Novos paradigmas políticos para o novo mundo econômico
Ao longo do último quarto de século, a economia global gozava de um período
de crescimento estável e baixa inflação. A chamada “Grande Moderação”
[termo que define o período de consolidação do sistema financeiro mundial
entre 1985 e 2007] levou uma série de economistas a um falso sentimento de
segurança sobre suas habilidades de gestão e capacidade de lidar com crises
financeiras. Mas como a “Grande Moderação” materializou-se em uma “Grande
Recessão”[iniciada coma crise financeira de 2008], vieram à tona falhas fatais
no pensamento em voga. Uma das mais notáveis foi o quão pobre era a
percepção em torno das ligações entre o sistema financeiro e a economia
como um todo – assim como as ligações entre os países.
Hoje, os economistas procuram novos paradigmas para gerir a economia neste
e nos próximos anos. Para começar, um melhor entendimento dessas ligações
é essencial para promover o crescimento e reduzir o risco de novas crises.
Igualmente importante é a clareza de que trabalhando juntos, podemos
construir uma economia mais eficiente e mais estável, pelo bem de todos os
países.
Deixem-me explicar o que isso significa: construir um setor financeiro mais forte
e mais seguro, mantendo um crescimento balanceado e mais estável, gerindo
grandes fluxos de capitais voláteis.
Um sistema financeiro forte e mais seguro é o alicerce de uma economia de
sucesso. Isto exige uma regulamentação forte, com um livro de regras
sensatas para os mercados financeiros e instituições. E, para garantir que todo
mundo siga as regras, as instituições financeiras devem ser supervisionadas de
forma intensiva.
Agora, mesmo com as melhores regras e boa fiscalização, as crises
continuarão a ocorrer — é por isso que precisamos de resoluções que
garantam mecanismos eficazes para lidar com as instituições que se metem
em problemas. E, finalmente, dado às interações poderosas dentro do setor
financeiro e toda a economia, precisamos de um quadro global de gestão de
riscos no sistema financeiro.
Muito já foi feito para avançar na direção desta reforma regulatória, a exemplo
do acordo recente que visa reforçar o capital dos bancos (Basileia III). Mas
ainda estamos longe de te r a supervisão necessária para a correta aplicação
das regras. E efetivas resoluções de mecanismos e quadros sistêmicos ainda
permanecem evasivos.
Mas nós já aprendemos que o crescimento deve ser equilibrado, a fim de ser
saudável. Em nível nacional, isto requer ferramentas para prevenir excessos
em setores que podem trazer para baixo toda a economia. Em nível global é
necessário repartir o crescimento entre os países com o objetivo de evitar
desequilíbrios como os atuais.
Quais são as implicações para a política macroeconômica? A política
monetária tem de olhar para além do seu foco principal de uma inflação baixa e
estável em prol de uma atenção muito maior para a estabilidade financeira. O
debate agora é como, exatamente, pode-se coordenar o trabalho das
autoridades monetárias e reguladoras.
Quanto à política fiscal, a crise mostrou a importância de manter a dívida
pública e déficits baixos durante os bons tempos: os países com finanças
públicas saudáveis têm mais espaço para amortecer o impacto econômico da
crise. Mas a Grande Recessão causou crescimento da dívida pública e dos
déficits em muitas economias avançadas.
O quão rápido a contenção orçamentária deve ser adotada — assim como a
definição de bom equilíbrio entre impostos mais altos e redução das despesas
— irá variar para cada país, refletindo fatores como a força da recuperação
econômica, o apetite do mercado para dívidas, e os gastos iniciais e
proporcionais a receita. Mas o objetivo comum para a política fiscal deve ser o
de apoiar o crescimento a médio prazo com sustentabilidade e mantendo a
criação de emprego.
A distribuição de renda é outra questão importante. Nos anos que antecederam
a crise, a desigualdade aumentou em muitos países, com conseqüências
preocupantes para a coesão social. Este cenário aumentou a vulnerabilidade à
crise: com menos gente capaz de usar suas economias durante os tempos
ruins, o impacto sobre o crescimento é ainda maior.
Também é uma questão chave, olhando para a dimensão internacional,
compreender como as políticas de um país influenciam outras economias. Essa
abordagem está no centro dos esforços do G20 para atingir um crescimento
global forte, estável e equilibrado. O Fundo Monetário Internacional também
está acelerando o seu trabalho nesta área, através de relatórios sobre os
efeitos colaterais da crise financeira na China, na Zona do Euro, Japão, Reino
Unido e os Estados Unidos.
Conseguir um melhor aproveitamento das ligações financeiras entre os países
também é importante. Durante a crise, nós vimos o quão rapidamente o capital
fugiu de países antes considerados apostas seguras. Hoje, muitos desses
locais estão sofrendo um verdadeiro tsunami de retorno de recursos.
Formuladores de políticas em muitos países emergentes temem que a entrada
de capital eleve o valor da moeda local, desestabilizando os mercados
financeiros e sobreaquecendo a econômica. As reações variam de comprar a
moeda estrangeira para evitar a valorização do dinheiro local até a adoção de
controles de capital— em casos extremos —, para manter o dinheiro de fora
do país. A situação tornou-se bastante tensa, com a conversa de “guerras
monetárias “ e um risco real de protecionismo financeiro.
Claramente, precisamos obter um melhor controle sobre o que está
impulsionando esses fluxos de capitais. E também identificar as melhores
políticas de como lidar com eles — tendo em conta seu impacto sobre a
economia global. Devemos analisar se um sistema de regras globais
destinadas a reduzir a volatilidade dos fluxos de capitais seria útil.
O seguro financeiro global é outra questão importante. Assim como uma família
garante suas economias com algum tipo de seguro, os países devem ser
capazes de se apoiar em uma rede de segurança global. Muito já foi alcançado
desde a crise, através de mais recursos para o FMI e novos instrumentos de
financiamento. Mas é necessário ir além, como explorar a cooperação com os
mecanismos de financiamento regionais, e criar novas maneiras de utilizar
estes instrumentos em uma crise sistêmica.
Um dos principais fracassos políticos na corrida contra a crise foi a falta de
imaginação: nós falhamos em entender o quão complexa a rede econômica e
financeira global tinha se tornado. Façamos com que a nossa próxima falha
não seja o resultado da falta de cooperação. Temos de ultrapassar antigas
fronteiras, trabalhar juntos para construir uma economia global mais forte e
resiliente.
Dominique Strauss-Kahn – Diretor- Gerente do Fundo Monetário
Internacional. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicat e publicado no
jornal Brasil Econômico em 31/01/2011.
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