UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
NOVAS PERSPECTIVAS PARA O
ENSINO DE GRADUAÇÃO
ENSINO DE GRADUAÇÃO:
Reflexões e Proposições
nº 1
SÃO CARLOS
1998
APRESENTAÇÃO
É com satisfação que a Pró-Reitoria de Graduação dá início, com este exemplar,
a uma série de publicações sobre temas considerados fundamentais para o ensino de
graduação desta Universidade.
Essas publicações serão resultados dos eventos promovidos na UFSCar com a
finalidade supra-mencionada ou de trabalhos de docentes desta Instituição que ofereçam
contribuições relevantes à melhoria do ensino.
Esperamos, com tal iniciativa, estar contribuindo para instigar a Comunidade
Universitária a refletir sobre a sua responsabilidade em formar, nos seus cursos de
graduação, profissionais preparados para atuar em uma sociedade em contínua
transformação e como agentes das mudanças necessárias a essa sociedade.
Nesta primeira publicação serão apresentados quatro textos abordando tanto
aspectos conceituais como instrumentais sobre o ensino de terceiro grau.
SUMÁRIO
Repensando o ensino na Universidade ............................................................
.......................................................................................................................... 1
(Myrtes Alonso - PUC/SP)
Formação na Universidade: novas perspectivas ou algumas reflexões sobre
a Universidade como uma organização que aprende .....................................
........................................................................................................................ 17
(Aline M. M. Rodrigues Reali - UFSCar)
Computador como ferramenta na reflexão naformação e na prática de
professores.........................................................................................................
........................................................................................................................ 24
(Maria Elizabeth de Almeida - PUC/SP)
Informática aplicada ao ensino de graduação ................................................
........................................................................................................................ 37
(Pedro Luiz Aparecido Malagutti - UFSCar)
REPENSANDO O ENSINO NA UNIVERSIDADE
EM NOSSOS DIAS
Myrtes Alonso
Repensar o ensino na Universidade é apenas um dos desafios que se nos
apresenta neste momento de profundas transformações sociais, econômicas e culturais
uma vez que os seus reflexos são intensos na vida humana em todos os níveis e em
todos os setores de atividade.
As grandes transformações por que vem passando a sociedade neste final de
século tem se refletido de forma intensa na vida humana, desafiando as organizações e
as instituições para a necessidade de mudanças radicais em seus propósitos, em suas
políticas, em suas estruturas e em seus procedimentos. No plano individual, as
consequências não são menores: se, por um lado oferecem novas oportunidades e
facilidades na realização do trabalho e aquisição do conhecimento, por outro lado,
abalam as crenças, os valores, os hábitos estabelecidos, ao mesmo tempo que provocam
tensões, incertezas, e podem ocasionar deteriorização nas relações interpessoais.
Na verdade estamos vivendo uma nova era, a pós-modernidade, segundo
alguns, sociedade pós-capitalista, segundo outros, marcada pela incerteza e
provisoriedade e também pelo papel central do conhecimento e do significado que
ele ganha na economia, na produção e na inúmeras outras áreas que compõem o social.
Todos esses fatos concorrem para a mudança de paradigmas, dos quadros de
referência em que as pessoas e a sociedade em geral estavam apoiados. A própria
ciência que sempre trabalhou com certezas, definições não contestáveis, tem que
enfrentar agora uma difícil realidade: a relatividade do conhecimento, o seu caráter
provisório e contestável.
A década de 90 vem se caracterizando pela privatização das empresas estatais,
pela globalização da economia, pela urbanização crescente, pelos novos sistemas de
informação e comunicação, fatos esses que, se de um lado, propiciam avanços e
progressos, por outro lado, desencadeiam consequências muitas vezes desastrosas,
como o desemprego, o aumento das desigualdades sociais, o conflito e a tensão.
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Essa nova era que vem se apresentando de forma radical, por afetar
profundamente a vida das pessoas e o seu inter-relacionamento, também gera a
perplexidade, fruto da dúvida e da incerteza, provocando progressos e retrocessos.
NAISBITT refere-se a esse estado de perplexidade e às contradições em que se
apresentam, como um paradoxo, o “paradoxo global”. A questão que se torna mais
clara se atentarmos para os efeitos da globalização que permitia manter certas
expectativas de aproximação dos povos e das nações; entretanto, observa-se que a
composição dos blocos para fins econômico-financeiros convive com disputas
nacionais, nas quais questões culturais, radicais ou mesmo religiosas falam mais alto,
exigindo soluções próprias, locais. Verificamos então que o universal convive com o
local, de certa forma contraditória. Em termos políticos também, observa-se a presença
do paradoxo, aceitando-se a globalização de forma restrita, desde que não conflito com
interesses nacionais e/ou locais para a definição de suas políticas e solução de seus
problemas mais imediatos (Naisbitt, 1995).
É preciso destacar, nessa nova sociedade, o papel central do conhecimento, fator
decisivo para a produção, exigindo toda sorte de reformulações), inclusive a produção
de bens e serviços. O recurso econômico básico, ou “meios de produção”, no dizer dos
marxistas, não é mais o capital, nem os recursos naturais, nem mesmo a mão-de-obra,
mas sim o conhecimento. O “valor” é criado pela produtividade e pela capacidade
de inovar, aplicando o conhecimento ao trabalho. Os “trabalhadores do
conhecimento”, na expressão de DRUCKER, serão os executivos que sabem alocar
conhecimento para usos produtivos. Dessa forma colocam-se alguns desafios para essa
“nova sociedade”: a produtividade do trabalho com conhecimento e a formação do
trabalhador do conhecimento”. Ao mesmo tempo terá que ser enfrentado um duplo
desafio social: conseguir a dignidade dos “trabalhadores em serviços” e transcender à
dicotomia “intelectuais” e “gerentes”, chegando a uma síntese dos dois (Drucker, 1993).
Explicitando as idéias do mesmo autor: para que haja produtividade do
conhecimento é preciso produzir conhecimentos científicos e técnicos, transformandoos em empregos, exportações e posição no mercado. Além disso é preciso investir na
produção de novos conhecimentos, inovações, pois, não basta que os novos
conhecimentos permaneçam como informações, é preciso torná-los produtivos. Porém,
isso tudo requer esforço sistemático e um alto grau de organização, requer ainda,
descentralização e diversidade. Observe-se ainda que o conhecimento somente será
produzido se for aplicado de forma a fazer uma diferença em relação ao já existente
(Drucker, 1993).
Do ponto de vista econômico, é o mercado que define as necessidades,
portanto, é preciso estar atento para as novas tendências e para as alterações constantes;
isso impõe a substituição do sistema fabril e da produção de massa, nos moldes
Taylorista - Fordista, por sistemas mais eficazes, capazes de se reajustar com rapidez às
alterações do mercado. É a produção “enxuta” que se busca e é o consumidor
3
informado, capaz de escolher, selecionar e comparar que está ditando as regras do
jogo.
Não há mais lugar para estruturas rígidas, para organizações enormes
conformadas à padronização. Agora importa ser diferente, produzir novidades, ser
criativo e ao mesmo tempo ser eficiente, atingir com rapidez o objetivo. Para tanto,
é preciso estar informado e bem informado, saber como obter as informações
necessárias, como selecioná-las e o que fazer com elas. Não importa o tipo de atividade
que se exerça, a capacidade de inovar, de produzir conhecimentos novos e de saber
aplicar o conhecimento de forma útil, são requisitos indispensáveis na era da
informática e da telecomunicação.
A centralidade do conhecimento na produção é um fato que vem se
desenvolvendo nos últimos anos de forma acentuada, sobretudo nos países mais
desenvolvidos. Esse fato requer um processo de reestruturação total das empresas, agora
em torno do conhecimento e da informação. Aqueles que conseguiram fazer isso com
uma certa rapidez foram os que conseguiram crescer. A tendência já bastante
desenvolvida em países do primeiro mundo é das empresas se associarem às instituições
de pesquisa e de forma a manter-se informadas sobre as mais recentes descobertas
científicas e suas aplicações, antecipando-se assim à introdução de inovações e
oferta de novos produtos ou serviços.
Outro aspecto a ser considerado com relação ao conhecimento é a rapidez com
que circulam as informações e a sua disseminação na sociedade, permitindo que todos
tenham acesso a elas, desde que saibam utilizar os instrumentos de informação
existentes e sejam capazes de ir buscar as informações desejadas. De qualquer forma, e
é isso que importa ressaltar, as pessoas têm à sua disposição informações de todos os
tipos, em várias situações sociais, independentemente de estarem na escola.
Portanto, a escola deixou de ser o único local ou o melhor para obter
informações, embora na escola existam outras oportunidades de convívio e
socialização, de maior interação com os de mesma faixa de idade, participando de
experiências diversas além daquelas oferecidas em sala de aula. Entretanto, à medida
que os meios de divulgação se ampliam e as oportunidades de obter informações
atualizadas se multiplicam, a escola perde a importância enquanto simples
transmissora de elementos do saber existente, mesmo porque essa função se torna
cada vez mais precária no ambiente escolar, em virtude da existência de conteúdos
fixos, selecionados a partir de conhecimentos desatualizados, dada a rapidez com que
eles sofrem alterações no âmbito das ciências. Isso não significa dizer que a escola nada
mais tem a fazer, significa apenas que ela precisa rever-se e encontrar o verdadeiro
sentido de sua tarefa no mundo atual.
Atentar para a existência de inúmeros outros espaços de conhecimento além
daquele tradicionalmente reservado para a escola significa tomar consciência dos
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estreitos limites em que trabalha a escola relativamente à complexidade da
sociedade pós-moderna. Significa também dar-se conta da necessidade de preparar os
jovens para construírem o seu próprio saber, de forma útil para si e para sociedade,
fazendo um uso adequado de todos os meios e recursos existentes para obter as
informações básicas com os quais terá que ir construindo e reconstruindo o seu
conhecimento. Nesse sentido a escola tem um importante papel a desempenhar,
concentrando a sua atenção no processo de aprendizagem, isto é, a forma como as
pessoas aprendem e para as suas necessidades efetivas de aprendizagem.
As mudanças que vêm ocorrendo em todos os campos do saber e na sociedade
em geral estão levando o modelo de educação escolarizada, - que ocorre numa faixa
etária do indivíduo e num determinado espaço físico, apoiada no tecnicismo e na
especialização, - a ceder lugar à educação continuada ou educação permanente, que
dá importância ao sujeito da educação, à reflexão e a aprendizagem e a sua
aplicabilidade à vida social, fundamentada em princípios de cidadania e liberdade.
Tudo isso deve configurar-se num programa de educação por toda a vida, na
busca de um crescimento pessoal e também de redução das desigualdades sociais,
sempre aproveitando todas as oportunidades oferecidas pela sociedade. Não se trata
aqui da educação permanente em contraposição à educação inicial, o que se pretende é
uma aproximação à idéia de uma “sociedade educativa”.
Ocorre, então, que aprendizagem e trabalho são coisas que devem coexistir no
tempo, uma complementando a outra. A educação para toda a vida é uma conseqüência
necessária de uma sociedade onde tudo o que se sabe é provisório, está sujeito a
alterações. Isso supõe ainda uma nova atitude por parte das pessoas, uma disposição
para rever e reconstruir o seu saber, uma atitude de abertura para ouvir, para considerar
pontos de vista diferentes do seu.
Mudar a educação significa mudar o modo de concebê-la e de entender o ensino,
é reconceber todo o processo educativo, redefinindo a função social da escola à luz
das transformações atuais por que passa a sociedade e das exigências decorrentes. O
papel tradicionalmente assumido pela escola, enquanto preservadora e transmissora do
conhecimento acumulado pela humanidade é questionado e, em seu lugar, propõe-se
uma missão muito mais complexa, dinâmica, de organizadora e orientadora do
processo de formação e desenvolvimento dos alunos.
As novas formas de encarar a educação na sociedade atual estão suportadas pela
compreensão de que o conhecimento é uma apropriação individual, que ele se
constrói em cada pessoa à custa de informações, mas sobretudo de experiências,
vivências reais que se articulam aos elementos de informação adquiridos de forma
a permitir novas elaborações pessoais com significado próprio.
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Conforme pode-se perceber, trata-se de um novo paradigma para a
educação, em que o aprender fica no centro das preocupações e a aprendizagem
ganha novo significado. Longe de ser vista como a simples aquisição e acumulação de
conhecimentos, em que a transmissão de informações adquire papel relevante, a
aprendizagem é agora concebida como um processo de apropriação individual que,
embora se utilize das informações, o faz de forma totalmente diferente, pois, supõe
que o próprio educando vá buscá-las, saiba selecioná-las de acordo com as suas
próprias necessidades de conhecimento.
Fala-se hoje em “paradigma educacional emergente” (Moraes, 1997) quando se
propõe uma mudança no foco de atenção da escola e em sua missão: atender ao
aprendiz, ao estudante, definido aqui como um ser singular, indiviso, ser de relações,
por estar no mundo e com o mundo. Esse ser inconcluso, que está em busca permanente
de alguma coisa não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, porque
é nessa relação com o mundo e com os outros que ele constrói o seu conhecimento e
organiza a sua experiência.
O conhecimento, por sua vez, não se origina na percepção e na sensação, mas na
ação endógena do sujeito sobre o objeto.
Na concepção construtivista do conhecimento e, segundo Piaget, o organismo
capta o estímulo e somente modifica o seu esquema de ação ( já existente) se ele for
insuficiente para manter o organismo adaptado, ou seja, para obter a sua reequilibração,
pois, é o desequilíbrio que gera a força propulsora do desenvolvimento. Entretanto, esse
desequilíbrio precisa ser significativo, ou seja, deve ser importante para o indivíduo,
caso contrário, a aprendizagem não acontece.
Cabe ao educador, portanto, criar
esses desequilíbrios, dentro dos limites convenientes, para estimular a
aprendizagem(Moraes, 1997,135 ... )
Nesse movimento de equilibração o aprendiz procura estabelecer relações com o
meio externo e descobrir, por si mesmo, as soluções para os problemas enfrentados,
portanto, é um movimento de crescimento, de autonomia e o que se pretende hoje, em
educação é exatamente isso, criar condições para um processo autônomo de
desenvolvimento individual.
Educar consiste, pois, em promover condições básicas para que isso aconteça,
desenvolvendo atitudes de investigação e competência para criar a própria competência.
Para conviver com a incerteza é necessário aprender a aprender, o que implica saber
refletir, analisar e tomar consciência do que sabemos além da disposição para mudar
conceitos, idéias, conhecimentos.
É preciso considerar ainda as novas maneiras de conceituar a inteligência e as
formulações teóricas que se desenvolvem em tomo desses conceitos. Isso nos alerta
para a questão das inteligências múltiplas de Gardner e para o conceito de inteligência
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emocional de Goleman a partir dos quais amplia-se bastante o sentido atribuído à
atividade inteligente. Se, para o primeiro, a inteligência deixa de ser identificada com
capacidades de abstração e raciocínio lógico, para incluir outras dimensões (8
competências) "a capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que sejam
valorizados dentro de um ou mais cenários culturais"(In Moraes, 1997, p. 157),
admitindo assim, diferentes formas de cognição que vão desde a lógico-matemática até
a musical ou a corporal-cinestésica, então é necessário admitir diferentes respostas ou
possibilidades de reação dos alunos frente aos tipos de conhecimento almejados pela
escola. Isso implica sérias mudanças nas expectativas dos professores com relação à
aprendizagem.
Assim colocada a questão da aprendizagem é fácil verificar que o papel antes
reservado para o professor sofre mudanças profundas: em primeiro lugar ele passa a ser
um aprendiz junto com o aluno e o seu conhecimento toma-se alvo de constantes
elaborações fruto de um processo de investigação constante; mudando a sua relação
com o conhecimento deverá mudar também a relação e atitude com os alunos,
incentivando o diálogo, a troca de experiências, a abertura para novas formas de
conhecimento. Por conseqüência alteram-se as relações de autoridade entre o professor
e os alunos e o processo de avaliação assume novas características, passando de
controlador para diagnóstico.
Além disso, a aprendizagem inteligente e útil para o cidadão não se restringe ao
cognitivo. Vai além disso. Pretende que os estudantes sejam capazes de tomar esse
conhecimento produtivo, o que exigirá deles uma habilidade de transformar em
ação aquilo que aprendem, ação que deverá ter uma dimensão social importante na
medida em que deverá ser compartilhada com outros. Nesse sentido, o que se
pretende é expandir os objetivos educacionais para além da escola, colocando-os
sobre bases totalmente novas.
Para concretizar essas idéias acreditamos que a instituição escola deva passar
por um processo de desconstrução, semelhante ao que ocorreu nas empresas e que está
acontecendo nas instituições governamentais, estatais. As mudanças na escola terão
que ser profundas, atingindo desde a sua estrutura geral, a organização do trabalho
escolar, a distribuição do tempo e do espaço, até a forma de conceber e definir o
currículo, a ação docente e a participação dos alunos.
Mudar a educação significa mudar o modo de concebê-la e de entender o ensino,
e reconceber todo o processo educativo, redefinindo a função social da escola à luz
das transformações atuais por que passa a sociedade e das exigências decorrentes O
papel tradicionalmente assumido pela escola, enquanto preservadora e transmissora do
conhecimento acumulado pela humanidade é questionado e, em seu lugar, propõe-se
uma missão muito mais complexa, dinâmica, de organizadora e orientadora do
processo de formação e desenvolvimento dos alunos.
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Ao invés de passar informações, geralmente desatualizadas e descontextuadas
ela terá de se ocupar do aprender a aprender, de levar o aluno à construir o seu
próprio conhecimento, mantendo-se alerta para as revisões e ampliações necessárias.
O que se pretende é que a escola faça o aluno pensar, estimule as suas
faculdades, crie oportunidades de utilizar os seus talentos, respeitando os diversos
modos de aprender e de expressar, em suma, a escola terá que ser um espaço de
produção e aplicação do conhecimento. Nessa escola o professor não é mais a
autoridade que decide o que deve ser aprendido e ensinado, ao contrário, ele é muito
mais o parceiro, muitas vezes o aprendiz que, juntamente com os seus alunos,
pesquisa, debate, descobre coisas novas. Ao invés do trabalho isolado do professor, ele
se toma membro de uma equipe com os mesmos interesses e a mesma vontade de
conhecer, de ampliar o seu horizonte e de se desenvolver.
Constatamos, entretanto, que da parte dos educadores em geral, de suas
entidades de classe e, sobretudo, das próprias instituições educacionais, existe ainda
muita resistência ao processo de mudança, sobretudo, a uma mudança mais profunda.
Ainda que os educadores mais atuantes e perspicazes se proponham ao debate, à
discussão dos problemas decorrentes nas novas realidades sociais e de suas implicações
para a formação dos jovens, as instituições geralmente refreiam seus impulsos
transformadores, movendo-se de forma mais lenta, colocando restrições de todo tipo.
Ao contrário das empresas modernas que estimulam o aparecimento de novas idéias,
chegando mesmo a criar ambientes favoráveis à discussão dos novos projetos, as
escolas/universidades em geral, se mostram temerosas frente ao novo e preferem
aguardar iniciativas oficiais que dêem respaldo às mudanças propostas. Muitas vezes
devido a questões de política interna das instituições ou pelo receio de medidas
repressivas por parte das autoridades educacionais, ou ainda por se sentirem presas das
malhas burocráticas, a verdade é que, a educação é o setor que tem se mostrado mais
resistente à introdução de mudanças na organização do ensino, na configuração do
trabalho escolar ou mesmo na maneira de conceber a sua missão e as suas
responsabilidades no contexto socio-econômico-político atual.
Certamente esses novos modos de conceber o ensino e a aprendizagem supõem
uma nova atitude por parte dos professores, dos alunos e de toda a equipe escolar;
requer ainda, um clima favorável à mudança, altamente motivador tanto para o
professor como para o aluno e acima de tudo, um ambiente facilitador, sem pressões
nem constrangimentos, onde o medo de errar, a tensão inevitável e a competição cedem
lugar para o companheirismo, a lealdade, a solidariedade e o desejo de contribuir para
uma grande causa: a educação.
Diante desse quadro mundial e das necessidades que se colocam para a educação
espera-se que os sistemas de ensino, nas reformas que promovem, orientem-se por uma
visão prospectiva antes que conservadora e que não ignorem as grandes mudanças que
estão ocorrendo na sociedade, afetando profundamente o mercado de trabalho.
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Significa dizer que é preciso voltar-se para "o cliente", no caso, para todo cidadão aluno ou não - em todas as faixas de idade, procurando compreender e atender às suas
necessidades atuais de formação.
Mas, afinal de contas, o que podemos fazer de concreto? De nada adianta
tomarmos consciência dessa realidade, se nos sentirmos impossibilitados de agir, se
continuarmos encarando o nosso trabalho de educadores numa perspectiva
conservadora, onde o essencial é definido de forma burocrática, nos moldes em que as
nossas instituições foram concebidas e organizadas no passado. Acredito que após
refletir sobre toda essa situação não poderemos nos furtar a algumas questões
essenciais, tais como:
O que é preciso fazer para preparar os jovens, para enfrentarem os desafios
deste final de século? Que coisas eles devem aprender e saber para serem bem
sucedidos enquanto pessoas, cidadãos e profissionais?
Qual o papel da Universidade nesse contexto? Que mudanças são
necessárias e em que nível elas terão que ocorrer?
Com certeza não temos as respostas prontas para desencadear um processo de
mudança nos termos em que ela deve ser concebida. Mesmo porque a mudança
somente ocorre como produto das consciências que foram despertadas e do desejo das
pessoas de encontrar melhores caminhos para aquilo que estão fazendo, mesmo sabendo
que esse envolvimento será doloroso, conflituoso e repleto de tensões. Além disso, não
se promovem mudanças efetivas sem que haja rupturas e elas terão que ser produzidas
no contexto real em que se dá o processo, são produto de uma realidade concreta e não
de uma formulação abstrata dessa realidade, portanto, não existem receitas prontas para
serem aplicadas e que mostrem como proceder.
Ainda assim, é possível levantar idéias, sugestões que possam orientar os
educadores em geral quanto às questões objeto de mudanças necessárias, tanto em
termos de fundamentos como de análises da questão educacional, sobretudo quando
essas sugestões provém de pesquisas realizadas sobre o assunto com a mesma
finalidade.
As sugestões que apresentamos a seguir provém de diferentes fontes: da
literatura atual que faz a crítica da educação e da escola brasileira; dos grupos
diretamente interessados na preparação dos jovens para atender às exigências do
mercado - os empresários - das associações de classe mais orientadas para os problemas
da modernidade, dos próprios sindicatos que lutam para equacionar o problema do
desemprego; de grupos diversos que se constituem na sociedade motivados por todos
esses problemas sociais e que hoje se voltam para a questão da empregabilidade e
também, por certo, dos educadores.
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A UNESCO, em seu Relatório de 1996 - sob a coordenação de Jacques Delors refere-se às aprendizagens fundamentais para esta sociedade, em termos dos quatro
pilares do conhecimento:
• aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; não se
trata apenas de adquirir conhecimentos, mas dominar os instrumentos do
conhecimento; é o aprender a aprender;
• aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; não se trata de
competência material para executar um trabalho, mas sim de uma combinação
de competência técnica com a social (capacidade de trabalhar em equipe,
iniciativa, etc.)
• aprender a viver em comum, cooperar, participar de projetos comuns.
• aprender a ser, é essencial e integra os três anteriores, envolve discernimento,
imaginação, capacidade de cuidar do seu destino (Unesco, 1996)
Algumas sugestões são oferecidas, pelos autores, ao professor, no sentido de
promover a mudança desejada:
• a reflexão sobre a prática
• a reorganização do processo de ensino de forma a garantir a relação teóricoprática, onde a prática deve ser a geradora das teorias, antes que ao contrário;
• a relação entre os conteúdos de ensino e as experiências e necessidades de
aprendizagem dos alunos;
• a atitude interdisciplinar diante do conhecimento
• o incentivo à investigação para a descoberta das soluções;
• o diálogo, a troca de experiências;
• a participação ativa nas decisões relativas ao currículo e à organização do
ensino, na criação de condições favoráveis para que ele ocorra.
Quanto às responsabilidades atuais da Universidade, o Relatório assim as define:
- como local de ciência, como fonte de conhecimentos, com vistas à investigação
teórica ou aplicada, ou à formação de professores;
-como meio de adquirir qualificações profissionais, conciliando ao mais alto
nível, o saber com o saber-fazer, de acordo com cursos e conteúdos constantemente
adaptados às necessidades da economia;
- como recinto privilegiado da educação ao longo de toda a vida, abrindo as
portas aos adultos que desejem retomar os seus estudos, adaptar e enriquecer os seus
conhecimentos, ou satisfazer o gosto de aprender em qualquer domínio da vida cultural;
- como parceiro privilegiado duma cooperação internacional, que leve ao
intercâmbio de professores e alunos e facilite, graças a cursos de caráter internacional, a
difusão do que de melhor se faz no campo do ensino."1
1
Jacques Delors e outros, Educação um tesouro a descobrir, Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI, Edições ASA, Lisboa, 1996.
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Segundo autores espanhóis encarregados de fazer propostas reformadoras 3
traços importantes devem ser destacados na concepção de Universidade:
• é uma instituição especializada em realizar indagações e proposições pertinente
de diferentes aspectos da realidade natural e social, na base das diferentes
disciplinas. Supõe esquemas de observação que devem ser adequadamente
definidos;
• é uma instituição que se estrutura em tomo do conceito de comunicação: entre
os diferentes níveis representados pelo alunado, professorado, a sociedade e as
diferentes comunidades científicas;
• do ponto de vista das funções da Universidade, ela deveria cuidar da formação
do professor universitário centrada na questão do ensinar a ensinar.
Ainda que sejam muitos os desafios educacionais, convém destacar os
fundamentos básicos de todas as propostas e que, na verdade lhe dão sustentação, dadas
as inúmeras contradições do mundo pós-modemo e a necessidade de compatibilizar
coisas aparentemente incompatíveis, tais como: competição versus solidariedade,
universal e local, material e espiritual, ter idéias próprias e respeitar posições diferentes,
etc. Nesse sentido a recomendação que se faz e que, na verdade constitui um grande
desafio para a educação é, entre outras coisas: transformar a interdependência real em
solidariedade, preparar o indivíduo para se compreender e ao outro, propiciar um
melhor conhecimento do mundo; ajudá-lo a descobrir os fundamentos de sua cultura.
Para tanto, torna-se importante o desenvolvimento das capacidades e talentos pessoais,
valorizando a dimensão ética e cultural da educação.
Mas, talvez "o maior desafio da modernidade seja a produção do conhecimento e
o seu manejo criativo e crítico. A produção e o domínio da informação caracterizam o
dinamismo econômico das sociedades mais desenvolvidas. Os graus quantitativo e
qualitativo de informação de que cada nação dispuser são o que as habilitará a integrar o
novo sistema eletrônico de bens e serviços, de produção e distribuição de riquezas.
(Moraes, 1997,p. 189).
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
CORREIA, J, A., Inovação Pedagógica e Formação de Professores. ASA, Rio Tinto,
Portugal, 1989.
DELORS J. et. al , Educação- um tesouro a descobrir, Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI
Edições ASA,
Portugal, 1996.
11
DOWBOR, Ladislau, " Educação, Tecnologia e desenvolvimento", ln BRUNO, L.
(org.), Educação e trabalho no capitalismo contemporâneo. Atlas, S. Paulo,
1995.
DRUCKER, P., Sociedade pós-capitalista, Pioneira, S. Paulo, 1993.
ESTEVES, J. M., " Mudanças sociais e função docente", ln NÓVOA, A., A profissão
professor. Porto ed., Lisboa, 1991.
HARGREAVES A., Professorado, cultura y postmodernidad. Morata, Madri, 1995.
MORAES, M. C., O Paradigma educacional emergente. Papirus, Campinas, S.P., 1997.
NAISBITT J., Paradoxo global, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1994.
NÓVOA, A. (org.), Profissão professor, Porto ed., Portugal, 1991.
_________ (org.), Os professores e a sua formação, Publ. Dom Quixote, I.I.E.,
Lisboa, 1992.
PERRENOUD, P., Práticas Pedagógicas, Profissão Docente e Formação. Publi. Dom
Quixote,l.l.E., Lisboa, 1993.
SACRISTÁN, J.G. & GOMES, A. Perez. ( org.), Comprender y transformar Ia
enseiianza, 3a. ed., Madrid, Morata, 1994.
SCHAFF, A., A sociedade informática. 4a.ed., São Paulo, Unesp/Brasiliense, 1993.
TOFFLER, A., Powershift, Rio de Janeiro, Record, 1990.
12
SÍNTESE DA PALESTRA - VISUAL
CENÁRIO - PÓS-MODERNIDADE
CARACTERÍSTICAS
• GLOBALIZAÇÃO
• INSEGURANÇA
• URBANIZAÇÃO
• AMPLIAÇÃO DOS SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
• PROVISORIEDADE
• INCERTEZA
• RELATIVIDADE DO CONHECIMENTO
PARADOXOS
GLOBAL - UNIVERSAL
↓
UNIÃO, SOLIDARIEDADE
COOPERAÇÃO
↓
ECONÔMICO
↓
MODERNIDADE
X
LOCAL, REGIONAL
↓
DIVERSIDADE DE INTERESSES
COMPETITIVIDADE
↓
CULTURAL
↓
TRADIÇÃO
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OS ESPAÇOS DO CONHECIMENTO
INFORMAÇÃO
X
CONHECIMENTOS
INFORMAÇÕES
↓
ESCOLA
↓
↓
TRABALHO
↓
↓
↓
↓
MÍDIA
CULTURAIS
SOCIEDADE
↓
↓
↓
INDIVÍDUO
↓
TRANSFORMA - ELABORA - PRODUZ
↓
CONHECIMENTOS = PRODUÇÃO INDIVIDUAL
↓
APLICA - TRANSFORMA - CRIA NOVOS
↓
RECURSO BÁSICO DA PRODUÇÃO
TRABALHADOR DO CONHECIMENTO
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ESCOLA TRADICIONAL
LOCAL PRIVILEGIADO PARA AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO
INFORMAÇÃO - CONHECIMENTO
PROFESSOR - TRANSMISSOR DE CONHECIMENTO
ALUNO - RECEPTOR PASSIVO
ESCOLA RENOVADA
ORGANIZADORA - SISTEMATIZADORA DO CONHECIMENTO
ORIENTADORA DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DOS ALUNOS
PROFESSOR - INVESTIGADOR - INSTIGADOR - PROVOCADOR DE
DESEQUILÍBRIOS SIGNIFICATIVOS
15
CARACTERÍSTICAS DO ENSINO NUMA PERSPECTIVA ATUAL
PROCESSO DE BUSCA E DE CONSTRUÇÃO CIENTÍFICA E CRÍTICA DO
CONHECIMENTO QUE REQUER
• DOMÍNIO DE CONHECIMENTOS, MÉTODOS E TÉCNICAS
CIENTÍFICAS A SEREM ENSINADOS CRITICAMENTE
• INTEGRAR O ENSINO À PESQUISA - AUTO-APRENDIZAGEM
• LEVAR O ALUNO A ADQUIRIR AUTONOMIA PROGRESSIVA
• ESTRATÉGIAS PARA RESOLVER PROBLEMAS SIMPLES DE
ORGANIZAÇÃO E CONTROLE DA SITUAÇÃO DE CLASSE
16
PRÁTICA PEDAGÓGICA
• NÃO É A CONCRETIZAÇÃO DE UMA TEORIA OU DE UM
CONJUNTO DE RECEITAS
• É UMA SUCESSÃO DE MICRO-DECISÕES TOMADAS A PARTIR DE
• ESQUEMAS GERADORES DE DECISÃO EXISTENTES - “HABITUS”
• A REFLEXÃO POSTERIOR SOBRE A PRÁTICA PODE AJUDAR O
PROFISSIONAL A TOMAR CONSCIÊNCIA DOS PROCESSOS
UTILIZADOS
TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
TRADUÇÃO PRAGMÁTICA DOS SABERES PARA TORNÁ-LOS
ENSINÁVEIS E PASSÍVEIS DE AVALIAÇÃO PARA UM
CONJUNTO DE ALUNOS EM UMA DADA SITUAÇÃO
Formação na Universidade: novas perspectivas ou
algumas reflexões sobre a Universidade como uma organização que
aprende
Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali
“Para aprender, você precisa fazer, e lutar contra o
que o impeça de fazê-lo, pois assim você pode mudar sua
base de conhecimento e tentar novamente”.
Roger Schank
O tema desta mesa-redonda me parece extremamente pertinente tendo em vista
que a Educação tem sido conduzida para a linha de frente dos debates na sociedade em
geral e se encontra em processo de avaliação dos cursos de graduação em nossa
universidade.
No mundo como um todo, e não apenas no Brasil, ao longo dos últimos anos
vêm se acumulando queixas referentes ao nível de desempenho e eficiência dos
diferentes sistemas educacionais sobretudo no que tange à qualidade dos recursos
humanos por tais sistemas produzidos.
Embora o volume de oferta de ensino fundamental e médio em nosso país, ao
longo das últimas décadas, venha aumentando de modo significativo - atualmente cerca
de 88,5% do conjunto de crianças de 7-14 anos (IPEA, 1997)2 e aproximadamente 15,8
% da população de 15-19 anos tem acesso à escola (Luschei, 93-94)3 e a cobertura
do ensino superior era em 1991 de 7,9 habitantes por mil (IPEA, 1997)4- o mesmo não
pode ser dito com relação à qualidade do ensino ministrado.
De modo mais específico, os debates atuais sugerem que os sistemas
educacionais responsáveis por esses níveis de ensino não acompanham as
exigências de um novo modelo de desenvolvimento das nações incluindo as
transformações sociais centradas na informação, o estabelecimento de novos meios de
produção, o surgimento de inovações tecnológicas e nas relações de trabalho, o avanço
científico acelerado, as mudanças na natureza da vida cotidiana, o surgimento de
relações sociais globalizadas, entre tantos outros aspectos.
2
BRASIL. Ministério do Planejamento e do Orçamento. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O
Brasil na virada do milênio. Brasília: IPEA, 1997
3
Luschei, T - Public Secondary Education in Brazil. PRP PAPERS (1993-1994) http:/www.luschei_fn.html em lanic.utexas.edu
4
Op.citada
18
A Universidade não está isenta de tais críticas. Tendo em vista o seu papel de
“depositária e criadora de conhecimentos ...e instrumento principal de transmissão de
experiência cultural e científica acumulada pela humanidade” e a importância cada vez
maior atribuída ao seu papel no desenvolvimento da sociedade - sob a forma de
programas, de formulação de políticas e da formação de recursos humanos - cada vez
mais adquire importância a qualidade do ensino ministrado, seja ela voltada para a
formação básica ou continuada de profissionais (Delors, 1996)5 .
Para enfrentar dificuldades e pressões tais como as atuais não tem sido
incomum a adoção de novas políticas educacionais na perspectiva de melhorar a
efetividade do ensino na direção de metas que pretendem superar os fatores
determinantes de tais quadros. Como resultado tem-se observado que sistemas
educacionais lutam bravamente para implementar as mudanças prescritas,
freqüentemente sem muitos recursos e muitas vezes sem a total clareza dos objetivos
reais propostos e, conseqüentemente, sem muito sucesso.
Já que a efetivação de qualquer política educacional é realizada, em última
instância, na sala de aula e os seus principais agentes são os professores, parece-me que
a eles deve ser dado um papel de destaque nos processos de determinação e
implementação de novas políticas educacionais seja qual for o nível a que elas se
refiram.
Este enfoque implica na estimulação de um debate interno ao sistema
educacional em pauta e o delineamento de um planejamento que promova um quadro de
referências coerente a ser negociado, compreendido e aceito por todos e desse modo
plenamente implementado.
Para tanto, parece necessário o desenvolvimento de uma cultura (aqui
entendido como o complexo de padrões de comportamento, de crenças, de valores e de
materiais transmitidos coletivamente e característicos de um grupo) que estabeleça um
clima para que o debate aberto e colaborativo possa ocorrer bem como o autodesenvolvimento de seus membros.
Em outras palavras, isso significa que o sistema ou instituição educacional se
perceba como uma organização6 que aprende.
Para discutir este conceito vou me basear nas idéias de Argyris e Schön (1996)7.
Segundo estes autores a aprendizagem organizacional inclui: aprender com seus
5
Delors, J. (Org) - Da educação básica à universidade. In: J. Delors (Org.) Educação um tesouro a
descobrir. (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século
XXI).Rio Tinto, Portugal, Edições ASA, 1996, 119-129.
6
De acordo com Argyres e Schön (1996) uma organização se caracteriza quando há procedimentos em
comun acordo entre seus membros que permitam a tomada de decisões em nome da coletividade; a
delegação a alguns membros da autoridade para agir pelo coletivo e a existência de um conjunto de
limites entre esta coletividade e o resto do mundo.
19
resultados (produto), isto é adquirir informações (conhecimentos, compreensões,
know-how, técnicas ou práticas); aprender com os processos, isto é, o modo pelo qual
estes resultados foram obtidos (processo) ou seja como foram adquiridos, processados e
estocados as informações e inclui ainda o aprendiz, a quem este processo é imputado.
A aprendizagem, nestes termos, pode ser atribuída a agentes externos ou
internos da organização, ou mesmo a própria informação, por exemplo quando se diz
que “novas idéias invadem uma organização”. Pode, ainda, fazer referência a um tipo
particular de aprendizagem que consiste na “desaprendizagem”: a aquisição de
informação para a subtração de alguma coisa (uma estratégia obsoleta, por exemplo) do
corpo de conhecimentos estocados pela organização.
Pode parecer estranho afirmar que a organização literalmente conhece, lembra,
pensa e aprende e por isso parece fazer sentido compreender o que uma organização é
quando se diz que aprende.
À primeira vista, pode parecer óbvio que desde que as organizações são
coletividades compostas por indivíduos, aprendem quando os
seus membros
individualmente ou uma certa fração deles aprende alguma coisa. No entanto esta
assertiva não se sustenta quando o conhecimento disponível por parte dos indivíduos
não fazem parte da corrente de pensamento e ação organizacional e, neste caso, a
organização sabe menos do que seus membros. Em outros casos, a organização parece
não aprender o que todos os seus membros sabem e, por exemplo, mudanças em
algumas rotinas deixam de ocorrer nos momentos adequados. Contrariamente há
situações em que a organização parece saber mais do que seus membros quando estes
poco correspondem a uma dada história ou prática de desempenho anterior.
Estas considerações sugerem o pensamento na organização que aprende em
termos de “ambientes organizacionais” nos quais os seus membros pensam e agem.
Pode-se acreditar na resolução desse problema tratando a aprendizagem organizacional
como uma prerrogativa de uma pessoa ocupante de funções de mando, que aprenderia
“pela” organização como um todo. Esta talvez não seja a melhor alternativa, pois não
é incomum que tais pessoas tenham dificuldade em comunicar aos seus subordinados as
lições que aprenderam por si só. Além disso, os cargos são passageiros.
Como alternativa, pode-se pensar em grupos de membros individuais como
agentes que aprendem “pela” organização ao qual pertencem. Aqui novamente, o
conhecimento gerado por um grupo de indivíduos pode não ser difundido na
organização como um todo e, mesmo quando os resultados do questionamento/da
investigação/da reflexão de um grupo é amplamente difundido, estas pessoas podem
não fazer parte dos debates e deliberações que afetam as políticas, programas e práticas
organizacionais.
7
Argyris, C. e Schön, D. - Organizational Learning II : Theory, Method, and Practice -New York:
Addison-Wesley Publishing Company, 1996.
20
Assim, para estes autores, uma organização que aprende é aquela em que cada
membro constrói a sua própria representação da teoria-de-ação implícita
no
desempenho de um padrão de atividade. Tal teoria não é dada, deve ser construída a
partir da observação de comportamentos governados por regras formais e informais que
orientam as decisões coletivas, as dinâmicas de delegação e afiliação. O membro da
organização continuamente empenha-se para completar o seu quadro de referências
pela descrição de sí próprio em relação aos outros na organização. À medida em que as
condições se alteram, cada membro refaz suas descrições. Existe uma rede mais ou
menos ajustada de imagens individuais sobre suas atividades no contexto de interação
coletiva.
Neste sentido, pode-se dizer que a aprendizagem organizacional ocorre quando
seus
membros
experienciam
uma
situação
problemática
e
questionam/investigam/refletem em favor da organização. Experienciam um desafio
entre o esperado e os resultados atuais das ações. Respondem a este desafio por meio de
um processo de pensamento e ação subseqüente que conduz à modificação de suas
imagens da organização, de suas compreensões sobre os fenômenos organizacionais
bem como à reestruturação de suas atividades de modo a tornar evidente os resultados e
as expectativas. O resultado de um tal processo é a modificação das teorias-de-ação em
uso. A fim de tornar-se organizacional, as aprendizagens resultantes dessa investigação/
desse questionamento/dessa reflexão devem trazer consigo as imagens organizacionais
mantidas por seus membros, assim como o ambiente organizacional deve trazer os
artefatos epistemológicos ou seja os princípios, hipóteses e resultados do
conhecimento acumulado que determinam os fundamentos lógicos, os valores e o
alcance objetivo deste conhecimento (como por exemplo os programas e registros ).
O produto de tais aprendizagens pode assumir várias formas e inclui:
a. interpretações das experiências passadas de sucesso ou fracasso;
b. inferências sobre as conexões causais entre as ações e resultados e suas
implicações para ações futuras;
c. descrições do ambiente organizacional em mudança e as demandas quanto ao
desempenho futuro;
d. análise dos limites e potencialidades de estratégias, de estruturas, técnicas e
de sistemas informacionais e de incentivo alternativos;
e. descrição de visões e interesses conflitantes que surgem na organização sob
condições complexas incertas;
f. imagens de realizações futuras e invenção de meios para atingi-los;
g. reflexão crítica sobre as teorias-de-ação em uso e propostas para a sua
reestruturação;
h. a descrição e análise das experiências da organização.
Os autores salientam que tais resultados somente podem ser considerados como
produtos de aprendizagem organizacional quando são acompanhados por mudanças nos
21
comportamentos indicativos de alterações nas teorias organizacionais de ação em uso
e, ainda, quando trazem consigo imagens individuais (memórias, mapas ou
programas) que estocam o conhecimento organizacional.
Ainda, segundo o seu ponto de vista, um sistema de aprendizagem
organizacional é feito a partir de estruturas que canalizam o questionamento/ a
investigação/ a reflexão organizacional e o mundo comportamental da organização
(qualidades, significados e sentimentos usualmente condicionantes do padrões de
interação entre os indivíduos na organização ou, por exemplo, do grau em que os
padrões interativos são amistosos ou hostis, competitivos ou cooperativos, produtivos
ou defensivos). Juntos, a estrutura e o mundo comportamental criam as condições sob
as quais os indivíduos interagem, estabelecendo os itens críticos s ser endereçados ou
evitados, os dilemas a ser enfrentados publicamente ou não e os pressupostos a ser
testados ou protegidos.
De modo mais específico, Schön e Argyres (1996)8 entendem por estruturas
organizacionais:
a. os canais de comunicação (fóruns para discussão e debate, padrões formais e
informais de interação);
b. os sistemas de informação, incluindo a mídia e tecnologias (o computador,
por exemplo);
c. o ambiente espacial da organização e as sua influência sobre os padrões de
comunicação;
d. procedimentos e rotinas que orientam o questionamento/a investigação/ a
reflexão individual e interativa;
e. os sistemas de incentivo que influenciam o desejo de participar de tal
processo.
De acordo com Bayle-Jardine (1994)9, um dos inúmeros autores que trabalham
com o conceito de cultura de aprendizagem organizacional, existem algumas
características que parecem favorecer a sua ocorrência:
a. a adoção um enfoque sistêmico, holístico, coerente e integrado evitando a
fragmentação;
b. o impedimento de um enfoque mecanicista arbitrário e não coordenado em
sua natureza com os objetivos aqui delineados e que retenha a energia construtiva fora
da organização ;
c. a promoção de um enfoque orgânico tratando a organização que aprende
como um organismo vivo que cresce por seus próprios impulsos em direção ao autodesenvolvimento;
d. a provisão de apoios para que orientar, facilitar e aumentar a aprendizagem
da organização e estimular o seu crescimento;
8
9
Op. Citada.
Bayne-Jarcine, C.- Supporting Self-Developing Schools. In: Colin Bayne-Jardine e Peter Holly (Ed.)
Developing Quality Schools. London: The Falmer Press, 1994, 3-10
22
e. a vazão aos impulsos criativos na direção do crescimento vindo de dentro e
específico de cada instituição escolar;
f. a aceitação do princípio de que não deve ser intervencionista, mas sim
construtivista. Diz muito mais respeito ao aprender do que ao ensinar.
A mudança comportamental oriunda da aprendizagem organizacional, de acordo
com Handy (1989)10, está é apenas uma outra palavra para o crescimento, outro
sinônimo para a aprendizagem “.... aprendizagem não é descobrir o que os outros já
sabem, mas solucionar nossos próprios problemas de acordo com nossos próprios
propósitos, pelo questionamento, pensamento e testagem da solução até que a solução
faça parte de nossa vida...” .
E uma organização que aprende necessita ter um modo formal para o
estabelecimento de questões, buscando teorias, testando-as e refletindo sobre elas de
modo continuado.
Um dos primeiros passos nesta direção seria a obtenção de dados sobre as
práticas correntes. No nosso caso seria a busca de um ensino de graduação de melhor
qualidade por meio de questionamentos, compreensões, estabelecimento de hipóteses
que podem ser traduzidas na busca de respostas à questões tais como: qual o perfil do
profissional que desejamos formar ? qual a filosofia de nosso curso? qual o seu projeto
pedagógico? qual currículo adotar? quais conteúdos são mais relevantes ? qual a
melhor maneira de ensinar estes conteúdos? como avaliar nossos alunos? como
trabalhar de forma construtiva os resultados dessas avaliações ?
Como exemplo de uma organização que está começando a aprender, temos o
curso de Engenharia de Materiais que recentemente realizou uma avaliação interna e
externa, após o reconhecimento de sua necessidade. Certamente após a compreensão
dos resultados obtidos, prioridades serão estabelecidas, planos de ação elaborados e
executados, conduzindo a uma nova fase de revisão das práticas correntes que informam
e influenciam o estabelecimento de novas prioridades e, assim por diante, num
processo contínuo.
No caso da nossa Universidade, propõe-se o estabelecimento de uma cultura em
permanente mudança na direção da melhoria da qualidade do ensino oferecido, que
permita tanto o aprender, como o como aprender sobre a aprendizagem e o como a
ensinar.
Para tanto, necessitamos colocar os professores da UFSCar no centro deste
debate e construir coletivamente-colaborativamente -cooperativamente a nossa cultura
organizacional de aprendizagem. Embora possa parecer paradoxal, se tem em mente
que estes profissionais quando considerados individualmente estariam “pensando e
10
apud Bayne-Jardine (1994) - p. 8 (Op. citada)
23
agindo” em nome da instituição e dessa maneira estariam passando por um processo de
aprendizagem (questionamento/investigação/reflexão organizacional). Este processo de
aprendizagem, por sua vez, conduziria à mudanças no mundo comportamental
individual e coletivo tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino ministrado.
São Carlos, outubro de 1997
COMPUTADOR COMO FERRAMENTA NA
REFLEXÃO NA FORMAÇÃO E NA PRÁTICA DE
PROFESSORES
Maria Elizabeth de Almeida
(PUC SP)
RESUMO: A atuação e a formação de Professores tem suscitado
importantes estudos e debates, cuja tônica incide na perspectiva centralista e
certificativa que caracteriza os programas de formação tradicionais. O presente
trabalho apresenta uma nova proposta de formação e de atuação, que não se
constitui em mera mudança de programas e de estratégias, mas sim em mudança de
paradigma, assumindo unta perspectiva de articulação entre formação e prática
pedagógica, na qual o computador é inserido como uma ferramenta de
aprendizagem e de reflexão na prática e sobre a prática.
25
1. INTRODUÇÃO
As profundas transformações com que se deparam os setores da atividade
humana são provocadas por fatores tais como a globalização, as alterações políticosociais e econômicas, as novas exigências do mercado de trabalho etc., que se acentuam
com a utilização de recursos computacionais e de telecomunicações. Esses recursos têm
um papel fundamental na redefinição e reorganização das instituições, uma vez que as
novas modalidades de representação, busca, seleção, tratamento e transmissão de
informações descortinam um novo universo de conhecimentos que fazem surgir novas
interpretações e construções da realidade.
Diante disso, o setor educacional enfrenta uma contradição de múltiplas
dimensões. Uma das dimensões refere-se às fortes pressões das demandas da sociedade
pela preparação de cidadãos aptos a atuar na sociedade informatizada. Outra dimensão
refere-se à situação de miserabilidade de parcela considerável da sociedade brasileira,
que cresce assustadoramente e que a escola não consegue qualificar e nem mesmo
manter em seus espaços. É necessário considerar a dimensão das demandas dos
profissionais da educação que também são multifacetadas. Se por um lado existem as
exigências de salários dignos e condições decentes de atuação profissional, por outro
lado, ocorrem denúncias sobre a obsolescência das práticas pedagógicas e sobre as
necessidades de transformações profundas no processo educacional.
Não se trata de propor meras reformas definidas pelo poder central com base na
racionalidade organizacional para serem implantadas na periferia do sistema, ou seja,
nas instituições educacionais, as quais geralmente não tomam parte na definição das
reformas, participando apenas como executoras que amoldam-se às novas orientações.
Tais reformas mostraram-se incipientes e não produziram os resultados esperados. Se
as instituições eram tomadas como um setor uniforme e não se consideravam suas
especificidades, também elas, não sendo envolvidas na definição das reformas,
continuavam na essência a atuar da mesma maneira, apenas adaptando sua prática usual
às novas orientações.
As propostas atuais de modernização da educação também não têm gerado a
necessária força de impacto para atender à essa realidade contraditória.
A
modernização pretendida pela gestão de qualidade total, embora prevendo uma
integração entre a qualidade do produto e a qualidade do processo, não tem atacado o
âmago da questão, restringido-se a otimizar as práticas tradicionais, sem questionar o
paradigma vigente.
Para fazer frente à realidade atual, complexa e contraditória, a educação precisa
atuar ao mesmo tempo nas distintas dimensões. Para isso não pode ater-se a adotar
novos métodos e estratégias de ensino, mas sim buscar modificar todo o funcionamento
do processo educacional a partir da perspectiva de que as instituições educacionais
26
devem ser um local onde se aprende, onde se prepara cidadãos para aprender a
aprender e onde se reflete sobre o aprender e o ensinar.
Nóvoa (l995) salienta o surgimento de projetos de melhoria e de mudanças das
escolas que indicam a adoção de princípios básicos, destacando-se a ótica de que a
escola deve ser considerada como uma unidade de mudança, na qual todos os atores são
envolvidos. A mudança caracteriza-se por uma atitude permanente e consciente porque
tem uma dinâmica contínua de regulação e avaliação.
Nessa redefinição organizacional é fundamental repensar o papel da educação,
seus valores, suas competências, sua estrutura o papel de cada um de seus atores:
professor, aluno, administrador e poder central, bem como definir uma política de
articulação entre os órgãos centrais e as instituições, que propicie condições à essas
últimas de inserir-se na sociedade do conhecimento. Para tanto é necessário o
desenvolvimento da autonomia e a busca da identidade institucional como unidade
singular, cujos projetos de ação se desenvolvem de forma coerente com suas opções de
inovação. A concretização de seus projetos ocorre através de programas de formação
contínua de pessoal, incluindo-se a preparação para o uso de recursos computacionais,
os quais permitem trabalhar o universo de conhecimentos emergentes na sociedade.
Para que a escola possa trabalhar com esse novo universo de conhecimentos é
necessário que seus atores tenham autonomia na busca e na seleção de informações
pertinentes à compreensão dos conhecimentos emergentes no contexto e à construção de
conhecimentos significativos de interesse de cada sujeito e da própria comunidade
escolar.
O computador é um importante recurso para a reflexão sobre a aprendizagem e
ensino e para a preparação de cidadãos para viverem e atuarem em um contexto onde a
aprendizagem permanente é uma exigência.
2. A REFLEXÃO EM EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO USO DO COMPUTADORES
A idéia primordial para uso dos computadores em educação embasa-se na
proposta skinneriana de aprendizagem por instrução programada através de máquinas
de ensinar, a qual continua sendo empregada na modelagem de situações de ensino e de
aluno ideal.
A partir das demandas da comunidade por uma educação que privilegie a
preparação de cidadãos aptos a utilizar os recursos computacionais em sua profissão,
observa-se uma crescente inserção de computadores em instituições educacionais, sem
contudo uma concreta integração ao processo pedagógico. Muitas instituições criam
uma nova disciplina em seu currículo visando preparar seus alunos para o domínio da
informática; outras incorporam os computadores aos seus espaços como mais um
27
recurso disponível, da mestria forma que outrora foram inseridos os recursos
audiovisuais, não refletindo sobre as possibilidades de contribuições significativas à
prática pedagógica.
Apesar da disseminação crescente de computadores em educação, pouquíssimas
transformações se pode observar. Os computadores não se constituem na característica
fundamental da transformação educacional, mas sua utilização adequada conduz a uma
mudança no fazer pedagógico e a um repensar no papel e na função da educação.
Drucker (1993: 151-153) enfatiza que não, será a tecnologia, e mais
especificamente o computador, a característica fundamental da transformação
educacional:
“(...) o mais importante será repensar o papel e a função da
educação escolar - seu foco, sua finalidade, seus valores (..) A
tecnologia será importante, mas principalmente porque irá nos forçar
a fazer coisas novas, e não porque irá permitir que façamos melhor as
coisas velhas”.
Para se repensar o papel da educação, o computador deve ser empregado como
uma ferramenta do processo educacional para a resolução de problemas ou a
implementação de projetos significativos que propiciam a reflexão e a construção de
conhecimentos, e que favorecem a identificação, a exploração e o desenvolvimento do
potencial intelectual.
Portanto, a abordagem de uso do computador em educação aqui adotada não se
refere à informatização do ensino, nem ao ensino de informática. Trata-se do uso do
computador como uma ferramenta que propicia a aprendizagem de conhecimentos sobre
diferentes áreas, não estabelecendo a dicotomia tradicional entre conteúdos, uma vez
que trabalha, com projetos ou com a resolução de situações-problema, ou
conhecimentos-em-uso11 (Papert, 1985, 1994).
Papert (l985,1994), embasado nas idéias piagetianas sobre desenvolvimento,
propõe o uso do computador como uma ferramenta para a construção de conhecimentos
e para o desenvolvimento do aluno. Adotando uma posição mais intervencionista do
que Piaget, Papert estabeleceu urna conexão entre idéias de distintos pensadores, dentre
os quais ele salienta Dewey, Freire, Piaget e Vygotsky, criando uma proposta de
utilização do computador em educação denominada construcionista.
A característica fundamental do conceito de construcionismo é a possibilidade
do computador ser uma ferramenta para a realização de construções concretas como
fonte de idéias para o desenvolvimento de construções mentais e estas gerando novas
11
I Conhecimento-em-uso refere-se aos conhecimentos que emergem no desenvolvimento de um
projeto, não se restringindo a uma única área ou disciplina.
28
construções concretas numa relação dialética entre o concreto e o abstrato (Papert,
1985). Posteriormente, com a utilização do computador em diferentes ambientes
educacionais e com a evolução dos recursos computacionais, a idéia de construcionismo
foi expandida para além dos limites da linguagem e metodologia Logo, deixando de
representar apenas a programação em Logo e a relação concreto-abstrato 12'
O uso do computador em educação como uma ferramenta propicia a utilização
de diferentes recursos computacionais (linguagens de programação, Processador de
texto, planilha eletrônica, gerenciador de banco de dados, redes de comunicação à
distância ou sistemas de autoria ... ) para o desenvolvimento de idéias e permite criar
modelos (Valente, 1993, 1994, 1996; Prado, 1993; Almeida, 1996) que integram
conhecimentos adquiridos na construção de novos conhecimentos.
O computador não é o detentor do conhecimento, mas sim uma ferramenta
tutorada pelo aluno, permitindo-lhe a busca de informações, navegando entre nós e
ligações de forma não-linear, segundo seu estilo cognitivo e seu interesse momentâneo.
Tais informações podem ser integradas pelo aluno na elaboração de conhecimentos para
representar a solução de uma situação-problema ou a implantação de um projeto. As
informações também podem ser trabalhadas no desenvolvimento de programas escritos
em uma linguagem de programação13. Todas essas situações levam o aluno a refletir
sobre o que está sendo representado.
No caso em que o aluno programa o computador, utilizando determinada
linguagem computacional, a execução do programa fornece importantes pistas sobre o
pensamento do aluno, unia vez que o seu pensamento está descrito no programa e a
resposta do computador permite comparar o previsto com o obtido. O professor tem
maiores possibilidades de compreender o processo -em desenvolvimento pelo aluno,
podendo interferir para ajudá-lo na interpretação dos resultados e na compreensão e
correção dos possíveis equívocos, conduzindo-o a um nível superior de
desenvolvimento.
Programar computadores significa representar as etapas que possam levar à
execução de um projeto ou à solução de um problema, ou seja, descrever uma seqüência
de ações em urna linguagem de programação que o computador possa executar.
Quando um programa desenvolvido é executado pelo computador podem ocorrer duas
situações, sendo uma delas quando o resultado fornecido é o esperado e a atividade está
concluída. Quando o resultado fornecido não corresponde ao esperado, é preciso rever
12
2 Construcionismo refere-se a toda uma perspectiva sobre o uso do computador em educação, que
expandiu-se para além dos limites envolvidos inicialmente na proposta de Papert, p o a ser denominada
como estética Logo (Prado, 1993) ou cultura Logo (Baranauskas, 1993) ou ambiente Logo (Valente,
1994; D'Abreu, 1993) ou mesmo abordagem Logo (Almeida, 1994, 1996).
13
Sistema de palavras e regras que Compõem a sintaxe e a estrutura da linguagem
29
a representação do problema, em termos da descrição das operações e da lógica
utilizada na solução.
"Isso promove o desenvolvimento de reflexões em busca de
compreender as estratégias adotadas, os conceitos envolvidos, os
erros cometidos e as formas possíveis de corrigi-los, o que leva o
aluno a depurar o seu programa, inserindo nele novos conceitos ou
estratégias. Após realizar as alterações na descrição do problema,
ele é novamente executado e o cicio se repete até atingir um resultado
satisfatório" (Almeida, 1996: 24).
A autora acima citada (ib., 24-25), atribui ao professor a responsabilidade
promover o desenvolvimento do aluno, incitando-lhe a reflexão sobre as suas ações.
"0 professor pode incitar o aluno que programa o computador a refletir sobre o
processo empregado, a encontrar os erros cometidos, a corrigir o programa e a executálo até chegar à solução desejada, desenvolvendo um processo que se descreve através do
ciclo descrição-execução-reflexão-depuração" (...) Para que este cicio se processe o
professor precisa compreender a representação da solução do problema adotada pelo
aluno, acompanhar a depuração buscando identificar as hipóteses, os conceitos e os
possíveis equívocos envolvidos no programa, assumindo o erro como uma defasagem ou
discrepância entre o obtido e o pretendido. Assim, o professor intervém no processo de
representação do aluno, ajudando-o a tomar consciência de suas dificuldades e a
sobrepujá-las, a compreender os conceitos envolvidos, a buscar informações pertinentes,
a construir novos conhecimentos e a formalizar esses conhecimentos".
Ao vivenciar o cicio descrito, refletindo com o aluno na ação em realização, o
professor pode tornar consciência de sua própria prática, levantar e testar hipóteses a
respeito de sua atuação, analisar a adequação de suas intervenções e depurar sua ação,
criando situações mais propícias ao nível de desenvolvimento de seus alunos e que os
desafiem a atingir uni novo patamar de conhecimento. Para tanto é preciso que a
reflexão do professor se situe na prática e para a prática segundo o mesmo ciclo, numa
associação entre teoria e prática, entrelaçando o domínio dos recursos computacionais
com teorias educacionais a fim de compreender a prática pedagógica.
Assim, tanto na formação como na prática do professor, a ação é
simultaneamente ponto de partida, de chegada e processo, sendo mediada por um
entrelaçamento de fatores que constituem a totalidade de cada sujeito envolvido no
processo, tais como fatores afetivos, sociais. culturais, cognitivos, emocionais,
interconectados em uma perspectiva interdisciplinar. Formadores e formandos,
professores e alunos - atores e autores da ação pedagógica - compartilham de um
processo de descrição-execução-reflexão-depuração que ignora as dicotomias
tradicionais do conhecimento no paradigma dominante.
3. A PRÁTICA PEDAGÓGICA ATRAVÉS DO USO DO COMPUTADOR
30
As instituições educacionais que adotaram a computação como uma disciplina
acrescentada ao currículo, frequentemente atribuem a um profissional que domina os
recursos computacionàs a responsabilidade de preparar os alunos para utilizá-los em
seus trabalhos. Parte-se do pressuposto de que não há necessidade de que esse
profissional seja um professor, uma vez que o objetivo é tomar os alunos hábeis no
domínio do equipamento.
Existem instituições que procuram inserir o computador no processo pedagógico
como ferramenta de aprendizagem, mas como não é rápido nem fácil preparar os
professores para essa utilização, muitas vezes é contratada uma pessoa (física e jurídica)
que se propõe a iniciar imediatamente o trabalho junto aos alunos e preparar os
professores paulatinamente. Nesse caso, os professores acompanham seus alunos nas
atividades informáticas, mas o responsável pela mediação dos alunos com o computador
é o ‘instrutor’, considerado o detentor do saber sobre a máquina. Isso pode induzir o
professor a sentir-se substituível e ameaçado, desinteressando-se e assumindo uma
atitude defensiva e contrária ao uso pedagógico do computador.
As escolas que procuram introduzir os computadores como ferramenta de
aprendizagem para os professores utilizarem em suas disciplinas, também incorrem em
inúmeros equívocos. Uma idéia que permeia diversas práticas equivocadas de uso do
computador em educação refere-se ao emprego de programas educacionais que
transferem para o computador a perspectiva de ensino instrucionista. Nessa visão a
atuação do professor não exige muita preparação, pois ele deverá selecionar o programa
computacional (software) de acordo com o conteúdo previsto, propor as atividades para
os alunos e acompanhá-los durante a exploração do software. É evidente que um
professor competente procurará tirar proveito dessas atividades escolhendo software
adequados às necessidades, capacidades e interesses de seus alunos, bem como
desenvolvendo reflexões que levem à formalização dos conceitos embutidos.
Contudo, o software instrucionista não deixa explícito o pensamento do aluno
que o utiliza, mas sim o pensamento do especialista que o elaborou. Para que o
professor possa compreender o pensamento do aluno a respeito do assunto abordado e
intervir para provocar reflexões que possam ajudá-lo em seu desenvolvimento, é preciso
acompanhar intensamente o processo de interação do aluno com o computador,
interrogando-o e buscando pistas esclarecedoras. Outro problema é que o mercado não
oferece uma gama de software de qualidade e que sejam adequados ao desenvolvimento
cognitivo-afetivo de cada usuário. A maioria deles conduz a uma atividade repetitiva,
baseada em associações entre estímulos e respostas, despertando temporariamente a
motivação e o interesse.
Outra abordagem é o uso do computador como uma ferramenta do processo de
aprendizagem, mas esta não é unia tarefa simples, pois não se trata de juntar informática
com educação, mas sim de integrá-las entre si e integrá-las à prática pedagógica, o que
implica em um processo de preparação contínua do professor e de mudanças no fazer
pedagógico, nos tempos e nos espaços escolares.
O computador empregado como ferramenta favorece o pensar com e o pensar
sobre o pensar, permitindo ao professor identificar o estilo de pensamento do aluno e o
31
seu nível de desenvolvimento, bem como tomar consciência de sua própria prática e
depurá-la numa vivência de intenção e cooperação com os alunos.
4. O PAPEL DO PROFESSOR
O professor que atua segundo o cicio descrição-execução-reflexão-depuração,
procura promover a aprendizagem do aluno, desafiando-o e motivando-o para explorar,
representar, refletir e depurar suas idéias, procurando identificar e explicitar os
conceitos emergentes nos problemas oriundos do contexto. Para Almeida (l996: 50)
"0 professor atua entre os limites de duas situações que oscilam entre
deixar o aluno totalmente livre para agir e correr o risco de tornar sua prática
um laissez-faire ou então ele pode assumir o outro extremo e ensinar tudo o
tempo todo (Valente, 1994). Na primeira situação o aluno fica tentando
redescobrir a roda ou desenvolve ações que se constituem em repetições do que
já descobriu, gerando um desgaste da atividade. No segundo caso o professor
assume o controle do processo, fornecendo todas as informações que julga serem
úteis aos alunos em algum momento, restringindo-lhes a criatividade e a
iniciativa. A prática do professor altera-se constantemente diante de cada
situação e de acordo com os interesses e necessidades de cada aluno".
Freqüentemente o professor não tem consciência de sua atuação, embora sua
atitude se aproxime de um dos limites do intervalo. Usando o computador como
ferramenta da prática pedagógica e fundamentando-se em teorias, o professor pode
fazer uma leitura de sua própria prática, questioná-la, identificar suas limitações, suas
condutas inadequadas e o estilo assumido em seu enfrentamento, buscando formas de
modificá-la para favorecer maior desenvolvimento de seus alunos.
Embora a atuação do professor seja impregnada de teorias, muitas vezes ele não
toma consciência disso, ou ele tem uma visão teórica incoerente com essa prática. Para
que o professor possa refletir sobre a sua prática e procurar transformá-la, ele precisa
apropriar-se de teorias que lhe permitam compreendê-la e reelaborá-la, ou seja, recriála, o que implica em mudança de crenças, valores, concepções e atitudes (Prado, 1993).
Evidentemente isso não é fácil de se atingir.
"Para tornar possível tal transformação na prática do professor é preciso que ele
vivencie situações onde possa analisar a sua prática e a de outros professores,
estabelecer relações entre elas e as teorias de desenvolvimento subjacentes,
participar de reflexões coletivas sobre as mesmas, discutir suas perspectivas com
os colegas e buscar novas orientações" (Almeida, 1996: 52).
O professor que reflete sobre sua prática, atua em parceria com os alunos e com
outros professores na busca de informações e na construção cooperativa de
conhecimentos, utilizando o conhecimento cotidiano do aluno e promovendo a
construção de conhecimentos científicos significativos. Almeida (l996: 52) se apoia na
perspectiva de Paulo Freire (l995, 1976) ao afirmar que o professor deve despertar a
32
curiosidade, a dúvida, a pergunta, a investigação e a criação, desafiando os alunos a
sentirem o prazer de aprender. Professores e alunos são aprendizes enganados em
investigações, realizando experiências e refletindo sobre as mesmas, articulando
conhecimentos adquiridos na construção ou na reelaboração de novos conhecimentos.
O professor questiona os alunos e promove a sua fala para que eles se sintam
livres para explicitar o seu pensamento, descrever a sua questão, refletir sobre suas
hipóteses, sobre o projeto em desenvolvimento, as alternativas de solução, as estratégias
adotadas, as dificuldades enfrentadas, as novas descobertas etc. Desta forma o
professor pode identificar o nível de desenvolvimento do aluno, fornecer-lhe
informações sobre os recursos computacionais ou sobre conceitos embutidos no projeto,
atuando segundo a ZPD (zona de desenvolvimento proximal) definida por Vygotsky
(l988).
Portanto, nessa abordagem a atuação do professor relaciona-se com o seu papel
enquanto agente de mudança, comprometido tanto com as transformações que as
demandas da sociedade estão exigindo em relação à educação, como com a perspectiva
de promotor da aprendizagem e de investigador da própria prática, o que o impulsiona à
adquirir autonomia em sua formação continuada.
5. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O USO PEDAGÓGICO DO
COMPUTADOR
Usualmente os programas de formação, tanto inicial quanto continuada, são
estruturados independente da prática desenvolvida nas instituições escolares, revelando
unas visão centralizadora, burocrática e certificativa. O mesmo acontece nos programas
denominados reciclagem. atualização pedagógica, aperfeiçoamento ou outros com
diferentes denominações, que são ministrados aos professores em exercício sob o título
de cursos de formação continuada, mas que a priori ignoram o locus onde se desenvolve
a prática pedagógica. Contudo, não se pode continuar planejando a formação inicial
como um conjunto de disciplinas dicotomizadas entre si, reunidas e enclausuradas em
tomo de grades curriculares de cursos regulares de 20 grau, graduação ou pósgraduação.
Nóvoa14 (l996) afirma que a formação não antecede a ação, mas está e acontece
na ação, ou seja, a formação deve nortear-se pela prática pedagógica, caracterizando-se
por uma perspectiva de formação-ação, que tem como pressuposto a reflexão que ocorre
antes, durante e após a ação, conforme o triplo movimento proposto por Schön (In
Nóvoa, 1992) e que envolve o conhecimento requerido na ação, a reflexão na ação e a
reflexão sobre a ação. Assim, é preciso que os formadores favoreçam aos professores
14
NÓVOA, Antonio. Conferência proferida na PUC/SP, em 22.04.96.
33
em formação a tomada de consciência sobre como se aprende e como se ensina,
levando-os a compreender a própria prática e a transformá-la em prol de seu
desenvolvimento pessoal e profissional, bem como em beneficio do desenvolvimento de
seus alunos.
Não se trata de unas formação apenas na dimensão pedagógica e nem de uma
acumulação de teorias e técnicas, mas sim de uma formação que articula a prática, a
reflexão, a investigação e os conhecimentos teóricos requeridos para revelar a razão de
ser da prática e promover uma transformação na ação pedagógica. O computador,
quando utilizado segundo a proposta construcionista, pode ser uma ferramenta
apropriada para ajudar o professor nesse processo de transformação.
No entanto, o professor preparado para empregar o computador como uma
máquina que transmite informações ao aluno através do software se questiona sobre
qual será o seu papel e o futuro de sua profissão em uma sociedade onde afloram outros
espaços de conhecimento e de aprendizagem que se situam fora do locus escolar.
Os professores preparados para empregar o computador como uma ferramenta
para a representação e a construção do conhecimento também levantam
questionamentos, uma vez que, além de não conseguirem dominar facilmente os
recursos do equipamento, ainda precisam investigar e aprofundar conhecimentos sobre
os temas ou questões que surgem no contexto, o que se constitui em desafios para sua
prática. Almeida (l996: 57), considera que a preparação do professor para o uso
pedagógico do computador deve ser um processo que o mobilize e o prepare para incitar
os alunos a
“aprender a aprender; ter autonomia para selecionar as informações pertinentes
à sua ação; refletir sobre uma situação-problema; escolher a alternativa
adequada de atuação para resolver o problema; refletir sobre os resultados
obtidos e depurar seus procedimentos, reformulando suas ações ou levantando e
testando outras hipóteses. Para tanto, o professor precisa vivenciar a dialética
da própria aprendizagem e da aprendizagem de seus alunos, reconstruindo
continuamente teorias, num processo de preparação que se desenvolve segundo o
ciclo descrição-execução-reflexão-depuração, o que lhe exigirá maior
qualificação tanto acadêmica quanto pedagógica".
A formação de professores para o uso do computador em educação numa
perspectiva reflexiva ocorre através da integração entre áreas de conhecimento distintas
tais como teorias de aprendizagem e desenvolvimento, metodologia da pesquisa
científica, domínio do computador, outros conceitos embutidos nos estudos em
desenvolvimento etc. Tais conhecimentos são mobilizados em explorações do
computador nas quais o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração é aplicado, sendo
analisadas as perspectivas pedagógicas subjacentes aos software explorados e as
implicações de sua utilização na prática e na investigação pedagógica.
34
Deve-se proporcionar ao professor em formação a participação em experiências
onde o computador é empregado como ferramenta educacional, participação esta em
que, num primeiro momento, sua ação se dá sob a forma de observação do processo
para posteriormente analisar a experiência com o grupo em formação (formandos e
formadores). Num outro momento o professor em formação atua como mediador do
processo e ao mesmo tempo como observador da própria atuação descrevendo o que faz
nas atividades, para em seguida analisara individualmente e também junto ao grupo de
formação. Assim, o formando é provocado para compreender, depurar e reconstruir sua
prática, bem como socializar as experiências vivenciadas com o grupo em formação.
O professor em formação deve ser encorajado a reconhecer os conflitos, as
incertezas e as inseguranças inerentes à toda situação de aprendizagem para que ele
descubra a potencialidade de aprender a partir dos próprios erros e possa atuar de forma
coerente com os seus alunos, Este processo de formação mobiliza o envolvimento do
professor em sua totalidade; o ser profissional e o ser pessoal.
A formação do professor não se esgota nessa atividades. É necessário a
constituição de grupos de formação para aprofundamento de estudos, análise das
experiências em desenvolvimento, programação de oficinas para apropriação de novos
recursos computacionais e análise de suas potencialidades educacionais, levantamento
de temas para realização de seminários com especialistas etc.
O emprego do ciclo descrição-execução-reflexão-depuração em ambientes de
aprendizagem informatizados na prática e na formação do professor revela uma maneira
de encarar e de responder às diferentes situações contextuais, caracterizando uma
maneira de ser e de tornar-se professor que o mobiliza para a aprendizagem contínua e
para assumir a responsabilidade de sua própria formação. O computador assim
utilizado é um portador de germes ou sementes culturais (Papert, 1985) que se
aglutinam na mente, germinam progressivamente e pouco-a-pouco vão permeando as
ações do professor, inclusive em ambientes de aprendizagem onde não há a presença do
computador.
Com a perspectiva de contribuir com a formação de professores para o uso
construcionista do computador, Almeida15 (PUC/SP, 1996), analisou cursos de
formação de professores, a nível de especialização e elaborou um conjunto de diretrizes
que poderá subsidiar a estruturação de propostas de formação de professores, a serem
desenvolvidas tanto em universidades como no locus escolar, destacando-se as
seguintes:
• aplicação do ciclo descrição-execução-reflexão-depuração na formação;
• uso do computador como instrumento de reflexão na ação e de reflexão sobre a
ação;
15
Mestrado em Educação: Supervisão e Currículo, PUC/SP, 1996.
35
• depuração das ações através da análise e correção de erros, estratégias e
conceitos;
• desenvolvimento de projetos (descrição, implantação, reflexão e depuração);
• utilização de linguagem de programação de computadores;
• compreensão das práticas pedagógicas com o computador, articulando teoria e
prática;
• ações de formação estruturadas na articulação formação, pesquisa e ação;
• formadores com atuação coerente com a perspectiva construcionista;
• avaliação processual de: formandos, formadores e estrutura de formação;
• definição ou adaptação de normas regimentais e administrativas às característi
das ações de formação;
• perspectiva de formação continuada.
A aplicação das diretrizes relacionadas não é imediata ou automática, é preciso
refletir sobre as mesmas e reformulá-las segundo as especificidades de cada situa No
entanto, podem ser consideradas como eixos geradores de novas propostas.
"(...) embora as diretrizes sejam pontos essenciais para a formação de professores
construcionistas, elas não se caracterizam como regras, nem como modelo a ser
adotado, uma vez que são formuladas com a intenção de servirem como referências
articuladoras e norteadoras para a organização de propostas de formação de
professores para o uso pedagógico do computador (..) e precisam ser reelaboradas e
reapropriadas para cada caso específico" (Almeida, 1996: 170).
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16
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36
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_________, J. A. Por quê o computador na educação? In: Valente, J. A. (org).
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UNICAMP, 1993
VIGOTSKY, L.S. - A Formação
INFORMÁTICA APLICADA AO ENSINO DE GRADUAÇÃO
Pedro Luiz Aparecido Malagutti
Introdução:
Neste trabalho pretendemos abordar os vários aspectos advindos da utilização de
computadores no ensino. Para situar e colocar no contexto nossas atividades é
necessário alicerçarmos as bases metodológicas e científicas do uso de máquinas no
universo pedagógico atual.
Nossas reflexões devem estar baseadas na dicotomia Ciência x Humanismo,
adotando a postura de colocar as descobertas científicas a favor do homem e não contra
este. Desnecessário seria dizer que estamos no limiar de uma nova era da civilização,
marcada pela velocidade e complexidade nas comunicações.
Do ponto de vista histórico, a utilização de máquinas para a consecução de
tarefas humanas, desde tempos muito antigos, esteve sempre ligado ao esforço
mecânico (acentuado devido à expansão mercantilista e no modo de produção
capitalista). Somente na segunda metade deste século o homem pode produzir máquinas
capazes de ajudá-lo de modo efetivo no trabalho intelectual.
É sobre uma destas máquinas que discorreremos. As múltiplas tarefas que
podem ser realizadas com o auxílio do computador em atividades pedagógicas devem
levar em conta ainda a nossa realidade sócio-econômica e a formação básica de nossos
alunos.
Aspectos Científicos:
Não existem atualmente estudos conclusivos a respeito de que o uso de
computadores no ensino auxiliam ou prejudicam o raciocínio lógico-formal. Esta é
atualmente uma área de pesquisa bastante profícua em que muitas correntes de
pensamento apresentam conclusões muitas vezes contraditórias. Estas aparentes
contradições são expressas quando discutimos qual é a formação que queremos dar aos
nossos alunos: uma formação humanística geral ou uma formação técnica específica?
38
Esta e muitas outras questões devem ser discutidas à luz das mudanças
epistemológicas e pedagógicas impostas pelo uso de máquinas no processo de
ensino/aprendizagem, pois estas estão provocando uma profunda revolução no fazer e
no aplicar ciências. Dentre outras, podemos destacar as seguintes atividades iniciadas
com a utilização massiva de Informática:
• uma nova conceituação dos limites e alcances da lógica formal
• mudanças radicais nas aplicações que exigem rapidez de cálculos
numéricos
• demonstrações matemáticas com o auxílio do computador
• descoberta de novas áreas de pesquisa (fenômenos caóticos, fractais, etc...)
Aspectos Pedagógicos:
Existem muitos aspectos pedagógicos que devem ser estudados quando
submetemos os estudantes a ambientes informatizados. Antes de mais nada, queremos
colocar-nos veementemente contra a substituição do professor por qualquer tipo de
máquina. A cada invenção tecnológica (cinema, rádio, TV, computadores) uma onda de
propaganda parece se infiltrar nas escolas enaltecendo as técnicas oriundas destas
descobertas em detrimento das laboriosas tarefas dos professores. Estas inovações, sem
o embasamento pedagógico e científico apropriados, mostram-se desastrosas ou
infrutíferas.
Em meio a um universo em transformação, a tarefa do professor é ainda mais
importante. As atividades pedagógicas exigem que o professor adote posições positivas
e críticas, que este esteja aberto a mudanças e apto a preparar seus alunos para o
trabalho coletivo.
Um segundo ponto que merece atenção está na indissociabilidade da reflexão
com a ação. Reflexões exageradas inibem as ações e as ações tendem a ser ingênuas
sem as reflexões adequadas. Este talvez seja o principal propósito deste trabalho:
apresentar as reflexões e atividades adotadas pelo Departamento de Matemática da
UFSCar para equacionar o uso prático de computadores na formação básica de nossos
estudantes.
Pontos Positivos:
• Sincronismo com a evolução tecnológica
• Aumento substancial do interesse do aluno pela Matemática
• Concretização de conceitos (a abstração como transcendência do empírico)
• Geometrização/visualização das teorias científicas
• Os modelos matemáticos não precisam mais ser artificiais
• Mais tempo para trabalhar conceitos
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Pontos negativos:
• O uso indiscriminado do computador provoca a diminuição do espírito
crítico nos alunos
• A mecanização de rotinas leva a um falso saber
• O uso de aplicativos computacionais não tem diminuido as atuais taxas de
reprovação
• As simulações não substituem a realidade (manual x intelectual)
• As escolas devem transmitir sabedoria, não somente informação
• A aplicação pedagógica da informática muitas vezes é confundida com o
domínio de softwares.
• Custo financeiro elevado
Projetos em Desenvolvimento no DM-UFScar:
O Departamento de Matemática da Universidade Federal de São Carlos
desenvolve atualmente vários projetos para a melhoria de ensino dos cursos de
graduação, de pós-graduação, além de atuar no aprimoramento de professores da rede
pública de 1.o e 2.o Graus.
No ensino de graduação estamos aplicando procedimentos pedagógicos com o
auxílio de laboratórios de informática em todas as disciplinas do ciclo básico. O intuito
é o de envolver o aluno com seu curso através da aproximação da formação básica com
a profissional.
Para isto os procedimentos adotados propõe-se a instigar o aluno nas aulas
teóricas a descobertas com a ajuda do computador, submetendo-os a ambientes em que
este possa aprender a se expressar e interrelacionar seus conhecimentos com seu
universo de atuação profissional.
Adotamos uma posição positivista em nossas atividades, abertos a discutir as
várias formulações e soluções para os problemas, incentivando e aprendendo com os
alunos.
Concepção de Nossas Atividades:
O objetivo principal de nosso trabalho é buscar a colaboração coletiva de modo
a promover a conscientização de profissionais ligados à Educação sobre o uso e as
limitações do uso de computadores no ensino. Estamos abertos a relatar e discutir as
experiências didáticas desenvolvidas na Universidade Federal de São Carlos em busca
de um ensino de melhor qualidade e na preparação de profissionais sintonizados com
nosso tempo.
Atualmente existem softwares reconhecidos internacionalmente como poderosos
aliados da pesquisa em Ciências Exatas, mas não existem aplicativos projetados
especialmente para o ensino das disciplinas básicas-fundamentais. Os aplicativos
existentes prestam-se a 4 tipos de atividades:
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• Resoluções Numéricas
• Resoluções Algébricas
• Visualizações Gráficas
• Programação
A utilização destes recursos deve ser criteriosa e os procedimentos pedagógicos
adotados devem estar em consonância com cada curso e com cada classe.
Conclusão:
O uso de computadores como ferramenta pedagógica deve ser feito em
consonância com uma série de ações e posturas por parte dos alunos e professores,
levando-se em conta os aspectos globais inerentes a tais processos, particularmente os
históricos e científicos. Não existem ainda estudos conclusivos sobre a influência da
utilização de computadores no raciocínio lógico formal. Como todo material de apoio, a
informática tem produzido experiências positivas e negativas no processo de
ensino/aprendizagem que devem ser analisadas e refletidas com profundidade e rigor.
Somente podemos criar e aspirarmos a liberdade quando procurarmos atingir
nossas metas com nossos próprios passos. Não vemos outra perspectiva para nos
libertarmos de nossos graves problemas sociais sem que coloquemos como valor
primordial a Educação e, dentro dela, ações positivas que permitam a formação de
cidadãos críticos e preparados para o trabalho coletivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Projeto PADCT-CAPES; Introdução de Recursos Computacionais no Ensino da
matemática nos Cursos de Licenciatura em Matemática da UFSCar, PADCT-Spec
95, CAPES.
Tenório, R. M. Computadores de Papel: Máquinas abstratas para um Ensino Concreto,
Cortez Ed.- Col. Polêmicas de Nosso Tempo n. 42, 1991
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