complementar ao sítio receptor. Leva à resposta biológica similar ao agonista
natural.
3 – Chave falsa: propriedades estruturais mínimas para que tenha acesso à fechadura,
mas não permite a abertura da porta. Antagonista, sintético ou natural. Se liga ao receptor
mas não é capaz de promover resposta biológica, bloqueando a ação do agonista
endógeno ou modificado.
Figura 2: Modelo chave-fechadura e reconhecimento ligante-receptor
Na interação fármaco-receptor cabe também ressaltar duas etapas relevantes:
a) a afinidade do ligante pelo receptor, isto é, a capacidade da micromolécula em complexar com
o sítio de ação;
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2
b) a atividade intrínseca resultante desta interação, isto é, a resposta biológica observada
(agonista, agonista parcial ou antagonista). Pode ser expressa em termos de eficácia intrínseca
(ε).
Tabela 2: Afinidade e atividade intrínseca de ligantes de receptores benzodiazepínicos
H3 C
O
N
O
O
N
H
N
O
N
N
N
NH2
N
OEt
N
Cl
N
N
N
Cl
Cl
6
diazepam
8
7
Atividade intrínseca do ligante
6
Afinidade do ligante
Ensaio de binding, IC50 (nM)
45
7
7,2
Antagonista
8
0,1
Agonista
Substância
Agonista
IC50 = concentração da substância necessária para produzir interação com 50% dos receptores.
Agonistas
Possuem estruturas semelhantes àquelas do ligante endógeno, interagem com o receptor
e desencadeia a resposta positiva deste, isto é, o mesmo efeito do ligante endógeno (ε = 1).
Tabela 3: Exemplos de estruturas de agonistas de alguns receptores comuns
Receptor
Ligante endógeno
Agonistas
NH2
Histamina H1 / H2
NH2
NH2
H3C
HN
HN
N
N
HN
histamina
N
CH3
4-metil-histamina
2-metil-histamina
NH2
N
2-(2-piridil)etilamina
β-adrenérgico
HO
OH
OH
HO
NHCH3
HO
OH
HO
NHCH(CH3)2
adrenalina
HO
NHC(CH3)3
HO
isoprenalina
terbutalina
OH
HO
N
HOCH2
NHC(CH3)3
pirbuterol
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Tabela 4: Compostos usados em pesquisa de agonistas para o neurotransmissor acetilcolina (atividade
expressa em termos da fração molar necessária para dar o mesmo grau de potência da acetilcolina)
Estrutura
Atividade
Pressão sangüínea de
gato
Coração de rã
1
1
50
50
CH3COOCH2CH2NH2 CH3
500
500
+
CH3COOCH2CH2NH3
2.000
40.000
+
CH3COOCH2CH2N (CH3)3 (acetilcolina)
+
CH3COOCH2CH2NH (CH3)2
+
+
CH3COOCH2CH2N (CH2CH3)3
2.000
10.000
+
13
12
+
50
96
CH3COOCH2CH2P (CH3)3
CH3COOCH2CH2S (CH3)2
Antagonistas
Agem inibindo um receptor e são usados para reduzir o efeito do ligante endógeno. Pode
ter ação competitiva ou não-competitiva, dependo da natureza do receptor. Possuem, em geral,
pouca semelhança com o ligante endógeno do receptor (ε = 0).
Antagonista competitivo: Interação com o receptor é reversível. Quanto mais alta a concentração
do antagonista, maior será a concentração do agonista necessária para de obter a resposta
máxima.
Antagonista não-competitivo: Interação com o receptor é irreversível. Sua ação independe da
concentração do agonista. Quanto mais alta a concentração do antagonista não-competitico, mais
baixa é a resposta máxima do agonista.
Agonistas parciais
Na ausência do agonista endógeno, os agonistas parciais exibem o mesmo tipo de
resposta que o ligante endógeno, porém, em menor intensidade. Na presença do ligante
endógeno, irão atuar de maneira competitiva, semelhante aos antagonistas, diminuindo a ação do
ligante endógeno. A ação máxima observada será aquela do agonista parcial sozinho. A maioria
dos fármacos pertence a este grupo (0 ≤ ε ≤ 1).
Agonista-antagonista
Apresenta efeito agonista em um receptor e efeito antagonista em outro recpeptor da
mesma classe (grupo de receptores).
Ex: Receptores opióides µ, κ, δ; receptores H1, H2 e H3 da histamina.
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Forças intermoleculares na interação fármaco-receptor
As principais forças envolvidas na interação fármaco-receptor são as forças
eletrostáticas, de dispersão de London (van der Waals), hidrofóbicas, ligações de
hidrogênio e as ligações covalentes. O grau de afinidade e a especificidade da interação
vai depender destas interações.
1) Forças eletrostáticas
Tipos: a) íon-íon (interação iônica): E = 5 a 10 kcal/mol
b) íon-dipolo: E = 1 a 7 kcal/mol
c) dipolo-dipolo: E = 1 a 7 kcal/mol
Figura 3: Interações iônicas
H
F
+
NH3
O
H
+
Rec
H
fármaco ionizado
solvatado
F = fármaco
COO
-
O
H
H
H
F
+
NH3
-
O OC
Rec
O
H
O
H
interação iônica
receptor ionizado
solvatado
+
Rec = receptor
Figura 4: Reconhecimento molecular do flurbiprofeno (9) pelo resíduo Arg120 do sítio ativo da PGHS, via
interação iônica
Figura 5: Interações íon-dipolo
−
O
δ
O
R
-
R1
R2
C
R1
O
R2
O
R2
interações íon-dipolo
R2
R1
O
O
R
R1
+
δ+
+
NH3
O
-
O
R1
R2
R1
R2
interações dipolo-dipolo
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Figura 6: Reconhecimento molecular da PGH2 (10) pelo resíduo Fe-Heme do sítio ativo da tromboxana
sintase, via interação íon-dipolo
Figura 7: Ligação da acetilcolina no sítio catalítico da acetilcolinesterase
2) Forças de van der Waals (forças de dispersão de London)
Moléculas apolares apresentando dipolos induzidos momentâneos se aproximam,
resultando em uma flutuação local transiente (10-6 s) de densidade eletrônica entre grupos
apolares adjacentes. Pode ocorrer em ligações C-H ou C-C de cadeias apolares. E = 0,5 a 1
kcal/mol.
Figura 8: Interações dipolo-dipolo pela polarização transiente de ligações carbono-hidrogênio
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Figura 9: Interações dipolo-dipolo pela polarização transiente de ligações carbono-carbono
3) Interações hidrofóbicas
Interações apolares entre cadeias, promovendo a saída de água de solvatação entre estas.
Ocorre um ganho entrópico, levando a um sistema mais desorganizado durante a interação. E = 1
a 4 kcal/mol.
Figura 10: Reconhecimento molecular do PAF (11) via interações hidrofóbicas com a bolsa lipofílica de seu
receptor
4) Transferência de carga
I
NH2
E = 1-7 kcal/mol
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5) Ligação de hidrogênio
A mais importante interação não-covalente existente nos sistemas biológicos. Ocorre entre
heteroátomos eletronegativos (O, N) e átomos de hidrogênio ligados a átomos ou grupos elétronretiradores (O-H, N-H, CF2-H). E = ~ 5 kcal/mol.
6) Ligação covalente
Tipo de interação pouco comum. Se deve à formação de ligações sigma entre o fármaco e
o sítio de ligação. Ex: carbamatos e organofosforados (anticolinesterásicos), antitumorais,
antibióticos β-lactâmicos. O complexo fármaco-receptor são raramente desfeitos, levando à
inibição enzimática irreversível ou inativação do receptor.
E = 50 a 150 kcal/mol
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Fatores estereoquímicos envolvidos na interação fármaco-receptor
O volume do ligante, as distâncias interatômicas e arranjo espacial entre os grupos
farmacofóricos são de fundamental importância nas interações entre a micromolécula e a
biomacromolécula. A biomacromolécula apresenta, na grande maioria dos casos, um sítio de
ligação específico para um determinado ligante.
1) Configuração absoluta
Devido à natureza quiral dos aminoácidos, que constituem a maioria das macromoléculas
receptoras e alvos terapêuticos, os fármacos enantioméricos, na maioria das vezes, apresentam
diferentes atividades biológicas.
Enantiômeros: imagens especulares não superponíveis, que apresentam as mesmas
propriedades físico-químicas, exceto pelo desvio da luz polarizada (e atividades biológicas). O
enantiômero terapêuticamente útil é conhecido como eutômero e o que apresenta menor
afinidade, de distômero (IUPAC).
Figura 16: Norefedrina
CH3
CH3
H 2N
C
H
H
C
NH2
HO
C
H
H
C
OH
OH
OH
1S,2R-(+)-norefedrina
HO
OH
1R,2S-(-)-norefedrina
(100 vezes mais ativa in
vitro e in vivo como
agonista α-adrenérgico)
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Teoria do modelo dos 3 pontos: a interação entre fármaco e receptor, para ter atividade
maior, deve acontecer em três pontos com o receptor.
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Diferentes estereoisômeros também podem apresentar diferenças farmacocinéticas, como
absorção, metabolismo e eliminação.
Ex:
H3C
CH
HO
H 3C
C
CH
HO
C
O
(-)-norgestrel
(absorção duas
vezes mais rápida)
O
(+)-norgestrel
HOOCCH2O
HOOCCH2O
Ph
Ph
CH3
CH3
Cl
Cl
Cl
O
Cl
O
R-indacrinona
T1/2 = 10-12 h
S-indacrinona
T1/2 = 2-5 h
Tabela 4: Variações das atividades de estereoisômeros
Primeiro estereoisômero
Segundo estereoisômero
Exemplo
Ativo
Atividade e potência do mesmo
tipo
Os isômeros R- e S- do antimalárico
cloroquina possuem atividades iguais
Ativo
Atividade do mesmo tipo, porém
mais fraca
O isômero E do dietilestilbestrol, um
estrogênio, tem somente 7% da atividade
do isômero Z
Ativo
Atividade diferente
A S-cetamina é um anestésico e a Rcetamina possui pouca ação anestésica,
mas é um psicotrópico
Ativo
Nenhuma atividade
A S-α-metildopa é um fármaco antihipertensivo, porém o isômero R- é
inativo
Ativo
Ativo,
porém
com
colaterais diferentes
efeitos
A talidomida, o isômero S-, é um
sedativo e possui efeitos colaterais
teratogênicos. O isômero R- também é
um sedativo, mas não tem atividade
teratogênica
2) Configuração relativa
Configuração relativa se refere à posição dos grupamentos farmacofóricos de um ligante
cíclico ou olefínico (isomeria cis-trans ou E-Z).
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Ex: estrogênios estradiol, hexestrol, trans-dietilestilbestrol (ativo) e cis-dietiestrilbestrol (inativo).
CH3
OH
OH
H
H
H
HO
HO
Estradiol
Hexestrol
OH
HO
trans-dietilestilbestrol
HO
OH
cis-dietilestilbestrol
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3) Conformação
A conformação se refere ao arranjo espacial das molélculas, variável, devido à rotação das
ligações sigma.
Confôrmeros: São estereoisômeros que se encontram em equilíbrio tão rápido que sob
condições comuns, não podem ser isolados. Pode ser convertido de um para outro mediante
rotação e deformação, mas não ruptura, de ligações.
Figura 23: 4-Fenilpiperidina (petidina)
N
O
N
O
conformação axial
(interage com o receptor
desta forma, a
energeticamente
desfavorável)
O
O
conformação equatorial
(energeticamente favorável)
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4) Distâncias interatômicas
Ex: antibacterianos sulfonamidas e PABA.
Bibliografia
BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. Química Medicinal, As bases moleculares da ação dos fármacos. Porto
Alegre: Artmed Editora, 2001. Cap. 1, p. 15-29.
THOMAS, G. Química Medicinal: uma introdução. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. cap. 2, p. 2328, cap. 8, p. 249-252.
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