II Seminário Sobre Alimentos e Manifestações
Culturais Tradicionais
I Simpósio Internacional Alimentação e Cultura: aproximando o
diálogo entre produção e consumo
Universidade Federal de Sergipe 20 a22 de maio de 2014
ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO EXPERIÊNCIA INICIÁTICA: UMA
ABORDAGEM CULTURAL SOBRE A FORMAÇÃO INICIAL.
STAGE ACCOMPAGNÉ COMME UNE EXPERIÈNCE DE PASSAGE: UNE
PERSPECTIVE CULTURELLE
SUR LA FORMATION INITIALE.
Maria Regina de Moura Rocha
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Centro de Artes, Humanidades e Letras
[email protected]
Resumo
Este artigo analisa o Estágio Supervisionado para Regência na qualidade de rito de passagem
da sociedade pós-industrial. O estudo está fundamentado na produção da Antropologia
Cultural sobre ritos de passagem nas sociedades tradicionais. A perspectiva antropológica
sobre essas práticas fortaleceu a concepção desse tipo de estágio como acontecimento para
mudança de status de estudante para professora/o. O trabalho foi desenhado com base nos
pricípios da pesquisa bibliográfica, privilegiando os procedimentos de leitura, revisão e
análise da cultura imaterial. Esta decisão serviu para sustentar o objeto e a refletir sobre
Estágio Supervisionado para Regência como rito de passagem no âmbito acadêmico. O estudo
aponta para a pertinência em considerar esse tipo estágio como rito de passagem, inclusive,
pela apropriação do saber pedagógico, da cultura escolar e pela constituição de uma
comunidade na universidade e na escola, tornando menos sofrido o câmbio de status.
Palavras-Chave: Ritos. Cultura. Estágio Supervisionado. Status. Formação Inicial.
Résumé
Cet article analyse le Stage Accompagné comme un rite de passage dans la société postindustrielle. L'étude est basée sur la production de l'Anthropologie Culturelle avec ses rites de
passage dans les sociétés traditionnelles. La perspective anthropologique sur ces pratiques,
renforce la conception de Stage Accompagné, comme un événement qui permet le
changement de statut d'étudiant à enseignant. Ainsi, cette étude montre la pertinence de ce
type de stage comme un rite de passage, qui peut se faire également par l'appropriation des
connaissances pédagogiques, par la culture scolaire et par la constitution d'une communauté
au sein de l’université ou de l’école, permettant ainsi un changement de statut plus
supportable. Ce travail a été conçu à partir de recherches bibliographiques qui privilégient les
procédés de lecture, révision et d’analyse de la culture immatérielle. Ce choix a été voulu afin
de maintenir l'objet et de réfléchir sur le Stage Accompagné comme un rite de passage dans le
cadre universitaire.
Mots clés : Rites. Culture. Stage Accompagné. Statut. Formation Initiale.
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1 Introdução
A formação docente inicial tem sido objeto de estudo de especialistas de diversas
orientações teóricas e metodológicas em virtude da complexidade inerente ao ensino. No
universo desta complexidade, o Estágio Supervisionado para Regência é uma extraordinária
experiência para conhecimento e pesquisa dos problemas e possibilidades da educação
escolar. Essas características convertem o este tipo de estágio em oportunidade idônea para o
ator educativo ponderar acerca de sua trajetória acadêmica e, naturalmente, sobre os impactos
provocados no ensino pelas rápidas e irreversíveis mudanças na sociedade. Por conseguinte, o
Estágio Supervisionado para Regência é ocasião para esse ator examinar a clássica
fragmentação do conhecimento ainda presente na mentalidade tradicional universitária,
especialmente, através da dicotomia entre teoria e prática.
Nesse contexto, além do alunado tomar consciência da realidade escolar e das
condições sociais do trabalho docente, certamente, a imersão na realidade escolar poderá
repercutir na qualidade do futuro projeto educativo desse ator. Projeto que deverá levar em
consideração a complexidade do ensino e suas particularidades, que requerem decisões
didáticas, pedagógicas e políticas adequadas a cada sala de aula, respeitando-se, portanto, a
especificidade da cultura de cada ambiente escolar. Esta reflexão costuma aprofundar o
entendimento do ator educativo sobre o ensino como prática social complexa que requer
domínio de conhecimento integrado para seu exercício e compreensão da atividade escolar.
Tal prática, por sua natureza, não deve ser pensada distante de sua dimensão cultural,
inclusive, na formação inicial, em virtude de seus compromissos com a educação de crianças,
adolescentes e jovens de distintos segmentos sociais e, naturalmente, oriundos da diversidade
cultural brasileira. Privilegiar a dimensão cultural na aprendizagem escolar em distintos níveis
do ensino, certamente, tal atividade sinaliza para o reconhecimento da cultura como elemento
que confere sentido e significado às experiências dos sujeitos, inclusive, durante a sua
aprendizagem formal.
No âmbito escolar, a aprendizagem para ser significativa e relevante para o alunado
precisa levar em consideração o papel da cultura. A história da escolarização pública dos
filhos da classe trabalhadora no Brasil, especificamente, na segunda metade do século XX,
revela que esse processo aconteceu de modo uniforme, pois, o modelo educacional pensado
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para as classes abastadas foi universalizado. A política de padronização escolar, de modo
geral, não reconheceu e aquilatou a importância da educação popular para conscientização do
autor educativo e fortalecer os valores de sua classe social. Por sua gênese, este modelo não
era competente para dialogar com a diversidade cultural da sociedade brasileira,
especialmente a diversidade na escola pública da época em questão.
No debate sobre o papel do Estágio Supervisionado para Regência no campo da
formação docente inicial, a discussão acerca das particularidades das disciplinas escolares,
especialmente, as do Ensino Fundamental, não podem ficar esquecidas. Deixar de lado a
apropriação de conhecimentos sobre etapas de desenvolvimento e o grau de maturidade do
alunado para a aprendizagem de certos conceitos e conteúdos, a exemplo de dimensão e de
tempo em História é ato de insensibilidade pedagógica. O diálogo do professorado com outras
ciências dedicadas à cognição, ao desenvolvimento humano e outros assuntos pertinentes a
esse universo é essencial para a aprendizagem, particularmente, a escolar que deve acontecer
de forma crítica, com conteúdos relevantes para a continuidade da aprendizagem e para o ator
educativo conhecer sua realidade e posicionar-se no mundo.
A crença na afinidade entre Estágio Supervisionado para Regência demandou um
desenho metodológico privilegiando os procedimentos de leitura e análise sobre as finalidades
dos ritos de passagem nas sociedades tradicionais. Desse modo, o objeto e os pilares teóricos
deste artigo foram construídos e fundamentados na Antropologia Cultural e também na
produção de teóricos dedicados ao estudo da educação. Por conseguinte, a escolha da
bibliografia específica é o uso dos procedimentos intrínsecos da pesquisa bibliográfica foram
essenciais para a realização deste artigo, sobretudo, porque a empiria e o trabalho de campo
não fazem parte desse tipo de pesquisa. Neste artigo, a escolha da perspectiva antropológica
tornou o percurso metodológico possível, especialmente, para interpretar a cultura imaterial
na qualidade de conhecimento fundamental para refletir sobre as semelhanças ente Estágio
Supervisionado de Regência e ritos de passagem das sociedades tradicionais.
Reconhecendo o papel do Estágio Supervisionado para Regência no domínio da
formação docente inicial, resolvi ponderar sobre esta atividade como espécie de rito de
passagem na sociedade pós-industrial. As virtudes e as semelhanças de ambos na assunção de
novas responsabilidades através da mudança de status foi sem dúvida, o ponto de partida para
explorar, novamente, as contribuições da Antropologia Cultural. Para apoiar minha opinião,
destacada no início do parágrafo anterior, elaborei objetivos e problema de pesquisa
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apresentados, respectivamente, abaixo. Revisitei antropólogos clássicos dedicados ao estudo
da cultura imaterial, especialmente, para resgatar suas contribuições acerca dos ritos de
passagem como práticas que guardam semelhança com o Estágio Supervisionado para
Regência
1.1 Objetivos:
Refletir sobre os ritos de passagem das sociedades tradicionais, com vistas à
concepção do Estágio Supervisionado para Regência como acontecimento ritualístico para
assunção de novo status na sociedade pós-industrial.
Estudar a cultura imaterial na qualidade de conhecimento fundamental para identificar
e ponderar sobre as semelhanças entre Estágio Supervisionado de Regência e ritos de
passagem das sociedades tradicionais.
1.2 Problema:
Até que ponto as finalidades e as características do Estágio Supervisionado para
Regência podem conferir a esta atividade o caráter de rito de passagem na sociedade pósindustrial?
Esta decisão, juntamente, com a opção pela pesquisa bibliográfica facilitou a revisão da
literatura especifica, oferecendo suporte teórico metodológico para a compreensão do objeto
de estudo
As decisões tomadas, juntamente, com o desenho da pesquisa facilitaram a revisão da
literatura especifica e ofereceram suporte teórico para a compreensão do objeto de estudo.
Assim, o problema de pesquisa cumpriu seu papel de investigação e os objetivos na busca de
possíveis semelhanças entre Estágio Supervisionado para Regência e os ritos de passagem das
sociedades tradicionais
2 Ritos Passagem e Estágio Supervisionado
Os ritos de passagem são práticas coletivas para aprendizagem social através de
mudança de status que, costumeiramente, ocorrem através do conforto da comunidade para
propiciar bem-estar ao iniciado. Presença importante em virtude das expectativas da
coletividade com as novas responsabilidades que serão assumidas pelo principiante. Durante a
cerimônia ritualística, o iniciado tem conhecimento das expectativas da comunidade em
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relação ao seu comportamento após essa consagração. É compreensível e fundamental a
participação do grupo na diminuição tensional do indivíduo no processo de mudança de
status. Esta perspectiva é defendida por De Vos (1981) ao afirmar que ritos de passagem
marcam a nova condição social das pessoas na comunidade após mudança de status social, de
papel e para isso, o grupo exerce uma função psicológica.
Em relação ao Estágio Supervisionado para Regência o alunado revela ansiedade e
medo ante a possibilidade de assumir a sala de aula. Situação que nem sempre é trabalhada
em sua preparação universitária. Ensinar requer apropriação de conhecimentos múltiplos e
integrados pelo professorado, desenvolvimento de atitudes e habilidades para enfrentar os
desafios da sala de aula. Apesar da formação docente inicial não ter caráter definitivo,
inclusive, por sua gênese, esta característica não é empecilho para desconsiderar o papel da
subjetividade nessa formação e no futuro trabalho docente.
É largamente conhecido o grau de esperança que pais e membros da coletividade
depositam na escolarização e educação dos seus filhos e dos filhos de outras famílias na
escola como instituição capaz de responder necessidades das pessoas e da sociedade. Sem
dúvida, as esperanças coletivas e individuais sobre o trabalho docente devem ser ponderadas
no contexto da formação inicial pelas razões já analisadas e outras, a exemplo da
aprendizagem de valores para a vida em sociedade. Mair (1988) destaca a orientação do
aprendizado do indivíduo como uma importante finalidade dos ritos. Na visão desta estudiosa,
essas práticas estão vinculadas às expectativas sociais com a nova etapa de vida que o
indivíduo assumirá.
As cerimônias de celebração para mudança de status através de ritos funcionam como
morte e renascimento para Morin (1974). Morte da etapa juvenil e renascimento para a vida
adulta. Nessa lógica, os jovens se convertem em homens e mulheres com nova personalidade.
No campo educativo a morte, em certa medida, é a assunção de novo de status, isto é, de
estudante universitária/o para professor/a. Contudo, trata-se de uma morte provisória já que o
fazer docente exige do professorado permanente estudo e reflexão sobre seu ofício, inclusive,
para a construção de sua identidade profissional.
A complexidade da formação docente inicial no contexto do debate dos ritos de
passagem demanda análise sobre o controle social como finalidade dessa espécie de rito.
Morin (1974) comenta que em determinados contextos sociais certos ritos tem essa função,
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especialmente, quando a população juvenil é escassa. No caso do Estágio Supervisionado para
Regência como experiência de rito de passagem, a/o estagiária/o estaria sujeito ao controle
burocrático, pedagógico e legal das instituições de ensino. Nesse sentido, esse ator educativo
trocaria as regras do mundo juvenil comandadas por seu grupo etário para assumir os códigos,
as normas e os princípios das escolas dirigidas por adultos. Partindo desse raciocínio, esse
ator também se afastaria dos códigos, dos cânones e dos procedimentos da universidade. Essa
postura tem seu lugar em virtude da especificidade das leis, das finalidades e dos objetivos da
Educação Básica para seus segmentos de ensino.
É complicado ponderar sobre Estágio Supervisionado para Regência como rito de
passagem sem considerar o papel desta cerimônia, especialmente, para a coesão social. Ato
essencial para os indivíduos aceitarem normas sociais e princípios básicos da comunidade
conforme posição de Durkheim (1988). Nessa perspectiva, a regência nesse tipo de estágio
implica também na anuência aos padrões das escolas pelo/a estagiário/a. Por conseguinte, essa
concordância repercutirá no futuro trabalho docente através da reflexão sobre a vida em
sociedade, pois, educa-se para uma sociedade determinada.
A regência no Estágio Supervisionado para Regência costuma ser definida pelo
alunado como uma atividade que gera tensão, em parte, porque este ator educativo está
desmotivado com o magistério, inclusive, em virtude de seu desprestígio. No entanto, é
preciso considerar que a experiência de aprender provoca desorientação no sistema de crença
dos atores educativos e dos indivíduos em geral. Esta ideia encontra apoio em Bárcena (2000,
p.10) quando pondera sobre a vivência acadêmica como fenômeno que provoca
desnorteamento do alunado. O cerne desta questão está no entendimento da aprendizagem
como acontecimento que nem sempre poderá obedecer ao formalismo do planejamento
didático. É importante considerar ainda que a formação docente ocorre além dos conteúdos
formais, sobretudo, porque a aprendizagem humana mobiliza emoções e sentimentos, a
exemplo de incerteza, angústias, dilemas, ansiedade e outras manifestações próprias da
condição humana.
Além da preparação teórica e metodológica para a elaboração do projeto de regência e
outras atividades próprias do magistério, o ator educativo também recebe no ambiente de
regência suporte acadêmico, emocional e administrativo, que torna menos sofrida sua inserção
no ensino e sua transição de status. Subsídio oferecido pelo corpo docente através de
conhecimentos, a exemplo dos escolares e também pelo corpo técnico-administrativo
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responsável pelas atividades meio da educação escolar. A constituição de uma comunidade
composta por profissionais com formação acadêmica, técnica-administrativa, burocrática e
legal na universidade e na escola demonstra a importância do Estágio Supervisionado para
Regência, especialmente, no contexto da formação inicial. Logo, as instituições referidas
neste parágrafo exercem papel semelhante ao das comunidades tradicionais durante as
cerimônias ritualísticas para mudança de status.
Segundo Mair (1988), a assunção de novo status é uma aprendizagem social. Dessa
forma, fica evidente a importância do apoio da comunidade acadêmica e escolar para o
alunado apreender e refletir, coletivamente, o fazer pedagógico. O Estágio Supervisionado
para Regência para futuro trabalho docente representa além de mudança de status do ator
educativo um acontecimento semelhante o rito de passagem. O apoio recebimento por esse
ator educativo nas instituições já referidas neste artigo tem a função de arrefecer as tensões
desse ator no processo de transição universidade/sala de aula graças à interação entre os
indivíduos.
Em palavras de Malinowski (1974), os ritos de passagem promovem tranquilidade,
bem-estar físico e mental. Esta perspectiva é partilhada por Beals e Hoijer (1969) em seus
trabalhos sobre cultura quando afirmam que os ritos também são práticas que oferecem
conforto às tensões emocionais. Embora as práticas ritualísticas sejam fruto da cultura de um
grupo, elas também costumam acarretar momentos de tensão, angústia, medo e outros
sentimentos no indivíduo que vivenciará situações ritualísticas conforme registra os trabalhos
dos outros antropólogos. Esses sentimentos são vivenciados pelo ator educativo antes e
durante a experiência de regência mesmo com o auxílio emocional que recebe.
A concepção de Estágio Supervisionado para Regência como rito de passagem
encontra sustentação teórica nos estudos Malinowski (1974) sobre rito de passagem nas
sociedades tradicionais, especialmente, quando este estudioso pondera sobre as virtudes desse
tipo rito na promoção da tranquilidade proporcionando respostas ou soluções aos problemas
práticos da vida humana. Nesse sentido, a regência no Estágio Supervisionado é uma
oportunidade para o alunado refletir sobre suas inquietações com o magistério/educação e
encontrar respostas provisórias durante sua inserção na escola. Logo, a imersão na realidade
objetiva funciona como uma espécie de vereda para o futuro trabalho docente. Esta ideia
também tem apoio em Lima e Pimenta (2004) quando analisam a formação docente.
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Os ritos, segundo Radcliff-Brown (1975) demandam reconhecimento na história dos
grupos que os produziu. Isso significa dizer que os ritos de passagem guardam relação direta
com o contexto que os criou. Dessa forma, é improcedente afirmar a natureza universalizar
dos ritos, pois, tal garantia desconsidera os significados e sentidos que cada cultura e grupos
humanos lhes conferem ao longo de sua história. Partindo desse ponto de vista, o debate sobre
o Estágio Supervisionado para Regência como rito de passagem não pode ser enfrentado
distante das características atribuídas a essa prática na qualidade de manifestação de
determinadas culturas. Neste artigo, esse tipo de estágio está sendo concebido como rito de
passagem próprio de nossa atual sociedade a partir das semelhanças entre ambos.
Desse modo, a experiência de educar deve ser considerada também no terreno da
cultura como um sistema de crença, símbolos e significados próprios de cada sociedade. Uma
da finalidade da cultura é influenciar o pensamento e a conduta de indivíduos, grupos e
classes sociais. Portanto, sistema fundamental no processo de interação entre os indivíduos
que logram comunicar-se entre si porque entendem e compartilham da mesma cultura. Para
Geertz (2009), o indivíduo é um ser ancorado às teias de significados fabricados pela cultura.
Educar, nessa perspectiva, é transcender a ideia de formar sujeitos abstratos, sem raízes
culturais, sem biografia e identidade.
No âmbito do trabalho educativo, o reconhecimento da dimensão cultural na
formação dos atores educativo significa também entender a cultura como instrumento para
interação entre as pessoas, conhecimentos e eventos. Interação graças à produção coletiva e
compartilhada dos significados que a cultura produz. Por conseguinte, adotar essa postura é
reconhecer o lugar da dimensão simbólica na interação cotidiana e na aprendizagem escolar
dos atores educativos.
A posição de Geertz (2009) não é hegemônica na Antropologia Cultural, portanto,
outros antropólogos refletem sobre distintas virtudes da cultura. Nesse sentido, Mead (1975) e
Buxó (1984) defendem a liberdade da pessoa em relação à cultura. Lévi-Strauss (1966) a
compreende como dimensão crucial para o processo de educação. Está em questão na
perspectiva deste último estudioso, o modo como os indivíduos assimilam o complexo
sistema cultural, isto é, de forma consciente ou inconsciente. Independente do modo de
apropriação de referências, valores, crenças e outros elementos da cultural, Lévi-Strauss
(1966) admite que o sistema cultural embrenhar-se na mente do indivíduo. Desse modo, o
sistema cultural orienta nosso juízo de valor, nossas motivações e interesses. Não obstante, a
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existência de múltiplas interpretações sobre a cultura, a diversidade humana e as
características individuais, certamente, sinalizam tanto para as particularidades no processo de
assimilação do sistema cultural quanto para existência de diferentes interpretações sobre
cultura.
Recuperando a discussão referida no parágrafo acima para o ambiente escolar,
naturalmente, torna-se cada vez mais equivocado e arriscado considerar cada sala de aula
como um espaço padronizado que comporta soluções prontas e quase sempre orientadas por
sujeitos que desconhecem as particularidades e a problemática que afeta os distintos contextos
do ensino. Embora o país compartilhe a mesma estrutura econômica e o mesmo sistema
político, os impactos sobre cada realidade escolar ocorrem de forma específica. Assim sendo,
as intervenções didáticas e pedagógicas demandam conhecimento acerca da singularidade de
cada situação escolar, especialmente, da sala de aula através do reconhecimento da cultura
desse espaço social de aprendizagem sistemática.
As peculiaridades de cada realidade educativa não admitem respostas técnicas, pois
este segmento demanda compreensão das dimensões social, política, cultural, ética e histórica
para o enfrentamento de suas questões. Desse modo, é preciso considerar a subordinação da
técnica e dos meios às finalidades da educação. Essa preocupação encontra guarida nas
reflexões de Liston e Zeicnher (1990); Contreras (1990-1999); Carr e Kemmis (1988);
Popkewitz (1990); Giroux (1990) e Demo (1985) que examinam criticamente o lugar da
técnica na educação, pois, o debate privilegiado sobre este segmento é ético e moral,
conforme o entendimento dos teóricos citados anteriormente e que também ponderam acerca
da formação docente inicial. Para os atores educativos das Licenciaturas, o Estágio
Supervisionado para Regência é uma oportunidade para refletir sobre os desafios do Ensino
Básico, preferencialmente, na escola pública. Ocasião para esse ator pensar que o trabalho
docente se realiza, inclusive, no terreno do choque de culturas e que esse confronto deve ser
examinado como objeto de sua formação que, inclusive, requer atenção e consideração.
Nessa linha de raciocínio, Pérez Gómez (1998) assegura que a escola é um espaço de
cruzamento de culturas que provoca tensões, diálogo e construção de significados. Essa
análise ficaria incompleta sem o destaque do papel da violência simbólica denunciada por
Bordieu e Passeron (2009), especialmente, com a adesão da cultura e dos valores das classes
dirigentes pelos atores educativos. Essa aderência funciona como uma espécie de mecanismo
ideológico para uniformizar a interpretação dos indivíduos de outras classes sobre a realidade
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social. Desse modo, é prudente e necessário considerar a educação e ensino no domínio da
diversidade cultural.
3 Considerações Finais
Guardando-se as devidas distâncias e o profundo respeito ao estudo da Antropologia
Cultural, especialmente, as práticas das culturas tradicionais, minha intenção foi tentar
defender a ideia do Estágio Supervisionado para Regência como rito de passagem,
especialmente, na sociedade pós-industrial. De modo geral, em sociedades, a exemplo da
nossa, mudanças de status costumam acontecer sem a presença de ritos de passagem. Logo,
diferentemente das práticas ritualísticas que caracterizam mudanças de status nas
comunidades e culturas tradicionais, de acordo com os estudiosos que fundamentam este
artigo. Em sociedades como a nossa transcender de um status a outro costuma acontecer sem
a presença de práticas simbólicas. No nosso contexto, o indivíduo conhece com profundidade
dores e angústias próprias de cada nova etapa de vida que exige a assunção de novos
compromissos e responsabilidades requeridos por cada fase específica sem cerimônias de
iniciação e conforto emocional oferecido pela comunidade.
Sem dúvida, uma das preocupações que animou a produção deste artigo fundamentado
na Antropologia Cultural foi o interesse em contribuir para estimular novo olhar do alunado
sobre sua experiência introdutória no magistério como um ato da cultura em lugar de
determinismo social. Condição que muitas vezes tem levado jovens aspirantes ao lugar de
professora/o como determinação de classe, portanto, um fenômeno das contradições sociais.
Um destino quase obrigatório para quem cursou a escola pública, historicamente, aviltada e
que pouco tem podido contribuir para que os filhos dos trabalhadores desenhem uma trajetória
acadêmica e também encontrem melhores posições sociais através da escolaridade.
Não obstante, ao fato dos ritos serem parte do fundo cultural das comunidades
tradicionais, estas práticas oferecem excelentes contribuições para refletir sobre o Estágio
Supervisionado para Regência como um rito de passagem na educação. Em síntese, longe
desse tipo de rito, a preparação do alunado de qualquer curso e, especialmente, das
licenciaturas ficaria mais complicada e sofrida. Esse juízo tem como ponto de partida o peso
das expectativas que a sociedade deposita nos iniciantes de todas as áreas, especialmente,
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durante o processo de assunção do conhecimento acadêmico, científico e profissional que
marca o novo status social para o exercício de determinada profissão.
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II SEMINÁRIO
TRADICIONAIS.
SOBRE
ALIMENTOS
11
E
MANIFESTAÇÕES
CULTURAIS
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