ADB
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros
Ano XIII - Nº 56 - Janeiro / Fevereiro / Março 2007
ISSN 0104-8503
No ritmo da diplomacia
Da crítica à invasão cultural americana à globalização, samba está
presente nas relações internacionais
ADB
Conversa com os Associados
Carta aos associados
E
m dezembro último, a Assembléia Geral da ADB elegeu chapa única em que eu
constava como candidato a presidente da Associação. Na mesma ocasião, foram
eleitos os dois vice-presidentes e cinco diretores. Somos, ao todo, três diplomatas
da ativa e cinco aposentados.
Ao dirigir-me pela primeira vez aos associados, quero registrar meu apreço pelo ministro Flávio de Oliveira Castro e pelo trabalho que realizou na presidência da ADB. Ele muito
fez pela associação e pelos interesses de seus membros. Muito obrigado, Flávio.
Mas sempre resta o que fazer.
Primeiramente, desejaria atrair mais diplomatas em atividade para a ADB e vê-los participando de nossos trabalhos, contribuindo com suas idéias, compartilhando-as comigo e
meus colegas de diretoria. Isto é, a meu ver, especialmente importante no caso dos mais
jovens, ainda nos primeiros escalões da carreira. É evidente que não se espera dedicação
integral à ADB por parte de quem trabalha na Secretaria de Estado e de tempos em tempos
viaja em missão. Mas, para nós, será sempre útil tê-los conosco e ouvi-los.
Talvez alguns hesitem em mostrar interesse pela ADB devido a um temor reverencial
inspirado pelo fato de formarmos um corpo em que a hierarquia deve, necessariamente,
ser tomada em consideração. Contudo, sugerir mudanças que possam beneficiar o desempenho da Casa ou defender o que se julga serem direitos não configura falta de respeito,
muito menos indisciplina. Só quem deseja acólitos, e não colaboradores, esmaga a possibilidade de apresentar idéias novas; só quem prefere a “tranqüilidade” das autocracias
considera a defesa de direitos como hostilidade à hierarquia. Não é o que acontece no
Itamaraty e por isso os que estão nos primeiros degraus da carreira não devem ter receio
de aderir à ADB e nela participar.
Também gostaria de voltar a contar com maior participação das diplomatas. Os oito
eleitos acima mencionados são do sexo masculino; não deveria ser assim. Não somos um
old boys’ club; quero contar também com a participação das girls. Afinal, nossa primeira
presidenta foi a dinâmica embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues e mais recentemente tivemos o benefício da participação de outras colegas do sexo feminino.
Meu espaço acabou e devo parar por aqui. Contem comigo, tal como conto com meus
companheiros de chapa e com vocês.
Marcelo Raffaelli
Presidente da ADB
1
Índice
ADB
4
Marina Mercante
Internas
Nova diretoria da ADB pretende estabelecer
maior integração entre os dipllomatas e estimular
a participação dos mais jovens.
13
9
Made in Brazil
Programa Nacional de DST e Aids é referência
mundial. Parceria com Igreja leva experiência
brasileira a países africanos, como o Timor Leste.
Prata da Casa
A coleção de discursos do Visconde do Rio Branco no
Parlamento, entre 1855 e 1875; o livro que aborda
peças importantes para o estudo da diplomacia
imperial; a compilação de pareceres dos consultores
do Ministério dos Negócios Estrangeiros; e os arquivos
pessoais do embaixador Paulo Nogueira Batista são
destaques desta edição.
20
Arquivo Pessoal
Talentos da Casa
Os diplomatas Igor Germano e Gustavo de Sá
contam como aliam a rotina de trabalho com arte.
Unir amigos e descobrir talentos desconhecidos
são as motivações.
22
Ponto de Vista
D.. Pedro I, considerado mau estudante.
que preferia trocar as lições pela
companhia dos cavaleiriços, tinha, no
entanto, talento nato para a música.
2
15
A jornalista e publicitária Aline Mirilli
Mc Cord anlisa o samba sob a ótica
da diplomacia. De Carmem Miranda
a Gilberto Gil, passeia pelo universo
Índice
ADB
Wanderley Pessoa/Ascom Mec
24
Além do Itamaraty
O chefe da Assessoria Internacional do
Ministério da Educação , o diplomata
Alessandro Warley Candeas , mostra o
potencial da educação como
fator de política externa.
26
28
Arquivo Pessoal
Vida que Segue
Aposentado desde 1999, o embaixador
Jório Dauster é presidente do Conselho
de Administração da Brasil Ecodiesel e
mantém agenda cheia como consultor de
empresas e articulador de negócios.
Cooperação PLP
União de países de língua portuguesa
fortalece o idioma e promove o
desenvolvimento econômico e social entre
os oito membros.
30
32
Prata da Casa
Quatro livros tratam de acordos sobre IED,
Mercosul no Direito Brasileiro, relações
Brasil-EUA no Império e filosofia.
Especial
do ritmo brasileiro no contexto
das relações internacinais, abordando temas como nacionalismo
e globalização.
Entrelinhas
Relatório do assessor jurídico da ADB,
Antônio Torreão Braz, mostra o andamento
das 17 ações judiciais movidas
pela associação.
3
Internas
ADB
ADB busca renovação
Marina Mercante
E
stimular a participação de jovens é unanimidade na Associação
dos Diplomatas Brasileiros. A nova diretoria, que tomou posse
no dia 13 de fevereiro, no restaurante Porcão, em Brasília,
pretende fortalecer a ADB por meio de maior integração dos
diplomatas, principalmente dos que acabaram de ingressar na carreira.
“Os jovens têm sempre boas idéias e podem trazer muitos benefícios”,
afirmou o embaixador Marcelo Raffaelli, novo presidente da entidade.
Os diretores continuarão o trabalho de luta pelos direitos da categoria. Uma das questões mais debatidas é a reivindicação por subsídios
para a educação dos filhos dos diplomatas no exterior. “A ADB não deve
intervir na administração do Itamaraty, mas vale a pena oferecermos
sugestões”, pondera Raffaelli. Atualmente, a associação tem 1.178 associados, dos quais 916 estão ativa, 216, aposentados e 46, pensionistas. A
seguir, o embaixador fala sobre as perspectivas para o seu mandato.
4
ADB
Marcelo Raffaelli é carioca, tem 77
anos e está na carreira desde 1952. Ele
serviu em Caracas, Amsterdan, Nova
York (ONU), Washington, Montevidéu,
Londres e Abidjã.
Quais são seus planos para a ADB?
Em princípio, não tenho planos especiais,
porque a ADB já tem uma agenda. Ela já diz
no seu estatuto qual é a sua destinação, o seu
objetivo. Mas evidentemente sempre há alguma coisa a fazer. Creio que vamos continuar
com o Boletim, que é de muito bom nível,
com matérias interessantes. E
procurar outras pessoas, outras
áreas, que até agora não foram
contatadas, para também contribuir com a revista. Quanto
ao Itamaraty, à vida dos diplomatas, deixo que a Casa se
encarregue deles.
Como o senhor pensa em
organizar o relacionamento dos associados da
ADB com o Itamaraty?
No momento, creio que é preciso atrair
mais funcionários jovens. Você vê que nesta
nova diretoria, por exemplo, de oito pessoas, cinco são aposentados e só três estão
em atividade. Existe certa dificuldade, porque o Itamaraty é uma casa de hierarquia e
às vezes a ADB pode ter posicionamentos
que parecem desafiar essa ordem. Para os
mais jovens, é um pouco difícil entrar para
uma associação onde alguma coisa pode ser
considerada indisciplina. Mas não é assim.
Indisciplina só existe quando falta respeito às
ordens recebidas. Defender seus direitos ou
fazer sugestões não significa nem crítica nem
indisciplina. Portanto, uma das minhas tarefas
vai ser tentar atrair mais funcionários da ativa,
especialmente gente que entrou no Itamaraty
recentemente. Os jovens sempre têm boas
idéias e podem trazer muitos benefícios.
Internas
O que o senhor planeja para estimular essa participação?
Temos a idéia de fazer uma enquete entre
os diplomatas associados para saber quais
são suas sugestões e para que eles nos digam
o que está faltando. A gestão do ministro
Oliveira Castro foi muito boa, mas sempre há
alguma coisa que ainda não foi feita.
O que a nova diretoria da ADB pretende fazer com relação às reivindicações dos diplomatas sobre questões como subsídios para moradia
no exterior e educação
Marina Mercante
dos filhos?
A ADB não deve intervir na administração do
Itamaraty, mas acho que vale
a pena apresentar sugestões, porque, inclusive, há
muita gente em atividade
na carreira pensando assim.
Um exemplo é a educação dos filhos no exterior.
Eu tenho cinco e sei como
custa educá-los em boas
escolas lá fora. Em certos países, onde o
Brasil tem aberto embaixadas, você não
pode matricular seus filhos em uma escola
local, porque a língua é incompreensível e
nunca mais será utilizada pelo aluno. Se ele
estudar em coreano e voltar para o Brasil,
o que fará em uma escola brasileira? Acho
importante pensar sobre esse assunto; afinal
a Constituição garante a todos o ensino gratuito obrigatório.
Quais serão os investimentos da ADB
em ações jurídicas?
Temos várias ações em andamento e já
ganhamos algumas. Se os associados – tanto os
da ativa quanto os aposentados – considerarem
que têm direitos a reivindicar, continuaremos
recorrendo à Justiça, porque, no final das contas, isso não é indisciplina, mas um direito.
5
Matan Gigovatte
Internas
Na gestão do
ministro Flávio
Mendes
de
Oliveira Castro,
uma série de
benefícios foi
conquistada,
como
convênios na área de
saúde. A equipe do Boletim da
ADB conversou
com o ex-presidente da entidade, que
fez um balanço de sua gestão.
Como o senhor avalia sua gestão?
Nesses dois anos, realizamos algumas
coisas importantes. Primeiro foi a construção da sede. Outra questão é que, no início
da ADB, não tínhamos muita liberdade de
atuação, sobretudo na parte jurídica. As primeiras ações foram consideradas indisciplina.
Isso realmente evoluiu. Agora temos 17 ações
no Judiciário, o que não significa nenhum
conflito com a administração do Itamaraty,
porque são direitos que os associados têm.
Realizamos também convênios, principalmente na área de saúde, cujos serviços são
caríssimos. Temos acordos com laboratórios,
hospitais, centros radiológicos, redes de hotéis,
lojas de aluguel de veículos e restaurantes.
Além dessas ações, o que o senhor
gostaria de destacar?
Um dos aspectos positivos da gestão foi
a mudança no boletim, que era modesto.
Para melhorá-lo, fizemos licitações, contratamos uma boa gráfica, ampliamos o número
de exemplares e a distribuição. Além disso,
modernizamos o portal. Todas as manhãs,
fazíamos um resumo das notícias referentes a
relações internacionais e disponibilizávamos
no site. Considero relevante também a participação da ADB no 1° Encontro de Associações
Ibero-Americanas de Serviço Exterior, realiza6
ADB
do em Quito, em maio de 2006. A reunião
tratou de interesses dos associados.
De modo geral, foi isso, mas poderíamos
ter feito mais. Um exemplo seria inaugurar
uma representação no Rio de Janeiro, onde
vive a maior parte de nossos aposentados e
pensionistas. Arranjamos uma sala excelente, fizemos uma negociação com o setor de
administração da Casa, mas tivemos dificuldade para nomear um representante.
Houve também modificações no estatuto. Quais foram as mais relevantes?
Antigamente, para cada diretor, havia um
suplente. Mas esse sistema não funcionou.
O que ocorre é que o diplomata é versátil. Então, por exemplo, se saísse o diretor
da área cultural, e o suplente, por alguma
razão, não pudesse assumir, tínhamos de
fazer uma nova eleição para preencher o
cargo. Agora, os diretores podem se substituir à medida que as vagas são abertas.
Qual é sua avaliação do diálogo da
ADB com o Itamaraty?
Procurei manter uma relação de cordialidade e respeito mútuo. É fundamental não
pensar que a ADB é uma dependência do
Itamaraty, somos absolutamente independentes. Mas estamos certos de que essa
relação de cooperação é indispensável para
o desenvolvimento dos trabalhos da ADB,
porque representamos 90% dos diplomatas
aposentados, pensionistas e da ativa.
O senhor acha que houve avanço no
que diz respeito à participação dos funcionários em reuniões e assembléias?
Com franqueza, sempre falta quórum em
nossos encontros. Uma vez, abri uma assembléia-geral em que havia um associado. E
iniciei na hora certa. Depois vieram outras
pessoas. Na minha gestão, primei pela pontualidade. Depois de dois anos, quando
marco uma hora, quase todos chegam.
Internas
ADB
CONFIRA O PERFIL DOS DIRETORES
Marina Mercante
Embaixador Luiz Brun de Almeida e Souza
– vice-presidente executivo
Nascido no Rio de
Janeiro, em 1937, o
embaixador Luiz Brun
atuou como diretor
suplente da ADB na
gestão anterior. Para
fortalecer a associação
nos próximos dois anos,
pretende buscar sugestões de funcionários
da carreira que estão no exterior. “Acredito
que temos de conhecer os problemas por
meio dos funcionários. São eles que vivem
a realidade de cada dia”, afirma.
Apreciador de esportes, Brun é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e se
tornou diplomata em 1962. O momento
mais marcante da carreira ocorreu quando estava em missão na fronteira do Brasil
com o Paraguai. Ele era encarregado
de auxiliar os chamados “brasiguaios”
a obter documentos. “Tive um contato humano essencial. Foi um momento
em que me realizei como profissional”,
recorda-se. O embaixador atuou também
como terceiro-secretário em Washington,
segundo-secretário em Moscou e conselheiro em Lisboa.
Embaixador Guy M. de Castro Brandão –
vice-presidente institucional
Para o embaixador francês, naturalizado brasileiro, Guy
Brandão, a ADB é
um importante instrumento de congregação dos diplomatas.
Aos 77 anos, pretende dedicar atenção
Marina Mercante
especial aos jovens associados, que podem
contribuir com sugestões para o Boletim,
por exemplo.
O momento de destaque na trajetória
profissional foi em 1982, quando assumiu a Embaixada do Brasil em Quito, no
Equador. “Tornar-se embaixador é o topo
da carreira, é marcante”, acredita. Guy
atuou ainda como conselheiro em Paris,
embaixador em Dakar e primeiro-secretário em Roma. Nos próximos dois anos,
deve conciliar as atividades da ADB com
a criação de peças de minério de ferro. Os
pequenos cubos de hematita compõem
figuras sobre madeira.
Embaixador Cláudio Sotero Caio – diretor
Marina Mercante
O embaixador pernambucano Cláudio
Sotero Caio, de 71
anos, participou de um
importante momento do Itamaraty. De
1972 a 1983, chefiou
uma equipe de 400
pessoas, encarregadas de modernizar a
área de informática da Casa. “Considero
esse o melhor período da minha vida
profissional”, avalia. Também atuou como
segundo-secretário em Belgrado e em
Montevidéu e ministro-conselheiro em
Hamburgo. Hoje, como membro da diretoria da ADB, pretende concentrar esforços para obter remuneração por subsídio
para a carreira diplomática.
Para o embaixador, a ADB precisa priorizar a integração de seus membros. “A
associação é dispersa. Essa difusão torna a
entidade frágil em termos de concentração
de objetivos”, acredita Cláudio Sotero, que,
nas horas vagas, toca violoncelo e dedicase à literatura.
7
Internas
ADB
Embaixador Hélcio Tavares Pires – diretor
Marina Mercante
Carlos Ribeiro Santana – secretário
Nascido no Distrito
Federal, em 1982, o
secretário Carlos Ribeiro
Santana é formado em
Relações Internacionais
pela Universidade de
Brasília. Em 2004, ingressou na carreira e tornou-se terceiro-secretário. No ano seguinte, concluiu o mestrado
em Relações Internacionais, também pela
UNB, e, em 2006, o curso do Instituto Rio
Branco. No mesmo ano, começou a trabalhar
no departamento de Promoção Comercial
do Itamaraty. Desde os 23 anos, faz parte da
ADB. Carlos Santana pretende estimular a
participação dos colegas jovens.
Marina Mercante
O fato de ter se tornado diplomata é considerado uma vitória pelo
embaixador
pernambucano Hélcio Tavares
Pires, de 78 anos. “Lá em
Recife, acreditávamos ser
difícil passar no concurso”, lembra-se. O
período mais marcante foi a promoção a
ministro-conselheiro, que proporcionou ao
embaixador servir na China.
Hélcio Pires começou a trabalhar no
Itamaraty em 1955. Chefiou a Divisão de
Transportes e Comunicações da Casa em
1980 e, no ano seguinte, foi promovido a
ministro. Foi também terceiro-secretário e
encarregado de negócios na Embaixada do
Cairo e primeiro-secretário em Caberra. O
embaixador, que na gestão passada atuou na
ADB como diretor para Assuntos Jurídicos,
afirma estar à disposição no que se refere à
luta pelo reajuste dos vencimentos. Longe do
trabalho, dedica-se à prática de esportes.
Universidade de Brasília. Paulo Roberto
e Almeida ressalta que a experiência na
Academia o auxiliou a fazer do Itamaraty
um espaço de reflexão. Leitor voraz, atuou
também como ministro-conselheiro na
embaixada de Washington.
Sérgio C. de Toledo Barros – secretário
Ministro Paulo Roberto de Almeida – diretor
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
Nos últimos dois
anos, o ministro paulista Paulo Roberto de
Almeida, de 57 anos,
atuou como diretor para
Assuntos Culturais na
ADB. Bacharel e doutor em Ciências Sociais
pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica,
e mestre em Planejamento Econômico pela
Universidade do Estado de Antuérpia, pretende dar continuidade ao trabalho de
proporcionar entretenimento e transmitir
informações aos diplomatas.
Em 1985, começou a lecionar Sociologia
Política no Instituto Rio Branco e na
8
Aos 35 anos, o
Secretário paulista Sérgio
Barros ingressou na ADB
após convite do ministro
Flávio Castro, que disse
querer “sangue novo” na
entidade. Formado em
Economia, com extensão em Comércio
Exterior, pela Universidade de São Paulo,
ingressou no Instituto Rio Branco no ano
passado. Ele destaca o trabalho da ADB
pelos direitos dos diplomatas. “É uma ação
importante porque a carreira é burocrática”,
opina. O secretário, que trabalhou também como cartunista, alega estar disposto
a aprender com os colegas que têm mais
tempo de Casa.
ADB
Made in Brazil
Brasil é exemplo
na luta contra a Aids
Atuação brasileira chama a atenção da comunidade internacional
A
tualmente, o Brasil é responsável pelo
maior programa nacional de controle
do vírus HIV e da Aids no mundo. Tal
marca não é por acaso. Desde que
a epidemia surgiu, na década de 1980, o País
tem tido importantes respostas estratégicas que
alteram a estrutura de saúde pública. Neste
ano, completa 11 anos a lei que estabeleceu a
distribuição dos medicamentos anti-retrovirais
às pessoas que vivem com o HIV.
A decisão legal de oferecer acesso ao tratamento, com a distribuição dos medicamentos,
foi adotada em novembro de 1996, não sem
ser precedida de um processo de avaliação
técnica ao longo de meses. A população, assustada com a nova epidemia, pedia que houvesse
uma concentração de esforços para controlá-la.
O coquetel conhecido como AZT – denominado
terapia combinada de alta potência – havia sido
apresentado durante uma conferência internacional
de Aids, no Canadá. Pesquisadores descobriram
que a combinação de diferentes remédios resultava em um efeito melhor do que quando eles eram
utilizados isoladamente.
Resolver distribuir o coquetel suscitou críticas de cientistas, pesquisadores e organismos
internacionais. Uma delas era que o Brasil
não teria capacidade para administrar
técnica e operacionalmente a decisão,
principalmente pelo caráter inovador
e relativamente desconhecido da nova
terapia, com exigências de sofisticação
técnica e tecnológica.
Mas o reconhecimento de que o caminho
era certo veio com os resultados da implantação
do programa, entre eles a queda substancial da
mortalidade por Aids, a redução das internações e
9
Made in Brazil
ADB
Magda Fernanda
Mariangêla: "Brasil tem a epidemia concentrada"
o decréscimo da ocorrência de enfermidades oportunistas. Foi constatada, assim, uma
boa relação custo–beneficio, pois o investimento passou a representar redução de
gastos e os recursos foram redirecionados a
outras atividades.
“O Brasil tomou uma decisão, contrária
a todas as opiniões dos grandes organismos
internacionais, de garantir o acesso das pessoas ao AZT. E isso fez toda a diferença”,
afirma a diretora do Programa Nacional de
DST/Aids, Mariângela Simão. Essa diferença
remete aos anos anteriores à existência do
coquetel, em que Brasil e África apresentavam
situações epidemiológicas semelhantes. Hoje,
o País tem a chamada epidemia concentrada
e o continente africano tem uma epidemia
generalizada. Mariângela relaciona o fato à
estratégia direta de enfrentamento adotada
pelos brasileiros, tanto no acesso a medicamentos quanto na questão preventiva.
O Brasil possui atualmente 17 medicamentos no protocolo clínico; desses, produz
oito que não estão protegidos por patentes.
A sustentabilidade do programa é uma
das questões que preocupam especialistas.
Muitos acreditam que os acordos de preços de remédios protegidos por patentes
afetam de forma negativa o orçamento do
Ministério da Saúde. Isso pode comprometer a distribuição dos medicamentos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Em um
período de dois anos, os gastos com os antiretrovirais aumentaram em 66%, enquanto
o número de pessoas que passaram a recebê-los foi apenas 9,2% maior.
Cooperação – Em função do sucesso brasileiro no combate ao vírus e no
tratamento da doença, o Ministério da
Saúde conta com o Centro Internacional
de Cooperação Técnica em HIV e Aids
(CICT), iniciativa do governo Lula e do
programa da ONU para a luta contra a Aids
Pelo direito à liberdade de orientação sexual
Em Curitiba, um grupo ligado à Associação Brasileira de Bissexuais, Gays, Lésbicas,
Travestis e Transexuais (ABGLT) possui como um dos eixos de trabalho a prevenção e a
assistência ao movimento homossexual brasileiro em relação à Aids e DST. Trata-se da
Ong Dignidade, criada em 1992 como instrumento de resposta ao cenário de discriminação e violência agravado com o advento da síndrome da Aids.
Os objetivos do grupo passaram a ser, entre outras coisas, a defesa e a promoção do
direito à liberdade de orientação sexual, além da prevenção e da assistência em relação
à doença. As ações já ultrapassaram fronteiras e, por meio do Centro Internacional de
Cooperação Técnica (CICT), a Ong brasileira realiza trabalho de capacitação de agentes
no México, Colômbia, Equador e Guatemala.
10
ADB
(Unaids). É por meio dele que são feitos
acordos de cooperação com países como
Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador,
Peru, República Dominicana, El Salvador,
Honduras, Nicarágua, Cabo Verde, Guiné
Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe,
Burkina Fasso e Timor Leste.
A rede – Os países da América Latina
e Caribe aproveitaram as experiências de
cada um na área de saúde e uniram esforços na luta contra o vírus da Aids, criando
o Grupo de Cooperação Técnica Horizontal
em HIV/Aids (GCTH). Fazem parte dele os
programas nacionais de 21 países latinoamericanos e caribenhos.
Made in Brazil
A iniciativa proporciona eventos técnicocientíficos sobre questões como avaliação
de programas, planejamento estratégico,
políticas de terapias em HIV/Aids, transmissão vertical do vírus, redes de vigilância
epidemiológica, ações de aconselhamento.
Também amplia e diversifica o intercâmbio
entre os países, por meio de cursos e estágios, missões de observação e participação
em eventos internacionais.
Brasil, Argentina, Cuba, Nigéria, Rússia,
Ucrânia, Tailândia e China fazem parte de
uma rede que visa à transferência de tecnologia para a produção de anti-retrovirais
– desde a matéria-prima até o produto final
– e para investimento em laboratórios.
Igreja enfrenta a epidemia
P
ara vencer um desafio de âmbito Lá, 99% da população se dizem católicos pramundial, não bastam os investi- ticantes. “Tive a oportunidade de visitar o país
mentos governamentais: parcerias em 2006 e fiquei impressionado. No domincom outras instituições também go de manhã tudo pára porque todos estão
são necessárias. É o caso da Pastoral da na missa. É um público que a Igreja atinge e
por isso é importante que ela
Aids, criada em 2001 pela
atue para ajudar no trabalho
Igreja Católica, com o objeGoverno
e
Pastoral
de divulgação da epidemia”,
tivo de tratar exclusivamenda
Aids
uniramafirma o frei.
te questões relacionadas à
se para divulgar
Desde 2004, uma missioepidemia. Uma das ações
nária brasileira está no Timor,
o trabalho do
é desenvolvida no Timor
Leste, país com o qual o
Programa Nacional onde ajuda a capacitar agentes locais para a prevenção e
Brasil mantém projeto de
de DST/Aids no
o tratamento da doença. Ela
intercâmbio e cooperação
Timor Leste, onde
também articula dentro do
desde 2003.
99% da população
país, com autoridades civis
O secretário-executivo da
se
dizem
católicos
e membros da Igreja, ações
Pastoral, frei José Bernardi,
alternativas relacionadas ao
conta que o Programa
enfrentamento do HIV e da
Nacional de DST e Aids esbarAids.
A
idéia,
desde
o início do projeto, é
rava na dificuldade de comunicação com o
Timor Leste, em conseqüência da diferença que o tema da Aids faça parte da agenda
cultural. A solução veio a partir de um convite local. A missionária também monitora o
do governo à Pastoral, já que ela mantinha, envio e o uso de medicamentos anti-retrovidesde 1999, missão com brasileiros no Timor. rais do Programa Nacional ao país asiático.
11
Made in Brazil
ADB
Arquivo Secretaria Pastoral da Aids
Pastoral considera "uma riqueza" a união da sociedade civil e do governo brasileiro no combate à Aids
Outra frente de trabalho da Pastoral
é a construção de uma rede latino-americana de igrejas na luta contra a Aids,
como trabalho complementar ao sistema
de saúde dos governos federais. Tanto no
campo da educação como no cuidado
e no acompanhamento das pessoas que
vivem com Aids, as ações realizadas por
entidades ligadas à Igreja são muitas. No
Quênia, por exemplo, uma congregação
religiosa mantém um hospital móvel que
atende 20 mil pessoas portadoras de HIV.
Em 2005, um simpósio latino-americano
e caribenho reuniu representantes de
13 países. Para este ano, uma segunda
edição do simpósio deverá reunir ao
menos 17 países.
Frei Bernardi vê o Brasil como exemplo
quando o assunto é o combate à Aids. “O
programa nacional não é uma dádiva de
um iluminado, é uma construção da sociedade civil e do governo, e acho que aí está
sua riqueza”, explica o secretário-executivo
da Pastoral. A experiência com o Timor rendeu novos contatos com outras pastorais.
Uma equipe brasileira esteve na República
Dominicana, e a Pastoral, em conjunto
com a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), pretende estreitar os laços
com Guiné Bissau e Ruanda.
Números
• 260 milhões de preservativos foram distribuídos pelo Ministério da Saúde em 2003;
em 1994 o número foi de 13 milhões;
• 61% das escolas realizam atividades de prevenção e 9,1% delas disponibilizam
camisinhas aos alunos.
• 433 mil casos de Aids foram notificados no Brasil até junho de 2006; 67,2% deles
foram do sexo masculino e 32,8% do feminino.
12
ADB
Prata da Casa
Dos arquivos
da história:
o Itamaraty
nas fontes
primárias
O
s quatro volumes constituem
valiosas contribuições aos
“garimpeiros” da história diplomática, ao disponibilizarem
documentos originais e guias documentais
sobre fontes que esclarecem elementos históricos negligenciados pelos pesquisadores
contemporâneos.
A coleção dos discursos do Visconde
do Rio Branco no Parlamento, entre 1855
e 1875, é precedida de uma introdução
que contextualiza sua vida e seu papel nas
relações exteriores do Brasil: cinco vezes
ministro dos negócios estrangeiros, antes
jornalista voltado para os temas internacionais e consultor do MNE, mesmo não tendo
formação em direito (ele era matemático).
Conceitos como “interesses vitais” do Brasil,
“interesses essenciais” ou “concretos” são
constantes nos discursos do Visconde, preocupação, aliás, presente desde as Cartas ao
Amigo Ausente, nas quais o jovem Paranhos
defendera uma política externa isenta de
partidarismos.
O volume relativo às consultas da seção
dos Negócios Estrangeiros do Conselho de
Estado, entre 1858 e 1862, recolhe peças
importantes para o estudo da diplomacia
imperial, no tocante aos tratados de limites,
relações consulares e contenciosos bilaterais. Dois documentos tratam da organização do próprio MNE, numa época em que
Alvaro da Costa Franco (org.):
Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento imperial [1855-1875]
(Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação
Diplomática; Brasília: Funag, 2005, 574 p.)
Brasil. Secretaria de Estado dos Negócios do
Império e Estrangeiros:
O Conselho de Estado e a política externa
do Império: Consultas da Seção dos Negócios
Estrangeiros, 1858-1862 (Rio de Janeiro: Centro
de História e Documentação Diplomática; Brasília:
Funag, 2005, xv + 450 p.)
13
Prata da Casa
ele não chegava a ter mais de duas dúzias
de funcionários (incluindo correios a cavalo) e quando o Secretário Geral era chamado de Oficial Maior. As maiores pendências
com os vizinhos eram relativas aos direitos
de navegação, terreno no qual a diplomacia imperial mantinha posturas diversas no
Prata e no Amazonas.
A compilação de pareceres dos
Consultores do MNE, de 1859 a 1864, aprofunda o conhecimento sobre a construção
jurídica da diplomacia imperial, legatária
de uma tradição de respeito ao direito internacional que foi seguida até hoje. Abundam
as reclamações e pendências de súditos e
sobre espólios particulares, hoje de importância menor no trabalho consular, mas
são bem mais interessantes os textos sobre
tratados de limites, nos quais estão expostas
posições sobre o uti possidetis que serão
mantidas durante anos, até a sua resolução,
na República.
O quarto volume entra no domínio dos
arquivos pessoais, neste caso os do embaixador Paulo Nogueira Batista. Trata-se de
um guia da documentação depositada no
Cpdoc, com introdução e perfil biográfico
que ressaltam sua importância para a história da política externa, a da política nuclear
em particular.
No conjunto, estes quatro volumes compilam importantes documentos e guias de
fontes que constituem subsídios primários relevantes ao pesquisador acadêmico ou ao simples curioso de nossa história diplomática. A
Fundação Alexandre de Gusmão do Ministério
das Relações Exteriores, em especial seu Centro
de História e Documentação Diplomática,
seus responsáveis e pesquisadores associados
merecem encômios pelas iniciativas já tomadas de divulgação desses materiais relevantes,
bem como pelas novas publicações que estão
certamente em preparação.
Paulo Roberto de Almeida
14
ADB
José Antonio Pimenta Bueno; José Maria da Silva
Paranhos; Sérgio Teixeira de Macedo:
Pareceres dos Consultores do Ministério dos
Negócios Estrangeiros: 1859-1864 (Rio de Janeiro:
Centro de História e Documentação Diplomática;
Brasília: Funag, 2006, 244 p.)
Suely Braga da Silva:
Paulo Nogueira Batista: o diplomata através de
seu arquivo (Rio de Janeiro: Cpdoc; Brasília: Funag,
2006, 136 p.)
ADB
Especial
Deu samba nas relações
internacionais
I: Até a Segunda Guerra Mundial
Aline Mirilli Mac Cord*
O
samba, descendente de polcas
e lundus, foi ganhando espaço
com a expansão dos meios
de comunicação. Em 1931, o
grande sambista Lamartine Babo fazia a sua
crítica à invasão cultural em “Samba para
inglês ver”:
I love you
forget sclaine maine Itapiru
morguett five underwood
I shell, no bond Silva Manuel, Manuel, Manuel
Noel Rosa também era reticente em
relação à invasão cultural dos filmes falados americanos. Em 1933, ele reforçou sua
crítica ao que acreditava ser mera imitação
das produções hollywoodianas e compôs o
samba “Não tem tradução”:
O cinema falado é o grande culpado da transformação
Dessa gente que sente que um barracão prende
mais que o xadrez
Lá no morro, seu eu fizer uma falseta
A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I love you
E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny
Só pode ser conversa de telefone.
As relações entre o Brasil e seu vizinho,
Argentina, não passaram despercebidas aos
compositores da época. Após a aproximação da década de 30, com a viagem de
Vargas a Buenos Aires em 1935, os argentinos figuraram em diversas canções. Noel
Rosa, em 1936, com “Tarzan, o filho do
alfaiate”, brincou com a enganadora imagem
de força e atletismo com que os paletós com
ombreiras, tão em moda na época, mascaravam a real fraqueza de seus usuários:
Eu poso pros fotógrafos, e distribuo autógrafos
A todas as pequenas lá na praia de manhã
Um argentino disse, me vendo em Copacabana:
‘No hay fuerza sobre-humana que detenga este
Tarzan’
Em 1939, Carmen Miranda, estrela do
Cassino da Urca, parte para os Estados Unidos
às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Em março de 1940, Carmen canta em um
banquete para o presidente norte-americano
Franklin D. Roosevelt, na Casa Branca, sede
do governo em Washington. Samba exaltação
de Assis Valente, composto ainda em 1940,
“Brasil Pandeiro” refere-se à apresentação de
Carmen na Casa Branca e ao sucesso da boa
vizinhança entre os dois países:
O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou
seu prato
Vai entrar no cuscuz, acarajé e abará
Na Casa Branca já dançou a batucada com Ioiô, Iaiá
Carmen retorna ao Brasil em julho do
mesmo ano, mas é rejeitada com frieza pelo
grupo germanista do governo brasileiro em
uma apresentação realizada no Cassino da
Urca para a cúpula do Estado Novo, que
acusava Carmen de ter absorvido influências americanas. A resposta veio, no show
seguinte, com a canção “Disseram que voltei americanizada”, música de Vicente Paiva
e letra de Luís Peixoto.
15
divulgação
Especial
Mas para cima de mim? Pra que tanto veneno?
Eu posso lá ficar americanizada?
Eu que nasci com o samba e vivo no sereno
Tocando a noite inteira a velha batucada
Nas rodas de malandro, minhas preferidas
Digo mesmo ‘eu te amo’ e nunca ‘I love you’
Enquanto houver Brasil na hora da comida
Eu sou do camarão, ensopadinho com chuchu
Em 1941, o empresário Walt Disney, no
papel de “embaixador da boa vizinhança”,
viaja pela América Latina com o pretexto
de criar novos personagens, procurar novos
talentos e buscar inspiração para futuras produções. No Brasil, ele é recepcionado por
Paulo da Portela em sua visita à quadra da
escola de samba, onde possivelmente surgiu
o primeiro embrião do que viria a ser, no ano
seguinte, o papagaio Zé Carioca. Os cartunistas J. Carlos e Luis Sá iniciaram, então, o
desenvolvimento da personagem-símbolo da
amizade entre os Estados Unidos e o Brasil.
Disney também se reuniu com a elite política
da capital em jantares, recepções e eventos
diversos, inclusive em celebração oferecida
por Lourival Fontes, diretor do Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP), no Cassino
da Urca, com show especial de Russo do
Pandeiro e Linda Batista. Em reunião com o
presidente Vargas, Disney falou dos princípios
que norteavam a boa vizinhança e a disposição das autoridades americanas em estreitar
os laços de amizade com o Brasil.
Ao retornar da viagem, Disney conhece em Los Angeles o bandolinista José do
16
ADB
Patrocínio Oliveira, que assinara contrato
com a 20th Century Fox, para acompanhar
Carmen Miranda e o Bando da Lua em
diversos filmes. Essa foi a inspiração que faltava à finalização de Zé Carioca, que apareceu no ano seguinte como uma das estrelas
do filme “Alô Amigos” (“Saludos Amigos”,
1942), que adotara a canção “Aquarela do
Brasil”, de Ari Barroso, e recebeu três indicações ao Oscar nas categorias “Melhor
Trilha Sonora de Filme Musical”, “Melhor
Som”, e “Melhor Canção original”.
O sucesso foi tanto que logo veio a continuação: “Você já foi à Bahia?” (The Three
Caballeros, 1945), que apresentava os laços
de amizade entre Estados Unidos, México e
Brasil, aliados na Segunda Guerra Mundial,
por meio da amizade dos personagens
Donald (Estados Unidos), Panchito (México)
e Zé Carioca (Brasil). O gaúcho argentino, presente em “Alô Amigos”, desaparece
desse segundo filme, por motivos óbvios.
Indicado ao Oscar nas categorias “Melhor
Som” e “Melhor Trilha Sonora de Filme
Musical”, trazia diversas canções de Ari
Barroso e interpretados por Aurora Miranda
e o Bando da Lua. Um terceiro longametragem musical foi lançado em 1948 sob
o título de “Tempo de Melodia” (Melody
Time), com uma seqüência baseada na
composição de Ernesto Nazareth, “Apanheite Cavaquinho” (“Blame it on the Samba”)
e uma estética semelhante de “Você já foi
à Bahia?”. José do Patrocínio foi tão marcado por emprestar sua voz ao papagaio,
que adotou para si mesmo o nome de Zé
Carioca e seguiu trabalhando como músico
para a Disney Produções.
Ainda em 1940 e 1941 o maestro Leopold
Stokowski, conhecido por sua participação
musical no filme “Fantasia”, da Disney, veio
ao Rio de Janeiro e reuniu, por intermédio
do brasileiro Heitor Villa-Lobos, os maiores
nomes do samba brasileiro para gravações
realizadas a bordo do navio S.S. Uruguay,
equipado com a aparelhagem de gravação
da Columbia Records. Faziam parte do seleto grupo de artistas Pixinguinha, Jararaca,
Ratinho, Luís Americano, Augusto Calheiros,
Donga, Zé Espinguela, Mauro César, João da
Baiana, Janir Martins, David Nasser e mais
uma centena de outros, conforme noticiado
Especial
ADB
pela imprensa à época. O resultado das gravações foi reunido pela Columbia em dois
raríssimos álbuns, com quatro discos 78RPMA cada, sob o título de “Native Brazilian
Music”, nunca lançado no Brasil.
Orson Welles também veio ao Brasil,
onde mergulhou no mundo do samba para
a filmagem de “Carnival in Rio”, registrando
a batucada do sambista Raul Marques e do
cantor Grande Otelo. O episódio faria parte
do filme “It’s All True” (“É Tudo Verdade”),
que, entretanto, nunca chegou a ser terminado pelo cineasta.
A Política de Boa Vizinhança dos Estados
Unidos recebeu críticas e inspirou diversos
compositores. Dentre esses, “Boggie Woogie
na Favela”, de Denis Brean, gravado em
1945 por Ciro Monteiro e Roberto Silva:
Chegou o samba minha gente
lá da terra do Tio Sam com a novidade
e ele trouxe uma cadência que é maluca
pra mexer toda a cidade
O boggie woogie boggie woogie boggie woogie
a nova dança que balança mas não cansa
a nova dança que faz parte da política boa vizinhança.
A Segunda Guerra Mundial foi inspiração
para diversos sambas debochados. Em 1941,
Wilson Batista e Moreira da Silva, de quem
o samba-de-breque era especialidade, escreveram “Esta Noite Eu Tive um Sonho”, onde
brincam com o flerte de Getúlio Vargas com
a Alemanha na frase “Ich mag dich”, confundida propositalmente por “Ich nag dich”,
significando exatamente o oposto.
Tive vontade de comer uns bifes
Ich nag dich, seu Fritz
Não se resolve assim não
Venho do Brasil
Trago um presente pro senhor
Esta ganha, esta perde
Na voltinha que eu dou
Já tinha ganho todos os marcos para mim
Quando ouvi o ruído de um Zeppelin
Eu acordei, tinha caído no chão
Salsicha à noite não faz boa digestão
Eu tive um sonho em alemão.
Em 1942, Afonso Teixeira e Ubirajara
Nesdan brincam da figura do líder nazista,
Adolf Hitler na canção “Quem é o tal?”:
Quem á que usa cabelinho na testa
E um bigode que parece mosca
Só cumprimenta levantando o braço
Ê, ê, ê, ê palhaço!
Deu samba nas relações internacionais II:
Dos anos dourados à globalização
No final dos anos 1950 a nação respira o
clima de otimismo do período Kubitschek. A
entrada de empresas estrangeiras e a modernização do cenário nacional mudavam a
cara do país e tomavam o centro das atenções. Em 1958, Jackson do Pandeiro se mostra aberto a um intercâmbio com os norteamericanos sob a condição de que seja
respeitada também a cultura nacional. O
sucesso é a canção “Chiclete com Banana”,
de Gordurinha e Almira Castilho:
Eu só boto bebop no meu samba
Quando Tio Sam tocar o tamborim
Quando ele pegar no pandeiro e no Zabumba
Quando ele aprender que o samba não é rumba
Ai eu vou misturar Miami com Copacabana
Chiclete eu misturo com banana
E o meu samba vai ficar assim
Tirurururiu bop-be-bop-be-bop
Eu quero ver a confusão
Tirurururiu bop-be-bop-be-bop
Olha ai o samba-rock meu irmão
A modernização e a liberdade que a sociedade brasileira sentia refletiram-se na juventude carioca, dando origem à bossa nova. O
Brasil redefinia a sua identidade, discutida
17
Especial
ADB
divulgação
"Temos Idos", de Cartola, mostra trajetória de
valorização do samba
intensamente entre os estudiosos do ISEB e
da UNE. A influência dos ritmos estrangeiros
e a cultura popular geravam debates fervorosos na mídia e no meio intelectual.
Ainda na década de 50, o Rio de Janeiro
recebeu a visita da duquesa de Kent.
Aconselhada a assistir apresentações de óperas e orquestras sinfônicas, a visitante não
demonstrou interesse pelos espetáculos clássicos sugeridos pelo governo brasileiro e
pediu para conhecer de perto uma escola de
samba. O famoso sambista da Portela, Natal,
recebeu do chanceler Negrão de Lima, a
responsabilidade de oferecer um show de
samba à duquesa. Tal apresentação inspirou
o samba “Tempos Idos”, de Cartola, que descreve a trajetória de valorização do samba,
referindo-se às apresentações de Pixinguinha
do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e suas
diversas viagens ao exterior. Cartola também
mostra a transformação do samba num espetáculo, o que está diretamente ligado com a
aproximação entre a elite e o samba.
E muito bem representado
Por inspiração de geniais artistas
O nosso samba, humilde samba
Foi de conquistas em conquistas
Conseguiu penetrar no Municipal
Depois de percorrer todo o universo
Com a mesma roupagem que saiu daqui
Exibiu-se pra Duquesa de Kent no Itamaraty
Na virada da década de 1960, os Estados
Unidos intensificavam suas demonstrações
18
internacionais de poderio militar e econômico. O envio de tropas norte-americanas
à Coréia e ao Vietnã aumentou no Brasil
a crítica à influência exercida nos campos
econômico, político e cultural pelos EUA.
A esse respeito, Nei Lopes e João Nogueira
condenam o modismo e a belicosidade
americana no samba “Eu não falo gringo”:
Ou me dá um terno branco, ou não precisa me vestir
Bunda de malandro velho não se ajeita em calça Lee
Às vezes eu sinto um carinho por este velhinho chamado Tio Sam
Só não gosto é da prosopopéia que armou na Coréia
e no Vietnã
Mesmo durante o regime militar brasileiro, a realeza sempre fez parte do imaginário
popular, despertando curiosidade e respeito.
Em 1968, durante o governo Costa e Silva, o
Brasil recebeu a visita da família real inglesa. Em Salvador, o talentoso sambista baiano Riachão foi convidado a se apresentar
para a rainha, apresentando a canção que
escreveu em sua homenagem, agradecido e
emocionado pela oportunidade de apresentar-se em frente à rainha Elizabeth II:
Da Inglaterra
Veio direto ao Brasil
Sei que você também viu
Em plena Avenida Sete
Foi aplaudida no Palácio da Aclamação
Foi a maior emoção
A Rainha Elizabeth
O nacionalismo e a defesa dos interesses nacionais despertavam manifestações de
diversos segmentos da sociedade, nem sempre concordantes. O tema da relação entre
Brasil e Estados Unidos continuava em voga,
e não raro os artistas aplaudiam com orgulho a qualquer manifestação de resistência à
grande potência. Na década de 70 o governo
brasileiro estendeu de 12 para 200 milhas da
costa a proibição da pesca por barcos estrangeiros, assinando o acordo Brasil-EUA sobre
a pesca no mar territorial brasileiro, em 1972.
No mesmo ano, o vigilante João Nogueira
escreveu a canção “Das 200 para lá”:
ADB
Este mar é meu
Leva seu barco pra lá deste mar
Vá jogar a sua rede das duzentas para lá
Pescador de olhos verdes vá pescar em outro lugar.
Outro tema que inspirou diversas canções
foi a política portuguesa. Em 1974 a Revolução
dos Cravos põe fim ao salazarismo em Portugal,
inspirando Chico Buarque a compor a canção
“Tanto Mar”. Inicia-se o processo de descolonização das províncias ultramarinas portuguesas, e, em 1975, o Brasil é o primeiro país a
reconhecer a independência de Angola. Dessa
forma, chega ao fim o regime que anos antes
proibira a canção “Terra Seca”, de Ari Barroso,
por considerá-la uma crítica à manutenção das
colônias portuguesas na África.
Ai, meu sinhô, nego tá veio, não agüenta!
Essa terra tão dura, tão seca, poeirenta...
O nego pede licença pra falar
Em 1978, ano em que se inicia a segunda
crise do petróleo, o jogador Roberto Rivelino,
titular da Seleção Brasileira campeã da Copa
de 1970, foi jogar em um time da Arábia
Saudita em troca de um pagamento milionário. Era o início do êxodo de craques brasileiros, registrada no samba “O Patrão Mandou”,
de Paulinho Soares. Ironicamente, anos após
a composição, Zico foi jogar no exterior exatamente como o sambista profetizou.
O Patrão é fogo! Ele é quem dá as cartas, banca o jogo
Tá mentendo sempre o bico no fubá qual tico-tico!
No troca-troca, o Patrão que é mais rico
Já levou o Rivelino e vem, depois, buscar o Zico!
Apesar de sempre presente na cultura
nacional, desde o surgimento do rock’n roll,
o samba vinha perdendo espaço na mídia,
que dedicava cada vez mais espaço aos
produtos estrangeiros. As rádios já se dedicavam quase inteiramente a músicas de língua
inglesa. O samba reforçava a sua postura de
resistência cultural e lutava pela manutenção
de seu espaço como a verdadeira música
brasileira. Protestando contra o estrangeirismo adotado pela juventude e seu desprezo
pela cultura nacional, Candeia cantou, evo-
Especial
cando o tema que se mostrou recorrente em
todas as gerações do samba:
Eu não sou africano nem norte-americano
ao som da viola e do pandeiro
sou mais o samba brasileiro.
À juventude de hoje dou meu conselho de vez:
quem não sabe o beabá, já quer falar inglês.
Aprenda o português!
A predominância dos produtos culturais
estrangeiros na mídia tornou difícil a vida de
muitos artistas brasileiros. No mesmo espírito
de crítica à redução de espaço para sua música
nas rádios, o sambista malandro Dicró grava o
debochado samba “Mr. Dicró”, em 1988:
É, pois é, eu também já mudei de opinião
Vou querer ganhar em dólar escondido do leão
(camon everybody)
Vou traduzir meus pagodes, vou cantar só em inglês
Vou tocar nas FMs, isso eu garanto a vocês
A globalização da década de 90 renovou a
visão da presença cultural estrangeira. O intercâmbio é visto de forma mais positiva, e já se
torna inevitável. Ao mesmo tempo, a evolução
das comunicações e o surgimento da internet
criam nova interação de mídias e possibilitam
uma forma de criação e divulgação independente da presença em rádio e gravadoras,
abrindo espaço para a revitalização do samba
e outros ritmos nacionais. A globalização, a
internet, e a liberdade de informação em rede
mundial influenciaram a obra de Gilberto Gil,
que, em alusão ao primeiro samba gravado,
“Pelo Telefone” (1917), de Donga e Mauro de
Almeida, compõe a canção “Pela Internet”, em
que gigabytes e orixás, Nepal, Praça Onze e
videopôquer convivem na mesma rede.
Eu quero entrar na rede pra contactar
Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na Praça Onze tem um videopôquer para
se jogar
*Aline Mirilli Mac Cord tem 31 anos, é jornalista e publicitária, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela
PUC-Rio, e pós-graduada em Marketing pela FGV.
19
Talentos da Casa
ADB
Diplomatas in concert
Arquivo Pessoal
Mesmo com a dificuldade de conciliar horários de ensaio com o trabalho, Igor Germano segue com
sua guitarra e a banda Cafuné Experience
C
onciliar o talento para as artes
com a pesada rotina da vida
diplomática pode parecer difícil,
mas para quem leva o hobby a
sério, é uma experiência única. A música
pode ser motivo para “estreitar laços” com
os colegas de trabalho ou até mesmo para
despertar dons ainda não explorados, como
a literatura. Seja roqueiro ou músico mais
erudito, não é difícil encontrar artistas entre
os diplomatas brasileiros.
Igor Germano, da Divisão de Informação
Comercial (DIC), não precisou se separar
da guitarra só porque se tornou diplomata.
Guitarrista desde os 12 anos, aprendeu bem
cedo a conciliar estudo e diversão. “Na
época em que estava estudando para o Rio
Branco, tive de deixar um pouco de lado a
guitarra, mas valeu a pena”, diz. Igor, diplomata desde 2003, aproveitou o convívio
20
com outros colegas em início de carreira
que moravam nos apartamentos funcionais
do Itamaraty na SQS 411, para participar
da “Festa da Prumada”, promovida por
três apartamentos de diferentes andares da
mesma prumada. Ambientes e sons distintos, oferecidos no inusitado evento, atraíam
os festeiros de carteirinha.
Reunir amigos – O diplomata, integrante da banda de rock Cafuné Experience, tocou
em três edições da “Festa da Prumada”. Para
ele, o evento era pura diversão. “Esse tipo de
festa é muito bacana porque mistura gente
do trabalho com pessoas desconhecidas.
Dessa forma estreitamos os laços e podemos conhecer outros diplomatas que têm
envolvimento com a arte”, comenta. Outra
festa que faz sucesso entre os profissionais
do Itamaraty é a “Lust for Life”. Idealizada
ADB
Talentos da Casa
e organizada por Oficiais de Chancelaria, a
Ter sido vencedor no concurso foi o estíprimeira versão aconteceu em dezembro do mulo que precisava para não parar mais de
ano passado e a próxima está prevista para escrever. Começou pouco depois os estudos
março. Igor Germano e a Cafuné Experience formais de composição, ao mesmo tempo
já confirmaram a presença. “É difícil con- em que recebia as primeiras encomendas.
ciliar horários para ensaiar, mas tentamos Para Gustavo, a composição demanda, além
nos reunir toda semana”, conta. Apesar da de tempo, muita energia. Ele conta que é
dificuldade, o diplomata roqueiro diz que preciso estar disposto para compor, pois é
a música ocupa um lugar privilegiado em necessário muito mais de trabalho braçal do
sua vida. “O universo da música têm gran- que se imagina. “Inspiração, quando aparede influência sobre mim, pois quebra meu ce, é ótimo, mas não é indispensável para
cotidiano, me ajuda a abstrair os problemas começar a trabalhar”, afirma.
e ainda me faz ter contato com
amigos queridos”, afirma.
Literatura – No entanRotina de
Gustavo de Sá, chefe do
to, compor não é sua única
trabalho
Setor Cultural da Embaixada
atividade. Literatura é a
do Brasil na Alemanha, é
segunda grande paixão. E
exigente não
outro diplomata que mantém
assim como a música, ele
impede Gustavo
estreita relação com a músiinscreveu um conto num
de
Sá
de
dedicar
ca. Adotou a clarineta como
concurso anual do jornal O
pelo
menos
duas
instrumento, pratica regularGlobo, chamado Contos do
horas
do
dia
à
mente, e tornou-se composiRio. O tema era futebol, por
tor. “Toco razoavelmente, mas
ocasião da Copa do Mundo,
arte
não me atreveria a fazer uma
e o conto deveria se passar
apresentação, pois a rotina de
obrigatoriamente no Rio de
trabalho não me permite estudar o neces- Janeiro. Apesar de não ser um torcedor fanásário”, conta. Na opinião de Gustavo, é tico, Gustavo resolveu tentar a sorte. “Para
normal para quem ama música querer participar do concurso, portanto, não podetocar algum instrumento, assim como ria nunca escrever um texto que envolvesse
quem adora ler, querer escrever.
detalhes técnicos do jogo”, conta. Foi então
As composições, no entanto, ficaram res- que nasceu um conto sobre o passeio de um
tritas à intimidade. Gustavo sabia o quanto uruguaio pelo Rio depois da final da Copa
poderia ser difícil encontrar um músico de 1950. E para sua surpresa, mais uma vez
que apostasse em seu trabalho de compo- ganhou o prêmio. “O tema atraiu escritores
sitor iniciante. Mesmo assim, apostou no do Brasil inteiro, foram mais de dois mil
talento e inscreveu uma peça no Concurso contos inscritos. Fiquei muito surpreso.”
Nacional de Composição Coral, organiCom a prova de que tem talento de
zado pela Escola de Música Villa-Lobos sobra, e apesar da rotina de trabalho
e Fundação de Arte do Estado do Rio de muito exigente, Gustavo se esforça para
Janeiro. Gustavo Sá esperava que sua com- dar fôlego a sua arte. Hoje tem se dedicaposição fosse classificada, mas o resultado do mais ao trabalho literário. “Duas horas
foi além e o surpreendeu. O júri, composto de trabalho num texto podem render
por uma banca de respeitados maestros e uma página sem grande dificuldade; em
compositores, deu ao diplomata o primeiro música, isso freqüentemente não dá uma
lugar no concurso, por unanimidade.
linha”, explica Gustavo.
21
Ponto de Vista
ADB
DOM PEDRO I,
AMANTE DA...MÚSICA
O
primeiro imperador do Brasil
foi uma personalidade, se não
protéica, pelo menos de vivos
contrastes, em que se misturavam o sagacidade e faro político do pai com
a decisão, mau gênio e mesmo violência de
Carlota Joaquina. Felizmente para o Brasil,
no coquetel de qualidades e defeitos herdados por D. Pedro I não constavam nem a
poltronice do pai nem o espírito reacionário da mãe; este último ficou inteiramente
(bem, quase inteiramente, pois sobrou um
pouco para Pedro) para o irmão Miguel.
22
Mau estudante, o futuro imperador preferia trocar as lições pela companhia dos
cavalariços e dos próprios cavalos. Conta
Gilberto Freire que o inglês que o herdeiro
do trono sabia foi em parte aprendido a um
groom inglês, “de quem adquirira um vocabulário da língua de Shakespeare que não
era precisamente de salão ou de corte”.1
Tal preferência não lhe foi destituída de
proveito, pois Pedro tornou-se excelente
cavaleiro: consta que certa vez cavalgou do
Rio à capital paulista em cinco dias.
Quanto ao idioma francês, só veio a estudá-lo quando ficou noivo de Leopoldina, a
fim de poder comunicar-se com ela. Como
diz Pedro Calmon: “A instrução de D. Pedro
nunca foi uma cogitação séria[...]. Mais
tarde imperador, daria a impressão de uma
inculta inteligência que se dirige, toda,
pelos sulcos da própria intuição”.2
Mau marido, logo se desinteressou da
esposa austríaca e, para maior humilhação
desta, trazia ao palácio a duquesinha de
Goiás, filha nascida de sua escandalosa
ligação com a Marquesa de Santos, para
brincar com as filhas de seu casamento com
Leopoldina. Afinal, eram todas irmãs...
Depois de desfilar tantos defeitos de seu
caráter, devo dizer que há um traço de sua
personalidade que desperta minha simpatia:
seu amor pela música. Sobre isto não pode
haver dúvida: de música ele entendia e gostava de verdade.
ADB
Ponto de Vista
Sua esposa, Leopoldina Carolina de missas cantadas, serenatas italianas e solHabsburgo, arquiduquesa d’Áustria,3 fejo”.6 Como se verá adiante, a falta de
vinda da cidade mais musical da Europa, método no aprendizado musical de Pedro
assim escrevia à tia Luísa Amélia, grã- foi mais tarde remediada.
duquesa da Toscana, em 24 de janeiro
de 1818: “Passo o dia todo a ler, escrever Instinto – Em carta a seu pai, o impee fazer música; como meu marido toca rador Francisco I, a futura imperatriz
muito bem quase todos os insenviou um Te Deum e outra
trumentos, eu o acompanho
composição de autoria do
ao piano e deste modo tenho
marido, que aperfeiçoou o
A música era
a satisfação de estar sempre
que aprendera instintivaa verdadeira
perto da pessoa amada”.4
mente, de ouvido, tomando
vocação do
Pedro Calmon conta que,
aulas com Sigismund von
primeiro
ao terceiro dia da chegada
Neukomm durante a estada
imperador
de Leopoldina ao Rio, D.
deste na capital brasileira.
brasileiro.
Falta
Pedro, “para ser gentil,
Pianista, organista e compode
método
foi
cant[ou] uma ária em
sitor, nascido em Salzburg,
compensada por
honra do embaixador
Neukomm era considerado
austríaco, o conde de
o mais talentoso discípulo
herança familiar
Elts”.5 Em outro ponto
de Haydn. Chegou ao Brasil
diz o mesmo autor:
em 1816, acompanhando o
“Música - isto sim, era a sua voca- duque de Luxemburgo, enviado em misção. Aprendeu-a um pouco por são diplomática por Luís XVIII, e residiu
si, instintivamente, sem no Rio de Janeiro até 1821, tendo retornamétodo, com uma do à Europa com D. João VI.
ponta de gênio
Em 7 de setembro de 1822, tendo a notícia
que lhe herdara do ocorrido às margens do Ipiranga chegado
a família atra- a São Paulo, e preparando-se grande manifesvés de cinco tação patriótica num teatro da cidade, Pedro
gerações de em poucas horas compôs a música do Hino
príncipes
e da Independência, sobre texto que Evaristo
rainhas doi- da Veiga havia escrito um mês antes.
dos por
A composição do príncipe foi entregue
a arranjadores e copistas, cujo rápido trabalho fez com que tudo ficasse pronto a
tempo do próprio compositor poder cantála no teatro, naquela mesma noite. Comecei
dizendo que nosso primeiro soberano foi
mau estudante; de música, no entanto,
parece merecer nota 100 com louvor.
Marcelo Raffaelli
23
Além do Itamaraty
ADB
Wanderley Pessoa/Ascom Mec
Potencial da educação
na política externa
A
pós 18 anos de carreira, o
diplomata Alessandro Warley
Candeas assumiu, pela primeira vez, um cargo fora do
Itamaraty. Desde abril de 2005, é o
chefe da Assessoria Internacional do
Gabinete do Ministério da Educação
(MEC), substituindo a colega embaixadora Vitória Cleaver, chamada para
a Embaixada em Nicarágua. “A prioridade é mostrar às diversas áreas do
Itamaraty o potencial da educação
como fator de política externa e de
cooperação internacional”, afirma.
Nascido em Recife, 41 anos, o diplomata, bacharel em ciências jurídicas pela
Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Pernambuco, foi condecorado
em 1988 com o Prêmio Barão do Rio Branco
pelo primeiro lugar no Curso de Preparação
à Carreira de Diplomata do Instituto Rio
Branco (IRBr).
Doutor
em
Socioeconomia
do
Desenvolvimento em Paris, na França,
Candeas iniciou no Departamento de
Organismos Internacionais do Itamaraty
(1989-90) e passou pela Divisão do Meio
Ambiente (1990-91). O diplomata ainda
integrou a Delegação Permanente do Brasil
junto à Unesco, em Paris (1993-97), trabalhou na Secretaria de Planejamento
Diplomático (1997-2001) e seu último posto
no Itamaraty foi como Chefe do Setor de
Política Interna e Relações com o Congresso
24
na Embaixada do Brasil em Buenos Aires,
Argentina (2001-05). Candeas também se
destacou na vida acadêmica. Foi professor
visitante no curso de Relações Internacionais
das Universidades del Salvador e de Buenos
Aires, ambas na Argentina. Em entrevista ao
Boletim da ADB, o diplomata conta como
está sendo a experiência no MEC.
Candeas destaca que a gestão do ministro Fernando Haddad – a partir de julho de
2005 – foi marcada principalmente pela
ampliação da agenda internacional e pela
maior dinâmica da cooperação bilateral e
multilateral. Segundo ele, o Brasil é cada
vez mais percebido como ator relevante
no plano educacional. Com isso, cresce
o interesse de países desenvolvidos e em
desenvolvimento em estabelecer estreita
parceria com diversos setores brasileiros,
em diferentes níveis, além de se construírem
ADB
parcerias políticas bem sucedidas, como
merenda escolar, distribuição do livro didático, financiamento, avaliação e capacitação docente.
O Integrador – De acordo com o chefe
Além do Itamaraty
Candeas aponta também o forte potencial
de expansão das ações no ensino superior,
incluindo pós-graduação da Coordenação de
Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior
(Capes), sobretudo nos países do Mercosul,
da África e da Ásia, mantendo o alto nível de
intercâmbio com a Europa. A Capes trabalha
com propostas de internacionalização da
pós-graduação em países africanos.
da assessoria internacional do MEC, foram
abertos, no plano bilateral, novos laços
com os países em desenvolvimento e os
desenvolvidos. No primeiro caso, a ênfase é no Mercosul e na África, onde existe Mercosul – O Brasil tem fronteira com
interesse cada vez maior. Um dos exemplos todos os países que compõem o Mercosul,
é o Proformação, programa de educação a exceto Chile e Equador. A idéia é implandistância que atua na formação
tar nas cidades de fronteide professores em Cabo Verde,
ras as Escolas Bilíngües de
MEC ampliou
na África. O Brasil também
Fronteiras. Segundo Candeas,
agenda
ajuda na construção da primeia necessidade da maioria
internacional ,
ra universidade do país. “Nossa
é de Português e Espanhol,
com dinamismo
visão da África é de cooperamas no segundo semestre o
na cooperação
ção. Investimos na formação
projeto também será implanbilateral
e
de recursos humanos daquele
tado na Guiana, país interesmultilateral
país, sem exportar os nossos
sado em escola bilíngüe em
professores; formamos profisInglês e Português.
sionais locais, que ensinem a
No inicio de março os munipartir da própria cultura”, frisa Candeas.
cípios de Letícia e Tabatinga (AM), fronteira
O crescente atendimento às necessidades com a Colômbia, lançam a Escola Bilíngüe
educacionais das comunidades brasileiras no de Fronteira Brasil–Colômbia. O MEC está
exterior é outro modelo citado por Candeas. trabalhando com a Universidade Federal do
Segundo ele, o MEC tem trabalhado com Amazonas (Ufam) na formação de professores
êxito na oferta do ENCCEJA (antigo supletivo) de espanhol, para ajudar os países vizinhos na
no Japão e na Suíça. O Ministério também formação de professores de português. A ação
recebeu pedido de realização de exames nos iniciou em 2004 na Argentina e será ampliado
Estados Unidos e na Europa (Itália).
para o Paraguai, o Uruguai e a Bolívia.
Além do antigo supletivo, o MEC apóia
escolas brasileiras no exterior. É o caso do Lições de um diplomata – Nesse
Japão, onde estudantes brasileiros residentes processo educacional, Candeas percebeu
naquele país recebem auxílio na grade cur- a importância da união da prática de
ricular normal de escolas locais – Português, trabalho, a mentalidade institucional e a
História, Geografia e Literatura Brasileira visão de mundo obtida no Itamaraty. “Da
– com a formação de professores capacita- carreira diplomática, trouxe para o MEC
dos e mecanismos de difusão de material muito da sensibilidade que aprendi, da
didático. Nos Estados Unidos, a demanda importância de construirmos nova mentaé de escolas que querem ter mais apoio no lidade de integração a partir da escola e
ensino do Português.
da universidade.”
25
Vida que Segue
ADB
Corpo e mente
em equilíbrio
Arquivo Pessoal
O
Apanhador
no
Campo de Centeio,
do
escritor
J.D.
Salinger (1919), foi
publicado nos Estados Unidos
em 1951 e está entre as obras
mais marcantes da literatura
norte-americana do século XX.
A primeira tradução em português da obra chegou ao Brasil
em 1965. Entre os responsáveis
pela versão brasileira do clássico estava o jovem diplomata e economista Jório Dauster
Magalhães e Silva (foto).
Natural do Rio de Janeiro, Dauster entrou
no Itamaraty em 1961 e, ao lado dos colegas diplomatas Álvaro Alencar e Antônio
Rocha, assina a tradução do clássico lançado no Brasil pela Editora do Autor. Selo
criado pelos escritores Fernando Sabino,
Rubem Braga e Walter Acosta. O título já
superou a marca das 200 mil cópias vendidas no País.
O embaixador se aposentou em 1999
ao ser convidado para assumir a presidência-executiva da Companhia Vale do Rio
26
Doce, a maior empresa privada do País,
onde ficou até 2002. A tradução de obras
literárias ainda é o grande hobby intelectual desse carioca. Ele também trouxe
para a língua portuguesa o livro Lolita,
do russo Vladimir Nabokov, entre outros.
“Há muitos anos tenho algum trabalho em
andamento: é só ligar o computador, puxar
o arquivo e lá vou eu pelos caminhos e
descaminhos dos jogos lingüísticos”.
Para Jório Dauster, a tradução de grandes
autores é um imenso desafio. “Conquanto
ADB
exija absoluto respeito ao original, sempre
demandará um esforço de recriação no
vernáculo. Tem de ser um trabalho de amor,
sem prazos ou condições”.
Biodiesel – Prestes a completar 70 anos
de idade, Dauster é presidente do Conselho
de Administração da Brasil Ecodiesel. “Meu
envolvimento com o biodiesel tem sido
estimulante porque estamos contribuindo
para desenvolver um
setor em que o Brasil
em breve ocupará a
liderança mundial”.
Segundo o embaixador, melhor ainda é
trabalhar em uma área
em que se busca substituir os combustíveis
fósseis, com reservas
finitas e grande potencial de conflito geopolítico, por fontes
energéticas renováveis, menos poluentes.
“Meu engajamento na
causa do biodiesel tem
me levado a participar
de numerosos seminários e conceder
freqüentes entrevistas à imprensa tanto
no Brasil quanto no exterior.” Dauster
ressalta o caráter de inclusão social do
Programa Nacional do Biodiesel (PNPB) e
comprometimento da empresa em fomentar da agricultura familiar em todo o território nacional.
Agenda cheia – Após deixar a presidência da Vale do Rio Doce, passou a atuar
como consultor de empresas e articulador
de negócios. Presta serviço para organizações como a Rio Tinto do Brasil e Grupo
Synergy (empresas de construção naval).
Além disso, foi presidente do Instituto de
Estudos Políticos e Sociais entre 2003 e
Vida que Segue
2006. É um dos fundadores do Instituto
DNA Brasil e participa do Pen Clube do
Brasil. Trabalha ainda como coordenador
dos conselhos de negócios da Associação
Comercial do Rio de Janeiro e é membro do Comitê Executivo do Global Crop
Diversity Trust, com sede em Roma. Para
ele, ter a agenda bem preenchida é indispensável para se ter qualidade de vida.
“Essa gama variada de ocupações e interesses é essencial para que
corpo e mente continuem
operando a todo vapor”.
Histórico – Durante os
38 de serviço no Itamaraty, o
diplomata Jório Dauster trabalhou em países como Canadá,
na então Tchecoslováquia,
Reino Unido e Bélgica, onde
foi embaixador junto à União
Européia. Passou grande parte
da carreira no Brasil. Foi
diretor no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial
(INPI), presidente do Instituto
Brasileiro do Café (IBC) e
embaixador extraordinário
para a negociação da dívida externa.
Atualmente, Dauster mora em Brasília,
mas ainda passa grande parte do tempo no
Rio de Janeiro. Ele lamenta o atual contexto
de violência cotidiana e a falta de civilidade
generalizada na cidade natal. “Para quem
teve o privilégio de viver os Anos Dourados
na Tijuca e no Arpoador, é duro encarar os
problemas de hoje em dia.” De qualquer
modo, diz não ter cabeça para ficar vendo
a vida pelo espelho retrovisor e declara seu
amor pela cidade maravilhosa, com o respaldo de quem conhece as mais variadas
paisagens do mundo. “Como aquela mistura de mar e montanha não tem igual neste
nosso sofrido planeta, o resto a gente vai
tratando de inventar – ou reinventar.”
27
Cooperação PLP
Q
Oito nações uni
uando chegou ao Brasil em
2001, Nivaldo Domingos
Gomes teve de se ajustar à
cultura e ao estilo de vida brasileiro. O fato de ser de Guiné-Bissau, na
África, país cujo idioma oficial é a língua
portuguesa, não facilitou sua adaptação
com o português falado por aqui. “No
começo, não entendia nada, era muito
difícil me comunicar”, lembra.
Nivaldo estuda Sociologia na
Universidade de Brasília (UnB), por
meio do Programa de Estudantes – convênio de graduação (PEC-G), administrado pelos Ministérios da Educação e
das Relações Exteriores (MRE). O PECG permite que jovens estrangeiros de
mais de 43 países tenham a oportunidade
de estudar em universidades brasileiras.
Neste ano, 368 novos alunos ingressarão
em instituições de nível superior de todo o
País. “Em Guiné não tinha faculdade. Foi
uma chance para continuar os estudos.”
Entre 2000 e 2007 foram registrados 4,2
mil jovens no PEC-G e no Programa de
Estudantes – convênio de pós-graduação (PECPG). Destes, 2.650 são de Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa (Palops).
De acordo com a conselheira Almerinda
Augusta Carvalho, chefe da Divisão de Temas
Educacionais do Itamaraty, os PECs são uma
importante política de Estado, pois criam vínculos entre pessoas de nações diferentes.
Laços lusitanos – São 220 milhões
de falantes nativos da língua portuguesa
no mundo. Depois do espanhol, é a língua
latina mais falada no mundo. São oito países, divididos em quatro continentes, que
a têm como idioma oficial: Brasil, Angola,
28
ADB
Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe,
Portugal e Timor-Leste.
Em julho de 1996, em Lisboa, realizouse a I Conferência de Chefes de Estado e
de Governo desses países (exceto TimorLeste). A data ficou marcada pelo nascimento da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP). Em 2002, o Timor-Leste
incorporou-se ao grupo.
Apesar de a CPLP ter dez anos de idade,
a idéia surgiu em 1989, durante o governo
do então presidente José Sarney. Por iniciativa dele, foi criado o Instituto Internacional
da Língua Portuguesa (IILP), em São Luís,
Maranhão. Na gestão de Itamar Franco, a
ADB
Cooperação PLP
das pelo idioma
Irene Sesana
“Esses países passaram a entrar na agenda da
política externa brasileira de maneira muito
forte. Sobretudo os que enfrentaram processos internos complicados.”
Parcerias – Os projetos de cooperação
idéia de união dos países de
língua portuguesa voltou à tona até que,
em 1996, no governo de Fernando Henrique
Cardoso, a comunidade se tornou oficial.
A CPLP é um organismo multilateral e funciona em torno de três eixos: difusão, promoção, propagação e fortalecimento da língua
portuguesa; cooperação para o desenvolvimento econômico e social entre os membros
e concertação político-diplomática e criação
de mecanismos de solução de crises.
De acordo com o chefe da Divisão da África
II, ministro João Inácio Padilha, o Brasil tem
acordos de diversos tipos em todo o mundo,
mas os programas de cooperação entre os
integrantes da CPLP são mais numerosos.
técnica entre os membros da CPLP estão divididos em diversas áreas. A Agência Brasileira
de Cooperação (ABC) é um dos agentes de
coordenação desses programas.
A ABC tem como objetivo negociar,
coordenar, implementar e acompanhar
os programas e projetos brasileiros de
Cooperação Técnica Internacional (CTI).
Os projetos de cooperação da ABC no
âmbito dos países de língua portuguesa
são, em sua maioria, técnicos. A agência
atua como principal instrumento da política externa brasileira na CPLP. “Depois que
capacitamos e transferimos a tecnologia,
o projeto passa a ser responsabilidade do
governo local”, diz Monteiro. Organizações
brasileiras são parceiras da ABC, como Senai,
Embrapa e Fundação Oswaldo Cruz.
Um exemplo da cooperação técnica prestada pelo Brasil a outros países é na área de
saúde pública. Outro destaque é a criação
do Centro de Desenvolvimento empresarial,
Formação profissional e Promoção social, no
Timor-Leste, e o Centro Regional de Excelência
em Desenvolvimento Empresarial em Angola.
Social – Não é só no Brasil que o governo investe em políticas sociais. Os Palops
estão sendo capacitados para desenvolver
o programa Bolsa Família. “Já implantamos
alguns projetos pilotos em Angola e em
Moçambique. Os resultados são positivos
e pretendemos expandir a idéia para outros
países”, conta o ministro Edson Monteiro.
29
Prata da Casa
30
ADB
Luis Fernando Corrêa da Silva Machado:
Brasil e investimentos internacionais:
os acordos sobre IED firmados pelo País
(Pelotas: Editora da UFPel, 2005, 222 p.).
Otávio Augusto Drummond Cançado
Trindade: O Mercosul no Direito Brasileiro:
incorporação de normas e segurança jurídica
(Belo Horizonte: Del Rey, 2007, 180 p.).
A obra resulta do mestrado em relações
internacionais na UnB e cobre de maneira
quase completa – faltando referência ao
MAI-OCDE – os instrumentos multilaterais,
regionais e bilaterais existentes no campo do
investimento direto estrangeiro e sua aplicação ao Brasil. Depois de breve histórico
e do exame das teorias e medidas práticas
relativas ao IED, no plano internacional, a
obra cobre os fluxos de IED vindos para o
Brasil na década de 1990 e a normativa a
eles aplicada. Um capítulo trata dos protocolos aprovados no âmbito do Mercosul, bem
como dos acordos bilaterais contraídos pelo
Brasil, nenhum deles aprovados ou em vigor
na atualidade. O Brasil continua relutante
a esse respeito, confirmando que gosta de
capitais estrangeiros, mas detesta capitalistas
estrangeiros, como ocorre em diversas outras
áreas também. A despeito do grande mercado interno, o Brasil continua recuando na
atratividade do IED. Essa dissertação mostra
algumas das razões da baixa captação.
Uma monografia agraciada com o prêmio Hildebrando Accioly do mestrado em
Diplomacia do Instituto Rio Branco, o trabalho deste jovem diplomata tem tudo
para consagrar-se como uma das melhores
análises acadêmicas sobre a “insegurança
jurídica” do Mercosul, a despeito de todos
os instrumentos aprovados no plano formal
da solução de controvérsias. A razão disso é
que os estados membros pouco fizeram para
internalizar grande parte das normas aprovadas consensualmente (outra dificuldade).
O autor não se contenta em examinar o
conceito de segurança e a natureza jurídica
das normas do Mercosul, mas examina sua
incorporação ao direito interno dos países
membros e formula sugestões para o aperfeiçoamento desse processo. A maior parte
das sugestões são de procedimento, mas
o autor reconhece a necessidade de uma
reforma constitucional, tarefa que se choca
com a velha defesa da soberania nacional.
Assim, a integração continua a patinar...
ADB
Marcelo Raffaelli: A Monarquia e a
República: aspectos das relações entre Brasil
e Estados Unidos durante o Império (Rio de
Janeiro: Centro de História e Documentação
Diplomática; Brasília: Funag, 2006, 290 p.).
Exemplo de síntese histórica, em sua
objetividade e concisão, a compilação feita
dos despachos e ofícios trocados pelos
diplomatas dos dois países com suas respectivas Secretarias de Estado compõe
um relato saboroso das relações bilaterais
entre os dois grandes países do hemisfério. Organizado tematicamente, antes que
cronologicamente, o livro cobre desde o
reconhecimento da independência brasileira até o fim do regime monárquico e a
inauguração da República. A obra faz a descrição sintética dos chefes de missão e suas
respectivas instruções diplomáticas, analisa
os problemas do tráfico escravo, da Guerra
de Secessão e da abertura do rio Amazonas
à navegação internacional, bem como as
questões políticas e jurídicas do relacionamento bilateral (arbitragens). Excelente
resumo das fontes primárias, com intenso
apoio nos arquivos oficiais e em bibliografia
equilibrada sobre essas relações.
Prata da Casa
Rubem Mendes de Oliveira: A Questão da técnica em Spengler e Heidegger (Belo Horizonte:
Argumentum-Tessitura, 2006, 132 p.).
O Itamaraty abriga alguns filósofos, mais
empíricos do que profissionais, ainda que
vários diplomatas tenham feito estudos e até
obtido titulação pós-graduada nessa área.
Mas, certamente ele ainda não contava,
entre seus quadros, com um filósofo da “técnica”, com a competência e a amplidão de
conhecimentos demonstrados por Rubem
Oliveira neste seu livro de estréia, que
reproduz sua dissertação na UFRJ (1991). O
estatuto de Spengler e de Heidegger é diferenciado na história e na filosofia do século
XX, mas o autor soube dialogar com ambos
naquilo que eles apresentaram de mais
relevante para o estudo e a discussão da
modernidade e da ciência no contexto do
pensamento ocidental, remontando inclusive a clássicos (Kant). Trata-se de uma leitura
comparativa que vai à essência do problema
da técnica na obra dos dois autores, amparada em sólida bibliografia de apoio. Um
livro que coloca o autor na lista seleta dos
pensadores profissionais da filosofia da técnica no Brasil.
31
Entrelinhas
N
a 14ª Assembléia Geral, realizada no Clube das Nações,
em 14 de dezembro de 2006,
o advogado Antônio Torreão
Braz, assessor jurídico da ADB, apresentou relatório do andamento das 17 ações
judiciais movidas pela associação. Segue
abaixo alguns dos processos. A lista completa pode ser vista no site da ADB (www.
adb.org.br).
Reajuste residual de 3,17% –
Processo 2002.32643-7 – A ação
movida pela ADB que cobra da União o
pagamento de atrasados relativos aos meses
de janeiro de 1995 a dezembro de 2001,
teve parecer favorável à associação e está
em fase de execução de sentença. Os cálculos tiveram como base a diferença entre
o que os filiados à ADB percebiam e o que
deveriam perceber se em suas remunerações tivesse sido computado o reajuste residual de 3,17%, desde janeiro de 1995.
Direito ao GDAD – Processo
2002.32644-0 – Visa a garantir aos
aposentados e aos pensionistas o direito
à percepção integral da Gratificação de
Desempenho por Atividade Diplomática
(GDAD), no mesmo patamar recebido pelos
servidores em atividade. O processo em
questão possui sentença favorável à ADB
e está nas mãos do desembargador federal
Carlos Moreira Alves, da Segunda Turma
do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1a
Região, para o julgamento das apelações da
ADB e da União Federal.
Licença-prêmio – Processo
2004.5986-7 – Procura o reconhecimento do direito de converter em dinheiro
32
ADB
os períodos de licença-prêmio e/ou licença
especial, conquistados e não gozados, com
a conseqüente condenação da União ao
pagamento de tais valores. Já há sentença
favorável à ADB. A desembargadora federal
Neuza Maria Alves da Silva, da Segunda
Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal
da 1a Região, deve julgar as apelações da
associação e da União Federal.
Reajuste de 28,86% – Processo
2003.7822-2 – A ação pretende condenar a União ao pagamento dos valores
atrasados referentes ao reajuste de 28,86%
sobre as parcelas compreendidas entre 1o
de janeiro de 1993 e 30 de junho de 1998.
O processo, cuja sentença é favorável à
ADB, foi remetido ao Tribunal Regional
Federal da 1a Região para o julgamento das
apelações da ADB e da União Federal.
Incorporação de quintos –
Processo 2004.5987-0 – Tem o objetivo de garantir o direito à percepção acumulada das vantagens constantes dos artigos
62 e 192, II, da Lei no 8.112/90, em suas
redações originais, assim como garantir o
recebimento futuro do valor correto aos servidores em atividade que, em abril de 1998,
haviam preenchido todos os requisitos para a
aposentadoria. Os autos foram remetidos ao
Tribunal Regional Federal da 1a Região para
julgamento da apelação da União.
Auxilio alimentação – Processo
2005.22417-4 – Prevê garantir a percepção do auxílio-alimentação nos mesmos valores pagos aos servidores do Poder
Legislativo. O processo está com o eminente juiz do primeiro grau para prolação
de sentença.
ADB
Diretoria da ADB
Ministro Flávio Mendes de Oliveira Castro – Presidente
Secretário André Luiz Costa de Souza (Deputado Federal PDT-RJ) – Vice-presidente
Embaixador Hélcio Tavares Pires – Assuntos Jurídicos
Ministro Paulo Roberto de Almeida – Assuntos Culturais
Conselheiro Murillo de Miranda Basto Júnior – Aposentados e Pensionistas
Secretário Paulo Gustavo Iansen de Sant'ana – Social e de Esportes
Suplentes da Diretoria
Embaixador Luiz Brun de Souza
Conselheiro Milton Rondó Filho
Conselheiro Ralph Peter Henderson
Conselho Fiscal
Embaixador Sérgio Damasceno Vieira
Embaixador Fernando Jacques de Magalhães Pimenta
Ministro Igor Kipman
Secretariado da ADB
Gerente Administrativo: Térsio Arcúrio
Assistente Administrativa: Carina Oliveira da Silva
Assistente Administrativa: Jacqueline Francisca da Cruz
ADB
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros
Ano XIII – nº 56
Edição Janeiro/Fevereiro/Março de 2007 - ISSN 0104-8503
Conselho Editorial
Flávio Mendes de Oliveira Castro
Luiz Villarinho Pedroso
Paulo Roberto de Almeida
Sérgio Damasceno Vieira
Sérgio Fernando Guarischi Bath
Reportagem
Emmanuelle Girard
Francisco Macedo
Letícia de Souza
Marina Mercante
Natália Lambert
Vanessa Montenegro
Editora
Patrícia Cunegundes
Revisão
Joíra Coêlho Furquim
Suely Touguinha
Projeto Gráfico
Carlos Eduardo Felice Barbeiro
Capa
Irene Sesana
Diagramação
Fabrício Martins
Impressão
Gráfica Athalaia
Tiragem
3 mil exemplares
Diretor responsável
Ronaldo de Moura
(61) 3349 2561
33
ADB - Associação dos Diplomatas Brasileiros
Ministério das Relações Exteriores - Esplanada dos Ministérios
Palácio do Itamaraty, Anexo I, 3º andar, sala 329-A
70170-900 - Brasília - Brasil
Fones: (61) 3411 6950 e 3224 8022 Fax: (61) 3322 0504
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