editorial.
.1
A data de nossas Jornadas Clínicas se aproxima. “Dizer e fazer em
análise” é o mote para indagar os fios que tecem palavras e atos ao longo
da direção da cura. “Primeiro era o verbo”, conforme o bíblico João, ou
“antes de tudo era o ato”, conforme Goethe? Lacan situa a pergunta para
logo responder que não há oposição nas duas fórmulas. Ele reúne, assim,
no mesmo tecido, os atos de palavra e a linguagem que compromete o
sujeito em seus atos. Na mesma trama também estão analista e analisante,
no campo constituído de dizeres e fazeres. De outro lado, Lacan busca no
Seminário dedicado ao tema, o estatuto do ato, como se ele fosse único,
com propriedades específicas e localiza aí a possibilidade de um verdadeiro começo. Trata-se numa análise de muito dizer até que o ato se torne
possível ou o ato é aquilo que permite que as palavras digam de um sujeito? O que vem antes, verbo ou ação, falar ou fazer? Opções não excludentes,
tais perguntas aludem ao que o Seminário concebe a respeito da análise:
um voltar de outra forma ao ponto de partida, não reencontrando nunca,
porém, o ponto mítico do início. Diz ainda Lacan que o fim de análise
acontece quando se rodou em circuito, mais de uma vez, ou seja, que se
reencontrou aquilo de que se é prisioneiro. No final, embora, haja um
reencontro, o sujeito é original, quer dizer, alude à singularidade própria
ao ato analítico e ao começo enquanto fundação de um novo. De tessitura
outubro 2010 l correio APPOA
editorial.
única, de voltas e avanços, com os fios da linguagem e dos atos, um final
Para exemplificar este ineditismo, Lacan se vale da história de César
de análise produz um sujeito inédito.
e o atravessamento do Rubicão. Rubicão era o nome antigamente utilizado do rio na Itália Setentrional, que corria para o mar Adriático. No século I a. C., este rio formava a linha de fronteira entre a Itália e a província
romana da Gália Cisalpina. Em 49 a. C., o futuro dirigente romano Júlio
César fez a sua famosa travessia do Rubicão, depois do Senado romano
tê-lo proibido de entrar na Itália com seu exército. Tal medida visava a
impedir que os generais manobrassem grandes contigentes de tropas no
núcleo do Império Romano, evitando riscos à estabilidade do poder central. Quando Júlio César atravessou o Rubicão, em perseguição a Pompeu,
violou a lei, tornando inevitável o conflito e a deflagração de uma guerra
civil. A expressão “atravessar o Rubicão” passou a ser usada desde então
para referir a qualquer pessoa que tome uma decisão arriscada de maneira irrevogável, sem volta.
Lacan evoca César e o Rubicão para considerar que o ato não é qualquer ação, posto que é uma ação significante. O ato não se refere à magnitude do obstáculo, mas sim ao valor significante que o acompanha. César
não permanece igual depois do ato, pois ele dá lugar a algo inaudito.
“Ultrapassar o Rubicão não tinha, para César, uma significação militar
decisiva. Mas, em compensação, ultrapassá-lo era entrar na terra-mãe, a
terra da República, aquela em que abordar era violar. (...) No terreno do
ato há também certa ultrapassagem, ao evocar essa dimensão do ato revolucionário e caracterizá-lo como diferente de toda a eficácia da guerra
notícias.
Jornadas Clínicas da APPOA
DIZER E FAZER EM ANÁLISE
06 e 07 de novembro de 2010
Centro de Eventos do Hotel Plaza São Rafael
Av. Alberto Bins, 514 – Porto Alegre – RS – Brasil
Freud abre o século XX propondo nos capítulos da Psicopatologia da
Vida Cotidiana uma reviravolta na forma de pensar os esquecimentos, os
lapsos, as descontinuidades que se apresentam com frequência em nosso
dia a dia. Toma seu traço de enigma e propõe sua decifração com a aten-
ção flutuante de um pesquisador que busca os detalhes mais sutis, para
além das evidências. Lacan, a partir desta obra freudiana, destaca os atos
falhos, o ato sexual e a passagem ao ato propondo “esse estranho par de
ato? Qual é sua parte no jogo? Seria a interpretação? Seria a transferência?
palavras”, o ato psicanalítico. Interroga: O que é para o psicanalista um
Enfim, na trama do dizer e fazer, incluem-se ato e significante, tra-
Se Freud inaugura uma nova ordem com o inconsciente, Lacan, no Semi-
e que se chama suscitar um novo desejo” (lição 10 de janeiro de 1968).
vessia dos obstáculos impostos pelo fantasma, novo lugar, desejo renova-
nário XV, faz um outro giro, formulando a divisão $ <> a como efeito do
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do e sujeito transformado. Aí estão alguns dos elementos que as Jornada
outubro 2010 l correio APPOA
discurso do psicanalisante, a partir do ato analítico na transferência.
correio APPOA l outubro 2010
Clínicas da APPOA pretendem tecer, percorrer.
2.
notícias.
Lacan interrompeu seu Seminário “O Ato Psicanalítico” no calor dos
acontecimentos de maio de 68 em Paris, quando foi chamado a tomar
posição e o fez em ato, juntando-se às barricadas dos estudantes. Com
isso indicou que todo ato porta uma face de subversão, de movimento, de
abertura do inconsciente. O ato é transgressivo na medida em que, ao
romper com o estabelecido, inaugura um novo começo, produz uma alteração a partir da qual já não há mais retorno possível. É “o que autoriza a
tarefa psicanalisante”. Faz surgir a ambiguidade que marca o sujeito em
relação ao saber, dividido em sua hiância fundamental, que não se revela
a não ser em sua face de desconhecimento.
Nossa Jornada Clínica compartilha com Freud e Lacan a proposição
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
(Des)ato
Adão Luiz Lopes da Costa – APPOA
06/11 SÁBADO / TARDE
14h30 Conferência Las intervenciones del Analista
en el Analisis de un niño
Alba Flesler – Escuela Freudiana de Buenos Aires
15h45 Mesa 3
Vida privada e o objeto a-ato: Lacan e Tolstoi
Edson Luiz André de Sousa – APPOA
Cada um tem o analista que merece
Ricardo Goldenberg – APPOA
Intervalo
de tramar – na operação analítica – ato, fazer, dizer e significante. Como
esses conceitos se distinguem e se conjugam na análise nos diferentes
17h30 Conferência Faça!
Jacques Laberge – Intersecção Psicanalítica de Brasil - Recife
9h30
Intervalo
11h
Conferência – Ato e acting out (de “Zelig” até “A rosa
púrpura do Cairo”)
Alfredo Jerusalinsky – APPOA
Encerramento
Lúcia Alves Mees – Presidente da APPOA
outubro 2010 l correio APPOA
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Mesa 4
A relíquia: o ato diz algo
Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack – APPOA
O ato de Lacan
Liz Nunes Ramos – APPOA
Efeitos do discurso: notas sobre o significante psicanálise
na cultura
Robson de Freitas Pereira – APPOA
07/11 DOMINGO / MANHÃ
lugares de analisante e analista? Como se combinam na análise de crianças? Quais especificidades do ato e da linguagem na infância? E nas de-
Abertura
Mesa 1
Um ponto de partida
Ester Trevisan – APPOA
Fernanda Breda – APPOA
Carlos Henrique Kessler – APPOA
Conferência La logica del acto en la experiencia del analisis
Isidoro Vegh – Escuela Freudiana de Buenos Aires
correio APPOA l outubro 2010
11h 15 Mesa 2
Ratos
Elaine Starosta Foguel – APPOA
Intervalo
9h45
9h
06/11 SÁBADO / MANHÃ
mais clínicas, quais as funções do dizer e do fazer na cura psicanalítica?
4.
notícias.
INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES
R$110,00
R$150,00
R$140,00
Após ou no local**
Associados
R$120,00
R$180,00
Antecipadas até 22/10
Estudantes de graduação
e Recém formados*
R$140,00
Categorias
Profissionais
* Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos, mediante comprovação.
** Se houver vagas
DEMAIS INFORMAÇÕES:
– Sede da APPOA
– Horário de funcionamento da Secretaria: de segunda à quinta-feira, das 8h30min às 21h30min e sextas-feiras, das 8h30min às 20h.
– Inscrições mediante depósito bancário para o Banco Banrisul: agência: 0032, conta-corrente: 06.039893.0-4 ou Banco Itaú, agência: 0604,
conta-corrente: 32910-2. Neste caso, enviar, por fax ou e-mail, o comprovante de pagamento devidamente preenchido para a inscrição ser efetivada.
– Estudantes de Graduação deverão apresentar comprovante de ma-
temática.
Notas sobre um encontro marcado1
Liz Nunes Ramos
Durante a elaboração deste texto, uma criança me perguntou como
era minha “escola”. A indagação inspirou-me a interrogar que escola é a
tir da subversão muito particular que ela opera das noções de saber e
instituição psicanalítica e como se dá a transmissão da psicanálise, a par-
– Inscrições pelo site: www.appoa.com.br, após efetuar a inscrição
sujeito, ao sustentar que o saber não é o conhecimento e que o sujeito não
trícula em curso superior.
pelo site, enviar por fax ou e-mail o comprovante de pagamento devida-
é o indivíduo, mas o do inconsciente.
1
Artigo elaborado a partir de trabalho apresentado pela autora na Jornada de Abertura da APPOA, em abril de 2010.
outubro 2010 l correio APPOA
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ressituando o que organiza a formação. Qual o estatuto do psicanalista e
conceito de ato surge como algo novo, radical no campo psicanalítico,
“não há ato sexual”, pois há uma fenda irredutível entre os parceiros. O
10/67, e é consecutivo ao da Lógica do fantasma, no qual formula que
co. Ele é contemporâneo da proposição do procedimento do passe, de 09/
Apoiei-me na lógica que Lacan traz no seminário do Ato psicanalíti-
mente preenchido.
– As vagas são limitadas.
correio APPOA l outubro 2010
[email protected]
Lucy Linhares da Fontoura informa seu novo e-mail:
Mudança de endereço eletrônico
6.
se desdobra e o que seria o seu término? A questão se impunha naquele
de seu ato? O que lhe autoriza? O que permite instalar uma análise, como
é na própria determinação do sujeito que o ato incide, após o qual o $ não
subjetiva e é nessa ligação que se desdobra a experiência analítica, então,
na, seja remanejado. Se a ligação de significante a significante é a que
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
momento e Lacan ressalta que a passagem do analisante a psicanalista
será mais o mesmo.
temática.
resulta de uma mutação do desejo, já que não se trata se realiza-lo, mas
ção. Ou, o inconsciente sempre existiu, mas quando Freud reconhece seus
que este possa inscrever-se em algum lugar”, por exemplo, numa institui-
como psicanalista também constitui um ato, “quando chega ao ponto de
Ela exige o ato de se decidir e aí se opera um franqueamento. Instalar-se
Já de início, Lacan diz que vemos o ato na entrada de uma análise.
Não sabemos do ato que o analista leva a cabo, senão pelos efeitos, só
mental na análise e na formação, constituindo o tempo de elaboração.
posteriori. Destaque para o termo: nachträglich, a posteriori. Ele é funda-
jamais senão do significante a buscar leitura, que só pode ser efetuada à
na dimensão do ato, seja falho, sintomático ou acidental, não se tratará
retoma Freud, “A psicopatologia da vida cotidiana”, demonstrando que
Qual é a essência do que o psicanalista opera por seu ato? Lacan
efeitos e o inscreve de forma incontestável na cultura falamos da funda-
depois. Não há nada que ele possa saber antecipadamente à fala do
de engajar-se na prática a partir do desejo do analista.
ção da psicanálise como ato. Aí, houve algo da escritura, sempre implicada
analisante.
Apagado quanto à atividade, lhe cabe interrogar as relações do ser
num ato.
E fundar uma instituição psicanalítica constitui um ato, já que a his-
com a fala. Sua responsabilidade, na transferência, não se refere à inter-
que ao analisá-los algo era deixado em suspenso, sendo sempre ali que
tória da psicanálise está repleta de instituições, fundadas e dissolvidas
Para desdobrar a indagação sobre o que é o ato psicanalítico, Lacan
uma verdade ficava retida, induzindo a erros de interpretação. O verda-
venção em qualquer contexto intersubjetivo, no nível das relações de ob-
diz que para aceder a um saber é preciso considerar a dimensão da verda-
deiro passo, essencial quanto ao ato, postula Lacan, precisa ser dado para
jeto, mas ao discursivo. Freud menciona, na “Interpretação dos sonhos”,
de inconsciente do desejo. A isso não acedemos por um saber prescritivo
clarear a noção, a função do desconhecimento, da babaquice, para ressal-
num piscar de olhos? A fundação da APPOA constituiu e após seus 20
e introduz, ainda, uma diferença de princípio em relação à universidade.
tar a pertinência e o valor do lapso, da dimensão do chiste. “É preciso
anos nos perguntamos o que foi franqueado então?
Diz que se vêm ouvi-lo é porque têm a impressão de que ali se enuncia
“O interesse fascinante desses dois capítulos é que no ato sintomáti-
trazer a verdade ao campo do Outro, pelo chiste, dimensão aberta somen-
conseqüências, não ocasione desordens. Pois, na psicanálise, o ato tem
co, o primeiro a ser situado por Freud, há algo de original, há uma abertu-
algo que poderia ter conseqüências. O princípio do que chamou ensino
conseqüências, elas estão do lado do psicanalisante, da subversão do su-
ra, um traço de luz, algo de inundante que por muito tempo não voltará a
te quando a suspensão deixa o significante em seu jogo”.
jeito; não visa reconfortar e não incide em fatos da vida, mas em sua
se fechar”. Vemos a extrema acolhida de Freud e Lacan para com o sinto-
de faculdade é que tudo é posto em circulação de forma tal que não tenha
posição discursiva. O estatuto do sujeito não se realiza senão na lingua-
ma, tomando-o por um lado como fracasso do que é sabível pelo sujeito,
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mas, por outro, como algo que sempre representa alguma verdade, cons-
outubro 2010 l correio APPOA
gem, em sua estrutura, e o ato analítico não a deixa intacta. Há, portanto,
correio APPOA l outubro 2010
desordem, para que o fantasma, a relação do sujeito ao objeto que o alie-
8.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
que nenhum analista poderia saber e só emerge quando o analisante fala.
temática.
titui um dizer, como criação. Logo, não pode ser dispensado, pois tem
curar e ensinar, se o psicanalista, por definição, não sabe e não dispõe de
Um analista só pode ligar uma cadeia até então desconhecida. Aí está o
Lacan se pergunta sempre a quem se endereça e diz que seu modo de
prescrições? Cada um precisa haver-se com a singularidade de sua traje-
que constitui a dificuldade da análise e do ensino da psicanálise. Como
ensino se organiza fora da transmissão de um saber normativo, o dos ins-
tória. A cura deriva, pois, do exercício da palavra e não é possível ensi-
função. Ambos concluem que se trata de abrir as vias ao que do sexual
titutos de então. É da transmissão de um estilo que se trata, ponto que
nar, senão transmitir uma experiência de investigação do inconsciente.
escapa à apreensão na linguagem.
para a APPOA é fundamental garantir. Nas sociedades que menciona, o
é o que Lacan acentua: “O que pode ser o fim da psicanálise didática, já
A principal das questões a diferenciar como princípio do seu ensino
inconsciente, ele instaura a experiência discursiva que se endereça ao
rado unicamente no desejo do analista, de extrair da fala o conteúdo
que autoriza o sujeito a amar e falar e, na instituição, a produzir. Ampa-
culação a palavra. O ato do analista é aceitar ser suporte da suposição
“Se o analista faz algo é simular que sabe, e seu ato de simulação é
que seu término é burocraticamente pré-determinado? O que seria o tér-
Outro, nunca à sua pessoa, dando garantias para o amor de transferência
analista é constrangido a sustentar um discurso abusivamente didático,
mino de uma operação que tem relação com a verdade”? Naquele mode-
causa de um processo no qual ele pisa em falso para renovar a presença
lo, seria possível conceber o fim como resto da análise da transferência?
se desdobrar. “É uma suposição útil para engajar o sujeito na tarefa e
que não tem a ver com os problemas propostos pela experiência cotidia-
E o que é a análise da transferência? Não é senão a eliminação do
fazer entrar em jogo o Outro. Há um que já sabe”. Este é seu estatuto e
do sujeito”, fazer surgir a misteriosa relação do $ ao objeto que o aliena.
sujeito suposto ao saber. Citação de Lacan: “... no curso do fazer psicana-
dessa posição em falso que o caracteriza, o analista, sustentado apenas
na. Como organizar um ensino que não mascare o que fica sempre oculto
lisante, na caminhada em direção ao que diz respeito ao horizonte, à mi-
pelo desejo do analista, só se autoriza pelo eco, pelo efeito de seu ato.
Esta suposição engendra algo parecido com o amor, que não será
ragem, ao ponto de chegada... de saída o psicanalisante toma seu bastão,
Não há autorização antecipada, fora do laço transferencial e da emer-
nas psicanálises ditas didáticas? É esta a questão que presidiu a fundação
carrega seu alforje, para ir ao encontro, ao encontro marcado com o sujei-
gência do saber não sabido do inconsciente. Não existe, em nenhum
correspondido, mas instaurará o circuito da demanda e colocará em cir-
to suposto saber”. Assim começa uma análise, este começo determina seu
lugar, S.s.S., muito menos para o analista. No entanto, seu ato é uma
da APPOA e dirige nossos pressupostos de formação.
desdobramento e o que precisará ser resolvido da transferência ao final.
não comparecerá, porque ele é um artefato. No entanto, é preciso supô-lo.
estrutura ele põe em ato perante o público que vem ouvi-lo, numa opera-
Esta é a estrutura do ato para Lacan, dar suporte à transferência. E tal
profissão de fé no S.s.S.
O analista simula que a posição do S.s.S. seja sustentável, porque nessa
ção clara de transmissão. Ele diz: “Não posso oferecer-lhes nada em troca
Mas, o analisante não suspeita que a este encontro marcado o S.s.S
suposição está a única possibilidade de acesso à verdade que o $ só entre-
de sua presença”, mas pede que lhe enderecem perguntas e observações,
.11
que indiquem como o escutam, estabelece um meio de trocas, permite
outubro 2010 l correio APPOA
ga ao supor que o analista sabe do que o determina, quando de fato o que
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o determina sustenta-se apenas numa cadeia articulada de significantes,
10.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
responsável por deixar o analisante trabalhar e o analista manifestar-se
temática.
apenas na dimensão do ato e da interpretação, só se sustenta no fato de
quando advém a castração e seu analista não é mais S.s.S. Ponto de vira-
que os interessados inscrevam sua presença e manifestem seu desejo. Que
da de psicanalisante a psicanalista, “referente de toda competência ana-
tomem a palavra e não se apeguem ao saber que supõem nele. Assim,
É o que faz o psicanalista. Sem significação e sem formular qualquer
lítica”. Esta concepção da transferência é nova. “É esta estrutura do ato,
que se supõe que o psicanalista tenha chegado ao término da análise,
demanda põe o vazio em jogo, sabendo que o resíduo inconsciente, ao
seu verdadeiro nó na função do S.s.S., que precisamos conhecer para sa-
Lacan faz comparecer sua castração e, por efeito, a dos ouvintes.
qual o sujeito é inapto para acessar, é a verdade, que não se revela senão
O ato se define por ser corte numa cadeia, logo, o fim da análise não
em determinadas condições. E o que Lacan transmite é que a castração
poderia ser concebido a não ser na lógica de um corte, operado pela trans-
ber o que se passa no campo limitado que é a psicanálise”.
são. A castração, diz ele, “implica só que o sujeito aceda ao que não tem.
ferência na transferência, desprendendo o sujeito da alienação ao objeto
do analista é imprescindível a estas condições, na análise e na transmisEle não tem o órgão que promoveria o gozo único, unário, unificante, ele
do fantasma, na cena em que se vê como objeto do Outro. Trata-se para o
“O que se torna o S.s.S? Seguramente, ele cai”. Só pode aceitar a su-
não tem nada que seja o UM que faria o gozo na conjunção dos sexos”. A
posição de saber o analista que aceitar que cairá e for capaz de fazer com
análise transcorre tentando inscrever esta falta. Portanto, ir até o seu fim
“a pressa é o que deixa escapar a verdade”. O término da operação tem a
o analisante o luto dos significantes que sustentam o eu ideal, caso con-
analista de faltar ao encontro marcado com o S.s.S, para comparecer em
ver com a passagem deste objeto a (olhar, voz, fezes, falo), do lugar ilusó-
é o que abre para a chance de aceder à castração, “único referente” que,
rio de unificação para, inscrito como perdido, operar como causa de de-
trário, manterá a alienação. É da articulação do ato com a verdade, com o
Outro lugar, pois não há encontro possível.
sejo. O $ é efeito da inscrição dessa perda e é preciso que ele faça essa
saber insabido, que Lacan parte para avançar. O saber (enquanto conhe-
segundo Lacan, autoriza a passagem à psicanalista. Ele diz algo marcante:
transição, via amor de transferência, para saber o que lhe falta, único
cimento) lembra, é uma função imaginária, uma idealização. Nunca sa-
Vemos que se não há paridade na transferência, conjunção, há conju-
Outro, acessível à investigação.
bemos tanto quanto supomos. A verdade, ao contrário, está no lugar do
saber possível ao deparar-se com seu fantasma.
“É preciso que haja um ato que seja criador, e que esteja ali um novo
começo, que não se institui per se”, e sempre se coloca quando há “necessidade de transferir algo à ordem do significante”. O $, apartado do objeto
todo, que toma o bastão e empreende a caminhada. É um fazer de pura
lece entre fazer e ato: quem faz é o analisante. É ele quem fala o tempo
Outro ponto nuclear na noção de ato é a bipartição que Lacan estabe-
na relação com a verdade”. Lacan diz que o analista não possui, mas faz
“por estar em posição de a, faz girar tudo que diz respeito ao destino do $,
to à estrutura do inconsciente e à intervenção analítica”. O psicanalista
efeito do discurso do psicanalisante, “decisivo para tudo o que diz respei-
gação do ato e da tarefa, através do a, como termo médio. O objeto a é
fala, na qual o $ é colocado em ato. Ao analista cabe garantir a instaura-
semblante desse objeto. Ele se faz de olhar, de voz, de fezes a reter ou
a é a criação.
ção do discurso, abstendo-se do seu desejo de sujeito e da mobilidade,
expulsar, de falo a conquistar, tornando possível a operação. Ele não é
.13
objeto, nem saber, é semblante.
outubro 2010 l correio APPOA
para deixar o significante emergir na demanda. A manutenção destes lu-
correio APPOA l outubro 2010
gares que não são de paridade é condição da análise. E esta bipartição,
12.
da que a demanda insiste e a perda é simbolizada, fraturando o eu ideal e
objetos em circulação. Parece-me essencial ter claro que é quando recusa-
fetiche, atender à demanda com a reciprocidade amorosa que põe estes
Por isso, é parte do ato analítico recusar-se a mascarar a falta com um
idealização, que o analista é castrado, que não dispõe do objeto suposto.
De início, não é possível ao analisante admitir, por efeito da
formação e transmissão não ocorrem dissociadas.
motivo maior da instituição ao fazer circular o discurso. Desta forma,
ções da cadeia significante, como pressuposto da formação analítica,
armazenar um saber. O ato precisa sempre renovar-se em novas articula-
desconhecimento, nem a análise, nem a instituição, podem totalizar ou
to de sua formação, nomeá-lo. Por isso, se todo ato é levado a cabo no
munhar os atos que ele produziu como analista e, num determinado pon-
amparar-se na articulação significante, mas na formação ela pode teste-
duzir-se a função do S.s.S, à medida que em análise sua verdade passou a
produzirem-se alterações de suas inscrições inconscientes e pode ver re-
Assim, o analista é feito (ou efeito) em análise, quando falou e viu
Lacan apontará que, se não há junção entre homem e mulher, também não há entre analisante-analista, e acrescentamos que não há entre
institucional.
desejo. Quando o sujeito não sofreu fraturas em análise, dilacera-se o laço
tado a dimensão do ato que o fizesse faltar para operar como causa de
sividade alienante frente a um objeto persecutório, onde talvez tenha fal-
Aqui, os actings-out e passagens ao ato parecem constituir atividade para
tapar um buraco angustiante. Atividade de ruptura para escapar da pas-
e rupturas de transferências, tão recorrentes no movimento psicanalítico.
cratiza a passagem à psicanalista e parece levar às repetidas dissoluções
ente) com demanda de reconhecimento (do olhar para a imagem), buro-
persecutórios, equivoca autorização (efeito do acesso ao saber inconsci-
reconhecer a imagem ideal; o que permeia a formação de conteúdos
aos analistas e instituições, de não encarnarem o pai incastrado capaz de
desemboca na decepção, nas queixas e acusações, tantas vezes dirigidas
que teria sido perdido do próprio corpo. A sustentação dessas imagens
só ocorre pela via do significante. Preserva a fantasia de restituição do
analista), impede a apropriação do saber não sabido do inconsciente, que
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
abrindo às identificações simbólicas do Ideal de eu. É por ser parcial que
mestre-aluno, analista-instituição. Pode haver conjugação, na modalida-
temática.
o objeto a permite destituir a ilusão do todo e inscrever falta no inconsci-
de que apontamos, pois em toda transferência emergirá o objeto a.
do sexo, se nomeie o que aliena e falta. É por esta via que se inscreve o
cada um tome seu bastão, se entregue à temporalidade do inconsciente,
representar o sujeito não pelo universal, mas pelo traço, o que exige que
Ao adentrar na lógica dos quantificadores, Lacan diz que escolheu
ente. Por isso, ao analista interessa substituir-se ao objeto na subjetivida-
singular no universal, algo do $ no Outro. Transitar na discordância fun-
experimente o vazio de demandas, se faça ouvir e se aproprie do saber
de do analisante, para que se efetue o barramento, se inscreva o não-todo
damental entre as demandas do amor de transferência e as recusas do ato
inconsciente. É só o que haverá em seu alforje.
Para encerrar: o que a APPOA franqueou em sua fundação e ao longo
analítico, é o que constitui o desafio de toda análise.
de seus 20 anos? O que lhe permitiu dar o salto e operar na formação e
O objeto a é central no seminário do Ato, definindo o que não faz
mais parte do sujeito, ao desfazer-se a alienação do amor e a posição de-
transmissão? Na minha percepção, o reconhecimento de uma dívida, que
permitiu a apropriação de significantes fundamentais de nosso campo, a
caída do analista. O que equivale à inscrição do desejo na linguagem.
Na minha leitura, é o que o seminário do Ato retoma como núcleo da
partir dos quais cada um se inclui nas dobras entre o singular e o coleti-
.15
vo. É do reconhecimento de uma dívida que nasce a possibilidade de
outubro 2010 l correio APPOA
experiência analítica, da formação do analista e da transmissão da psica-
correio APPOA l outubro 2010
nálise: o apego ao objeto imaginário, às imagens ideais (por exemplo: ser
14.
Referências bibliográficas
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
inscrever o próprio lugar, reconhecer o dos pares, escutá-los, deixar as
LACAN, J. Discurso de Roma. In: Outros Escritos. Campo Freudiano no Brasil. RJ. Jorge Zahar Editor, 2003.
COSTA, Ana. Pontuação sobre transmissão em psicanálise. In: Correio da APPOA, n. 186, dez. 2009.
temática.
análises transcorrerem sem pressa, testemunhar as inevitáveis fraturas
_______. O engano do sujeito suposto saber. In: Outros escritos. Campo Freudiano no Brasil. RJ. Jorge Zahar Editor, 2003.
que delas resultam, acolher atos e, em consequência, só depois, nomear
analistas.
_______. Ato de Fundação. In: Outros Escritos. Campo Freudiano no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge zahar Editor, 2003.
_______. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In : Outros Escritos . Campo Freudiano no
Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
todo, se o objeto é sempre parcial, se a verdade é dita a meias, como pen-
_______. A transferência. Seminário VIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
Digamos que a APPOA se pautou pelo seguinte: se o sujeito é nãosar um saber psicanalítico que fosse todo? Uma instituição não é a soma
.17
_______. O ato psicanalítico. Seminário XV. Escola de Estudos psicanalíticos, 2008.
outubro 2010 l correio APPOA
de saberes, é uma conjugação de faltas. Constituímos uma experiência
que incluiu a castração fazendo circular a palavra, desfazendo alienações e inscrevendo o desejo, na busca de elaboração e apropriação da
experiência. Renunciamos à solidão e à captura, já que o “o ato analítico
é sem captura”, diz Lacan, em ato, a cada vez que dirigimos e de passamos a palavra aos pares.
Da solidão de Freud, ao fundar um Comitê secreto para preservar a
teoria quando não mais vivesse; da solidão de Lacan, ao fundar a Escola
Freudiana de Paris (junho/64), expressa no Ato de fundação: “Fundo, tão
sozinho quanto sempre estive em minha relação com a causa psicanalítica...”, dessa solidão não mais padecemos, justamente por efeito do que
nos foi transmitido, cujo reconhecimento nos autorizou a fundar uma
experiência de formação não institucionalizada. Nossa modalidade de
passe não estende “passarelas seguras para o salto de analisante a analista, quando então, não haveria mais salto algum”, como adverte Lacan;
mas também não se exime da responsabilidade quando seus membros se
preparam para tal, afinal, cada analista se autoriza de si mesmo, com
alguns outros, numa “escola” que se organiza por uma lógica bem peculiar, a de uma saber que não se sabe e de um sujeito que não se apreende a
si mesmo.
Com quantos atos se faz uma instituição viável? Depende do desejo
do analista, legado maior deste seminário, a sustentar todo ato psica-
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nalítico.
16.
temática.
Maio de 1968 e os bastidores
do Seminário XV de Lacan1
Christiane Bittencourt
O Ato Psicanalítico, nem visto, nem concebido afora nós, isto é,
jamais situado, questionado menos ainda, eis que o supomos no
momento eletivo em que o psicanalisante passa a psicanalista
(Jacques Lacan – Anexo III – Resumo do Seminário XV para o
anuário da École pratique dês Hautes Études).
Lacan estava com 66 anos nesta época – um mês após a Proposição
de 9 de Outubro – um ano após a edição dos Escritos. Nestes tempos, pela
primeira vez, Lacan assina dois manifestos, um a favor de Régis Debray,
em 19 de abril de 1967 e outro em favor dos estudantes revoltados em
maio de 1968. Um mês antes de dar inicio ao seminário do Ato Psica-
.19
Artigo elaborado a partir de trabalho apresentado pela autora no Cartelão preparatório às Jornadas Clínicas da APPOA, em
junho de 2010.
1
outubro 2010 l correio APPOA
temática.
nalítico, Lacan discursa na EFP para propor o passe, isto é, uma nova
maneira de acesso ao status de psicanalista didata. Inicio da Crise que
levará a EFP à cisão. Em quinze de novembro de 1967, dá inicio à primeira lição do seminário, que viria a interromper seis meses depois, em 15 de
maio de 1968, em solidariedade ao movimento nascido entre os estudantes franceses. O Seminário foi interrompido em 08 e 15 de maio de 1968
atendendo a uma determinação de greve convocada pelo Sindicato Naci-
Lacan disse:
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Não há dialogo, o dialogo é uma tolice”. A tolice que a noção de
dialogo encobre é que jamais existe troca entre dois indivíduos.
Há, eventualmente, troca de informações objetivas, comunicação
de informações, que resultam então numa decisão comum [...]Mas
em qualquer outra situação o dialogo não é senão a justaposição de
Do mesmo modo, Lacan dirá em breve que “ não há relação sexual”,
para mostrar que a relação sexual não é uma relação, ou “que a mulher
não existe”, para designar a ausência de uma natureza feminina.
Após, Lacan recebeu Daniel Cohn-Bendit e seus companheiros. Estes queriam fazer conhecer os objetivos de seu movimento, enquanto os
analistas desejavam ouvir contestadores. Os psicanalistas deram dinheiro aos estudantes nesta noite e eles foram jantar no La Copoule.
Nesta noite, Lacan não abriu a boca, mas no dia seguinte interrompeu o Seminário do Ato Psicanalitico. Lacan, então, diz aos presentes em
seu seminário que o “paralelepípedo e a bomba de gás lacrimogênio cumprem a função do objeto a”, referindo-se ao fato dos estudantes arrancarem os paralelepípedos para fazer barricadas e jogar nos policias.
Um pouco mais da atmosfera destes dias...
No início, era apenas um grupo de alunos da Universidade de Paris
querendo o direito de freqüentar o dormitório das alunas. Em pouco tempo, a revolta dos estudantes incluiu outras reivindicações e se transformou num enorme movimento contra o conservadorismo do Estado francês. Foi um período de passeatas, greves e embates com a polícia. Charles
de Gaulle, então presidente da França, chegou a fugir de helicóptero e,
monólogos ( Giroud, François –”Quando o outro era deus”).
da confrontação. Recebeu dois deles e, depois de alguns minutos de con-
por um dia, refugiou-se na Alemanha. Tudo isso transformaria aquele mês
onal do Ensino Superior(Sem.XV, p.249). Lacan levanta a questão da res-
versa, dispensou-os após invectivar sobre a palavra diálogo, e contra a
no mítico Maio de 68, que eternizou slogans libertários como “Seja realis-
ponsabilidade dos psicanalistas, que não estavam na universidade e para
falta de cultura dos jovens estudantes de medicina, que apesar de faze-
ta, exija o impossível” e “É proibido proibir”. Hoje, as opiniões dos fran-
1968, Lacan pediu a Irene Diamantis que lhe enviasse os organizadores
Esboço de uma vida, podemos conhecer bem esta história. Em maio de
com humor. Na pág 456, do livro de Elisabeth Roudinesco sobre Lacan –
Num primeiro momento, Lacan observou a contestação dos jovens
jovens marcados pelo Althussero-Lacanismo.
Cultural Proletária. O grupo fundador da esquerda proletária agrupava
mento maior: a deflagração, na China, em 1966, da Grande Revolução
Este movimento todo teve por pano de fundo originário um aconteci-
esquerda proletária.
tude intelectual francesa, reunida no outono de 1968, sob a bandeira da
radicalmente antagônicas, seriam solicitados por esta parcela da juven-
celebridade nem o brilho internacional de Sartre. Mesmo assim, por vias
um nível da carência, da insuficiência. Em maio de 68, Lacan não tinha a
são questionadas. Transmissão de um saber, a psicanálise estabelece em
trata de um fenômeno estrutural, no qual as relações do desejo e do saber
estes, a questão do ensino constituía um nó. Para Lacan este momento
rem vir à faculdade representantes de diversos grupos psicanalíticos, nada
.21
ceses sobre o movimento são bastante divergentes, mas a maioria concor-
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conheciam sobre a obra de Freud.
20.
a liberdade sexual. O próprio filósofo Jean-Paul Sartre, presente nos acon-
da que houve grandes conquistas em áreas como os direitos individuais e
Alain Geismar. Antes de Maio de 68, Castro, de origem judaica, foi prote-
líderes do movimento, ao lado de Daniel Cohn-Bendit - Dani, le Rouge – e
no grego, natural de Salônica. O então jovem de 27 anos se tornou um dos
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
tecimentos de maio de 1968 em Paris, confessou, dois anos depois, que
gido pelos comunistas durante a Segunda Guerra Mundial, se engajou
temática.
“ainda estava pensando no que havia acontecido e que não tinha compre-
contra a guerra na Argélia, visitou Cuba e conheceu Che Guevara.
para Gilles Lipovetsky e outros, era “a reivindicação de um novo indivi-
C.Castoriadis, o vissem como “uma revolta comunitária” enquanto que,
de rua entre estudantes, operários e policiais, fez com que alguns, como
do seu resultado final. A mistura de festa saturnal romana com combates
se, não só, à múltipla potencialidade do movimento como à ambiguidade
A dificuldade de interpretrar os acontecimentos daquele ano deve-
por sonhos de forma concreta, distante dos “devaneios imaturos” de
Promete continuar seu combate por uma França mais justa e bela e lutar
poder concorrer oficialmente no pleito, mas nem por isso desanimou.
Utopia Concreta (MUC). Não obteve as 500 assinaturas necessárias para
candidatura à eleição presidencial, sob a sigla de seu Movimento da
profissão de arquiteto. Em 2006, retornou à arena política e lançou sua
governo socialista de François Mitterrand e passou a se dedicar a sua
durante sete anos com o psicanalista Jacques Lacan, trabalhou para o
Depois de Maio de 68, Castro entrou em depressão e se analisou
endido muito bem: não pude entender o que aqueles jovens queriam...então
acompanhei como pude...fui conversar com eles na Sorbone, mas isso
dualismo.” 1968 tornou-se um ano mítico porque foi o ponto de partida
Maio de 68.
não queria dizer nada” (Situations X).
para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comporirreversível. Seria o marco para os movimentos ecologistas, feministas,
Eu estava muito mal. Depois que fechei minha organização, fiquei
tamentais, que afetaram as sociedades da época de uma maneira
das organizações não-governamentais (ONGs) e dos defensores das minorias e dos direitos humanos. Frustrou muita gente também. A não realização dos seus sonhos, “da imaginação chegando ao poder”, fez com
que parte da juventude militante daquela época se refugiasse no consumo das drogas ou escolhesse a estrada da violência, da guerrilha e do
terrorismo urbano.
Assemelhou-se, aquele ano aloucado, a um caleidoscópio: para qual-
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.23
no falar para que a história continue. Eu me agarrei nisso. Para que
a história continue é preciso falar um pouco de tudo. Tem aquela
Não via saída. Eu me recordo de uma citação de Lacan que diz que
a psicanálise é o discurso que permite que sobre fruição suficiente
acabado. Logo depois passei a me interessar novamente pelas coisas da sociedade, mas naquele momento nada me sensibilizava.
num estado deplorável. Não sabia mais onde estava. Estava mesmo
muito mal. Comecei a psicanálise porque precisava, urgentemente,
falar para alguém. No dia seguinte ao que fechei a organização,
passei a ser detestado, me acusavam de ter abandonado a causa.
Houve muito ressentimento contra mim por causa disso. Eu me
encontrei só, e não acreditava em mais nada. Eu me lembro que o
golpe de Estado no Chile não me provocou nenhum sentimento,
nenhuma reação, não fiz nada contra. Procurei Lacan em maio de
1973 e o golpe de Pinochet foi no 11 de setembro. Mas nem participei das passeatas. Não acreditava mais nas manifestações. Estava
quer lado que se girasse, novas formas e novas expressões vinham à luz.
Foi uma espécie de fissão nuclear espontânea que abalou as instituições e
regimes. Uma revolução que não se socorreu de tiros e bombas, mas da
pichação, das pedradas, das reuniões de massa, do auto-falante e de muita irreverência. Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar.
Entre os estudantes revolucionários da época estava Roland Castro,
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nascido na cidade de Limoges em 1940, filho de um imigrante clandesti-
22.
temática.
frase incrível de Lacan: “Eu aguardo, mas não espero nada”. E, numa
assembléia de estudantes revolucionários, em 1972, ele disse algo
que me perturbou muito: “A revolução é feita para manter a ordem”. A minha análise com ele durou sete anos, e aos poucos fui
me reconstituindo (Castro apud Eichenberg, 2007).
Daniel Cohn-Bendit é hoje deputado pelo partido verde no parlamento
europeu, esteve em Porto Alegre em agosto deste ano e disse que “precisamos esquecer maio de 68 e os erros da revolução”. Se Lacan estivesse lá
teria dito: “A revolução é feita para manter a ordem”.
Referências bibliográficas
CASTRO, R. Líder de Maio de 68 pede sonhos concretos. Paris/São Paulo: dez. 2007. Entrevista concedida a Fernando
Eichenberg. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/imprime/0,,OI2120378-EI6782,00.html. Acesso em: 13 set.
2010.
LACAN, J. O Ato Psicanalítico. Seminário XV. Escola de Estudos Psicanalíticos, 2008.
LOSURDO, D. Leia entrevista com Domenico Losurdo, biógrafo de Nietzsche. São Paulo, jun. 2006. Entrevista concedida a
MARCOS FLAMÍNIO PERES. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/757470-leia-entrevista-comdomenico-losurdo-biografo-de-nietzsche.shtml. Acesso em: 13 set. 2010.
ROUDINESCO, E. A Batalha dos Cem Anos. In: História da Psicanálise na França. Vol 2: 1925-1985, p. 486-490.
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_______. História de um sistema de pensamento. In: Jaques Lacan: Esboço de uma vida. p. 451-472.
24.
temática.
A lógica do Ato Analítico
Ligia Víctora
Este texto foi resultado da apresentação das lições 5 (10/01/68) e 6
(17/01/68) do seminário de Lacan O Ato Psicanalítico, ocorrido em nossa
sede no dia 26 de agosto de 2010, no Cartelão preparatório às Jornadas
Clínicas da APPOA: Dizer e fazer em análise.1
I. Os atos como fundadores
Parece que, por querer marcar bem o Ato Psicanalítico como algo
inédito, Lacan tem que defini-lo muitas vezes durante este seminário.
Outros atos – actings out, passagens ao ato, atos falhos – também entram
no elenco, e chama a atenção sobre o fato de que se denomine acte manqué,
.25
1
As lições 4,5 e 6 foram discutidas previamente no Seminário de Topologia com a participação de todos os integrantes deste:
Elisabeth Sudbrack, Felipe Pimentel, Gilson Firpo, Manuela Lanius, Mary Georgina Boeira da Silva, Ricardo Martins, Ricardo
Pires, Silvana Lunardi, Sílvia Carcuchinski, Sonia Mara Ogiba, Sueli Souza dos Santos, Thales Abreu, Verónica Pérez. Coordenação: Ligia Víctora
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temática.
como sendo da ordem da ação, já que passa por uma questão puramente
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
lica, não Real. Referência puramente ao significante, pois. Lacan aprovei-
um ciclo. Como o trem da meia-noite, é uma identificação apenas Simbó-
ano? Se o tempo é um continuum, há apenas uma demarcação formal de
uma semana sumida, é saudada como Lua Nova. Mas é a mesma! E o
do ano. Porque novo? A lua, diz ele, a cada vez que reaparece depois de
Começa a lição 5 desejando Feliz Ano-Novo, já que é a primeira aula
lógica da sexuação. E até o nó borromeu, no qual Lacan, de início, defen-
lugares e quatro tempos); a fórmula da metáfora; os quatro discursos; a
tempos; os esquemas L, R e I; o sistema á-b-ã-ä; o Grafo do desejo (quatro
grafo do Ato Psicanalítico, e, foram também o diamante dos primeiros
tetraédricos de Lacan é a da projeção do tetraedro no plano. Assim é o
todas as faces são triângulos equiláteros. A forma básica dos esquemas
arestas. É uma pirâmide triangular (lados iguais entre si), ou seja, em que
O tetraedro é um polígono regular que possui 4 vértices, 4 faces e 6
II. Os esquemas tetraédricos
ta para fazer um gancho: da mesma forma, um ato está sempre ligado à
dia que três aros (R – S – I) bastariam para representar a estrutura de um
significante. Assim será também com o Ato Psicanalítico.
determinação de um começo.
sa o que aconteceu, importa é a marca que deixou. Lacan evoca o mito da
um ato constitua um verdadeiro começo... que seja criador... não interes-
panha desde seus primeiros esquemas, quando ele introduziu um quarto
Lacan – segue os moldes de uma lógica quaternária. Esta lógica o acom-
Logo, o grafo do ato psicanalítico – assim como muitos outros de
sujeito neurótico, mas logo depois incluiu um quarto nó.
criação e sua escritura bíblica: no começo, era o verbo. Arremeda: no
elemento no triângulo edípico de Freud, o Falo, como o Significante
Desta vez, Lacan vai abordar os atos como marcas fundadoras: que
começo, era a ação. Porque, sem ato, simplesmente não poderia haver
organizador, o qual Lacan ao longo de sua obra definiu tal como uma
e a Gália Cisalpina. O rio entrou para a história por ser casus belli da 2ª
seu exército. Servia de fronteira (ano 59 a.C.) entre as províncias romanas
no direito romano porque a nenhum general era permitido cruzá-lo com
mação – Transformationsgrupen – exatamente como podemos pensar que
Erlanger.3 Klein definiu este fenômeno como sendo grupos de transfor-
para a inauguração do departamento de Lógica da Universidade de
Este escreveu seu artigo que ficou conhecido como o Erlanger Programm
Esta lógica quaternária de Lacan foi inspirada no Grupo de Klein.2
meter para alcançar o estatuto de falasser.
função matemática, pela qual todos os seres humanos deveriam se sub-
nada, nem questão. Nenhum começo sem ação, diz ele.
Compara um verdadeiro ato inaugural à travessia do Rubicone, por
guerra na Gália: quando Júlio César transpõe o rio. Diz a história que ele
são as fórmulas da álgebra lacaniana. Observem que basta girar cada ele-
Júlio César. O Fiúme Rubicóne, na Itália, tinha uma importância crucial
se deteve por um longo instante às margens deste e, finalmente, proferiu
2
Erlanger, Alemanha, 1872.
Félix Klein (1849-1925). Sobre este tema v. Cf. Víctora. Site: www.freud-lacan.com
ca foi realizada. Mas a matemática nunca mais seria como antes!
3
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.27
mento para resultar em outro, seguindo as setas. Esta apresentação nun-
a sentença: “A sorte está lançada!”
O ato estaria petrificado no momento da ordem: Alea jacta est! Como
o nosso “Independência ou morte”: é no momento em que são soltas as
palavras, que o mundo ganha sentido. Como num ato revolucionário, por
exemplo, cuja eficácia necessita da surpresa, o que ele chama de efeito de
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ruptura para suscitar um novo desejo.
26.
temática.
O grupo de Klein tem como especificidade que todos os elementos
podem se transformar em todos os outros, bastando uma única operação.
Não é o caso do grafo da alienação. Por isso Lacan o teria chamado de
meio-grupo de Klein?
Parece uma coisa muito simples, agora que já está escrita, mas a importância destes grupos para o desenvolvimento da matemática moderna
foi fundamental. Eles estão presentes na Física, na Geometria, e na
Topologia (conceitos de invariância, de homeomorfismos, etc). Lembrando que um conjunto de elementos, citado por Galois, pode ser formado
por números, pontos, retas, etc, e que as transformações, de que ele fala,
podem ser aritméticas, algébricas ou geométricas.
III. A lógica do Grafo do Ato Psicanalítico
Algumas operações lógicas utilizadas por Lacan (fórmulas de De
Morgan, de Boole e outras apresentadas com os círculos de Euler):4
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4
Observação: sombreei os campos que não contêm elementos, como nos livros de lógica. Lacan muitas vezes fazia o
contrário.
28.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
1. União: Ou (+) equivale à soma lógica: significa que um elemento
dado pode estar inserido de qualquer lado. Escreve-se também A U B.
Aplicando o Cogito seria o “Penso ou sou”. Isso é propenso a muita confu-
são, pois o OU simples é a soma. Seria o equivalente a dizer “Penso-sou”.
2. Interseção: E (.) significa que deve pertencer aos dois ao mesmo
B (Penso se e somente se sou).
tempo. É o produto lógico. Escreve-se: (A.B) ou A ∩ Β. Na prática equivale ao A
3. Não-A e B: [(-A) . (B)] nada no conjunto A, só se admite elementos
no B. Seria o caso de dizer: “Sou, não-penso”.
4. A e Não-B: [(A) . (-B)] nada no B, apenas verdadeiro no A. “Penso,
não-sou”.
5. OU... OU. Outra relação que Lacan usou foi a disjunção, da ál-
gebra de Boole. Também conhecida como forma normal disjuntiva
(F.N.D.) ou ainda união-disjunta, OU-exclusivo (EX-OR da lógica dos
.29
B Lê-se: {A (se e somente se não) B}; ou A
conjuntos). Significa que existem elementos ou de um lado, ou do outro lado, nada no meio. A
ou B [(-A) Λ (-B)].
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temática.
IV. O Cogito lacaniano-freudiano-cartesiano
Lacan parte de dois aforismos: o dito freudiano Wo es war soll Ich
werden e o cartesiano Cogito ergo sum. Depois recorre também ao Cogito
hamletiano, como sempre buscando recursos em outras linguagens para
validar suas teses – bem de acordo com a lógica moderna e o teorema da
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decidibilidade de Turing, que, resumindo em uma frase, provou que só se
30.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
pode decidir sobre a validade de uma sentença recorrendo a outro siste-
ma que não o próprio em que ela foi estabelecida.
Observem que no lugar de cima, à direita, o desenho, supostamente
de Lacan, deixa todos os campos em branco – como se fosse um OU sim-
ples da lógica de De Morgan (União ou soma lógica). É aqui, segundo
Lacan, o ponto de partida de toda Psicanálise. Já a fórmula de baixo, à
esquerda, fica difícil de saber se é um EX-OR (OU-exclusivo) ou um pro-
duto lógico (E-exclusivo), pois Lacan não faz os círculos por inteiro, e ora
ele colore a parte cheia, ora a parte vazia. 5
V. O Cogito hamletiano de Lacan
O que eu chamo de Cogito hamletiano de Lacan: um sujeito partido
ao meio, dividido entre ser-falso e não-ser, e com o Isso freudiano no meio...
Em sua releitura de Hamlet, ele explica que entre ser e não ser existe
alguma coisa – são duas falsidades: um ser falso, que não pensa e um
.31
não-ser, que sabe, diz ele. Nunca é um sujeito inteiro, pois sempre falta
Um ano antes, no Seminário A lógica do fantasma, sobre este tema, Lacan fizera esquemas parecidos.
um pedaço (representado pela “mordida” no círculo).
5
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temática.
As fórmulas que Lacan realmente utilizou em seu grafo foram:
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Lacan tenta fazer um espelhamento, mediante a linha da Transferên-
Klein deveria ser todo simétrico). Haveria aqui uma duplicação de luga-
cia, o que daria uma certa simetria (para ser um verdadeiro grupo de
Será que a alienação em Lacan pode ser considerada como o OU-
res: são dois “Issos”, ele diz. Ou dois “lá onde Isso era”, o que corresponde
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.33
A transferência põe o analista no lugar do Sujeito-suposto-saber. É
somente com este aval do analisante, que o analista poderá operar. Aqui,
A transferência
é o objeto a.
operação de divisão, é como na aritmética: vai até sobrar um “resto”, que
à “distância teórica que separa o Inconsciente do Isso”. Passando por esta
exclusivo (EX OR) – o OU-OU da lógica dos conjuntos? Observem os exemplos que ele apresenta: A bolsa ou a vida?; A liberdade ou a morte?
Seria este mais um erro de Lacan na aplicação das matemáticas? Ele
próprio reconheceu que sua leitura era uma “inovação da conjunção
disjuntiva”... Parece mesmo que a alienação de Lacan é de outro tipo, que
ele chamou de “escolha forçada”, como o dito de nosso Don Pedro: Independência ou morte!
Sabemos que para Descartes, a única garantia da existência humana
era o fato de que ele pensava. Mas, o Cogito foi sendo subvertido a partir
da descoberta do Inconsciente. Como disse Lacan: Se há um pensamento
inconsciente, o Eu não sabe mais o que pensa, e menos certeza ele tem do
que ele é!
No meu entendimento, para corresponder ao que Lacan relata, o grafo
VI. Corrigindo o grafo
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do Ato Psicanalítico deveria ser assim:
32.
temática.
Lacan aponta no grafo o lugar do analista, projetado pelo sujeito. Lugar
em falso, do qual pode ser catapultado a qualquer momento, e de onde
cairá com certeza no final da análise.
A interpretação
É pelo escorregador de Significantes do analisante, que o psicanalista pode interpretar, e sempre através da linguagem.
A resistência
No sentido inverso, o sintoma pode retornar. Por uma característica
própria ao falasser comparável ao fenômeno físico da resiliência dos
materiais, a cadeia sintomática tem uma tendência a voltar à forma ante-
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rior. Faz parte de sua “memética”...
34.
O Recalcamento
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Por outro lado, há um saber-sem-sujeito no Ics que parece querer
retornar, como um ato-falho, sem estar associado diretamente a um
significante – só poderá ser interpretado se – e quando – o paciente falar
sobre ele.
A repetição
A Verdade conquistada sobre o Inconsciente deixa o sujeito na posi-
ção “Penso, não sou”. Não-ser, mas “não-sem-saber”. Lugar novamente
.35
em falso, que pode catapultá-lo de volta ao ponto da ignorância (nãopenso).
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temática.
A subjetivação
A cura
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Conforme Lacan, começar uma análise é sem dúvida um verdadeiro
Ato, então, o que dizer de terminar um trabalho analítico? Como se arti-
cula esta lógica da alienação durante e até seu final? O final da análise
Freud descobriu, mas não deixou mastigado para nós – diz Lacan –
que durante uma Psicanálise há um processo de “experiência subjetiva”.
supõe certa realização da “operação verdade”, diz ele, assim como a
riência em sua própria análise.
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.37
tar “desser” para o lugar de resto, ele mesmo deve ter passado pela expe-
lugar instável, como já falamos, de onde será ejetado no final. Para supor-
O psicanalista parte do lugar de saber, suposto pelo analisante. Um
O lugar de Analista, um lugar “em falso”
assunção do desejo.
O analisante se torna sujeito, de seu desejo.
A castração simbólica
A castração simbólica corre por fora, seguindo a trajetória da transferência e da interpretação. Pode ser realizada durante toda a vida, ou du-
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rante uma psicanálise.
36.
temática.
Para chegar a ser um psicanalista – isto só é possível ao final de uma
Psicanálise. A linha da Transferência que serviu para o sujeito “elevar”
seu analista à posição de Sujeito-suposto-saber, pressuposto necessário
para a realização do Ato Analítico, depois será a trajetória da dessubjetivação do analisante durante o processo todo e também do “desser”
do analista no final de uma Psicanálise. Poderá servir, então, como trampolim para o analisante que almejar chegar à posição de Analista.
Freud escreveu: Onde era Isso, deve ser Eu. Lacan leu: Aqui onde Isso
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era – Eu devo vir a ser – Psicanalista!
38.
temática.
A Clínica em Lacan - no Seminário XI
(Primeira parte)
Anotações de Jacques Laberge1
“Meu Seminário, desde o início [...] era dirigido para [...] a formação
dos psicanalistas” (15.01.64). É na primeira sessão do Seminário XI, Os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise que se encontra esta afir-
mação de Lacan. Em momento posterior de ensino, ele deixa entender
que não falou de formação do psicanalista. Seria uma denegação do tipo
“não é minha mãe” do sonho!? Deslizaria para a mentira, recurso habitu-
al da verdade? “É em primeiro lugar como instituindo-se em, e mesmo
por, uma certa mentira que vemos instaurar-se a dimensão da verda-
de”(22.04.64). Aqui, a verdade da primazia das formações do inconscien-
Psicanalista, Intersecção Psicanalítica do Brasil, Recife.
.39
te sobre a formação do analista. A formação do analista se fundamenta na
1
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seu passo inaugural”. “Não digo que Freud introduz o sujeito no mundo
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
[...] porque foi Descartes”. “Mas direi que Freud se dirige ao sujeito para
temática.
práxis do analisante com as formações do seu inconsciente, ato falho,
Da psicologia, síntese em lugar de análise, consciência em lugar de
sonho, chiste, lapso, sintoma. Aliás, a respeito do sintoma, symptôme em
analisante, assim poderia ser pensado um aspecto do trabalho em análise
inconsciente, convencimento em lugar de associação, cadê o sujeito? Lacan
dizer-lhe isto que é novo –Aqui, no campo do sonho, estás em casa, Wo es
nos momentos de associações sobre um sintoma. A antiga escrita do sin-
chega a denunciar Anna Freud e os psicólogos do eu. Reconhece o talento
francês, Lacan volta, em 1975-76, à antiga grafia “sinthome”. Veio-me a
toma é uma das vias para responder à pergunta: quando apareceu este
de analista de Melanie Klein, mas questiona a primazia dada por ela ao
war, soll ich werden” (05.02.64).
sintoma? Mais adiante, no decurso da análise, o analista pode retornar à
falo imaginário e ao objeto, negligenciando a importância do desejo ma-
ideia seguinte: tentar retornar à antiga escrita do sintoma na história do
pergunta e ouvir do analisante um “De novo?”. Pois é, aparecem modifi-
Ampliar o debate com outros campos de saber é um dos caminhos
terno, do desejo do Outro.
tão bem ilustrado pelo sintoma, curte em retornar. Nestas idas e voltas,
abertos pela “volta a Freud”. Lacan retoma o diálogo de Freud com a lite-
cações na “escrita” nesta volta ao mesmo lugar onde o real do desencontro,
cai no lixo o que ao lixo cabe e transforma-se o resto, permitindo certa
ratura. Ele vai além e, via lingüística, desemboca, com James Joyce, na
primevo, surge a pista levando ao “Nome-do-Pai”. Se Freud cita os filóso-
letra. Da interlocução freudiana com a antropologia e seu mito do pai
amarração.
Psicanálise e ciência
cológica do cogito cartesiano reduzido a um “aborto” (22.04.64). Daí, o
sujeito não deve ser situado “em relação à realidade”, degradação psi-
intuição e da síntese. O sujeito, “segundo em relação ao significante”, o
dizer: a psicanálise não pode ser uma religião nem uma psicologia da
e sistemático. Mas o sujeito da filosofia não é o sujeito da psicanálise. A
lar-lhe o vazio. Na obra lacaniana, o ser vai sofrer um esvaziamento lento
clínicas. Não se trata em análise de chegar à essência do ser, senão reve-
nário XI, referências à filosofia, aqui a Descartes, têm suas incidências
temática do ser, central na filosofia, para a questão do sujeito. No Semi-
O primeiro a convidar a ir além do ser é Descartes que deslocou a
fos, Lacan encontra neles sua mais constante interlocução, desaguando
recurso à ciência, começando pela “ciência primitiva”, lugar do jogo da
psicanálise traz algo “novo, reconduzindo o sujeito à sua dependência
“O discurso que tenho aqui tem dois objetivos, um que visa os
“combinatória”, das “oposições”, “da água e do fogo, do quente e do
significante (19.02.64)”. Lacan, por exemplo, sublinha a importância da
na lógica, “ciência do real”, onde a letra vem esvaziar o sentido. A letra
frio” (29.04.64). “Antes do estabelecimento das relações humanas “[...]
lingüística e do jogo combinatório. Fala do inconsciente estruturado como
analistas, outro aqueles que estão aqui para saber se a psicanálise é
em temas de oposição, a natureza fornece [...] significantes, e esses
uma linguagem. Mas especifica que a psicanálise tem parentesco com a
no além da literatura, mas também no além da filosofia. Além do ser.
significantes organizam de modo inaugural as relações humanas, lhes
uma ciência” (19.02.64). Lacan refere-se constantemente à ciência para
dão estruturas e as modelam” (22.01.64).”O campo freudiano não era
“linguisteria”, espécie de lapso da língua engolindo a histeria. Não é uma
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possível senão um certo tempo após a emergência do sujeito cartesiano,
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linguística. “O inconsciente, conceito freudiano é outra coisa [...] entre a
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nisto que a ciência moderna não começa senão depois que Descartes fez
40.
temática.
ria dizer: entre a causa e seu efeito, não há falha. Por isso, embora em
ta”? Lacan introduz este tema, sempre abordado como interrogação. É
seria o impossível de uma resposta à pergunta “qual o desejo do analis-
No Seminário XI, o primeiro real aludido, mas não chamado real,
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
psicanálise se trate do sujeito da ciência, e não da religião, nem da psico-
logo associado ao “pecado original da análise”: “algo em Freud nunca foi
- Real do desejo do analista
logia ou da filosofia, em sentido estrito, na ciência, o sujeito está excluí-
analisado” (15.01.64). Seria este “real que escapa”, primeira definição do
causa e o que ela afeta, há a falha” (clocherie) (22.01.64). A ciência pode-
do. Mas o sujeito do inconsciente aparece e desaparece em suas forma-
tituto do pai, também está dormindo. O pai, duplamente, dormindo. O
lado e uma vela está queimando o cadáver. Perto do caixão, o vigia, subs-
uma vez no Seminário XI. O filho, de fato, está morto no caixão na sala ao
do filho ao pai dormindo, sonhando. Lacan comenta este sonho mais de
(12.02.64). “Pai, não vês que estou queimando?” Eis a pergunta repreensiva
E o sonho “pode produzir o que faz ressurgir a repetição o trauma”
- Real do pesadelo
menos” na histérica (19.02.64).
mitiva é tão traumática”, causando “prazer demais” no obsessivo ou “de
uma forma [...] do traumatismo”. “Inassimilável”(12.02.64). A “cena pri-
lhado” “se apresentou em primeiro lugar na história da psicanálise sob
(manquer)” (29.91.64). A tuché, o real, “essencialmente é o encontro fa-
to decepcionante com um real [...] que o sujeito é condenado a faltar
O real aparece como “repetição da decepção”, “experiência enquan-
- Real do trauma
Imaginário e o Real” de 1953.
real em um dos textos fundadores da teoria lacaniana, “O Simbólico, o
ções, em sonhos, atos falhos, lapsos, chistes, sob um “modo de tropeço”,
de “achado”, instaurando a dimensão da “perda” (05.02.64). O um do
inconsciente “é o um da fenda, do traço, da ruptura” (22.01.64). E este
sujeito é mais propriamente um ele do que um eu. No fim de seu ensino,
Lacan questiona Freud por não ter falado do “ele”, mas somente do eu e
do isso.
Tratar o real pelo simbólico
O Seminário sobre a ética de 1959-60 nos coloca em confronto com o
real, cru, da morte, da Coisa, de um certo gozo. E o Seminário de 1962-63
define A Angústia “o real que não engana”.
- Real da angústia
Aqui, em 1964, Lacan sublinha a diferença da psicanálise em relação a qualquer outra práxis: “Nenhuma práxis é orientada para o que, no
coração da experiência, é o núcleo do real” (12.02.64). E pergunta sobre
nosso trabalho de analistas “O que é a práxis?” Responde: “tratar o real
pelo simbólico” (15.01.64). Por exemplo, a respeito da angústia, é preciso “dosá-la para não ser submergido por ela” (29.01.64). O real da
na. O pai real não funciona propriamente como agente da castração, dei-
real do desencontro volta ao mesmo lugar da demissão da função pater-
pela explicitação provocada pela pergunta: “quem está sufocando você?
xando o filho à mercê do desejo mortífero, incestuoso, do grande Outro
angústia, na “práxis” do “tratar o real pelo simbólico” pode ser cercado
Ou, alguma mãe espera o que de você?”. Não saber que objeto a se é
materno. Esta mãe não soube reconhecer este homem, pai deste filho. Ela
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para o desejo materno, eis uma perspectiva decorrente do Seminário
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abdicou da tarefa de mediação, mas com a cumplicidade do pai dormin-
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“A Angústia”.
42.
Psicopatologia da vida cotidiana, o “erro de escrever Asdrúbal em vez de
lhado, o pai de Freud se limitou a colher a boina na rua. No capítulo X da
do por um transeunte que lhe deu um tabefe e fez voar sua boina. Humi-
por Freud. O pai dele, vítima de preconceito contra os judeus, foi insulta-
nálise” (Autres Écrits, p.61). Lembremos o choque traumático vivenciado
a uma crise e “devemos talvez a esta crise o surgimento da própria psica-
complexos familiares” de 1938 “declínio social da imago paterna”, levou
eterno do pai. A demissão da função paterna, chamada por Lacan em “Os
do demais. E o filho dorme seu último sono. Sonho entre sonhos, do sono
“a criancinha olhando seu irmão suspenso no seio da mãe, olhando-o
“invídia vem do videre”, ver. Nos textos de Santo Agostinho, lemos sobre
mau olhado e sua “função mortal” de “levar a doença, o desencontro”. A
de seu próprio desfalecimento” (26.02.64). E a questão do mau olho, do
(19.02.64). Olhar, “ponto de ser esvanecente com o qual o sujeito confun-
prio à consciência obtusa, o que há de eludido? É a “função do olhar”
escópica. Na visão da imagem especular, lugar de desconhecimento pró-
“cúmplice da pulsão”. E ilustra pela esquize entre olho e olhar na pulsão
real” “originalmente mal vindo” (mal venu = não bem vindo), e nisso,
Lacan fala da “esquize” do “sujeito em relação ao encontro” como “o
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Amílcar, o nome do irmão substituindo o pai”, revela, diz Freud, “minha
com um olhar amargo”. “O mau olho é o fascinum” (11.03.64).
temática.
insatisfação com o comportamento de meu pai frente aos inimigos de
cê do gozo da mãe! Pensemos nos pesadelos repetidos de certo analisante:
funciona senão até um certo limite que se chama o real. [...] que volta
O real como limite: “A memorialização da biografia, tudo isso não
- Real do limite
“Algo tão real que está acontecendo mesmo, esses bandidos vão me ma-
sempre ao mesmo lugar [...]o sujeito [..] nunca o encontra (05.02.64),
A ausência do pai, verdadeiro pesadelo na vida de tanta gente a mer-
nosso povo”.
tar, não tenho jeito de escapar”. Este real sem lei, totalmente solto, apela
mesmo lugar do limite, o mesmo lugar do desencontro.
coincidir? A respeito do homem dos lobos, “é em relação ao real que fun-
vivência, certo tipo de complô mortífero: tantos desejos de morte podem
caso? A “reação negativa” usa hoje em dia, freqüentemente, o mais popu-
de à posição do analista, qual poderia ser a resistência do analista no
va”. Pode-se falar da resistência do analisante. Se esta resistência respon-
No fim do O eu e o isso, Freud se refere à “reação terapêutica negati-
por um limite nunca dado. E o analista ouve comentários sobre uma tra-
ciona o plano do fantasma. O real suporta o fantasma, o fantasma protege
lar dos recursos, o prolongamento da chamada depressão, para desafiar,
ma persecutória dos familiares encobrindo, por comportamentos de con-
o real” (29.01.64).
agredir o analista: o analisante se queixa de ter sido vítima de pais negli-
na rivalidade entre irmãos basicamente fundada na fantasia incestuosa
dade” (05.02.64). Real do trauma a ser tratado pelo simbólico. Pensemos
O real do “mau encontro”, do trauma queé a”introdução da sexuali-
sação para dizer que ele, se fosse analista, seria bem melhor. Tal outro
singularidade. Tal analisante usa inconscientemente esta depressão-acu-
formização seria a resistência do analista. Da reação negativa, há uma
maneira uniforme pelo analista em relação a vários analisantes. Esta uni-
reação negativa, odiosa, da parte do analisante não pode ser abordada de
gentes e irresponsáveis. O analista se revela a imagem perfeita deles. Esta
entre filhos e mãe. A rivalidade começa no quarto dos filhos antes de ser
quer mostrar como o analista anterior era mais animado. Tal outro acaba
- Real da rivalidade, da “invídia”
questão de luta pela propriedade privada, dizia Freud em 1930 (Mal-estar
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na cultura). Por mais imaginária que seja esta rivalidade, ela não deixa de
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evocando o lado chantagista da depressão da mãe. Tantos outros e outras
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ser real pelo lado do “desencontro”.
44.
tência do analista: a uniformização.
analisante dentro de singularidade muito própria. Uma forma de resis-
gozam no sofrimento benefícios de doenças da infância, mas cada
merda em esterco e produzir algo?”. A impotência é imaginária. Certos
cidade. Não antecipar cortes deve dar-lhes mais peso. Sobre esta vida
muito” pode permitir dar o passo para interrogações sobre certa cumpli-
sofrimento da infância até ele reconhecê-lo. Um “você realmente sofreu
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
“É o real que comanda mais que tudo nossas atividades e é a psicanálise que nos designa isso” (12.02.64). Lacan diferencia a resistência do
“interesses” de analisantes os levam a confundir impotência e impossibi-
temática.
sujeito em relação à “resistência do discurso” e o núcleo “real” deste dis-
lidade. O convite falado ao possível pode operar algum furo na beira do
impossível.
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“uma grande merda”, uma possível pergunta: “pode transformar esta
curso (19.02.64).
Da interpretação
Uma analisante se queixa de uma amiga indiscreta e paradoxalmente totalmente fechada a respeito de si mesma. Um sonho: “Ela em cima de
mim, quer saber tudo de mim e não diz nada sobre ela. O assunto? O
amigo apelidado “dito”. O amigo “dito” e a amiga do não-dito”.
“A interpretação do analista não faz senão recobrir o fato que o inconsciente [...] em suas formações –sonho, lapso, chiste ou sintoma- já
tem procedido por interpretação”. Freud fala da transferência como resistente, e paradoxalmente, convida o analista “esperar a transferência para
começar a dar a interpretação” (15.04.64).
Tratar o real pelo simbólico significa, na práxis, tratar os reais pelo
simbólico: o real da angústia, do trauma, do limite, do sonho, da repetição, da pulsão de morte, do impossível, da não-relação sexual, do gozo,
do caos, da doença psicossomática, da psicose.
Uma analisante narrava um sonho como um apanhado de todos seus
sofrimentos fazendo da vida dela “uma grande merda”. De fato, aludindo
a episódios atrozes. Lacan nos adverte de evitar a compreensão.Perguntome se a dificuldade em muitos analisantes de, pouco a pouco, tomar distância deste sofrimento, de descolar-se deste gozo masoquista, se vê reforçada porque o analista não se permite a etapa da “compreensão” no
sentido de dizer algo do tipo: “entendo, reconheço que você sofreu de
abusos terríveis”. Era o tio perverso que não queria saber do sofrimento
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desta sobrinha. Analisante, ela revive com o analista a perpetuação do
46.
temática.
O ato na Psicanálise de crianças1
Alfredo Jerusalinsky
Transcrição do encontro do Núcleo em psicanálise de crianças, no dia 13 de março de 2010.
.49
Vou começar por ler alguns fragmentos do seminário “A lógica do fantasma”, de Lacan, aula de 8 de março de 1967, em que propõe o seguinte:
“O ato sexual: O que a psicanálise diz disso? Simples observações.
É, com efeito, surpreendente, que tudo o que se enuncia na teoria psicanalítica parece destinado a apagar – ao uso destes seres a diversos títulos
sofredores ou insatisfeitos dos quais nos encarregamos. Dito de outro
modo, temos que carregá-los. O caráter do ato do encontro sexual. Conjuntamente, declara-se mais ou menos satisfatória tal ou qual forma do
que se chama a relação sexual, evadindo assim o que tem falando com
propriedade de vivo e de cortante no ato, mascarando o que o constitui, a
saber ser um corte. Repito para que prestem atenção. O ato sexual, então,
Lacan diz, é essencialmente um corte. Todo mundo sabe disso. Antes e
depois do ato sexual não é a mesma coisa. É necessário acreditar que é
1
outubro 2010 l correio APPOA
temática.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Bem, depois vem um título, que eu vou resumir para não alongar a
considerada com seriedade a propósito do estatuto do sujeito, mas é pro-
leitura, que diz: “o acting-out como revelador do ato psicanalítico”; e ou-
algo, digamos ao que eu chamaria um modo moderado sob o qual a teoria
masiado. Mas, o fato é também, qualquer uma que seja nossa aspiração à
tro título: “o ato do corte psicanalítico”, dentro da mesma aula. Eu vou
vável que aquilo interessaria menos a nossos clientes”.
liberdade de pensamento, que o ato sexual não tem passado ainda à cate-
lhes falar de um quarto ponto: o ato sexual e a sublimação em relação à
avança. (...) Quer dizer, a psicanálise se cuida para não escandalizar de-
goria daquilo que satisfaz-se no snack-bar. Que não é um assunto tão sim-
Bem, Lacan sublinha que se contrapor à posição do paciente, colo-
de miolos frescos.
angustiado a tal ponto que ele tem que sair da sessão e ir comer um prato
ele diz ter plagiado. Isto, em lugar de tranqüilizar seu paciente, o deixa
é nada disso, que nenhum das idéias que ele escreveu está no livro que
ele cita e voltar na sessão seguinte comunicando a seu paciente que não
o analista da escola da psicologia do ego, americano, é ir ler o livro que
extraído as idéias de um escrito, reproduzindo-as tal qual. O que faz Kris,
copia. Durante sua análise, o paciente cita um livro do qual ele teria
crever algo original e que tudo que ele escrevia inevitavelmente era uma
plagiar. O sentimento era de que ele acreditava que não era capaz de es-
analisou do paciente do psicanalista Kris, aquele que tinha complexo de
Em relação ao acting-out, Lacan evoca o exemplo que ele mesmo
Lacan disse sobre um, a continuação vou resumir os outros três.
falta. Eu vou resumir esses quatro títulos. Na verdade, acabo de ler o que
ples como beber um copo de água. Como se afirmava no inicio desse século, em torno de Lenin. Estamos falando do amor livre, 1917. É que a
raspa depois dele, e dele se inclui, sem dúvida ainda, carregar por longo
tempo esse bizarro efeito de discordância que se chama a culpabilidade.
Mas aquilo não me impediria, ou não impedira de enunciar ainda, mais
uma vez a insuficiência da definição do estádio genital e de estrutura
ideal de seu objeto. E igualmente impugnar que a dimensão do carinho
deve ocupar aí o lugar estrutural. Seria bom lembrar o que a experiência
impõe. A saber, a ambigüidade do amor e se perguntar simplesmente se
um ato sexual é imaturo quando está comprometido no ódio. Os amores
de Tulerure e de Sygne de Coûfontaine seriam uma conjunção, então imatura? Os ouvintes em todos os casos não querem escutar nada disso. De
qualquer lado que eles estejam, religiosos ou de nenhum modo em tal
posição, ou menos do mundo pensante contrariamente ao que Sygne não
silencia que ela, a relação sexual em tudo aquilo que encanta. Outro traço
uma maturidade afetiva. Assim seja, outro quem parta primeiro um pou-
cônjuge. Há aí algo que faz pensar que estaria na norma do que se chama
ção sexual virou de lado e dormiu. Faltou o luto decente pela perda do
perda do cônjuge. A queixa clássica da histérica que determinou a rela-
caráter moderado e a demora decente que aí tomaria o luto depois da
comunicasse a seu analista um sonho: uma realização imaginária de de-
realização imaginaria de seu desejo, como faria qualquer analisante que
ele vem e comunica a seu analista que plagiou, ele esta comunicando a
algo original, seu desejo fundamental é plagiar. Quer dizer que quando
Porque seu desejo não é escrever, seu desejo fundamental não é escrever
se trata é o que vai fazer esse paciente com seu desejo de plagiar o outro.
cando a verdade do fato, não é interpretação. Porque, justamente, o que
co como a historia que Freud conta em alguma parte. Aquela do senhor
sejos. Desfazer essa relação imaginária não é interpretar, porque o que se
de maturidade para as afecções genitais seria de (inaudível) autores o
que diz a sua mulher: ‘Quando um de nós dois morrer, eu irei a Paris’.
interpreta é o desejo e não a revelação de uma verdade fática, que todo
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mundo sabe, interessa um ovo para nós! Nossa vida não se orienta por
outubro 2010 l correio APPOA
Sempre resulta curioso que nada seja evocado na teoria no que concerne
correio APPOA l outubro 2010
ao luto que esse sujeito maduro deixaria atrás de si. A questão poderia ser
50.
pontual e efêmero, porque nós não conhecemos o tecido fantasmático
não é que não saibamos nada, mas o que sabemos é muito fragmentado,
guma coisa de um terceiro referido durante a análise. E eu lhe disse que,
filho e me pergunta se nós podemos, através de um analisante, saber al-
das da vida dele. E então, ele faz algumas intervenções em relação a esse
com seu filho por uma serie de circunstâncias mais ou menos complica-
mãe de um filho adolescente, um adulto jovem. Ela estava preocupada
supervisão me perguntava a propósito de um caso de uma paciente que é
do que aconteceu. Não interessa! Ontem, um colega de São Paulo em uma
Freud e Sherlock Holmes, quer dizer, nós não vamos averiguar a verdade
velha metáfora da diferença entre um analista e Sherlock Holmes, entre
xa cair. É por isso que nós psicanalistas não somos descritíveis. Por isso, a
blemas. O problema mais grave é precisamente quando o real não se dei-
nós. E o real se deixa cair, o que quando não acontece, ficamos com pro-
des fáticas, mas em função de desejos que tem um valor simbólico para
verdades fáticas. Nossas decisões não são tomadas em função de verda-
vicção do paciente de que não haveria outro gozo maior que aquele que
desmentí-lo, anularemos o cerne de nossa interpretação, mas sobre a con-
nosso paciente quando ela se aplica não sobre o desejo, que se formos
hábil na intervenção analítica, só pode ser produtiva para a análise de
ocupe nenhum papel na intervenção analítica. Mas, a desmentida só é
ginação, ele é desmentido por seu analista. Não é que a desmentida não
miolos do outro no real, já que no simbólico do seu “sonho”, em sua ima-
em que nele havia uma carência de ser. Por isso, ele tem que comer os
mental para o paciente de Kris era se apropriar do ser do outro na medida
ele o desiludiu, não é? Você não interpretou o seu desejo. Porque o funda-
um sonho. É como o paciente de Kris, ele queria que fosse um plágio. Mas
deseja o desejo do outro. Como ele deseja que seja esse desejo do outro. É
de falar do seu próprio desejo, porque ele esta nos dizendo, como ele
Quer dizer, o modo que nosso paciente conta o desejo do outro é o modo
nosso paciente. É aí que se lê o desejo de nosso paciente e não do outro.
dá para ler, precisamente, no modo como esse outro é apresentado pelo
tão, dizíamos, é do desejo, do desejo em relação a esse outro, que se lê ou
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
desse terceiro. Podemos ver efeitos nesse terceiro, porque nosso analisante
ele está praticando. Essa desmentida é válida. Essa desmentida é muito
temática.
vem e nos conta. Conta para nós que em função da intervenção que tive-
Na verdade, nessa terceira parte, ele mostra, retomando o que co-
importante! E é ainda muito mais importante em psicanálise de crianças,
mentou no primeiro título, que precisamente o ato analítico está na
mos, ele falou com seu filho de determinada maneira e o filho então em
paciente guiado por nós introduziu ali, ignoramos por completo. Porque
antípoda da relação sexual. Precisamente, não por uma questão de mo-
do que na análise do infantil do sujeito, precisamente porque é ali que se
nós, quando fazemos uma intervenção em relação a esse terceiro, na ver-
deração do escândalo, como ele ironiza o primeiro título que eu li, para
lugar de fazer tal coisa fez tal outra. Pronto! Agora, quanto vai durar isso
dade, não estamos fazendo uma intervenção em relação a esse terceiro
produz a obturação de uma falta. Eis aqui, a razão pela qual eu li o que li
real. Estamos fazendo uma intervenção a esse outro de nosso paciente, ao
não escandalizar as pessoas que estão em volta. Mas porque, precisamen-
de Lacan antes.
outro que nosso paciente tem na sua cabeça. Quer dizer, não interessa
te, é dessa falta que na análise se trata, da falta na relação sexual. É por
que ele fez, não sabemos. Quanto de persistência, de modificação da po-
para nós quem é outro, senão teríamos que, cada vez que o paciente fala
isso que ela esta na antípoda, porque é a relação sexual que falta. É por
sição significante de seu ato, quanto foi atingido pela mudança que nosso
de outro, convocá-lo para conhecê-lo. E essa não é nossa função. Nossa
isso que a psicanálise não pode se desenvolver por telefone. Por telefone,
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não há chance de relação sexual. Embora existam os serviços telefônicos
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função é justamente intervir em relação a esse outro que constitui, forma
correio APPOA l outubro 2010
parte do fantasma de nossos pacientes. Está claro? A interpretação, en-
52.
ou seja faltar. Nenhuma mulher se queixa ao açougueiro da esquina que
exista a chance da relação sexual advir para ela não estar se realizando,
eventuais) Agora vamos ver por que. Justamente porque é necessário que
(observemos que estamos falando de uma análise e não de intervenções
ne! Imagina, até mesmo por skype ou vídeo conferencia. Não é possível!
a relação analítica pode dar seus frutos. Analisar uma criança por telefo-
seu elenco masturbatório. Nada contra!... Mas, digamos, não é por ai que
dizer, mas é capturada na fantasia do paciente como formando parte de
justamente essa voz é tomada como objeto pequeno a do analista, quer
rença importante. É claro que a masturbação se prende a uma voz, mas
eróticos, não é uma relação sexual, é uma masturbação. Há alí uma dife-
Quando está dentro tem que estar fora, quando está fora tem que estar
perto tem que estar distante, quando está distante tem que esta perto.
que na histeria, a questão sexual é uma queixa incessante. Quando está
tão premente, tão insistente que elas entram no heinamour. Vocês sabem
mim!”. Assim como tem mães cujos filhotes as demandam de um modo
aqui! A criança que diz para a mãe: “mãe lá” ou “não vem em cima de
De crianças que querem a mãe lá! Estão me entendendo? Não a querem
devem ter sido testemunhas inúmeras vezes, se são analistas de crianças.
sa. Repulsa no sentido de rejeição, distanciamento. Não é errado! Vocês
número 20): heinamour, fala de um amor repulsivo. Um amor em repul-
junção proposta por Jacques Lacan no seu seminário “Mais Ainda...” ( o
a repugnância, mais com a repugnância. Está claro? Precisamente a con-
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
está sem relação sexual. Mas, se isso acontecer com seu marido, pode se
dentro. Quer dizer, essa contraposição incessante que monta a armadilha
temática.
queixar a seu marido. Porque, com o marido, deveria haver ou, a chance
do desejo antitético na histeria.
dizer, no amor, o gozo sexual não atinge seu ápice, e quando atinge seu
O que seria uma contradição, onde estaria sempre em falta algo. Quer
Mas, que afortunado é aquele que consegue fazê-lo coincidir com amor”.
de um literato “não há gozo maior que o sexo praticado num mar de ódio.
foi Roland Barthes, em “Fragmentos de um discurso amoroso”, quem cita
pacientes, mas não vamos fazer disso a relação sexual. Entendem? Talvez
par seu devido lugar”. Quer dizer, podemos ser carinhosos com nossos
em que Lacan diz “o carinho tem que ter seu devido lugar, tem que ocu-
porque dessa falta se faz, na análise, sublimação. Já li um pedaço da lição
lugar, pela razão do ato. Ou seja, pela condição do ato. Em segundo lugar,
É por isso que Lacan diz que estamos na antípoda. Em primeiro
e inconsciente, a fonte da culpa mencionada por Lacan. Justamente, esse
Ou seja, a posição moral que depois irá se repetir em um modo recalcado
do que se configura de um modo firme e constante o caráter da criança.
posição do sujeito na infância. Freud chega a comentar que é nesse perío-
tante. Diríamos, quase, de estabilização da infância, de consolidação da
fez notar no que ele intitulou o período de latência um momento impor-
suficiência, não estamos na maturidade genital. Na infância, Freud nos
maturidade genital a não ser sob a forma da insuficiência. Quando há
turidade genital sempre se cumpre na insuficiência. Quer dizer, não há
esperaria sob a forma de uma junção total. Como Lacan comenta, a ma-
posição antitética, que coloca a condição de falta sempre naquilo que se
lando da lógica do fantasma, justamente a lógica que coloca o desejo na
no seminário da “Lógica do fantasma”, vocês estão vendo que estou fa-
Revisemos um pouco a questão da sublimação: Lacan nos faz notar
de haver está aí. Se não se cumpre, ela falta. Mas, com o açougueiro não
falta. (Salvando a circunstancia, perfeitamente compreensível, que possa
ápice é porque ele está imerso no ódio. A palavra ódio, aqui, deve ser
caráter moral se instala nesse momento da infância chamado período
haver mulheres que gostem de açougueiros)
considerada com certo cuidado, porque a inflexão de hein, em francês,
latência. E que denota, como estávamos vendo, um momento de plenitu-
.55
de. Justamente, é latência porque a sexualidade, a pulsão sexual entra em
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não tem o caráter necessariamente passional que tem na nossa língua.
correio APPOA l outubro 2010
Pode-se confundir essa inflexão com o rechaço, com o distanciamento ou
54.
latência. Toda a atividade excitatória da criança: essa agitação, que se
símbolo por todos os lados. Vemos em cada trem um papai que entra na
riquíssimo. Para nós é um prato para interpretação kleiniana. Quer dizer,
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
traduz na agitação motora que vai até os seis ou sete anos de idade; essa
estação mamãe e é facílimo de ver. A sessão número 14, do caso Dick,
temática.
dificuldade para dormir, esses terrores noturnos dos quatro ou cinco
tratado por Melanie Klein, se repete incessantemente.
cuitos pulsionais que se cumprem em equivalentes níveis de satisfações
tâneas e múltiplas. Feliz delas! Quer dizer, são exigências corporais, cir-
polimorfa da criança, porque suas vias pulsionais são diversas, simul-
ambigüidade da “genitalidade” infantil, quer dizer a posição perversa
menina também quer comer a mãe. E digo comer, porque aqui está a
para devorar! Não importa se é menino ou menina, porque na verdade a
mente com aquilo que se perdeu para sempre, ou seja, o significante que
É como estudar as inscrições num cemitério, as letras nos túmulos, justa-
decifrando. A criptologia é a disciplina que estuda os signos dos códigos.
quer dizer, a falta. O que causa o desejo é aquilo que falta. Interpretar,
damentalmente em interpretar o que causa o desejo, quer dizer, o desejo,
mencionar, é como a intervenção analítica, o ato analítico consiste fun-
metaforizando aquilo que Lacan propõe no título da aula que acabo de
A questão é onde está a falta. O que dizemos, reformulando ou
anos de idade, que são justamente o medo de reproduzir seu desejo inces-
nos diversos orifícios do corpo, quer dizer nos diversos buracos, nas di-
fica ali como signo de um luto. O signo da mãe perdida, do objeto perdido
tuoso nos sonhos. Isso assusta porque aí vem o pai com cara de monstro
versas posições da falta no seu corpo.
cha, precisamente aí onde a falta fica denunciada pela falência de um
Bem, justamente, dizia que a intervenção analítica entra pela bre-
para sempre. Há um artigo de Norma Brunner, sobre o brincar e o luto,
atenção e hiperatividade antes do sete anos. Até mesmo os comportamen-
gozo. Parafraseando Lacan (nesse ponto belamente interpretado por
que está numa das revistas da APPOA, o qual recomendo muito. Ele toca
talistas sérios reconhecem isso. Depois, estão os comerciantes, que hoje
Roberto Harari no seu livro “A repetição do Fracasso”) ou metaforizando
Então, durante a latência, a criança vive uma espécie de plenitude.
em dia, são muito mais abundantes que os sérios, e diagnosticam a esmo
É por isso que se tranqüiliza. É por isso, por exemplo, que é totalmente
com três ou quatro anos de idade. Acabo de receber um paciente, com
Lacan, eu costumo dizer que a condição de adulto se ganha em função do
nesse ponto de um modo exemplar.
dois anos e seis meses, medicado com ritalina e com rivotril em altas do-
fracasso, do fracasso da relação sexual. Quer dizer, a constatação de que a
absurdo que alguém saiba diagnosticar um transtorno de déficit de
ses, num estado confusional. Porque foi diagnosticada, é uma menina, com
relação sexual não é o sucesso da relação. Não é o desabrochamento
ta. Essa dobradiça é uma dobradiça que atravessa a condição de fracasso.
transtorno de déficit de atenção. A mãe está muito feliz porque por fim se
A criança é alguém que ainda não fracassou! É por isso que ela pode
definitivo e total que acaba com toda carência que se verifica na condi-
Dizia que, justamente no período de latência, é quando a criança
desfrutar de umas boas férias que duram três anos, mais ou menos, que se
ção de maturidade, quer dizer na passagem da infância para a vida adul-
aparece para nós como mais razoável. Analisar uma criança no período
chama período de latência. Jardim de Nárnia, ao qual dificilmente retor-
sabe o que a criança tem. Vou lhes dizer, a criança não tem nada! Mas a
de latência é tranqüilo. Digo que é tranqüilo, aparentemente, porque o
naremos. E se formos retornar, ai de nós! Justamente porque se instalará
mãe precisa que tenha, que alguém lhe responda o que a criança tem.
difícil é analisar, porque aí falta presença da falta. Agora, são crianças
.57
que estão numa idade que tende a tornar-las muito sociáveisl! Desenham,
outubro 2010 l correio APPOA
um delírio neurótico, mas, um delírio. É o preço que paga o delirante. Os
correio APPOA l outubro 2010
brincam com a Barbie, brincam de guerra. O campo de simbolização é
56.
temática.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
Este problema atravessei, nesta última semana, e digo isto para con-
como sendo o sabedor do que não se sabe, como aquele de quem há de se
cluir, com uma menina de sete anos e meio, muito inteligente e muito
poetas pagam esse preço; os sonhadores pagam esse preço. Tem gente que
cação de um imaginário que não acabe nunca. Lugar de refúgio desse
rápida. Mais rápida que eu! A queixa parental e escolar, justamente, é de
escutar as maiores verdades. Então, digamos, a criança pequena se pren-
naufrágio, de reconstrução incessante de todas as mortes, perdas, lutos
que ela está em tal posição de plenitude, tão absoluta, que ela não precisa
paga esse preço e nós prezamos. E não prezamos pouco, pois justamente
havidos, e que acontecem a cada 30 segundos. Essa condição de ignorân-
de nada nem ninguém, e está por cima de todo mundo. Mais ainda, tam-
de em nós. Nós assumimos essa posição sabedora, silenciosa, do sábio,
cia radical, essa posição de divisor do saber do outro que não acaba
bém não precisa aprender nada porque já sabe. Então, a questão é meter
são os que representam nossos sonhos, nossos anseios, nossos desejos mais
nunca. Impossibilidade de apropriação de um saber, porque sempre tem
uma interpretação. Ela já vem há alguns meses trabalhando comigo e,
que tudo consegue entender, apesar de não entendermos absolutamente
um significante a mais que denuncia que havia um sentido que ela não
nessa semana, depois de alguns meses de pintar, moldar com massa de
nada no início. E a criança engole a historia. Mas, quando chega à latência,
sabia. Perguntas de “por que? por que? por que?”, “e o que é isso? o que é
modelar, brincar com a Barbie, brincar de guerra também, com super he-
secretos. Bem, a intervenção com uma criança, então, é descobrir nessa
isso?”, que não acabam nunca. Justamente essa sobra, esse naufrágio in-
róis, tudo! E eu, claro, interpretando o valor simbólico de suas produ-
plenitude que falamos da latência, o lugar da fala. Geralmente, a criança
cessante tem que contar com um outro real bondoso, generoso, disponí-
ções. Nada! Ela olhava pra mim com um olhar de suficiência que me
nós pensamos: agora vem uma criança mais tranqüila. Não terei que sen-
vel, paciencioso, etc. Vocês sabem disso. Bem, mas que, então, torna a
deixava esmagado. Algo assim, como “interessante! Muito bem! Você sabe
é trazida à analise nesse período ou porque ela não o atingiu. Porque a
intervenção do analista mais permeável, justamente, porque em seguida
a ordem do simbólico”. Bom, aí apareceu uma chance e eu estava na es-
tar no chão, não terei que correr, brincar com terra, sujar as mãos com
essa criança pequena, a menos que esteja tocada por uma ameaça, uma
preita, é claro, pulei em cima! A mãe, na sala de espera antes de entrar
condição é dessa sobra incessante na conquista de uma forma de subli-
inibição, uma experiência de mau trato ou abuso, etc, ela se prende a
me disse: “aconteceram três coisas”. Então, a menina disse: “Mãe, tu não
tinta, ou talvez sim, mas não tanto porque ela é ordenadinha, ela guarda
uma proposta de saber do outro. E o pequeno Hans? Não é verdade?!,
vais contar”. E digo: “sim! Ela vai contar, porque estamos aqui para isso.
mação do gozo, o naufrágio incessante permanece. Esse naufrágio, que é
Quem é esse homem, Freud, que em uma única sessão sabe tanto sobre
Então passa a mãe e tu junto!”. A menina estava vacilante. Então, senta-
as coisas antes de ir embora. O problema é meter uma interpretação na
mim? O que é esse homem? É Deus, que sabe tudo, que sabe tudo de
mos ao redor da mesa. Ela diz: “Vou brincar!”. Eu digo: “Hoje não. Hoje,
cabeça delas! Tem que ficar na espreita.
mim? (a famosa frase do pequeno Hans endereçada à seu pai ao sair da
vamos falar! Quais são as três coisas que aconteceram?” Ela disse: “Por
próprio dos dois três, quatro anos. Esse naufrágio incessante que leva
única entrevista que teve com o Dr. Sigmund Freud) Claro, porque não é
que não brincar?” “Porque hoje a coisa é seria, pelo que estou vendo. Quer
sempre a criança a uma avidez de brincar, a uma voracidade de fabri-
que Freud fosse gênio, com tão extraordinária capacidade de revelação
.59
sobre o Pequeno Hans que soubesse mesmo tudo acerca dele. As crianças
outubro 2010 l correio APPOA
dizer, não é de brincadeira, assim, hoje não vamos brincar”. A mãe diz:
correio APPOA l outubro 2010
supõem o analista, colocado pelo imaginário dos pais na transferência
58.
temática.
“Ela não esta dormindo a noite inteira, acorda de noite com medo”. “Essa
é a primeira coisa que tu querias contar. Qual é a segunda?”. “A segunda é
que ela brigou com a professora, e a professora, pela primeira vez, lhe
disse que se ela queria brigar esse não era o lugar e, então, a mandou na
direção e ela esteve por duas horas na direção, porque ela é extremamente desafiante. Alguém que foi lhe buscar perguntou se ela queria continuar brigando e ela disse que não. Bom, então pode ir!” Isso foi a segunda
coisa que aconteceu. A terceira coisa que aconteceu é que como formam
grupos para trabalhar, no grupo dela se incluiu uma menina com paralisia cerebral, ou seja, com sintomas espásticos. Essa menina, querendo se
aproximar das suas colegas, se agarrava nelas porque, em função do controle corporal, a velocidade da emergência de suas expressões é muito
lenta. Então, ela não consegue se fazer lugar senão agarrando as colegas.
Quando a minha pequena paciente foi agarrada, ela se sentiu horrorizada, invadida por algo monstruoso. Ela tinha que suportar a lentidão da
expressão. Cada vez que ela ia falar, e ela fala muito rápido, a outra a
apertava. Como quem quer dizer: “Para que estou falando!” A menina,
então, pediu à professora que lhe dissesse para não pegá-la... e a professora explicou que esse é o modo que ela tem de falar! “Esse é o modo de ela
tem de se fazer entender, porque senão tu não lhe dás tempo. Então, tu
preenches tudo, com um contínuo que não deixa espaço para o outro,
não tem lugar para o outro. Não vou tirá-la e nem vou te tirar do grupo!
Porque ela está se fazendo lugar em ti e tu precisas lidar com ela”. Quer
dizer, a castração abriu uma fenda, um intervalo. “E então, então tu tiveste um pesadelo. Como eram teu pesadelo?” “Havia um monstro que me
agarrava”. Então, claro eu interpretei. Mas vejam só como foi difícil que
se produzissem as condições para que houvesse uma brecha para que a
relação faltasse. Que a relação com o outro fizesse falta ali permitiu a
interpretação muito mais que os ricos desdobramentos simbólicos das
preciosas cenas de seu brincar . Isso demonstra o quanto o ato analítico é
correio APPOA l outubro 2010
distanciado da ação.
60.
debates.
Tristeza também tem fim e sem ela não há
felicidade: o lugar da tristeza na sociedade
contemporânea1
Márcia Goidanich
Tem mais presença em mim o que me falta.
Manoel de Barros
Optei por ater-me, mais do que ao diagnóstico nosográfico de
bipolaridade, a outros dois significantes que destaco do título dessa mesa
redonda: tristeza e contemporânea. Faço essa escolha em função de, em
primeiro lugar, ter clareza de que sempre somos capazes de falar apenas
de temas parciais. Não somos capazes, humanos que somos, de tudo di-
.61
1
Texto preparado para apresentar em mesa redonda da Semana Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Regional
Integrada - URI, Erechim/RS, cujo título foi “Tristeza não Tem Fim, Felicidade Sim: discutindo a bipolaridade e a sociedade
contemporânea”, em agosto de 2010. A referida mesa redonda era composta por um psiquiatra, uma psicóloga que trabalha
com terapia cognitivo-comportamental e eu.
outubro 2010 l correio APPOA
zer. Dizer toda a verdade, como bem lembra Jacques Lacan (2003), é um
rose o sujeito nega a castração do Outro através do recalque (verdrängung),
É novamente Quinet (2001) que nos esclarece que enquanto na neu-
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
impossível: materialmente impossível, faltam palavras. Mas, também faço
conservando-a, no entanto, no inconsciente, na perversão há o uso fun-
debates.
essa escolha por entender que a classificação de Transtorno Afetivo Bipo-
damental do desmentido, ou recusa, (verleugnung) que também nega a
algum, não conserva nada, arrasa. Os dois modos de negar que conser-
lar é uma classificação diagnóstica descritiva, fenomenológica, e, como
Abro aqui um pequeno parêntese para esclarecer tal diferenciação.
vam algum vestígio do elemento da castração do Outro, mesmo negando-
castração, mas conserva-a no fetiche. Por outro lado na psicose, com o
Distintamente da psiquiatria moderna, a psicanálise não organiza seus
o, – neurose e perversão – implicam a admissão do Édipo no simbólico, o
tal, baseia-se na observação de sinais e sintomas que faz jus ao paradigma
modos de entendimento diagnóstico partindo de sintomas observáveis,
que já não acontece na psicose, que não conserva nenhum traço dessa
uso da forclusão (verwerfung) ocorre uma negação que não deixa rastro
mas sim compreende a constituição subjetiva como organizada a partir
castração.
nosológico biomédico.
do que nomeia de estruturas. As três grandes estruturas fundamentais –
forme a posição do sujeito no Édipo em relação ao gozo. Ou seja, o diag-
diferenciar-se da psicanalítica justamente por esta última variar con-
Antônio Quinet (2001) destaca o fato da nosografia psiquiátrica
ser evidenciado em qualquer uma das três grandes estruturas clínicas
intensidade, o conjunto de sintomas que caracteriza esse transtorno pode
Bipolar o que é possível dizer é que, guardadas certas variantes e graus de
2001). Retornando ao diagnóstico fenomenológico de Transtorno Afetivo
A essas três formas de negação da castração do Outro correspondem
nóstico estrutural só poderia ser buscado no registro simbólico, no qual
psicanalíticas. Ou seja, quando fechamos um diagnóstico descritivo de
neuroses, psicoses e perversões – trabalhadas desde a origem por Freud,
são articuladas as questões fundamentais do sujeito quando da traves-
Transtorno Afetivo Bipolar não temos ainda segurança a respeito de qual
as modalidades de retorno dessas operações, ou seja: o retorno do recalcado
sia do complexo de Édipo. Com isso a proposta psicanalítica entende
a estrutura clínica que caracteriza o mesmo sujeito.A prática clínica nos
caracterizam-se fundamentalmente pelo modo como cada sujeito se
que cada sujeito vai lidar de um modo específico com o fato de deparar-
evidencia quadros de diagnósticos psiquiátricos de bipolaridade que tra-
no sintoma neurótico, o retorno do desmentido no fetichismo do perver-
se, ao longo do processo edípico, com a castração, a falta, o barramento
tam-se de estruturas psicóticas, mas também nos apresenta casos que in-
so e o retorno do forcluído nas alucinações e delírios do psicótico (Quinet,
do Outro, que gera, justamente, uma demanda dirigida ao sujeito. É
dicam estruturas neuróticas ou mesmo perversas. Dito isso, concluo essa
posiciona, representa e responde, às demandas que lhe são dirigidas pelo
por ser castrado que o Outro dirige uma demanda, um desejo para o
breve reflexão sobre estes dois modos distintos de diagnosticar existentes
Outro.
sujeito.Este desejo, necessário para a constituição subjetiva, é respondi-
na atualidade e fecho o parênteses.
Tendo eu sido convidada para falar nessa mesa do lugar de psica-
do, segundo Freud, essencialmente de três modos distintos. Cada modo
de responder, e mais especificamente de tentar negar a castração do
nalista tentarei fazer, então, o recorte a partir desse modo específico de
.63
Outro, configura uma das três estruturas clínicas fundamentais do en-
outubro 2010 l correio APPOA
compreensão do ser humano que é o psicanalítico, ou seja, de um ser
correio APPOA l outubro 2010
tendimento psicanalítico.
62.
debates.
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
inconsciente. Ou seja, tratado como uma depressão o conflito neurótico
de normalização em detrimento das diferentes formas de exploração do
mas que ela passou a ser cada vez mais vivida e tratada como uma de-
Aqui esbarramos naquilo sobre o que justamente proponho-me a
contemporâneo parece já não decorrer de nenhuma causalidade psíquica
pressão e que essa substituição de paradigma não é inocente. Ocorre
refletir neste momento: o modo como a cultura contemporânea lida
oriunda do inconsciente e pode, mais facilmente, ser externalizado, atri-
humano que se constitui justamente a partir da relação fundamental que
com a falta essencial do ser humano. Retomo os dois significantes des-
estabelece com a falta do Outro e, consequentemente, com sua própria
tacados do título da mesa redonda: tristeza e contemporânea. A contem-
buído a origens bioquímicas frente às quais o sujeito se objetaliza, apaga-
que com ela consolida-se uma valorização dos processos psicológicos
poraneidade lida muito mal com a tristeza intrínseca do ser humano. De
se, esvazia-se e passa a ocupar um lugar de mera vítima acometida por
falta, sua falta a ser, sua incompletude, sua intrínseca parcialidade.
fato ela não tolera a falta, a dor, os conflitos, a tristeza, inerentes ao ser
um desajuste orgânico que precisa ser corrigido.
atualmente sob a forma da depressão”, diz Elizabeth Roudinesco (2000,
difundidos quadros de depressão. “O sofrimento psíquico manisfesta-se
subjetiva e as relações sociais. Não há mais espaço e nem tempo para a
dução da economia material, mas também tem efeitos sobre a economia
bilidade, circulação de mercadorias, afeta não apenas os modos de pro-
dato de produtividade, eficácia, velocidade, instantaneidade, descarta-
As crescentes exigências impingidas pelo contemporâneo, o man-
humano. Tal intolerância à tristeza parece gerar um agravo da apatia dos
p.13) em seu livro “Por que a psicanálise?”, no qual procura responder a
escuta do sujeito. É preciso silenciá-lo o mais rápido possível. A atual
sujeitos, incrementando, e mesmo banalizando, os hoje cada vez mais
questão sobre por que, após cem anos de existência e de resultados clí-
dificuldades e às provações cotidianas da vida (Juillet, 1997, apud
evolução sociocultural parece contribuir para tornar mais numerosas as
Roudinesco, 2000). Não é à toa que, no final da década de noventa, o
nicos incontestáveis, a psicanálise era tão violentamente atacada por
Roudinesco destaca que, longe de contestar a utilidade e a importân-
consumo de antidepressivos na França já atingia 22% da população e
aqueles que pretendiam substituí-la por tratamentos químicos, julga-
cia dessas substâncias ou de desprezar o conforto que elas podem trazer
seguia em constante aumento. A excessiva medicalização é um sintoma
pessoas comuns, chamadas em geral de neuróticas normais, que tiveram
não se pode esquecer que elas não são capazes de curar o homem de seus
de uma modernidade que visa abolir no homem não apenas o desejo de
dos mais eficazes por atingirem as chamadas causas cerebrais das
sofrimentos psíquicos, sejam estes normais ou patológicos. Diz
liberdade, mas também a própria idéia de enfrentamento que esse desejo
reduzido o limiar de tolerância aos inelutáveis sofrimentos habituais, às
Roudinesco: “A morte, as paixões, a sexualidade, a loucura, o inconscien-
exige (Roudinesco, 2000).
dilacerações da alma.
te e a relação com o outro moldam a subjetividade de cada um, e nenhu-
que o homem contemporâneo quer ser despojado não apenas da angústia
Seguindo esse mesmo entendimento, Maria Rita Kehl (2002) destaca
ma ciência digna desse nome jamais conseguirá pôr termo a isso, felizAssim como a histeria na Viena do fim do século XIX, a depressão
de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela, enfim, quer
mente” (p. 9).
domina a subjetividade contemporânea, tornando-se o que Roudinesco
eliminar toda inquietação que o habita ao invés de indagar seu sentido.
.65
Esta tentativa de apagamento acaba, no entanto, revelando-se uma arma-
outubro 2010 l correio APPOA
nomeou de epidemia psíquica das sociedades democráticas. O que a au-
correio APPOA l outubro 2010
tora nos destaca é que a histeria da sociedade freudiana não desapareceu,
64.
Se ela me deixou, a dor
DE MAIS NINGUÉM
debates.
dilha, pois lança o sujeito cada vez mais em um sentimento de vazio, um
Produções textuais: Seminário XV de Lacan.
do próprio sujeito. É preciso que exista algum incômodo, alguma
luto de qualquer dor é também uma proposição que leva ao apagamento
A prescrição contemporânea do silenciamento imediato e abso-
ta, mas a toda minha vida.
os em discurso, já estarei, também, atribuindo sentido, não apenas à fal-
momento em que posso enunciá-los, apropriar-me deles transformando-
A dor, o vazio, a falta, são meus, de mais ninguém, e, a partir do
eu tenho a minha dor (...)
Se eu não tenho o meu amor
É o que me aquece sem me dar calor.
É o meu lençol, é o cobertor,
a dor é minha.
Se nos meus braços ela não se aninha,
a cozinha, o corredor.
A sala, o quarto, a casa está vazia,
eu tenho a minha dor.
Se eu não tenho o meu amor,
é o que me aquece sem me dar calor.
É meu troféu, é o que restou,
a dor é de quem tem.
Se ela me deixou a dor é minha,
ou já tem um outro bem.
Se ela preferiu ficar sozinha,
Eu tenho a minha dor.
Aos outros eu devolvo a dó,
é minha só, não é de mais ninguém.
sentimento de que sua vida é insignificante.
Se a perda do sentido da existência está na origem da depressão,
que é o sintoma emergente do mal-estar contemporâneo, isso é sinal de que o sentido não é um valor inerente à própria vida: é efeito
de uma construção discursiva que confere significado ao aleatório,
ao sem sentido, à precariedade da existência (KEHL, 2002, p. 9).
Para tentar lutar contra o esvaziamento de sentido que acomete cada
vez maiores montantes populacionais é fundamental que a produção de
sentido se amplie, que o discurso, a narratividade, a produção simbólica,
enriqueça cada existência, possibilitando a criação de vidas que venham
a ser recobertas das significações mais distintas e singulares possíveis. É
novamente Maria Rita Kehl (2002) quem nos recorda que o homem está
sempre tentando ampliar o domínio simbólico sobre o real do corpo, da
morte, do sexo, do futuro incerto, mas que essa produção de sentido não
é individual e sim depende de seu enlaçamento na cultura, de sua inscrição coletiva. Dizer que uma vida faz sentido, do ponto de vista do vivente, significa que existe a possibilidade desse sentido ser reconhecido pelo
Outro, ou pelos outros que o rodeiam.
Jacques Lacan (1999), em seu seminário sobre as formações do inconsciente, nos lembra que há uma estreita relação entre a morte e o aparecimento do significante. É preciso haver um apagamento, um vazio,
uma falta instituída para que o significante precise surgir, e, com ele, o
sujeito possa advir. Entende-se, assim, que justamente esse vazio, essa
falta intrínseca do ser humano, para além de ser uma mera geradora de
dor é também a motriz, a potencializadora da vida, da produção criativa,
Muitas são as produções artísticas, literárias, musicais, etc. que evi-
da constituição subjetiva propriamente dita.
desacomodação, algum desassossego, como nos lembra Fernando Pessoa,
.67
denciam esta questão. Marisa Monte e Arnaldo Antunes parecem conse-
outubro 2010 l correio APPOA
para que qualquer produção possa surgir. “Tem mais presença em mim o
correio APPOA l outubro 2010
guir nomear belamente tal contradição.
66.
debates.
que me falta”, ensina-nos, sabiamente, Manoel de Barros (2010). Ou ainda: “[...] se o nada desaparecer a poesia acaba” (Barros, 2010).
E como não findar lembrando a preciosa estrofe inicial do poema
intitulado “Autopsicografia” de Fernando Pessoa?
AUTOPSICOGRAFIA
eventos do ano
evento
agenda.
local
Jornada Clínica - Dizer e fazer em análise
2010
data
Plaza São Rafael
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
6 e 7/11
01 e 15
01, 08,15, 22 e 29
dia
20h30min
15h
14h
hora
Reunião da Comissão de Eventos
Reunião da Comissão do Correio
Reunião da Comissão de Aperiódicos
Reunião da Comissão da Revista
outubro. 2010
agenda
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
[...] Sim, parece que sem alguma parcela de dor, sem algumas
irrupções de tristeza não haveria vida e, muito menos, possibilidade de
felicidade.
Referências bibliográficas
KEHL, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
04 e 18
19h30min
atividade
LACAN, J. O Seminário, livro 5: As formações do inconsciente. (1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
07,14, 21 e 28
ANTUNES, A. e MONTE, M. De Mais Ninguém. CD Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão. 1993.
_______. Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
Reunião da Comissão da Biblioteca
Reunião da Mesa Diretiva
BARROS, M. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
PESSOA, F. Poesias. Porto Alegre: L&PM, 1999.
19h30min
outubro 2010 l correio APPOA
.69
Anistia
próximo número
Reunião da Mesa Diretiva aberta
aos Membros
21h
21h
07
21
14
QUINET, A. Como se diagnostica hoje? In: QUINET, A. (Org.) Psicanálise e psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
correio APPOA l outubro 2010
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000.
68.
normas editoriais do Correio da APPOA
O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um trabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela Associação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clínica –,
bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa de programação editorial.
Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elaborado,
quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura interessante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os aspectos
editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.
Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que sejam
respeitadas as seguintes normas:
1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção Ensaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da APPOA
([email protected]);
2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:
- Fonte tamanho 12
- O texto deve conter, em média, 12000 caracteres com espaço
- Notas de rodapé em fonte tamanho 10
3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;
4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da
obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume
(se for o caso);
5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;
6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do
texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;
7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para
palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;
8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);
9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05, para
publicação no mês seguinte;
10) o autor, não associado a appoa, deverá informar em uma linha como
deve ser apresentado.a Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir alterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem necessárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das
provas gráficas;
11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.
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