FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
SÃO JOSÉ DO RIO PARDO E SUA REVOLTA REPUBLICANA
APRESENTADA POR
Liliane Faria Corrêa Pinto
Rio de Janeiro, maio de 2014
2
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: Marieta de Morais Ferreira
LILIANE FARIA CORRÊA PINTO
SÃO JOSÉ DO RIO PARDO E SUA REVOLTA REPUBLICANA
Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em História,
Política e Bens Culturais.
Rio de Janeiro, maio de 2014
3
Pinto, Liliane Faria Corrêa
São José do Rio Pardo e sua revolta republicana / Liliane Faria Corrêa Pinto. –
2014.
232 f.
Tese (doutorado) – Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens
Culturais.
Orientadora: Marieta de Moraes Ferreira.
Inclui bibliografia.
1. Brasil – História – Proclamação da República, 1889. 2. São José do Rio Pardo
(SP) – História. I. Ferreira, Marieta de Moraes. II. Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. Programa de Pós-Graduação
em História, Política e Bens Culturais. III. Título.
CDD – 981.0503
4
iliane Faria Corrêa Pinto
São José do Rio Pardo e sua Revolta Republicana
Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em História, Política e Bens Cult urais.
Data da defesa:
Aprovada em:
ASSINATURA DOS MEMBROS DA BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Marieta de Morais Ferreira - Orientadora
____________________________________________
(Nome do Professor)
_______________________________________________
(Nome do Professor)
____________________________________________
(Nome do Professor)
____________________________________________
(Nome do Professor)
5
Dedicatória,
À memória do meu bisavô.
6
Agradecimentos
Ao papai, que já não está mais entre nós, pelo apoio, incentivo, companheirismo nas
discussões, nas pesquisas e nas viagens a São Paulo, à mamãe e ao Luciano, pelo amor,
carinho e incentivo que me possibilitaram chegar até aqui, ao Ricardo pelo amor,
paciência, compreensão, atenção, apoio e incentivo, ao Seu Ricardo, D. Lena, Bruna e
Lívia pelo apoio nos momentos difíceis de 2013 e 2014, ao Victor e ao Ítalo pelos
comentários e incentivos que me reanimaram, ao Ricardo Bíscaro que criou a campanha
“Vamos fazer a Lili rir” e me forneceu a frase perfeita para começar a escrever “Era
uma vez...”, só para me animar nos dias de tristeza de 2013 e 2014; à Marieta pela
orientação, apoio, carinho, compreensão e paciência que possibilitaram o término da
tese, à Mariana Rickheim pela pesquisa na cúria de São João da Boa Vista, ao Paulo
pela ajuda com o tratamento dos dados, ao Gilson pelo apoio nas atividades do trabalho
que liberavam meu tempo para a pesquisa e escrita da tese, à Cristina e ao Jorge que me
ajudaram na Espaço e Cultura e na COOPOESP durante minha ausência, ao Sr.
Rodolpho Del Guerra cujas obras tanto me auxiliaram no trabalho e, por fim, e não
menos importante, ao Gauss pela fofura, alegria e bom humor, que tanto me acalmaram
e consolaram diante das inúmeras adversidades de 2013 e tensões de 2014.
7
Resumo
A tese analisa a revolta republicana que ocorreu em São José do Rio
Pardo em agosto de 1889. Para isso, estudamos a formação econômica e política da
localidade. No aspecto econômico, identificamos a cidade com a região de produção
cafeeira e, no político, os grupos que comandavam São José do rio Pardo. Analisamos a
sociedade riopardense e os grupos que a compunham para compreender as relações
entre eles e o desenvolver da revolta. Discutimos as fontes e as várias versões da
revolta, bem como sua repercussão em São Paulo.
Palavras-chave: História do Brasil; Proclamação da República; Oeste Paulista; São José
do Rio Pardo
8
Abstract
The dissertation analyzes the Republican revolt that took place in São
José do Rio Pardo in August 1889. For that, we studied the economic and political
formation of the locality of São José do Rio Pardo. In the economic aspect, we
identified the city with the coffee producing region and, in the politically aspect, we
analyzed the groups who led Sao Jose do Rio Pardo. We studied the Riopardense
society and the groups that composed it to understand the relationships between them
and the developing of the revolt. We discuss the sources and the various versions of the
revolt and its repercussions in São Paulo.
Key-words: History of Brazil; Proclamation of the Republic; West of São Paulo; São
José do Rio Pardo
9
Índice de Tabelas, Gráficos e Mapas
Tabela 1
33
Quadro 1
34
Mapa 1
52
Mapa 2
52
Mapa 3
53
Mapa 4
53
Mapa 5
56
Quadro 2
58
Tabela 2
61
Mapa 6
61
Quadro 3
62
Quadro 4
63
Quadro 5
64
Gráfico 1
65
Gráfico 2
75
Gráfico 3
76
Quadro 6
100
Lista 1
139
Lista 2
155
Lista 3
160
Lista 4
166
10
Siglas
APM
Arquivo Público Mineiro
FGV
Fundação Getúlio Vargas
UNESP
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
11
Índice
Índice
11
Introdução
12
1
São José do Rio Pardo: formação econômica e política
31
1.1
Formação política e emancipação
31
1.2
Formação econômica: o café e a terra
50
2
A sociedade riopardense
68
2.1
A formação da sociedade de São José do Rio Pardo
70
2.2
Negros e pardos em São José do Rio Pardo
78
2.3
Imigrantes italianos em São José do Rio Pardo
90
2.4
Mineiros e paulistas em São José do Rio Pardo
97
2.5
Os policiais
109
3
A revolta de São José do Rio Pardo
114
3.1
A versão republicana da revolta
123
3.2
A versão liberal da revolta
150
3.3
Refletindo sobre a revolta
173
3.3.1 Os policiais e liberais
173
3.3.2 Os italianos
177
3.3.3 Os fazendeiros, comerciantes, doutores e políticos republicanos
178
4
As ideias republicanas
181
4.1
O conflito entre republicanos e liberais
191
4.2
As visões de povo na revolta republicana
201
5
Considerações finais
215
6
Bibliografia
217
6.1
Fontes Primárias
217
6.2
Sites
221
6.3
Fontes secundárias
222
7
Anexos
234
7.1
Mapas
234
12
São José do Rio Pardo e sua Revolta Republicana
Introdução
O objetivo desta tese é analisar a revolta republicana que aconteceu em
São José do Rio Pardo – SP, em agosto de 1889. Tomando como ponto de partida esse
evento, acreditamos poder mapear as lutas políticas travadas na região, enfatizando a
ação dos diferentes grupos sociais que disputavam o poder político local, defendendo
diferentes projetos políticos, liberal ou republicano.
São José do Rio Pardo é uma localidade no oeste paulista que tinha como
atividade principal a produção cafeeira, composta por fazendas de pequeno, médio e
grande porte. Foi formada por migrantes, em sua maioria, de origem mineira, escravos e
ex-cativos e imigrantes italianos envolvidos com a cafeicultura ou em atividades
urbanas de serviços. Um conflito entre monarquistas liberais e republicanos permeava a
vida política da cidade na década de 1880. Ele teve início, ao que tudo indica, em 1887,
com uma aliança entre ambos para a elevação da localidade à vila e, em seguida, com a
traição dos liberais, que assumiram a Câmara sem o revezamento proposto pelo acordo
celebrado verbalmente pelos dois grupos. No dia 24 de junho de 1889, o Dr. Fortunado
dos Santos Moreira, candidato liberal às eleições a deputado geral, que aconteceriam em
31 de agosto daquele ano, chegou à cidade. Naquele dia, os republicanos fizeram uma
série de afrontas aos seus inimigos políticos. Cantaram a marselhesa pelas ruas e
estenderam bandeiras republicanas nas janelas dos vagões do trem.
Eles foram retaliados pelos liberais no dia da visita de Francisco Glicério,
candidato republicano às mesmas eleições. Glicério chegou à cidade e foi para o hotel
Brasil, onde se encontrou com correligionários e, à noite, participou de um jantar
oferecido pelo proprietário do hotel, Ananias Barbosa. Durante o jantar, um integrante
da polícia, cabo Rego, entrou no hotel e foi descoberto. Foi levado preso ao quartel pelo
13
proprietário e empregados da hospedagem e, ao chegar lá, tocou o sino chamando os
praças que, reunidos e sob o comando do subdelegado, atacaram o hotel com pedras e
pauladas.
Os republicanos se esconderam na casa de Honório Luís Dias e
chamaram outros companheiros, como Manoel Corrêa de Souza Lima, José Antônio de
Lima, Antônio Corrêa de Souza, que trouxeram entre 300 e 400 homens armados para
controlar os praças liberais e tomar a cidade. Assim foi feito e São José do Rio Pardo foi
proclamada como república, com o hasteamento da bandeira republicana nos edifícios
públicos.
No dia seguinte, culparam o liberal capitão Saturnino Flauzino Barbosa
pelo ataque e buscaram-no em sua casa. Ele fugiu, foi perseguido, preso e levado ao
palacete de Honório Dias pelos republicanos. O delegado de Casa Branca foi chamado
e, na parte da tarde, a revolta foi apaziguada. Porém, alguns dias depois, o conflito ainda
persistia e notas eram lançadas nos jornais em repúdio às agressividades dos praças que
continuavam a afligir os republicanos.
A revolta de São José do Rio Pardo e seus personagens nos
proporcionarão compreender melhor os republicanos paulistas, salientando dois
aspectos: a participação popular e o enraizamento das ideias republicanas, sendo esse
último entendido não como uma adesão a essas ideias, mas significando o conhecimento
delas e, a partir disso, criando a oportunidade de fazer escolhas pela república ou pela
monarquia. Enfim, essa proposta de estudo nos guiará para uma abordagem no campo
da história política.
14
No passado a história política passou por um processo de
desvalorização, acusada de exaltar grandes personagens e de “negligenciar as massas”1.
Réne Rémond afirma que
Havia chegado a hora de passar da história dos tronos e das
dominações para a dos povos e das sociedades. Quanto aos
historiadores que tivessem a fraqueza de ainda se interessar pelo
político, e praticar essa história superada, fariam o papel de
retardatários, uma espécie em via de desaparecimento, condenada à
extinção, na medida em que as novas orientações prevalecessem na
pesquisa e no ensino.2
Porém, um retorno à história política se deu com a retomada desses temas
pelos historiadores, que evitaram análises reducionistas e buscaram relacionar outros
aspectos da cultura e sociedade com a política. De acordo com Marieta de Moraes
Ferreira (2003), além da mudança de enfoque, esses historiadores buscaram uma
interlocução com outros campos disciplinares, o que explica a renovação nas análises e
o retorno aos temas políticos.3
Nossa pesquisa se aproxima de uma abordagem da história política, mas
em menor escala. Numa tentativa de conhecer as relações existentes em São José do Rio
Pardo, durante sua revolta republicana, com a política local e a regional, a economia e a
sociedade do oeste paulista, associaremos a história política à social e econômica e à
antropologia. Diante disso, confrontaremos a literatura a respeito da região com a
experiência de revolta republicana, atingindo novas leituras para a história daquela área
da província.
Os estudos acerca do oeste paulista e seus cafeicultores, em geral,
afirmam que os fazendeiros de café daquela província eram grandes proprietários,
republicanos, e adotavam uma leitura federalista de cunho estadunidense para a
1
FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação. In.: RÉMOND, Réne (org). Por uma história política.
Trad. Dora Rocha. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 5-8.
2
RÉMOND, Réne. Uma história presente. In.: RÉMOND, Réne (org), op. cit., 2003, p. 18-19.
3
FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova „velha história‟: o retorno da história política. Estudos
Históricos, vol. 5, nº 10, 1992, p. 265-271.
15
república.4 Eles seriam, em sua maioria, de tendências descentralizadoras ou
separatistas, por acreditarem que São Paulo era autossuficiente economicamente e não
deveria sustentar outros estados. Para alguns historiadores, esses produtores de café
estavam, acima de tudo, preocupados com seus interesses econômicos e a política, as
relações com os governos, tinha um papel menor em suas vidas. 5 Sandra Lúcia Lima
afirma que os cafeicultores do oeste paulista não deixaram suas divergências de cunho
político influenciarem nas decisões e empreitadas econômicas, agindo com
empreendedorismo perante as questões relativas à cafeicultura. 6 Segundo Caselecchi e
Lima, esses fazendeiros
exerciam pouca influência no Império e não conseguiam
resolver ou atingir as metas progressistas que desejavam com o apoio do Estado, como a
vinda de mão de obra estrangeira e o transporte ferroviário, e, assim, resolviam suas
questões reunindo-se independente da opção política.7
Nesse quadro muito específico, a pesquisa visa testar a conformação
política dos cafeicultores paulistas, a partir daqueles de São José do Rio Pardo, de
pequeno, médio e grande porte, que atuavam juntos na cidade e produziam café para o
mercado externo. A pesquisa pretende mostrar, também, a partir da revolta republicana,
que os fazendeiros de São José do Rio Pardo eram republicanos com tendências radicais
e travavam forte conflito com liberais pela política local, que também se refletia nas
campanhas eleitorais em âmbito estadual e, possivelmente, federal. Nossa tese
intenciona demonstrar que esse conflito afetava as questões econômicas, aumentando as
discussões e interferindo nos processos financeiros, porém, não impedia os arranjos
4
Essa leitura para o republicanismo se aproxima do republicanismo norte americano criado pelos
federalistas dos Estados Unidos no seu processo revolucionário da independência. È importante ressaltar
que os federalistas estadunidenses eram centralizadores, diferente do que ocorreu no Brasil.
5
LIMA, Sandra Lúcia Lopes. O oeste paulista e a república. São Paulo: Vértice, 1986; CASALECCHI,
José Ênio. O partido republicano paulista: política e poder (1889-1926). São Paulo: Editora
Brasiliense, 1987.
6
LIMA, op. cit., 1986;
7
CASALECCHI, op. cit., 1987.
16
necessários para o desenvolvimento das ferrovias e da vinda de mão de obra imigrante
para a lavoura.
Outro aspecto que envolve a nossa pesquisa são as mutuais 8, pois havia
um exemplar desse tipo de sociedade em São José do Rio Pardo, a Società de Mutuo
Soccorso XX Septembre.9 Os estudos acerca do mutualismo no Brasil imperial e
republicano apontam para a isenção política das mútuas e, muitas vezes, de seus
membros. O presidente da Società de Mutuo Soccorso XX Septembre orientava os
associados a se absterem de comentários políticos, confirmando as análises acerca
dessas associações e seus sócios. Por outro lado, demonstramos que muitos dos italianos
optaram pelos republicanos e participaram do protesto no dia da chegada do candidato
liberal e da revolta, contradizendo as diretrizes da própria sociedade. Nossa hipótese é
que a mútua, por meio de sua diretoria, realmente não tomaria partido, mas seus
integrantes teriam feito escolhas políticas e teriam se posicionado perante o conflito.
José Murilo de Carvalho afirma que o povo não era apático, apenas
reagia quando lhe convinha, quando o governo afetava diretamente suas vidas. 10 Por
outro lado, em São José do Rio Pardo, o conflito era visível no cotidiano da cidade e
não havia como desconhecer as disputas e suas implicações práticas. Assim, as 300 ou
400 pessoas que participaram da revolta fizeram uma escolha pelo grupo que as
liderava, sugerindo uma participação popular. A disputa entre republicanos e liberais
distinguia os dois agrupamentos, o que também diferenciava suas opções políticas,
possibilitando uma noção entre um grupo e outro e uma escolha entre lideranças e
doutrinas.
8
As mútuas são sociedades sem fins lucrativos com objetivos de assistência mútua entre os associados.
Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro (tradução nossa).
10
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ed. São
Paulo: Cia das Letras, 2005.
9
17
Durante a pesquisa, optamos por nos aproximarmos da micro-história e
seus pressupostos básicos, apesar de nem sempre conseguirmos obter análises
favoráveis no contexto da micro-história. Nossa análise foca em um determinado lugar e
um processo, o estudo de uma revolta que fracassou e tornou-se esquecida na história, a
não ser pelos riopardenses, e busca um olhar do micro para o macro, na tentativa de
escrever uma nova versão para a história do oeste de São Paulo. A redução da escala é
para o historiador da micro-análise uma forma de experimentação dos conceitos
oferecidos pela história macro e uma possibilidade de perceber elementos, fatores e
condutas que seriam impossíveis de se observar em um estudo em escala maior. Esse
recurso pretende aumentar a complexidade da observação para questionar e verificar o
que é comumente afirmado sobre um determinado objeto.
Para Giovanni Levi, a micro-história é um conjunto de procedimentos
diversos e nem sempre coerentes que se desenvolveu como uma “reação” à “crise” das
ciências humanas, ocorrida nas décadas de 1970 e 198011. Segundo ele,
Havia, contudo, várias reações possíveis para a crise, e a microhistória em si nada mais é que uma gama de possíveis respostas que
enfatizam a redefinição de conceitos e uma análise aprofundada dos
instrumentos e métodos existentes. Ao mesmo tempo, têm havido
outras soluções propostas, absolutamente mais drásticas, que com
freqüência desviam para um relativismo desesperado, para o neoidealismo ou mesmo para o retorno a uma filosofia repleta de
irracionalidade. 12
Para ele, a definição de micro-história não se relaciona apenas às
“microdimensões de seu objeto de estudo”13, mas aos métodos de trabalho do
historiador. A micro-dimensão sem uma detalhada análise documental não indica um
trabalho de micro-história. E a redução da escala não significa, necessariamente, a
11
LEVI, op. cit., 1992.
Idem, p. 135.
13
Idem, p.133.
12
18
mudança na dimensão do objeto, mas “um procedimento analítico, que pode ser
aplicado em qualquer lugar”14.
Jacques Revel, ao discutir a “abordagem micro-histórica”15, concorda
com Giovanni Levi na afirmativa de que a micro-história não é uma escola e nem possui
um texto teórico fundador. Para ele, há quatro elementos comuns entre os diversos
trabalhos de micro-história. O primeiro é a “redefinição dos pressupostos da análise
sócio-histórica”16 que se fundamenta numa contraposição ao método da história social
ao olhar de maneira mais minuciosa para um ponto específico da história, uma vila, um
processo, uma vida, e tentar, a partir desse ponto, expandir e alçar novos entendimentos.
Enquanto a história cultural se volta para a compreensão de aspectos genéricos de um
tema ou um período, como a história do riso, do amor, das mulheres etc., a microhistória se volta para uma modificação na escala da análise que muda a forma de
observação e troca o foco do macro para o micro.
Nesse sentido, a história da revolta republicana de São José do Rio Pardo
é uma oportunidade para fazer um estudo em micro-análise, modificando a escala e o
foco. A partir dos elementos proporcionados pelas fontes, discutimos como
funcionavam as relações conflituosas da política local e isso nos sugeriu como seriam
outras localidades do oeste paulista. Outras pesquisas em menor escala poderiam
salientar nossas descobertas e direcioná-las para os estudos em macro escala.
O segundo elemento apontado por Levi é a “redefinição de estratégia
social”, pela qual os estudos históricos se voltam para uma “postura decididamente
antifuncionalista”. As pesquisas procuram aqueles que não se destacaram nas
sociedades, os fracassados, e tentam descobrir possibilidades de existência e ação desses
14
Idem, p.137.
REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques. Jogos de escala: a
experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
16
REVEL, op. cit., 1998.
15
19
atores sociais, encontrando novas interpretações para o passado. Seguindo esse
pressuposto da micro-análise, nossos atores eram pouco conhecidos e marginais na
história do processo republicano, mas, ao nos depararmos com a revolta, descobrimos
que o episódio repercutiu na política provincial e na propaganda republicana nacional,
colocando-os no contexto geral.
O terceiro elemento é uma “redefinição da noção de contexto” em que o
historiador não partiria do contexto geral para analisar suas fontes, mas do micro para o
geral. Além disso, o contexto macro seria apenas uma “lembrança da multiplicidade
das experiências e das representações sociais.”17 Em São José do Rio Pardo, a
experiência da revolta republicana é um dos exemplos dessa multiplicidade que compõe
o contexto geral. Partimos dela para compreendermos o papel da revolta e seus atores na
construção do processo republicano. Por outro lado, não deixamos de abordar a relação
da revolta e da cidade com o ambiente econômico, social e político em que estava
inserida. Assim, a redefinição de contexto proposta pela micro-análise proporcionou
uma leitura diferente acerca da localidade e das relações entre os republicanos e os
liberais no contexto geral já predefinido.
O quarto elemento é a mudança na “hierarquia dos níveis de
observação” que deixa de lado a diferenciação ou contraposição entre história global e
local para afirmar que a experiência individual é única e ao estudá-la produz-se uma
“versão diferente” de análise histórica. Nesse caso, nossa pesquisa tratou da
individualidade da experiência riopardense estabelecida pela revolta republicana e
construiu uma versão diferente da história de São José do Rio Pardo, contribuindo com
um novo olhar para o oeste paulista.
17
REVEL, op. cit., 1998.
20
Diante dessas premissas, direcionaremos nossa pesquisa numa tentativa
de atingir os pressupostos definidos por Revel para a micro-história. São José do Rio
Pardo e sua revolta serão observados em escala menor, os personagens estudados
segundo suas estratégias, em um contexto que parte do micro para atingir o macro.
Nesse sentido, elaboraremos uma história de São José do Rio Pardo, da revolta
republicana e, a partir daí, tentaremos compreender a participação popular no episódio e
como as ideias republicanas estavam difundidas entre os grupos revoltosos.
A localidade de São José do Rio Pardo nada tem de peculiar ou especial.
Por outro lado, como afirma Giovanni Levi, “o princípio unificador de toda pesquisa
micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores
previamente não observados.”18 Nesse sentido, ao observarmos São José do Rio Pardo
em menor escala será possível perceber que sua peculiaridade estava presente no
conflito político que ocorria entre liberais e republicanos, culminando com a revolta
riopardense, tratada em narrativa no terceiro capítulo.
O primeiro capítulo da tese trata da formação política e econômica de
São José do Rio Pardo. Seu objetivo foi introduzir o leitor no contexto geral em que
estava inserida a cidade para trabalharmos o contexto local. Apesar da proposta de
inverter a análise, partindo do micro para o macro, era importante situar a localidade na
historiografia.
Descrevemos resumidamente o desenvolvimento da região do oeste
paulista desde o século XVIII até o século XIX, com a chegada dos migrantes mineiros
para o plantio das lavouras de café. O intuito é salientar a presença mineira, refletindo
os dados observados pelas fontes e os retratados pelos autores dedicados a estudar o
oeste de São Paulo. A chegada de entrantes mineiros e a exploração da terra para o
18
LEVI, Giovanni. “Sobre a micro história.” In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 139.
21
plantio do café modificaram a paisagem local e res-significaram a região.19 A
construção da capela, do arruamento e emancipação da vila fizeram parte do processo
de ocupação local pelos mineiros.
A atividade cafeeira migrou do vale do Paraíba fluminense e paulista
para o oeste de São Paulo, cujas terras férteis atraíram novos investidores e
proporcionaram boas safras. A ocupação dessa última área e seu desenvolvimento estão
diretamente associados à cafeicultura paulista. Nesse sentido, traçamos um apanhado
historiográfico sobre a economia cafeeira. A partir do norte elaborado por Ana Luiza
Martins para a análise da historiografia do café no Brasil, estudamos as discussões que
envolvem as questões da produção, da história da cafeicultura e do papel e impacto da
produção da rubiácea na economia nacional. 20 Para completar os estudos, analisamos os
dados de produção cafeeira, impostos e população da cidade de São José do Rio Pardo,
adotando os números referentes à região quando não dispúnhamos dos dados locais.
Nessas tabelas, quadros e gráficos, observamos a formação da região em
função do aumento da produção local. Esses dados vêm corroborar com as informações
da historiografia que discute a formação e o crescimento do oeste paulista em relação ao
desenvolvimento da cafeicultura.21 Mais que isso, foi possível perceber que entre os
grandes produtores de café havia, também, pequenos e médios proprietários que
participavam dessa economia riopardense, em menor medida, e sofriam mais com as
oscilações do mercado.
O segundo capítulo trata da sociedade rio-pardense, composta pelos
mineiros e paulistas “brancos” e livres, relacionados, sobretudo, à cafeicultura, e
19
MONBEIG, op. cit., 1984, LIMA, op. cit., 1986; CASALECCHI, op. cit., 1987.
MARTINS, Ana Luiza. Historiografia do café: sugestão de percurso. In: II Seminário de História do
Café - História e Historiografia, 2. 2008, Itu. Anais... Itu, Museu Paulista, 2008. Disponível em <
http://memoria.fundap.sp.gov.br/memoriapaulista/sites/default/files/publicacao/TEXTO_COMPLETO_A
NA_LUIZA.pdf> Acesso em 01 set 2013.
21
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. Tradução de Ary França e. Raul de
Andrade e Silva. São Paulo: Editora Hucitec/Editora Polis, 1984.
20
22
também pelos negros e pardos, escravos e ex-escravos, vinculados aos senhores e
padrinhos, pelos imigrantes colonos e urbanos, associados aos cafeicultores e aos
serviços e, por fim, pelos praças e soldados, membros da corporação policial. Para
estudarmos esses grupos sociais riopardenses, analisamos o contexto geral da crise do
sistema escravista e da imigração, para contrapô-los ao contexto particular de São José
do Rio Pardo, onde essas questões interferiram diretamente no cotidiano da cidade.
A crise do sistema escravista brasileiro, ocasionada pela proibição do
tráfico internacional, pelas leis do ventre livre e dos sexagenários e, consequentemente,
pelo encarecimento dos cativos e pelo crescimento do movimento republicano em todos
os setores da sociedade, levou ao processo de imigração, que trouxe novos braços para a
lavoura cafeeira. A imigração acrescentou mais um elemento para a sociedade,
especialmente, a paulista, que recebeu a maioria dos imigrantes italianos e resultou na
formação de novas relações sociais.
São José do Rio Pardo é uma cidade comum do oeste paulista, cujo
desenvolvimento aconteceu de maneira similar a outras da região. O processo produtivo
da cafeicultura também não se diferenciou do desenvolvido nas cidades próximas. O
mesmo pode ser dito em relação à escravidão e à chegada de imigrantes italianos. São
José do Rio Pardo recebeu italianos desde a década de 1870 para atuar juntamente com
negros e pardos e sob a supervisão dos cafeicultores, caracterizados no capítulo como os
mineiros e paulistas de São José do Rio Pardo. Nesse sentido, a formação da sociedade
riopardense se deu a partir do contato entre esses grupos e suas culturas, construindo
uma sociedade complexa, permeada pelo conflito, pela ajuda mútua e apadrinhamentos.
O terceiro capítulo, denominado “A revolta de São José do Rio Pardo”,
narra as diversas versões do episódio. Conta a história factual da revolta republicana
riopardense com os depoimentos e versões dos envolvidos. Segundo Lawrence Stone,
23
após o desenvolvimento e o estabelecimento da “nova história”, os historiadores que
combateram a narrativa tradicional perceberam que as análises quantitativas ou de
caráter econômico tinham a necessidade de um texto narrativo, constituindo-se assim,
“o ressurgimento da narrativa”. Essa narração é construída sobre diferentes parâmetros
e são propostos cinco pontos inovadores. O primeiro deles são os textos que tratam das
“vidas, sentimentos e comportamentos dos pobres e obscuros, ao invés dos grandes e
poderosos.”22 O segundo são os historiadores dessa nova narrativa que não
abandonaram os métodos da “nova história”. No terceiro ponto, esses trabalhos usam
novas fontes como documentos criminais, compostos por depoimentos que eram antes
utilizados para análises quantitativas. O quarto ponto são as histórias narradas a partir
da interdisciplinaridade com a psicologia e a antropologia, no uso de análises freudianas
e significados simbólicos. Por fim, o último ponto sugerido por Stone é o alvo da
narrativa, que são histórias de pessoas, eventos ou um episódio cujo objetivo é
compreender a sociedade a partir daquele momento da história.
Diante desse retorno da narrativa, optamos por contar uma história da
revolta republicana riopardense observando as diversas versões das testemunhas do
inquérito policial usado como fonte e as possibilidades de contraposição entre as
informações fornecidas pelos depoentes. 23 O capítulo se fundamenta em suas falas
fragmentadas
e
escolhas por mencionar determinados momentos específicos da
revolta, as quais refletiam os interesses de cada grupo e de cada depoente. Durante a
análise, apropriamos dessas estratégias de depoimento para compreendermos os
objetivos desses grupos conflitantes e como se posicionavam as testemunhas.
22
STONE, Lawrence. “O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma velha história”, Revista de
História, Campinas, 1991, n.º 2, pp. 12-27.
23
SÃO PAULO. Inquérito Policial. Subdelegacia de Polícia de São José do Rio Pardo, 1889. T.I.
Processos Policiais, 1885-1889, Cx. 18, Ordem 3219. Arquivo permanente do Arquivo Estadual de São
Paulo.
24
Utilizando as ferramentas disponíveis, a narrativa tentou inserir todos os
elementos que pudessem contextualizar historicamente o período e a revolta. Após uma
descrição dos movimentos dos personagens, os agrupamos para facilitar a compreensão:
praças; italianos residentes das cidades e nas fazendas; líderes da revolta e personagens
liberais. Analisamos o papel de cada um deles na revolta e o que poderia estar por trás
de suas ações, constatando que havia realmente uma predileção pela república por parte
das lideranças dos italianos, apesar da necessidade de não divulgá-la por causa da
sociedade italiana, bem como uma aversão dos praças ao republicanismo.
O capítulo quatro, “As ideias republicanas e as visões de povo na revolta
republicana de São José do Rio Pardo”, trata das concepções de república no oeste de
São Paulo, a partir do Manifesto Republicano de 1870 e do conceito de “povo” na
historiografia e nas fontes acerca da revolta republicana riopardense. Analisamos,
também, como os modelos de república e povo eram percebidos pelos riopardenses, a
partir dos depoimentos dos republicanos e liberais no inquérito da revolta republicana.
O intuito é partir do micro-universo para o macro, ou seja, de São José do Rio Pardo
para as concepções republicanas brasileiras. Trabalhamos, porém, com uma
contraposição entre o que a historiografia relativa ao período de transição do império
para a república afirma e o que as fontes revelaram.
Durante nossa análise, optamos por estudar a concepção de república no
Brasil após o lançamento do Manifesto Republicano de 1870. Isto porque a proposta de
1870 se relacionava mais com o período estudado e as concepções dos riopardenses. Os
autores da historiografia relativa à transição do império para a república discutem o
conceito de república entre os brasileiros e os paulistas. Para Célio Debes e José Murilo
de Carvalho, os republicanos do oeste de São Paulo se destacavam por defenderem uma
república federalista. Cássia Aducci diferencia o movimento federalista do separatista,
25
comum em São Paulo, caracterizando o segundo como uma vertente radical do
primeiro.24 A formação do PRP – Partido Republicano Paulista estava ligada à ideia de
progresso e, para Casalecchi, os republicanos paulistas não entravam em conflito
político com os liberais porque os interesses econômicos de ambos eram os mesmos.
Por fim, a abordagem de José Murilo de Carvalho acerca da tipologia
republicana, dividida em federalistas, radicais e positivistas, foi contraposta com as
fontes sobre São José do Rio Pardo. A partir da análise em escala reduzida, observamos
que as categorias de Carvalho não se adequavam perfeitamente ao caso concreto
riopardense.
Em relação ao conceito de povo, o debate da participação popular foi
tratado por José Murilo de Carvalho, que discute o conceito e o papel do povo na
transição da monarquia para a república no Rio de Janeiro. Para ele, o regime
republicano não contou com a participação popular. Tomando como ponto de partida a
cidade do Rio de Janeiro, ele divide o povo em três grupos, definidos em números,
eleitores e aglomerados de pessoas que potencialmente agiam nas ruas por conta
própria. 25 Maria Tereza Chaves de Mello também discute o papel do povo na transição e
afirma que não houve apoio popular à república. Segundo ela, criou-se um imaginário
em torno da monarquia que depreciava o sistema e ressaltava a crise. Isso contribuiu
para a aceitação da república entre os populares. 26
24
ADDUCI, Cássia Chrispiniano. A „Pátria Paulista‟: o separatismo como resposta à crise final do
império brasileiro. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2000 e ___________. “Para um
aprofundamento historiográfico: discutindo o separatismo paulista.” Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 19, nº 38, p. 101-124, 1999.
25
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1990; CARVALHO, op.cit., 2005; CASALECCHI, José Ênio. O partido
republicano paulista: política e poder (1889-1926). São Paulo: Editora Brasiliense, 1987; COUTY,
Louis. “A escravidão no Brasil”. p. 102. Apud.: CARVALHO, José Murilo de. “Os três povos da
república”. In.: CARVALHO, Maria Alice Resende de (org). República no Catete. Rio de Janeiro:
Museu da República, 2002, 61-87.
26
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república consentida: cultura democrática e científica do final
do Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Edur),
2007.
26
Observamos que os termos república e republicano eram adotados nos
depoimentos da revolta riopardense sempre relacionados à contraposição com os
liberais ou aos comentários dos pracinhas. As relações de conflito transpareciam na
propaganda e nos símbolos republicanos; em contrapartida, os liberais que estavam no
poder proibiam irregularmente manifestações e reuniões. Observamos que, para os
republicanos, o termo povo foi incorporado ao processo político e o povo teria
participado da revolta, ido para as ruas e combatido os praças e os liberais. O termo foi
desconstruído pelo liberal capitão Saturnino Barbosa que desclassificou todos aqueles
que poderiam constituir o povo. Para ele, caboclos, negros, imigrantes e inimigos
políticos não poderiam compor o povo.
Por fim, discriminamos três hipóteses possíveis para compreendermos o
papel desses homens anônimos na revolta. Com isso, discutimos a participação popular
no episódio republicano, ponderando acerca das possibilidades de estratégias de escolha
desse povo perante a revolta e suas lideranças.
Nas considerações finais, apontamos as possíveis pesquisas que não
puderam ser realizadas e auxiliariam esse trabalho, proporcionando confirmações para
as hipóteses levantadas em outras localidades.
Por fim, a pesquisa para a realização desse trabalho foi fundamentada em
fontes que demandaram uma análise crítica de seu conteúdo. Emília Viotti da Costa
afirma que
Uma das tarefas mais difíceis do historiador é a crítica dos
testemunhos. Ao descrever o momento que estão vivendo, os homens
traçam frequentemente uma imagem superficial e deformada dos
fatos. O grau de comprometimento do observador, a qualidade e a
quantidade das informações de que dispõe sua maior ou menor
capacidade de análise, a maneira pela qual se deixa empolgar por
paixões e sentimentos refletem no seu depoimento. É regra elementar
da pesquisa histórica submeter a documentação a uma crítica rigorosa
e, no entanto, essa regra tão elementar é extremamente difícil de ser
27
posta em prática e, principalmente, de ser bem sucedida quando se
trata de criticar o depoimento testemunhal. 27
Esse trabalho foi fundamentado nos principais documentos: os
manuscritos do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, o inquérito policial da revolta
riopardense, registros e listagens de eleitores e impostos do município, artigos de jornais
contemporâneos à revolta e registros de batismo, casamento e óbito de São José do Rio
Pardo. Há outros documentos que encontramos em diversos arquivos e em suporte
digital que nos possibilitaram a elaboração das diversas biografias dos personagens
envolvidos na revolta.
Os manuscritos do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima foram escritos
nas décadas de 1920 e 1930, na cidade de Nepomuceno – MG, com a proposta de contar
a história da sua cidade natal e sua família. No final dos anos de 1930 ele já estava com
problemas nos olhos e sua neta, Eurídice Corrêa Lima, terminou de redigir o que ele
ditava. O suporte do texto são dois cadernos de contabilidade cortados ao meio,
aproveitando as pautas e deixando de lado as colunas. Eles têm a capa dura
marmorizada, já envelhecida, um nas cores marrom escuro e branco, e outro em preto e
cinza. O texto foi escrito a mão com caneta nanquim ou bico-de-pena pelo autor até
metade do segundo caderno, quando sua neta passou a redigir as palavras ditadas por
ele. 28 Nesse caso, os cadernos utilizados sugerem que o texto era uma primeira versão,
ainda um rascunho, mas acreditamos que, como os olhos do autor o traíram, ele
terminou o texto deixando algumas rasuras, palavras faltando ou erradas, e, ainda,
algumas informações em branco, como datas e nomes. O importante nessa fonte é como
27
COSTA, Emília Viotti. Da monarquia a república: momentos decisivos. 8ed. rev. e ampliada. São
Paulo: Editora Unesp, 2007, p. 387.
28
“O suporte do texto é uma importante pista para a análise da escrita de si e da própria fonte primária. O
material do documento e não só o seu conteúdo, pode indicar ao historiador características do autor ou do
que ele propunha com aquela redação, o tempo em que escreveu aquelas palavras, enfim, analisá-los é
uma oportunidade de obter pistas sobre o texto, a escrita de si e a relação entre o escrevente e seus
escritos”. MAUAD, Ana Maria; MUAZE, Mariane. “A escrita da intimidade: diário da viscondessa do
Arcozelo”. In: GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2004.
28
Lima designou cada proprietário de terra, especialmente, os seus familiares que viviam
em São José do Rio Pardo, e como ele mencionou os cafeicultores e comissários de
café, além da pequena descrição da revolta, que faz ao falar de si na parte dedicada à
esposa. Essa fonte nos foi entregue em 1999 e estava em posse de uma das netas do
coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, Elita Corrêa Lima.
O inquérito policial foi elaborado pela Subdelegacia de Polícia de São
José do Rio Pardo, em 1889. Está arquivado na série “Processos Policiais”, do fundo
Arquivo Permanente, do Arquivo Estadual de São Paulo. É um conjunto de 112 folhas
de almaço encadernadas e numeradas. O texto é escrito a mão com caneta nanquim em
uma letra firme e clara. Em algumas páginas há outra letra, mas a maior parte do
material foi redigida pelo mesmo escrivão. O inquérito é composto pelos depoimentos e
auto de flagrante, realizados no dia 11 de agosto de 1889, pelos autos de corpo delito de
alguns policiais e o levantamento dos danos ocorridos no Hotel Brasil, datados de 12 de
agosto daquele ano e pelos 30 depoimentos dos envolvidos em 24 de agosto. Esse
documento foi encontrado em 2005, em uma primeira visita ao Arquivo do Estado de
São Paulo para identificar possíveis fontes para um estudo acerca da revolta
riopardense. Essa ida ao arquivo paulista ocorreu após a primeira visita a São José do
Rio Pardo, em 2000, quando descobrimos que os memorialistas locais não tinham
documentos oficiais que comprovavam a revolta.
Os registros, listas de eleitores e de pagamento dos impostos do
município de São José do Rio Pardo estão armazenados no Arquivo da Câmara
Municipal e foram coletados integralmente – todos os documentos relativos ao período
foram fotografados e analisados. Estão em suporte de papel avulsos e escritos a mão
com caneta nanquim. Esses documentos foram pesquisados na segunda visita a São José
do Rio Pardo em 2008, antes do início do doutorado. Os livros da Sociedade Italiana
29
XX de Setembro estão arquivados no Centro Ítalo Brasileiro em São José do Rio Pardo
e foram coletados em 2008. Os artigos de jornais contemporâneos à revolta são
compostos, em maioria, por jornais da capital, arquivados no Arquivo do Estado de São
Paulo e na Biblioteca Nacional, em suporte de papel e digital. Eles sugerem que a
revolta teve repercussão em São Paulo e ficou conhecida na época, entrando no
esquecimento posteriormente. Nos artigos, há uma discussão entre um republicano e o
presidente de província que sinalizava a defesa da revolta riopardense pelo movimento
republicano como uma reação justa à violência e falta de liberdade monarquista. Essas
reportagens foram coletadas no Arquivo do Estado de São Paulo em 2011 e na
Hemeroteca da Biblioteca Nacional, via internet, desde 2012. A entrevista dada por uma
das lideranças ao jornal mineiro Diário da Tarde em 1949 nos trouxe, também, pistas
importantes para a pesquisa. Essa entrevista foi guardada desde a sua publicação pela
família do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima e nos foi entregue em 1999. Por fim,
analisamos também os registros de batismo, casamento e óbito de São José do Rio
Pardo, arquivados na Cúria de São João da Boa Vista, em suporte de papel,
encadernados nos livros originais. Esses livros foram pesquisados em 2012 e 2013.
Aliado a todas essas fontes, a internet nos forneceu inúmeros documentos digitalizados
e/ou transcritos encontrados a partir da incessante busca no procurador Google.
Em São José do Rio Pardo, não encontramos jornais da época, apenas
exemplares posteriores ao momento da revolta. O jornal O Tiradentes daquela cidade
não foi encontrado porque não há exemplares dele no arquivo local, nem na Hemeroteca
da Biblioteca Nacional ou do Arquivo do Estado de São Paulo.
A pesquisa documental foi vasta e atingiu arquivos diferentes em locais
diversos. Para complementar o trabalho deveríamos ter pesquisado na Maçonaria, mas o
tempo e a falta de recursos não possibilitou essa empreitada. Talvez ali pudéssemos ter
30
encontrado mais elementos para compreender as relações entre esses republicanos e
liberais na cidade, mas essa pesquisa terá que ficar para um próximo trabalho.
31
CAPÍTULO 1. São José do Rio Pardo: formação política e econômica
São José do Rio Pardo é um município do oeste de São Paulo. Sua
história é relevante para esse trabalho porque, em seu distrito-sede, aconteceu uma
revolta que proclamou a república na vila, em 11 de agosto de 1889. Denominada
revolta republicana riopardense ou república antecipada de São José do Rio Pardo, o
episódio contou com certa participação popular e possibilitou um enraizamento das
ideias republicanas. Apesar de importante para o processo de propaganda republicana, a
revolta e a localidade que a sediou são quase desconhecidas pelos historiadores e pelos
trabalhos acadêmicos. Nesse sentido, para estudarmos essa revolta e compreendermos a
participação popular e as ideias republicanas envolvidas, precisamos conhecer a antiga
vila e seu processo de formação político e econômico.
1.1. Formação política e emancipação
Com o intuito de contextualizar a formação de São José do Rio Pardo,
vamos retroagir no tempo para os primórdios da chegada dos colonizadores à região. No
final do século XVII, os paulistas abriram a estrada para o sertão dos Goiases em busca
de ouro. O traçado do percurso passava pelas atuais localidades de Jundiaí, Campinas,
Casa Branca, Franca e Igarapava, no estado de São Paulo, Uberaba e Cascalho Rico, em
Minas Gerais, e Catalão, Santa Cruz de Goiás e Pirenópolis, no estado de Goiás. Casa
Branca, cidade a qual pertenceu São José do Rio Pardo até o século XIX, provavelmente
foi um rancho criado pelos bandeirantes para as paradas e o retorno das entradas e
bandeiras. Em 1770, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, num pequeno panorama do
caminho para Goiás, descreve as vilas de Jundiaí e Mogi-Mirim, ambas possivelmente
32
criadas a partir da trajetória em direção ao oeste, mas não menciona Casa Branca,
indicando a pequena importância da localidade no caminho para os Goiases. 29 A
freguesia de Casa Branca só foi criada em 1814 30, mas acreditamos que um pequeno
povoado já existia no local, no último quartel do século XVIII, por estar às margens da
mencionada estrada.31 Provavelmente, havia alguns engenhos, já que era comum
naquela região a produção de açúcar e aguardente para o abastecimento interno. 32
No início do século XIX, São José do Rio Pardo pertencia a então
freguesia de Casa Branca e era, provavelmente, apenas um conjunto de fazendas sem
uma sede ou núcleo. Nesse momento, o sertão do Rio Pardo era disputado por mineiros
que vinham do sul de Minas e das áreas decadentes de mineração.33 Eles buscavam
pastos para o gado, novas terras para a produção e novas faisqueiras. 34 As primeiras
migrações de mineiros se estabeleciam no Sertão da Farinha Podre, no Triângulo
Mineiro, onde encontravam bons pastos, mas também índios bravos e altos índices de
malária. Uma segunda leva se dirigiu para o Sertão do Rio Pardo, área com terras férteis
e menos doenças tropicais que o Sertão da Farinha Podre.35 Nesse processo, esses
29
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania de São Vicente. Brasília: Edições do
Senado Federal, 2004, vol. 25. Carta Corográfica da Capitania de São Paulo. 1766. Disponível em
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa106g.htm> Acesso em ago 2007.
30
Alvará do Príncipe Regente, de 25 de outubro de 1814. Cópia manuscrita. Caixa 45, ordem 282. Apud
TREVISAN, Amélia Franzolin. A povoação dos Ilhéus, Casa Branca. São Paulo: Edições Arquivo do
Estado, 1982, p. 50.
31
“Hei por bem que no sertão da estrada de Goiás, do Bispado de São Paulo, d´aquém do Rio Pardo no
lugar denominado da Casa Branca seja ereta uma nova Freguesia com a invocação de Nossa Senhora das
Dores, a qual os moradores do dito sertão edificarão à sua custa no prefixo termo de quatro anos, e ficará
limitada esta nova Freguesia desde o Rio Jaguari até o pouso do Cubatão.” (Alvará do Príncipe Regente,
de 25 de outubro de 1814. Cópia manuscrita. Caixa 45, ordem 282. Apud TREVISAN, 1982, p. 50. Apud
MOTTA, José Flávio; VALENTINE, Agnaldo. “Dinamismo Econômico e Batismos de Ingênuos – A
Libertação do Ventre da Escrava em Casa Branca e Iguape, Província de São Paulo (1871-1885).” Est.
econ., São Paulo, 38(2): 211-234, abr-jun 2008).
32
SIMONSEN, Roberto C. Aspectos da história econômica do café: contribuição para o Congresso de
História Nacional, promovido pelo IHGB, em outubro de 1938. Rio de Janeiro: IHGB, 1938.
33
CHIACHIRI FILHO, José. Do Sertão do Rio Pardo à Franca do Imperador. Ribeirão Preto: Ribeira
Gráfica e Editora Ltda., 1986.
34
A exceção a essa regra é a cidade de Caconde que tinha algumas faisqueiras no final do XVIII, mas não
renderam e a exploração terminou rapidamente.
35
CUNHA, Maísa Faleiros da. Mineiros em terras paulistas: população e economia. Anais do XIV
Seminário sobre a Economia Mineira [Proceedings of the 14th Seminar on the Economy of Minas
Gerais], 2010. Disponível em < http://www.cedeplar.ufmg.br/seminarios/seminario_diamantina/
33
“entrantes” de Minas Gerais constituíam as localidades e, mais tarde, as vilas.
Confirmando essa premissa, o memorialista Rodolpho José Del Guerra afirma que os
primeiros fazendeiros que chegaram à região de São José do Rio Pardo eram de Minas
Gerais e adquiriram sesmarias de sesmeiros anteriores ou receberam-nas do governador
ainda no primeiro quartel do século XIX.36
Carlos de Almeida Prado Bacellar afirma que mineiros ocuparam o oeste
paulista a partir dos anos de 1810.37 Rodrigo Fontanari reafirma a mesma proposição
para Casa Branca, povoada por mineiros e paulistas que chegaram à região para
produzir café. 38 Amélia Trevisan também corrobora essa afirmação da presença mineira
e a dispõe em um quadro, indicando as ocupações e origens dos migrantes em 1825.
Tabela 1
Origem e ocupação de alguns dos moradores de Casa Branca, em 1825
Origem
São Paulo
Minas
Gerais
Outras
Lavradores
145
Criadores
45
Ocupação
Jornaleiros
18
105
31
23
9
168
40,5
25
8
1
1
35
8,4
Negociantes
4
Total
212
%
51,1
Fonte: TREVISAN, Amélia. F. Casa Branca, a povoação dos ilhéus. São Paulo: Dissertação (Mestrado
em História), FFLCH-USP,1979, p.126-128 (adaptações nossas).
A partir dessa tabela, podemos perceber que a maioria dos moradores de
Casa Branca em 1825 ainda era de origem paulista, números que se modificaram nas
décadas seguintes.
2010/D10A127.pdf > Acesso em 24 fev 2012. A autora menciona como um exemplo ilustrativo citado
por Chiachiri Filho em sua obra “Do Sertão do Rio Pardo à Franca do Imperador” a família de Hipólito
Antônio Pinheiro, que seguiu esse caminho, do Sertão da Farinha Podre para o Sertão do Rio Pardo.
CHIACHIRI FILHO, op. cit., 1986, p. 36.
36
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre da terra mãe (São José do Rio Pardo). São José do Rio
Pardo, SP: Graf-Center, 2001.
37
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; BRIOSCHI, Lucila Reis (orgs). Na estrada do Anhanguera:
uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999.
38
FONTANARI, Rodrigo. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no
complexo cafeeiro paulista. Casa Branca (1874-1914). Franca : [s.n.], 2011.
34
Os dados coletados por Fontanari indicam a evolução demográfica da
região de Casa Branca entre 1765 e 1875, período em que São José do Rio Pardo
pertencia àquela vila. Nesses dados, podemos perceber que a população cresceu muito
em um século de ocupação, e, no último ano do quadro, ela aumentou seis vezes em 50
anos. Esse aumento populacional foi ocasionado, provavelmente, pela chegada dos
mineiros que compraram terras na região, como afirmam Bacellar, Fontanari e Trevisan.
Quadro 1
Evolução demográfica da região e depois município de Casa Branca, 1765-1875
Anos
1765
1814
1825
1875
Sertão Rio Pardo
124
925
2635
12134
Fonte: FONTANARI, Rodrigo. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito
no complexo cafeeiro paulista. Casa Branca (1874-1914). Franca: [s.n.], 2011. BRIOSCHI, L. R. et. al.
Entrantes do Sertão do Rio Pardo: o povoamento da freguesia de Batatais, séculos XVIII e XIX.
São Paulo: CERU, 1991. GODOY, J. F. de. A província de São Paulo: trabalho estatístico, histórico e
noticioso. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: FUNDAP, 2007.
A dinâmica de aquisição de terras e ocupação do espaço físico do sertão
do rio Pardo se mostrou mais complexa que os dados dos índices populacionais.
Bacellar analisa os registros de terra antes de 1850 e discute a maneira pela qual eram
realizados. Os termos de divisas das propriedades eram vagos, demarcados por
córregos, árvores e pelos vizinhos. As posses se davam por meio do preparo de roças,
das derrubadas de matas e dos levantamentos de cruzeiros. Após a Lei de Terras, de
1850 e sua regulamentação em 1854, as grandes glebas já estavam divididas em porções
menores e isso se intensificou com chegada de novas levas de mineiros. 39 Em São José
do Rio Pardo, observamos que alguns migrantes não se fixavam necessariamente à terra
adquirida e se mudavam para outras localidades após algum tempo. As fazendas eram
39
BACELLAR, op. cit. 1999.
35
negociadas para a aquisição de novas propriedades em outros lugares próximos, mais a
oeste ou a norte do estado de São Paulo.
Um exemplo desse processo migratório de mineiros para o oeste paulista
e do contínuo fluxo para novas regiões é a fazenda Pião do Rio Pardo. Segundo Maria
do Carmo Di Creddo, a fazenda Pião do Rio Pardo era de propriedade de Francisco de
Assis Nogueira40. Seu filho, de mesmo nome, foi um dos empreendedores das obras da
capela de São José em 1865.41 Ele e sua mãe, herdeiros daquelas terras, teriam as
vendido, nos anos de 1870, para se mudarem, ele para Rio Novo – MG, e sua mãe para
Botucatu – SP.42 Acreditamos que a fazenda foi adquirida pelo coronel José Antônio de
Sousa Lima43, mineiro e investidor na região que, ao que tudo indica, a entregou em
dote a seu sobrinho e genro, Manoel Corrêa de Sousa Lima 44, nos anos de 1870. 45 Nos
anos de 1890, Manoel Corrêa de Sousa Lima vendeu a fazenda e se mudou para
Igarapava, mais ao norte do estado de São Paulo. Podemos perceber que, em cerca de 30
anos, a propriedade teve quatro possuidores, que investiram dinheiro na compra da terra
e a venderam, sendo que eles se mudaram para outras localidades, não permanecendo
em São José do Rio Pardo.
Há três questões importantes que podemos identificar. A primeira e a
segunda se aplicam ao oeste paulista. Houve uma migração de mineiros para a região,
mas eles não foram os únicos, também havia um fluxo de paulistas para aquelas áreas,
40
Segundo Rodolpho Del Guerra, a fazenda já havia sido de Alexandre Luiz de Mello, proprietário da
primeira sesmaria. DEL GUERRA, op. cit., 2001.
41
Descendants of Cap. Mór Tomé Rodrigues Nogueira do Ó: Notes. Disponível em <
http://www.genealogia.villasboas.nom.br/DescAncestrais/trno/pafn20.htm#243> Acesso em 12 out 2011,
17:40. NEGRÃO, Joaquim “Tininho”. História da fundação de Avaré (fatos e ficção) &causos 2.
Avaré – SP: Joaquim negrão, 2007.
42
DI CREDDO, Maria do Carmo Sampaio. Terras e índios: o povoamento e a propriedade no Vale do
Paranapanema. São Paulo: Arte e Ciência, 2003.
43
O coronel José Antônio de Souza Lima era negociante de café e fornecia crédito a pequenos
proprietários por meio de hipotecas.
44
Manoel Corrêa de Sousa Lima foi um dos líderes da revolta riopardense. Ele era mineiro, natural de
Nepomuceno, sul de Minas.
45
DI CREDDO, op. cit., 2003
36
especialmente, antes do aumento dos preços das propriedades, como indicou os quadros
e tabelas anteriores. A segunda questão e mais relevante é que as terras do oeste paulista
passaram a ser bens negociáveis, vendidas, compradas e oferecidas em garantia de
empréstimos. 46 E, por fim, a terceira e última questão diz respeito a São José do Rio
Pardo. Observamos que a migração para aquela localidade não foi estável, os migrantes
se mudaram das cidades do oeste de São Paulo para outras, sem se fixar ao local, como
é o caso dos diversos proprietários da fazenda do Pião do Rio Pardo. Outros
personagens também se mudaram da região após adquirir terras na localidade, como a
maioria dos fundadores da capela de São José, em 1865, que se mudaram para Avaré na
década seguinte, vendendo suas fazendas para os entrantes que chegaram
posteriormente e se estabelecerem ali. Nesse sentido, podemos perceber que a região de
São José do Rio Pardo sofreu grandes mudanças populacionais pelo aumento do número
de famílias de origem principalmente mineira, mas também vivenciou um fluxo de
migrantes que não se fixava necessariamente à terra e se revezava com outras famílias
que chegavam àquela área.
Com esse fluxo populacional em crescimento, tornou-se necessária a
criação de uma capela para atender a comunidade e, com isso, a constituição de uma
sede. Assim, em 1865, alguns fazendeiros se reuniram para edificar o templo e doaram
terras para o patrimônio da igreja. Politicamente, isso significava o desejo de se criar
uma futura freguesia e em seguida uma vila, constituindo-se, nesse sentido, uma
partição do poder, com uma Câmara municipal separada da de Casa Branca. Para os
historiadores de São José do Rio Pardo, esse é o mito fundador da cidade. Em 4 de abril
de 1865, Antônio Marçal Nogueira de Barros, José Teodoro de Noronha, Francisco de
Assis Nogueira, Raimundo Estelino Ribeiro da Silva, Luciano Ribeiro da Silva, João
46
Sobre as terras, Rodrigo Fontanari e Carlos Bacellar lidam com o tema.
37
Damasceno Negrão e Ananias Joaquim Machado 47 se reuniram na casa de um deles,
provavelmente, do Sr. Antônio Marçal Nogueira de Barros, para escrever a ata de
fundação da capela de São José.
O primeiro alqueire já fora doado por João José de Souza, em 6 de
fevereiro de 1865, com título passado na Fazenda da Laje. As outras
doações foram de Cândido Faria Moraes, três alqueires, com título
passado na Fazenda da Cachoeira da Boa Vista, em 17 de junho;
Antônio Marçal Nogueira de Barros, três alqueires, com título passado
na Fazenda Becerábia; José Teodoro Nogueira de Noronha, quatro
alqueires, com título passado em São José do Rio Pardo e Cândido de
Miranda Noronha, um alqueire, com título passado em São José do
Rio Pardo. Os três últimos títulos foram passados em 19 de junho de
1865.48
As terras doadas para o patrimônio da igreja de São José ficavam no alto
do morro, a cerca de 500 metros das margens do rio Pardo, e a aproximadamente 150
metros acima do leito.49
Mesmo depois da doação, o bispo só autorizou o início da construção da
capela em março de 1870. As obras foram feitas, possivelmente, por escravos dos
fazendeiros que fizeram as doações das terras. O Sr. João Baptista Blandim foi nomeado
fiscal do templo e supervisionou as obras. 50 Em 1872, a igreja ficou pronta e foi
abençoada pelo bispo depois da regularização dos registros do patrimônio doado.51
A localidade foi elevada à freguesia pela Lei n° 43 de 16 de abril de
1874, pertencendo à vila de Casa Branca. Em 8 de maio de 1877, pela Lei nº 40, a
freguesia de São José do Rio Pardo foi transferida para Caconde e, em 14 de abril de
1880, pela Lei nº 70, ela foi novamente anexada a Casa Branca. A elevação à freguesia
47
Para a biografia desses personagens, ver quadro anexo.
ATA de fundação da "Futura Freguesia de São José do Rio Pardo”. Disponível em
<http://www.saojoseonline.com.br/himatriz.htm> Acesso em 13 jun 2013.
49
O ato de fundação para a posteridade foi arquivado na matriz de São José.
50
João Baptista Blandim era mineiro de São João Del Rei e se mudou para o oeste paulista na primeira
metade do século XIX. Ver quadro anexo.
51
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre da terra mãe (São José do Rio Pardo). São José do Rio
Pardo, SP: Graf-Center, 2001 e DEL GUERRA, Rodolpho José. O décimo terceiro. São José do Rio
Pardo, SP: Graf-Center, 2007, p. 312.
48
38
era o primeiro passo para a constituição de uma futura vila, já que ela era uma parte
territorial vinculada às vilas,52 uma divisão administrativa e eclesiástica em que o padre,
responsável pela igreja, também se responsabilizava pelos registros de batismo,
casamento e óbito. Além disso, os líderes da localidade tinham o respaldo para as
eleições de vereadores e podiam disputar um espaço na Câmara.
A conquista da freguesia de São José do Rio Pardo foi uma vitória dos
liberais e republicanos riopardenses perante os conservadores de Casa Branca e,
provavelmente, a transferência dela para Caconde também. Com o retorno para Casa
Branca, os riopardenses perderam uma batalha política e, provavelmente, deram início
ao processo de emancipação da localidade. Na liderança desse grupo, despontava
Antônio Marçal Nogueira de Barros.
Em 1878, o Sr. Antônio Marçal Nogueira de Barros, o mesmo que doou
as terras para a formação da freguesia, tornou-se vereador em Caconde, cidade da qual
pertencia São José do Rio Pardo, e definiu durante seu mandato o traçado das ruas do
povoado.53 Em torno da igreja foram erguidas algumas casas de fazendeiros das
proximidades, uma farmácia de propriedade de Antônio Marçal e, provavelmente, uma
venda. João Baptista Blandim, fiscal da localidade, ao descrever o início da povoação de
São José do Rio Pardo em uma entrevista concedida em 1917 para o jornal “Álbum
Riopardense”, diz que:
(...) recordou-se de casas esparsas, cobertas de sapé, no meio do mato.
Morou numa delas, onde, tempos depois, ergueu-se o palacete de
Antônio Ribeiro Nogueira (Nhô Ribeiro) (...), hoje, substituído por um
52
A freguesia na concepção do século XIX se assemelha a um distrito atual, que recebe esse nome porque
tem um cartório para registro de pessoas.
53
Rodolpho Del Guerra afirma que isso ocorreu em 1868, mas, nessa data, Antônio Marçal Nogueira de
Barros não era vereador em Caconde e São José do Rio Pardo pertencia a Casa Branca. Porém, segundo
Adriano Campanhole, ele foi eleito presidente da Câmara em 1878. Por isso, acreditamos que tenha
havido um erro de grafia na obra de Del Guerra e o arruamento da freguesia foi decidido em 1878.
CAMPANHOLE, Adriano. Memória da cidade de Caconde: freguesia antiga de Nossa Senhora da
Conceição do Bom Sucesso do Rio Pardo. São Paulo: Editora Gráfica Latina, 1979 e DEL GUERRA,
op. cit., 2001.
39
prédio de morada e casas comerciais, na esquina da Praça XV de
novembro com a rua Marechal Floriano. 54
Este mesmo João Baptista Blandim permitiu, em 1878, que edificações
fossem erguidas sobre os arruamentos demarcados por Antônio Marçal Nogueira de
Barros e foi demitido do cargo de fiscal de quarteirão. Isso sugeria que Barros tinha
poder político na vila de Caconde que permitisse definir quem ficaria como funcionário
municipal no distrito. A transferência de jurisdição de uma vila para outra, como foi o
caso de Casa Branca para Caconde e desta de volta para Casa Branca, pode revelar
quais eram as lideranças envolvidas nas disputas de poder da freguesia de São José.
Há dois pontos a serem observados nesse caso: os valores de impostos
arrecadados relativos ao café e correspondentes ao território de São José do Rio Pardo e
o número de eleitores naquele território. Em relação aos impostos, a lavoura cafeeira em
São José do Rio Pardo estava em expansão e a arrecadação financeira aumentava. Isso
representava um ganho para a vila que sediava aquele distrito, sendo assim, importante
mantê-lo dentro da jurisdição, o que gerava certa disputa pelo território riopardense.
Quanto à questão eleitoral, ao que tudo indica, a situação política em Casa Branca se
diferenciava em muito do quadro em Caconde. Na primeira, a maioria dos partidários e
políticos era de tendência monarquista conservadora. Segundo João Silveira, havia 43
anos que a cidade era governada por conservadores. 55 Já São José do Rio Pardo era
formada por liberais e republicanos, sendo a maioria adepta às ideias republicanas.
Nesse sentido, enquanto subordinada a Caconde, provavelmente, Antônio Marçal
Nogueira de Barros fosse mais influente que quando subordinada a Casa Branca.
54
ROCHA, Octávio. Álbum Riopardense. São José do Rio Pardo, 1917. Apud. PORTAL DO
TURISMO. São José do Rio Pardo. Roteiros do Brasil, Região Estradas e Bandeiras: História da
Cidade. Disponível em <http://www.ferias.tur.br/informacoes/9658/sao-jose-do-rio-pardo-sp.html>
Acesso em 20 dez 2013. Para o arruamento da cidade, ver mapa anexo.
55
João Silveira foi orador da causa de emancipação de São José do Rio Pardo a vila. Correio Paulistano.
Assembleia Provincial, 10ª. Sessão Ordinária aos 25 de fevereiro de 1885, São Paulo, domingo, 08 mar
1885, ano XXXI, n° 8564.
40
Interessado em elevar a freguesia à condição de vila, Antônio Marçal
Nogueira de Barros, juntamente com outros cidadãos riopardenses, submeteu uma
solicitação à Assembleia Legislativa de São Paulo. A Lei n° 49, de 20 de março de
1885, que elevou a localidade à vila, não aconteceu sem discussões e disputas. Na
reunião da Assembleia Legislativa, em 11 de fevereiro de 1885, foi lançada a solicitação
de emancipação de São José do Rio Pardo. Segundo o orador do pedido, Sr. João
Silveira, a localidade não havia sido contemplada no censo de 1873 por não ter
população suficiente naquele período mas, em 1885, já contava com “seis mil almas
aproximadamente” e era, então, uma freguesia com povo e economia suficientes para
ser emancipada. 56
Em 25 de fevereiro de 1885, na 10ª sessão da Assembleia Legislativa de
São Paulo, o deputado Antônio José Corrêa, de Casa Branca, entrou com um
requerimento solicitando que o território de São José do Rio Pardo se resumisse ao
trecho entre o rio Pardo e o rio Fartura e não a porção correspondente à freguesia
pleiteada pelos riopardenses. Com essa divisão territorial requerida pelo deputado, Casa
Branca não perderia grandes fazendas produtoras de café que garantiam arrecadação de
impostos para a municipalidade. Outro importante ponto era a estação do ramal do rio
Pardo que seria construída em São José do Rio Pardo e, se ainda pertencesse a Casa
Branca, deixaria seus subsídios no município. Além desses motivos econômicos, havia
também motivações políticas para a interposição do deputado. Antônio José Corrêa era
um político do partido conservador, tinha o título de Barão do Rio Pardo, e sua
solicitação tinha um caráter de “vingança política”57, segundo afirmação de João
Silveira. Ele contou que
56
Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 13ª. Sessão Ordinária aos 11 de fevereiro de 1885, São
Paulo, quarta feira, 25 fev 1885, ano XXXI, n° 8554.
57
Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 10ª. Sessão Ordinária aos 25 de fevereiro de 1885, São
Paulo, domingo, 08 mar 1885, ano XXXI, n° 8564.
41
O partido conservador de Casa Branca constituiu na comarca uma
suserania de quarenta e três anos de domínio.
Durante esse longo reinado a força do número parecia eternizar a
ditadura.
A 14 de abril de 1880 um grupo de patriotas mártires de perseguições
inigualáveis, joguete de ódios políticos, fez ouvir sua voz nessa
assembleia, por intermédio de seus representantes, e levantou-se
possante e cheia de vida a freguesia de S. José do Rio Pardo.
A grande maioria oposicionista da nova freguesia derrotou, logo na
primeira eleição municipal, o feudalismo inveterado que dominava
tudo, esterilizando tudo.
Por um esforço supremo os vencidos, esmagados pelos números,
lançaram mão do triste recurso da nulidade das fórmulas eleitorais
para retomarem seus postos perdidos. Segundo combate, segunda
derrota, segundo apelo às nulidades...
Era preciso acabar com a freguesia de S. José do Rio Pardo, o
espantalho dos conservadores.
Sr. C Rodrigues – Essa é a verdade.
O Orador – Eis a causa do projeto do nobre deputado Sr. Antônio José
Corrêa. Que importa a s. ex. o sacrifício de uma grande população que
não é a do seu credo?
O Sr. M. Prado Junior – Só há quatro eleitores conservadores lá.
O Orador – Quando, Sr. Presidente, aquela localidade mais floresce,
quando a sua lavoura mais prospera, quando sua população, com um
patriotismo invejável, se consagra ao engrandecimento do município
por uma dedicação mutua e fraternal, é justamente, como uma punição
a esse grande pecado, que se vem descentralizar, espedaçando, as
forças reunidas, os fatores do progresso local!
É uma injustiça, que não encontra explicação senão no espírito de uma
política doentia, que peleja para derrotar os adversários, pouco se
importando que a essa derrota siga-se também o aniquilamento de
municípios inteiros.
Em honra da minha consciência, da minha província e do meu partido
eu condeno essa política.58
As disputas políticas entre conservadores, liberais e republicanos já se
faziam presentes nas discussões de elevação de São José do Rio Pardo à vila. Sua
emancipação foi uma vitória dos liberais e republicanos contra os conservadores, tanto
no sentido político, como no sentido econômico. Politicamente, os liberais e
republicanos de São José, em acordo contra os conservadores, conquistaram seu espaço
eleitoral na vila recém-criada – mais uma que elegeria políticos liberais ou republicanos.
Economicamente, com a conquista da vila, eles puderam manter os impostos relativos
58
Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 10ª. Sessão Ordinária aos 25 de fevereiro de 1885, São
Paulo, domingo, 08 mar 1885, ano XXXI, n° 8564.
42
ao café na municipalidade e ainda sediaram a estação do ramal do rio Pardo, que seria
inaugurada na cidade e ligaria o oeste paulista ao sul de Minas.
Com a elevação à condição de vila, no dia 8 de maio de 1886, a Câmara
foi instalada no Paço da Câmara Municipal, edificação doada por Antonio Marçal
Nogueira de Barros. A Câmara foi formada pelos senhores Antonio Marçal Nogueira de
Barros, Vicente Alves de Araújo Dias, Luis Carlos de Mello, Joaquim Gonçalves dos
Santos, José Ezequiel de Souza, Antonio Corrêa de Souza e Saturnino Frauzino
Barbosa. O Sr. Antonio Marçal Nogueira de Barros foi eleito presidente e o Sr. Joaquim
Gonçalves dos Santos, o vice. O presidente e o vice eram primos e não tomaram parte
nas manifestações políticas da revolta republicana que ocorreu alguns anos mais tarde.
Antônio Corrêa de Souza foi um dos republicanos que ofereceu homens para a revolta,
juntamente com seu filho, José Antônio de Lima. Já o capitão Saturnino Frauzino
Barbosa, protagonista liberal da revolta, foi o vereador e redator da ata da sessão de
eleição e posse da mesa da Câmara. 59
Ainda em 1886, o coronel Antônio Marçal Nogueira de Barros,
responsável pela criação da igreja e preocupado com a legitimação de sua iniciativa de
fundação da cidade, enviou cartas a algumas pessoas que participaram com ele da
construção do templo. 60 Segundo uma das cartas, havia boatos de que tentavam incluir
outros agentes no processo de criação do núcleo de povoação em torno da igreja. É
interessante observar que após a elevação de São José do Rio Pardo à vila e sua
subsequente instalação, o coronel, até então a liderança que despontava nos
documentos, teve a necessidade de oficializar por meio de testemunhos a sua
participação na construção da igreja e elevação à freguesia e vila.
59
SÃO JOSE DO RIO PARDO. Ata de instalação da Câmara Municipal de São José do Rio Pardo.
Disponível em <http://www.camarasjriopardo.sp.gov.br/paginas/historia.php> Acesso em 13 de jun. 2013
60
Algumas dessas cartas-resposta ficaram arquivadas no Museu Riopardense.
43
Antônio Marçal Nogueira de Barros estava se sentindo ameaçado por
outras forças políticas que emergiam naquele momento. Seu intuito com as cartas de
validação de suas ações era “fazer o histórico da fundação desta Villa de S. José do Rio
Pardo”61, mas o que acontecia era uma discussão de cunho político escondida nas
entrelinhas das solicitações de respostas. Não conseguimos apurar quem tinha interesse
de tirar do coronel a autoridade de “fundador” da cidade, mas isso pode ter relação com
as mudanças internas no poder da cidade, especialmente, o novo momento político em
que a vila se encontrava.
Após a aliança entre liberais e republicanos riopardenses contra os
conservadores de casabranquenses para a emancipação, o acordo não foi mais
necessário e as divergências internas apareceram. Ao que tudo indica, Antônio Marçal
Nogueira de Barros era do partido liberal e não tomou parte na revolta republicana. 62
Há duas hipóteses para a preocupação de Barros. A primeira seria que os
republicanos locais o pressionavam e tentavam tirar-lhe o título de fundador da cidade e,
em consequência, abalavam sua liderança política. A segunda hipótese seria um cisma
interno no partido liberal local e Saturnino Barbosa, o líder que despontava, estaria
disputando forças com ele, com o intuito de controlar o partido. Em qualquer uma das
hipóteses, Antônio Marçal Nogueira de Barros se sentia ameaçado politicamente.
Nos anos de 1880, uma vida social se estabelecia em torno da venda, da
farmácia e da igreja, com as missas que aconteciam aos domingos, celebradas pelo
padre Ancasuerd. Giuseppe Manzoni contava que “Em São José há um só padre e uma
só missa. Depois da missa, a igreja se fecha e ninguém pode mais entrar. Quando o
61
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre da terra mãe (são José do Rio Pardo). São José do Rio
Pardo – SP: Graf-Center, 2001, p. 73.
62
Antônio Marçal Nogueira de Barros não foi citado no inquérito da revolta, o que indica que,
provavelmente, não participou dos eventos daquele dia. Encontramos menção a ele em dois sites. Um o
cita como líder do partido liberal, cargo ocupado por Saturnino Frauzino Barbosa, durante e revolta
republicana. O outro site menciona Barros como um dos companheiros de Francisco Glicério. Nenhum
dos dois cita as fontes das afirmações e não podem servir de fonte histórica. Fonte:
<http://www.arvore.net.br/Paulistana/Bicudos_3.htm> e <http://mcarlosgomes.org.br/patronos.html>.
44
padre vai a algum lugar vizinho, ganhando 50 florins, ele deixa a cidade sem missa,
mesmo em dia de festa.”63 Na zona rural, as distâncias eram grandes, o que dificultava a
ida à missa e às festas da vila e, se chovesse, as estradas eram ruins e os lavradores não
conseguiam chegar até a cidade. Ainda descrevendo sua experiência em São José do Rio
Pardo, Giuseppe Manzoni nos contou como eram os morros e cafezais:
A terra é muito fértil, não precisando cultivo. Os bosques são densos,
de um tamanho extraordinário.
(...)
Aqui, agora, estamos carpindo café. Ganha-se pouco porque o mato,
no meio do cafezal, tem a altura de um homem, mas se ganha 25 mil
florins por mil plantas. Se o senhor pudesse ver a maravilha que é uma
colina de café! Os grãos iguais que caem do pé parecem avelãs. Todas
as plantações são alinhadas, tendo estradas entre elas, que podem
passar carros. Tem laranja, limão e outras frutas. Tem fumo para
fumar. A planta do café tem folhas como as de louro. (...).
Maravilhoso é ver que nos bosques não há animais selvagens, porque
não há cavernas; todas as colinas são lisas, belíssimas.
(...)
Digo-lhe que na América as estradas são péssimas. Não se pode
imaginar! Tanto assim que para puxar um carro de duas rodas, com
peso de mil libras, são necessários quatorze enormes bois. Se
houvesse boa vontade custaria pouco consertá-las.64
A carta de Giuseppe Manzoni faz parte de um compêndio de documentos
coletados por Emílio Franzina, o autor de “Merica, Merica!”, cujo trabalho sobre a
emigração italiana para o Brasil foi editado em 1979. O autor é professor de história na
Universidade de Verona e sua pesquisa envolveu diversas fontes, mas o principal
material analisado foi uma seleção de 41 cartas de italianos enviadas do Brasil para
destinatários na Itália. Nesse material, há depoimentos acerca da vida cotidiana em
terras brasileiras e relatos das atividades nas lavouras cafeeiras, além de outras
peculiaridades.
63
Giuseppe Manzoni era um italiano que foi trabalhar em uma fazenda de café em São José do Rio Pardo.
Ele escreveu uma carta ao professor de sua cidade na Itália contando a vida nas fazendas de lá.
MANZONI, Giuseppe. Carta, 1889. In.: PAULON. A carta do imigrante Giuseppe Manzoni. 11 mar.
1889. Disponível em < http://www.paulon.com.br/ cartadoimigrante.htm> Acesso em 13 jun. 2013.
64
MANZONI, op. cit., 1889.
45
Dessas cartas, apenas uma era de São José do Rio Pardo e nos
proporcionou uma descrição da terra riopardense e da cultura local. Giuseppe Manzoni
endereçou sua correspondência a seu amigo, professor de sua cidade natal na Itália,
datada de 11 de março de 1889. Ele lhe contava as vivências na nova terra e, com um
caráter informal, ia descrevendo suas percepções sobre o meio ambiente, os costumes
dos brasileiros e o regime de trabalho. O italiano mencionou as estradas de São José do
Rio Pardo e suas más condições. Para ele, isso ocasionava a dificuldade de trânsito entre
as fazendas e a sede da vila.
Nos anos em que Manzoni redigiu esse documento, a produção de café
em São José do Rio Pardo já atingia altos índices e as vias eram, provavelmente, um
empecilho ao escoamento das sacas para a estação ferroviária mais próxima. Além
disso, o transporte ruim indicava que, mesmo com o desenvolvimento econômico
trazido pelo café, a região ainda apresentava a falta de recursos para manter seus
caminhos trafegáveis. Havia um investimento particular em ferrovias para escoar a
produção, mas as estradas internas não recebiam tratamento e não havia recursos
estaduais ou federais direcionado a elas.65
Sobre a ferrovia, Giuseppe Manzoni afirmou
As estradas de ferro são estreitas e entram no meio dos bosques. Os
trens vão como o vento: correm muito mais que os da Itália. Eu saí de
São Paulo às seis da manhã e cheguei às quatro da tarde em São José
do Rio Pardo, distância que calculo seja de Conegliano a Gênova. 66
65
A maioria dos impostos relativos ao café ficava na capital e o governo da província não aplicava esses
recursos no oeste paulista como deveria. Essa foi uma das reclamações dos políticos das regiões cafeeiras
em 1885, na Assembleia Legislativa de São Paulo, na mesma sessão em que foi solicitada a emancipação
da vila de São José. Os deputados discutiram a distribuição dos impostos e os representantes do oeste
paulista questionaram o uso dos recursos produzidos pelo oeste, pelas cidades de São Paulo e Santos.
Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 13ª. Sessão Ordinária em 11 de fevereiro de 1885, São Paulo,
quinta feira, 25 fev 1885, ano XXXI, n° 8554 e Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 13ª. Sessão
Ordinária em 11 de fevereiro de 1885, São Paulo, quinta feira, 26 fev 1885, ano XXXI, n° 8555.
66
MANZONI, op. cit., 1889.
46
A ferrovia chegou a São José do Rio Pardo em 1887, vinda de Casa
Branca. O ramal era de responsabilidade da Cia. Ramal Férreo do Rio Pardo. Ela era
composta por 71 acionistas, entre eles, Antônio Augusto Moreira de Barros, Antônio
Marçal Nogueira de Barros, Joaquim Augusto Ribeiro do Valle, D. Antônio Mercado
(republicano), José da Costa Machado de Souza (republicano), Damaso Ribeiro
Machado (republicano) e Dr. Fortunato dos Santos Moreira (liberal).
Em 28 de novembro de 1887, os acionistas reuniram-se na em assembleia
para decidir os rumos da companhia, sendo já abordada a fusão com a Mogiana.
Durante as discussões, definiram o aumento do capital e questões de ordem
administrativa. Por fim, a companhia foi comprada pela Cia. Mogiana, em junho de
1888, que estendeu os trilhos até Canoas e depois Mococa.67 Participavam do Ramal do
Rio Pardo liberais e republicanos, mas, pela listagem, a maioria era adepta das ideias
republicanas.68
No final dos anos de 1880, São José do Rio Pardo era composta por três
grupos políticos distintos: os conservadores, os liberais e os republicanos. As três
vertentes políticas disputavam o poder nas eleições, mas isso também podia ser
observado nas companhias, associações e clubes da região.
Na primeira Câmara formada, conforme já citamos, foram vereadores
quatro senhores. Na segunda Câmara, de 1887 a 1889, foram eleitos sete vereadores:
Honório Olympio Machado, Honório Luiz Dias, José Divino Nogueira de Sá, Antonio
Silvério da Silva Muza, José Ezequiel de Sousa, Luis Carlos de Mello e Saturnino
Frauzino Barbosa. Os suplentes eram João Baptista Junqueira e José Antonio de Lima.
No ano de 1887, foi presidente da mesa da Câmara o senhor Honório Olympio Machado
e o vice, o senhor Honório Luis Dias. Em 1888, os senhores Honório Olympio Machado
67
DIAS, Lia Ribeiro. Júlio Tavares: café, Mogiana e PRM. São Paulo: Momento Editorial, 2009.
Cia Ramal Férreo do Rio Pardo. Seção Livre. Correio Paulistano. São Paulo, quinta feira, 8 dez 1887,
ano XXXIV, nº 9382, p. 2.
68
47
e Saturnino Frauzino Barbosa foram, respectivamente, o presidente e o vice da mesa da
Câmara. Em 1889, foi presidente o senhor Saturnino Frauzino Barbosa e o vice, o
senhor José Divino Nogueira de Sá.69
Essas Câmaras eram formadas por liberais e republicanos, já que os
conservadores, segundo o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, eram apenas três. 70
Havia um acordo entre liberais e republicanos na disputa do poder na cidade: eles
deveriam se revezar na ocupação dos cargos do legislativo municipal. No entanto, a
presidência da Câmara que, deveria ser cada ano de uma facção, foi monopolizada pelos
liberais. Em 1887, o republicano Honório Luís Dias era o vice-presidente, mas, em 1888
e 1889, os republicanos foram extirpados da mesa e nos cargos da presidência e vicepresidência ficaram dois liberais. Por fim, a minoria estava no poder. Esse golpe causou
um estranhamento entre liberais e republicanos na cidade, desencadeando uma série de
pequenos conflitos que envolveram grupos populares e os cafeicultores locais, bem
como dois nomes representativos da política local: Honório Luís Dias, republicano, e
Saturnino Frauzino Barbosa, liberal.
Esse quadro de disputa entre republicanos e liberais esteve presente em
todo o período entre a formação da Câmara de 1887 até a proclamação da república, em
15 de novembro de 1889, momento em que as posições políticas se abalaram até se
reorganizarem novamente. Os anos de 1887, 1888 e 1889 foram fundamentais para a
construção das relações políticas entre os grupos rivais de São José do Rio Pardo e para
69
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PARDO. De 1886 a 2012, as legislaturas de São
José do Rio Pardo. Disponível em < http://www.camarasjriopardo.sp.gov.br/arquivos/4-Legislaturas1886-2012.pdf > Acesso em 12 mai 2013.
70
Manoel Corrêa de Sousa Lima afirma isso em sua entrevista para o Diário da Tarde, em 1949, mas na
sessão da Assembleia Legislativa de São Paulo que discutia a emancipação de São José do Rio Pardo a
vila, em 1885, Matinho Cândido Prado ressalta que só havia quatro conservadores na freguesia,
confirmando as palavras de Manoel Corrêa de Sousa Lima. TAVARES, Marcelo Coimbra. Proclamaram
a república três meses antes do 15 de novembro. Diário da Tarde, Belo Horizonte, 24 fevereiro, 1949, p.
1 e 5 e Correio Paulistano. Assembleia Provincial, 10ª. Sessão Ordinária aos 25 de fevereiro de 1885,
São Paulo, domingo, 08 mar 1885, ano XXXI, n° 8564.
48
estabelecer e demarcar o terreno entre os políticos da vila de São José e os de Casa
Branca.
Em 1887, ocorreu um episódio que aparentava não ter vínculo com as
questões políticas da região, mas ao observarmos em menor escala estava repleto de
características da vida política de São José do Rio Pardo e Casa Branca. Naquele ano,
alguns riopardenses fizeram algazarras e desordens madrugais repetidas vezes na vila de
São José do Rio Pardo. Eram, provavelmente, encontros e comemorações noturnas
cujas motivações desconhecemos, mas que provavelmente não se passavam de
bebedeiras. Essas celebrações estavam incomodando os moradores da sede e o único
policial que ali fiscalizava precisou intervir. Era o sargento Silva que, em cumprimento
do seu dever, advertiu os baderneiros, mas foi combatido por eles. Desconhecemos o
que exatamente aconteceu, mas o revidar dos bêbados levou à morte do sargento. 71
Vasculhando os textos de memorialistas locais, encontramos uma lenda
em São José do Rio Pardo que explica a denominação de um poço – o poço do sargento.
Conta a lenda que um policial conhecido como Sargento foi chamado
para colocar ordem no Jardim Público. Lá se desentendeu com
arruaceiros e passou a ser perseguido por um bando que queria dar
uma surra no soldado. Desprotegido (só havia um policial), ele tentou
fugir correndo para os lados do Cemitério, nos altos da cidade. A turba
continuou no seu encalço até que chegou à margem do rio, atrás do
Campo Santo. Acuado, ele se viu obrigado a pular nas águas, sem
perceber que ali o Pardo formava um poço. Cansado e sem forças para
atravessar o rio, o soldado morreu afogado e o lugar passou a ser
conhecido como Poço do Sargento. 72
Não sabemos se o sargento do poço era o mesmo da notícia de 1887 e
não temos como averiguar porque não encontramos o processo, nem o inquérito das 23
testemunhas inquiridas pelo delegado de polícia de Casa Branca, Sr. João Gonçalves
71
“TUMULTO em São Jose do Rio Pardo”, Correio Paulistano, ano XXXIV, n° 9314, 20 set. 1887, p.
2.
72
“Cada nome estranho!” Cidade Livre do Rio Pardo. 16 abr. 2013. Disponível em
<http://cidadelivredoriopardo.com.br/materia/81/2/Cada-nome-estranho!.html> Acesso em 13 jun 2013.
49
dos Santos. Por outro lado, o caso que parecia ser um acidente infeliz foi parar nos
jornais da província e usado como pretexto para catalisar as disputas entre
conservadores, liberais e republicanos. Ao que tudo indica, a lenda tem seu fundo de
verdade e o sargento,
tentando resolver o problema dos barulhos noturnos dos
arruaceiros, acabou sofrendo um acidente que resultou em sua morte. Isso gerou
indignação por parte da população riopardense e represálias realizadas pelos
baderneiros, que, por sua vez, também levaram à indignação a sociedade
casabranquense.
A história ganhou força com uma alteração no comunicado acerca do
ocorrido, publicado no Liberal Paulista, em 20 de agosto de 1887, com o nome
“Tumulto em São José do Pio Pardo”. Nesse relato, ao que parece, o delegado de Casa
Branca, que também era responsável por São José do Rio Pardo, foi ofendido pelos
baderneiros. Em contrapartida, o jornal Correio Paulistano lançou uma nota intitulada
“Casa Branca”, em 4 de setembro de 1887, manifestando a insatisfação de 132
moradores de Casa Branca, “pertencentes às três parcialidades políticas”, com as
injúrias e ataques conferidos ao delegado da cidade, Sr. João Gonçalves dos Santos. 73
Em 20 de setembro de 1887, outra reportagem do jornal Correio Paulistano confirmou
a alteração realizada pelos baderneiros na notícia de 20 de agosto, publicada no Liberal
Paulista, e comentou a indignação dos riopardenses perante o falecimento do sargento,
as circunstâncias em que ocorreu a morte e as injúrias proferidas contra o delegado.
Para confirmar, eles mencionam que fizeram um abaixo assinado e o publicaram em 26
de agosto de 1887.
O importante das duas notícias são as expressões que explicavam a
participação de conservadores, liberais e republicanos, “pertencentes às três
73
“CASA Branca”. Correio Paulistano, ano XXXIV, n° 9303, 04 set. 1887, p. 1.
50
parcialidades políticas” e “sem distinção de cor política”, tanto no manifesto de Casa
Branca, como no abaixo assinado de São José do Rio Pardo, indicando que eram
legítimos e não se tratavam de disputas políticas. Os agressores do sargento e do
delegado é que teriam se comportado de maneira indevida e essas ações causaram uma
comoção geral, que reuniu os diferentes grupos políticos. Isso significava que tanto o
ocorrido com o sargento, quanto as malcriações com o delegado eram repudiadas pelos
cidadãos casabranquenses e riopardenses.
1.2. Formação econômica: o café e a terra
A história da produção cafeeira brasileira é essencial para a
contextualização das atividades econômicas da cidade de São José do Rio Pardo. O
tema foi alvo de uma gama de autores que analisaram a situação do café no contexto
brasileiro, demonstrando sua importância e seu atrelamento ao desempenho financeiro
do país. Esses autores também discutem a decadência dos cafezais e as crises relativas
ao produto, especialmente, as supersafras do início do século XX. 74
Ana Luiza Martins tentou estabelecer um levantamento da historiografia
do café e observou as dificuldades dessa sistematização. Para tentar minimizar esse
problema e abarcar o máximo de obras possível, ela dividiu a bibliografia em alguns
74
Para a história do café, ver: BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de
Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1952; HUNNICUTT, Benjamim H. Produção Agrícola no
Brasil. Rio de Janeiro: SNA, 1925; MERGULHÃO, Benedicto. Santa inquisição do café. [Rio de
Janeiro]: Irmãos Pongetti, 1940; MINAS GERAIS. Minas e o Bicentenário do cafeeiro no Brasil, 17271927. Contribuição da Secretaria da Agricultura do Estado de MG. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1929. MOTA SOBRINHO, Alves. A civilização do café (1820-1920). 2.ed./rev. São Paulo: Brasiliense,
[19-]; RAMOS, Augusto. O café no Brasil e no estrangeiro. Rio de Janeiro: Pop. Santa Helena, 1923;
TAUNAY, Affonso de E. História do café no Brasil, no Brasil colonial, 1727-1822. Rio de Janeiro:
Dep. Nacional do Café, 1939, tomo II. Sobre a historiografia da produção cafeeira: SILVA, Sérgio.
Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978;
HOLLOWAY, Thomas. Vida e morte do Convênio de Taubaté: a primeira valorização do café. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1978; DELFIM NETTO, Antônio. O problema do café no Brasil. São Paulo:
IPE/USP, 1981; LIMA, João Heraldo. Café e indústria em MG (1870-1920). Petrópolis: Vozes, 1981;
NOZOE, Nelson Hideiki. São Paulo: economia cafeeira e urbanização. São Paulo: IPE/USP, 1984,
entre outros.
51
grupos por data e assunto. Segundo ela, no século XIX e início do século XX, os textos
se referiam às técnicas de plantio e divulgação da lavoura. Nos anos de 1920, 1930 e
1940, a produção historiográfica voltava-se para a história econômica brasileira. Nos
anos de 1950, Martins observou que a bibliografia da cafeicultura estava relacionada ao
4º centenário da cidade de São Paulo e foram produzidas matérias em jornais e alguns
trabalhos acadêmicos sobre o tema. Nos anos de 1960, os brasilianistas adotaram o
assunto e se dedicaram aos estudos da rubiácea, produzindo uma série de obras de
análise da produção cafeeira em seus diversos aspectos. Por fim, Martins define que,
com a entrada dos anos de 1970, as produções acadêmicas sobre a cafeicultura tomaram
novos rumos e diversificaram ainda mais a abordagem, lidando com o tema associado a
muitos outros que contribuem para a compreensão da atividade e de sua história. 75
Para conhecermos a participação econômica de São José do Rio Pardo na
economia cafeeira do último quartel do século XIX é necessário fazer um pequeno
apanhado da cafeicultura no vale do Paraíba. O intuito disso é compreendermos o
deslocamento da cultura do café do vale para o oeste paulista.
Alves Motta Sobrinho contextualiza a chegada da rubiácea ao Brasil.
Segundo ele, o café atingiu as terras brasileiras pelo norte, na província do Amazonas,
no primeiro quartel do século XVIII. Foi levado para o Maranhão no terceiro quartel
daquele século e, em 1774, desceu para o Rio de Janeiro, pelas mãos do Dr. J. Gualberto
Castelo Branco76, que plantou mudas em um jardim. O primeiro cafezal foi cultivado
nos arredores da cidade do Rio de Janeiro por um belga que multiplicou as sementes
trazidas do Maranhão. Em 1817, D. João VI distribuiu sementes de café que vieram de
75
MARTINS, Ana Luiza. Historiografia do café: sugestão de percurso. In: II Seminário de História do
Café - História e Historiografia, 2. 2008, Itu. Anais... Itu, Museu Paulista, 2008. Disponível em <
http://memoria.fundap.sp.gov.br/memoriapaulista/sites/default/files/publicacao/TEXTO_COMPLETO_A
NA_LUIZA.pdf> Acesso em 01 set 2013.
76
Roberto Simonsen afirma que o nome do desembargador era João Alberto Castello Branco e ele teria
levado mudas de café do Pará para o Rio de Janeiro. SIMONSEN, Roberto C. Aspectos da história
econômica do café: contribuição para o Congresso de História Nacional, promovido pelo IHGB, em
outubro de 1938. Rio de Janeiro: IHGB, 1938.
52
Moçambique entre fazendeiros locais e as plantações foram feitas em chácaras na Tijuca
e Corcovado, em sítios na baixada fluminense e dali para o vale do Paraíba fluminense e
paulista.77 Nessa região floresceram, então, os primeiros cafezais de produção para o
mercado externo.
Nos mapas a seguir, a cor vermelha indica a localização dos vales do
Paraíba fluminense e paulista.
Mapa figurativo 1 e 2: da esquerda para a
direita, mapa do Vale do Paraíba paulista
e fluminense. (sem escala)
Fontes: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fi
cheiro:SaoPaulo_Meso_ValedoParaibaPa
ulista.svg> e <http://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:RiodeJaneiro_Micro_Valed
oParaibaFluminense.svg>
Na página seguinte, segue um mapa que reúne as informações das duas
regiões, identificando-as com sua continuidade peculiar. A extensão da região paulista é
maior que a fluminense.
77
MOTTA SOBRINHO, Alves. A civilização do café (1820-1920). 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.
53
Mapa figurativo 3: Vale do Paraíba
paulista
e
fluminense.
Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/co
mmons/2/28/Vale_do_Para%C3%ADba.P
NG
Mapa 4: Áreas Produtoras de Café RJ/SP no vale do Paraíba paulista e fluminense. Fonte: O
PROCESSO de Ocupação do Estado de São Paulo. Disponível em
<http://www1.univap.br/sandra/ocupacao.pdf> Acesso em 15 out. 2013.
Os vales do Paraíba fluminense e paulista foram ocupados pelos cafezais
ao mesmo tempo, começando nas primeiras décadas do século XIX e convivendo com a
54
cana-de-açúcar já existente no local desde o século XVII. Em 1830, ainda havia
canaviais no vale, plantados lado a lado aos cafezais. 78
Segundo Motta Sobrinho, o processo de produção cafeeira se inicia com
a aquisição de mão de obra cativa e terras para o plantio, investimento alto para uma
cultura que demorava alguns anos para florescer. Em seguida, eram plantados os
cafeeiros e se aguardava o momento da floração. Isso ocorria após quatro anos e a
primeira florada ainda não oferecia uma boa safra porque o pé era jovem.
O cotidiano do cultivo, segundo o autor, se modificando com o tempo, o
que gerou “o aumento da produção e dos lucros”.79 Cita a fazenda de Resgate, em
Bananal, estudada anos depois por diversos autores, como Hebe Castro e Eduardo
Schnoor80, e Rafael Marquese, que analisa a paisagem da fazenda, suas benfeitorias e
seu cotidiano.81 Stanley Stein também se dedica às fazendas cafeeiras e estuda aquelas
da região de Vassouras no Vale do Paraíba. Ele descreve sua economia, analisando as
plantações, a mão de obra, sua vida social, discutindo o papel dos homens livres e dos
cativos, e, por fim, a decadência desses empreendimentos com o envelhecimento dos
pés e o desgaste da terra.82
Relativo ao estado de São Paulo, Roberto Simonsen afirma que as
fazendas se dedicavam ao açúcar, antes da produção cafeeira. Com a expansão das
lavouras de café, a rubiácea tornou-se principal produto, mas a atividade açucareira não
78
MOTTA SOBRINHO, op. cit., 1978. O autor não cita a região da Zona da Mata Mineira, onde havia
muitas e representativas fazendas de café, como a fazenda Santa Clara, dos Fortes de Bustamante, ou a
fazendas de Cataguazes entre outras. MACHADO, Marina Monteiro. Entre fronteiras: terras indígenas
nos sertões fluminenses (1790-1824). Tese de doutorado apresentada a UFF, ICHF, Departamento de
História, 2010. CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os sertões de leste: achegas para a história
da Zona da Mata. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. Essa obra cita algumas fazendas de café na
região, mas pouco contextualiza seu funcionamento e cotidiano.
79
MOTTA SOBRINHO, op. cit., 1978, p.52
80
CASTRO, Hebe Maria Mattos de; SCHNOOR, Eduardo (Org.). Resgate. Uma janela para o
oitocentos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995
81
MARQUESE, Rafael de Bivar. O Vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o
caso da fazenda Resgate. Anais do Museu Paulista, vol.18, n° 1, São Paulo, Jan./June 2010.
82
STEIN, Stanley. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba: com referência especial ao
município de Vassouras. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961.
55
foi abandonada e seguia em segundo lugar na região, ainda que com grande distância da
primeira em números. Para Simonsen, o oeste paulista, que não é definido por ele de
maneira precisa, já produzia café antes da chegada das ferrovias. Com o avanço do
transporte ferroviário, o escoamento das sacas pôde, então, ser realizado com mais
facilidade, o que impulsionou a atividade e acelerou o processo de decadência da
cafeicultura fluminense.
Sandra Lima, em “O oeste paulista e a república”, afirma que o caminho
da cafeicultura em São Paulo seguiu do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista e, mais
tarde, para o Novo Oeste.83 Essas denominações são arbitrárias e escolhidas pelos
estudiosos segundo critérios pouco definidos. Encontramos algumas classificações
diferentes para essas áreas, mas as mais usadas foram o oeste paulista dividido em novo
e velho. Este último engloba as atuais mesorregiões de Campinas, Araraquara e
Piracicaba e o novo as de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru, Araçatuba,
Marília e Presidente Prudente. Sandra Lima diferencia a produção de café do Vale do
Paraíba com aquela realizada pela região do Oeste Paulista, observando nessa última um
maior dinamismo e desenvolvimento tecnológico, mas não diferencia o velho do novo.
Sérgio Milliet estudou o café em sua obra “Roteiro do café e outros
ensaios”84. Segundo ele, a produção cafeeira passou pelo estado de São Paulo causando
grandes mudanças geográficas, econômicas, demográficas e culturais. Onde chegava, o
café ocupava as paisagens, atraía mão de obra e desgastava o solo. Com o desgaste da
terra, a cafeicultura migrava para novas fazendas e deixava ali as marcas do tempo
áureo da produção e o esvaziamento local. Desses vestígios, o autor compreende que é
possível traçar um roteiro do café em São Paulo e, para isso, estabelece mapas com a
ocupação dos cafeeiros nas terras paulistas. No mapa que ele define como “Esquema da
83
LIMA, Sandra Lúcia Lopes. O oeste paulista e a república. São Paulo: Vértice, 1986.
MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios. 4 ed. Ver e aum. São Paulo: Editora HUCITEC,
1982.
84
56
invasão cronológica do café”, o autor estabelece que São José do Rio Pardo foi ocupado
pelos cafezais em 1886, concordando com outros autores que definiram o crescimento
de São José a partir dos anos de 1870/1880.
Mapa 5. Ocupação dos cafezais em São Paulo. Adaptado do mapa “Esquema da
invasão cronológica do café” de Sérgio Milliet. Fonte: MILLIET, Sérgio. Roteiro do
café e outros ensaios. 4 ed. Ver e aum. São Paulo: Editora HUCITEC, 1982.
(Adaptações nossas).
Segundo Rodolpho José Del Guerra, São José do Rio Pardo foi ocupada
por grupos de migrantes e imigrantes; pelos primeiros na primeira metade do século
XIX e pelos segundos a partir do final dos anos de 1870 e início dos de 1880. O
primeiro grupo era formado por paulistas de outras regiões do estado, mineiros e negros
associados às famílias mineiras, que chegaram àquelas terras em dois momentos: nos
dois primeiros quartéis do século XIX e, mais tarde, nos anos de 1860 e 1870. Os
migrantes mineiros foram para São José para adquirir novas terras e produzir café. Já o
segundo grupo chegou a partir do final dos anos de 1870 e início dos de 1880. Eram
imigrantes italianos trazidos ao Brasil para trabalharem nas fazendas cafeicultoras do
57
oeste de São Paulo, mas que também se empregaram em atividades urbanas, como
sapataria, comércio, costura e construção.
A mudança do primeiro grupo para São José do Rio Pardo estava atrelada
à aquisição de fazendas para plantio do café. Isso significava uma nova concepção para
a terra, ligada à formação de um futuro mercado. No Brasil colonial e imperial, as
propriedades rurais eram ofertadas pelo Estado a partir da doação de sesmarias, até que
em 1850, a Lei de Terras, Lei nº 601 – de 18 de setembro de 1850, previu em seu artigo
quinto que as áreas ocupadas por meio de posse mansa e pacífica e cultivadas passavam
a ser legitimadas, garantindo a propriedade desses terrenos. 85 Por outro lado, no artigo
11, a lei previa o pagamento de um imposto no valor de 9$000 réis 86, o que
ultrapassava, algumas vezes, o valor da terra, como era o caso das fazendas em Goiás.
Monbeig afirma que houve uma especulação no oeste de São Paulo e os terrenos
dobravam de preço a cada venda e esse dinheiro era usado para adquirir terras mais
baratas mais a oeste e ao norte e plantar outras lavouras de café. 87
Não encontramos documentos que mencionassem o valor do hectare em
São José do Rio Pardo, mas utilizamos números de localidades próximas. Carlos de
Almeida Prado Bacellar analisa o mercado de terras em Ribeirão Preto, Batatais e
Orlândia, também no oeste paulista. Os dados dispostos no quadro 2 indicam a
85
Art. 5.º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havida
do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura e morada habitual do
respectivo posseiro ou de quem represente, guardadas as regras seguintes:
§ 1.º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, comprehenderá, além do terreno
aproveitado ou do necessário para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de terreno
devoluto que houver contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma
sesmaria para cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha.
BRASIL. Lei de Terras, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
86
“Art. 11. Os posseiros serão obrigados a tirar titulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por
effeito desta Lei, e sem elles não poderão hypothecar os mesmos terrenos, nem alienal-os por qualquer
modo.
Esses titulos serão passados pelas Repartições provinciaes que o Governo designar, pagando-se 5$ de
direitos de Chancellaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 500 braças por lado, e
outrotanto por cada igual quadrado que de mais contiver a posse; e além disso 4$ de feitio, sem mais
emolumentos ou sello.” BRASIL. Lei de Terras, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
87
MONBEIG, op. cit., 1984.
58
valorização do preço das fazendas. Reunimos duas tabelas elaboradas pelo autor em
apenas uma para compararmos os dados das duas regiões.
Quadro 2
Quadro dos Preços do Hectare em Ribeirão Preto, Batatais e Orlândia 88
Valores em
Anos
Ribeirão Preto Batatais e Orlândia
1850-1859
3$996
1860-1869
7$927
1876
3$845
1878
8$440
1870-1879
9$364
1879-1883
14$592
1884
23$603
1885
25$572
1886-1888
32$624
1880-1889
16$932
1891
31$068
1890-1899
47$272
Fonte: BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. “Uma rede fundiária em transição”. In.: BACELLAR,
Carlos de Almeida Prado (org). Na estrada do Anhangüera: uma visão regional da história paulista.
São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999, p. 92-116.
Podemos observar no quadro que os preços da terra aumentaram muito
dos anos de 1850 para 1890. Segundo Bacellar, isso ocorreu por causa da demanda
criada pela cafeicultura. Ele cita alguns exemplos de terrenos vendidos em São Simão
por 169$000 o alqueire, em 1888, e 826$000, em 1896. Para ele, a chegada da ferrovia,
especialmente em Ribeirão Preto, teve papel fundamental na valorização das
propriedades. Assim, partindo desse argumento, podemos sugerir que os hectares em
São José do Rio Pardo também se supervalorizaram nos anos de 1870 a 1890, seguindo
os parâmetros do mercado regional. Desde 1880, São José do Rio Pardo era
contemplada com o transporte ferroviário para que as sacas de café seguissem em
88
Dados retirados das declarações de pagamento do imposto da sisa e dos processos de divisão e
demarcação de terras existentes nos cartórios dos Fóruns de Batatais e Orlândia, 1846-1899.
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. “Uma rede fundiária em transição”. In.: BACELLAR, Carlos de
Almeida Prado (org). Na estrada do Anhangüera: uma visão regional da história paulista. São Paulo:
Humanitas FFLCH/USP, 1999, p. 92-116.
59
direção ao Porto de Santos. Isso, provavelmente, aumentou os valores das terras da
localidade.
Os investimentos financeiros se intensificaram no oeste paulista com o
deslocamento da economia cafeeira do vale do Paraíba para as terras roxas. Rodrigo
Fontanari estuda “o crédito no complexo cafeeiro” e afirma que ele era
“„multifacetado‟, ou seja, subsistiram diferentes modalidades de financiamentos na
cadeia creditícia”. Esses financiamentos estavam, para ele, associados à cafeicultura e
eram fundamentados em hipotecas e penhores agrícolas. Inicialmente, os escravos eram
os principais bens fornecidos como abono para o crédito; mais tarde, as propriedades e
as safras de café passaram a ser as principais garantias dos fazendeiros para obter os
empréstimos necessários à produção. Fontanari observou que os menores produtores
tinham mais dificuldades em obter boas quantias com juros baixos e prazos longos, em
detrimento dos maiores que, por terem mais dinheiro, recebiam mais apoio na obtenção
do crédito.89 Nesse sentido, podemos perceber que a concepção da terra passou por
modificações nesse processo de expansão cafeeira para o oeste paulista. A valorização
do bem para venda e como garantia para empréstimos e a existência de um mercado
passou a ser uma realidade entre os fazendeiros e negociantes de capitais.
Para além de seu sentido econômico, a terra representava poder e um dos
exemplos disso está na formação da freguesia de São José do Rio Pardo. A formalização
da propriedade doada para a igreja foi feita em um momento ritualístico, em que a terra
figurava simbolicamente como principal vínculo entre o ato de doar e a constituição da
capela. No ano de 1872, quando a igreja ficou pronta90, Antônio Marçal Nogueira de
Barros aguardava a bênção do bispo para a consagração da capela. O sacerdote, porém,
89
FONTANARI, Rodrigo. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no
complexo cafeeiro paulista. Casa Branca (1874-1914). Franca: [s.n.], 2011.
90
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre da terra mãe (São José do Rio Pardo). São José do Rio
Pardo, SP: Graf-Center, 2001.
60
afirmou que só poderia fazê-lo com a regularização dos registros do patrimônio doado.
Para isso, era necessário formalizar a posse da terra, que era feita a partir do uso do
terreno para plantio de árvores e abertura de lavoura, como previsto na lei de terras.
Assim, Antônio Marçal Nogueira de Barros, diante do tabelião e de testemunhas,
realizou uma espécie de ritual oficial: “cortou ramos de uma árvore e com eles cavou a
terra”, selando-se como possuidor da gleba doada.91 Ao que tudo indica, o bem já era
considerado pela comunidade como propriedade de Barros, que estava ali desde a
primeira metade do século XIX, mas o bispo, distante da localidade, desconhecia o
grupo e precisava de uma certificação. Esse pequeno rito indicava como foi parte do
processo de tomada de posse das terras na região de São José do Rio Pardo,
especialmente na primeira metade do século XIX. Já na segunda metade do século, a
ocupação se deu pela aquisição das propriedades dos antigos possuidores.
Como já afirmamos, a corrida para o oeste paulista tinha o intuito de criar
lavouras para o café, que levou os fazendeiros, então, a desbravarem as matas para
abrirem novas plantações. Os índices de produção do grão encontrados para o estado de
São Paulo e para aquela região indicam a relevância do fruto para a economia da
sociedade riopardense. Para isso, utilizaremos os dados citados por José Francisco
Camargo e suas divisões do estado em zonas 92, números coletados para Casa Branca por
Rodrigo Fontanari e a listagem de impostos do ano de 1893, arquivada na Câmara
Municipal de São José do Rio Pardo.
91
DEL GUERRA, Rodolpho José. O décimo terceiro. São José do Rio Pardo, SP: Graf-Center, 2007, p.
312.
92
José Francisco Camargo dividiu o estado de São Paulo em dez zonas cafeeiras, estabelecidas a partir
das estradas de ferro e da produção de café. São elas: 1ª- Capital; 2ª- Vale do Paraíba; 3ª- Central; 4ªMogiana; 5ª Araraquarense; 6ª- Paulista; 7ª- Noroeste; 8ª- Alta Sorocabana; 9ª- Sorocabana; 10ª- Baixa
Sorocabana. São José do Rio Pardo fica na região da Mogiana.
61
Tabela 2
Produção de café em arrobas no Estado de São Paulo por zonas
Zonas
Capital
Vale do Paraíba
Central
Mogiana
Araraquarense
Paulista
Noroeste
Alta Sorocabana
Sorocabana
Baixa Sorocabana
Total
1854
2.373.639
525.296
81.750
223.470
3.579.035
Anos
1886
1905
8.275
2.117.134 1.804.355
4.795.850 4.490.684
2.366.599 2.145.312
2.458.134 7.417.916
5.780.946
93.821
3.931.375
117.403
28.992
12.371.613 35.819.079
OBS: O total dos anos de 1854 e de 1886 não corresponde à soma; parcelas referentes às outras zonas,
como segue: 1854: 10.600 arrobas; 1886: 633.896 arrobas. Fonte: CARVALHO, Diego Francisco de.
Café, ferrovias e crescimento populacional: o florescimento da região noroeste paulista. Histórica –
Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n. 27, ano 3, 2007. Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/ edicao27/materia02/. Acesso em: 20
ago 2013. Apud.: CAMARGO, J. F. Crescimento da população do Estado de São Paulo e seus aspectos
econômicos: ensaio sobre as relações entre a demografia e a economia. São Paulo, 1952. Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. Vol. II, Tab. 62; Vol. III, Tabs. 107 e 108.
Joseph Love, em sua obra A Locomotiva, São Paulo na Federação
Brasileira, 1889 – 1937, indica as regiões definidas por José Francisco Camargo:
Mapa 6. Regiões de São Paulo. Fonte: LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na Federação
Brasileira, 1889 – 1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
62
Em Casa Branca, os dados levantados por Sérgio Milliet acerca da
quantidade de arrobas produzidas demonstram o auge da produção em 1886, salto desde
o primeiro dado, de 1854.
Quadro 3
Produção de café em Casa Branca e em São Paulo
Café em arrobas em Casa
Café em arrobas em
Anos
Branca
São Paulo
1854
1.750
3.579.035
1886
300.000
12.371.613
1920
211.140
20.243.948
1935
155.330
12.600.000
Fonte: FONTANARI, Rodrigo. O problema do financiamento : uma análise histórica sobre o crédito
no complexo cafeeiro paulista. Casa Branca (1874-1914). Franca: [s.n.], 2011. Apud: MILLIET,
Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do
Brasil. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1982. p.53, CAMARGO, J. F. Crescimento da população do Estado de
São Paulo e seus aspectos econômicos: ensaio sobre as relações entre a demografia e a economia. São
Paulo, 1952. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, vol. II, Tab. 62; Vol. III, Tabs. 107 e 108. Apud:
CARVALHO, Diego Francisco de. Café, ferrovias e crescimento populacional: o florescimento da
região noroeste paulista. Revista Histórica, São Paulo, nº 27, nov. 2007. Disponível em <
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao27/materia02/> Acesso em 12 set.
2014 e COSTA, Iraci Del Nero da; HERNANDES, Valério A.; LIMA JOSÉ L. (comp). Estatísticas
básicas da agricultura paulista (1839-1988). São Paulo: FEA-USP, 1990. Disponível em <
http://www.ipeadata.gov.br/doc/Estat%C3%ADsticas%20b%C3%A1sicas%20da%20agricultura%20paul
ista%20(1839-1988).pdf > Acesso em 12 set. 2014.
A produção na região de Casa Branca e São José do Rio Pardo aumentou
nos anos de 1870 e 1880, indicando que o auge da cafeicultura do oeste paulista atingiu
também a cidade. No “Almanach Administrativo, Commercial e Industrial da Província
de São Paulo”, para 1888, há a listagem dos produtores de café de São José do Rio
Pardo. Eram 65 fazendeiros, mas não há os índices de produção para o ano, nem o total
de sacas produzidas individualmente. Encontramos os números relativos aos anos de
1887/1888, 1888 e 1893 no Arquivo da Câmara Municipal de São José do Rio Pardo.
Em 1887/1888, foram registrados 59 contribuintes do tributo do café, angariando no
total 9:157$760 (nove contos cento e cinquenta e sete mil e setecentos e sessenta réis).
Em 1888, encontramos apenas os números referentes à arrecadação e às dívidas a serem
quitadas por alguns cafeicultores. A vila deveria ter recebido 6:595$600 (seis contos
quinhentos e noventa e cinco mil e seiscentos réis), mas foram pagos apenas 4:703$600
63
(quatro contos setecentos e três mil e seiscentos réis). Já em 1893, foram 83
contribuintes que pagaram 13:251$600 (treze contos duzentos e cinquenta e um mil e
seiscentos réis) ao poder municipal. O imposto era de quarenta réis, cobrado pela
municipalidade na província de São Paulo sobre cada arroba de café. 93 Rodolpho Del
Guerra levanta o número de sacas de café e impostos pagos à municipalidade em 1898
com dados retirados do jornal “O Rio Pardo”, de abril de 1899. Eram 104 fazendeiros,
cujas contribuições estão dispostas no quadro e no gráfico.
Quadro 4
Valores arrecadados de impostos em São José do Rio Pardo
Valores arrecadados de
Número de
Quantidade de
impostos
cafeicultores
arrobas produzidas
1887/1888
9:157$760
59
226.444
1888
6:595$600
65
164.890
1893
13:251$600
83
331.290
1898
11:882$000
104
733.700
Ano
Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de São José do Rio Pardo. São José do Rio Pardo / SP.
Já sabemos que a cafeicultura era a principal fonte de renda da região,
mas é importante ressaltar que conviviam em São José do Rio Pardo cafeicultores de
todos os portes, com produções em quantidades muito diferenciadas. 94 Isso pode
evidenciar a presença de pequenos produtores em meio aos grandes cafeicultores da
região, indicando a convivência entre dois tipos de lavoura. O pequeno produtor,
provavelmente, também vendia sua safra para o mercado externo, mas com menos
vantagens, como afirmou Fontanari.
93
Sobre os impostos e comércio de café ver: RANGEL, Sylvio Pereira. O café. Rio de Janeiro: SNA,
1908. Sobre os números de São José do Rio Pardo, ver Arquivo da Câmara Municipal de São José do Rio
Pardo. São José do Rio Pardo / SP.
94
SÃO JOSÉ DO RIO PARDO. Arquivo da Câmara Municipal de São José do Rio Pardo. São José do
Rio Pardo / SP.
64
Temos algumas listas de cafeicultores de São José do Rio Pardo, mas elas
não estão completas e se referem aos impostos pagos e não à produção. 95 A relação dos
contribuintes dos tributos relativos à colheita de 1893 foi retirada do Arquivo da
Câmara Municipal de São José do Rio Pardo. Seus dados seguem abaixo e podem
confirmar a diferença na quantidade de arrobas fiscalizadas.
Quadro 5
Relação dos Contribuintes de Imposto de Café Relativo à Colheita de 1893
Nº
Nome
Arrobas Imposto
1
Major José Dias Machado
3000
120000
2
Machado e Irmãos Fazenda do Peão
1500
60000
3
Damazo Ribeiro Nogueira
2000
80000
4
Dr. Luiz Augusto Pinto
3500
140000
5
Dr. José da Costa Machado
10000
400000
6
José Divino Nogueira de Sá
1800
72000
7
D. Prudenciana de Meirelles
300
12000
8
José Fortiny
1000
40000
9
Antônio Broxado
400
16000
10
Pedro Broxado
400
16000
11 Antônio Muza
1500
60000
12 Dr. Fernando Antônio de Barros
1000
40000
13 Capitão Saturnino da Aguiar Muza
400
16000
14 Militão Venâncio Rodrigues
1500
60000
15 D. Maria C. Ribeiro
2000
80000
16 Adolpho de Oliveira Lima
700
28000
(continua)
95
Podemos supor que havia sacas de café que não foram contabilizadas pelo fisco.
65
(Continuação)
Nº
Nome
Arrobas Imposto
17 D. Joaquina Maria de Jesus
200
8000
18 Lúcio Ribeiro de Carvalho
300
12000
19 Luís C. de Mello
500
20000
20 Joaquim Custódio Dias
1500
6000
21 D. Mariana L. Nogueira
2000
80000
22 Anastácio Marçal Nogueira
300
12000
23 Antônio Marçal Nogueira Barros
200
8000
24 Antônio M. N. B dos Órfãos Marçal, Generaldo e Olimpio 200
8000
Total: 1.520.000
A listagem de impostos pagos em 1898 tem valores muito superiores ao
de 1893, mas também proporciona a indicação da maioria de pequenos produtores,
como é possível observar no gráfico abaixo.
Gráfico 1
Gráfico do número de cafeicultores com suas produções cafeeiras em 1898
Gráfico 1. Número de cafeicultores com suas produções cafeeiras em São José do Rio Pardo. Dados
retirados de: DEL GUERRA, Rodolpho José. O décimo terceiro. São José do Rio Pardo, SP: GrafCenter, 2007, p.324-326.
66
Em 1893 e 1898, podemos observar que a maioria dos fazendeiros
produzia entre 200 e 5.000 arrobas de café por ano, sendo que aqueles que atingiam mil
sacas anuais eram a maioria do grupo. Isso corrobora a suspeita de que havia pequenos
produtores entre os grandes, mesmo com as dificuldades de se perpetuarem no mercado.
Observamos que os cafeicultores com maiores índices produtivos, em
1893, foram: Dr. José da Costa Machado (10 mil arrobas), Dr. Luiz Augusto Pinto
(3.500 arrobas) e Major José Dias Machado (3 mil arrobas). Em 1898, eles eram:
Francisco de Paula Lima (450 mil arrobas), Dr. José da Costa Machado (30 mil
arrobas), Dias & Irmãos, Eliziário Luiz Dias (12 mil arrobas) e José Ezequiel de Souza
(10 mil arrobas). O Dr. José da Costa Machado, recordista de produção em ambos os
anos que encontramos dados, fundou o clube republicano em São José do Rio Pardo e o
jornal “O Tiradentes”, mas não estava presente no jantar do hotel Brasil que
desencadeou a revolta republicana. O major José Dias Machado era pai de José
Octaviano, que tomou parte na revolta republicana, mas não foi chamado para depor no
inquérito.96 O maior de todos os produtores foi Francisco de Paula Lima, casado com
Paulina Cândida de Sillos, pai de José de Paula Lima e irmão do Barão de Mogi
Guassu, 97 provavelmente, um dos conservadores de Casa Branca.
São José do Rio Pardo é uma cidade do oeste paulista, criada na segunda
metade do século XIX em meio à corrida para as terras férteis, em torno da igreja de
São José e às margens do rio Pardo. Seus povoadores eram mineiros, brancos e negros,
mas também paulistas e italianos. Em uma escala maior, a pequena São José até hoje
não havia chamado a atenção da historiografia, mas ao ser estudada em escala menor,
foi possível identificar alguns de seus moradores e a participação deles na revolta que
96
“SÃO JOSÉ do Rio Pardo, Major José Octaviano Machado”, Correio Paulistano, 29 jun. 1938, ano
LXXXV, nº 25248, p. 2.
97
GENEA MINAS. Disponível em < http://www.geneaminas.com.br/genealogia-mineira/pessoa.asp?cod
pessoa=29990> Acesso em 15 out 2013.
67
proclamou a república na cidade três meses antes da proclamação. Os atores da revolta
nos trazem a possibilidade de analisar como se deu o enraizamento das ideias
republicanas na cidade, o que sugere certa participação popular na revolta. Essas duas
questões, juntamente com a ideia de que os paulistas ignoravam suas desavenças
políticas para manejarem economicamente os empreendimentos cafeeiros, nos
possibilita estudar São José do Rio Pardo com mais cuidado e confrontar premissas da
historiografia para o oeste paulista.
68
CAPÍTULO 2. A sociedade riopardense
Para compreendermos a sociedade riopardense, partimos da premissa de
que as relações pessoais / individuais interferem na economia, na política e na
sociedade. Consideramos que o convívio entre os indivíduos está presente nas
atividades comerciais de maior vulto financeiro, como a venda do café para o
comissário ou o empréstimo de dinheiro para o fazendeiro, mas também aparece nas
transações corriqueiras, como a compra de querosene ou sal no comércio local.
Observamos que esse comércio é, na medida do possível, feito a partir de escolhas
fundamentadas nas estratégias de sobrevivência, mas também nas simpatias e antipatias
pessoais. Na política, essas ligações pessoais também permeiam os grupos e suas
matrizes políticas, como os partidos e os clubes.
Na vida urbana e rural, as associações, sociedades e irmandades sem
laços diretos com opções políticas e econômicas, incluindo a maçonaria e a corporação
policial, contribuem para estabelecer vínculos e preferências nessas escolhas de
convivência, ideologia e envolvimentos econômicos. Isso significa que os indivíduos
escolhem e ponderam onde e como vão gastar ou investir seu dinheiro a partir das
satisfações ou insatisfações e isso pode afetar as relações econômicas. As opções
políticas também passam pelas empatias com aqueles que comungam das mesmas
ideias. Nesse sentido, é importante conhecer as relações entre as pessoas para
compreender o comportamento delas e dos grupos que fazem parte na sociedade
riopardense.
A sociedade de São José do Rio Pardo se formou, principalmente, a partir
da chegada de grupos brancos, negros e pardos vindos de Minas Gerais e São Paulo e
dos imigrantes italianos. Para a nossa análise, fizemos uma separação da sociedade em
69
grupos fundamentados nas divisões próprias das fontes encontradas. O objetivo é
compreendermos como se davam as relações políticas, econômicas e sociais na São José
do Rio Pardo do final do século XIX a partir das divisões propostas pelos depoentes do
inquérito da revolta.
Identificamos cinco grupos que vamos analisar em seguida: os negros e
pardos, que incluem escravos e forros e, no pós-abolição, ex-escravos; os imigrantes,
principalmente, italianos; os cafeicultores, proprietários de terras e letrados; os soldados
e praças da polícia e os liberais, que também eram fazendeiros ou funcionários públicos.
É importante ressaltar que essa divisão reflete os personagens da revolta riopardense e
suas características culturais, atividades econômicas e apadrinhamentos encontrados a
partir das fontes coletadas e analisadas.
Negros e pardos se contrapõem aos brancos, sejam eles imigrantes ou
fazendeiros, porém a diferença socioeconômica entre os brancos cafeicultores e os
imigrantes aproxima os negros e pardos dos colonos. Os imigrantes também precisam
ser compreendidos como um grupo à parte porque apenas eles vêm de fora e tem outro
conjunto cultural, assim, eles se contrapõem a todo o resto nesse quesito. Há traços
culturais muito compatíveis, como professar da mesma fé dos brancos cafeicultores, ter
a mesma cor de pele, nunca ter sido cativo, etc., mas estão subordinados aos
cafeicultores como os negros e pardos. Os soldados e praças da polícia são, em geral,
também afrodescendentes, mas se diferenciam dos outros grupos por representarem o
estado e a corporação. São naturais de outras localidades e não possuem vínculos
familiares com riopardenses, afastando-os das camadas mais empobrecidas das quais
eles fazem parte.
Os cafeicultores letrados e brancos são o grupo abastado, com poder
político e econômico. Subordinam negros e pardos e imigrantes pela dependência
70
econômica, já que são os senhores ou empregadores dessas famílias. Politicamente, se
dividem em liberais e republicanos, numa disputa interna do grupo, mas que afeta e
transborda para fora do agrupamento, envolvendo todos da cidade.
Os liberais são uma categoria política e que pode contemplar brancos
cafeicultores, negros e pardos, especialmente, os praças e soldados e funcionários
públicos que se encontram em um grupo não mencionado diretamente nas fontes, mas
identificado nelas como existente e ativo na revolta e na cidade. A categoria política
„republicanos‟, que poderia ser identificada como um grupo, não foi abordada no
inquérito como um agrupamento, mas ficou implícito entre os depoimentos que havia
uma dicotomia entre liberais e republicanos.
Assim, estabelecemos as relações entre os grupos identificados e
discriminados nas fontes para compreendermos como os riopardenses se dividiam e se
posicionavam dentro da sua sociedade.
2.1. A formação da sociedade de São José do Rio Pardo
Para discutirmos a formação da sociedade riopardenses, partiremos do
contexto nacional para o local. Duas questões que atingiram o contexto nacional
modificaram essa sociedade: a crise do trabalho escravo e a imigração italiana. Ambas
estão relacionadas entre si e com outras questões que também afetaram todo o país. Em
São José do Rio Pardo, o cativeiro foi mantido até a abolição, concomitantemente à
presença dos italianos colonos das lavouras cafeeiras. A crise da escravidão afetou os
fazendeiros locais, que contrataram italianos para suas fazendas e a sociedade
riopardense sofreu os impactos da presença de um novo grupo cultural.
71
A crise do trabalho escravo teve início com a Lei Eusébio de Queiroz, em
1850, que proibiu o tráfico internacional, dificultando a chegada de navios negreiros
trazendo braços africanos para a lavoura brasileira. As províncias com menor
movimentação econômica na segunda metade do século XIX vendiam seus cativos para
aquelas em que a economia estava crescendo. Nesse sentido, era comum um fluxo de
negros e pardos do vale do Paraíba para o oeste paulista, que saíam de uma região
decadente da cafeicultura para outra muito próspera. Da mesma maneira, escravos do
nordeste foram direcionados para o oeste da província paulista. Emília Viotti da Costa
afirma que, em 1823, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo contavam com 386 mil
cativos e Bahia, Pernambuco e Maranhão, com 484 mil. Em 1873, esses números se
alteraram drasticamente e as três últimas províncias passaram a ter 346.273 negros e
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo subiram sua população escrava para cerca de
800 mil. 98
Na segunda metade do século XIX, o movimento abolicionista cresceu e
diversas legislações foram sancionadas, o que acabaria com a escravidão
gradativamente, como a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, ou protegeriam
os cativos e suas famílias, como a Lei n° 2.040, de 28 de setembro de 1871. Cristiany
Miranda Rocha observou que em Campinas havia uma tendência em se manter as
uniões familiares durante as partilhas mesmo antes da sanção da lei de 1871, o que já
indicava um respeito às relações pessoais dos escravos. 99 Isso também pode ter
acontecido em São José do Rio Pardo, já que encontramos registros de casamentos de
negros e filhos de famílias cativas sendo batizados.
98
COSTA, Emília Viotti. Da monarquia a república: momentos decisivos. 8ed. rev. e ampliada. São
Paulo: Editora Unesp, 2007.
99
ROCHA, Cristiany Miranda. A morte do senhor e o destino das famílias escravas nas partilhas.
Campinas, século XIX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 52, p. 175-192 – 2006 e
MATTOS, Hebe. “Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no Brasil”. In.:
GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil imperial, volume III: 1870-1889. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 15-37.
72
Essas mudanças graduais na legislação e as condutas de proteção do
escravo mesmo dentro do cativeiro, de certa forma, refletiam uma modificação na
maneira de pensar a escravidão. Segundo Ângela Alonso, havia um movimento de
caráter principalmente político na geração de 1870 que discutia o Brasil apropriando-se
de teorias e doutrinas europeias e estadunidenses, a partir de uma censura e um recorte
próprios.100
Maria Fernanda Lombardi Fernandes discute a relação entre os
abolicionistas e os republicanos. Segundo ela, os dois grupos pertenciam à geração de
1870 mencionada por Alonso, mas não necessariamente estavam vinculados entre si:
havia uma “postura ambígua dos republicanos em relação à escravidão”
101
. Os
republicanos optaram por não se posicionar ou por separar uma proposta da outra,
porém havia o problema da mão de obra, que deveria ser levado em consideração.
Mesmo que muitos deles fossem abolicionistas, havia uma preocupação com certa
isenção e distanciamento dessa discussão. Segundo Fernandes,
para os fundadores do Partido Republicano no Brasil a questão da
liberdade do escravo não se colocava como um problema de fato para
o estabelecimento de um sistema mais amplo de liberdades no país, ou
melhor, não era uma questão propriamente política, daí a não
necessidade de se tratar dela.102
No caso do PRP, os republicanos não se posicionavam em relação à
abolição. Francisco Glicério, por exemplo, afirmou que os estados da federação
deveriam resolver essa questão separadamente, desatrelando a opção republicana do
abolicionismo. 103 A assertiva de que os republicanos não estavam necessariamente
100
ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração 70 na crise do Brasil Império. Tese de
doutoramento, Departamento de Sociologia, FFLCH/ USP, 2000.
101
FERNANDES, Maria Fernanda Lombardi. Os republicanos e a abolição, Rev. Sociol. Polít., Curitiba,
27, p. 181-195, nov. 2006.
102
FERNANDES, op. cit., 2006, p. 189.
103
SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo: Martins, 1942.
73
associados à adoção das ideias abolicionistas é confirmada pela manutenção do
cativeiro em São José do Rio Pardo, observada a partir dos registros religiosos. O
crescimento da lavoura cafeeira e a demanda por mão de obra fez com que os senhores
mantivessem seus plantéis enquanto contratavam e se adaptavam aos empregados
italianos. Se havia uma tendência abolicionista entre os republicanos, não houve escritos
ou abordagens que justificassem essa crença e a ação desses homens apenas perpetuou o
cativeiro até os últimos momentos. Enfim, o instituto da escravidão foi mantido,
indicando que se o abolicionismo existia enquanto uma ideologia para esses homens, ela
era menos importante que manter as atividades agrícolas.
Ao mesmo tempo em que as discussões abolicionistas floresciam, a
redução do número de cativos e a impossibilidade de trazer novas peças encareceram o
preço dos escravos. Segundo Emília da Costa Viotti, o valor do cativo aumentou mais
de três vezes e isso afetou a mão de obra da lavoura cafeeira do oeste de São Paulo,
incentivando a imigração.104 Essa medida seria uma solução para o problema do
trabalho na lavoura, mas não abordava a questão da abolição, apenas inseria outro
elemento no sistema escravista. Os imigrantes conviveram lado a lado com os escravos
e enquanto eram institucionalmente tratados como empregados, algumas vezes, os
patrões se esqueciam dessa condição e os tratavam como cativos. Isso demonstrava que
a inserção do italiano naquele processo econômico apenas vinha para diminuir o
impacto causado pelas legislações abolicionistas.
A imigração no Brasil do século XIX se caracterizou por duas
modalidades: a imigração de ocupação de áreas pouco exploradas do território e a
imigração para a lavoura cafeeira. Essa primeira modalidade recebeu incentivos do
governo imperial com o intuito de colonizar áreas ainda não ocupadas e clarear a cor da
104
COSTA, op. cit., 2007.
74
pele dos brasileiros. A segunda modalidade teve como principal objetivo sanar o
problema da mão de obra da cafeicultura ocasionada pela crise do sistema escravista e
foi patrocinada, especialmente, pelos fazendeiros de café do oeste paulista. 105
A imigração para a colonização de áreas do território brasileiro começou
na primeira metade do século XIX e foram trazidos para o Brasil, principalmente,
imigrantes de origem germânica e suíça. 106 “Nas regras de admissão de estrangeiros o
imigrante ideal, o único merecedor de subsídios, é o agricultor; mais do que isso, um
agricultor branco que emigra em família.”107 Esses colonos receberem uma porção de
terra para cultivar que deveria ser paga em prestações anuais ao governo, juntamente
com os gastos da viagem feitos pelo império brasileiro para trazê-los ao território
nacional. 108
Já a segunda modalidade de imigração abordada por nós se refere,
principalmente, à presença italiana para o trabalho nas lavouras cafeeiras, em
substituição à mão de obra escrava. Ela teve início na década de 1870 e, em sua maioria,
os italianos foram trazidos pelos fazendeiros de café paulista para a atividade cafeeira.
Abaixo segue um gráfico com os números de imigrantes que chegaram ao Brasil e ao
estado de São Paulo entre 1872 e 1972.
105
BEZERRA, Maria Cristina dos Santos. Imigração alemã para a cidade de Limeira. Disponível em <
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario5/c_imigra%E7ao_mariacristinabe
zerra.doc > Acesso em 01 de agosto 2013.
106
GRANZOW, Klauz. Pomeranos sob o Cruzeiro do Sul: colonos alemães no Brasil. Vitória (ES):
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2009, p. 166.
107
SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo,
n.53, p. 117-149, março/maio 2002. Disponível em < http://www.usp.br/revistausp/53/12-giralda.pdf >
Acesso 10 jan. 2013, p. 119.
108
GRANZOW, Klauz. Pomeranos sob o Cruzeiro do Sul: colonos alemães no Brasil. Vitória (ES):
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2009.
75
Gráfico 2
Imigrantes entrados no Brasil e no Estado de São Paulo 1872 – 1972
Fonte: BASSANEZI, Maria; SCOTT, Ana; BACELLAR, Carlos; TRUZZI, Oswaldo.
Atlas da Imigração Internacional em São Paulo 1850-1950. São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 19,
Apud.: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/imigracao/estatisticas.php> Acesso em 31 mai 2014
Podemos observar
que o
número
de
imigrantes de diversas
nacionalidades para o Brasil, entre 1872 e 1900, foi muito alto, chegando a 600 mil
pessoas. Em São Paulo, nessa mesma época, período auge da imigração, mais de 400
mil pessoas chegaram ao território. Kátia Petri afirma que,
São Paulo caracterizou-se por investir maciçamente em uma política
imigratória. Não interessava a formação de núcleos coloniais,
povoamento de áreas distantes, estratégicas para a manutenção das
fronteiras ou a venda de terras para incentivar a imigração, o projeto
tinha um objetivo específico: „braços para a lavoura‟. 109
Segundo a autora, cerca de quatro milhões de imigrantes entraram em
território nacional e, destes, dois milhões foram para São Paulo no período que
109
PETRI, Kátia Cristina. “Braços para a lavoura”: a subvenção paulista para imigração (1886-1896).
Revista Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade.
Disponível em
<www.pucsp.br/revistacordis> Acesso em 20 jan. 2013.
76
corresponde ao final do século XIX e início do XX. Nem todos eram de origem italiana,
mas a maioria vinha da Itália e chegou à província no final do século XIX 110, como
mostra o gráfico abaixo.
Gráfico 3
Imigrantes entrados no Estado de São Paulo, segundo a nacionalidade, 1872-1971
Fonte: BASSANEZI, Maria; SCOTT, Ana; BACELLAR, Carlos; TRUZZI, Oswaldo.
Atlas da Imigração Internacional em São Paulo 1850-1950. São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 19,
Apud.: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/imigracao/estatisticas.php> Acesso em 31 mai 2014.
Entre 1889 e 1899, o número de italianos atingiu aproximadamente 225
mil, valor muito superior ao das outras nacionalidades que chegaram ao Brasil nesse
período.
Ao contrário da imigração sustentada pelo governo para ocupar áreas
pouco habitadas do território brasileiro, a vinda dos italianos foi financiada,
principalmente, pelos cafeicultores. O governo dava algum apoio à conduta dos
110
PETRI, Kátia Cristina Petri.”Terras e Imigração em São Paulo: Política Fundiária e Trabalho Rural.”
Histórica, Revista Eletrônica do Arquivo do Estado, nº 2, jun 2005. Disponível em <
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia01/> Acesso em 20
mai 2013.
77
fazendeiros, tais como a construção de hospedarias e a propaganda no exterior para
atrair as famílias.111 E os fazendeiros, com a peculiaridade de ser um negócio, pagavam
as passagens de navio de todos os familiares, o período de permanência na hospedaria e
o transporte da região portuária às colônias nas fazendas 112, cobrando, mais tarde, dos
italianos o retorno desse valor. O regime garantia aos colonos uma casa para moradia
que, às vezes, era cobrada pelo patrão, uma área de plantação para subsistência e uma
porção de cafezais para o cuidado: plantio, limpeza e colheita. Em algumas fazendas,
eles podiam plantar milho ou feijão nos corredores de café, produzindo um excedente
para a venda. 113 Em outros casos, eles plantavam em meação com o proprietário da
terra, o que criou oportunidades para reunir recursos financeiros e quitar a dívida com
os patrões.114
A vinda de famílias italianas para o trabalho nas fazendas transformou a
sociedade paulista, nos aspectos econômico, político e social. Na economia, isso se deu
111
WITTER, José Sebastião. “Imigrante, um fator de transformação da sociedade brasileira – São Paulo
(1850-1914)”. In.: ODÁLIA, Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro. História do estado de São
Paulo / A formação da unidade paulista. São Paulo: UNESP; Imprensa Oficial; Arquivo Público do
Estado, 2010, p. 119-134.
112
GOMES, A. C. Imigrantes italianos: entre a italianità e a brasilidade. In: INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000.
Disponível em < http://brasil500anos.ibge.gov.br/en/territorio-brasileiro-e-povoamento/italianos > Acesso
10 jan 2013.
113
MONSMA, Karl Vantagens de Imigrantes e Desvantagens de Negros: Emprego, Propriedade,
Estrutura Familiar e Alfabetização Depois da Abolição no Oeste Paulista. DADOS – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 53, no 3, 2010, pp. 509 a 543.
114
Sobre imigração italiana ver: DEL GUERRA, Rodolpho José. A São José, Nostra Nuova Storia. São
Paulo: Grass, 1999; FRANÇA, Thiago de Novaes. A substituição da mão-de-obra escrava e a opção
pela Grande Imigração no estado de São Paulo. Dissertação apresentada à banca examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, sob orientação do Prof Doutor Julio Manuel Pires. São Paulo, 2008; PETRI, Kátia Cristina.
“Mandem vir seus parentes”: a Sociedade Promotora de Imigração em São Paulo (1886-1896).
Dissertação apresentada à banca examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Profa. Doutora Olga
Brites. São Paulo, 2010. Sobre economia cafeeira, ver: DELFIM NETTO, Antônio. O problema do café
no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981; HOLLOWAY, Thomas. Vida e morte do Convênio de Taubaté:
a primeira valorização do café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; NOZOE, Nelson Hideiki. São Paulo:
economia cafeeira e urbanização. São Paulo: IPE/USP, 1984; PINTO, Liliane Faria Corrêa. As
políticas públicas de incentivo ao cooperativismo em Minas Gerais, 1903-1922. 2006. Dissertação
(Mestrado em História Econômica) – Departamento de História da Universidade de São Paulo – USP,
São Paulo, 2006; PIRES, Anderson. “Minas Gerais e a cadeia global da “commodity” cafeeira –
1850/1930”. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional – RBGDR, vol. 03, n° 02,
mai/ago. 2007.
78
pela presença da mão de obra para a cafeicultura; na política, pelas ideias anarquistas e
socialistas trazidas pelos italianos; e na sociedade, pela convivência das diferentes
culturas e costumes. A crise do trabalho escravo e a chegada de italianos mudaram a
vida cotidiana das cidades do oeste paulista. Enquanto os antigos cativos conheciam as
relações sociais a que estavam submetidos, os italianos conviviam com os ex-escravos e
os ex-senhores em um novo universo social que se formava. Em São José do Rio Pardo,
as estratégias dos negros e pardos era a constituição de redes de apadrinhamento fora do
grupo para a proteção dos filhos. Para os italianos, as estratégias foram a união do grupo
em apadrinhamentos internos e a criação de uma sociedade mutual com o intuito de se
preservarem diante das dificuldades da vida na lavoura.
2.2. Negros e pardos em São José do Rio Pardo
O papel do escravo no sistema escravista foi alvo de diversas discussões
na historiografia brasileira, que giravam em torno da leitura que se fazia do negro como
agente social. Nos anos de 1960, os autores entendiam que a escravidão, com sua
violência e exploração, trazia aos cativos a apatia social pois os transformava em coisas
– os “coisificavam”. 115 Em consequência disso, discutia-se que o sistema escravista era,
então, incompatível com o capitalismo e, nesse sentido, explicaria o atraso tecnológico e
econômico do Brasil em relação à Europa.
Em seguida, nas décadas de 1970 e 1980, as resistências escravas
compostas pelos quilombos, revoltas negras e fugas foram contempladas com diversos
estudos que valorizavam os negros revoltos que se indispunham com o sistema. Por
outro lado, esses trabalhos não vislumbravam a resistência cotidiana e ainda entendiam
115
Sobre essa leitura da escravidão, temos autores como Florestan Fernandes, Jacob Gorender, etc.
79
os cativos que aceitavam a escravidão como apáticos sociais.116 Assim, os escravos
eram compreendidos de maneira dicotômica – o cordato ou fujão e revoltado – mas os
estudos desenvolvidos a partir dos anos de 1980-90 modificaram esse imaginário.
Novas fontes, como inventários, processos, registros de batismos e
casamentos, entre outras, possibilitaram diferentes análises do cativo e trouxeram outro
olhar sobre as relações interpessoais entre o senhor e o escravo. No final dos anos de
1980 e nos anos de 1990, as pesquisas em arquivos começaram a indicar que os negros
interferiam em suas condições de vida de forma direta ou indireta. Tornavam-se
“imprestáveis” para a venda ou a troca, recusavam-se a trabalhar ou fugiam. Algumas
vezes recorriam ao Estado para lhes proteger das ações indesejadas dos senhores. 117 Os
estudos passaram a incorporar a condição de agente social do próprio cativo e, a partir
daí, mudaram o foco da historiografia. 118 Segundo João José Reis e Eduardo Silva, “os
escravos não foram vítimas nem heróis o tempo todo, se situando na sua maioria e
maior parte do tempo numa zona de indefinição entre um e outro pólo”.119 Eles eram
agentes de sua própria história e faziam escolhas dentro das possibilidades que o
ambiente lhes proporcionava.
Os negros e pardos que compunham a sociedade riopardense, em nossa
hipótese, participaram voluntariamente da revolta republicana, engrossando o “povo”
que foi convocado pelos fazendeiros para renderem os praças. Esses negros e pardos
116
Os autores Jacob Gorender, Fernando Henrique Cardoso entre outros estudavam o cativo sobre essa
concepção de passivos perante a condição de escravos.
117
Historiadores da UNICAMP como Sidney Chalhoub se dedicaram ao papel dos cativos e a atuação
deles como defensores de seus direitos. João José Reis e Eduardo Silva também estudaram a escravidão
sob esse aspecto.
118
Ver as discussões em CHALOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 1990;
LARA, Silvia Hunold. “Novas dimensões da experiência escrava no Brasil”. ComCiência, 49 (nov.
2003) revista mensal e eletrônica de jornalismo científico, publicada pelo LABJOR e pela BPC, 07, nov.
2003; _____________ . “Escravidão No Brasil: Um Balanço Historiográfico”. LPH – Revista Brasileira
de História, v. 3, n. 1, p. 215-244, 1992. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. Rio de Janeiro:
Editora Ática, 1991. CHALHOUB, S. “Gorender põe etiquetas nos historiadores”. Jornal Folha de São
Paulo, 24 nov. 1990; GORENDER, J. “Como era bom ser escravo no Brasil”. Folha de São Paulo.
(réplica), 15/12/90; LARA, S. “Gorender escraviza a História”. Folha de São Paulo (tréplica), Caderno
Letras, jan. 1991.
119
SILVA, Eduardo; op. cit., 1989, p. 7.
80
exerciam as mais diversas tarefas em São José do Rio Pardo, inicialmente, como cativos
e, após a abolição, como libertos. Trabalhavam nas fazendas de café, nos serviços
urbanos, no comércio, enfim, estavam presentes, provavelmente, em todas as atividades
econômicas e culturais da cidade.
José Flávio Motta estuda o tráfico interno de escravos em Casa Branca
entre os anos de 1861 e 1887.120 Nesse período, São José do Rio Pardo pertencia à Casa
Branca, com exceção dos anos de 1877 a 1880, quando a localidade pertenceu a
Caconde. Diante disso, os números levantados pelo autor incluem também a população
escrava riopardense. Segundo Motta, o fluxo de cativos no interior da província paulista
seguiu o mesmo caminho definido por Milliet para a expansão cafeeira, migrando da
região norte para a central e de lá para a Mogiana e a Paulista. Motta afirma que “Casa
Branca manteve-se como local de destino em 1881-87, mas teve de buscar fontes
alternativas para o abastecimento de escravos „novos‟”.121 O autor observou que esse
mercado teve suas atividades reduzidas com a lei dos sexagenários, entre 1883 e 1884.
Em 1885, o número de peças comercializadas aumentou, mas não com a mesma
intensidade e, em 1887, esse comércio diminuiu muito até não se encontrar mais
registros, sendo o último datado de 12 de outubro de 1887, em Casa Branca. A partir
dos estudos de José Flávio Motta, podemos perceber que a chegada de migrantes negros
e pardos na condição de cativos à região coincide com a de paulistas e mineiros,
contribuindo para o aumento do fluxo populacional e o fomento de mão de obra para a
cafeicultura. Os dados levantados por Motta confirmam a assertiva de que os negros e
pardos que chegaram a São José do Rio Pardo compuseram a população local e,
120
MOTTA, José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno de cativos na
expansão cafeeira paulista (Areias, Guaratinguetá, Constituição/Piracicaba e Casa Branca, 18611887). São Paulo: Alameda, 2012.
121
MOTTA, op. cit., 2012, p. 357.
81
consequentemente, construíram a cidade juntamente com mineiros e paulistas e, mais
tarde, italianos.
Não há relatos escritos da presença e participação dos negros na
sociedade de São José do Rio Pardo. Nesse sentido, para estudá-los utilizamos as fontes
disponíveis sobre esse grupo, mas elas são restritas aos registros institucionais, como os
de compra e venda de escravos, analisadas por José Flávio Motta, e batismos,
casamentos e óbitos, coletadas na Cúria de São João da Boa Vista. Não há momentos
em que eles tivessem voz, escrevessem acerca de suas vidas ou deixassem algum relato
em jornais. As únicas menções aos negros no inquérito da revolta republicana
riopardense são o capitão Valentim ou Valentino, também mencionado como “caboclo”,
que entrou na casa de Isidoro Vanucci para buscar o liberal Saturnino Barbosa e levá-lo
preso, e o negro Domingos de Tal que era uma das pessoas que acompanhava o “povo”
que se aglomerou nas ruas. Em nenhum outro momento esses personagens recebem
nomes, eles são chamados de “capangas pretos” ou “caboclos armados”, mas exercem
seu papel de compor o povo na revolta. Eles estavam nas ruas ao lado dos republicanos.
Como os negros e pardos riopardenses não se expressavam pela
linguagem escrita, para discutirmos nossa hipótese de que eles participavam da vida
econômica, política e social de São José do Rio Pardo, é preciso analisar e entrecruzar
as fontes textuais sobre eles. Assim, coletamos na cúria de São João da Boa Vista todos
os óbitos, casamentos e batismos de São José do Rio Pardo entre os anos de 1876 e
1895, mas não encontramos arquivados os livros de batismo dos anos de 1890, 1891 e
1892 e os de óbito se restringem a 1886 e 1887.122
Dentre os 77 óbitos dos anos de 1886 e 1887 em São José do Rio Pardo,
20 eram escravos e um livre, somando 21 negros, ou seja, 27,3% das mortes na
122
PARÓQUIA DE SÃO JOSE DO RIO PARDO. Registros de Batismo, Casamento e Óbitos de São
José do Rio Pardo. São João da Boa Vista, Arquivo da Cúria de São João da Boa Vista.
82
localidade foram de cativos e livres forros ou recém-nascidos já contemplados com a
Lei do Ventre Livre. Os motivos e as idades dos falecimentos eram bem variáveis.
Nove crianças faleceram nesse período, de vermes, febre, tifo e em um
dos registros não constava o motivo do óbito. Eram cinco meninas e quatro meninos,
tendo o mais velho, com 12 anos, falecido de tifo. Dos falecidos com 50 anos ou mais,
no total de seis, os motivos das mortes foram hidropesia, gangrena, febre biliosa, febre e
dois de morte súbita, sendo um deles uma mulher de 60 anos. Um homem e uma mulher
faleceram de inflamação, ele com 45 anos e ela com 33 e dois de lesão cardíaca, sendo
um deles livre, com 20 anos e o outro com 40. Uma escrava faleceu durante o parto com
17 anos, outra de morte súbita aos 30 e, por fim, um homem cuja idade não consta
faleceu com um motivo pouco ortodoxo: “comer terra”.123
A partir essa fonte, que indica certo respeito dos proprietários para com
os cativos, já que registraram seus óbitos nos livros da igreja, identificamos alguns
senhores dos escravos falecidos.124 Esses dados são relevantes para conhecer as relações
entre os republicanos proprietários de escravos e seus servos. Entre os registros de
senhores de negros falecidos, encontramos o republicano Dr. Costa Machado, como
dono de dois deles: uma criança morta, sendo também o proprietário dos pais dela e de
um adulto. O major José Antônio de Lima, republicano, era senhor de dois cativos, um
menino de 12 anos, cujos pais também pertenciam ao major, e o outro, adulto, que
faleceu de lesão no coração. O Sr. Damazo Ribeiro, republicano, era dono de uma cativa
de 18 meses que faleceu e de sua mãe, sendo a criança filha natural. Honório Luiz Dias,
republicano, era proprietário de um escravo idoso que faleceu de morte súbita. Por fim,
Antônio Marçal Nogueira de Barros era proprietário dos pais de uma criança legítima
123
A ancilostomose costuma causar anemia e a reação do doente, em alguns casos, é comer terra.
CHIEFFI , Pedro Paulo ; FERREIRA, Luiz Fernando. Alterações na estrutura epidemiológica da
ancilostomose no estado de São Paulo, Brasil (1900 – 1987). Revista de Patologia Tropical, vol. 37 (4):
311-321. out.-dez. 2008.
124
É importante ressaltar que as crianças falecidas eram todas livres pela Lei do Ventre Livre.
83
cativa falecida. Os outros proprietários não correspondem a nomes de personagens da
revolta republicana riopardense e não eram relevantes para nossa pesquisa. Podemos
observar que não consta o local de nascimento dos falecidos nos registros, assim, não há
como saber se os escravos mortos eram naturais da região ou se foram trazidos de longe,
como exemplos do tráfico interno. Os falecimentos desses cativos são casos isolados e
não indicam revoltas ou mesmo epidemias, mas confirmam que alguns dos republicanos
mantiveram seus escravos até 1887. Isso é corroborado pelos registros de casamento e
de batismo e, a partir deles, é possível perceber que a escravidão foi mantida até a
abolição.
Os outros dados contabilizados foram os de casamento. Foram 808
casamentos de 1876 a 1895, sendo que apenas 110 deles correspondiam a casamentos
de negros, ou seja, 13,6 %. Entre esses, apenas um era de um homem branco com uma
mulher negra, logo após a abolição, em junho de 1888, sendo o noivo português e a
noiva baiana. A origem da noiva exemplifica a vinda de cativos do Nordeste para a
lavoura do oeste paulista, mas poucos foram os que pudemos apurar ter vindo de outras
localidades, por raramente haver esse dado nas certidões. Para os casamentos, o recurso
da análise foi o mesmo utilizado para os batismos e os óbitos: a identificação de algum
termo que remetesse ao cativeiro, estando ele em vigor ou não.
Mesmo após a abolição, ainda há menção à escravidão até o final de
1888, quando as referências ao cativeiro se extinguem, mas nos casamentos
identificamos as alcunhas “crioulo”, “moçambique” ou “africano” posteriores a essa
data, o que compreendemos como representativo da presença negra no registro.
Podemos observar que foram poucos os casamentos de negros ou pardos realizados na
igreja nesse período, o que pode indicar que o costume do sacramento do matrimônio
não era tão utilizado pelas famílias escravas ou de ex-escravos. Nos dados,
84
identificamos que as testemunhas dos matrimônios eram, não somente, os proprietários
dos cativos ou parentes deles. Dos 100 registros de 1876 a 1889, 40% correspondem a
casamentos em que as testemunhas eram os donos de cativos, ex-senhores ou parentes
deles, caracterizando uma importante vinculação entre os noivos e suas testemunhas. A
importância em ter padrinhos fora do grupo de origem garante algumas vantagens e
oportunidades para o casal, porque são criados laços e vínculos religiosos e de ajuda
para com o indivíduo que apadrinha o matrimônio. Isso significava que os cativos e excativos ponderavam sobre a quem se vincular e recorrer em momentos de dificuldade,
indicando as estratégias de escolha desses casais na sociedade riopardense. Ao mesmo
tempo em que os negros e pardos se beneficiavam do apadrinhamento em grupos mais
abastados, esses padrinhos recebiam em troca a obrigação da prestação de serviços e
“obediência”.
Dos batismos, contabilizamos 269 crianças negras ou pardas batizadas no
período de 1876 a 1888, sendo que após esse ano não há mais a identificação da antiga
condição dos pais. Identificamos as origens dos batizados por estarem expressas nos
registros se eles eram filhos de escravos e de negras forras e, após o 13 de maio de
1888, a anotação era acompanhada da expressão “ex-escravo” ou alguma alcunha como
“crioulo”, “congo”, entre outros, nos nomes paternos ou maternos. Observamos que,
dessas crianças, 61,71% eram filhas de mães solteiras e 38,29% de casais ou
relacionamentos em que o pai assumia a criança, na maioria pais escravos ou ex-cativos
dos mesmos donos. Isso indica uma considerável porcentagem de famílias escravas,
mais de um terço, mas não necessariamente de casais sacramentados pela igreja.
Nos batistérios há os nomes dos padrinhos e madrinhas e encontramos
100 registros feitos por indivíduos de condição cativa ou ex-escravos, escolhidos pelos
pais para batizar seus filhos. Como contabilizamos quando as testemunhas apareciam
85
sozinhas ou eram ambas de origem negra, para fins de análise, partimos do pressuposto
que cada criança tinha dois protetores, assim, dos 269 afilhados, obtivemos o total de
538 padrinhos. Desses, apenas 100 eram escravos ou ex-cativos, correspondendo a
18,59% dos apadrinhamentos. Isso significa que quase um quinto dos pais negros
escolhia pelo menos um padrinho dentro do seu grupo social e os quatro quintos
restantes entre pessoas de fora, possibilitando à criança uma oportunidade para além do
grupo em que nasceu.
Essas crianças nascidas livres pela Lei do Ventre Livre precisavam de
suporte após completar 18 anos, momento em que deixavam a casa do senhor de seus
pais para iniciarem a vida adulta. Essas escolhas são parte das estratégias de
sobrevivência adotadas pelos indivíduos dentro dos “sistemas normativos” definidos por
Giovanni Levi125. São brechas nesses sistemas que proporcionam uma maleabilidade de
comportamento que envolve a conquista de vantagens. Segundo João José Reis e
Eduardo Silva, esses benefícios estão dentro de um sistema de negociação e conflito e
“ao lado da sempre presente violência, havia um espaço social que se tecia tanto de
barganhas quanto de conflitos.”126
Em São José do Rio Pardo, identificamos alguns padrinhos de casamento
e batismo de diferentes opções políticas. Pouco encontramos sobre os apadrinhamentos
feitos pelos personagens republicanos da revolta riopardense que pudessem trazer mais
informações acerca dos 300 ou 400 homens que foram à cidade na noite da revolta.
Observamos que o republicano Damazo Ribeiro Machado foi padrinho de Ilastines,
filho de Francisco e Margarida, escravos de José Theodoro, sendo este último,
provavelmente, o liberal José Theodoro Nogueira de Noronha, conhecido como Juca
125
LEVI, Giovanni. “Sobre a micro história.” In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 133-161.
126
SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 7.
86
Gordo. Honório Luiz Dias, republicano, apadrinhou a união de dois casais, cada um
deles ex-cativos dos mesmos ex-senhores e testemunhou também o matrimônio de um
casal, sendo os noivos antigos escravos de proprietários diferentes. Manoel Corrêa de
Sousa Lima foi padrinho do casamento de um ex-escravo seu, com uma ex-escrava de
João Pinheiro, do qual não temos informação. José da Costa Machado, também
republicano, batizou o filho de uma escrava de Adão Ferreira D‟Oliveira, de quem
também não obtivemos informações.
O único conservador que apuramos na pesquisa era Joaquim Gonçalves
dos Santos. Identificamos como padrinho de uma escrava de Honório Sillos um
Joaquim Gonçalves dos Santos Queiroz que, provavelmente, era seu filho ou algum
parente próximo. Em julho e novembro de 1888, esse último foi testemunha de três
casamentos de ex-escravos do primeiro. Entre os liberais, temos José Theodoro
Nogueira de Noronha, que apadrinhou o matrimônio de um casal de ex-cativos de
Antonio Theresiano Nogueira e de D. Maria Custodia Nogueira, possivelmente,
parentes do liberal. O chefe do partido liberal, Saturnino Frauzino Barbosa, foi padrinho
de uma criança filha de um casal de cativos de Reginaldo Gomes da Fonseca, sendo que
este último não participou da revolta por já ter falecido ou ser muito idoso, sem termos
conhecimento de sua filiação política. 127 Entre os que não se posicionaram ou não
pudemos identificar a escolha política, temos Venâncio Gomes Porto, que foi padrinho
da filha de um casal de cativos do republicano José Antônio de Lima.
Observamos que os apadrinhamentos ocorriam de maneira similar para
republicanos e liberais e correspondiam aos convívios e relacionamentos individuais
dos personagens. Eles ocorreram em casos esporádicos e com poucos cruzamentos de
referências relativas a negros e pardos e nomes associados à revolta. Assim, não
127
SANDOVAL, Roberto. O cap. Antonio Gomes de Oliveira.
http://antoniogomesdeoliveira.blogspot.com.br/ > Acesso em 25 mai 2014.
Disponível
em
<
87
encontramos dados muito relevantes que salientassem os apadrinhamentos como
elemento de proteção ou vínculo entre negros e pardos e republicanos ou que pudessem
justificar a participação deles na revolta. Se, em nossa hipótese, os negros e pardos
participaram voluntariamente da revolta, podemos sugerir que a ida da zona rural para a
cidade para conter os praças da polícia ocorreu não como uma obrigação da
reciprocidade presente no apadrinhamento, mas pela concordância com a ação.
Concordar não garantia que esse grupo estava envolvido politicamente, que conhecia a
doutrina republicana ou era precisamente republicano, mas sugere que eles fizeram uma
escolha em participar da revolta ao lado dos republicanos.
O cativeiro e sua extinção tiveram papel importante na sociedade
riopardense. Com o crescimento da cafeicultura e a chegada de novos produtores, eles
trouxeram seus escravos e adquiriram novas peças, fomentando o mercado interno.128
Esses cativos não foram suficientes para atender à demanda da produção cafeeira e os
cafeicultores paulistas contrataram mão de obra imigrante para trabalhar na lavoura.
Assim, conviviam na sociedade riopardense escravos, forros, brancos pobres e
imigrantes, em sua maioria, italianos.
Segundo Keila Grimberg, antes da abolição, “qualquer pessoa que
pudesse parecer escravo tinha, contra si, a presunção da escravidão”129, o que indicava
a tensão latente entre os brancos e os negros e pardos, mesmo os livres, que eram
assombrados pela possibilidade da reescravização. Essa tensão e seus conflitos eram
“amenizados” pelo paternalismo e pelas negociações entre senhores e escravos.
Acreditamos que, em São José do Rio Pardo, a chegada do novo grupo de brancos, os
128
Não vamos discutir a compra de escravos africanos após 1831 por ser uma questão fora do escopo
desse trabalho, mas encontramos menção a alguns cativos originários da África nos registros de
casamento, indicando a presença de cativos irregulares. PARÓQUIA DE SÃO JOSE DO RIO PARDO.
Livro de Casamento de São José do Rio Pardo. São João da Boa Vista, Arquivo da Cúria de São João
da Boa Vista.
129
GRINBERG, Keila. Senhores sem escravos: a propósito das ações de escravidão... In.: CARVALHO,
José Murilo & NEVES, Lúcia Maria B. P. das (org).Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania,
política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
88
italianos, para lidar com a lavoura cafeeira trouxe mais um elemento para compor esse
quadro de tensão e, ao mesmo tempo, amenizar as imposições sobre os negros, que
agora dividiam o trabalho com brancos imigrantes.
A partir de 1888, esses homens e mulheres vinculados à escravidão
tornaram-se livres e os habitantes da cidade precisaram modificar o modo como lidavam
com eles. Essas mudanças eram tanto institucionais, como nos registros de batismo e
casamento - que não abandonaram os termos relativos ao sistema escravista de
imediato, como cotidianas, já que esses homens e mulheres não necessariamente
obedeciam as ordens dos antigos senhores. Iniciava-se um novo processo e a sociedade
riopardense precisava compreender novamente os papéis desempenhados pelos negros,
que se recolocavam naquela sociedade em um novo espaço.
As negociações e conflitos passavam por outras esferas, semelhantes
àquelas vividas pelos imigrantes, mas ainda com o estigma da escravidão. O
paternalismo característico do sistema escravista, que se fundava nas barganhas entre
senhores e escravos, ganhou nova forma e as negociações passaram a acontecer no
âmbito do trabalho, com características semelhantes às do mandonismo, porque estavam
associadas agora apenas à administração dos meios produtivos. José Murilo de Carvalho
afirma que o mandonismo
Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas
de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como
indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso
estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um
domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao
mercado e à sociedade política.130
130
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Revista Dados
v. 40, n. 02, Rio de Janeiro: IURPERJ, 1997.
89
Nesse caso, os patrões exerciam esse poder sobre os empregados, já que
controlavam a terra e o processo produtivo, vivenciando o mandonismo em substituição
ao paternalismo dos tempos da escravidão.
Sobre São José do Rio Pardo, o italiano Manzoni Giuseppe afirma: “Os
brasileiros são bons: a maior parte é negra; todos vivem muito bem: gente alegre, sem
preocupações. Sempre, à noite, fazem festa, com baile, na casa do nosso patrão. Ele
também gosta de dançar, de cantar, de estar alegre.”131 O depoimento do italiano
sugere certa harmonia nas relações sociais, que acreditamos ser garantida,
provavelmente, pelos mecanismos de barganha como as festas noturnas mencionadas
por ele, uma adaptação do cativeiro para a vida livre.
A partir dos dados acerca dos negros e pardos riopardenses, sugerimos
que o apadrinhamento nos sacramentos do batismo e casamento não se configurava em
número suficiente para se estabelecer uma relação entre os republicanos e liberais e seus
apadrinhados. Não há relação entre os batismos e a escolha desses negros e pardos em
acompanhar os republicanos. Essa constatação abre a perspectiva de que os negros
estavam cientes da escolha que faziam ao acompanhar os republicanos na revolta
riopardense.
Sabemos que os 300 ou 400 homens vindos da zona rural eram
empregados ou agregados dos republicanos e sugerimos que as boas relações entre
patrões e empregados eram mantidas pelo mandonismo e, nesse sentido, esse laço
poderia ter sido relevante para a “convocação” desses negros e pardos para o grupo. Por
outro lado, queremos afirmar que os indivíduos fazem escolhas mediante oportunidades
e estratégias e o mandonismo, como um tradicionalismo político, influenciou nessas
escolhas, mas não necessariamente as controlou, porque a opção por acompanhar a
131
MANZONI, op. cit., 1889, acesso em 13 jun. 2013.
90
revolta tinha relação com questões urbanas, local onde o mandonismo poderia ser
abalado.
Retomando José Murilo de Carvalho, há dois pontos principais que
definem o mandonismo, o “controle de algum recurso estratégico” e o “domínio
pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade
política”. Nesse caso, os republicanos dominavam as fazendas e controlavam a
produção, adequando-se ao primeiro ponto. Já o segundo ponto se estabelece pelo
controle dos empregados e meeiros, que ficavam submetidos aos fazendeiros para
vender a produção em meação e para comprar bens de consumo nas vendas 132 e pelo
impedimento ao acesso à sociedade política. Nesse último caso, o que aconteceu foi
exatamente o contrário, os negros e pardos foram convocados para exercerem seus
direitos contra os liberais que oprimiam os republicanos e a polícia que oprimia o povo.
Assim, identificamos a presença do mandonismo, mas não podemos afirmar que a
participação na revolta foi fruto do tradicionalismo político, pelo contrário, ele o
contradiz porque proporciona o envolvimento político daqueles que eram mandados.
2.3. Imigrantes italianos em São José do Rio Pardo
A sociedade riopardense introduziu os imigrantes italianos em seu
contexto a partir dos anos de 1880, modificando todo o funcionamento das fazendas e
da produção. Segundo Thomas Holloway, a presença dos italianos afetou as relações de
trabalho. Inicialmente, os escravos eram um investimento em bens vendáveis e não
recebiam salário. Com a chegada dos imigrantes, foi necessário descobrir o valor a ser
pago pelas atividades. Os fazendeiros calcularam essa quantia a partir dos gastos que
132
Nos registros da Câmara de São José do Rio Pardo consta que Honório Luiz Dias tinha uma venda em
sua fazenda que, provavelmente, funcionava como uma das formas de submissão do empregado,
caracterizando-se por uma das peculiaridades do mandonismo, o controle do acesso ao mercado.
91
tiveram com a vinda desses trabalhadores, como as passagens, a moradia e o uso da
terra. Ao final da colheita, pouco sobrava para as famílias italianas. Em alguns lugares,
os trabalhadores conseguiram desvincular o ganho à safra, o que acarretou em perdas
para os cafeicultores.133
Como os imigrantes chegaram e com eles vieram as mudanças para a
sociedade riopardense, optamos por conhecer o que esses italianos falavam acerca da
experiência brasileira, através de textos, cartas e memórias, além dos registros de
batismo, casamento e óbito e dos estatutos e livro de atas da Sociedade de Mutuo
Socorro XX de Setembro 134. A maior parte do material de memorialistas foi coletada e
publicada por Rodolpho Del Guerra e remete à primeira metade do século XX. Eles
contam, principalmente por meio de fotos, a trajetória das famílias de São José do Rio
Pardo originárias da Itália, tendo como pano de fundo a história da cidade. 135 As obras
de Del Guerra foram úteis por reproduzirem fontes primárias e fornecerem informações,
principalmente, sobre imigrantes que viviam no distrito sede de São José do Rio Pardo.
Os italianos começaram a chegar a São José do Rio Pardo em meados
dos anos de 1880, momento em que a localidade ainda não havia se tornado vila, mas já
apresentava grande aumento populacional e da produção cafeeira. Eram famílias inteiras
que chegaram trazidas pelos cafeicultores e foram colocadas para morarem em colônias
na zona rural. “As casas são de madeira, mas muito bem feitas, com quatro quartos,
cozinha e forno. Elas são baixas, cobertas de telhas de barro vermelho.”136
O cotidiano girava em torno dos cafezais, com a plantação de novos pés,
a limpa dos pés já crescidos e dos corredores e a colheita e secagem dos frutos.
133
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
134
O nome em italiano é Società di Mutuo Soccorso XX de Settembre (tradução nossa).
135
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre da terra mãe (São José do Rio Pardo). São José do Rio
Pardo, SP: Graf-Center, 2001; ______. A São José, Nostra Nuova Storia. São Paulo: Grass, 1999 e
______. O décimo terceiro. S.S. da Grama, SP: Grass, 2007.
136
Idem.
92
Conviviam escravos, italianos e sitiantes contratados para as empreitadas da colheita,
que aconteciam nos meses de maio, junho, julho e agosto. Nas casas dos cafeicultores,
as empregadas italianas, convivendo com as mucamas cativas, modificavam a culinária
dos brasileiros, acrescentando gradativamente novas receitas aos cardápios e, ao mesmo
tempo, aprendendo as tradições da cozinha local, com características africanas,
portuguesas e indígenas.
Os registros de nascimento e casamento acusam a presença de nomes de
origem italiana. O primeiro registro de casamento de um italiano encontrado nos livros
da cúria de São João da Boa Vista data de 6 de agosto de 1887 e é um matrimônio entre
uma brasileira e um italiano. Ele, Francisco Santori, natural de Massa-Carrara e ela,
Anna Maria da Conceição, de Lorena. A moça era filha ilegítima de Maria da
Conceição e ele, filho de Luiz Santori e Angelica Pyroni. Como testemunha, um
brasileiro e um italiano: Dr. Antônio Candido Rodrigues e Atilio Colli. A primeira
testemunha era engenheiro militar, foi diretor de obras públicas entre 1882 e 1883,
deputado estadual em 1884-85 pelo Partido Liberal, Secretário de Agricultura do
governo paulista em 1900-01 e senador por São Paulo. O segundo era italiano, mas não
encontramos mais informações sobre ele. Há mais dois registros do sobrenome Colli
nos casamentos, mas não há referência a Atílio, assim, não temos como saber os
motivos da escolha dos padrinhos.137 A partir dos anos de 1890, a maioria dos registros
é de italianos e observamos que a maioria dos padrinhos faz parte do mesmo grupo,
indicando a união dos imigrantes entre si.
Os italianos em São José do Rio Pardo podem ser divididos em dois
grupos, aqueles que moravam no campo, nas colônias das fazendas cafeeiras, e os que
137
Rodolpho Del Guerra cita um registro de casamento anterior ao que encontramos, um casamento de
dois italianos em 16 de abril de 1887, mas não cita a fonte. DEL GUERRA, Rodolpho. A chegada dos
italianos no Brasil e em São José do Rio Pardo. Disponível em <http://www.saojoseonline.
com.br/nuova/pag11.htm> Acesso em 12 mar 2014.
93
viviam na cidade e se dedicavam a atividades comerciais e de serviços, como
marceneiros, sapateiros, comerciantes, etc. Havia uma preocupação dos italianos da
cidade para com os das fazendas, e os primeiros se predispuseram a proteger os
segundos por meio de uma sociedade de ajuda mútua. Como eles vieram com uma forte
cultura associativa, fundaram a Sociedade de Mútuo Socorro XX de setembro. Essa
associação era uma mútua que funcionava como um seguro. Os sócios faziam um fundo
com contribuições mensais e quando um deles precisava de apoio, a sociedade cobria as
despesas. Ela foi fundada em 1886, com a reunião de 50 italianos que tinham o interesse
proteger seus conterrâneos das dificuldades de vida de imigrante e das crueldades dos
fazendeiros. Os membros eram, então, os italianos da cidade e os das colônias eram
protegidos por eles. 138 Quando havia alguma denúncia de maus tratos ou desrespeito aos
empregados por parte dos proprietários das fazendas, os colonos denunciavam o patrão
na sociedade, que chamava o fazendeiro para esclarecer os fatos. Segundo Cláudia
Viscardi, “é inegável que o movimento associativo mutualista foi composto, sobretudo,
por trabalhadores – assalariados ou não – que por não serem ricos, precisavam
garantir a sua sobrevivência e a de seus familiares em momentos de infortúnio.”139
As discussões em torno do mutualismo se referem à relação das mútuas
com a ideia de formação de classe e da criação dos sindicatos, na tentativa de desmentir
a afirmação de que as associações eram sociedades anteriores aos sindicatos. Os
estudiosos tendem a definir o que é uma mútua diferenciando-a das sociedades
beneficentes e dos sindicatos.140 No caso da sociedade italiana riopardense, ela tem um
138
SOCIEDADE DE MUTUO SOCORRO XX DE SETEMBRO. Livro da fundação ano 1886. Arquivo
do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro. São José do Rio Pardo.
139
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de
Janeiro republicano. Revista Brasileira de História, vol. 29, nº 58, 2009, p. 291-315.
140
JESUS, Ronaldo Pereira de. Mutualismo e Desenvolvimento Econômico no Brasil do século XIX.
Revista OIDLES, vol. 1, nº 1, septiembre 2007.
94
caráter beneficente, mas em nada se aproxima de um sindicato, apesar de mediar as
relações entre patrões e empregados.
Tânia R. de Luca estuda o mutualismo na Província de São Paulo, nas
cidade de Santos e na capital, entre o final do século XIX e início do XX. Sua
abordagem tenta provar que as sociedades mutualistas foram constituídas, em sua
maioria, após a abolição e estimuladas pelo desenvolvimento econômico trazido pela
cafeicultura.141 A mútua de São José foi fundada em 1886, extrapolando os estudos
realizados pela a autora.
Viscardi faz um apanhado historiográfico do mutualismo e identifica os
estudos realizados sobre o tema, as fontes utilizadas por eles e as questões mais
relevantes discutidas. Uma das características observadas pela autora é a existência das
mútuas de caráter étnico, que reunia pessoas de um mesmo grupo étnico 142, como é o
caso da mútua italiana, mas isso não define as associações, já que elas ocorriam em
diversas modalidades, como profissões, local de moradia e etnia.
Em São José do Rio Pardo, alguns fazendeiros eram sócios beneméritos
da Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro e, coincidentemente, quase todos
eram republicanos que participaram da revolta de 11 de agosto de 1889. Eram sócios
beneméritos e republicanos Ananias Barbosa, Honório Luiz Dias, major José Antônio
de Lima, Dr. José da Costa Machado e Souza e Manoel Corrêa de Sousa Lima. O major
José Antônio de Lima era padrinho da Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro e
incentivou a banda dos italianos a tocar a Marselhesa, provocando os liberais. Ele, como
padrinho, agiu em função dos seus interesses, mantendo a relação paternalista e
mandonista do sistema, e os italianos aceitaram, ao mesmo tempo demonstrando que
faziam escolhas por livre vontade. A direção da associação questionou a escolha dos
141
LUCA, Tânia R. de. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo:
Contexto; Brasília: CNPq, 1990.
142
VISCARDI, op. cit., 2010, p. 23-39.
95
músicos da banda e se certificou de que isso não ocorreria mais, em função de uma
isenção política da mútua.
Viscardi afirma que era comum a presença de “sócios ilustres” nas
associações, o que “implicava no fortalecimento de relações paternalistas ou
verticalizadas”.143 O italiano Enrico Dal Lago compara com o paternalismo no sul dos
Estados Unidos e no sul da Itália no século XIX. Sobre o paternalismo no território da
antiga Duas Sicílias, afirma
No Mezzodiorno, por sua vez, as atitudes e comportamentos
paternalistas estavam relacionados às ideias progressistas de muitos
agrônomos, terratenentes e membros ilustrados da elite do século
XIX, convencidos de que o tratamento justo dos trabalhadores, e das
classes inferiores em geral, era econômica e moralmente viável. 144
A partir do trabalho de Dal Lago podemos supor que os italianos já
conheciam a conduta paternalista com seus patrões na Itália e a reproduziram no Brasil
com os fazendeiros, acostumados à mesma postura desde a escravidão. Em São José do
Rio Pardo, a presença de cafeicultores na sociedade mutual era, provavelmente, uma
maneira de diminuir ou amenizar os conflitos entre os colonos e seus patrões, o que
poderia representar uma forma de manutenção do paternalismo mencionado por
Viscardi no Brasil e por Dal Lago na Itália. Podemos observar também que, desses
sócios beneméritos, a maioria era de republicanos, líderes da revolta que ocorreu na
cidade.
Em ata da assembleia geral ordinária do dia 26 de junho de 1889, o
presidente da mútua, Leonardo Define, afirmou que os associados deveriam ser
143
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O estudo do mutualismo: algumas considerações historiográficas
e metodológicas . Revista Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4, agosto-dezembro de 2010, p. 23-39.
144
DAL LAGO, Enrico. “Patriarcalismo e paternalismo no sul dos estados unidos Antebellum e no
mezzogiorno italiano oitocentista: uma comparação entre proprietários de escravos e terratenentes”.
Revista de História, n° 156, 1º sem. 2007, 193-225.
96
apartidários e a política da sociedade era a paz. 145 Essa postura indica a tentativa de
manutenção das relações paternalistas com os patrões independente das preferências
políticas que eles tivessem. Define tentava manter uma postura apartidária como líder
da mutual, mas exercia sua opinião ao escrever para o jornal e se declarar ofendido pela
afirmação do presidente da província paulista, Couto de Magalhães, que desmereceu os
italianos, após a participação deles na revolta republicana. 146
Por fim, podemos concluir que a sociedade não tinha definição política e
não autorizava seus membros a participar de afiliações partidárias. Por outro lado, a
presidência não controlava o que cada indivíduo pensava ou como cada um agia fora do
âmbito da mútua. Apesar de oficialmente a associação não se posicionar, seus sócios
tinham ideias muito precisas de suas opções políticas e se situavam na sociedade
riopardense.
Diante disso, a presença italiana em São José do Rio Pardo trouxe
mudanças na vida cotidiana, nos aspectos social, econômico e político. No primeiro,
uma nova cultura, com diferentes costumes, passava a conviver com os brasileiros e sua
diversidade. No segundo, a mão de obra italiana amenizava os problemas da lavoura
cafeeira, que absorvia os novos grupos populacionais que chegavam. Enquanto isso, os
fazendeiros descobriam novas formas de lidar com o elemento estranho – o empregado aprendendo como pagar os salários e refazendo as relações de poderio.
No terceiro aspecto, os italianos participaram da vida política da cidade
em dois momentos: com a criação da mútua e na participação na revolta. A mutual
intercedia em nome dos conterrâneos das colônias e estabelecia lideranças políticas
145
Essa ata ocorreu pós o incidente do duelo entre as bandas da sociedade italiana, que tocava a
marselhesa, e a banda da cidade, tocando o hino nacional. Isso se deu no dia da inauguração da pedra
fundamental da sociedade, coincidindo com a comitiva de campanha de um candidato liberal que acabava
de chegar a São José do Rio Pardo. SOCIEDADE DE MUTUO SOCORRO XX DE SETEMBRO. Livro
da fundação ano 1886. Arquivo do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro. São José do Rio Pardo, p. 124-5.
146
DEFINE, Leonardo. “São José do Rio Pardo”, Seção Livre, Diário Popular, São Paulo, 27 set 1889,
p. 1.
97
imigrantes no contexto da cidade. O envolvimento com a revolta republicana se deu em
dois momentos, com a opção por tocar a marselhesa pelas ruas da cidade na
inauguração da pedra fundamental da sociedade, afrontando os liberais e fomentando o
conflito, e na composição dos 300 ou 400 homens que enfrentaram os praças na
madrugada do dia 11 de agosto de 1889. Por fim, sugerimos que a participação italiana
nos conflitos e no episódio republicano se deu pelo envolvimento desses imigrantes
com as ideias republicanas e por sua concordância em lutar contra os liberais e os
praças.
2.4. Mineiros e paulistas em São José do Rio Pardo
Os grupos dos negros e pardos e o dos imigrantes estavam diretamente
associados aos cafeicultores – os mineiros e paulistas que migraram para o oeste de São
Paulo com o intuito de produzir café nas terras férteis da região. Para estudarmos esses
migrantes, identificamos personagens no inquérito da revolta riopardense 147 e, a partir
de seus nomes, buscamos traçar pequenas biografias que situam esses homens na
sociedade riopardense. Com o auxílio dos registros de batismo e casamento, pudemos
conhecer alguns laços de apadrinhamento, mas que não foram suficientes para o
estabelecimento de uma rede de relações. Porém, o conjunto das fontes acerca desse
grupo nos indica traços das relações sociais na cidade e dos papéis exercidos pelos
representantes principais desses homens. 148
Relacionamos os nomes dos personagens mencionados associados à
formação da cidade e durante o inquérito da revolta republicana. Criamos gráficos que
147
SÃO PAULO. T.I. Processos Policiais. Cx. 18, Ordem 3219. Arquivo permanente do Arquivo
Estadual de São Paulo.
148
É importante ressaltar que quando me refiro a homens, realmente, parto de um universo masculino. As
mulheres aqui têm um papel subalterno e não participaram da revolta; assim, a presença feminina está
sempre associada à família e há referências pouco precisas.
98
estabelecem as quantidades de personagens que participaram da revolta, da fundação da
localidade e da emancipação de São José do Rio Pardo e que definem os números de
personagens em cada categoria política. A frente foi disposto um quadro em que
identificamos se o personagem foi fundador da cidade, ou seja, participou dos primeiros
passos da criação da capela e do arraial ou se foi proprietário das primeiras fazendas; se
participou do processo de emancipação; se participou da revolta ou depôs no inquérito
e, se sim, a sua posição política; sua profissão e, por fim, seu envolvimento com a
propaganda republicana. Nessa listagem constam também os nomes de alguns italianos
que deram depoimentos no inquérito, foram mencionados por depoentes ou citados nas
notícias de jornal relativas à revolta.
Gráfico 4
Gráfico de Personagens
Nesse gráfico 4, a maioria dos personagens participou da revolta,
configurando quase ¾ do total, aqui não definimos se a participação foi no lado
republicano ou liberal, apenas observamos o envolvimento com o episódio. Isso será
definido no gráfico 5.
99
Gráfico 5
Gráfico dos personagens que participaram da revolta e suas escolhas políticas
No gráfico 5, os personagens que participaram da revolta, retratados no
gráfico 4, foram divididos entre liberais, republicanos e outro. Esse último é o grupo de
participantes que não se posicionou politicamente durante a revolta. No total analisado,
consideramos como liberais todos os praças e soldados do inquérito que estiveram
presentes durante o ataque ao hotel e os líderes liberais, como Saturnino Barbosa. Entre
os republicanos, selecionamos os personagens que se posicionaram contra os praças e o
ataque ao hotel. Nesse caso, observamos que a maioria dos republicanos é cafeicultor
em contrapartida aos liberais que são em sua maioria, para efeito desse gráfico, praças e
soldados. É importante ressaltar que, no gráfico, o número de liberais e republicanos é
equivalente, mas isso corresponde aos depoimentos do inquérito e não necessariamente
à quantidade de participantes da revolta.
Nas páginas abaixo, segue o quadro com a listagem nominativa dos
personagens e suas caracterizações, possibilitando compreender melhor os números
dispostos nos gráficos.
100
Quadro 6
Personagens da Sociedade Riopardense
Participou da revolta
Fundador
do povoado
Participou da
emancipação
x
x
x
-
x
x
-
x
x?
x
x
x
x
x
x
x
-
-
x
-
x
-
-
x
-
Elisiário Luís Dias
Emiliano Ângelo
Dr. Fortunato dos Santos Moreira
-
-
-
x
x
-
-
x
-
Francisco Barbosa Sandoval
x
-
-
-
Nome
Alexandre Luiz de Mello
Ananias José Ferreira Barbosa
Antônio Caetano de Lima
Antônio Corrêa de Souza
Antônio Eduardo Pompeu Lobo
Antônio Luís de Souza
Antônio Marçal Nogueira de Barros
Dr. Antônio Mercado
Antônio Muniz de Souza
Antônio Victor de Souza
Bernardino Augusto da Silva
Cândido Prado
Claudino Pinto de Andrade
Damazo Ribeiro Machado
Damazo Rodrigues Ramos
Liberal Republicano Outro
x
x
-
Profissão
Cafeicultor
Comerciante
Cafeicultor
Cafeicultor
Praça
Negociante
Cafeicultor
Advogado
Advogado
Negociante
Praça
Jornalista
Praça
Cafeicultor e
farmacêutico
Praça / Oficial
de seleiro
Cafeicultor
Copeiro
Político e
advogado
Cafeicultor
Envolvido com
a propaganda
republicana
x
x
x
x
x
(Continua)
101
Quadro 6: Personagens da Sociedade Riopardense
(Continuação)
Participou da revolta
Fundador
do povoado
Participou da
emancipação
Francisco da Silva Rego
Francisco das Chagas Negrão
Francisco de Assis Nogueira (pai)
Francisco de Assis Nogueira (filho)
Francisco de Pádua Negrão
Francisco Glicério
x
x
x
x
-
x
-
-
-
-
-
x
Dr. Geraldino da Silva Campista
Honório Luís Dias
Dr. Holanda Cavalcanti
Hypolito Fortino
Ignácio de Morais
Izidoro Vannucci
João Antônio Cardoso
José Antônio de Lima
João Antônio de Oliveira
João Antônio Ferreira
João Gomes da Rocha Azevedo
Joaquim de Faria
-
x
x
-
x
x
-
x
x
x
x
x
x
x
x
-
-
-
-
-
x
Joaquim Dias de Siqueira
João José de Souza
José André dos Santos
x
-
-
x
x
-
-
-Nome
Liberal Republicano Outro
-
Profissão
Praça / Cabo
Cafeicultor
Fazendeiro
Fazendeiro
Fazendeiro
Político e
jornalista
Advogado
Cafeicultor
Engenheiro
Não consta
Praça / Soldado
Comerciante
Lavrador
Cafeicultor
Praça / Cabo
Oficial de justiça
Comerciante
Empregado
público
Praça
Fazendeiro
Sargento
Envolvido com
a propaganda
republicana
x
x
x
(Continua)
102
Quadro 6: Personagens da Sociedade Riopardense
(Continuação)
Participou da revolta
Fundador
do povoado
Participou da
emancipação
José Antônio Pacheco
José Cândido Firmino
Dr. José da Costa Machado ou Dr.
José da Costa Machado e Sousa
José Divino Nogueira de Sá
-
-
x
x
-
-
-
-
x
-
x
-
-
José Guecia ou Giuseppe Quercia
José Honório de Araújo
José Luiz Carvalho
Sr. José Theodoro Nogueira de
Noronha, vulgo Juca Gordo
José Vasconcelos Bittencourt
Lauriano Francisco Alonso
Manoel Alves de Carvalho
Manoel Corrêa de Sousa Lima
Maximiniano Alves Ferreira
Paulino Cândido Furquim de
Campos
Porfírio Alves de Souza
Cap. Saturnino Frauzino Barbosa
Silvestre Antônio Brande
Tobias Martins Pereira
Venâncio Gomes Porto
-
-
x
x
x
-
x
x
x
-
x
-
-
x
x
x
-
-
-
-
-
-
x
-
x?
x
x
-
-
Nome
Liberal Republicano
Praça
Carcereiro
Envolvido com
a propaganda
republicana
-
Cafeicultor
x
-
Cafeicultor
-
-
Artesão
Subdelegado
Praça
-
x
-
Ex-delegado
Negociante
Fazendeiro
Cafeicultor
Praça
x
x
Negociante
Cafeicultor
Praça
Negociante
Negociante
Outro
-
Profissão
Cafeicultor
Negociante
-
103
A partir desses nomes, as perguntas que fazemos são: quem são essas
pessoas, quais as relações entre elas e como elas interferem na composição da sociedade
riopardense. Além dos italianos mencionados e dos praças que constam na listagem,
mas pertencem a outros grupos, identificamos que há quatro tipos diferentes de
personagens nesse quadro que refletem quem eram esses homens brancos cafeicultores.
Esses tipos podem ser divididos em: os fundadores, os emancipacionistas, os
republicanos e liberais e, por fim, os forasteiros. Cada personagem se enquadra em
algum desse subgrupo e, às vezes, em mais de um.
Entre os fundadores, apenas dois deles ainda estavam em meio à vida
política da cidade na época da revolta: Antônio Marçal Nogueira de Barros e José
Theodoro
Nogueira
de
Noronha.
Ambos
fazem
parte
do
subgrupo
dos
emancipacionistas, o que significa que participaram das discussões para a emancipação
de São José do Rio Pardo. Eram então contrários aos conservadores de Casa Branca.
José Theodoro Nogueira de Noronha, vulgo Juca Gordo, pode ser encaixado no
subgrupo dos republicanos e liberais porque participou de um episódio anterior à
revolta, foi o responsável por dar uns sacolejos em Ananias Barbosa no dia da
inauguração da pedra fundamental da Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro.
Os primeiro subgrupo deixou de ter importância na sociedade
riopardense porque sua maioria se mudou, especialmente para Avaré, ou faleceu. Há um
hiato temporal entre a fundação do lugar e o ano de 1889 – são quase três décadas,
contando a partir do início dos anos de 1860. Esse primeiro grupo indica que era
comum a mudança da localidade para outras mais a oeste ou a norte, com o intuito de
aumentar a produção, comprar mais terras a preços mais baixos e, também, criar novas
vilas onde fosse possível se estabelecer no poder.
104
No segundo subgrupo, dos republicanos e liberais, entre os que
participaram do processo de emancipação da vila, temos quatro deles que também
participaram da revolta, três como republicanos e um como liberal. Os republicanos
eram o capitão Antônio Corrêa de Souza, o filho dele, Major José Antônio de Lima e
Honório Luís Dias. Em momento posterior à elevação e à revolta, esses três homens
participaram da vida política de São José do Rio Pardo, sendo Honório Luís Dias um
dos principais líderes da cidade. Os dois primeiros eram, respectivamente, tio e primo
de Manoel Corrêa de Sousa Lima, outra liderança da revolta e que compunha o grupo
dos republicanos e liberais. Os três eram de Nepomuceno – MG e se mudaram para a
região, tornando-se cafeicultores. O único liberal envolvido na revolta e no movimento
emancipacionista de São José do Rio Pardo foi o capitão Saturnino Frauzino Barbosa.
Não sabemos onde nasceu, mas era cafeicultor.
Os três republicanos são exemplos que corroboram com a afirmação de
que mineiros migraram para o oeste paulista com o intuito de comprar terras mais
baratas e produzir café, colonizando a região. A influência desse subgrupo na sociedade
riopardense está diretamente associada à cafeicultura e, consequentemente, à escravidão
e aos imigrantes, vinculados a partir dos apadrinhamentos, do paternalismo e do
mandonismo.
O subgrupo dos republicanos e liberais pode ser dividido em três, os que
estavam envolvidos com a propaganda republicana em âmbito nacional ou provincial,
os que não participaram desse processo, sendo então, alvo dessas campanhas, e os
liberais. Antônio Corrêa de Souza, Elisiário Dias, Honório Luís Dias, José Antônio de
Lima, João Gomes da Rocha Azevedo e Manoel Corrêa de Sousa Lima residiam em São
José do Rio Pardo, eram republicanos, não estavam no jantar de recepção a Francisco
Glicério e não estavam envolvidos com as atividades do movimento republicano.
105
Ananias José Ferreira Barbosa era proprietário do Hotel Brasil e estava diretamente
envolvido com a campanha republicana em São José do Rio Pardo e suas ações não
repercutiam para além da cidade. Entre os republicanos que participaram da revolta e
compunham as frentes da propaganda republicana externas temos: Damazo Ribeiro
Machado, Dr. José da Costa Machado (ou Dr. José da Costa Machado e Sousa), Dr.
Geraldino da Silva Campista, Antônio Muniz de Souza, Francisco Glicério, Dr. Antônio
Mercado, Cândido Prado e Dr. Holanda Cavalcanti. Os quatro primeiros eram eleitores
em São José do Rio Pardo, sendo Damazo Ribeiro Machado, Dr. José da Costa
Machado cafeicultores e Dr. Geraldino da Silva Campista, Antônio Muniz de Souza
advogados. Este último sempre escrevia para os jornais da capital.
Já o Dr. Antônio Mercado, Cândido Prado e Dr. Holanda Cavalcanti,
provavelmente, acompanhavam a comitiva de campanha de Francisco Glicério e
estavam no jantar no Hotel Brasil. Eles eram o subgrupo dos forasteiros – a ponte entre
os republicanos riopardenses e o movimento republicano paulista – tendo em Francisco
Glicério seu personagem principal. É importante salientar que os papéis na política
nacional após a proclamação se modificaram e muitos republicanos que atuavam na
campanha não conquistaram seu lugar nos quadros da primeira república, ou, se
alcançaram algum êxito em estar no poder, isso se modificou com a entrada do novo
século.
Houve mudanças no sistema político e na participação dos antigos
liberais que se tornaram republicanos, construindo-se um novo conjunto político que
não necessariamente manteve os antigos republicanos e seus aliados no poder. Em nossa
pesquisa, o papel dos forasteiros era de aproximar a propaganda republicana da cidade e
de seus eleitores. Francisco Glicério teve forte papel durante o processo da
proclamação, demonstrando sua importância no movimento republicano como
106
referência. Foi chamado por meio de um telegrama para participar da tomada do poder e
já sabia da ação de Marechal Deodoro da Fonseca. 149 O papel de Glicério e seus
correligionários de campanha era levar a São José do Rio Pardo a propaganda da
república, mas ele se deparou com uma cidade em pé de guerra, cujo conflito entre
republicanos e liberais culminou na revolta republicana riopardense.
Ainda dentro do grupo dos republicanos e liberais, temos os liberais que
também eram cafeicultores ou letrados. Eram eles o Dr. Fortunato dos Santos Moreira,
político e advogado, João Antônio Ferreira, oficial de justiça, José Honório de Araújo,
subdelegado, José Vasconcelos Bittencourt, ex-delegado e cafeicultor, e os cafeicultores
Sr. José Theodoro Nogueira de Noronha e capitão Saturnino Frauzino Barbosa. O
primeiro não era da cidade e chegou a São José para sua campanha a deputado
provincial, sendo um dos forasteiros. Não sabemos se os senhores João Antônio Ferreira
e José Honório de Araújo eram de São José do Rio Pardo, mas moravam ali no
momento da revolta republicana por exercerem os cargos de oficial de justiça e
subdelegado. Já o José Vasconcelos Bittencourt era fazendeiro em Casa Branca150 e se
mudou no final do século XIX para Tambaú. Obtivemos poucas informações acerca
deles, o que dificulta situá-los na sociedade riopardense a não ser pelos cargos que
exerciam e a quem estavam subordinados, ou seja, aos liberais, especialmente, o líder
capitão Saturnino Flauzino Barbosa.
Independente da opção política, as principais relações desses homens
brancos cafeicultores e letrados com a cidade estavam centradas no poder. Esse poderio
econômico era exercido por eles por serem produtores e empregadores dos indivíduos
dos outros grupos sociais: italianos e negros e pardos. Isso também era evidenciado por
149
WITTER, José Sebastião (org). Ideias políticas de Francisco Glicério: cronologia, introdução,
notas bibliográficas e textos selecionados. Rio de janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Brasília:
Senado Federal, 1982.
150
FONTANARI, Rodrigo. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no
complexo cafeeiro paulista: Casa Branca (1874-1914). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
107
meio do paternalismo, herdado do sistema escravista e adaptado para o novo momento,
em que as relações eram empregatícias e entre homens livres e pelo mandonismo, em
que os cafeicultores exerciam liderança perante seus capangas, empregados e agregados.
O paternalismo estava presente nas relações entre os senhores, os
cafeicultores e letrados, e seus escravos, os negros e pardos. Ocorria também entre os
fazendeiros e seus meeiros e agregados, homens livres. Com a abolição, essa prática se
manteve, mas se estendeu a todos os libertos que passaram a ter o status de agregados
ou mesmo meeiros. Dal Lago analisa o paternalismo na sociedade escravista
estadunidense.
No Sul dos Estados Unidos, o fim do tráfico atlântico de escravos em
1808 e a necessidade constante de maiores lucros forçou muitos
fazendeiros a priorizarem o bem-estar de seus escravos e, portanto, a
adotar uma atitude que posteriormente forneceu amparo para uma
justificativa paternalista da escravidão, como um bem positivo. 151
O mesmo aconteceu no Brasil, mesmo antes da proibição do tráfico. Os
cafeicultores do Vale do Paraíba já lidavam com seus cativos de maneira paternalista e a
relação também ocorria da mesma maneira no oeste paulista. O processo de negociação
e conflito mantinha o sistema em funcionamento e garantia um relativo bem estar para
ambos os lados.
Outro aspecto do envolvimento dos fazendeiros com seus cativos, excativos, agregados e empregados e cativos era o mandonismo, que pode ser considerado
de “longa duração”, porque acompanha a história da política brasileira. O mandonismo
se define pela potencialidade de alguém, cujo poder se fundamenta em sua
personalidade e em seu controle exclusivo ou majoritário sobre recursos almejados por
todos, em comandar grupos numa esfera política ou familiar. Aqui o conceito de clã se
encaixa perfeitamente, porque o chefe do clã é um exemplo da manifestação do
151
DAL LAGO, op. cit., 2007, 195.
108
mandonismo: ele domina o grupo e exerce seu poder fundado em seu status de chefe,
seja conquistado por vínculo familiar ou mérito, e é também o detentor e distribuidor
dos recursos que todo o clã necessita. Para José Murilo de Carvalho,
O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política
tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda
hoje em regiões isoladas. A tendência é que desapareça
completamente à medida que os direitos civis e políticos alcancem
todos os cidadãos. A história do mandonismo confunde-se com a
história da formação da cidadania.152
O mandonismo é um exemplo da política tradicional tratada por Max
Weber, quando discute o conceito de dominação patriarcal, fundamentada na tradição,
em contrapartida à dominação burocrática, cujos fundamentos estão na técnica. A noção
de dominação patriarcal de Weber, adotada por Raymundo Faoro, se aplica ao
mandonismo.
Na dominação patriarcal é a submissão pessoal ao senhor que garante
a legitimidade das regras por este estatuídas, e somente o fato e os
limites de seu poder de mando têm, por sua vez, sua origem em
"normas", mas em normas não-estatuídas, sagradas pela tradição. Mas
sempre prevalece na consciência dos submetidos, sobre todas as
demais ideias, o fato de que este potentado concreto é o "senhor"; e na
medida em que seu poder não está limitado pela tradição ou por
poderes concorrentes, ele o exerce de forma ilimitada e arbitrária, e
sobretudo: sem compromisso com regras.153
Na análise de Faoro, o mandonismo é um dos elementos do
patrimonialismo brasileiro, herdado da dominação patriarcal. Ele é exercido por um
“mandão” ou chefe que tem seu poder estabelecido pela tradição.
Em São José do Rio Pardo, essa vertente da política tradicional era vivida
por seus cidadãos. Os cafeicultores exerciam o mandonismo para com seus empregados,
152
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Revista Dados
v. 40, n. 02, Rio de Janeiro: IURPERJ, 1997.
153
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Trad. Regis
Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; Revisão técnica de Gabriel Cohn - Brasília, DF: Editora Universidade
de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 234.
109
agregados e familiares. Independente da opção política adotada pelos mandões, ele
estava presente nas fazendas de republicanos e liberais. O mandonismo, porém, não
influenciou a participação dos funcionários, agregados ou meeiros dos liberais, apenas
no envolvimento dos praças Isso pode sugerir que os 300 ou 400 homens que
dominaram as ruas riopardenses na madrugada de 11 de agosto estavam ali por vontade
própria e não apenas submetidos ao poderio tradicional do paternalismo e mandonismo.
Se eles estivessem apenas obedecendo ordens, seria natural que os liberais também
tivessem buscado seus homens para combater os republicanos, mas não foi isso que
ocorreu. A força republicana era muito superior á liberal, composta apenas pelos praças.
Outro aspecto a ser ressaltado para justificar a insatisfação dos
fazendeiros republicanos com os liberais estava não apenas no conflito, mas na perda do
poder municipal. Em 1887, ocorreu um desacordo entre liberais e republicanos e o
poder passou às mãos do liberal Saturnino Barbosa. Os republicanos foram, então,
obrigados a vivenciar a condição de submetidos porque foram subjugados pelos liberais
e perderam o controle da política local, porém, eram maioria. Essa condição deixou os
republicanos insatisfeitos e levou à revolta riopardense.
2.5. Os policiais
O último grupo da sociedade riopardense é composto pelos soldados e
praças. Eles não se enquadram no contexto dos brancos cafeicultores ou dos negros e
pardos, mesmo sendo muitas vezes afro-descendentes e alguns deles imigrantes, um
português e um alemão. Eles se caracterizam como um grupo próprio por participarem
de uma corporação e serem obedientes aos líderes liberais que os comandaram: o
capitão Saturnino Barbosa e o subdelegado José Honório.
110
Os praças de São José do Rio Pardo foram locados pela corporação da
qual faziam parte. Não nasceram na cidade, não pertenciam àquela sociedade, mas, por
causa do cargo exercido, passaram a conviver com os riopardenses diariamente e a
exercer o poder que lhes era conferido pela condição de praça ou soldado. Antes da
abolição, os praças eram responsáveis por perseguições a quilombolas e escravos
fugidos, além de criminosos foragidos, por procurar testemunhas de crimes e intervir
em conflitos. Exerciam também a tarefa de bombeiros.154
Após a abolição, não perseguiam mais quilombolas, mas ainda cumpriam
todas as outras atividades, muitas vezes, agredindo os italianos, como ocorreu alguns
dias antes da revolta, em que os praças bateram em um italiano e despertaram o desejo
de vingança nos colonos. Os policiais do Corpo da Polícia Permanente não podiam ficar
mais que três meses em cada cidade, o que diminuía seus laços com os cidadãos,
dificultando o cumprimento das tarefas e aumentando as chances do abuso da força.
A polícia paulista é alvo de estudos a partir da pesquisa de André
Rosemberg, que analisa a corporação observando: quem pertencia a ela, qual o papel
que desempenhava na província paulista do final do império e como se comportava no
contexto político. O autor afirma que a polícia paulista era composta por homens livres
que tentavam uma carreira que proporcionava alguma ascensão social. Porém, a
permanência na polícia era difícil e muitos abandonavam o ofício, abrindo caminho para
novos. A justificativa que Rosemberg dá para a desistência era o baixo valor dos soldos,
as dificuldades do serviço e a falta de qualificação para as atividades.
Para ele, havia uma tensão entre a polícia e a sociedade, fundada nas
ações violentas dos policiais, que agiam quando chamados para garantir a ordem em
detrimento dos interesses de grupos mais empobrecidos. Segundo ele, a polícia como
154
ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulistas no final do Império.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2010.
111
instrumento de opressão a serviço do Estado criava um distanciamento da corporação
em relação às pessoas, em contradição com o espaço social ocupado pelos seus
membros que eram, em sua maioria, pobres e pardos ou negros. Para acentuar essas
insatisfações, era comum os policiais se manifestarem a favor dos abolicionistas e
contradizerem grupos escravocratas durante os anos de 1880.155
Karl Monsma afirma que a polícia no interior paulista era violenta e
servia aos interesses da elite. Segundo ele, os delegados comandavam os praças da
polícia para agirem com agressividade para com libertos e italianos, reproduzindo em
todos os homens livres e pobres um comportamento anterior à abolição, cuja premissa
era reprimir as ações de negros insurgentes e perseguir os fujões. 156 Boris Fausto, em
seu trabalho sobre o crime e o cotidiano, afirma que a polícia, na capital paulista entre
os anos de 1880 e 1924, funcionava como um aparato repressor para o controle social.
As prisões ocorriam, em sua maioria, relacionadas a delitos leves ou sem motivos legais
aparentes e não chegavam a serem abertos os inquéritos. Isto porque, segundo ele, os
inquéritos eram instaurados em quantidades muito inferiores aos números de prisões. 157
A polícia tinha, então, para esses autores, o papel de manter a ordem, mesmo que isso
significasse extrapolar as ações e agir de maneira violenta.
Na sociedade riopardense, o corpo policial era responsável por manter a
ordem na cidade e na zona rural e, para isso, obedecia ao subdelegado e ao presidente da
câmara, ambos liberais. O “manter a ordem” correspondia a todas as atividades já
descritas a serem cumpridas pelos praças. Cotidianamente, eles faziam a ronda na
cidade e guardavam a Câmara e o quartel. O mandonismo das relações entre os
155
ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulista no final do império.
São Paulo: Edusp/FAPESP, 2010.
156
MONSMA, Karl. “A polícia e as populações “perigosas” no interior paulista, 1880-1900”. IX
Congresso Internacional da Brazilian Studies Association, Tulane University, New Orleans.
Louisiana, EUA, 27 a 29 de março de 2008. Disponível em <http://www.brasa.org/Documents/BRASA_
IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014.
157
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
112
fazendeiros e seus empregados também se aplicava a esse grupo, mas a liderança que os
guiava era o liberal capitão Saturnino Barbosa. Ele era presidente da Câmara de São
José do Rio Pardo e líder do Partido Liberal. Com isso, Barbosa utilizava da força da
corporação para seus interesses políticos e pressionava os republicanos a obedecerem a
suas ordens, aumentando a tensão e quebrando o fluxo contínuo do conflito para, de
fato, exercer um poder não legítimo a partir do “braço armado do Estado”.
Diante disso, podemos sugerir que os soldados e praças recebiam ordens
dos líderes liberais e as seguiam como parte de suas funções. Por outro lado, havia
desavenças entre esses policiais e os estratos mais baixos da sociedade, como os
italianos e os negros e pardos. Os praças, no cumprimento de seu trabalho eram,
provavelmente, violentos e agressivos com os pobres riopardenses, desencadeando as
insatisfações. No âmbito individual, segundo um dos policiais, o cabo Rego, havia
também uma dissensão entre o republicano dono do hotel Brasil e ele, que teria sido
consequência da prisão do irmão do hoteleiro. Podemos supor também que a
nacionalidade do cabo, que era português, pode ter criado essa insatisfação entre o
republicano e o policial, já que alguns republicanos não gostavam de portugueses por
eles remeterem à família imperial. As questões individuais entre policiais e revoltosos,
possivelmente, contribuíram para desencadear o processo que levou à revolta e mesmo
o povo, cujo anonimato não nos permite conhecer em detalhes essas rusgas, devia nutrir
uma insatisfação pessoal com os praças, já que eles eram brutos com os pobres.
Assim, sugerimos três pontos referentes aos policiais que justificam seu
envolvimento no episódio. O primeiro é que os policiais conheciam os conflitos entre
republicanos e liberais em São José do Rio Pardo. Durante os embates, eles gritavam
nas ruas “morte aos republicanos”, “viva a monarquia”, indicando um posicionamento
favorável à monarquia e contrário aos adeptos da república. O segundo se refere ao
113
cotidiano dos guardas, acostumados a receber ordens das lideranças liberais,
reproduzindo assim as regras das atividades funcionais diárias, mas extrapolando em
atitudes mais violentas que possivelmente não foram ordenadas diretamente, mas
provavelmente instigadas no corpo policial riopardense durante os meses anteriores à
revolta. O terceiro era a maneira truculenta de agir dos praças para com os negros,
pardos e italianos, criando uma insatisfação nos grupos menos abastados da cidade.
Reunindo isso a um catalisador formado pela desavença entre o hoteleiro republicano
Anannias Barbosa e o cabo Rego, que estimulou os colegas a revidar a ação do dono do
hotel, a reação dos praças foi atacar o estabelecimento em vingança e solidariedade ao
companheiro de corporação, ao subdelegado, liberal, e ao presidente da Câmara,
também liberal.
114
CAPÍTULO 3. A revolta de São José do Rio Pardo
Em um resumo, a revolta republicana de São José do Rio Pardo teve
início com os conflitos entre liberais e republicanos ocorridos quando a cidade foi
elevada à vila, em 1887. Os republicanos e liberais combinaram que se revezariam no
poder municipal, mas os liberais descumpriram o acordo e se mantiveram na Câmara,
sem deixar os republicanos assumirem a presidência. Em 1889, durante o processo
eleitoral para a assembleia legislativa provincial paulista, o candidato liberal esteve na
cidade. No mesmo dia, aconteceu a inauguração da pedra fundamental da sede da
Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro, formada por italianos. A banda da
sociedade e a banda da cidade se encontraram e fizeram um duelo, a primeira tocando a
marselhesa, em honra à república, e a segunda o hino brasileiro, honrando o império. Os
republicanos deram vivas à república e colocaram bandeiras republicanas nas janelas
dos vagões.
Alguns dias depois, Francisco Glicério chegou a São José do Rio Pardo
para fazer campanha para a mesma eleição provincial. Foi recebido na estação com
vivas à república e se dirigiu ao hotel Brasil, onde jantou com correligionários. Após o
jantar, o dono do hotel, Ananias Barbosa, encontrou o cabo Rego, bêbado, no quintal de
seu estabelecimento comercial, deu voz de prisão a ele e o escoltou até o quartel,
juntamente com alguns empregados e hóspedes. Chegando ao quartel, o cabo se
desvencilhou dos homens e tocou o sino, chamando os praças. Os policiais se reuniram
no quartel e atacaram o hotel com pedras e paus. Os republicanos saíram do hotel e
foram para a casa de Honório Luiz Dias, um dos líderes da revolta, onde se refugiaram.
Os praças fizeram novo ataque ao hotel, destruindo paredes, janelas,
portas e utensílios domésticos. Os republicanos chamaram outros companheiros das
115
fazendas próximas, como Manoel Corrêa de Sousa Lima, José Antônio de Lima e
Antônio Corrêa de Souza, e trouxeram os homens da zona rural. Honório Luiz Dias
reuniu cerca de 100 homens, Manoel Corrêa de Sousa Lima outros 100, e José Antônio
de Lima cerca de 30. Reuniram, assim, entre 300 e 400 homens armados e tomaram a
cidade, prendendo os praças e o subdelegado. Hastearam a bandeira republicana nos
edifícios públicos e fizeram um esboço de uma moeda para o novo governo. No dia
seguinte, prenderam o chefe liberal, afirmando que o povo acreditava ser ele o
responsável pelos ataques ao hotel.
Enquanto os presos ficavam no quartel ou no palacete de Honório Luiz
Dias, eles decidiram telegrafar a Casa Branca para chamar reforços e manter a ordem
estabelecida por eles. O delegado de Casa Banca chegou a São José do Rio Pardo e
abriu um inquérito, que pegou depoimento de muitos participantes. Os praças foram
soltos e, nos dias subsequentes, provocaram e agrediram os republicanos pelas ruas de
São José. O subdelegado foi demitido e o novo subdelegado não garantia a ordem na
cidade. O clima ainda permaneceu tenso em São José do Rio Pardo por cerca de um
mês.
A revolta republicana envolveu fazendeiros de café, políticos
republicanos, políticos liberais, comerciantes, italianos, negros, praças da polícia, entre
outros, em um conjunto denominado pelos republicanos de “povo” e pelos praças e
liberais de “pessoas”. Por fim, com a proclamação, São José do Rio Pardo foi agraciada
com uma homenagem, a mudança de seu nome para Cidade Livre do Rio Pardo, mas a
população local solicitou o retorno ao nome religioso pouco tempo depois.
O contexto político regional durante a revolta republicana riopardense
estava associado às eleições provinciais para deputado geral e da província de São
Paulo. Enquanto o contexto local era marcado pelos conflitos entre republicanos e
116
liberais, na província isso também se fazia presente, nas campanhas para deputado entre
os partidos liberal, conservador e republicano. O partido republicano paulista foi criado
em 1873 e vinha fazendo forte propaganda em São Paulo desde a sua criação. Isso se
intensificou na segunda metade dos anos de 1880, tendo Francisco Glicério como um de
seus grandes propagandistas.
A lei que regulava as eleições a deputado era o Decreto n° 3.029 de 9 de
janeiro de 1881, conhecida como Lei Saraiva. Em meio às discussões acerca das
condições da lavoura e dos impostos relativos à agricultura e do orçamento, surgiu a
frase: “Quereis remediar todos estes males com a eleição direta?”, mencionada pelo
senador por Mato Grosso, Sr. José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio
Branco. As respostas de Saraiva explicam como funcionavam as eleições
no Brasil, diferenciando -as das realizadas na Inglat erra e em que medida o
voto direto com um “eleitorado que pensa e reflete sobre os negócios públicos”158
poderia auxiliar o desenvolvimento da política nacional e seria um avanço para o Brasil.
Porém, a lei que regulava as eleições acabou por diminuir a quantidade de eleitores,
elitizando ainda mais o processo eleitoral, cujos votantes se resumiam àqueles que
sabiam ler e tinha renda mínima.
As eleições eram realizadas após a composição da mesa eleitoral e eram
votados os “Senadores, Deputados á Assembléa Geral, membros das Assembléas
Legislativas Provinciaes, Vereadores e Juizes de Paz em todas as parochias creadas
por actos legislativos provinciaes até o dia 31 de Dezembro de 1886.”159 As províncias
eram divididas por distritos e “Cada distrito elegerá um deputado à Assembleia Geral
158
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO. A reforma eleitoral de
1881. Coletânea organizada por Antonio Paim. Disponível em < http://cdpb.org.br/lei_saraiva.pdf>
Acesso em 25 mai 2014.
159
BRASIL. Decreto nº 9.790, de 17 de Outubro de 1887, art. 4°. Disponível em <
http://www2.camara.leg.br/
legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9790-17-outubro-1887-543282publicacaooriginal-53480-pe.html> Acesso em 26 mai 2014.
117
e o número de membros da Assembleia Legislativa Provincial
marcado no art. 1º §
16 do Decreto Legislativo n. 842 de 19 de Setembro de 1855.”160
Em São Paulo, em 1889, Francisco Glicério e Dr. Fortunato dos Santos
Moreira disputavam as eleições para deputado geral pelo distrito de Casa Branca.161 O
primeiro era de família pobre e nasceu em Campinas em 1849. Foi jornalista e político
defensor da república, além de participar da Convenção de Itu, em 1873, que deu os
primeiros passos na formação do Partido Republicano Paulista e, no dia 15 de
novembro, estava presente representando o oeste de São Paulo. Era maçom e exerceu
diversos cargos dentro da ordem. Não se elegeu para deputado geral por São Paulo em
1889, foi Ministro da Agricultura em 1890 e 1891, um dos mentores do partido
Republicano Federal em 1894, senador por São Paulo em 1902 e 1916, e deputado pelo
mesmo estado em 1891-1893, 1894-1896 e 1897-1899.162 Era florianista e foi acusado
de participar do atentado contra Prudente de Morais, mas nada ficou provado. Faleceu
em um recesso parlamentar e não recebeu homenagens oficiais em seu funeral. A
historiografia analisa mais a vida política de Glicério após proclamação da república e
cita sua participação no PRF e no atentado contra Prudente de Moraes.
O candidato liberal, Dr. Fortunato dos Santos Moreira, era natural de
Pindamonhangaba. Foi promotor da comarca de Casa Branca em 1887, substituindo o
160
BRASIL. Decreto n° 3.029 de 9 de janeiro de 1881, art. 17, § 3°. Disponível em <
http://www2.camara.
leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-normapl.html>. Acesso em 25 mai 2014.
161
Em agosto de 1889, ocorreram as últimas eleições do império. O Gabinete Ouro Preto, composto em
sua maioria por liberais que discordavam do federalismo, teve grande influência sobre o resultado desse
escrutínio. Segundo Sérgio Eduardo Ferraz, “Nas eleições, Ouro Preto não só excluiu pesadamente os
conservadores, mas também os republicanos e os seus próprios inimigos nas fileiras liberais, atingindo,
em particular, nesse último caso, os setores mais vinculados à defesa do federalismo (Barman, 1999:
352) 261. Ao agir com “intolerância” e “exclusivismo”, negando qualquer espaço no sistema político
formal para as correntes políticas mencionadas, o chefe do ministério fortaleceu, involuntariamente, os
radicais, que apostavam numa ruptura com a ordem imperial, e minou a credibilidade dos que
advogavam reformas ou mesmo a implantação da república através de meios pacíficos (Barman, 1999:
352-3)”. FERRAZ, Sérgio Eduardo. O império revisitado: Instabilidade Ministerial, Câmara dos
Deputados e Poder Moderador (1840-1889). Tese de doutorado em Ciência Política. Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
162
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Deputados
Brasileiros: 1826 – 1976. Brasília, 1976.
118
efetivo.163 Foi candidato a deputado geral nas eleições de 1889, concorrendo ao cargo
contra Francisco Glicério, mas não foi eleito. Depois de 1889, Fortunato exerceu a
advocacia em São José do Rio Pardo. Após o 15 de novembro, aderiu à república e saiu
candidato a deputado novamente em 1891. Mais tarde, com a saída de Américo
Brasiliense da vida pública, abandonou a política para se dedicar à lavoura e à
advocacia.164
Em São José do Rio Pardo, as campanhas de Francisco Glicério,
republicano, e Dr. Fortunato dos Santos Moreira, liberal, provavelmente, espelhavam as
disputas entre liberais e republicanos que ocorriam em âmbito nacional, porém, na
cidade, a chegada dos dois candidatos trouxe à tona questões locais referentes aos
embates entre republicanos e liberais e culminou na revolta republicana.
No final de 1880, São José do Rio Pardo era uma cidade composta por
três grupos políticos: conservadores, liberais e republicanos. A sociedade era formada
por grupos étnicos de matriz africana, italiana e brasileira, sendo os fazendeiros
cafeicultores de maioria republicana. O coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima,
republicano, relatou a um repórter em 1949 sua experiência em São José do Rio
Pardo.165 Contou que “Lá pelos anos de 1887, o antigo distrito de Casa Branca já
estava todo republicanizado.” Os partidos eram três: “o Liberal, no poder, o
Conservador e o Republicano.” Com a elevação à vila, foi feita a qualificação dos
eleitores que se estabelecia pela renda ou propriedades. Ainda em suas palavras,
163
“PARTE OFFICIAL, Expediente da Presidência, 5ª. Seção”. Correio Paulistano, ano XXXIV, n°
9265, 21 jul.. 1887, p. 1.
164
FERNANDES, Altair. Ruas da Saudade - A „rua dos Bambus‟. Disponível em < http://www.agora
vale.com.br/historiasecausos/textos.asp?artigo=43>. Acesso em 1 nov. 2011, 16:40. Genealogia
Itapetiningana. Disponível em <http://jlnogueira.vilabol.uol.com.br/pafg682.htm> Acesso em 1 nov.
2011, 16:45.
165
TAVARES, Marcelo Coimbra. Proclamaram a república três meses antes do 15 de novembro. Diário
da Tarde, Belo Horizonte, 24 fevereiro, 1949, p. 1 e 5.
119
A lei sancionava que só podia ser eleitor quem tivesse renda de 600 mil réis
ou bens de raiz no valor de três contos. Por isso eram poucos os eleitores.
Feita a qualificação, apurou-se este resultado: Republicanos, 66; Liberais, 13;
Conservadores, 3.166
Segundo ele, os liberais acordaram com os republicanos que dividiriam
os cargos da Câmara Municipal, mas não cumpriram o acordo e “pouco tempo depois
éramos traídos e os liberais, donos do poder, reprimiam os republicanos.”167
A traição teve repercussão e chegou a sair em jornais da época. Silva
Jardim mencionou a questão da eleição em São José em um de seus textos, citando a
força dos republicanos paulistas. A disputa entre liberais e republicanos foi, então,
acirrada por esse sentimento de traição. Isso aumentou o conflito entre os dois grupos e
cada movimento, ação ou campanha de um dos grupos era motivo de retaliação do rival.
Na cidade de São José, a propaganda republicana era realizada por vários
cidadãos, entre eles, Ananias Barbosa e o Dr. Antônio Muniz de Souza. Esse último era
morador local e redator do jornal “Ephoca” responsável pela propaganda republicana
em Campinas. O Dr. José da Costa Machado e Sousa também era republicano e criou o
jornal “O Tiradentes”, divulgador das ideias republicanas, e foi um dos fundadores do
diretório do Partido Republicano na cidade 168. Enfim, as alegorias associadas ao
republicanismo eram bastante frequentes em São José do Rio Pardo como o entoar do
hino Marselhesa, ou os gritos de “viva a República” em saudação a algum
correligionário.
O hotel Brasil era onde estava hospedado o Francisco Glicério na noite
da revolta republicana riopardense, local que foi atacado pelos praças na madrugada de
11 de agosto de 1889. Seu proprietário era republicano e fez a inauguração do
166
Idem.
TAVARES, op. cit., 1949.
168
MISSURA, Fábio. Costa Machado: atuação política. Cidade Livre do Rio Pardo. Disponível em <
http://cidadelivredoriopardo.com.br/materia/48/2/Costa-Machado:-atua%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%A
Dtica.html> Acesso em 20 ago 2013.
167
120
estabelecimento hoteleiro em 21 de abril de 1889, data comemorativa de Tiradentes.
Provavelmente, a data foi escolhida por Ananias Barbosa para fazer referência ao
movimento republicano que havia adotado o inconfidente como símbolo e herói na luta
contra a monarquia. Tiradentes era visto como um herói nacional pelos propagandistas
do regime, como Ananias Barbosa.169
Desconhecemos a lista de convidados da festa, mas é possível que ele
tenha convidado pessoas abastadas da cidade, celebrando o início de seu investimento.
Sabemos que ele chamou para as festividades o capitão Saturnino Barbosa, que era
liberal. Dentro do processo de conflito em que viviam, o convidado teria compreendido
que a festa era uma provocação por ser no dia de Tiradentes. Assim, a festividade da
inauguração do hotel Brasil foi vista como um momento de celebração da república e
uma afronta à monarquia.
O capitão liberal Saturnino Barbosa pediu para o subdelegado proibir a
festa. Não sabemos o que ocorreu no dia da inauguração, mas, ao que tudo indica, a
celebração aconteceu apesar da ordem de Saturnino.
O conflito entre republicanos e liberais permanecia e parecia que se
acirrava a cada dia. Em 24 de junho de 1889 foi realizada a festa de inauguração da
pedra fundamental da Sociedade de Mútuo Socorro XX de Setembro, com a presença de
membros da Sociedade Príncipe de Nápole de Casa Branca, a banda italiana “Giuseppe
Verdi”, da mesma cidade e os padrinhos Major José Antônio de Lima, Dr. José da Costa
Machado, Antônio Pantaleão Soares e Antônio Marçal. Eles andaram em passeata pelas
169
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
121
principais ruas da cidade e depois retornaram ao terreno da sede social para a bênção da
bandeira e a colocação da pedra.170
Honório de Sylos resume o artigo do jornal “Oeste de São Paulo”, da
cidade de Casa Branca, datado de 30 de junho de 1889.171 Segundo ele, nessa
reportagem, no dia 24 de junho o confronto entre republicanos e monarquistas
aconteceu em função de um encontro ocasional do desfile de lançamento da pedra
fundamental da Sociedade Italiana, que seguia com os italianos cantando a Marselhesa
musicada pelos instrumentos da banda Giuseppe Verdi, com os monarquistas do Partido
Liberal, que saiam de uma conferência e seguiam pelas ruas ao som do Hino Nacional
sonorizado pela banda Riopardense. As músicas das duas bandas se confundiram e a de
Giuseppe Verdi tocou mais uma vez a Marselhesa. Por fim, o delegado José
Vasconcelos Bittencourt, liberal, mandou que a banda parasse de tocar e o Dr. Fortunato
e alguns capangas teriam atacado os republicanos no evento comemorativo da
Sociedade Italiana, forçando-os a saudar a monarquia. Houve gritos e xingamentos entre
os dois grupos.
O coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, republicano, descreve esse
momento em uma entrevista datada de 1949. Segundo ele,
(...) um orador liberal invadiu a sede e subiu à tribuna, concitando a
colônia italiana a ser liberal, a exemplo de Garibaldi. Em seguida, o
Sr. Cândido Prado, pai do Dr. Carteia Prado, o conhecido médico de
Belo Horizonte, corajosamente pediu a palavra, e, apesar da maioria
dos liberais retrucou o orador, pregando a causa republicana. Um
fazendeiro liberal, bastante corpulento, com muita dose de
atrevimento, arrancou Cândido Prado da tribuna, envolvendo-o num
manto.
(...)
170
SOCIETÀ MUTUO SOCCORSO XX SEPTEMBRE. Sessão Solene da Assembleia Geral de 24 de
junho de 1889. Livro de Atas, p. 121-122. Arquivado no Centro Ítalo Brasileiro em São José do Rio
Pardo.
171
SYLOS, Honório de. Glycerio em São José do Rio Pardo: o episódio republicano de 10-11 de
agosto de 1889. In.: Palestra pronunciada no IHGSP, 25 out 1946. São Paulo, 1946. Esse exemplar do
jornal “Oeste de São Paulo” foi perdido. A única menção encontrada a ele está no texto de Honório de
Sylos.
122
Ananias Barbosa, exaltado republicano, proprietário do Hotel Brasil,
soube do fato. Muniu-se de uma bengala e resolveu enfrentar a
caravana liberal. Dirigiu-se imediatamente para o local. Enfrentando
cara a cara os liberais, e disse-lhes:
- „Sabem o que vim fazer aqui? Vim vingar Candido Prado.
E então o pau comeu...‟ acrescenta com saída gargalhada o nosso
entrevistado.
- „Delegado, soldados e liberais foram todos advertidos pelas
bengaladas de Ananias Barbosa que era o tal.‟ 172
Essa descrição sobre aquele dia demonstra as animosidades entre os dois
grupos políticos riopardenses e a forte participação de Ananias Barbosa, proprietário do
hotel, nos movimentos republicanos.
No dia 25, os republicanos seguiram para a estação ferroviária com a
banda Giuseppe Verdi para vaiar o delegado e o Dr. Fortunato dos Santos Moreira, que
era candidato a deputado geral e estava na caravana para a conferência liberal, partindo
da cidade para continuar sua campanha.
O coronel continua a descrição do dia seguinte:
A caravana liberal fugiu amedrontada e, no dia seguinte, os liberais
pediram salvo-conduto para sua retirada. E nós, como bons
republicanos, respondemos: „a liberdade de trânsito é uma grande
coisa‟. Em cada portinhola do trem foi posta uma bandeira
republicana. Os liberais, em plena monarquia, tiveram de se curvar
diante da nossa bandeira.
O clima de tensão na cidade se refletia na ação da polícia, que agia com
violência para com os imigrantes italianos. Em 9 de agosto, dois dias antes da chegada
de Francisco Glicério para a campanha, um telegrama enviado pela Comissão Executiva
do Partido Republicano de São José do Rio Pardo ao Chefe de Polícia solicitava
medidas para o controle dos praças: “Destacamento policia acommette maiores
violencias espancaram hontem italiano sem motivo colonia disposta reagir
172
TAVARES, Marcelo Coimbra. Proclamaram a república três meses antes do 15 de novembro. Diário
da Tarde, Belo Horizonte, 24 fevereiro, 1949, p. 1 e 5.
123
aconselhamos calma. Providencias urgentes esperadas”173 A ação violenta dos praças,
com certeza, auxiliou na reunião do “povo”, que tinha motivos específicos para se
rebelar contra a polícia, para a revolta republicana.
Francisco Glicério era candidato a deputado geral por São Paulo, eleição
que ocorreu em 31 de agosto de 1889 e pela qual não foi eleito. 174 Durante sua
campanha, foi a Mococa, município vizinho a São José do Rio Pardo e, por estar nas
redondezas, foi convidado a ir a São José do Rio Pardo com seus correligionários. Seus
correspondentes eram Ananias Barbosa 175 e o Dr. Antônio Muniz de Souza, um dos
propagandistas republicanos em São José. O objetivo do convite era palestrar aos
republicanos da localidade e pernoitar no hotel Brasil. Glicério chegou à estação
ferroviária de São José atrasado e os republicanos receberam-no com uma banda e
alguns „vivas‟ à república. Na descrição do Dr. Antônio Muniz de Souza, a recepção de
Francisco Glicério na estação ferroviária estava repleta de povo e soldados, mas
acreditamos que esse povo não era composto pelos trabalhadores rurais.
3.1. A versão republicana da revolta
O Dr. Antônio Muniz de Souza, republicano, foi uma das testemunhas do
inquérito policial instaurado para averiguar o ocorrido na revolta. Nesse documento,
vários envolvidos de ambos os lados narraram suas versões dos fatos desde os
173
09/08/1889, AESP, C02698, Polícia 1889. Apud.: MONSMA, Karl. “A polícia e as populações
“perigosas” no interior paulista, 1880-1900”. IX Congresso Internacional da Brazilian Studies
Association, Tulane University, New Orleans. Louisiana, EUA, 27 a 29 de março de 2008. Disponível
em <http://www.brasa.org/Documents/BRASA_IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014.
174
WITTER, José Sebastião (org). Ideias políticas de Francisco Glicério. Rio de Janeiro: Fundação
Casa de Rui Barbosa, 1982. Nessa eleição, apenas dois deputados republicanos foram eleitos. Segundo o
jornal “A província de Minas”, a eleição gastou uma quantia enorme e reflete os gastos exorbitantes do
governo federal com setores da sociedade. O jornal era um órgão do partido conservador e criticava os
liberais que estavam no poder. ELEIÇÃO DOS CEM MIL CONTOS. A província de Minas, ano X, nº
605, Ouro Preto, 31 de agosto, 1889, p.1.
175
ABRAHÃO, Fernando Antônio. Correspondência passiva de Francisco Glicério. Campinas: Área
de Publicações CMU/UNICAMP, 1996.
124
acontecidos antes do ataque ao hotel até a chegada do delegado de Casa Branca e a
abertura do inquérito. Segundo Antônio Muniz de Souza, ele
(...) e seus amigos foram a estação em corporados e com banda de
música, e tendo chegado o trem muito retardado, estava a estação digo
e estando na estação muito aglomerada de povo e soldados, ele
depoente aconselhou que a manifestação não passasse de vivas à
república e a Francisco Glicério, e que assim aconteceu que vieram
para o hotel e ai o depoente dissolveu a reunião, indo ele depoente e
alguns amigos para a mesa do jantar, onde não se fez um brinde
sequer; depois o depoente recolheu-se para sua casa, (...).176
O jantar no hotel Brasil ocorreu sem incidentes. Não sabemos qual o
cardápio servido, nem o teor das conversas, mas acreditamos que o tema principal foi o
movimento republicano e a campanha de Glicério. Após o jantar, a presença de um cabo
no quintal do hotel iniciou o problema. Como esse foi o ponto catalisador dos conflitos
já latentes da cidade, há divergências entre os depoimentos das testemunhas. Vamos
reunir cada um deles aqui, num exercício de respeitar todas as afirmações e aprofundar
a análise. Por outro lado, vamos tentar descobrir a história mais plausível para a
presença do cabo Rego na propriedade de Ananias Barbosa.
Nos depoimentos dos republicanos e de outras testemunhas que apenas
viram os eventos no dia seguinte, não há muitas informações acerca da presença do
cabo na propriedade de Ananias Barbosa, a não ser pelos depoimentos dele próprio e do
empregado, Emiliano Ângelo, copeiro do hotel, e aliado dos republicanos. O
republicano Ananias Barbosa afirma que
Chegando na janela do seu hotel na noite do dia dez do corrente viu
uma pessoa, as dez horas mais ou menos junto a cerca de sua casa
particular, que pulou a cerca e entrou no quintal da casa, procurando
ouvir o que se conversava dentro da casa. Que o depoente procurando
conhecer quem era essa pessoa, verificou que era um polícia e então
dirigiu-se a dita casa a fim de saber o que ele lá queria, sendo-lhe
respondido que estaria rondando, e tinha ordens do subdelegado de
não admitir conversas, nem mesmo em casa depois das nove horas da
176
SÃO PAULO. T.I. Processos Policiais. Cx. 18, Ordem 3219. Arquivo permanente do Arquivo
Estadual de São Paulo.
125
noite; que então o depoente fez-lhe ver que seu procedimento não
devia ser admitido tanto que o depoente encontrando qualquer pessoa
no quintal de sua casa sem seu consentimento podia até cortar o
pescoço e que podia dar-lhe muita cacetada se não respeitasse a farda
e o estado de embriaguez em que o depoente supôs estar o mesmo
polícia, que depois soube ser um cabo. 177
Optando por seguir o conselho de um hóspede republicano, o Dr.
Holanda Cavalcanti, Ananias Barbosa levou o policial ao seu comandante para relatar o
fato. Chegando à cadeia, os condutores do cabo observaram que os praças já estavam
reunidos no quartel como que aguardando alguma coisa.
O copeiro do hotel afirmou que tomou conhecimento da presença do
cabo Rego no quintal da casa e ele mesmo retirou-o de lá, levando-o a cadeia com
outros empregados do hotel, Avelino e José Gama. Contou, também, que ouviu os
praças dizerem “morram os republicanos” e “hoje havemos acabar com os
republicanos, beber o sangue deles”.
O Dr. Geraldino da Silva Campista, outro republicano, contou que, por
volta das dez horas da noite do dia 10 de agosto, ouviu o sinal de incêndio dado pelo
sino da cadeia e foi até lá para verificar o que estava acontecendo. Ele viu o capitão
Saturnino Barbosa, liberal, atravessar o largo gritando “vamos acudir o hotel Brasil”.
Nesse caso, ele ameniza a atuação de Saturnino, mas os outros republicanos depõem
que o capitão foi o mandante do ataque, como afirma o Dr. João Gomes da Rocha
Azevedo, republicano. Segundo ele, o subdelegado liberal, José Honório, tinha a
intenção de atacar o hotel por causa de seu repúdio aos republicanos, seguindo os
conselhos de Saturnino Barbosa. Acrescentou que os moradores locais Antônio de
Mattos e Antônio Zeferino Gonçalves viram o capitão no quintal do hotel de Ananias
Barbosa na hora do ataque dos praças. Além disso, afirmou que o capitão aconselhara o
177
SÃO PAULO. T.I. Processos Policiais. Cx. 18, Ordem 3219, trigésima terceira testemunha. Arquivo
permanente do Arquivo Estadual de São Paulo.
126
ex-subdelegado, Venâncio Gomes Porto, a não permitir as festas republicanas, mas este
disse que só faria isso se o partido liberal estivesse no poder.
O republicano proprietário do hotel, Ananias Barbosa, também é enfático
quanto ao dolo do capitão. Ele o viu na porta de seu estabelecimento na hora do ataque.
Segundo ele, o capitão foi visto também pelos vizinhos Domingos Francisco de Souza,
Antônio Zeferino Gonçalves, vulgo Antônio Pintor, João Joaquim Ribeiro da Lavra,
José Maria Paoliello, Antônio Pereira de Mattos, Francisco Ribas do Amaral e outros.
Barbosa contou que o recado dado pelo subdelegado a ele, mencionado pelo capitão
Saturnino, era de que, caso se reunissem no hotel mais de vinte pessoas, eles teriam
força para revidar e matar todos que estivessem ali. Emiliano Ângelo também enfatizou
a intenção do subdelegado em atacar e agredir os republicanos. Segundo ele, quando lhe
pediram apoio, fez o contrário e mandou os praças atirarem.
A discussão em torno da participação intelectual do capitão Saturnino
Barbosa está relacionada ao sentido do ataque ao hotel Brasil. As ordens ou estímulos
do capitão para a realização do ataque legitimariam uma revanche porque o objetivo
dele era afrontar os republicanos no dia do encontro do candidato Francisco Glicério. A
possibilidade de Saturnino não ser o mandante reduziria o caráter político do ataque e a
tomada da cidade pelos republicanos seria infundada. Nesse sentido, há sempre uma
necessidade por parte dos republicanos em se estabelecer uma autoria intelectual e
política para o ataque. Em vista disso, escolheram como mandante o capitão Saturnino
Barbosa ou subdelegado José Honório. Isso justificaria sua atuação e daria ao regime
monarquista menos credibilidade, já que ele, o sistema, seria então responsável pelas
“atrocidades” ocorridas.
Os praças chegaram ao hotel munidos de paus, pedras e rifles. Segundo
Honório Luís Dias, depoente do laudo, o hotel foi depredado e sofreu danos nas portas,
127
janelas e paredes, que foram furadas e quebradas com pedras, armas, rifles e tiros. No
interior do prédio, louças, espelhos, vidros e diversos objetos foram quebrados. O valor
apurado pelo laudo relativo ao prejuízo causado ao patrimônio do hotel foi de 150 mil
réis e mais três contos de réis por danos morais.
O barulho do toque dos sinos e da descida dos praças até o hotel acordou
muitas pessoas, que se dirigiram para a rua. Algumas apenas chegaram à janela para ver
o que estava acontecendo. Outras ficaram em casa com receio de sair. Honório Luís
Dias contou que quando saiu na sacada de seu sobrado, depois de ouvir o sino e alguns
tiros, ouviu os praças gritando “viva a Monarquia, fora Francisco Glicério e morra a
república”. Chegaram, então, em sua casa Ananias Barbosa, Dr. Mercado e Francisco
Glicério, sendo que este último ele não conhecia. Em sua versão, Dias dá a entender que
sua casa transformou-se em QG sem que ele consentisse deliberadamente, mas, assim
que percebeu a necessidade de proteger os que estavam em seu sobrado, mesmo os
presos, mandou chamar os homens da fazenda.
Após o primeiro ataque ao hotel, o republicano Geraldino Campista, que
havia escutado o sino da cadeia, saiu para verificar o que acontecia e, vendo o tumulto,
voltou a sua casa para “prevenir-me, caso fosse desacatado”. Na volta para sua moradia,
encontrou Glicério, Dr. Mercado e Luís Nery na esquina da casa de Honório Dias e eles
lhe contaram o que ocorrera e combinaram “os planos de defesa e meios de restabelecer
a ordem”. Com medo de sua casa ser invadida, como ouviu que aconteceria por pessoa
do povo, levou sua família para o sobrado de Honório Luís Dias em
(...) companhia do cidadão Francisco Glicério, Doutor Mercado e
outros trataram de providenciar meios de defesa chamando seus
correligionários que residem nas fazendas assim como o pessoal que
pudessem dispor. Enquanto esperavam os companheiros dirigiu-se ao
hotel Brazil para diviso presenciar os atos de vandalismo praticados
pelos soldados; estando nesse hotel ai apareceu o subdelegado José
Honório dizendo que não podia conter a força e pedia que se
dispersassem os que ai estavam neste momento um grupo de pessoas
128
vindo do hotel pessoas sérias e de todo conceito afirmaram que senhor
José Honório tinha dirigido os primeiros ataques contra o hotel aos
gritos de mata, mata, e quiseram tirar sem desforço contra o dito
subdelegado ao que se opôs o depoente trazendo o mesmo debaixo de
sua responsabilidade até a casa do cidadão Honório Dias onde estava
reunido o partido republicano e ai resolver-se que fosse o mesmo
detido para a garantia de todos. 178
Assim, a maneira que planejaram para restabelecer a ordem foi chamar
os republicanos das fazendas, que vieram com seus homens, denominados pelos
republicanos de “povo”.
As lideranças republicanas reunidas na casa de Honório Dias eram os
senhores Francisco Glicério, Dr. Muniz de Souza, José da Costa Machado, Manoel
Corrêa de Sousa Lima, José Antônio de Lima, Elisiário Dias, Alípio Dias, Geraldino
Campista, Holanda Cavalcanti, Ananias Barbosa, Antônio Corrêa de Sousa, Dr. João
Gomes da Rocha Azevedo, Francisco Xavier de Oliveira, Dr. Antônio Mercado e Luís
Nery. A maioria deles estava envolvida na propaganda republicana por meio de
campanhas políticas, como Glicério, em atividades jornalísticas, como Muniz de Souza
e José da Costa Machado, ou grupos ativistas como Antônio Mercado. Além de serem
lideranças locais, alguns deles faziam parte da maçonaria, como Glicério e Manoel
Corrêa de Sousa Lima. O primeiro pertencia à loja de Campinas e o segundo de Casa
Branca e acreditamos que outros deles também faziam parte da ordem, que era uma
instituição envolvida com a propaganda republicana. 179
Não sabemos o que esses homens discutiram no palacete de Honório
Dias, mas podemos sugerir algumas pautas que culminaram nas decisões tomadas pelos
líderes. Para isso, estabelecemos que suas escolhas buscavam a melhor estratégia para
178
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
Sobre a maçonaria ver: BARATA, Alexandre Mansur. “Os Maçons e o Movimento Republicano
(1870-1910)”. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v. 1, n. 1, 1995; CARNEIRO, Luaê Carregari.
“A Maçonaria e o Partido Republicano Paulista (1868 – 1889)”. Anais do XIX Encontro Regional de
História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008.
Cd-Rom.
179
129
atingir os objetivos do grupo que, provavelmente, não era apenas restabelecer a ordem,
como afirmou Geraldino Campista, mas garantir a força dos republicanos na disputa
com os monarquistas, que acontecia em São José do Rio Pardo e também na campanha
nacional. Ao que tudo indica, foram pegos de surpresa pelo ataque dos praças e
precisavam se posicionar para proteger o hotel e mostrar a força republicana. Nesse
sentido, optaram por dominar os praças e a cidade com os homens das fazendas,
indicando aos liberais que os republicanos eram ordeiros e respeitosos.
Os líderes republicanos chamados para defender o hotel Brasil e
“reestabelecer a ordem” não participaram do jantar, assim como seus homens,
sugerindo que não estavam vinculados diretamente ao sistema de propagandas da
república. Sabemos que eles acompanhavam o processo político da cidade, alguns eram
vereadores e todos eram eleitores e republicanos. Nesse sentido, eles vivenciavam os
conflitos de São José do Rio Pardo, acompanhando todos os momentos anteriores, como
a traição nas eleições e o duelo das bandas na convenção do partido liberal
concomitante à inauguração da pedra fundamental da sociedade italiana. Eles se
reuniram no palacete de Honório Dias com o intuito de preparar o contra-ataque e
decidirem sobre as estratégias do posicionamento geral do grupo em relação ao império.
Assim, os 300 ou 400 homens das fazendas, que estavam armados e eram comandados
por seus líderes e pelos republicanos convidados do jantar, se dirigiram ao quartel, que
ficava na Casa de Câmara e Cadeia, e tomaram o lugar.
No caminho e vasculhando as ruas da cidade, prenderam todos os praças
que encontraram. Segundo Dr. Geraldino Campista, a soldadesca gritava “morra” aos
republicanos e “vivas” ao filho do capitão Saturnino. O subdelegado mandou um recado
a Ananias Barbosa e foi preso por acreditarem que era ele o responsável pelos ataques.
Levaram-no ao palacete de Dias, onde foi mantido sob a proteção de Francisco Glicério,
130
Dr. Mercado, ele próprio e outros que contiveram “o povo que a todo transe procurava
reagir contra as autoridades policiais.”180
Os republicanos, então, renderam as autoridades locais, como o
presidente da Câmara, o capitão Saturnino Frauzino Barbosa, o subdelegado e o oficial
de justiça. Segundo o Dr. Campista, o oficial de justiça só foi preso porque entrou na
casa de Honório Dias fingindo-se de bêbado e com uma garrucha carregada. Segundo o
coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, “Somente eu comandava cem homens.
Procuramos os liberais, alguns escondidos debaixo da cama...”, fazendo referência
possivelmente a Saturnino Barbosa, que se escondeu na casa de Vanucci. 181 Prenderam
os soldados, desarmando-os. Um deles resistiu, “atirando sobre o povo. A massa
popular reagiu à bala.”182
O capitão foi preso “por pessoas capazes, trabalhadores estrangeiros e
nacionais e outras pessoas qualificadas.” Foi levado pelo Dr. Muniz, Dr. Mercado e
“outras pessoas distintas” para a casa de Honório Dias. Chegando ao palacete,
Francisco Glicério estava na porta e pediu aos Drs. Muniz e Mercado para soltá-lo, mas
estes teriam rido maliciosamente e mantido o capitão preso. De lá ele foi transferido
para o prédio da Câmara, após o desarmamento e a prisão dos praças criminosos.
O
Dr.
Muniz,
republicano,
afirmou,
em
justificativa
para
o
aprisionamento do capitão, que
(...) atribuem o capitão Saturnino responsabilidade nos sucessos, pelo
fato de ser ele um chefe liberal que não se conforma com o
crescimento do partido republicano no lugar, com o qual partido e
respectivo pessoal anda em luta irreconciliável; que mais correram
boatos, aliás hoje confirmados, bem ou mal, por todas as praças do
destacamento, que se acham presas, de que o Capitão Saturnino
consertara ontem a agressão aos republicanos; que ele depoente acha
tão brutal semelhante meio de combater os adversários, que o seu
espírito repugna acreditar em tão nefanda maquinação. Respondeu a
180
SÃO PAULO: 1889
TAVARES, Marcelo Coimbra. Proclamaram a república três meses antes do 15 de novembro. Diário
da Tarde, Belo Horizonte, 24 fevereiro, 1949, p. 1 e 5.
182
TAVARES, op. cit., 1949.
181
131
requerimento da parte, que quando chegou a casa de Vannucci, a voz
de prisão já havia sido dada, estavam glomerados em frente ao edifício
e adjacências muitos trabalhadores de roça armados, que haviam sido
requisitados para garantir a população contra a polícia, nacionais e
estrangeiros e bem assim pessoas como não há mais dignas nesta Vila
pertencentes a diversos credos políticos. 183
Com a tomada completa da cidade, o capitão Saturnino foi transferido
para a Câmara Municipal, juntamente como o subdelegado e o oficial de justiça, e lá
ficaram incomunicáveis e sem poder chegar à janela para ver a movimentação. Por fim,
a bandeira republicana foi hasteada nos prédios públicos e a cidade foi declarada
republicana.
Com o intuito de combater a insurgência dos praças, chamados de
criminosos pelos republicanos, ou a tomada da cadeia, dois contatos foram feitos em
Casa Branca. Vários praças contaram nos depoimentos do inquérito que o sargento e
alguns praças foram à Casa Branca informar o ocorrido e buscar reforços para
retomarem a cadeia. Por outro lado, alguns republicanos se manifestaram, como o Dr.
Muniz, que telegrafou às autoridades, mas não sabemos a quem ele se referia, se às
autoridades estaduais ou a outros republicanos, que engrossariam o grupo que tomou a
cidade.
Segundo o jornal Diário Popular, do dia 13 de agosto de 1889, eles
telegrafaram para o juiz de direito e o chefe de polícia. 184 Nesse momento, os
republicanos se posicionaram perante o Estado imperial, indicando que não estavam
fazendo uma “revolução”, mas apenas “restabelecendo a ordem”. A estratégia foi,
depois da tomada da cidade, do hasteamento da bandeira republicana nos mastros e
janelas e do desenho de uma moeda para a nova república, refrearem os ânimos e não
enfrentarem todo o Estado monárquico sem nenhuma preparação.
183
SÃO PAULO, op. cit.,1889.
O CONFLITO DO RIO PARDO, Noticiário, Diário Popular, São Paulo, 13 ago 1889, n° 1919, ano V,
1889, p. 2.
184
132
O coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima descreve o que ele chamou de
“revolução” ao falar de si no trecho dedicado a sua esposa, subterfúgio utilizado para
abrir um precedente para sua escrita de si.
No tempo do império, seu marido republicano fervoroso, crente que a
forma republicana vinha trazer a felicidade e a grandeza do Brasil e
havendo vários incidentes entre republicanos e monarquistas deu-se
uma revolução na qual seu marido era parte ativa, tendo sido presas as
autoridades administrativas, políticas e policiais, inclusive um
destacamento de 30 praças, o que causando grande indignação a estas
autoridades e ao Governo imperial, foram processados os cabeças da
revolução, dos quais seu marido fazia parte, isto deu-se no dia 11 de
agosto de 1889, ia ser condenado seu marido a pena de exílio e D.
Anna Augusta de Lima, nenhuma queixa, nem reclamação articulava,
apenas procurava saber se a mulher e filhos do exilado era permitido
acompanhá-lo.185
Não sabemos se eles tomaram a decisão de chamar as autoridades
imperiais em conjunto ou se partiu apenas do Dr. Muniz, mas acreditamos, pelas
notícias de jornais subsequentes, que eles foram congruentes quanto à refreada no ato de
tomada da cidade e proclamação da república.
Na tarde do dia 11, o chefe de polícia da Província de São Paulo chegou
com 100 praças e retomou a cidade. No dia seguinte ao ataque, a cidade já estava
novamente sob o controle monarquista, o delegado fez o laudo do prédio do hotel Brasil
e o auto de corpo delito no soldado que apanhou dos republicanos. Honório Luís Dias
foi o depoente do laudo, e afirmou, respondendo às perguntas, que o hotel foi
depredado, ocasionado avarias nas esquadrias e paredes. No interior do prédio, os
utensílios domésticos foram quebrados. Foi calculado pelo laudo final o prejuízo
causado ao patrimônio do hotel no valor de 150 mil réis e os danos morais na quantia de
três contos de réis.
185
LIMA, op. cit., 1920-38, p. 29.
133
Após o laudo do hotel, os peritos Dr. Joaquim Rodrigues de Carvalho e
Dr. Gonçallo Leite Rabello 186 procederam ao exame de corpo de delito no soldado
Ignácio de Morais e no cabo Francisco da Silva Rego. O primeiro foi ferido nos
embates da noite de 10 de agosto e o segundo, agredido por Ananias Barbosa, dando
início à confusão no hotel Brasil. Ambos foram feridos com algum instrumento
pontudo, mas tiveram lesões leves, com danos avaliados em 50 mil réis para o primeiro
e 30 mil réis para o segundo.
No dia 12 de agosto, o Diário Popular publicou, com o título de “Graves
tumultos”, os telegramas recebidos sobre o evento em São José do Rio Pardo. Eles
continham informações descritivas como
O delegado José Honório invadiu o hotel Ananias, onde está
hospedado F. Glicério e destruiu completamente os móveis. Os
republicanos prenderam o delegado e o chefe liberal Saturnino
Barbosa, apoderaram-se da cadeia e dominam a vila.187
Um dos telegramas era de Glicério para o Dr. Pestana afirmando que o
“povo prendeu o subdelegado”. Os republicanos solicitaram providências e o chefe de
polícia prometeu tomar as medidas cabíveis, despedindo o subdelegado e nomeando
outro. O Dr. Leão Velloso, chefe de polícia da capital, seguiu para São José do Rio
Pardo com 40 praças para restabelecer a ordem.
No dia seguinte, o Diário Popular relatou o ocorrido em São José do Rio
Pardo. O artigo relatou cada detalhe da revolta, especificando as horas em que tudo teria
acontecido, e a indignação popular mediante a soltura do subdelegado e do capitão
Saturnino pelo chefe de polícia da capital. Os republicanos estavam apreensivos e
186
187
O nome dele aparece como Gonçalo Leite Rabello e Gonçalo Rabello Leite.
GRAVES TUMULTOS, Diário Popular, São Paulo, 12 ago 1889, ano V, nº 1918, p. 2.
134
solicitavam em novos telegramas as providências a serem tomadas porque acreditavam
que seriam agredidos pelos praças.188
Em 14 de agosto uma nota saiu na seção de Noticiário afirmando que o
chefe de polícia da capital estava dando “força aos desordeiros”.189 Após a revolta, os
liberais começaram a retaliar os republicanos na cidade. Segundo o Dr. Muniz de Souza,
muitas famílias se retiraram da cidade e o comércio havia fechado as portas por receio
das agressões dos liberais. Os republicanos dispensaram os homens armados, mas
estavam receosos das ameaças de morte que sofriam dos liberais. O relato que Dr.
Muniz afirma:
O carcereiro José Cândido promete matar a Ananias e Muniz. Tudo
isso é o resultado de soltarem os criminosos presos em flagrante pelo
povo.
José Honório continua a insultar as pessoas do povo, nacionais e
estrangeiros.
Saturnino faz propaganda entre as praças, que o acompanham.
Vimos certa tendência nas praças para promoverem discórdias.
No dia 17 de agosto, nos “assumptos do dia” do jornal Diário Popular, o
colunista Hamilton190 fez críticas à monarquia e às ações do presidente da província,
Couto de Magalhães, em relação ao ocorrido em São José do Rio Pardo. Cita o
telegrama do presidente
Os republicanos de S. José do Rio Pardo, servindo-se de capangas
italianos, prenderam o subdelegado e debandaram o destacamento
policial que está ali.
Fiz seguir o chefe de polícia, em trem especial, a força de linha.
Não há morte.
O chefe de polícia estará lá hoje.
Telegrafarei logo tenham comunicação dele. 191
188
“O CONFLITO DO RIO PARDO”, Noticiário, Diário Popular, São Paulo, 13 ago 1889, ano V, nº
1919, p. 2.
189
“SÃO JOSÉ DO RIO PARDO”, Noticiário, Diário Popular, São Paulo, 14 ago 1889, ano V, nº 1920,
p. 2.
190
O nome do colunista não acompanha sobrenome e Hamilton se parece com um nome fantasia.
191
HAMILTON, “As garantias monarchicas”, Assumptos do dia, Diário Popular, 17 ago. 1889, São
Paulo, ano V, n° 1922, p. 1.
135
Para Hamilton, o teor do telegrama alterava o ocorrido e falsificava as
informações. Mencionou a opinião formada do presidente de São Paulo acerca de
qualquer fato que envolvesse os republicanos e observou a injustiça presente na
violência impune dos praças contra os cidadãos, deixando um manifesto:
Quando, porém, os seus agentes houverem por bem dar vos pancadas,
roubar-vos, desonrar-vos, violar-vos o lar, apanhas pacificamente, não
reajais, porque si vos defenderdes, a monarquia terá sempre à mão e a
propósito algum seu privilegiado, à vossa custa mesmo, que há de
fazer constar, oficialmente, que não foram os agentes imperiais que
reuniram capangas para atacar o cidadão no seu lar, mas sim este, que
interrompeu a desoras o pacífico sono e reuniu capangas para defender
a polícia. A Adriano do Valle, a cadeia. Aos bandidos do Rio Pardo,
glorificações!
Tais são as garantias monárquicas.192
Em resposta, Couto de Magalhães narrou a versão dos republicanos no
jornal e defendeu que o judiciário iria decidir quais as medidas e serem tomadas.
Comentou negativamente o envolvimento dos colonos italianos, porque eles
desconheciam os costumes do país e se tornariam um risco para eles próprios e para
seus patrões. “Se o exemplo pegar, as vítimas não serão as autoridades...”.
Para o presidente da província, a atuação do governo reafirmava a justiça
e a imparcialidade da monarquia e de sua presidência. E os republicanos teriam agido de
maneira errada e seriam julgados pela justiça. 193 Retrucando, Hamilton ironizava a boa
vontade que Couto de Magalhães ainda mantinha sobre os termos do conflito, pendendo
para a ideia que os republicanos teriam cometido “abusos e desregramentos”. Hamilton
defendia que os republicanos, cidadãos de bem, prenderam o cabo em flagrante delito
de invasão e os praças em flagrante de “destruição da propriedade, de ferimentos e
tentativa de morte, cometido por aquela autoridade, à frente da força pública.” Para
192
Adriano do Valle foi o jovem português que atirou no imperador em julho de 1889, mas segundo
Hamilton, foi um acidente e que não havia intenção de acertar o imperador. HAMILTON, op. cit., 17 ago.
1889, São Paulo, ano V, n° 1922, p. 1.
193
COUTO DE MAGALHÃES, “Couto de Magalhães ao Américo de Campos”, Diário Popular, 19 ago.
1889, São Paulo, ano V, n° 1923, p. 1.
136
ele, foram atos de defesa e a reação dos republicanos foi comedida e precisa na
paralisação dos agressores, especialmente, mediante o aparato que eles conseguiram
reunir para sanar o problema. Hamilton quer fazer ver ao presidente da província que
seus homens foram agressivos e ditadores, como a monarquia é, e os republicanos
foram democráticos e conscienciosos da situação e do que deveriam fazer. A tomada da
cidade pelos republicanos seria, para ele, um exemplo da respeitabilidade da república e
que apenas os republicanos seriam capazes de restabelecer a ordem. 194
Muniz de Souza, republicano, também se manifestou contrário às
afirmativas de Couto de Magalhães. Ironizou-as e foi direto ao ponto, questionando a
crítica ao envolvimento dos italianos. Segundo ele, o povo apenas reagiu aos desmandos
do subdelegado que comandou o assalto dos praças ao hotel. E esses soldados foram
enviados pelo presidente para “abafar os republicanos.” Já os italianos, para ele, eram
trabalhadores e estavam sendo caluniados pelo presidente. Segundo Muniz de Souza, o
quadro em São José do Rio Pardo era composto pelo subdelegado que ameaçava os
republicanos, o liberal Saturnino escoltado pelos praças, os praças que ameaçam todos,
o comércio e a indústria fechados e famílias aterrorizadas. E nada foi feito pelo
presidente para solucionar essa questão e proteger os republicanos que garantiram a
ordem nos dias 10 e 11 de agosto.195
As palavras de Couto de Magalhães contra os italianos instigaram
reações. Hypolito Fortino escreveu no jornal Oeste de São Paulo em 22 de setembro de
1889 seu “protesto contra o nome capanga” e acusou Leonardo Define de frio e sem
amor fraterno por não se posicionar contrário às palavras do presidente da província.
Delfine então se manifestou como indivíduo, comerciante e presidente da Sociedade de
194
HAMILTON, “As garantias monarchicas”, Assumptos do dia, Diário Popular, 20 ago. 1889, São
Paulo, ano V, n° 1924, p. 1.
195
MUNIZ DE SOUZA, “São José do Rio Pardo, Muniz de Souza ao general Couto”, Diário Popular,
20 ago. 1889, São Paulo, ano V, n° 1924, p. 2.
137
Mútuo Socorro XX de Setembro, repudiando as palavras de Hypolito e afirmando que
eram a reprodução das palavras de outrem que não se encorajaram a falar por si mesmos
e usaram o italiano, Hypolito Fortino, como testa de ferro. 196 Nesse ato, Define defendia
os italianos: “esse nome não me cabe nem aos italianos que sabem cumprir com seus
deveres”, que até então foram colocados na discussão como se não tivessem palavra ou
pensamento próprios.
Até a chegada da república, os ânimos continuaram exaltados, mas as
notícias em jornais diminuíram e, apenas em 11 de novembro, São José do Rio Pardo
torna a aparecer na imprensa. Ananias Barbosa lança uma pequena nota sobre a
presença de público na solenidade de agradecimento ao Sr. Maximiano Camargo, de
Campinas, que auxiliou as vítimas da epidemia na cidade. 197 Essa nota não menciona
qual epidemia, mas acreditamos que seja de varíola que foi citada em uma das atas da
Sociedade Italiana. Sabemos que a cidade foi atingida pela doença no início do século
XX, mas eram comuns as epidemias já no século XIX.198
Com a proclamação da república, São José do Rio Pardo foi mencionada
como a Cidade Livre do Rio Pardo e seu nome foi modificado por decreto. Era uma
homenagem à cidade que proclamou a república antes da proclamação nacional e onde
os republicanos foram perseguidos pelos monarquistas. Mais tarde, os riopardenses
pleitearam e conseguiram o retorno do nome São José do Rio Pardo.
Para os riopardenses, a “revolta republicana de São José do Rio Pardo”,
denominada assim e, também, sob a alcunha de “república antecipada de São José do
Rio Pardo” ou “episódio republicano”, é um patrimônio cultural da cidade, de natureza
196
DEFINE, Leonardo.“São José do Rio Pardo”, Seção Livre, Diário Popular, São Paulo, 27 set 1889, p.
1.
197
BARBOSA, Ananias. “São José do Rio Pardo, 11 de novembro de 1889”. Diário Popular, São Paulo,
11 nov 1889, ano VI, nº 1994, p 1.
198
SOCIEDADE DE MUTUO SOCORRO XX DE SETEMBRO. “Ata de 10 junho de 1891”. Primeiro
Livro de Atas. Arquivo do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro. São José do Rio Pardo.
138
imaterial. Sua data é comemorada como um símbolo da liberdade e da força política e
empreendedora dos cidadãos, que têm uma relação identitária com a revolta, momento
na história em que a cidade foi lançada na imprensa e se tornou um ícone da república.
Nesse sentido, comemorações cívicas são realizadas anualmente em frente ao hotel
Brasil para celebrar o “episódio republicano”.199
Abaixo, dispomos uma listagem com os nomes e pequenas biografias dos
personagens republicanos envolvidos na revolta. Esses personagens são em sua maioria
cafeicultores, com exceção de alguns italianos. Foram levantadas as datas de
nascimento e falecimento, a naturalidade, o estado civil e nome da esposa, profissão,
nome da fazenda de propriedade do personagem quando era o caso e o envolvimento
com a propaganda republicana. Descrevemos também o conteúdo dos depoimentos de
cada um dos personagens, com a versão deles para a revolta. É importante observar que
não há uma linearidade nos dados levantados durante a pesquisa, já que as informações
de alguns personagens são escassas, impedindo uma comparação precisa entre eles.
Porém, traçamos relações entre as características similares dos personagens observando
que dos dezoito republicanos três eram italianos, em contraposição com os outros
quinze brasileiros. Dos italianos, um era dono de uma venda, outro era artesão e o
terceiro não conseguimos identificar a profissão, mas provavelmente, atuava nos
serviços porque era sócio da Sociedade Italiana. Entre os quinze brasileiros, cinco eram
doutores, sendo um engenheiro, dois não soubemos afirmar e dois advogados. Dois
deles eram jornalistas e nove estavam envolvidos com a propaganda republicana, sendo
os dois jornalistas e mais sete outros, incluindo aí Francisco Glicério.
199
Segundo o IPHAN, “O Patrimônio Cultural Imaterial é transmitido de geração a geração,
constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. É apropriado por indivíduos e
grupos sociais como importantes elementos de sua identidade.” Disponível em <www.iphan.gov.br>
Acesso em 10 fev. 2014.
139
Lista 1: personagens republicanos da revolta
Nome
Pequena biografia
Natural de Barra Mansa, no estado do Rio de Janeiro, nasceu no ano de 1833. Residia em Amparo – SP, onde se
casou no ano de 1875. Mudou-se com sua esposa para São José do Rio Pardo, provavelmente no início da
década de 1880. Era proprietário do hotel Brasil, inaugurado em 21 de abril de 1889, onde aconteceram várias
incidentes da revolta republicana de São José do Rio Pardo.200 Ele inicia seu depoimento relatando uma fala do
cap. Saturnino Barbosa, anterior aos episódios dos dias 10 e 11 de agosto. Segundo ele, o capitão afirmou que
Ananias José Ferreira “logo que subisse ao poder o partido liberal havia de quebrar as bandeiras do depoente e seus correligionários
Barbosa
e acabar com a maioria do partido republicano desta Villa, pois para isso teria elementos”. Barbosa afirmou
que convidou o cap. Saturnino para a festa de inauguração do hotel, mas que ele teria mandado o subdelegado
impedir a celebração por ser no dia de Tiradentes e, por isso, uma afronta. Na noite do dia 10, Ananias Barbosa
viu um homem pular a cerca de sua casa e o seguiu para ver o que queria. Percebeu que era um policial que
estava tentando ouvir a conversa do interior da casa. O policial foi abordado por ele e respondeu que havia
recebido ordens do subdelegado de não admitir conversas, nem mesmo em casa, depois das nove horas da noite.
200
DEL GUERRA, op. cit., 2001.
140
O depoente indignado falou que ele poderia agredir o policial por ele estar em sua propriedade, mas, respeitando
a farda do cabo, optou por seguir o conselho de um hóspede, o Dr. Cavalcanti, e levar o policial ao seu
comandante para relatar o fato. Chegando à cadeia, os condutores do cabo observaram que os praças já estavam
reunidos no quartel como que aguardando alguma coisa. Ananias afirma que foi surpreendido pelo ataque ao
hotel, empreendido por praças e alguns paisanos, como o carcereiro e o Magé, conhecido gatuno da cidade. Eles
teriam atacado o hotel e cortado os palmitos que adornavam a frente do estabelecimento e foram incitados pelo
subdelegado José Honório de Araújo. Ananias ouviu os praças gritarem “dessa corja de republicanos” e viu o
capitão Saturnino na porta do hotel, visto também pelos vizinhos Domingos Francisco de Souza, Antônio
Zeferino Gonçalves, vulgo Antônio Pintor, João Joaquim Ribeiro da Lavra, José Maria Paoliello, Antônio
Pereira de Mattos, Francisco Ribas do Amaral e outros. Barbosa contou o recado dado pelo subdelegado a ele:
que, se reunissem no hotel mais de vinte pessoas, eles teriam força para revidar e matar a todos que estivessem
ali. Assim, eles acabaram prendendo o subdelegado e levando-o para a casa de Honório Dias, onde também
ficou enquanto seu hotel era novamente invadido e desta vez saqueado pelos praças. Os hóspedes Ismael de Sá,
Trajano de Faria e Evangelista Costa viram o segundo ataque e presenciaram os saques.
Dr. Antônio Mercado
O Dr. Antônio Maria Honorato Mercado nasceu em 1853 era acionista da Cia Ramal Férreo do Rio Pardo e
141
secretário da direção. Era de fora da cidade e por isso não consta na lista de eleitores, de pagadores de impostos
e de profissionais da Câmara Municipal de São José do Rio Pardo.
O Dr. Antônio Muniz de Souza era advogado e redator da revista Direito e Letras, do jornal Gazeta, Ephoca,
entre outros. Esse último era de Campinas, voltado para a propaganda republicana e com periodicidade semanal.
Também auxiliou Cândido Prado na elaboração do jornal O Tiradentes, escrevendo artigos para a exaltação da
república.201 Era casado e residia em São José do Rio Pardo. Segundo ele, estavam eles na estação ferroviária
esperando Francisco Glicério para recebê-lo com uma banda de música. O trem atrasou e a estação estava muito
Dr. Antônio Muniz de cheia. Por isso, advertiu aos republicanos que estavam com ele que “a manifestação não passasse de vivas à
Souza
república e a Francisco Glicério”. A comitiva chegou e se dirigiu ao hotel Brasil, onde se reuniram. Os
companheiros mais amigos ficaram para o jantar que, segundo o Dr. Muniz, foi sem brindes. Após a refeição ele
voltou para casa porque se sentia adoentado. Depois de se deitar, ele ouviu os sinos badalarem, mas achou que
era um incêndio e, como sua esposa o advertiu que não deveria sair, optou por ficar em casa e adormeceu.
Durante a noite nada viu, mas, de manhã sua esposa comentou que não pôde dormir por causa da algazarra que
havia na cidade. Foram à casa dele e arrancaram as bandeiras e assim fizeram com outras residências. Os praças
201
IHGSP. Revista do Instituto Histórico e Geográfico e São Paulo. São Paulo, ano 1898, vol. 3.
142
de polícia, comandados pelo subdelegado José Honório, assaltaram o hotel Brasil. Enfim, pela manhã, após
serem relatados todos os fatos a ele, o Dr. Muniz telegrafou às autoridades e, chegando à casa do Sr. Honório
Dias, verificou que lá estavam presos o subdelegado e o oficial de justiça. Foi então à casa de Izidoro Vannucci
buscar o cap. Saturnino Barbosa que estava escondido e sob ameaça de ser preso pelo povo, para levá-lo ao
sobrado de Honório Dias. De lá o preso foi transferido para o prédio da Câmara após o desarmamento e prisão
dos praças criminosos.202
Jornalista que escreveu a notícia no periódico O Tiradentes.
203
Em 1898, morava em Três Pontas – MG.204 Era
Cândido Prado
pai do médico Carteia Prado, que atuava em Belo Horizonte.
Era natural de Passa Vinte – MG. Nasceu em 1862, filho de José Dias Machado e Francelina Augusta Ribeiro.
Era casado com Alda Gabriella d´Oliveira e morava na fazenda Santa Thereza em São José do Rio Pardo. Foi
Damazo
Ribeiro
um dos fundadores do partido republicano, foi vereador, presidente da Câmara e prefeito de São José do Rio
Machado
Pardo. Perdeu parte de suas terras em um momento de crise e dedicou-se a sua farmácia, mudando-se para a
vila.205
202
SÃO PAULO, op. cit.,1889.
DEL GUERRA, op. cit., 2001
204
IHGSP. Revista do Instituto Histórico e Geográfico e São Paulo. São Paulo, ano 1898, vol. 3.
205
DEL GUERRA, op. cit., 2001.
203
143
Irmão de Honório Luis Dias. Era fazendeiro em São José do Rio Pardo. Era casado com Felisbina Cândida de
Elisiário Luís Dias
Jesus.206
Era copeiro do hotel Brasil, casado, tinha 25 anos e era natural de Minas. Ele contou que tomou conhecimento
da presença do cabo Rego no quintal da casa e ele mesmo retirou-o de lá, levando-o para a cadeia com outros
Emiliano Ângelo
empregados do hotel, Avelino e José Gama. Contou, também, que ouviu os praças dizerem “morram os
republicanos” e “hoje havemos acabar com os republicanos, beber o sangue deles”. Relatou que, ao pedirem
apoio ao subdelegado, este fez o contrário e mandou os praças atirarem.
Glicério era de família pobre e nasceu em Campinas, em 1849. Foi jornalista e político defensor da república.
Participou da Convenção de Itu, em 1873, que deu os primeiros passos na formação do Partido Republicano
Paulista e, no dia 15 de novembro, estava presente representando o oeste de São Paulo. Era maçom e exerceu
Francisco Glicério
diversos cargos dentro da ordem. Foi Ministro da Agricultura em 1890 e 1891, um dos mentores do partido
Republicano Federal, em 1894, senador por São Paulo, em 1902 e 1916, e deputado pelo mesmo estado em
1891-1893, 1894-1896 e 1897-1899.207 Era florianista e foi acusado de participar do atentado contra Prudente de
206
CASSASSOLA, Luiz Antônio. Família, capitalismo e modernização: um estudo de caso da família Dias de São José do Rio Pardo – SP (1870-1930). Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Mestrado em História, Franca : UNESP, 2009.
207
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Deputados Brasileiros: 1826 – 1976. Brasília, 1976.
144
Morais, mas nada ficou provado. Em 1889, quando aconteceu a revolta riopardense, Glicério estava em
campanha republicana pelo oeste paulista e chegou à cidade para se reunir com os republicanos locais.
Nasceu em Minas Gerais em 1860. Era advogado, mas não sabemos se atuava na região. Ele era historiador e
trabalhou no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Escreveu sobre a cidade de Itajubá – MG e publicou
artigos na revista do IHGSP. Ele contou que recebeu Francisco Glicério na estação, foi ao hotel Brasil, mas não
pôde ficar para o jantar e retornou para sua casa. Por volta das dez horas da noite do dia 10 de agosto, ouviu o
sinal de incêndio dado pelo sino da cadeia e foi até a cadeia para verificar o que estava acontecendo. Ele viu o
cap. Saturnino atravessar o largo gritando “vamos acudir o hotel Brasil”. Campista voltou a sua casa para
Dr. Geraldino da Silva
“prevenir-me, caso fosse desacatado”. Encontrou Glicério, Dr. Mercado e Luís Nery na esquina da casa de
Campista
Honório Dias, eles lhe contaram o que ocorrera no hotel e combinaram “os planos de defesa e meios de
restabelecer a ordem”. Depois do primeiro ataque ao hotel, eles saíram de lá para a casa de Honório Dias, onde
poderiam ficar mais protegidos. Certa hora, o subdelegado mandou um recado a Ananias Barbosa e foi preso por
acreditarem que era ele o responsável pelos ataques. Levaram-no ao palacete de Dias e, com a tomada da cadeia,
até lá. Segundo Campista, a soldadesca gritava “morra” aos republicanos e “vivas” ao filho do cap. Saturnino.
Eles prenderam os criminosos e, de manhã, quando Saturnino tentava fugir para Casa Branca, foi preso pelo
145
povo e eles satisfizeram multidão, mantendo-o guardado e protegido. O oficial de justiça foi preso porque entrou
na casa de Honório Dias fingindo-se de bêbado e com uma garrucha carregada. Disse também que o cabo estava
no quintal da casa de Ananias Barbosa, parecendo bêbado, quando foi preso pelo proprietário do hotel.
Honório Luiz Dias nasceu em Cabo Verde – MG em 1844. Era um importante fazendeiro de café em São José
do Rio Pardo. Era filho do cap. Vicente Alves de Araújo Dias e de D. Lucinda Cândida de Jesus que chegaram a
São José na década de 1870. Era casado com Mariana de Oliveira Dias e herdeiro da fazenda Tubaca, parte da
antiga Pião do Rio Pardo e de fazendas em Poços de Caldas – MG e Tapiratiba – SP. Seu sobrado na vila de São
José serviu de sede aos republicanos durante os embates com os praças. Sua versão conta que quando saiu na
Honório Luís Dias
sacada do sobrado, depois de ouvir o sino e alguns tiros, ouviu os praças gritando “viva a Monarquia, fora
Francisco Glicério e morra a república”. Chegaram, então, em sua casa, Ananias Barbosa, Dr. Mercado e
Francisco Glicério, que o depoente afirmou não conhecer. Em sua versão, Dias dá a entender que sua casa
transformou-se em QG sem que ele consentisse deliberadamente, mas, assim que percebeu a necessidade de
proteger os que estavam em seu sobrado, mesmo os presos, mandou chamar os homens da fazenda.
146
O Dr. Luiz da Rocha Hollanda Cavalcante foi engenheiro. Trabalhou na fiscalização da estrada de ferro como
Dr.
Luiz da
Rocha
Hollanda Cavalcante
ajudante de 2ª. classe, no trecho entre Uberaba e Coxim. 208 Solicitou ao Ministério da Agricultura, juntamente
com Ananias Barbosa, a concessão para exploração de ferro e outros minerais em Cabo Verde / MG.209
Era casado com D. Thereza Silveira da Silva Musa. Contestou no jornal Oeste Paulista a alcunha de capanga
Hypolito Fortino
dada aos italianos pelo presidente da província e chamou o presidente da mútua de apático por ele não ter se
manifestado contrário ao xingamento. Era proprietário da fazenda Boa Vista do Rio Verde.
Era italiano, casado e tinha 36 anos em 1889. No arquivo de São José do Rio Pardo, seu nome consta como
comerciante na cidade nos anos de 1888 e 1889. Ele tinha uma loja de secos e molhados.210 Ele estava em sua
casa na manhã do dia 11 quando o cap. Saturnino Barbosa entrou, perseguido por um negro com uma
Izidoro Vannucci
espingarda. Vannucci retirou o homem armado para conversar com o capitão enquanto o povo se aglomerava do
lado de fora. Saturnino Barbosa pediu que chamassem o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, que estava
junto ao povo, para acalmar os ânimos gerais. Em seguida, o Dr. Muniz entrou para conversar com o capitão e o
208
REVISTA DE ENGENHAIRA. Fiscalização de estradas de ferro Rio de Janeiro, 14 out.. 1891, n° 267, ano 1891, p. 586.
O ESTADO DE MINAS. Mineração. Ouro Preto, 22 nov. 1890, n° 196, ano II, 1890.
210
A grafia do nome de Izidoro Vannucci também varia, como a de Saturnino. Vimos seu primeiro nome escrito com S ou Z e seu sobrenome com um e dois N e um e dois C.
No processo seu nome vem com Z e sobrenome com NN e CC. SÃO JOSÉ DO RIO PARDO. Relação dos contribuintes que pagaram imposto de licença do primeiro
trimestre de julho e setembro do corrente ano. 1888-1889. Arquivo Municipal de São José do Rio Pardo.
209
147
retirou da casa rendido. Ele foi levado para o sobrado de Honório Dias onde estava o QG republicano. Vannucci
afirmou também que “a polícia neste lugar tem andado em desordem, tanto que no Hotel Brasil houveram
desacato entre a polícia, proprietário e hóspedes do hotel” e, segundo ele, “o subdelegado José Honório
acompanhava a essa gente”.211
João Gomes da Rocha Azevedo era proprietário de um comércio de fazendas e armarinho na cidade de
Campanha, onde morava com sua esposa, D. Ignácia Gomes de Azevedo, em 1870. 212 Seu filho era
farmacêutico em São José do Rio Pardo em 1890.213 A sua versão dos fatos se assemelha a do Dr. Campista,
com exceção de que ele afirma com mais veemência a intenção do subdelegado de atacar o hotel e o repúdio de
João Gomes da Rocha
José Honório aos republicanos. Segundo ele, o oficial de justiça afirmou que o subdelegado foi o responsável
Azevedo
pelos ataques, seguindo os conselhos do cap. Saturnino. Acrescentou que Antônio de Mattos e Antônio Zeferino
Gonçalves viram Saturnino no quintal do hotel de Ananias Barbosa na hora do ataque dos praças. Além disso,
afirmou que o cap. Saturnino aconselhara o ex-subdelegado Venâncio Gomes Porto a não permitir as festas
republicanas, mas este disse que só faria isso se o partido liberal estivesse no poder.
211
(SÃO PAULO: 1889).
VEIGA, Bernardo Saturnino de. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typografia do Monitor Sul-Mineiro, 1874.
213
CUNHA, Aguinaldo Ribeiro da. Os eleitores de São José do Rio Pardo em 1890. Cidade Livre do Rio Pardo, São José do Rio Pardo, 14 mai 2013. Disponível em <
http://cidadelivredoriopardo.com.br/materia/115/2/Os-eleitores-de-S%C3%A3o-Jos%C3%A9-do-Rio-Pardo-em-1890.html > Acesso 20 mai 2014.
212
148
Major da Guarda Nacional, primo do cel. MCSL, filho de Antonio Correa de Souza e Mariana Umbelina de
José Antônio de Lima
Souza. Era casado com Maria Idalina Lima. Foi acionista da Cia Mogyana e propulsor do ramal de Casa Branca
a São José do Rio Pardo, Mococa, até o limite de Minas Gerais.214
Dr. José da Costa Machado e Souza era casado com Maria Isabel Machado e Souza. Era proprietário da fazenda
Dr.
José
da
Costa Vila Costina. O casal teve pelo menos um filho: Labieno da Costa Machado e Sousa que nasceu em 27 de
Machado ou Dr. José setembro de 1879. Ele foi deputado pela província de Minas entre 1862 e 1863. Mudou-se para o oeste paulista
da Costa Machado e e tornou-se republicano. Fundou o clube republicano de São José do Rio Pardo e o jornal O Tiradentes. Era
sócio benemérito da Sociedade Italiana de São José do Rio Pardo, a Società di Mutuo Soccorso XX
Sousa
Settembre.215
José
Guecia
ou Italiano que participou da revolta. Ele foi um dos fundadores da Sociedade Italiana XX de Setembro.
Giuseppe Quercia
Manoel
Corrêa
Sousa Lima
214
de Manoel Corrêa de Sousa Lima nasceu em Nepomuceno – MG, em 1859. Estudou no Seminário de Mariana,
casou-se em 1872-3 com sua prima Anna Augusta de Lima. Mudou-se para São José do Rio Pardo por volta de
LIMA, Manoel Corrêa de Sousa. Nepomuceno – o seu início. Manuscritos. Arquivo Privado, 1920.
MISSURA, Fábio. Costa Machado: atuação política. Disponível em < http://cidadelivredoriopardo.com.br/materia/48/2/Costa-Machado:-atua%C3%A7%C3%A3opol%C3%ADtica.html> Acesso em 23 jun 2013; MARTINI, Marcos de. Labieno da Costa Machado, empresário de café e de terras, Almanaque Rio-Pardense. Disponível
em < http://almanaqueriopardense.blogspot.com.br/2008/02/labieno-da-costa-machado-empresrio-de.html> Acesso em 23 jun 2013 e DEL GUERRA, op. cit., 1999.
215
149
1873, onde foi cafeicultor, proprietário da fazenda Pião do Rio Pardo, provavelmente, recebida em dote pelo
casamento. Participou da revolta republicana em 1889 levando 100 homens da fazenda para a cidade. Vendeu as
terras em São José do Rio Pardo e adquiriu novas em Igarapava, para onde se mudou com toda a família e pelo
menos uma família italiana, os Bortoleto. Em 1906 perdeu tudo com a superprodução de café. Era coronel em
Igarapava, atuou como chefe político local e tornou-se delegado de polícia. Em 1911, seu filho foi assassinado
por causa de disputas políticas. No ano seguinte, Manoel abandonou a política e retornou a Minas Gerais para se
dedicar à advocacia em Lavras e Nepomuceno. Ficou viúvo no final dos anos de 1910. Faleceu em Contagem,
Grande Belo Horizonte, na casa de sua filha mais nova, em 1951.
150
3.2. A versão liberal da revolta
A versão dos liberais possui algumas diferenças em relação à dos
republicanos. O protagonista do feito, cabo Francisco da Silva Rego, afirmou que estava
na esquina do hotel, enquanto fazia a ronda, e que foi interpelado por Ananias Barbosa
perguntando-lhe o que ele fazia ali. Ao responder que fazia a ronda e se dirigir à frente
do hotel,
foi atacado pelo proprietário do estabelecimento e pelos seus
“companheiros”.216 Ele afirmou ainda que Ananias Barbosa gritava aos “companheiros”
que era o depoente o responsável pela prisão do seu cunhado. Em seguida, o cabo teria
sido levado por Ananias Barbosa e seus companheiros ao quartel.
Nenhum praça que depôs viu o que aconteceu ao cabo Rego, eles o viram
apenas chegando ao quartel, trazido pelos hóspedes ou então chegaram ao quartel
depois de ouvirem o toque dos sinos e ouviram do próprio cabo a história de que ele
teria sido apanhado e trazido à sede da polícia. O único depoimento que conta algum
elemento novo em relação à abordagem de Ananias para com o cabo Rego é o de
Bernardino Augusto da Silva, outro cabo envolvido no ataque ao hotel. Seu depoimento
aparece em duas versões, uma com letra e suporte de papel diferentes do conjunto geral
do processo e outra com a mesma caligrafia e papel do conjunto.217 Na versão que
acompanha o conjunto, Bernardino conta a mesma história que os outros praças. Ele
teria ouvido os sinos, chegado ao quartel e tomado conhecimento do ocorrido com o
216
Atualmente, nas discussões acerca da revolta na cidade, há rumores de que ele tinha um caso com a
empregada do hotel, informação veiculada em um artigo de jornal dos anos de 1903 e 1943, mas isso não
foi mencionado em nenhum dos depoimentos do inquérito, indicando que pode não ser verdade ou que a
informação não era relevante naquele momento. DEL GUERRA, Rodolpho José. O décimo terceiro. S.S.
da Grama, SP: Grass, 2007, p. 254.
217
O suporte material do documento também pode indicar ao historiador características do autor ou do
que ele propunha com aquela redação, o tempo em que escreveu aquelas palavras, enfim, analisá-los é
uma oportunidade obter pistas sobre o texto, a escrita de si e a relação entre o escrevente e seus escritos.
GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
151
cabo Rego. No outro texto de formato diverso e destoante do corpo do inquérito,
Bernardino Augusto da Silva acrescenta que o cabo Rego
foi assaltado, ofendido e preso por Ananias Barbosa que
propositalmente o esperava em frente ao hotel Brasil na companhia de
Emiliano Ângelo e outros “paisanos” (...) isto em represália a uma
prisão de um cunhado de Ananias feita anteriormente pelo cabo. 218
Ainda nessa versão com suporte diferenciado do conjunto, o cabo
Bernardino Augusto da Silva nomeia alguns dos líderes que estavam reunidos na casa
de Honório Luiz Dias. Segundo ele, estavam ali o proprietário da casa, seus irmãos
Elisiário e Alípio Dias, o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima e seu primo, major José
Antônio de Lima, mencionado no texto como o “major Lima”. Afirma ainda, que os
cerca de 300 homens que estavam ali eram camaradas e capangas dos líderes
mencionados por ele.
O interessante dessa versão escrita com uma letra diferente é que ao final
do texto não há assinatura, como aconteceu nos outros depoimentos. E a assinatura do
escrivão está, como de costume, no final da página escrita em suporte igual aos dos
outros testemunhos. A numeração de página também não confere porque ela é contínua
no suporte tradicional do inquérito e esse material diferenciado não tem paginação,
apenas se encaixa entre as páginas 44 e 45. Isso sugere que esse papel foi anexado ao
inquérito posteriormente, mas como ele não tem data, nem assinatura, não há como
definir mais informações sobre sua autoria e momento em que foi anexado ao conjunto.
O que podemos apurar dessas folhas é que seu conteúdo é contrário aos republicanos
por banalizar a ação de Ananias, retirando o contexto político da agressão ao cabo, e por
dedurar alguns dos fazendeiros envolvidos na revolta, indicando quem eram os homens
reunidos no palacete de Honório Dias.
218
SÃO PAULO. T.I. Processos Policiais. Cx. 18, Ordem 3219, décima testemunha. Arquivo
permanente do Arquivo Estadual de São Paulo.
152
O praça Antônio Lobo, que estava de sentinela no quartel naquela noite,
comentou que quatro civis chegaram ali levando o cabo Rego. Ao que tudo indica,
Ananias Barbosa, Emiliano Ângelo, Avelino e José Gama levaram o cabo que se fingia
de bêbado ao quartel e se assustaram quando ele, assim que entrou, apontou a
espingarda para os civis e, em seguida, tocou o sino. Os outros praças que estavam em
ronda apenas contam que escutaram o repique dos sinos e reproduzem a história que
ouviram do cabo. Com o toque do sino, eles retornaram ao quartel e, instigados pela
história do cabo, se organizaram para revidar.
Os praças saíram do quartel e desceram para prenderem os agressores,
que estavam no hotel Brasil. Eles eram 30, comandados por um tenente. 219 O praça José
Antônio de Oliveira afirmou que foram comandados pelo sargento José André dos
Santos e o subdelegado José Honório. José André dos Santos contou mais, que eles
foram ao hotel para prender os responsáveis pela agressão ao cabo e reaver um boné e
uma garrucha que haviam ficado lá. Damazo Rodrigues Ramos e Porfírio Alves de
Souza afirmaram que o subdelegado e o capitão Saturnino tentaram dissuadir os praças
a atacarem o hotel.
O próprio capitão Saturnino confirma essa história quando narra sua
versão dos fatos. Ele relata que se incomodou com o barulho do sino e foi verificar o
que estava acontecendo. Encontrou-se com o farmacêutico republicano Damazo Ribeiro
Machado e outras pessoas, não mencionadas por ele, que estavam em frente à porta da
farmácia, mas ninguém sabia de nada. Seguiu em direção à cadeia e entre a casa de D.
Maria Rosa e João Gonçalves Pereira ouviu um barulho vindo do hotel. Foi até lá com
outros e chegando próximo viu que as pessoas do hotel atiravam em direção à rua e uma
aglomeração se reunia em frente com garrafas e pedras. Ele encontrou o subdelegado
219
TAVARES, op. cit., 1949, p. 1 e 5.
153
que lhe explicou o que acontecia e a necessidade de parar com a desforra contra o
proprietário do hotel. Mencionou que os praças estavam “insubordinados ou
revoltosos”. Observou que a maioria dos soldados estava ferida e alguns embriagados.
Tentou dissuadi-los de voltarem ao hotel, mas não conseguiu, assim, pediu ao
subdelegado que avisasse ao dono do hotel sobre a decisão dos praças em retornar ao
estabelecimento e que tentasse acalmar os soldados. Saturnino teria, então, voltado a sua
casa e ido dormir.
O dia amanheceu e o capitão Saturnino Barbosa contou que foi levar sua
comadre para a estação e foi cercado por um enorme grupo formado por capangas
pretos, italianos e caboclos armados em frente à casa do republicano Izidoro Vannucci.
O grupo era comandado pelos republicanos Ananias Barbosa, Dr. Muniz, Dr. João
Gomes da Rocha Azevedo, Francisco Xavier de Oliveira, Geraldino Campista, Manoel
Corrêa de Sousa Lima, entre outros. O depoente, após receber voz de prisão e, segundo
ele, desconhecendo o que ocorria, entrou na casa de Vannucci. O grupo procedeu à
prisão do capitão sob a acusação de que ele pretendia fugir para Casa Branca O
comerciante italiano, também republicano, estava em sua casa na manhã do dia 11,
quando abriu as portas de seu estabelecimento comercial e o cap. Saturnino entrou
sendo perseguido por um “caboclo” armado com uma espingarda com o objetivo de
levá-lo preso. Vannucci retirou o homem armado para conversar com o capitão
enquanto o povo se aglomerava do lado de fora. Saturnino Barbosa pediu ao
comerciante italiano que encontrasse uma pessoa séria no grupo para conversar e foram
sugeridos Ananias Barbosa, Dr. Muniz de Souza e Manoel Corrêa de Souza Lima, tendo
sido escolhido este último. Em conversa com o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima
descobriu que o povo acreditava ter sido ele o mandante do ataque ao hotel e, assim,
154
aceitou sair preso para não ser assassinado pelo povo do lado de fora. Saturnino deixou
um protesto em seu relato:
Respondendo-lhe o depoente que era um despotismo e não passava de
uma vil vingança de seus inimigos políticos que por mera suposição
queriam vingar-se por esta forma, além disto protestava contra a
palavra povo por que do grupo que o rodeava só via meia dúzia de
seus inimigos políticos que o comandava e o resto compunha-se de
gentes desconhecidas, pretos, italianos e mais caboclos, antes de
terminar este diálogo entrou no lugar o Dr. Muniz de Souza e declarou
ao depoente que estava preso em nome do povo, querendo o depoente
ter as mesmas explicações com este último não lhe foi permitido,
apenas promessas de garantia de sua vida. 220
Esses homens eram, então, nas palavras de Saturnino Barbosa, “capangas
pretos, italianos e caboclos armados”. Ele os dividiu em duas categorias: capangas e
caboclos. Os capangas eram italianos, colonos que tinham chegado para trabalhar nos
cafezais, e os pretos, provavelmente, ex-escravos que ainda viviam com seus antigos
senhores como agregados e empregados. O outro grupo, os caboclos armados, eram
pequenos sitiantes ou moradores das fazendas que conviviam com o proprietário e
participavam da vida cotidiana e política da cidade desde antes da chegada dos
imigrantes. Esses homens que vieram da zona rural, da noite do dia 10 para o dia 11 de
agosto, estavam vinculados aos líderes Manoel Corrêa de Souza Lima, Honório Luís
Dias e seus irmãos, ao Capitão Antônio Corrêa de Sousa, Major José Antônio de Lima,
entre outros. Sabemos que esses populares não participaram do jantar, nem mesmo da
chegada do político na estação.
Abaixo segue listagens dos personagens liberais, praças e aqueles que
não se posicionaram politicamente, mas que deram depoimentos, juntamente com
pequenas biografias de cada um deles.
220
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
155
Lista 2 : personagens liberais
Nome
Pequena biografia
Era filho de Manoel dos Santos Moreira e Maria Caetana dos Santos, nasceu na cidade de Pindamonhangaba em 11 de
junho de 1862. Era liberal e foi candidato a deputado provincial nas eleições de 1889. Teria, juntamente com o
Dr. Fortunato dos delegado José Vasconcelos Bittencourt e alguns capangas, atacado os republicanos no evento comemorativo da
Santos Moreira
Sociedade Italiana, forçando-os a saudar a monarquia. Exercia a advocacia em São José do Rio Pardo. Após o 15 de
novembro, aderiu à República e, com a saída de Américo Brasiliense da vida pública, abandonou a política para se
dedicar à lavoura e à advocacia.221
Era oficial de justiça. Em seu relato consta que ele ouviu o sino e seguiu para a cadeia, encontrando com o
subdelegado e os praças a caminho do hotel Brasil. Acompanhou-os e no meio do caminho ficou sabendo o que
João
Ferreira
Antônio acontecia. Viu quando o subdelegado tentava retornar com os praças para o quartel com o auxilio do cap. Saturnino.
Foi abordado por Ribas, vendedor de máquinas, João Sílvio, o músico Sabino e outro paisano que responderam o
recado de José Honório afirmando que os paisanos não tinham medo da polícia e os praças podiam vir que eles tinham
mais de 200 homens esperando. Chegou José Honório e Ananias Barbosa quis agredi-lo, mas o Dr. Campista impediu.
221
FERNANDES, Altair. Ruas da Saudade - A „rua dos Bambus‟. Disponível em < http://www.agora vale.com.br/historiasecausos/textos.asp?artigo=43>. Acesso em 1
nov. 2011, 16:40. Genealogia Itapetiningana. Disponível em <http://jlnogueira.vilabol.uol.com.br/pafg682.htm> Acesso em 1 nov. 2011, 16:45.
156
O depoente foi à cadeia tentar impedir os praças como havia pedido o subdelegado e, lá chegando, teve notícia que ele
havia sido preso. No dia seguinte, ele foi ao palacete de Honório Luís Dias averiguar o acontecido com o subdelegado
e foi preso com eles. Naquela casa eles queriam que o oficial de justiça atestasse que havia sido o capitão o mandante
do ataque ao hotel, mas ele não passou a certidão.
Era filho de José Inácio Nogueira de Sá e Teresa Joaquina de Oliveira. Era casado com Maria Clementina Nogueira e
eles moravam em Baependi nos anos de 1870. Ele era proprietário do Hotel Nogueira de Sá em Caxambu, localidade
José
Divino
que pertencia a Baependi, adquirido do Sr. José Luís Prado. José Divino vendeu o hotel para o Sr. Capitão João Carlos
Nogueira de Sá
Vieira Ferraz. Mudaram-se de lá para Casa Branca em 1880, onde adquiriram uma fazenda na freguesia de São José
do Rio Pardo. Foi vereador nesta cidade após a emancipação. Era provavelmente liberal.
222
José Honório de José Honório de Araújo era o subdelegado em exercício no dia da revolta. Não descobrimos muitas informações sobre
Araújo
ele, mas, a partir das descrições no processo, podemos concluir que era liberal.
Sr. José Theodoro Era primo do cel. Antônio Marçal Nogueira de Barros e, junto com ele, foi um dos financiadores da construção da
Nogueira
222
de capela. Era alto, gordo, ruivo e monarquista. Nasceu em Baependi – MG e foi com três meses para São José do Rio
“DOCUMENTO HISTÓRICO - fotos antigas de Caxambu. Antigo Hotel Prado”, Jornal Arte 3, 24 SET. 2012. Disponível em
<http://jornalarte3.blogspot.com.br/2012/09/documento-historico_24.html> Acesso em 15 abr 2013. GENEALOGIA VILLAS BOAS. Descendants of Cap. Mór TOMÉ
RODRIGUES NOGUEIRA DO Ó. Disponível em <http://www.genealogia.villasboas.nom.br/DescAncestrais/trno/pafg23.htm> Acesso em 15 abr 2013 e “DESPEDIDA”,
O BAEPENDYANO, 16 mai 1880, Baependi, anno III, nº 142, p. 4.
157
Noronha,
Pardo, onde morou toda sua vida. Era fazendeiro de café e perdeu sua lavoura para uma forte de geada que caiu sobre
conhecido
como São José do Rio Pardo. Foi casado com Maria Laurentina de Andrade e depois com Rosa Augusta de Figueiredo.
Juca Gordo223
Faleceu em 17 de julho de 1890.224
Delegado em São José do Rio Pardo no momento da inauguração da pedra inicial da Sociedade XX de Setembro,
José Vasconcelos antes da revolta republicana riopardense e vereador na primeira Câmara de Tambaú – SP, em 19 de abril de 1899.225
Bittencourt
Ele e o Dr. Fortunato e alguns capangas teriam atacado os republicanos no evento comemorativo da Sociedade
Italiana, forçando-os a saudar a monarquia.
Era filho de Joaquim Alves de Souza, natural de Campanha – MG, e Úrsula Maria de Jesus, de Douradinho – MG. Os
avós de Porfírio foram para Caconde – SP, onde os filhos se casaram e tiveram seus filhos, entre eles o depoente,
Porfírio Alves de
natural de Caconde. Ele era casado com Maria Luiza de Mello, exercia a profissão de negociante e tinha 38 anos de
Souza
idade em 1889. 226 No relato de Porfírio, o subdelegado e o cap. Saturnino tentaram impedir os praças de seguirem
para a vingança contra os agressores do cabo Rego e foram presos na casa de Honório Dias. Afirmou também que os
223
DEL GUERRA, Rodolpho José. No ventre de terra mãe (São José do Rio Pardo). São José do Rio Pardo-SP: Graf-center, 2001.
Idem.
225
MUSEU HISTÓRICO ERNESTO RICCIARDI. Da Fundação ao Desenvolvimento Ferroviário: Os Imigrantes em Tambaú. Disponível em
<http://www.acquintaldasartes.com.br/museu/sala02.php> Acesso em 1 nov. 2011, 16:50.
226
SANDOVAL, Roberto. Famílias Alves de Souza e Araújo. Disponível em <http://alvesdesouza-araujo.blogspot.com/> Acesso em 20 nov. 2011.
224
158
homens que atacaram a cadeia eram empregados e colonos de Honório Dias.
O cap. Saturnino Barbosa era casado com Bernardina Theodoro de Carvalho e teve como filha Brisabela Barbosa,
nascida em São José do Rio Pardo em 8 de abril de 1882 227, mas nos depoimentos fica claro que ele tinha pelo menos
mais um filho. Foi Inspetor Literário, em 1880, quando foi criado o Distrito de Instrução Pública na Freguesia de São
José do Rio Pardo. Em 1886, foi vereador na primeira Câmara de São José do Rio Pardo e presidente da Câmara em
Capitão
1889, deposto pelos republicanos. Era líder do Partido Liberal na cidade e, pelo cargo que ocupava e sua posição
Saturnino
política, foi o mais perseguido pela revolta. Consta em seu relato que ele incomodou-se com o barulho do sino e foi
Frauzino Barbosa
verificar o que estava acontecendo. Encontrou-se com o farmacêutico Damazo Ribeiro Machado e outras pessoas que
estavam em frente à porta da farmácia, mas ninguém sabia de nada. Seguiu em direção à cadeia e entre a casa de D.
Maria Rosa e João Gonçalves Pereira ouviu um barulho vindo do hotel. Foi até lá com outros e chegando próximo viu
que as pessoas do hotel atiravam em direção à rua e uma aglomeração se reunia em frente com garrafas e pedras. Ele
encontrou o subdelegado que lhe explicou o que havia e a necessidade de parar com a desforra contra o proprietário
227
A grafia do nome do meio do cap. Saturnino Barbosa aparece de três formas diferentes: Flauzino, Frauzino e Frauzinho. No processo da revolta republicana o nome do
capitão aparece como Frauzino, seguido de sua assinatura o que pode indicar que a grafia correta seria Frauzino. Fontes: TREVISAN, Amélia Franzolin. Casa Euclidiana:
Ensino oficial – primeiros anos. Disponível em <http://www.casa euclidiana.org.br/texto/ler.php?id=1369&secao=111> Acesso em 1 nov. 2011, 00:23. GENEALOGIA
ITAPETININGANA. Disponível em < http://jlnogueira.vilabol.uol.com.br/pafg598. htm > Acesso em 1 nov. 2011, 00:23.
159
do hotel. Mencionou que os praças estavam “insubordinados ou revoltosos”. Observou que a maioria dos soldados
estava ferida e alguns embriagados. Tentou dissuadi-los de voltarem ao hotel, mas não conseguiu, assim, pediu ao
subdelegado que avisasse ao dono do hotel sobre a decisão dos praças em retornar ao estabelecimento e que tentasse
acalmar os soldados. Saturnino teria, então, voltado a sua casa e ido dormir. No dia seguinte, foi levar sua comadre a
estação quando foi cercado por um enorme grupo formado por capangas pretos, italianos e caboclos armados em
frente à casa de Vannucci. O grupo era comandado por Ananias Barbosa, Dr. Muniz, Dr. João Gomes da Rocha
Azevedo, Francisco Xavier de Oliveira. O depoente, após receber voz de prisão e desconhecendo o que ocorria, entrou
na casa de Vannucci perseguido por um negro. Pediu ao comerciante italiano que encontrasse uma pessoa séria no
grupo para conversar e foram sugeridos Ananias Barbosa, Dr. Muniz de Souza e Manoel Corrêa de Souza Lima, tendo
sido escolhido este. Em conversa com o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima descobriu que o povo acreditava que o
mandante do ataque ao hotel era o depoente e, assim, aceitou sair preso para não ser assassinado pelo povo do lado de
fora. Chegando ao palacete de Honório Dias, Francisco Glicério estava na porta e pediu aos Drs. Muniz e Mercado
para soltá-lo, mas estes teriam rido maliciosamente e mantido o capitão preso. Foi transferido para a Câmara
Municipal e lá ficou sem poder sequer chegar à janela. 228
228
Idem.
160
Lista 3: personagens da corporação policial: praças, soldados, cabos e oficiais
Nome
Pequena biografia
Praça, solteiro, 23 anos e natural de São Luiz de Paraitinga – SP. Encontramos no Almanaque de São Paulo de
1888 menção a um capitão, Antônio Eduardo Pompeu Lobo, que era primeiro suplente do Juiz em São Luiz de
Paraitinga – SP. Acreditamos que ele fosse parente, talvez pai, do praça que participou do ataque ao hotel Brasil
Antônio
Eduardo em 1889.229 O praça Antônio Lobo estava de sentinela na noite do ocorrido e depois de meia hora da saída dos
Pompeu Lobo
praças para a patrulha, chegaram quatro civis levando preso o cabo Rego. Ele perguntou o motivo daquela ação e
os civis teriam afirmado que não precisavam dar satisfação a ele. Eles se retiraram e o praça e o cabo tocaram o
sino para chamarem os patrulheiros. Antônio Lobo continuou de sentinela no quartel e não participou do ataque
ao hotel. Foi preso junto com os outros quando os civis tomaram o quartel.
O praça tinha 18 anos em 1889, era solteiro e natural de Rezende – RJ. O depoimento do praça é transcrito em
Bernardino
da Silva
Augusto duas versões com suportes diferentes. Na versão que acompanha o conjunto, com mesma caligrafia e papel,
Bernardino conta a mesma história dos outros praças. Ele teria chegado ao quartel e tomado conhecimento do
ocorrido com o cabo. Já no outro texto de formato diverso, afirma que Ananias Barbosa estava esperando
229
SECKLER, Jorge. Almanach da província de São Paulo administrativo, comercial e industrial para 1888. São Paulo: Jorge Seckler & Comp., 1888.
161
“propositalmente” o cabo em frente ao hotel Brasil junto com seu empregado Emiliano Ângelo e outros
“paisanos”. Nessa versão, Bernardino nomeia alguns dos líderes que estavam reunidos na casa de Honório Luiz
Dias: o proprietário da casa, seus irmãos Elisiário e Alípio Dias, o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima e seu
primo, major José Antônio de Lima, o major Lima. Os cerca de 300 homens que estavam ali eram camaradas e
capangas dos líderes mencionados por ele.
Praça, de 28 anos, solteiro e natural de Barra Mansa – RJ. Encontramos uma menção a um Claudino Pinto de
Andrade no Diário Oficial de 13 de agosto de 1902. Ele era alferes e pertencia à 3ª Companhia do 54° batalhão da
reserva no Rio Grande do Sul.230 Se for o mesmo praça, ele foi reformado como alferes no Rio Grande do Sul. O
Claudino
Pinto
de
praça afirmou que estava preso durante os acontecimentos da noite do dia 10 de agosto e que foi solto após o
Andrade
ataque ao hotel Brasil. Ele ficou com seus companheiros e viu quando os “paisanos” chegaram ao quartel e
tomaram o prédio, se apossando do armamento. Ele foi preso junto aos outros praças e mencionou Ananias
Barbosa, seu irmão, cujo nome não é mencionado, e o Dr. Muniz.
Damazo
Ramos
230
Rodrigues Era oficial de seleiro e inspetor de quarteirão na Rua das Flores. Ele era natural de Pouso Alegre e solteiro.
Chegou ao quartel depois do toque dos sinos e ouviu do próprio cabo Rego a sua versão dos fatos. Segundo ele, o
BRASIL. Diário Oficial, “Seção 1” ano XLI, 14° da República, 13 ago. 1902, p.4. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1649093/dou-secao-1-13-08-1902pg-4/pdfView> Acesso em 21 nov. 2011.
162
subdelegado e o cap. Saturnino tentavam convencer os praças a não ir ao hotel Brasil e o primeiro pediu ao
depoente que o ajudasse, mas os praças queriam se vingar dos ofensores do cabo Rego. Desiludidos com a
tentativa de solucionar o problema, ele e o cap. Saturnino teriam se retirado para suas respectivas casas e o
subdelegado saído do quartel, mas ele não informou para onde teria ido. No dia seguinte, teve conhecimento da
prisão do subdelegado, do capitão mencionado e do oficial de justiça João Antônio Ferreira, na casa de Honório
Luís Dias. Acrescenta alguns nomes aos líderes do grupo que atacou a cadeia: além do Drs. Muniz, João Gomes,
Campista e Luís Nery de Souza, estavam também Vicente Dias Junior e camaradas de Honório Luís Dias, major
Lima e Eliziário Dias. Eles teriam transferido os presos da casa de Honório Dias para a cadeia.
Era cabo da polícia, tinha 34 anos, solteiro e português. Foi agredido por Ananias Barbosa, dando início à
confusão no hotel Brasil. Ele afirmou ter sido abordado por Ananias Barbosa na esquina do hotel perguntando-lhe
Francisco
da
Silva
o que ele fazia ali. Ele teria respondido que fazia a ronda e assim que passou em frente ao hotel, teria sido atacado
Rego
por Ananias Barbosa e pelos seus “companheiros”. Disse que Ananias gritava aos “companheiros” que era o
depoente o responsável pela prisão do cunhado de Barbosa.
Henrique Vieira da Ele relata a mesma história dos outros praças e nada acrescenta de novo ao depoimento.
Silveira
163
O soldado tinha 23 anos, era solteiro e natural de São Roque. Foi ferido nos embates da noite do dia 10 de agosto.
A novidade do depoimento dele foi ter visto um grupo de “paisanos” na porta do quartel que correu com o
Ignácio de Morais
repique do sino. Ele também seguiu em direção ao hotel Brasil com o grupo de praças para prender quem teria
agredido o cabo Francisco da Silva Rego.
Cabo, solteiro, natural de campinas, com 20 anos de idade. Ele afirmou que um doutor que usa botas, que ele
João
Antônio
de descobriu mais tarde ser o Dr. Holanda Cavalcanti, saiu do hotel Brasil junto com outros hóspedes, espancaram o
cabo Rego e o levaram para a cadeia. Eles teriam ido ao hotel Brasil, sob o comando do sargento José André dos
Oliveira
Santos e o subdelegado, José Honório, para prender o agressor e teriam sido recebidos a tiros e garrafadas.
Joaquim
Dias
de Praça, natural de Moji das Cruzes e tinha 19 anos. Seu testemunho coincide com o dos demais praças e nada mais
Siqueira
foi acrescido à versão deles.
Ele era natural de Campinas, sargento do corpo policial, tinha 21 anos e era solteiro. Em seu depoimento afirma
que fazia a ronda e ouviu o toque do sino. Retornou ao quartel e teve conhecimento de que o cabo Rego teria
José André dos Santos
apanhado nas imediações do hotel Brasil. Sua explicação para a ida ao hotel Brasil era a prisão dos responsáveis
pelo espancamento do cabo e a busca de um boné e uma garrucha.
José Antônio Pacheco
Praça, natural de Santos e com 20 anos de idade. Seu depoimento é muito similar ao do cabo João Antônio de
164
Oliveira, com a diferença que ele não teria visto o cabo Rego até chegar ao quartel depois do toque do sino e saíra
com os praças em direção ao hotel Brasil. Afirmou também que o sargento e alguns outros praças foram à Casa
Branca informar o ocorrido.
Carcereiro, natural de Santa Rita do Rio Claro – MG, casado e com 26 anos. Na noite do dia 10 de agosto, ele
ouviu o sino e se encaminhou para a cadeia onde ficou sabendo da história do cabo Rego. Ele foi com os praças e
o subdelegado ao hotel Brasil prender os responsáveis pela prisão do cabo e lá chegando foram recebidos a tiros,
tijoladas, garrafadas. O copeiro do hotel atirou e acertou o praça Ignácio de Morais. Os praças conseguiram
José Cândido Firmino
invadir o hotel, mas o subdelegado mandou-os se retirar para o quartel e lá chegando tentou acalmá-los. Não
conseguindo, o subdelegado voltou ao hotel e foi preso. Diante disso, o sargento mandou os soldados ficarem de
prontidão. Ele ficou no quartel até tarde da noite e, não havendo mais nada, voltou para casa. No dia seguinte,
saindo de casa em direção à cadeia encontrou-se com um grupo de 60 homens quando reconheceu José Guecia,
Vicente marceneiro, diversos italianos, e o preto Domingos de tal. Fugiu do grupo e saiu da cidade.
Praça, com 19 anos, cearense e solteiro. Da mesma maneira que o praça José Antônio Pacheco, ele também
José Luiz Carvalho
chegou ao quartel depois do toque do sino e só tomou conhecimento do episódio depois de reunido o grupo para
ir ao hotel.
165
Praça, com 22 anos, era solteiro e natural de Taubaté. Ele repetiu a mesma história dos outros com a diferença que
Maximiniano
Alves
eles sabiam que um grupo de paisanos pretendia atacar a cadeia e por isso foram com o sargento a Casa Branca
Ferreira
buscar reforços.
Praça, imigrante alemão, solteiro e com 36 anos de idade. Entrou para a polícia em 1887 e consta, em um oficio
Silvestre
Brande
Antônio de janeiro de 1888, que ele, junto com outros praças, recebeu o vencimento, levou para casa o fardamento pardo e
inutilizou o azul. 231 Seu relato no processo da revolta riopardense também é similar aos demais e não traz
novidades à versão policiana.
231
Ofício do comandante da Companhia de urbanos para o chefe de polícia, em 04/01/1888. AESP, co.2691. Apud.: ROSEMBERG, André. Polícia, policiamento e o
policial na província de São Paulo, no final do Império: a instituição, prática cotidiana e cultura. Tese de doutorado na área de História Social do departamento de
História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humana da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
166
Lista4: personagens que não se posicionaram politicamente ou não foi possível identificar
Nome
Alexandre
Pequena biografia
Luiz
de
Proprietário da fazenda Fartura, primeira metade do século XIX.
Mello
Antônio Caetano de
Herdeiro da fazenda Fartura, terceiro quartel do século XIX.
Lima
Era casado, mineiro, negociante e tinha 36 anos. Era padrinho de José, filho de José do Carmo Castro e Justina. A
Antônio
Luís
de
madrinha da criança, Umbelina Cândida Nogueira, era agricultora em Arceburgo/MG, no ano de 1926, segundo o
Souza
Almanack Adminsitrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro de 1891 a 1940.
Proprietário da fazenda Becerábia. Reuniu os proprietários de terra dos arredores e cotizou para a construção de
Antônio
Marçal uma capela de São José do Rio Pardo, em 1858. Doou doze alqueires de terra para o patrimônio da igreja e
Nogueira de Barros
escolheu construir a capela em honra a São José. Em 1868, definiu as ruas do povoado. Foi vereador em Caconde,
cidade da qual pertencia São José do Rio Pardo. Era casado com Marianna Leopoldina Nogueira.
167
Ele era natural de Pitangui, tinha 43 anos de idade, era casado e negociante. Consta em uma listagem da Câmara
Antônio
Victor
de
de São José do Rio Pardo como ferrador de animais. 232 Faleceu sem herdeiros em 1894.233 Ele afirmou que nada
Souza
sabia do ocorrido porque quando tentaram lhe contar, não teria prestado atenção.
Francisco
Barbosa
Mudou-se para Avaré onde tinha uma serraria, em 1888. Era casado com Ana Umbelina da Conceição.234
Sandoval
Era casado com Francisca Sabina das Chagas, foi vereador de Caconde, em 1864, e responsável pela construção
Francisco das Chagas
da capela de Nossa Senhora da Boa Morte em Avaré, em 1885, indicando que havia se mudado para aquela
Negrão
freguesia. 235
Francisco
de
Assis
Era proprietário da fazenda Pião do Rio Pardo, anos de 1840.
Nogueira (pai)
Francisco
de
Nogueira (filho)
232
Assis Foi capitão da Guarda Nacional e herdeiro da fazenda Pião do Rio Pardo onde morava com seu pai. A fazenda
Pião do Rio Pardo teria sido vendida quando o capitão Francisco de Assis Nogueira se mudou para Rio Novo e
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PARDO. Documentos diversos. Arquivo Municipal de São José do Rio Pardo.
SÃO PAULO. “Justiça: Expediente de 23 de outubro de 1894, 1ª. Seção”. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, ano 4, n° 1002, 27 out. 1894.
234
Almanak do Rio Novo e de São Sebastião do Tijuco Preto para 1.888 - Arquivo Daesp, Página 30, Descripção da Villa do Rio Novo , em 1.888. Apud.: SANDOVAL,
Roberto. Francisco Barbosa Sandoval. Disponível em <http://franciscobarbosasandoval.blogspot.com/> Acesso em 21 nov. 2011.
235
NEGRÃO, op. cit., 2007.
233
168
sua mãe para Botucatu, nos anos de 1870.236
Francisco de Pádua
Era casado e se mudou para Avaré, no terceiro quartel do século XIX.
Negrão
Ele contou a mesma história confirmando a versão de Izidoro Vannucci e parte da de Saturnino Barbosa, mas toda
Francisco
Eduardo
a sua versão é fundamentada no „ouvi dizer‟, a não ser por ter visto Saturnino passar com sua comadre em direção
Bessa
à estação e depois entrar na casa de Vannucci.
Era natural de Cabo Verde, lavrador, casado e tinha 48 anos de idade. Contou que na noite do dia 10 estava em
casa e só ouviu o repique do sino, mas na manhã do dia seguinte ele teve notícia da prisão do capitão Saturnino,
do subdelegado e do oficial de justiça. Chegou a ir à casa de Honório Dias e cumprimentou os presos, observando
João Antônio Cardoso a presença dos capangas, uns armados e outros não. Foi também até a cadeia, onde conversou com um praça,
sabendo dele a história do cabo Rego. O personagem teve entrada livre na casa de Dias e ao mesmo tempo soube
a versão do praça sem esforços, dando a entender que era uma pessoa com livre passagem nos dois ambientes. Ele
viu também um grupo de paisanos tentar prender o carcereiro José Cândido Firmino que fugiu correndo, entre
236
DI CREDDO, Maria do Carmo Sampaio. Terras e índios: Botucatu ("bôca de sertão"): o povoamento e a propriedade no Vale do Paranapanema. São Paulo: Arte e
Ciência, 2003.
169
eles estava o italiano José Guecia. Esses paisanos falaram com ele na porta de sua casa: “vai outra vez conversar
na porta da cadeia bruto.”237
João Batista Blandim nasceu em São João Del Rei, em 1832. Mudou-se com sua esposa para São José do Rio
Pardo, em 1866, aos 34 anos. Conhecia algumas pessoas que já haviam se mudado para a localidade, vindos de
Minas Gerais, e eram donos de terras. Em 1917, aos 84 anos, deu uma entrevista a um repórter, para o Álbum
Riopardense. Descreveu a cidade: “casas esparsas, cobertas de sapé, no meio do mato. Morou numa delas, onde,
João
Baptista
tempos depois, ergueu-se o palacete de Antônio Ribeiro Nogueira (Nhô Ribeiro)(...), hoje, substituído por um
Blandim
prédio de morada e casas comerciais, na esquina da Praça XV de novembro com a rua Marechal
Floriano.Também li, que em dezembro de 1868, a pedido de Antônio Marçal Nogueira de Barros, a Câmara
Capitular de São Paulo concedeu licença para se benzer, na forma do Ritual Romano, depois de cercado, o
cemitério do bairro de São José do Rio Pardo, Distrito da Freguesia do Espírito Santo do Rio do Peixe.”238
Ele tinha 21 anos de idade, era natural de Casa Branca – SP, casado e trabalhava como empregado público. Ele
Joaquim de Faria
nada viu em nenhum dos dias, mas ouviu de Antônio Honório de Araújo que haviam chegado à vila de São José
237
238
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
Fonte: http://www.ferias.tur.br/informacoes/9658/sao-jose-do-rio-pardo-sp.html
170
do Rio Pardo republicanos para prenderem os praças do destacamento, o que teria resultado em tiros.
Joaquim Gonçalves dos Santos nasceu em 21 de dezembro de 1836, em Casa Branca. Era o primogênito do
capitão José Gonçalves dos Santos. Em 1851, morava na Fazenda Sertão Grande do Rio Pardo, em São José do
Joaquim
Gonçalves Rio Pardo. Era casado com Rita Isoldina Nogueira de Queiroz, também de Casa Branca, e com ela teve vinte
dos Santos, major e filhos. Era proprietário das fazendas Sertão Grande do Rio Pardo, São Vicente, Buenos Aires, Pocinha, Sítio
Novo e Santa Maria. Produziu cana-de-açúcar e foi pioneiro na lavoura cafeeira em São José. Foi um dos
intendente
fundadores da capela e auxiliou na construção da Casa de Câmara e Cadeia e da Igreja Matriz. Era do Partido
Conservador e foi vereador e vice-presidente da primeira Câmara Municipal, instalada em 8 de maio de 1886,
intendente em 1891 e vereador em 1894. Faleceu em 18 de outubro de 1912.239
João José de Souza
Genro de Manoel Alves de Carvalho e herdeiro da fazenda da Lage, terceiro quartel do século XIX.
Era natural do Rio de Janeiro, solteiro, com 33 anos e atuava como negociante. Disse não saber de nada do que
Lauriano
Francisco
aconteceu durante a noite e que no dia seguinte, viu muito colonos de Honório Luís Dias e outros fazendeiros
Alonso
pelas ruas. Saiu de casa e foi ao largo da matriz e viu um grupo de 300 ou 400 pessoas. Ele reconheceu o Dr.
239
TRINCA
FILHO,
Luís.
“Joaquim
Gonçalves
dos
Santos,
major
e
intendente”.
Almanaque
http://almanaqueriopardense.blogspot.com.br/2008/07/joaquim-gonalves-dos-santos-major-e.html> Acesso em 20 fev 2014.
Rio-Pardense.
Disponível
em
<
171
Muniz de Souza e viu o momento em que eles teriam ido para a cadeia. Ficou sabendo que o cap. Saturnino
estava preso na casa de Honório Dias e, chegando àquela casa, teve medo de falar com o capitão porque a
edificação estava cercada de capangas armados.
Manoel
Alves
de
Proprietário da fazenda da Lage, primeira metade do século XIX.
Carvalho
Tenente da guarda nacional. Ele era negociante, natural de Bragança e tinha 50 anos. Era casado com Maria
Paulino
Cândido
Miquelina Leme e encontramos seu nome em uma reunião maçônica da Loja Amor da Pátria no vale de
Furquim de Campos
Bragança, em 1875. Ele era cobrador na cidade de Amparo – SP, em 1888.240
Ele tinha 28 anos, era casado, negociante e natural de Dores do Pantano – MG. Durante a noite, ele ouviu o
Tobias
Martins barulho na rua e notou que vinha do hotel Brasil, mas não tomou conhecimento e voltou a deitar-se. Ouviu dizer
Pereira
que um camarada de Honório Luís Dias foi até a fazenda, em frente à estação, na noite de sábado, depois dos
acontecidos, para avisar sobre o que estava ocorrendo na cidade.
Venâncio
240
Gomes Foi subdelegado de São José do Rio Pardo antes da revolta. Ele era natural de Santo Antônio da Alegria, casado
Francisco Furquim Leme. Disponível em <http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=1050477> Acesso em 20 nov. 2011. Genealogia da Família Bragança Saracchini
Oliveira Preto Degue. Disponível em <http://bragancasaracchini.sites.uol.com.br/pafn228.htm> Acesso em 20 nov. 2011 e SECKLER, op. cit., 1888.
172
Porto
com Hipólita Josefina Angelina de Alcântara, se intitulou negociante com a idade de 30 anos. 241 Afirmou que
estava ausente no dia dos acontecimentos e nada viu.
241
SANDOVAL Roberto. Família Gomes Porto. Disponível em <http://gomesporto.blogspot.com/> Acesso em 20 nov. 2011.
173
3.3. Refletindo sobre a revolta
Depois de descrita a revolta e identificados os personagens envolvidos, a
partir dos depoimentos no inquérito, das reportagens de jornal, dos manuscritos de
Manoel Corrêa de Sousa Lima e outras fontes pesquisadas, podemos perceber os grupos
que participaram do movimento. Esses personagens podem ser divididos em quatro
grupos para facilitar a compreensão das características culturais que compõem e
norteiam suas escolhas e ações. O primeiro grupo é composto pelos praças da polícia
estadual. O segundo, pelos liberais que serão analisados no mesmo item. O terceiro,
formado pelos italianos que podem ser divididos em dois: os que viviam na cidade e os
que viviam nas fazendas. E, por fim, o quarto, composto pelos fazendeiros,
comerciantes, doutores e políticos que comandaram a revolta.
3.3.1. Os policiais e liberais
Em São José do Rio Pardo, a polícia era contrária aos republicanos e, ao
que tudo indica, seguia as ordens do liberal Saturnino Barbosa, corroborando com a
proposição de Karl Monsma de que os delegados ou subdelegados exerciam o poder de
polícia com o intuito de favorecer seus interesses. Por outro lado, ao contrário do que
afirma Monsma, em São José, os praças atacaram os grupos mais abastados da cidade e
não apenas italianos ou libertos.242 Porém, em relação aos negros e pardos e aos
italianos, ela agia com violência, tendo agredido um italiano dois dias antes da revolta,
o que provocou a colônia a revidar a ação dos policiais. 243 Nesse sentido, o ataque da
242
MONSMA, Karl. “op. cit., 27 a 29 de março de 2008. Disponível em <http://www.brasa.org/
Documents/BRASA_IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014.
243
“Destacamento policia acommette maiores violencias espancaram hontem italiano sem motivo colonia
disposta reagir aconselhamos calma. Providencias urgentes esperadas”. 09/08/1889, AESP, C02698,
174
polícia ao hotel Brasil foi um episódio conveniente para a revanche dos italianos, que se
reuniram aos republicanos, compuseram o “povo” e prenderam os praças no quartel.
Outro aspecto que podemos sugerir acerca do comportamento dos praças
é que a ação violenta da polícia pode ter sido um caso isolado e só agiram assim porque
eles estariam a favor de Saturnino Barbosa, por representarem o Estado e os
republicanos serem contrários a essa ordem. Essa proposição seria uma conclusão
inocente para o comportamento dos praças, porque ela implicaria em um cumprimento
da lei e, se assim fosse, eles não mentiriam nos depoimentos e não haveria contradição
nos testemunhos, como é o caso do depoimento do cabo Bernardino. De qualquer
forma, para todos os casos, hierarquicamente, os praças respondiam ao subdelegado,
que era monarquista. A maior autoridade na cidade era o presidente da Câmara, que era
o capitão Saturnino, um liberal, o qual os praças deveriam atender seu chamado e acatar
suas ordens, bem como as do subdelegado.
Assim, eles teriam se comportado apenas como uma força armada que
defenderia os interesses da ordem vigente e teriam mentido, agredido e ameaçado
deliberadamente os republicanos em detrimento da função a qual existia a força policial,
“se postar como agentes de uma ordem ideal. Esperava-se que fossem capacitadas a
apaziguar o ambiente de desordem”. 244 Se eram realmente monarquistas, não sabemos,
pois nenhum deles se posicionou politicamente. Pelo contrário, tentaram a todo o
momento retirar qualquer cunho político dos depoimentos, o que poderia sugerir um
envolvimento com as ideias monarquistas, porque desmerecer ou suprimir o conflito
entre republicanos e liberais da revolta significaria uma vitória dos liberais. A
congruência dos depoimentos dos praças sugere uma preparação prévia para que as
palavras fossem semelhantes. O único momento em que isso se modifica é o
Polícia 1889. Apud.: MONSMA, Karl. “op. cit., 27 a 29 de março de 2008. Disponível em
<http://www.brasa.org/ Documents/BRASA_IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014.
244
FAUSTO, op. cit., 2001, p. 35.
175
testemunho do praça Bernardino Augusto da Silva, que tenta corroborar com o
depoimento do cabo Rego, mas isso não invalida a sugestão de que seu testemunho
havia sido forjado ou combinado como os dos outros praças.
Nesse sentido, levantamos algumas hipóteses relativas à história dos
praças e soldados em São José do Rio Pardo. Na primeira, eles estavam vinculados aos
liberais e defendiam a monarquia.245 Na segunda, apenas agiam seguindo ordens, sem se
posicionarem politicamente. E, na terceira, a ação violenta dos praças e soldados era
fundamentada na ideia apenas de “manter a ordem” contra as “pessoas perigosas”. 246
Na primeira hipótese, sabemos que eles estavam vinculados aos liberais
porque recebiam ordens do capitão Saturnino, líder liberal, e do subdelegado, também
liberal. 247 Por outro lado, não obtivemos fontes suficientes para comprovar a adesão à
monarquia por parte desses homens da lei. Há uma discussão desenvolvida por André
Rosemberg que associa os policiais paulistas ao movimento abolicionista. Segundo ele,
esses homens deixavam de agir quando a situação pendia para a liberdade dos cativos.
Cita um exemplo ocorrido em Piracicaba, no início de 1888, quando “o destacamento
não fez frente à população, que nas ruas, esperava a chegada do trem que trazia de
volta escravos fugidos”248, com o intuito de facilitar a fuga dos cativos capturados. Há
duas questões a serem observadas no episódio de Piracicaba. A primeira é que o
destacamento policial de Piracicaba defendia os abolicionistas e a segunda, ele agia
segundo seus interesses, mesmo diante das ordens dos superiores. Nesse sentido,
Rosemberg afirma que os policiais tinham tendências abolicionistas, mas o que mais
chama a atenção nesse evento é a ação dos policiais à revelia do comando, ou seja, eles
245
Talvez fossem adeptos do abolicionismo e, por isso, fiéis ao império, mas não encontramos nada que
provassem essa hipótese.
246
MONSMA, Karl. “op. cit., 27 a 29 de março de 2008. Disponível em <http://www.brasa.org/
Documents/BRASA_IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014.
247
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
248
ROSEMBERG, André. De chumbo e festim: uma história da polícia paulistas no final do Império.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2010, p. 420-1.
176
fizeram a escolha de descumprir as ordens do delegado, mesmo diante de uma possível
punição. André Rosemberg também afirma que muitos dos policiais tinham tendência
republicana, citando alguns momentos em que isso ficou evidenciado em fontes no
interior de São Paulo, mas em São José do Rio Pardo, eles lutaram contra os
republicanos. Não obtivemos dados que confirmassem se os policiais eram
abolicionistas ou monarquistas, mas sabemos que ali não eram republicanos porque se
fossem poderiam ter agido como fizeram em Piracicaba e descumprido as ordens do
subdelegado que era liberal.
Na segunda hipótese, os praças estavam apenas cumprindo as ordens
recebidas sem terem vinculação política com nenhuma das facções. Não temos como
saber se eles só responderam às ordens dadas, mas sabemos que não eram republicanos
porque não se importaram em obedecer aos liberais tendo a brecha de simplesmente não
obedecer. Assim, acreditamos que a segunda hipótese é a menos plausível para explicar
o comportamento dos praças.
A terceira hipótese seria relativa ao comportamento dos policiais que
teria o objetivo de dar manutenção à ordem, impedindo negros, pardos e imigrantes,
grupos mencionados como as “pessoas perigosas”249, a descumprir as leis e cometer
crimes. Os praças e soldados agiram realmente com violência para com os italianos na
zona rural de São José do Rio Pardo. Em uma nota do jornal, foi mencionado que eles
teriam agredido gratuitamente um italiano de uma das colônias, o que gerou certa
insatisfação entre os imigrantes.250 Essa hipótese não invalida as anteriores porque
estando a favor dos liberais ou apenas cumprindo ordens, a polícia agiu com violência.
Porém, o que pode ser ressaltado é que a agressividade dos policiais estava direcionada
aos republicanos que eram em maioria doutores, fazendeiros e comerciantes, grupo que
249
MONSMA, Karl. “op. cit., 27 a 29 de março de 2008. Disponível em <http://www.brasa.org/
Documents/BRASA_IX/Karl-Monsma.pdf> Acesso em 2 jun 2014 e ROSEMBERG, op. cit., 2010.
250
09/08/1889, AESP, C02698, Polícia 1889. Apud.: MONSMA, op. cit., 27 a 29 de março de 2008.
177
estava fora do conceito de “pessoas perigosas”.251 Assim, nossa terceira hipótese se
aplicaria ao comportamento da polícia, mas não explicaria porque o ataque aos líderes
republicanos no hotel Brasil, já que esses indivíduos eram a elite local e não justificaria
a agressão a eles para conter as “pessoas perigosas”.
3.3.2. Os italianos
O outro grupo mencionado era composto pelos italianos, que dividimos
em dois tipos: os que viviam na cidade e os das fazendas. Essa divisão corrobora com a
que foi realizada pelos próprios italianos dentro da Sociedade de Mútuo Socorro XX de
Setembro. Temos entre nossos personagens aqueles cujos nomes eram conhecidos pelos
depoentes porque eram atuantes na sociedade riopardense, como comerciantes e
pequenos artesãos, constituindo-se, assim, os italianos da cidade. Sugerimos que eles
também se encontrassem em posição contrária à polícia porque não eram ricos e sofriam
os desmandos dos praças, levando à insatisfação em relação à corporação. Não temos
como afirmar se eram republicanos, porque não se manifestaram diretamente favoráveis
à doutrina, mas tocavam a marselhesa nas festividades e, na hipótese de serem
republicanos, não poderiam se manifestar oficialmente por causa do estatuto da
Sociedade Italiana que não permitia a filiação ou definição política por parte dos
associados.
Já os italianos das fazendas, acreditamos que estavam diluídos entre as
pessoas que teriam vindo por ordem dos fazendeiros republicanos. Não sabemos se a
adesão desses homens à revolta está relacionada também à insatisfação com a polícia
estadual ou se eram simpáticos às ideias republicanas. Em relação à república, segundo
251
Idem.
178
coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, toda a cidade já estava “republicanizada”252,
mas à primeira vista isso significava que os eleitores eram republicanos e não,
necessariamente, aqueles que nem chegavam à condição de votar eram adeptos dessas
ideias. Como não temos fontes suficientes para conhecer as motivações dos italianos das
fazendas, devemos no ater ao que foi dito acerca da presença deles na revolta.
Para o presidente da província, a participação de italianos era arriscada
porque os trabalhadores estrangeiros eram um grupo perigoso se estivesse envolvido
com política. Ele insinuou que se eles fossem conhecedores do sistema político nacional
e passassem a interferir, poderiam se rebelar violentamente contra os seus patrões.
Assim, deveriam ficar de fora de qualquer discussão política. 253 Mas não foi o que
aconteceu em São José do Rio Pardo. Ali eles compuseram a massa que foi denominada
„povo‟ pelos republicanos e, diante disso, foram inseridos conceitualmente no sistema
político nacional, mesmo que setorialmente. A manifestação de insatisfação dos
italianos ocorreu em nome da sociedade cujo presidente afirmou que eles não eram
capangas e que a sociedade não se posicionava politicamente, mas não desmentiu a
participação da revolta, nem uma possível crença na república.
3.3.3. Os fazendeiros, comerciantes, doutores e políticos republicanos
O último grupo definido em nossa descrição é formado pelos fazendeiros,
comerciantes, doutores e políticos e é claramente republicano.254 Seus depoimentos no
inquérito defendiam a república e suas versões do episódio relatavam as disputas entre
252
TAVARES, Marcelo Coimbra. “Proclamaram a república três meses antes do 15 de novembro”.
Diário da Tarde, Belo Horizonte, segunda-feira, 24 de janeiro de 1949. Ano, XVIII, num. 0071.
253
COUTO DE MAGALHÃES, op.cit., 1923, p. 1.
254
Nesse caso, temos ainda alguns italianos que se enquadram na atividade de comerciantes e eles podem
se comportar como os dois grupos. Já teriam saído da condição de empregados e se enquadravam nos
grupos médios da sociedade.
179
os liberais e os republicanos da cidade. José Murilo de Carvalho cria uma tipologia para
explicar os republicanos brasileiros, dividindo-os em três tipos. O primeiro adotava os
ideais republicanos da revolução de independência estadunidense, fundado no
federalismo e em contraposição ao centralismo imperial brasileiro. O segundo era
composto pelos radicais da república, republicanos com concepções abstratas que
falavam do povo nas ruas, mas não tinham um conceito concreto para o termo “povo”.
O terceiro grupo era positivista e pregava uma ditadura republicana e a separação do
Estado e da Igreja255.
No modelo de Carvalho, os fazendeiros paulistas, “os cafeicultores do
oeste paulista”, caracterizados pela historiografia como mais dinâmicos, voltados à
produção e envolvidos com o ideal republicano, eram adeptos de uma republica
federativa de caráter estadunidense 256. Ao reduzirmos a escala, podemos observar que
esse tipo ideal do fazendeiro republicano do oeste paulista não se aplica com perfeição
aos personagens riopardenses. Nem todos os fazendeiros de São José do Rio Pardo e
que participaram da revolta eram grandes proprietários ou produziam grandes
quantidades de sacas de café. Essas gradações precisam ser observadas e consideradas
para compreender esse grupo.
O poder econômico vivenciado por alguns deles lhes fornecia certa
tranquilidade financeira, mas, ao mesmo tempo, cafeicultores de pequeno, médio e
grande porte viviam sob o jugo de um mercado financeiro cujos intermediários definiam
regras que surtiam efeito nas fazendas e desestabilizavam qualquer possível harmonia
fundada no poderio econômico. Em relação ao ideal político, observamos que os
modelos de José Murilo de Carvalho não se aplicam para os personagens da revolta
255
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1990.
256
CASALECCHI, José Ênio. O partido republicano paulista: política e poder (1889-1926). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
180
republicana riopardense. Os republicanos riopardenses eram em sua maioria
cafeicultores e faziam parte do alvo das campanhas políticas republicanas, o que
explicava a presença de Glicério na cidade. Por outro lado, seus depoimentos relatavam
um discurso com tendências radicais, com o uso de termos que Carvalho definiu como
próprios desse grupo. Não podemos defini-los como radicais porque a tipologia não se
aplica perfeitamente ao caso riopardense, nem temos fontes que comprovassem esse
radicalismo, mas entoar a Maselhesa, mencionar o termo “povo” nos depoimentos,
tomar a cidade e criar uma bandeira e uma moeda para a república proclamada durante a
revolta257 poderiam ser uma mostra dessa inclinação ao radicalismo republicano.
Como podemos perceber nessa caracterização da revolta republicana
riopardense dos grupos e personagens envolvidos, ela aconteceu em meio a um
momento de tensão entre os liberais e os republicanos e, talvez, a população e os praças.
Um pequeno movimento de um praça no dia da recepção do líder republicano Francisco
Glicério foi suficiente para exaltar os ânimos. Essa pequena ação poderia significar tudo
o que os republicanos interpretaram: uma espionagem liberal à reunião republicana feita
por um praça português, mas poderia também ser apenas um praça português
embriagado visitando sua namorada no quintal da casa de um republicano.
Independente das intenções do cabo, as ações dos republicanos atingiram
proporções muito maiores porque representavam os desejos e os impulsos do grupo de
ver a república ser proclamada. E, ao que parece, eles se aproveitaram de uma possível
insatisfação do “povo” para com a polícia e seus comandantes e utilizaram a força dos
trabalhadores das fazendas para direcionar a revolta para uma república. Inicialmente,
acreditamos que essa não era a intenção, mas viram na revolta uma oportunidade de
consolidar um movimento.
257
DEL GUERRA, Rodolpho José. Riquezas do baú provinciano. S.S. da Grama, SP: Grass, 2000.
181
CAPÍTULO 4. As ideias republicanas e as visões de povo na revolta de São José do
Rio Pardo
As ideias republicanas no Brasil são mais antigas que o movimento do
último quartel do século XIX e remontam o século XVIII. 258 Já o movimento
republicano brasileiro se desenvolve a partir da formação dos clubes radicais, que
surgiram de dissidências dos partidos liberais. Sua institucionalização se deu com o
Manifesto Republicano de 1870, publicado no jornal A república, no Rio de Janeiro, em
3 de dezembro de 1870. Assinaram o manifesto 58 republicanos que teciam críticas à
monarquia e à falta de liberdade.
A liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada; a
liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a
liberdade da imprensa subordinada à jurisdição de funcionários do
governo; a liberdade de associação dependente do beneplácito do
poder; a liberdade do ensino suprimida pela inspeção arbitrária do
governo e pelo monopólio oficial; a liberdade individual sujeita à
prisão preventiva, ao recrutamento, à disciplina da guarda nacional,
privada da própria garantia do habeas-corpus pela limitação
estabelecida, tais são praticamente as condições reais do atual sistema
de governo.259
O manifesto inspirou republicanos de todo o país e levou à formação dos
clubes republicanos e, mais tarde, dos partidos republicanos. O PRP – Partido
Republicano Paulista foi constituído em 1873, a partir da Convenção de Itu, realizada
um ano antes, que reuniu fazendeiros e políticos do oeste paulista.
258
Reynaldo Carneiro Pessoa organiza uma coletânea de documentos sobre as ideias republicanas,
publicada em 1973, com o intuito de preservar essas fontes, divulgá-las e ordená-las para facilitar seu
acesso e estudo. Estabelece em sua organização fontes acerca das revoltas regenciais que tinham caráter
republicano, sendo que seu documento mais antigo se refere à revolta pernambucana de 1817. PESSOA,
Reynaldo Carneiro (comp.). A ideia republicana no Brasil através de documentos: textos para
seminários. São Paulo: Alfa-Ômega, 1973.
259
MANIFESTO Republicano de 1870. In.: PESSOA, op. cit., 1973, p. 47.
182
Para Célio Debes, “os republicanos surgem como que por uma
decantação dos partidos que os precederam.”260 O primeiro manifesto foi considerado
o marco inicial do movimento republicano brasileiro e teve grande repercussão em São
Paulo. Com a criação do PRP, seis outros manifestos paulistas foram lançados com
temas de interesse geral. No primeiro, de 1873, a escravidão deveria ser resolvida com a
abolição e indenizações aos proprietários expropriados de seus cativos. Em 1887, a
proposta era que os republicanos libertassem seus escravos até 14 de julho de 1889. Em
1888, o manifesto lançado pelo partido sugeria a revolução e o uso da força para
instaurar a república. A propaganda republicana também figurava como um objetivo
desses manifestos e os republicanos propunham que ela fosse feita a partir de “ciclos de
conferências” com palestras de combate à monarquia. Dentro desse processo de
propaganda republicana e durante uma campanha eleitoral a deputado geral, Francisco
Glicério esteve em São José do Rio Pardo.
Sobre a cidade, Célio Debes comenta que a revolta riopardense foi um
atentado a Francisco Glicério e a única consequência foi a demissão do subdelegado.261
Segundo o autor, a federação era “um dos princípios defendidos pelos republicanos”
paulistas em seus manifestos, mas também defendiam o separatismo. Para ele, o
separatismo e o federalismo andavam juntos porque os republicanos paulistas
compreendiam que só era possível o federalismo com a separação das províncias e sua
reunião por meio da federação.
Sobre os separatistas, Cassia Adduci afirma que a maioria deles era
republicana, mas também havia um ideal de separatismo entre alguns monarquistas, o
que desvinculava o separatismo do movimento republicano. Segundo ela, o federalismo
260
DEBES, Célio. “A propaganda republicana em São Paulo (1872-1889)”. In.: ”. In.: LAPA, José
Roberto do Amaral (org.). História política da república: coletânea de ensaios inéditos comemorativa
do centenário da República. Capinas, SP: Papirus, 1990, p. 107-122.
261
Idem.
183
era adotado como uma solução para “os problemas decorrentes das diferenças
econômicas entre as províncias”.262 Porém, Adduci conclui sua análise indicando que o
separatismo acabou por se caracterizar como uma escolha radical entre aqueles adeptos
do federalismo. 263
A formação do Partido Republicano Paulista é estudada por Casalecchi,
que parte da noção de progresso para discutir a participação dos paulistas nos
movimentos republicanos. Para ele, tanto os monarquistas conservadores como os
liberais e os republicanos do estado de São Paulo se predispunham a defender o
progresso, independente das discussões políticas, resolvendo questões econômicas
como a vinda de imigrantes e as demandas da produção cafeeira antes das questões
políticas. Segundo ele, isso diferenciava o movimento republicano paulista, em especial
o do oeste de São Paulo, dos outros grupos do país, que se digladiavam contra os
conservadores, liberais e, mais tarde, restauradores.264
Renato Lessa analisa o processo de proclamação e os primeiros anos da
república. Em seu trabalho, discute o papel do poder moderador no Império e o impacto
de sua extinção. Para ele, o período subsequente à proclamação, denominado de
infância da república, foi uma adaptação institucional em que os grupos de poder se
reorganizaram no espaço político nacional sem o controle do poder moderador, gerando
diversas disputas e insatisfações. A “política dos governadores” veio contrapor à
dinâmica desses primeiros anos republicanos com o intuito de organizar o procedimento
político e amenizar as disputas entre os diversos grupos no âmbito do poder central.
Quando Lessa caracteriza a propaganda republicana dos anos de 1870 e 1880, afirma
262
ADDUCI, Cássia Chrispiniano. A „Pátria Paulista‟: o separatismo como resposta à crise final do
império brasileiro. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2000, p. 173.
263
ADDUCI, Cássia Chrispiniano. “Para um aprofundamento historiográfico: discutindo o separatismo
paulista.” Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 19, nº 38, p. 101-124, 1999.
264
CASALECCHI, José Ênio. O partido republicano paulista: política e poder (1889-1926). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
184
que os republicanos paulistas eram comportados, aceitavam “as regras do jogo” e a
única bandeira que realmente levantavam era do federalismo. Segundo Lessa, não
adotaram o separatismo e tinham o objetivo de se manterem brasileiros, concordando
com Debes. O autor ressalta a figura de Glicério na formação do Partido Republicano
Federal, cujo objetivo era “criar um grupo parlamentar majoritário para sustentar o
governo” e “preparar para as eleições gerais de 1894”265, assim como seu isolamento,
mais tarde, em 1897.
Como já afirmamos no capitulo anterior, José Murilo de Carvalho
estabelece uma tipologia para os republicanos brasileiros. O autor estuda o imaginário
em torno dos conceitos de república no final do século XIX e a partir disso delineia sua
teoria. Em “A formação das almas”, Carvalho analisa como se deu essa construção de
um ideal de república que permeou a propaganda e a proclamação. Para ele, havia três
modelos de república: o positivista, o francês e o americano.
Para os republicanos positivistas, a organização do poder era o principal
elemento constitutivo, mas o ideal era uma ditadura republicana com uma definição
clara do papel do congresso e do governante. A separação entre a Igreja e o Estado era
também fundamental. Havia uma preocupação com as camadas mais baixas da
sociedade, com a proposta de políticas sociais que atraíssem operários. Segundo
Carvalho, esse modelo era adotado principalmente por militares, mas também
funcionários públicos e professores aderiram à ideia. Carvalho explica que os militares
eram positivistas por se identificarem com as ciências e o desenvolvimento industrial,
próprios de sua formação técnica. Os positivistas adotaram sinais, emblemas e símbolos
para a república e os divulgavam nas propagandas realizadas nas cidades.
265
LESSA, Renato. “A invenção da república no Brasil: da aventura à rotina”. In.: CARVALHO, Maria
Alice Rezende (org.) Republica no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001.
185
No modelo francês, também conhecido como os republicanos radicais ou
jacobinos, a participação popular era necessária para a constituição de uma verdadeira
república.
Os radicais da república falavam em revolução (queiram mesmo que
esta viesse no centenário da grande Revolução de 1789), falavam do
povo nas ruas, pediam a morte do príncipe-consorte da herdeira do
trono (era um nobre francês), cantavam a Marselhesa pelas ruas.266
Os radicais queriam, então, atingir a república por meio de uma
revolução, com a participação popular, que mataria a família real e instauraria o
governo republicano. Porém, Carvalho afirma que esses radicais não receberiam apoio
popular porque as camadas mais empobrecidas da população eram monarquistas e se
sentiam súditos do imperador e da princesa Isabel.
Suely Queiroz escreve sobre o jacobinismo e discute a ausência de
trabalhos sobre o tema durante os anos de 1940 e 1950, enfatizando uma abordagem
superficial do assunto nos anos de 1960 e 1970. Nos anos de 1990, ela afirma que a
historiografia lançou olhares para os jacobinos, entendendo-os como parte da classe
média e associando-os ao exército. Por outro lado, a autora explicita em sua pesquisa
“Os radicais da República”, que os jacobinos eram não só elementos dos grupos médios
da sociedade, mas também contavam com a atuação de intelectuais e políticos
associados às oligarquias. Para a autora, os jacobinos eram heterogêneos, mas tinham
em comum os ideais positivistas com fortes tendências ditatoriais, anticlericais e
nacionalistas, cujo personagem símbolo era Floriano Peixoto.267
266
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1990, p. 26.
267
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. “O jacobinismo na historiografia republicana”. In.: LAPA, José
Roberto do Amaral (org.). História política da república: coletânea de ensaios inéditos comemorativa
do centenário da República. Capinas, SP: Papirus, 1990, p. 69-81; _______. Os radicais da República:
jacobinismo, ideologia e ação. São Paulo: Brasiliense, 1986; COSTA, Antônio Carlos Figueiredo. A
república na praça: manifestações do jacobinismo popular em Minas Gerais (1893-1899). São
Paulo: Baraúna Acadêmico, 2010; MUZZI, Amanda. Os jacobinos e a oposição a Prudente de Moraes
186
O terceiro e último modelo republicano era o federalista, de origem
estadunidense. A principal proposta era a república federalista, cujo poder seria
descentralizado entre as províncias. Não se esperava, nem se incentivava a participação
popular. Segundo Carvalho, esse grupo definia “o público como a soma dos interesses
individuais”268, o que justificava sua postura perante o aproveitamento dos recursos
públicos para fins individuais ou de grupos minoritários, como as políticas de proteção
da cafeicultura realizadas pelo governo federal nos anos de 1900. Para Carvalho, esses
republicanos federalistas não questionavam as desigualdades sociais brasileiras, pelo
contrário, aproveitavam-se delas para estabelecer um autoritarismo fundado num
“darwinismo republicano”269, o darwinismo social de Spencer em uma leitura
republicana brasileira.
Segundo Carvalho, os fazendeiros paulistas, “os cafeicultores do oeste
paulista”, adotavam, em geral, o conceito norte-americano de república, fundamentado
no federalismo que se contrapunha ao centralismo do Império. 270. José Ênio Casalecchi
caracterizava os cafeicultores paulistas como dinâmicos, voltados à produção e
envolvidos com o ideal republicano 271. Ele também afirmava que mais de 30% dos
republicanos paulistas eram produtores de café, pregavam o federalismo e defendiam os
interesses dos cafeicultores, definindo, assim, o perfil do movimento em São Paulo.
Em São José do Rio Pardo, a partir da análise do inquérito da revolta,
observamos que não há, nos testemunhos, uma especificação de que tenha sido realizada
uma revolta republicana. Os republicanos mencionam a palavra “povo” valorizando a
reunião de homens em torno do objetivo de prender os pracinhas, mas não utilizam o
na transição entre as presidências militar e civil − 1893-1897. Dissertação de Mestrado em Historia.
Pontifícia Universidade Católica, Departamento de Historia. Rio de Janeiro, 2006, p. 163.
268
CARVALHO, op. cit., 1990, p. 24.
269
CARVALHO, op. cit., 1990, p. 25.
270
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1990.
271
CASALECCHI, José Ênio. O partido republicano paulista: política e poder (1889-1926). São
Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
187
termo revolta. Citam a posição política republicana que adotam em contrapartida à do
capitão Saturnino, não afirmam que fizeram uma revolta para tomar o poder, mas
pegaram em armas e tomaram os edifícios públicos para comandar o poder local, que
estava nas mãos dos liberais. O intuito da tomada do quartel, segundo os depoimentos,
era controlar a ira dos praças e assegurar que ninguém sairia ferido, já que os policiais
estavam agredindo os hóspedes do hotel.
Após a tomada da cidade, os republicanos optaram por voltar atrás e
apresentar o discurso de que estavam apenas restabelecendo a ordem, desfazendo a ação
extrema apresentada anteriormente. Porém, eles mantiveram o termo “povo” na
justificativa de suas ações, como um traço da tendência radicalista presente no primeiro
momento da revolta. Para os pracinhas, eles não mencionam os termos “povo” e
“república”. Ao que tudo indica, o objetivo ao atacarem o hotel era, para muitos dos
pracinhas, apenas, defender e vingar o companheiro de tropa que havia sido agredido.
Não há menção à disputa entre republicanos e liberais, eliminando o aspecto político do
episódio. Por outro lado, eles eram liderados pelos subdelegado e o capitão Saturnino,
liberais e contrários aos republicanos na política local. Assim, para os líderes dos praças
uma represália diante da agressão de Ananias Barbosa para com o cabo Rego era uma
boa oportunidade de mobilizar os soldados e descontar os desaforos dos acontecimentos
de 47 dias antes, quando o candidato liberal esteve na cidade e os republicanos
estenderam bandeiras nas janelas dos vagões do trem.
Ao analisarmos os depoimentos, a menção à palavra „república‟ ou
„republicanos‟ acontece em quatro depoimentos: Doutor Antônio Muniz de Souza,
Honório Luís Dias, Emiliano Ângelo e Ananias Barbosa. A primeira citação é no
depoimento do Doutor Antônio Muniz de Souza que contou
188
(...) e tendo chegado o trem muito retardado, estava a estação digo e
estando na estação muito aglomerada de povo e soldados, ele
depoente aconselhou que a manifestação não passasse de vivas à
REPÚBLICA e a Francisco Glicério272.
Mais à frente ele mencionou que o partido republicano estava crescendo
na cidade e isso incomodava o capitão Saturnino Barbosa. A segunda menção é no
testemunho de Honório Luís Dias, que ouviu os praças gritando “viva a Monarquia,
fora Francisco Glicério e morra a república” após o repique dos sinos. A terceira
menção é de Emiliano Ângelo Contou que ouviu os praças dizerem “morram os
republicanos” e “hoje havemos acabar com os republicanos, beber o sangue deles”. E,
por fim, a quarta citação veio das palavras de Ananias José Ferreira Barbosa. Ele inicia
seu depoimento relatando uma fala do capitão Saturnino Barbosa, anterior aos episódios
dos dias 10 e 11 de agosto. Segundo ele, o capitão afirmou que
logo que subisse ao poder o partido liberal havia de quebrar as
bandeiras do depoente e seus correligionários e acabar com a maioria
do partido republicano desta Vila, pois para isso teria elementos. 273
Durante os embates da noite de 11 de agosto de 1889, Emiliano Ângelo
ouviu os praças dizerem: “dessa corja de republicanos”, referindo-se a eles no hotel
Brasil.
As citações do inquérito são de republicanos e sempre relativas às falas
dos pracinhas que tentavam ofender e agredir, como se a alcunha de „republicano‟ fosse
pejorativa e depreciativa. Apenas a citação referente ao partido tem outro caráter. Nas
fontes, não há uma definição de “republicano”, a não ser na entrevista do coronel que
considera a revolta riopardense como uma “revolução”, cujo intuito era estabelecer a
272
273
SÃO PAULO, op. cit., 1920. (grifos nossos)
Idem.
189
república que traria “a felicidade e a grandeza ao Brasil”, mas essa afirmação foi
escrita anos depois e não indica os objetivos na época da revolta.
Em seus manuscritos e na entrevista, o coronel Manoel Corrêa de Sousa
Lima faz uma escrita de si e constrói para ele próprio a memória de um momento
heroico, de grande importância para a nação, cujos feitos seriam punidos com o exílio
para exemplificar aqueles adeptos da república que insurgiram contra o imperador. O
ideal republicano aparece como um símbolo da liberdade e prosperidade para o país,
mas é um ideal construído na velhice, muito após a proclamação e em dois momentos,
um durante a primeira república e outro já no período Vargas. O coronel Manoel Corrêa
de Sousa Lima reconstrói a revolta e sugere que se seus ideais revolucionários tivessem
sido vitoriosos eles teriam conquistado a “grandeza do Brasil”, mas pesaroso afirma que
acreditava que a república traria esse esplendor que não ocorreu. Diante disso, essas
duas fontes não nos fornecem clareza na especificação dos conteúdos da revolta, pois
têm um caráter de reconstrução da história depois de passados muitos anos, mas, por
outro lado, nos fornecem uma narrativa e informações valiosas acerca da revolta, como
a referência de que a cidade de São José estava “republicanizada” e o hasteamento da
bandeira nos vagões dos trens.
O coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, na entrevista concedida ao
Diário da Tarde, em 1949, ao contar a história da revolta republicana de São José do
Rio Pardo utiliza a palavra república em uma derivada: “A cidade rejubilou-se e a
bandeira republicana foi hasteada nos edifícios públicos”, mais tarde é citada
novamente para referir-se à cidade que estava “republicanizada”.274 Em trecho já citado
anteriormente, ele se autodenomina republicano e ressalta os objetivos da república:
274
É importante ressaltar que a entrevista do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima foi concedida muitos
anos depois, mas a utilização do termo república se parece com a utilizada pelos depoentes no inquérito,
por isso mantivemos a entrevista como fonte. TAVARES, Marcelo Coimbra. “Proclamaram a república
três meses antes do 15 de novembro”. Diário da Tarde, Belo Horizonte, segunda-feira, 24 de janeiro de
1949. Ano, XVIII, num. 0071.
190
“No tempo do império, seu marido REPUBLICANO fervoroso, crente que a forma
REPUBLICANA vinha trazer a felicidade e a grandeza do Brasil”. Afirma que houve
“vários incidentes entre REPUBLICANOS e monarquistas” e que isso levou a uma
“revolução”.”275 Nesse trecho, há uma informação de que eles seriam exilados após a
finalização do inquérito, a abertura do processo e o julgamento do mérito, mas a
proclamação chegou antes disso e o processo não chegou a ser aberto.
As ideias republicanas em São José do Rio Pardo tinham adeptos entre os
cafeicultores, mas eles não se posicionavam dentro da tipologia definida por Carvalho.
Não se encaixavam necessariamente em nenhuma das tipologias, nem entre os
republicanos federalistas, que queriam uma república sem a participação popular, nem
entre os radicais. Talvez se interessassem pelo federalismo, mas isso não fica claro em
nenhuma fonte. Os aspectos ressaltados nos depoimentos são a importância da
participação popular na revolta e o conflito entre republicanos e liberais, tendências
radicais no discurso dos republicanos riopardenses, mas nada que os definisse como tal.
A revolta e a tomada da cidade também seriam uma característica que os aproximava de
suas tendências radicais, já que o radicalismo acreditava na revolução para o
estabelecimento do governo republicano, mas isso não é suficiente para os definirmos
como radicais, apenas para indicarmos que a tipologia não se aplica com eficiência nos
republicanos riopardenses.
Isto
porque, mesmo
que
manifestassem algumas
características radicais e tivessem agido no início da revolta dessa maneira, eles
adquiriram um discurso moderado a partir do momento em que ligaram para as
autoridades casabranquenses para justificar a atitude de aprisionar os praças no quartel.
275
Os manuscritos do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima são datados de 1920. Nele, ele faz uma
escrita de si que delineia a sua versão da revolta. É interessante ressaltar que sendo uma das lideranças,
ele esteve presente no início do inquérito, mas foi substituído por outro participante que era advogado e
deixou o inquérito. Assim, as únicas versões dele que temos sobre a revolta foram traçadas muitos anos
depois, nos manuscritos em 1920 e na reportagem em 1949. LIMA, op. cit., 1920-38, p. 29.
191
Entre as alegorias estabelecidas, identificamos a bandeira e a Marselhesa,
emblemas da propaganda republicana positivista. Nesse sentido, observamos em escala
reduzida que, em São José do Rio Pardo, os republicanos eram paulistas e tinham
algumas tendências radicais e positivistas: tomaram a cidade, relatavam a participação
popular na revolta e ainda dispuseram símbolos republicanos pelas ruas. Ao mesmo
tempo, refrearam as ações rebeldes e eles mesmos entregaram as armas ao império, com
o discurso de que foi preciso os republicanos agirem para conter a força pública. Nesse
caso, a oportunidade de tomada da cidade e proclamação da república foi contida para
se tornar um episódio menor, cuja explicação dada pelos revoltosos era de que havia a
necessidade de uma república para controlar a polícia que o estado imperial não
conseguia fazer.
Diante disso, a tipologia adotada pela historiografia de que os
republicanos paulistas eram federalistas e não aceitavam a participação popular no
movimento não cabe para a revolta republicana riopardense e seus republicanos, porque
eles misturavam comportamentos dos diversos modelos, tornando, assim, a tipologia
pouco eficaz em sua classificação. Não é possível defini-los, mas é possível perceber
que eles não se aplicam à tipologia dada.
4.1 O conflito entre republicanos e liberais
A sociedade riopardense, como uma sociedade complexa, envolve uma
infinidade de valores, categorias e relações que compõem suas experiências e que,
algumas vezes, se contrapõem e se contradizem. Ao observarmos a experiência da
revolta republicana podemos indicar algumas categorias. Na primeira, temos os
símbolos que representam o grupo dos republicanos, em contraposição ao dos liberais.
192
Vamos analisar essa simbologia no contexto para compreender o significado atribuído a
ela. A segunda categoria é a presença do conflito para a constituição das relações
políticas. O conflito ocorre pela transgressão da regra subentendida e pela necessidade
de contraposição dos grupos rivais para dar significado e coerência à disputa. Para
analisarmos essas categorias, vamos utilizar as ferramentas de Mauss e Geertz.
Em São José do Rio Pardo, os republicanos se fortaleciam enquanto um
grupo e se dispunham em oposição aos liberais, que, por sua vez, também, se firmavam
e buscavam sua coesão interna. Essa sociedade fixava seu poder na propriedade da terra
e na produção do café, mas a questão dos republicanos x liberais entrava nesse processo
para modificar e diferenciar os comportamentos e as relações com o poder. A disputa
entre os dois grupos é o quadro político da antiga São José do Rio Pardo e pode ser
observada segundo critérios mais complexos que a escolha por uma tendência política
ou outra, já que expande suas ações para o comportamento cotidiano.
Na concepção de Mauss,
(...) não são indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente,
trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas
morais: clãs, tribos e famílias, que se enfrentam e se opõem seja em
grupos frente a frente, seja por intermédio de seus chefes, seja ainda
dessas duas maneiras ao mesmo tempo. Ademais, o que eles trocam
não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis,
coisas úteis economicamente. São antes de tudo, amabilidades,
banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas,
feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos quais a
circulação de riquezas não é senão um dos termos de um contrato bem
mais geral e bem mais permanente. Enfim, essas prestações e
contraprestações se estabelecem de uma forma sobretudo voluntária,
por meio de regalos, presentes, embora elas sejam no fundo
rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública. 276
A análise de Mauss proporciona ferramentas para explicar o
funcionamento da disputa entre liberais e republicanos em São José do Rio Pardo, isto
276
MAUSS, op. cit., 2003, p. 190-191.
193
para além do significado de ser monarquista ou republicano para os homens do último
quartel do século XIX. Os liberais e os republicanos representam, cada um, o todo de
seu grupo com o conjunto cultural que ele encerra e suas disputas significam a troca
incessante ocasionada pelo descumprimento das regras pré-estabelecidas. Quando os
liberais burlaram a confiança dos republicanos tomando os cargos da Câmara
Municipal, sem respeitar o acordo selado, eles desrespeitaram o princípio da
reciprocidade e causaram a guerra, que também pressupõe um retorno a uma ação de
violência. Assim, ambos os grupos estabeleceram o desrespeito às manifestações
políticas do rival como forma de represália ao descumprimento das regras, o que
ocorreu nos momentos em que cada grupo celebrou sua escolha política com seus
correligionários e que se perpetuou em São José do Rio Pardo em idas e vindas de
retaliações até a proclamação oficial da república brasileira.
Os embates entre republicanos e liberais aconteciam internamente na
sociedade riopardense, mas os indivíduos dos grupos se uniam em questões de outros
interesses quando estavam fora de seus nichos políticos, porém sem eliminar o conflito.
Como a localidade é uma sociedade complexa, os conflitos ultrapassavam as relações de
parentesco e coexistiam com relações de poder fundamentadas na propriedade da terra e
na produção do café, entre outros grupos que reuniam membros republicanos e liberais,
como acontecia com a maçonaria 277 e com as companhias de comércio e transporte
277
A maçonaria e a república, especialmente no oeste paulista é um tema abordado pela bibliografia para
especificar o comportamento dos republicanos paulistas. Alexandre Barata afirma que a historiografia
compreende a maçonaria como uma instituição atuante durante o processo da independência, mas não
durante o processo da proclamação da república. Luaê Carregari Carneiro discorda dessa assertiva e
demonstra a forte atuação maçônica durante as últimas décadas do século XIX, em especial, na província
de São Paulo. Segundo o autor, “(...) a Maçonaria foi uma instituição decisiva no sucesso da organização
do Partido Republicano Paulista, especialmente no que tange à difusão das ideias republicanas na
província de São Paulo e arregimentação de seus membros. Ao proporcionar uma ligação entre as elites
paulistas espalhadas pela província, por meio das reuniões em suas lojas, da divulgação de seu ideário e
do princípio do auxílio mútuo entre os Irmãos, foi fundamental para a estruturação do PRP, com a
filiação de novos membros e sua união, impedindo seu esfacelamento mesmo ao longo dos calorosos
debates sobre a questão escravista. A estruturação da Maçonaria paulista deu-se concomitantemente à
difusão do movimento republicano na província.” A maçonaria não é um grupo coeso e diversas cisões
aconteceram no século XIX. Em 1863, foi formado o Grande Oriente do Brasil, na rua dos Beneditinos,
194
ferroviário. Externa à cidade, a política, aqui entendida como a relação entre os homens,
na concepção arendtiana do termo 278, se compunha a interesses mais amplos que o
controle da Câmara municipal e, muitas vezes, liberais e republicanos agiam juntos para
garantir vantagens para a localidade. Um exemplo disso foi a reunião da Cia. Ramal do
Rio Pardo, composta por liberais e republicanos, cujas decisões definiram estratégias de
transporte na região para promover melhorias econômicas para ambos os grupos. Nesse
momento, os grupos rivais da cidade discutiram, se questionaram e contrapuseram
opiniões, mas acabaram por acordarem entre si e se reuniram em prol de um objetivo
maior.279
Para Geertz,
Uma das coisas que quase todo mundo conhece mas não sabe muito
bem como demonstrar é que a política de um país reflete o modelo de
sua cultura.
(...)
Na corrente de acontecimentos que formam a vida política e a teia de
crenças que a cultura abarca é difícil encontrar um meio-termo. De um
lado, tudo parece um amontoado de esquemas e surpresas: de outro,
uma vasta geometria de julgamentos estabelecidos. É extremamente
em São Paulo, que se separou do Grande Oriente do Brasil, na rua do Lavradio, no Rio de Janeiro, por
causa de divergências na eleição do Grão Mestre. Em maio de 1872, foi formado o Grande Oriente Unido
com a reunião dos dois grupos, mas em setembro eles se separaram novamente. Mais tarde, formaram os
Grandes Orientes estaduais autônomos. Há um consenso de que o grupo paulista seguia a tradição
francesa, de caráter político, e era formado por republicanos. O carioca era composto por monarquistas e
compreendia a maçonaria como uma instituição filantrópica. Essas duas vertentes já indicavam aspectos
das contradições da ordem que levaram à separação. Segundo Barata, a maçonaria cresceu muito em São
Paulo com o aumento do número de lojas e os maçons paulistas se efervesciam em discussões sobre a
república, cujo papel central era reservado às questões do federalismo e das liberdades individuais.
Carneiro afirma que muitos republicanos eram maçons, como Bernardino de Campos, Campos Sales,
João Tibiriçá Piratininga, Prudente de Morais, Francisco Glicério, entre outros. Glicério foi iniciado na
loja Independência em Campinas e participava das movimentações das lojas Piratininga, na capital
paulista, e América. Em São José do Rio Pardo, a loja foi criada após a revolta republicana; antes disso, a
loja maçônica mais próxima era a de Casa Branca, composta, provavelmente, por monarquistas e
republicanos. Entre os participantes da revolta, sabemos com certeza que o coronel Manoel Corrêa de
Sousa Lima e Francisco Glicério eram maçons, mas não conseguimos apurar outros nomes. É importante
explicitar o envolvimento da maçonaria no movimento republicano e a coincidência de dois líderes da
revolta serem maçons. Como não temos mais informações além dessas, sugerimos que esse é um tema a
ser estudado com mais cuidado no futuro. BARATA, Alexandre Mansur. “Os Maçons e o Movimento
Republicano (1870-1910)”. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v. 1, n. 1, 1995; CARNEIRO,
Luaê Carregari. “A Maçonaria e o Partido Republicano Paulista (1868 – 1889)”. Anais do XIX Encontro
Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro
de 2008. Cd-Rom; DOCUMENTO de elevação de grau maçônico. Igarapava/SP. Arquivo Privado.
278
ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2007.
279
Cia Ramal Férreo do Rio Pardo, op. cit., 8 dez 1887.
195
obscuro o que une esse caos de incidentes a esse cosmos de
sentimentos, e como formulá-lo torna-se ainda mais obscuro. Acima
de tudo, o que a tentativa de ligar a política à cultura precisa é de uma
perspectiva menos ansiosa da primeira e uma perspectiva menos
estética da última.
(...)
A cultura, aqui, não são cultos e costumes, mas as estruturas de
significado através das quais os homens dão forma à sua experiência,
e a política não são golpes e constituições, mas uma das principais
arenas na qual tais estruturas se desenrolam publicamente. Com essa
reformulação das duas – cultura e política – passa a ser um
empreendimento mais praticável determinar a conexão entre elas,
embora a tarefa não seja modesta.280
O conflito entre liberais e republicanos em São José do Rio Pardo, tanto
no contexto da política como no do convívio entre os homens, demonstra onde na
cultura local se situava a “arena” de disputa entre as categorias culturais coexistentes.
Nesse sentido, a revolta republicana riopardense é um efeito desse processo conflituoso
cuja manifestação se deu a partir das escolhas dos atores em se posicionarem com um
grupo ou outro e se disporem a defender o conjunto político do grupo escolhido.
Diante disso, como exemplos dessas escolhas em São José do Rio Pardo,
temos símbolos281 que identificam, no processo da revolta republicana, a posição e as
opções adotadas pelos republicanos. Esses signos foram usados para afrontar os
opositores liberais, indicando a inserção desses significados na cultura local, o que
sugeria certo enraizamento das ideias republicanas282, já que o uso do símbolo só fazia
sentido se fosse compreendido pela população. Como eles foram usados na cidade,
provavelmente, eles tinham significado para os moradores de São José do Rio Pardo. Os
280
GEERZT, op. cit., 2008, p. 136-137.
O símbolo é um signo que representa algo e é apreendido individualmente por aquele que o vê, porém
sua apreensão acontece a partir da herança cultural e do conjunto de vivências daquele indivíduo, ou seja,
para compreender um símbolo, o indivíduo lança mão de suas categorias coletivas culturais. Nesse
sentido, os indivíduos na sociedade riopardense conheciam os símbolos republicanos, indicando que eram
capazes de compreendê-los. RIBEIRO, Emílio Soares. Um estudo sobre o símbolo, com base na
semiótica de Peirce. Estudos Semióticos. [on-line]. Vol 6, n° 1, São Paulo, jun. 2010, p. 46-53.
Disponível em <http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es/eSSe61/2010esse61-esribeiro.pdf> Acesso em 02
out 2014.
282
É importante lembrar que o enraizamento das ideias republicanas não representa a adesão a elas, mas o
conhecimento de que elas existiam e permeavam o conjunto cultural local.
281
196
ícones adotados pelos republicanos riopardenses eram a Marselhesa e a bandeira Júlio
Ribeiro. Segundo José Murilo de Carvalho, a Marselhesa era o hino dos republicanos
brasileiros, que a entoavam em todas as manifestações como um símbolo da revolução e
da república. Tinha um caráter jacobino por sugerir a revolução 283, mas era adotado pelo
movimento como um todo. Segundo Carvalho, o hino simbolizava para os republicanos
brasileiros “o próprio espírito da revolução”.284 Em São José do Rio Pardo, a
Marselhesa foi cantada pelas ruas da cidade com o intuito de afrontar os liberais e, ao
mesmo tempo, representar a liberdade, a revolução e a república. Foi entoada em um
duelo entre a banda da cidade que homenageava o candidato liberal e a banda da
Sociedade Italiana que comemorava o lançamento de sua pedra fundamental.
Outro símbolo foi a bandeira Júlio Ribeiro, criada pelo abolicionista e
republicano Júlio César Ribeiro Vaughan, em 16 de julho de 1888, para ser a bandeira
republicana do Brasil e era um dos signos adotados pelos republicanos paulistas. Os
republicanos riopardenses estenderam-na nas janelas dos vagões, no dia da visita do
candidato liberal à cidade, com o intuito de ressaltar a escolha dos riopardenes pela
república. Na noite da revolta, foi hasteada nos prédios públicos e estendida na janela do
sobrado do republicano Honório Luís Dias, indicando a tomada do poder.
Esses símbolos, então, permeavam o conjunto cultural do grupo
republicano riopardense, reunindo aspectos das três tipologias discriminadas pela
bibliografia relativa. Eram compreendidos pelos liberais como uma ofensa, construindo,
assim, signos para incentivar e manter o processo de disputa entre os grupos. A partir do
momento que eles eram dispostos nas ruas das cidades e identificavam os grupos
políticos locais, qualquer indivíduo que estivesse envolvido com aquela micro cultura
era capaz de apreendê-los. Nesse sentido, sabemos que esses símbolos eram também
283
284
CARVALHO, op. cit., 1990, p. 122-123.
CARVALHO, op. cit., 1990, p. 124.
197
conhecidos pelo povo que vivenciava a cultura local e sabia identificar seus signos. Isso
quer dizer que havia um conhecimento sobre a república e quem eram seus adeptos em
São José do Rio Pardo, o que não significava que o povo era republicano, mas indicava
algum enraizamento das ideias republicanas.
Ao analisarmos a cultura e a política riopardenses podemos observar as
categorias referentes aos significados das escolhas e adesões dos riopardenses e como
isso se manifestou no último quartel do século XIX. Essas escolhas fazem parte das
brechas que existem nos “sistemas normativos”, que são os conjuntos de regras sociais e
culturais que definem o comportamento de um grupo. Giovanni Levi acredita que os
“sistemas normativos”285 que regem as sociedades não são completos e permitem a
participação do indivíduo. Essa ação individual é fundamentada na liberdade que o
autor admite como própria do humano. É a partir dessa liberdade que cada indivíduo faz
suas opções, diante dos sistemas socioculturais em que está inserido e das contingências
da vida. Para Levi, essa liberdade move a sociedade e modifica as culturas. 286
Em São José do Rio Pardo essa liberdade está presente nas escolhas
feitas pelos atores da revolta riopardense, as quais se fundamentam nas estratégias de
sobrevivência dentro do sistema normativo. Dentro desses critérios, o grupo chamado
de “povo” no inquérito, formado por indivíduos, se comporta a favor dos republicanos.
A principal questão relativa à atuação desse grupo na revolta é se eles eram
republicanos, ou seja, se conheciam as ideias e as adotavam como opção política. A
partir da presença da simbologia republicana e do reconhecimento que a sociedade fazia
desse conjunto de signos, é possível perceber que esses símbolos pertenciam ao sistema
normativo riopardense, indicando que o “povo”, mesmo que formalmente distante das
285
LEVI, Giovanni. “Sobre a micro história.” In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 133-161.
286
LEVI, op. cit., 1992.
198
eleições, conhecia o conflito entre republicanos e liberais, os signos da cada identidade
política e se posicionava perante isso. Giovanni Levi afirma que
Não se pode negar que há um estilo próprio a uma época, um habitus
resultante de experiências comuns e reiteradas, assim como há em
cada época um estilo próprio de grupo. Mas para todo indivíduo existe
também uma considerável margem de liberdade que se origina
precisamente das incoerências dos confins sociais e que suscita a
mudança social. 287
Nesse sentido, essa “margem de liberdade” foi exercida pelo “povo” de
São José do Rio Pardo ao se dispor a acompanhar os republicanos. É importante
ressaltar que ao segui-los, esse “povo” não estava necessariamente aderindo à república
ou se tornando republicano, mas optando pelo grupo local que era republicano.
Outro aspecto da disputa era a propaganda, um recurso que os adeptos da
república utilizaram para difundir a doutrina, especialmente após o manifesto em 1870.
Essa divulgação era feita a partir de artigos de jornais, livretos, conferências e palestras.
Silva Jardim era um desses divulgadores, que viajavam pelo interior para falar sobre a
doutrina. Ele, muitas vezes, se indispôs com as lideranças do partido republicano,
especialmente com Quintino Bocaiuva, por ser mais radical em sua conduta e travar
ácidas discussões com monarquistas. Ele acreditava em um republicanismo de matriz
positivista e na necessidade de uma ditadura para o estabelecimento da república.
Silva Jardim menciona a revolta riopardense como um “caso eleitoral”
em que foi necessária a reação dos republicanos, prendendo a “autoridade monárquica”
e ressaltando o republicano paulista como defensor seus direitos. 288 Outro propagandista
287
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERRREIRA, Marieta; AMADO, Janaína (orgs). Usos e
abusos da história oral. 8ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 167-182.
288
SILVA JARDIM, Antônio; BARBOSA LIMA SOBRINHO. Propaganda republicana, 1888-1889:
discursos, opúsculos, manifestos, e artigos coligidos, anotados e prefaciados por Barbosa Lima
Sobrinho. Rio de janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1978.
199
da república era Francisco Glicério, que também se dispunha a esse fim e viajava em
campanha pelo país. Sua ida a São José do Rio Pardo fez parte de sua campanha. 289
Sobre a cidade, não encontramos fontes em que Francisco Glicério
mencionasse a revolta republicana, apenas menções de terceiros à participação dele no
episódio.290 Em suas correspondências passivas, há a carta de Ananias Barbosa datada
de 11 de abril de 1889, cujo conteúdo não cita qualquer ação relativa à revolta, apenas
cumprimenta o candidato pela atividade republicana. Essa ausência de fontes poderia
indicar que ele não tinha orgulho da participação na tomada da cidade ou desprezava o
evento como parte do movimento republicano. Como não encontramos dados com a
opinião de Glicério ou sua versão sobre São José do Rio Pardo, não há como
compreender seu papel na revolta. Podemos, apenas, lidar com o que sua figura
representava no movimento republicano e para os liberais.
Seu papel de propagador transformava-o em um dos ícones da
propaganda e do movimento republicano. A chegada do político a São José do Rio
Pardo significou mais uma afronta para com os liberais e, como os republicanos haviam
disposto as bandeiras nas janelas do trem semanas antes, os liberais se prontificaram a
retaliar o encontro, dando manutenção ao sistema político de conflito interno. Enfim, a
presença de Francisco Glicério em São José do Rio Pardo catalisou esse processo
conflituoso previamente estabelecido, levando à agressão e à tomada da cidade.
O que podemos perceber a partir da redução da escala em São José do
Rio Pardo é que havia um enraizamento das ideias republicanas na população local.
Para os letrados, o republicanismo já estava muito difundido e era apreciado e, muitas
289
WITTER, José Sebastião (org). Ideias políticas de Francisco Glicério: cronologia, introdução,
notas bibliográficas e textos selecionados. Rio de janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Brasília:
Senado Federal, 1981.
290
Na obra organizada por José Sebastião Witter: “Ideias políticas de Francisco Glicério”, o organizador
cita na cronologia biográfica de Francisco Glicério seu envolvimento com a revolta republicana
riopardense. “Candidato a deputado geral por São Paulo. Vencendo primeiro escrutínio e perde no
segundo. Durante a campanha eleitoral, é assaltado por um bando de capangas armados na cidade de
São José do Rio Pardo.” WITTER, op. cit., 1981, p. 17.
200
vezes, exaltado. Entre os italianos urbanos, a ideia era bastante conhecida e talvez
tivesse sua acolhida, já que apesar da não adesão oficial ao movimento, era a banda
italiana que entoava a Marselhesa, símbolo republicano, indicando que os italianos
conheciam a república e reproduziam seu símbolo principal. Para o povo,
“trabalhadores estrangeiros e nacionais”, o conflito entre republicanos e monarquistas
que acontecia na cidade desde a sua fundação fazia parte da cultura local e se
manifestava a partir de signos. Tanto o conflito, como seus símbolos eram conhecidos
da população e indicavam os lados a serem escolhidos. Assim, a participação na revolta
era uma escolha estratégica de acompanhar os patrões e padrinhos republicanos, em
detrimento aos praças e aos liberais monarquistas. Não significava tornar-se
republicano, mas optar por acompanhá-los.
Mais que obedecer às ordens de seus patrões e padrinhos, os homens
armados eram de um líder ou de outro, como afirmou Saturnino, reproduzindo um
sentimento de proteção mútua que garantia e mantinha a relação de mandonismo 291
presente na localidade. O conhecimento das ideias republicanas e a participação popular
na tomada da cidade poderiam ser fruto da liderança dos republicanos, mas também
reproduziam um conjunto cultural local pelo qual o “povo” se posicionou.
A suposição contrária, de que a população desconhecia a república,
representaria também que desconhecia o conjunto cultural político da sociedade
riopardense, mas para que isso acontecesse, ela precisava ser completamente alienada e
distante de todas as histórias e vivências da cidade, o que implicava em não participar
da cultura local, o que parece improvável. Seria inusitado que homens ali radicados
antes da chegada dos italianos e que conviviam com os imigrantes desconhecessem as
relações políticas e sociais a que estavam subjugados.
291
CARVALHO, op. cit., 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 31 ago 2008.
201
O mesmo pode ser dito para os imigrantes que chegaram e estavam há
dois anos envolvidos com a cidade, como esses populares, já radicados há mais tempo e
convivendo com o conflito. Nesse sentido, havia um significado da participação no
movimento que se relacionava com a liderança dos republicanos e, também, com o
conhecimento de que defendiam os republicanos em detrimento dos liberais.
4.2. As visões de povo na revolta republicana
As discussões sobre o povo brasileiro estão presentes em diversos
momentos de nossa historiografia. A preocupação se o Brasil tem um povo ou não e, se
tem, quem compõe esse povo e como ele se comporta é recorrente em diversos autores.
Essas análises se intensificam quando os autores se dedicam a períodos chave da
história política brasileira, como a independência, a proclamação da república, o fim da
ditadura militar, entre outros. Vamos nos ater ao período de transição que culminou na
proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. As discussões sobre o conceito
de povo relativas a esse momento da história brasileira nos auxiliam na compreensão da
participação popular na revolta riopardense.
José Murilo de Carvalho analisa a frase de Aristides Lobo “o povo
assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”292 que
se referia à proclamação da república e ao comportamento do povo, o qual não se
manifestou perante a mudança de governo. Carvalho tenta compreender em que medida
esse “povo” “bestializado” se comportava e se encaixava na política nacional a partir da
Revolta da Vacina.
292
LOBO, Aristides, carta enviada ao O Diário, em 15 de nov. de 1889. Apud.: BASBAUM, Leôncio.
História sincera de república das origens até 1889. 3ed. São Paulo: Editora Fulgor Limitada, 1967.
202
Carvalho, ao analisar a participação popular na Revolta da Vacina no Rio
de Janeiro, encontrou um povo sem cidadania e distante do governo. Esse povo havia
constituído uma série de sociedades e comunidades que criaram laços fora da política
institucional e que contribuíram para o desencadeamento da revolta. Outro fator que
levou à insatisfação foi o distanciamento entre a maioria da população e o governo, que
era aceitável para esse “povo” quando essa distância se aplicava à figura do imperador e
dentro da monarquia, mas não se sustentava em um governo republicano. 293
Para Carvalho, o momento de transição da monarquia à república é o
ideal para perceber o papel do povo na política brasileira, porque o regime que se
instaurava tinha como proposta trazer o povo para o governo, mas não foi o que
ocorreu. A república, segundo Carvalho, se consolidou sem a participação do “povo” e
com pouca atuação eleitoral, já que as eleições se configuravam em fraudes e
combinados.294 Por outro lado, o povo não ficou “bestializado” perante as ações dos
governantes quando as medidas governamentais se referiam diretamente a suas vidas
cotidianas, famílias e casas, indicando que havia reação por parte da população perante
aquilo que trazia transtornos para suas vidas.
José Ênio Casalecchi compara a reação popular paulista e fluminense
perante a proclamação da república e, segundo ele, o povo paulista ficou mais “atônito”
e “bestializado” que o fluminense.
A partir das palavras de Campos Salles que
descreveram a notícia da proclamação, Casalecchi afirma que havia um distanciamento
entre os republicanos e o povo.
Maria Tereza Chaves de Mello concorda com a assertiva de Carvalho
acerca da ausência do apoio popular à república, mas ameniza a relação do povo com o
293
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo:
Cia das Letras, 1987.
294
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ed.
São Paulo: Cia das Letras, 2005.
203
novo regime. Para ela, a propaganda republicana salientou a crise do sistema e construiu
um imaginário negativo sobre a monarquia, o que acabou por criar uma expectativa
positiva para a república, que a autora chama de “consentida”, para transformá-la em
um símbolo do novo e do avançado.295
José Murilo de Carvalho, em continuidade a sua pesquisa e na tentativa
de compreender o conceito de povo no período de transição da monarquia para a
república e na primeira república, estuda “os três povos da república”. O primeiro, que
ele denomina “povo das estatísticas”, é analisado a partir dos números dos censos
disponíveis de 1872 e 1920. O autor utiliza o trabalho de um biólogo francês que
contabilizou, no ano de 1881, o censo de 1872 para conhecer a população em números.
Ele discriminou a sociedade brasileira em índios e escravos com dois milhões e meio;
agregados, caipiras, capangas, capoeiras e beberrões com seis milhões; comerciantes,
funcionários, criados e artesãos com dois milhões e, por fim, quinhentos mil
proprietários de escravos. Diante desses números, o francês concluiu que o “Brasil não
tem povo”296. A assertiva de que o Brasil era um país sem povo vinculava-se ao ideal de
povo europeu, participativo, que se envolve na política e age como cidadão.
O segundo, “o povo das eleições”, eram os eleitores, que correspondiam
a uma pequena parcela da população brasileira. Esses números eram reduzidos porque
só podiam votar aqueles que tinham uma renda mínima e eram alfabetizados. Como os
índices de alfabetização eram baixos no Brasil da primeira república, o número de
eleitores era pequeno perante a população. Esse número se reduzia ainda mais diante
das abstenções de voto, que ocorriam com frequência.
295
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república consentida: cultura democrática e científica do
final do Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Edur), 2007.
296
COUTY, Louis. “A escravidão no Brasil”. p. 102. Apud.: CARVALHO, José Murilo de. “Os três
povos da república”. In.: CARVALHO, Maria Alice Resende de (org). República no Catete. Rio de
Janeiro: Museu da República, 2002, 61-87.
204
Por fim, o terceiro povo, “o povo da rua”, era representado pelas
multidões que se agitaram em contestações contra o governo, mas sem um
direcionamento político específico. Esse povo foi responsável por uma série de
manifestações e revoltas durante a primeira república. Agiam sem ordem e sua
composição,
segundo
Carvalho,
“nas
cidades era de militares,
operários,
trabalhadores. No campo, era de beatos e bandidos.”297
Em São José do Rio Pardo, o povo foi especificado pelos depoimentos do
inquérito da revolta republicana riopardense e a partir da narrativa da revolta feita por
um de seus participantes para um jornal, em 1949. A entrevista, concedida em seu
aniversário de 90 anos, era uma escrita de si em que o personagem, um dos líderes da
revolta, refazia seus feitos narrando a participação popular, mas sem deixar de lado a
liderança exercida por ele e outros que compartilharam daquele momento com o
entrevistado. Mencionamos essa reportagem porque a utilização do termo “povo” pelo
entrevistado, coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima, se aproxima da que apuramos nos
depoimentos do inquérito, contemporâneo aos acontecimentos.
Na entrevista que o coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima deu para o
Diário da Tarde, ele afirmou que quando um dos praças resistiu à prisão, “atirando
sobre o povo. A massa popular reagiu à bala.”298 Ele citou a palavra “povo”, cujo
significado correspondia ao conjunto das pessoas que protestava contra os soldados.
Junto à palavra, ele colocou a expressão “massa popular”, enfatizando o “povo” como o
aglomerado de pessoas sob um mesmo objetivo. O termo se assemelha às considerações
do conceito do terceiro povo adotado por José Murilo de Carvalho, “o povo da rua”,
mas, ao mesmo tempo, tinha o caráter de um povo que reagia à ação da polícia.
297
CARVALHO, José Murilo de. “Os três povos da república”. In.: CARVALHO, Maria Alice Resende
de (org). República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2002, 61-87.
298
TAVARES, Marcelo Coimbra. Proclamaram a república três meses antes do 15 de novembro. Diário
da Tarde, Belo Horizonte, 24 fevereiro, 1949, p. 1 e 5. (grifos nossos)
205
No inquérito da revolta republicana riopardense, os termos “povo” e
“pessoa” são utilizados para descrever os atores da revolta.
299
A primeira citação de
“povo” acontece no primeiro depoimento, dado por Izidoro Vannucci, quando o termo é
usado para definir o conjunto das pessoas do lado de fora da casa do italiano.
Disse que estando em sua casa as sete horas da manhã e ali apareceu o
Capitão Saturnino Barbosa e foi lhe entrando por sua casa adentro a
penetrar-lhe num quarto no centro onde dorme sua família,
incontinente começou aglomeração de POVO em sua porta, teria
entrado após o mesmo capitão Valentino um preto armado de uma
espingarda que parecia perseguindo, tanto que entrou sem
consentimento dele depoente que a seus esforços conseguiu pô-lo para
rua ato em que o Capitão pediu a ele depoente que mandasse chamar a
Manoel Corrêa Lima que fazia parte do POVO que se aglomerou na
porta, logo depois entrou o Doutor Muniz de Souza para aqui pedirlhe licença a fim de entender-se com o referido Capitão e logo depois
saiu ele, Doutor Muniz, de braço com o Capitão Saturnino e diziam
todos que ele estava preso, e outros pediam para que não lhe fizessem
mal e ele depoente viu que o conduziram para o sobrado de Honório
Dias, (...).300
Novamente, o povo é citado no depoimento do Doutor Antônio Muniz de
Souza, republicano, mas nesse caso ele tem um caráter um pouco mais político
militante, já que esse “povo” aguardava a chegada de Francisco Glicério na estação
ferroviária.
(...) que ele depoente e seus amigos foram a estação em corporados 301
e com banda de música, e tendo chegado o trem muito retardado,
estava a estação digo e estando na estação muito aglomerada de
POVO e SOLDADOS, ele depoente aconselhou que a manifestação
não passasse de vivas à república e a Francisco Glicério, (...)302
Nessa passagem, os termos “povo” e “soldados” têm sentido
contraditórios, sendo que os soldados não fazem parte do povo, e povo é mais que
299
SÃO PAULO. Processos Policiais. Arquivo permanente do Arquivo Estadual de São Paulo.
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
301
O termo está escrito dessa forma, mas acreditamos que tenha o sentido de incorporado, em conjunto,
em grupo.
302
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
300
206
pessoas comuns, eram pessoas que aguardavam o propagandista da república. No
mesmo depoimento, o Doutor Muniz de Souza cita novamente o “povo”:
Disse mais que ele depoente saindo a rua dirigiu-se ao hotel, e
verificou a realidade do dano, que indo para a estação telegrafou às
autoridades, pedindo providências, soube que elas já haviam sido
solicitadas por seus amigos, e que estavam presos em casa do cidadão
Honório Dias pelo POVO e a ordem do Chefe de Polícia, o
subdelegado e o oficial de justiça João Arnaldo, que ele depoente tem
certeza de ser um dos agressores de sua casa, por ter sido visto na
ocasião da agressão por muitas pessoas, pela firmação das praças que
o acompanharam em tão selvagem intento (...)303
Esse “povo”, citado duas vezes no depoimento, foi quem prendeu o
capitão Saturnino Frauzino Barbosa na casa de Honório Dias, mas não há uma descrição
de quem eram essas pessoas para a testemunha. Continuando o depoimento, ele afirma
que “um grupo de populares havia dado voz de prisão ao capitão Saturnino Barbosa”,
atribuindo-lhe a autoridade pelos acontecidos da noite anterior. O “povo” e “grupo de
populares” aparecem como sinônimos, sendo os responsáveis pela prisão. Mais tarde,
ele denomina de “pessoas do povo” aqueles que foram advertidos por ele e outros
senhores para agirem com cautela.
Em outro depoimento, do Doutor Geraldino da Silva Campista,
republicano, o termo povo aparece de uma forma um pouco diferente: “pessoa do
povo”.
Mais tarde soube por PESSOA DO POVO que também a sua casa
assim como a de outros correligionários tinha de ser agredida;
conduziu então sua família para a casa do cidadão Honório Dias ai em
companhia do cidadão Francisco Glicério, Doutor Mercado e outro
trataram de providenciar meios de defesa chamando seus
correligionários que residem nas fazendas assim como o pessoal que
pudessem dispor.304
303
304
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
SÃO PAULO, op. cit., 1889.
207
Essa “pessoa do povo” pode tanto ser um popular ou um dos líderes que
compunham o conceito de povo para alguns dos depoentes. O Dr. Geraldino Campista
afirmou, ainda, que Honório Dias, Francisco Glicério, Dr. Mercado, ele próprio e outros
que contiveram “o POVO que a todo transe procurava reagir contra as autoridades
policiais.”305 O mesmo momento descrito do coronel Manoel Corrêa de Sousa Lima na
reportagem de 1949 é revisitado para explicarmos o conceito de povo, que, nesse caso,
enfatiza a ideia de coesão das pessoas que se reuniam em torno de uma causa,
independente de qual grupo social a que faziam parte.
Corroborando com esse conceito, o depoente, Dr. Geraldino Campista,
enumera os grupos que formavam o “povo”, ou aqueles que prenderam o capitão
Saturnino. O povo era composto “por PESSOAS capazes, trabalhadores estrangeiros e
nacionais e outras PESSOAS qualificadas”, sendo que o Dr. Muniz, o Dr. Mercado e
“outras PESSOAS distintas” levaram o capitão para a casa de Honório Dias. Nessa
descrição podemos identificar cinco categorias: pessoas capazes, pessoas qualificadas,
pessoas distintas, trabalhadores estrangeiros e trabalhadores brasileiros. “Pessoas
capazes” são diferentes de “pessoas qualificadas”, mas as “pessoas distintas” podem
compor a soma desses dois grupos ou ser um terceiro conjunto. Ele enumerou dois
doutores na mesma frase, sugerindo que pertencessem a categoria dos qualificados. Os
“capazes” e os “qualificados” se diferenciam pela capacidade de realização de tarefas
dos primeiros, em contrapartida à qualificação pessoal dos segundos, especificando uma
gradação subentendida entre os dois, já que a qualificação é um esmero da capacidade,
discriminando as características de dois grupos que se aparentam próximos, mas são
distintos.
305
SÃO PAULO: 1889, grifos nossos.
208
O depoimento ainda diferencia os “trabalhadores estrangeiros”,
provavelmente, em maioria italianos e entre os brasileiros, muitos deles, possivelmente,
ex-escravos. Esses trabalhadores não se enquadram no conceito de pessoas capazes,
qualificadas ou distintas, eram apenas trabalhadores, constituindo, assim, um conjunto à
parte do composto pelas “pessoas”. Nesse sentido, as “pessoas” são aquelas conhecidas
do depoente, aqueles que ele conhece a capacidade, qualificação e distinção. Já os
trabalhadores, ele os identifica atrelado a algum patrão, mas não lhes oferece o conceito
de pessoa. Eles são um extrato social que não se distingue, a não ser pela nacionalidade,
que poderia, provavelmente, ser percebida pela cor da pele. Por fim, independente da
situação social dos participantes, todos esses grupos eram formadores do “povo”.
Nos depoimentos dos atores não republicanos, o termo povo só aparece
nas palavras do capitão Saturnino Barbosa, liberal preso no dia como mandante dos
ataques ao hotel. Ele afirma:
Respondendo-lhe o depoente que era um despotismo e não passava de
uma vil vingança de seus inimigos políticos que por mera suposição
queriam vingar-se por esta forma, além disto protestava contra a
palavra POVO por que do grupo que o rodeava só via meia dúzia de
seus inimigos políticos que o comandava e o resto compunha-se de
gentes desconhecidas, pretos, italianos e mais caboclos, antes de
terminar este diálogo entrou no lugar o Dr. Muniz de Souza e declarou
ao depoente que estava preso em nome do POVO, querendo o
depoente ter as mesmas explicações com este último não lhe foi
permitido, apenas promessas de garantia de sua vida. 306
Segundo ele, quem o atacou e prendeu eram seus inimigos políticos
comandando o povo e o resto era “gentes desconhecidas, pretos, italianos e mais
caboclos”. Para ele, esse conjunto não podia ser considerado povo porque o depoente os
considerava subalternos na hierarquia social e não mereciam esse conceito. Assim,
podemos perceber que “povo” era um conceito restrito, composto por aqueles que não
306
SÃO PAULO, op. cit., 1889. (grifos nossos)
209
eram caboclos, pretos e italianos, constituindo-se, então, de votantes e, nesse caso, esses
eleitores eram comandados por seus inimigos políticos. Sendo o depoente monarquista
liberal, não havia “povo” porque o conjunto era formado por desconhecidos, negros,
estrangeiros e inimigos políticos – os republicanos.
As testemunhas envolvidas com a revolta ou o movimento republicano
sempre mencionavam a palavra “povo” para se referir àqueles que se aglomeraram em
frente à casa de Vannucci e levaram o capitão Saturnino para a casa de Honório Luís
Dias, independente de como categorizavam o aglomerado. Já as testemunhas não
adeptas claramente à república e os praças não mencionaram a palavra “povo”, apenas
“pessoas”, retirando da ação ocorrida a característica política e, ao mesmo tempo,
enfatizando que o termo “povo” tinha uma conotação política.
Para salientar esse argumento, no depoimento do tenente Paulino
Cândido Furquim de Campos, ele menciona que estava à porta de sua casa e viu se
aproximar “entre trezentas e quatrocentas PESSOAS” entre elas os doutores Muniz de
Souza, Campista, João Gomes, Luís Nery de Souza, Ananias Barbosa e Francisco
Eduardo Bessa. Os doutores são definidos como “pessoas” e estão no mesmo patamar
dos outros que compõem as centenas vislumbradas por ele. Em momento algum o
tenente menciona o termo “povo”, mas ele definiu como “pessoas” todos os que vinham
pela rua, colocando em igualdade os doutores com o resto do grupo. Nesse caso, ao
contrário do que fez o capitão Saturnino Barbosa, ele compreendeu que as “gentes
desconhecidas, pretos, italianos e mais caboclos” faziam parte do mesmo conjunto que
os doutores.
Novamente o termo “pessoas” aparece nos depoimentos. Antônio Luís de
Souza afirma que o capitão Saturnino e o subdelegado José Honório
210
procuravam por todos os meios a acomodarem as praças e convencer
que elas deviam se deixar ficar no quartel, visto que as praças estavam
muito exaltadas e diziam que queriam tomar uma desforra das
PESSOAS que no hotel Brasil tinham ofendido o seu camarada cabo
Rego.307
Os que estavam no hotel Brasil eram os republicanos da cúpula política
da cidade que receberam Glicério e celebraram com ele durante o jantar. Eles eram
pessoas e não “povo”. Em outros depoimentos dos praças, não há menção à palavra
“povo”, só “pessoas”. O cabo Rego, protagonista da revolta, cita “PESSOAS do grupo
de Ananias” e os termos “paisanos”, “civis” e “companheiros de Ananias” são
recorrentes em todas as testemunhas. João Antônio Ferreira cita alguns nomes que
compunham esse conjunto de pessoas: Ribas, o vendedor de máquinas, João Sílvio e o
músico Sabino. José Cândido Firmino cita o preto Domingos de tal e os italianos José
Guecia e Vicente marceneiro.
Por fim, há uma contraposição entre o conceito de “povo” para os dois
grupos atuantes na revolta. Para os republicanos, as lideranças e seus capangas e
empregados compunham o “povo”, independente de esses subalternos estarem
politicamente envolvidos com o movimento republicano ou com a proclamação local.
Como não temos os depoimentos desses homens, não sabemos o que eles pensavam da
república. Os únicos claramente republicanos que não eram lideranças e que foram
ouvidos no inquérito eram italianos, como Izidoro Vannucci, mas que estariam na
concepção do Dr. Geraldino Campista entre os “capazes”, já que Vannucci era
comerciante dono de uma venda na cidade. Entre os liberais e pracinhas, o capitão
Saturnino foi único que usou o termo “povo”, com o intuito de explicar que inimigos
políticos, negros e imigrantes não poderiam ser considerados povo.
307
São Paulo, op. cit., 1889. (grifos nossos).
211
Diante disso, a pergunta que deve ser feita é: quem compõe o “povo”?
Eles são os anônimos. Não foram chamados para depor no inquérito nem identificados
nos depoimentos e, provavelmente, também não eram eleitores, o que dificulta nomeálos individualmente porque não estão nas listas do Arquivo da Câmara de São José do
Rio Pardo. Foram descritos como a “multidão” ou o “povo que se aglomerava” e em
outro momento como “trabalhadores da roça nacionais e estrangeiros”. Essa
informação nos esclarece um pouco quem era esse “povo” e qual a relação dessas
pessoas com os líderes da revolta. Eram de origem italiana e brasileira, empregados dos
fazendeiros. Foram chamados para proteger os republicanos – seus patrões. Não há
como saber o que pensavam esses homens porque eles não foram ouvidos, o que temos
sobre eles é que estavam insatisfeitos, queriam agredir o capitão Saturnino Barbosa,
atacaram e renderam os praças a mando das lideranças e sem derramar sangue.
Há três hipóteses para o comportamento desse grupo. Na primeira, eles
poderiam estar apenas respondendo ordens e, nesse sentido, não agiam em função de
suas opiniões. Na segunda hipótese, sugerimos que houvesse uma insatisfação prévia
desse grupo com os liberais, o chefe da Câmara, o subdelegado e os praças que,
provavelmente, agiam com agressividade com a população, como André Rosemberg
afirma que era comum no comportamento da polícia 308. Na terceira hipótese, esse grupo
seria republicano, assim como seus patrões, e se prontificaram a defender a república.
Na primeira hipótese, ao definirmos que o “povo” apenas respondia às
ordens dadas, eliminamos sua individualidade. Isso exclui deles a atuação como agentes
de sua própria história e sua adesão a ideias e pensamentos próprios. Não podemos
pensar nos personagens dos grupos mais empobrecidos da sociedade riopardense e
subordinados aos grupos abastados como se eles não tivessem vontade ou pensamentos
308
André Rosemberg explicita as divergências entre praças e as populações de menor poder aquisitivo em
São Paulo, afirmando que os praças eram agressivos e violentos com esses grupos. ROSEMBERG, op.
cit., 2010.
212
próprios que os definiam enquanto seres culturais.309 Se esses homens agissem apenas
como obedientes servidores dos cafeicultores republicanos não seriam, então, “povo”
nem para os próprios republicanos que ali estavam diante dos liberais, já que isso
contradizia o próprio discurso presente nos depoimentos. Esses homens seriam, então,
uma massa apática e submissa que pouco significaria para a revolta. Ao contrário,
observamos que eles agiam, também, segundo seus interesses, mesmo que esses fossem
atender ao chamado de seus patrões. Na expressão de Saturnino
Disse mais o depoente, que uma hora pouco mais ou menos depois de
sua prisão na sala da Câmara ele e seus companheiros de prisão
ouviram os indivíduos que os guardavam, dizerem entre si,
pertencerem um a Manoel Corrêa de Souza Lima, outros a Honório
Dias e seus irmãos e outros ao Capitão Antônio Corrêa, podendo ele e
seus companheiros de prisão observar este fato. 310
Com essa afirmação, podemos perceber que esses homens estavam ali
sob as ordens de seus patrões, mas também sob suas próprias vontades. Eles se
denominavam pertencentes a um líder ou outro, indicando tanto uma certa submissão
aos patrões, como o caráter de lealdade entre os homens e seus líderes. A partir do
momento que temos o sentimento de pertencimento, não podemos invalidar que a
presença desses homens é fruto de uma escolha – a opção de estar contra os praças e ao
lado de seus patrões republicanos.
Na segunda hipótese, partimos da afirmação de André Rosemberg de que
havia uma insatisfação da população com a polícia na província paulista. Não
309
A abordagem dos personagens históricos como agentes de suas próprias vidas foi adotada na
historiografia brasileira pelos estudiosos do escravismo, especialmente, os autores da UNICAMP que
fizeram uma nova leitura dos cativos. Sidney Chalhoub menciona a “coisificação” dos escravos em
contrapartida à concepção que esses homens tinham de si, e eles não se entendiam como coisas, mas eram
humanos com “valores e normas próprias que orientasse sua conduta social”. CHALOUB, Sidney. Visões
da Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 1990.
310
São Paulo, op. cit, 1889 (grifos nossos). Acreditamos que Saturnino Barbosa fez questão de
mencionar, em seu depoimento, os nomes dos líderes e a vinculação entre eles e os homens liderados
para, ao dar nome às lideranças republicanas, possibilitar a futura punição quando o inquérito fosse
finalizado e os termos julgados.
213
encontramos outros processos que possam comprovar esse conflito a não ser os
mencionados por Rosemberg em seu estudo, o episódio, que nos pareceu isolado, com o
sargento em São José do Rio Pardo, que teria sido achacado até cair no poço do rio
Pardo, e a menção aos maus tratos conferidos pela polícia a um italiano em uma das
colônias riopardense, alguns dias antes da revolta. Nessa hipótese, se houvesse mesmo
uma insatisfação da população com os praças, isso contribuiria para que os fazendeiros
reunissem tantas pessoas sob suas ordens com o objetivo de combater a polícia.
Extrapolando essa questão, na cidade de São José do Rio Pardo, os praças obedeciam ao
subdelegado e ao capitão Saturnino, dois liberais, e, se a população estava insatisfeita
com a polícia, também estaria com os seus comandantes. Não podemos deixar de lado o
fato de este último ter sido preso pelos líderes após ser encantoado na casa de Izidoro
Vanucci pelo “povo” que o aguardava do lado de fora. Sua integridade física foi
garantida pelas lideranças republicanas que controlavam o “povo” insatisfeito com o
capitão. Nesse caso, podemos sugerir que esse é mais um componente que sugeriria
uma participação desse grupo denominado “povo” na revolta, o qual buscava revanche
em relação à polícia, sendo aquele momento propício para isso.
Na terceira, o “povo” seria realmente republicano e estava defendendo
seus ideais. Essa é a menos provável de nossas hipóteses porque não sabemos qual era a
relação do “povo” com o ideal republicano, assim, não há como comprovar essa
assertiva, mas, independente disso, esse grupo engrossou as forças dos republicanos e se
colocou diante das casas dos liberais para levá-los à presença dos líderes da república
riopardense. Mesmo que fossem ou não republicanos, o que desconhecemos e não há
fontes para confirmarmos, eles estavam agindo em função desse ideal república.
Nesse sentido, há vários conceitos de “povo” para esses homens, e o
termo é apropriado para definir diversos grupos sociais em diferentes situações. Vimos
214
um significado para indicar todas as pessoas, o aglomerado nas ruas, incluindo os
letrados e graduados da guarda nacional. O outro conceito abarca os populares, definido
apenas pelos negros, estrangeiros e capangas, mas comandados pelas pessoas distintas.
E, por fim, o termo “povo” pode significar os cidadãos votantes, mas excluía os
republicanos, porque esses eram apenas “inimigos políticos” dos liberais e não
poderiam compor o “povo”.
215
5. Considerações finais
A revolta republicana riopardense foi o episódio alvo dessa pesquisa e
compreender a sociedade onde ela ocorreu, com suas relações políticas, sociais e
econômicas, era o objetivo do trabalho. As perguntas que nortearam a atividade foram
quem participou da revolta republicana, porque participaram e como foi seu
envolvimento. Questionamos também quais as implicações dos envolvidos com as
doutrinas republicanas do Brasil no final do século XIX e como cada grupo se
posicionou no processo republicano local.
Para responder essas questões, tentamos manter o olhar voltado para o
micro universo da revolta, contrapondo-o com o contexto regional e geral da história do
oeste paulista e brasileira. Muitas vezes, esse caminho do micro para o macro se perdeu
em meio às discussões atuais da historiografia acerca dos temas analisados e da
apresentação da revolta no contexto geral que fazia parte para, a partir daí, fazer as
ponderações e considerações da micro-história. Tentamos seguir os pressupostos da
micro-história, mas essa ferramenta apenas orientou o olhar da pesquisa sem, contudo,
defini-la metodologicamente.
Esse procedimento nos serviu como suporte para readequar o olhar e
observar as experiências únicas descritas pelas fontes analisadas. O intuito era perceber
as peculiaridades da revolta riopardense e como elas poderiam nos oferecer informações
para compreender o universo de uma cidade do oeste de São Paulo, no período de
transição do império para a república.
O trabalho, com esse intuito de conhecer o micro universo riopardense
por meio da revolta republicana ocorrida em agosto de 1889, encontrou algumas
216
novidades em relação aos cafeicultores paulistas, suas opções políticas, à participação
popular e ao enraizamento das ideias republicanas.
Os produtores riopardenses eram de pequeno, médio e grande porte e
conviviam no mercado cafeeiro como empreendedores. E esses fazendeiros
riopardenses tinham identidades políticas complexas e reuniam características com
tendências radicais, federalistas e positivistas, defendidas por Carvalho.
A pesquisa sugeriu certo enraizamento das ideias republicanas entre os
diversos grupos sociais locais, tanto para combatê-las, conforme ocorreu com os
pracinhas, como para defendê-las, como fizeram os cafeicultores e seus empregados e
agregados, mesmo que esses últimos fossem ou não republicanos. Analisando as
estratégias de sobrevivência dos grupos menos abastados, ponderamos acerca da
participação popular na revolta e a redução da escala nos proporcionou perceber que o
conflito existente na localidade exigia dos moradores um posicionamento. Durante a
revolta, isso se intensificou e foi necessário pegar em armas, posicionando-se a favor da
república ou contra.
O trabalho teve um caráter específico e buscou conhecer os aspectos
relativos à pequena São José do Rio Pardo, mas, durante a pesquisa, encontramos
questões que não pudemos responder, as quais futuras pesquisas poderiam nos auxiliar
na comparação com a revolta republicana riopardense. Um desses estudos seria uma
análise de um episódio similar à revolta riopardense ocorrido em Campinas, no ano
anterior, em que a população local se voltou contra os soldados da polícia. Ao que tudo
indica, não havia cunho republicano, mas o estudo desse episódio poderia ser de grande
valia para uma comparação entre as revoltas e uma confirmação das hipóteses
levantadas, entre elas, a percepção de que havia uma tensão interna na sociedade do
oeste de São Paulo.
217
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2013.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Estratégias populares de sobrevivência: o
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58, 2009, p. 291-315.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O estudo do mutualismo: algumas considerações
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WEBER, Regina. “Imigração e identidade étnica: temáticas historiográficas e
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UNESP; Imprensa Oficial; Arquivo Público do Estado, 2010, p. 119-134.
232
7. Anexos
7.1 Mapas
Mesorregiões de São Paulo
Fonte: Mapa das Mesorregiões de São Paulo, elaborado a partir de base cartográfica do IBGE. Disponível em
<www.mapasparacolorir.com.br> Adaptações nossas.
233
Localização de São José do Rio Pardo
Fonte: Google Maps. Disponível em <http://maps.google.com.br/> Adaptações nossas.
234
Mapa das ruas do centro de São José do Rio Pardo
Em vermelho, Hotel Brasil, em verde, Casa de Câmara e Cadeia, em roxo, palecete de Antônio Ribeiro Nogueira. Fonte: Google Maps. Disponível em
<http://maps.google.com.br/> Adaptações nossas.
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Sao Jose do Rio Pardo e sua revolta republicana_ Liliane Faria