Vulnerabilidade e Protecção Social em Economias Fortemente Endividadas Abel M. Mateus Consultor do Banco de Portugal Vulnerabilidade e Protecção Social 1. Níveis de pobreza e estratégias para o alívio da pobreza 2. Iniciativa do Perdão da Dívida 3. O conceito de vulnerabilidade 4. Políticas de protecção social para redução da vulnerabilidade Anexo: Estabilidade no sistema financeiro Vulnerabilidade e Protecção Social WDR 1990: crescimento intensivo em trabalho, através da abertura da economia, investimento em infraestruturas, saúde e educação. WDR 2000: * Promoção oportunidades através do crescimento equitativo * Participação social (empowerment): instituições políticas e sociais sensíveis às necessidades das classes menos favorecidas * Redução da vulnerabilidade aos choques económicos, desastres naturais, violência e doença. Vulnerabilidade e Protecção Social “A vulnerabilidade a acontecimentos externos e em grande parte incontroláveis – doença, violência, choques económicos, mau tempo, desastres naturais – reforça o sentido de malestar da população pobre, exarceba a sua pobreza material, e enfraquece a sua posição negocial. Eis porque melhorar a protecção social – reduzindo o risco de acontecimentos como a guerra, doença, crises económicas, e desastres naturais – é central na estratégia de redução da pobreza. Assim como reduzir a vulnerabilidade dos mais pobres aos riscos e construir mecanismos que permitam a estas populações enfrentar os choques adversos.” WDR 2000 Vulnerabilidade e Protecção Social As classes mais pobres sofrem elevadas flutuações do seu rendimento. Estudos efectuados em aldeias do Sul da India mostram que o coeficiente de variação do rendimento anual das principais colheitas está entre 0,37 e 1,01, e nalguns casos chega a 1,27. Nas zonas rurais da Etiópia três em quatro famílias sofreram com uma colheita perdida num período de 20-anos, que resultou em ameaça de sobrevivência dos seus membros. Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Indicadores Sociais e de Vulnerabilidade Angola Moçambique Cabo Verde Guiné-Bissau São Tomé e Príncipe Países baixo rendimento Africa Sub-Sahara Baixo e médio rendimento PIB per capita PIB per PIB per mercado capita em capita em 1999 PPP 90 PPP 99 220 1.890 632 230 532 797 1.302 2.382 3.233 160 702 616 288 1.399 1.469 370 500 1.240 1.180 1.410 2.600 1.430 1.500 3.370 Taxa cresc. Grau PIB 90- pobreza 98 <$1 dia -3,0 5,4 37,9 4,5 0,4 1,7 3,4 1,9 3,1 Despesas Taxa saude % Despesas escolariz PIB 90- educação ação 98 % PIB 98 Sec. 3,9 4,9 31,2 2,1 4,1 22,4 4,0 4,0 36,6 24,1 1,3 1,5 1,9 3,2 3,2 4,1 41,0 27,0 62,8 Vulnerabilidade e Protecção Social Despesas Públicas em % PIB PIB per capita Saúde SS 472-2000 4,27 2001-3000 5,08 3000-4000 4,46 Educação 0,48 3,37 1,15 5,29 1,03 4,25 Vulnerabilidade e Protecção Social PIB per capita em PPP (1999) 4.000 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 Angola Moçambique Cabo Verde Guiné-Bissau São Tomé e Príncipe Países baixo rendimento Africa SubSahara Baixo e médio rendimento Vulnerabilidade e Protecção Social 1. Estratégias para o alívio da pobreza 2. Iniciativa do Perdão da Dívida (HIPIC) 3. O conceito de vulnerabilidade 4. Políticas de protecção social para redução da vulnerabilidade Anexo: Estabilidade no sistema financeiro Vulnerabilidade e Protecção Social A iniciativa HIPIC culminou um processo longo de preocupação da comunidade internacional em reduzir a dívida como pré-condição para a efectividade da ajuda externa. Começa com a declaração de Copenhagen(1995) e termina com a Cimeira de Cologne (1999) em que se liga o perdão da dívida à redução da pobreza. Vulnerabilidade e Protecção Social Eligibilidade: países com acesso à AID, altamente endividados e que resolvam aplicar o perdão da dívida em programas de combate à pobreza. O objectivo é tornar a situação da dívida externa sustentável: que se define por um rácio do valor actualizado da dívida sobre as exportações no máximo de 150%. Para países muito abertos (rácio de exportações sobre PIB de mais de 30%) o rácio da dívida sobre as receitas fiscais pode atingir 250%. Os termos de Nápoles concedem uma redução até 67% do valor actualizado da dívida, pró-rata entre doadores oficiais bilaterais e multilaterais. 33 países poderão ser elegíveis, a um custo de 90 biliões USD Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Indicadores Endividamento Angola Moçambique Cabo Verde Guiné-Bissau São Tomé e Príncipe Países baixo rendimento Africa Sub-Sahara Baixo e médio rendimento Serviço Dívida % Ajuda Dívida VA Exportaçõ externa % % PIB es PIB 279,9 34,4 8,2 74,2 18,0 28,2 31,3 26,5 362,8 25,6 50,0 401,3 78,7 15,4 14,7 18,4 4,7 4,1 0,7 Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social 1. Estratégias para o alívio da pobreza 2. Iniciativa do Perdão da Dívida 3. O conceito de vulnerabilidade 4. Políticas de protecção social para redução da vulnerabilidade Anexo: Estabilidade no sistema financeiro Vulnerabilidade e Protecção Social A vulnerabilidade de uma economia pode considerarse ao nível • macro: variabilidade do PIB, desastres naturais, • meso: perda de colheitas, desastres naturais localizados, • micro: doenças, perda dos elementos produtivos da família, desemprego, velhice, incapacidade física Vulnerabilidade e Protecção Social A vulnerabilidade a nível individual depende: - activos físicos: o baixo nível e pouca liquidez dos activos são uma restrição à capacidade de ocorrer a quebras temporárias do rendimento, - capital humano: o seu baixo nível não permite acesso ao crédito e limita a capacidade de gerir a situação - diversificação das fontes de rendimento: a possibilidade de aceder a fontes de rendimento não agrícolas em zonas rurais, se não forem actividades covariantes - ligações a redes familiares ou de extensão familiar - participação em esquemas de seguro social ou individual formais - acesso ao mercado de crédito Vulnerabilidade e Protecção Social Principais fontes de risco Tipos de Risco Idiosincrático Riscos que afectam indivíduos ou famílias (micro) Natural Saúde Social Riscos que afectam grupos de famílias ou comunidades (meso) Co-variante Riscos que afectam regiões ou países (macro) Chuva Desabamento de terras Erupção vulcânica Doença Ferimentos Incapacidade Velhice Morte Crime Vilolência doméstica Tremor de terra Inundações Seca Ciclones Epidemia Terrorismo Guerra civíl Actividades de Guerra associações Motins criminosas Económico Desemprego Alterações no preço dos alimentos Deslocação Colapso do crescimento Perda de colheitas Hiperinflação Crise na balança de pagamentos, financeira Custos de reformas económicas Político Agitação política Abandono de programas sociais Golpe de estado Ambiental Poluição Desflorestação Desastre nuclear Fonte: Adaptado de Sinha and Lipton (1999) and World Bank(2000) O caso especial da SIDA: Vulnerabilidade e Protecção Social Existem mais de 34 milhões de pessoas infectadas com SIDA (90% em PVD), com 5 milhões novos infectados cada ano. Devido a esta epidemia, que afecta de uma forma dominante a África a Sul do Sahara, estes países perderam todo o progresso que tinha sido feito no aumento da esperança de vida ao longo da segunda metade deste século. Um em quatro adultos no Zimbabwe, Malawi e outros países do Sul da África está infectado. A sustentabilidade do crescimento económico em muitos destes países está seriamente afectada. Vulnerabilidade e Protecção Social 1. Estratégias para o alívio da pobreza 2. Iniciativa do Perdão da Dívida 3. O conceito de vulnerabilidade 4. Políticas de protecção social para redução da vulnerabilidade Anexo: Estabilidade no sistema financeiro Vulnerabilidade e Protecção Social Os esquemas tradicionais de protecção social dos PDs, como a segurança social, o serviço de saúde universal, o subsídio ao desemprego são inapropriados para a maioria dos PVDs. Não só porque exigem elevados recursos fiscais que os governos não podem captar, como a sua gestão administrativa exige capacidades que estes países não possuem. Por exemplo: •As despesas com segurança social só atingem cerca de 0,5% do PIB em média nos países com menos de USD 2 000 per capita. Vulnerabilidade e Protecção Social E devido aos problemas de escassez de informação e de dificuldade em executar os contratos, os mercados de crédito e seguros nos PVD só abrangem o sector formal (e muitas vezes estão enviezados em benefício das empresas estatais e das grandes empresas privadas). Por exemplo •Em muitos PVD, o crédito ao sector rural ou às PMEs é quase inexistente •Os seguros de vida são quase insignificantes, e os não-de-vida restringidos à classe mais abastada e sector formal Vulnerabilidade e Protecção Social Prevenção de riscos Objectivo Redução de riscos Mecanismos informais Individuais e Grupos familiares Practicas de Acções colectivas prevenção de de construção de saúde infraestructuras, diques, Migração plataformas. Formas mais Gestão de recursos seguras de de propriedades rendimento comuns Mecanismos formais Mercados Provisão pública Mitigação de riscos Diversificação Seguros Mitigação de choques Diversificação de fontes de rendimento Investimento em capital fisíco e humano Casamento e familias extensas Arrendamento rural Armazenamento Venda de activos Empréstimos de agentes locais Mão de obra infantil Redução de consumo de alimentos Migração sazonal ou temporária Associações ocupacionais Associações de poupanças e créditos rotativas Investimento em capital social (comunicações, associações, rituais, troca de ofertas) Tranferências de redes de apoio mútuo Politica macroeconomica apropriada Politica ambiental Politica de educação Politica de saúde pública Infraestruturas (barragens, estradas) Politica de activos de emprego Extensão rural Liberalização do comércio Protecção dos direitos de propriedade Guarda de poupanças em instituições financeiras Microfinança Pensões de velhice Seguros de acidentes e incapacidade Sistema de pensões Segurança obrigatória para desempregados, doentes, incapacitados e outros riscos Venda de interesses financeiros Empréstimos de instituições financeiras Assistência social Ajuda-trabalho Subsídios Fundos sociais Transferência em dinheiro Nota: As áreas brancas mostram as respostas dos grupos e das comunidades através de mecanismos informais de aplicação de mecanismos de prevenção do risco. A área com sombreado mais escuro mostra os processos de prevenção pública contra o risco e a mitigação de choques – Os seguros sociais. Vulnerabilidade e Protecção Social O desenho de um programa eficaz de protecção social exige um estudo prévio do mapeamento e tipologias das populações em risco. O programa deve compreender: •Desenho de um programa modular: que permita misturar várias intervenções, segundo a capacidade institucional e o tipo de risco (micro-seguro com micro-financiamento, ajuda alimentar e programas de emprego público, fundos de ajuda sociais) Vulnerabilidade e Protecção Social •Criar um programa para prevenir, responder e mitigar os choques macro - económicos, financeiros e naturais: estes são os choques mais importantes. • Podem ser prevenidos através de uma boa gestão macroeconómica. •Diversificação dos activos financeiros ou dos mercados externos •Gestão prudente no sector financeiro formal •Complementar o sector financeiro formal com sistemas de micro-financiamento Vulnerabilidade e Protecção Social •Manter um clima de investimento público e privado conducente à criação de emprego e aumento da produtividade •Assegurar que os programas de ajuda à pobreza ou despesas sociais não caem durante uma recessão •Criar “fundos contra as calamidades” que apoiem as classes pobres em caso de desastres naturais •Desenhar um sistema de protecção social (safety nets) que pode ser activado por razões contracíclicas •Assegurar o desenvolvimento dos mercados bancários e de seguros individuais e de grupos Vulnerabilidade e Protecção Social •Criar sistemas de protecção social que sejam ao mesmo tempo pró-crescimento: o desafio é criar programas que não diminuam a capacidade competitiva do país, nem o incentivo ao trabalho e à poupança. As experiências recentes do chamado “novo federalismo” nos EUA são muito interessantes neste respeito. Vulnerabilidade e Protecção Social Uma parte importante da protecção é o auto-seguro, embora por vezes este assuma formas penosas. As famílias podem mitigar as flutuações de rendimento recorrendo à venda de activos. Contudo, devido à elevada correlação entre a sua venda e o preço, este processo só agrava a situação. No Bangladesh, a ONG SafeSave é uma associação com crédito e poupança rotativos, em que os agentes colectam pequenas quantias de dinheiro diariamente dos seus membros para colocar em contas poupança, que é um sistema promissor. As transferências privadas ou intra-familiares são outra forma importante de mitigação. Vulnerabilidade e Protecção Social Vulnerabilidade e Protecção Social Seguros de saúde Devido à impossibilidade de os governos dos PVDs estabelecerem um sistema eficiente de seguros de saúde, é essencial que estabeleçam uma rede eficiente de saúde primária, com centros de saúde e dando ênfase aos programas preventivos e vacinações. Este sistema deverá ser complementado por contribuições em dinheiro (sistema discricionárioocasional) para o caso de famílias que perdem os membros produtivos, ou em que estes ficam incapacitados. Igualmente importante para o capital humano é um sistema eficiente de educação primária Vulnerabilidade e Protecção Social Programas de ajuda pelo trabalho: Subsídios de desemprego são inapropriados para a maioria dos PVD, devido à extensão do sector informa (em economias da América Latina este é estimado em 54% do total do emprego), e à dificuldade de administração. Daí que seja preferível utilizar programas de ajuda pelo trabalho (caso de Cabo Verde em tempos de seca), como instrumento anti-cíclico. Para ser auto-selectivo deve ter salários abaixo do mercado. Uma limitação é que apenas abrange as pessoas capazes de trabalhar. Deve compreender pequenas obras públicas para benefício das comunidades Fundos sociais de desenvolvimento Vulnerabilidade e Protecção Social Este é um dos métodos preferidos e mais populares. Já cerca de 50 países sobretudo na América Latina e na África SS tem estes esquemas. São fundos constituídos por capitais públicos e de ajuda externa, com uma gestão autónoma, geralmente descentralizados ao nível da localidade ou pequena região. Afim de se orientar em benefício das classes pobres usam métodos de selecção de investimentos (serviços básicos), análise dos beneficiários, ou orientação para regiões menos favorecidas. Financiam pequenos projectos de investimento, em que é requerido um co-finaciamento e participação da comunidade. Também podem financiar microempresas Vulnerabilidade e Protecção Social Sistemas financeiros micro (crédito, poupança e seguros) Estes esquemas podem ajudar as famílias a manter o consumo perante choques. Não permitem mitigar choques com elevada covariância. Em geral beneficiam sobretudo as famílias moderadamente pobres e vulneráveis. O sucesso alcançado em diversos países mostra que são uma forma prioritária para a ajuda ao desenvolvimento. Vulnerabilidade e Protecção Social Transferências em dinheiro ou em espécie: Ajuda nutricional (suplementos) para crianças e mães-grávidas Suplemento nutricional nas escolas: para incentivar as crianças a ir à escola Ajudas em dinheiro para os casos de indigência e para ajudar a reconstruir a vida no caso de catástrofes naturais Ajuda sob a forma de inputs agrícolas (sementes e utensílios) a seguir a uma calamidade e para recolonização de populações afectadaspor conflitos Vulnerabilidade e Protecção Social Sem entrarmos em grande detalhe sobre estes importantes sistemas de protecção devemos referir alguns aspectos que resultam da nossa experiência com o desenho de um programa para o México em finais dos anos 1980, conhecido como PIDER ou Programa de Solidariedade, financiado pelo Banco Mundial e assente num sistema de fundos municipais nas regiões mais pobres: Primeiro, é importante estabelecer o mapa dos principais segmentos populacionais e bolsas de pobreza, dum ponto de vista regional e socio-económico. Segundo, deve ser estabelecido um sistema de monitoragem da situação económica, e em particular alimentar destas populações «early warning system». Terceiro, o sistema é tanto mais eficaz em termos de benefício-custo quanto for limitado e orientado para as populações mais carecidas (target system). Quarto, o desenho dos diferentes programas deve ser adaptado às circunstâncias específicas das populações – por exemplo, um programa de «alimentos para trabalhos públicos» no caso de uma seca só beneficia as pessoas na idade activa e em condições de trabalhar deixando de for a camadas importantes da população, como velhos e crianças que podem ser seriamente afectados. Quinto, normalmente os grupos mais vulneráveis da população a quebras de nutrição são as crianças até aos 5 anos e as mulheres grávidas. Pelo que estes são os grupos que devem ter prioridade no programa de alívio da pobreza. Sexto, os esquemas de ajuda devem ser associados tanto quanto possível a outros incentivos sociais, como por exemplo, promover a ida à escola distribuindo alimentos in loco para as crianças. Um outro factor importante é a descentralização das acções e a participação das populações. E, finalmente, como as próprias Instituições Internacionais o compreenderam, estes programas têm que ser sentidos «como próprios» pelas autoridades nacionais e locais em coordenação com a sociedade civil e organismos de ajuda externa. Vulnerabilidade e Protecção Social UMA NOTA FINAL: A ajuda e perdão da dívida são insuficientes. Os PDs têm que abrir os seus mercados aos PVDs: Estimativas do Banco Mundial mostram que as tarifas e os subsídios nos PD (sobretudo aos têxteis e produtos agrícolas) causam uma perda annual no bem-estar dos PVD equivalente a 20 biliões de USD, ou seja 40% da ajuda ao desenvolvimento em 1998.