Porteira Fechada
Cyro Martins
CYRO MARTINS
O AUTOR
(1908 – 1995)
Nasceu em Quaraí, RS, em 1908. Médico
psicanalista, foi contista, ensaísta e romancista.
Pertenceu ao grupo de autores do chamado
“Romance de 30”, na medida em que sua obra
se adequou às características levantadas por
escritores que produziram narrativas 'em que
são apresentadas de forma direta os modos de
existência de sociedades concretas ou
supostamente concretas'. Fixando estruturas
históricas identificáveis por suas características
econômicas e sociais. Buscando uma
perspectiva crítica em relação a essas
estruturas.
A figura do monarca dos pampas,
personagem épica na conquista e defesa
da terra, não aparece na ficção de Cyro
Martins que fornece uma outra visão do
gaúcho: o trabalhador descapitalizado,
pobre, desempregado, que substitui o
trabalho do campo por um subemprego
na cidade - o gaúcho a pé. Não há nada
de épico, portanto, nas personagens do
autor.
Contextualização histórica da
obra Porteira Fechada
O Rio Grande do Sul dos anos 30 vive
uma época de intensa efervescência
política, a Revolução de 30 coloca o
estado no cenário político nacional com
Getúlio Vargas, que após o golpe de
37, cria o Estado Novo, decretando
uma Constituição fascista, fecha o
Congresso, suspende as eleições,
proíbe partidos e censura a imprensa.
Contextualização histórica da
obra Porteira Fechada
No cenário econômico, o Rio Grande do
Sul, ainda em expansão no setor agropastoril, perde força no mercado
nacional, competindo com produtos do
centro do país. Reduzida a renda familiar
e atingida drasticamente a pequena
propriedade, começa a aparecer o
excedente populacional nas colônias.
Contextualização histórica da
obra Porteira Fechada
É o primeiro passo para o fluxo
migratório e o surgimento dos sem-terra.
Fortalecidos, o latifúndio e a elite rural,
dá-se início o Ciclo do gaúcho a Pé, um
retirante das coxilhas que contribui com o
cinturão de miséria na periferia dos
centros urbanos.
Contextualização histórica da obra
Porteira Fechada
João Guedes é um típico representante
do gaúcho marginalizado e submetido a
uma degradação sócio-econômica e
moral, que culmina com sua morte.A obra
de Cyro Martins mostra, com fidelidade, a
sociedade injusta e desigual da época,
alimentada pela política do coronelismo
centralizador, colocando à margem do
sistema uma leva de gaúchos
empobrecidos e sem perspectiva de
sobrevivência.
.
Cyro Martins e a politização da
classe média
 De forma clara e direta, Cyro mostra a
politização da classe média (dentro no
novo quadro histórico-político do país
dos anos 30-40). Gerados por novas
condições socioeconômicas, no palco
das pradarias do sul novos atores
entravam em cena e começavam a
perturbar o tranqüilo desenrolar da peça
de um século e meio montada pela
Cyro Martins e a politização da
classe média
 oligarquia rural do estado. Nem
proprietários nem deserdados –
funcionários, técnicos, bacharéis,
médicos, etc. -, eles se politizam. Isto é,
adquirem uma imagem global do
mundo em que estão inseridos. E esta
é uma imagem nova. Nada possui da
visão autoglorificadora que a oligarquia
decadente tem de si em O tempo e o
vento, que reúne todos os clichês
Cyro Martins e a politização da
classe média
 Ideológicos que tinham sido a base se
sua legitimação e de sua dominação.
 Erico Verissimo é o cantor dos feitos
heróicos do passado, mentiras
históricas transformadas por seu gênio
criador em verdade artística. Cyro
Martins é o apresentador de novos
atores que começam a aparecer em
cena e precisam, portanto, negar o
passado – que para eles não tem mais
Cyro Martins e a politização da
classe média
 importância nem interesse – para
firmar-se e sobreviver.
 Como principiantes, estes novos atores
do palco imaginário são ingênuos.
Como ingênuos eram os atores do
plano da história real, empírica (que se
guia só pela experiência). As
personagens de Cyro Martins não
mostram, por exemplo, conhecimento
mais aprofundado das estruturas de
poder e podem não conseguir libertarse totalmente do passado.
Cyro Martins e a politização da
classe média
 Contudo, que Cyro Martins se deixe
envolver pela nostalgia é uma
contradição. A contradição dos que
ascendem e se politizam, não
conseguindo fugia à irresistível magia do
poder e de suas vantagens. Mesmo que
em postos delegados e periféricos. Aí
está a mola dos conflitos sociais.
Cyro Martins e a politização da
classe média
 Com o tempo, os grupos sociais, de
que Cyro Martins é a voz, tenderiam a
radicalizar-se e a tomar o poder. Ou a
serem exterminados. Não foi isto que
aconteceu, pelo menos em termos
socialmente significativos. Aliás, eles
nem precisaram perder completamente
a inocência. Com um certo desencanto,
eles foram sendo assimilados pela
crescente industrialização e passaram
Cyro Martins e a politização da
classe média
 a gozar de algumas vantagens nada
desprezíveis como cidadãos
alfabetizados e, quase sempre,
tecnicamente especializados de um
país extenso e rico. Tão extenso e rico
que, como já dizia o padre Vieira, pode
dar-se o luxo de ser pilhado (roubado)
vinte e três horas por dia e crescer na
restante o suficiente para absorver a
parcela mais esclarecida e/ou perigosa
Cyro Martins e a politização da
classe média
 do corpo social.
 Era inevitável que assim fosse numa
nação que possui fronteiras agrícolas
tão extensas que podem ser
distribuídas, como numa quermesse, a
todo o mundo, no sentido literal do
termo. Quando elas acabarem talvez
comece uma nova história.
[José Hildebrando Dacanal]
Cyro X Erico
 Cyro Martins parte, em sua principal
obra a chamada Trilogia do gaúcho a
pé (Sem rumo, 1937; Porteira Fechada,
1944; e Estrada nova, 1954), parte do
mesmo universo sócio-histórico de
Erico Verissimo: o Rio Grande do Sul
pastoril, das imensas fazendas, da
grande produção de couro e carne.
Cyro X Erico
 Todavia, a diferença entre ambos se
revela no grupo social que está no
centro de seus relatos: Erico realiza um
mural sobre a classe dominante
gaúcha; Cyro opta por fixar
literariamente os desvalidos do pampa:
peões, agregados, posteiros, gente sem
eira nem beira.
Cyro X Erico
 A Trilogia do gaúcho a pé fixa o
processo de expulsão dos
trabalhadores do campo face à
modernização capitalista que avança. O
transporte ferroviário, as cercas de
arame farpado e as pastagens artificiais
reduzem a necessidade de mão-deobra e criam uma legião de
desempregados que migra então para
as cidades.
Cyro X Erico
 Perdidos, esses tipos rudes vagam
pelas pequenas aglomerações urbanas
da campanha em busca de emprego.
Como não conseguem trabalho,
tornam-se bêbados e, nostalgicamente,
voltam-se para o passado, que pintam
como uma época de ouro. Daí à
marginalização é apenas um passo.
A trilogia do gaúcho a pé
 Sem rumo (1937) = História de Chiru,
um órfão criado em uma fazenda, que
se torna peão até ser atingido pelo
desemprego, quando se muda para
uma cidade fronteiriça, sendo vítima de
maquinações políticas que não chega a
compreender.
A trilogia do gaúcho a pé
 Porteira Fechada (1944) = Narra a
expulsão, de uma fazenda em processo
de modernização, do agregado, espécie
de arrendatário, João Guedes, que se
dirige para a cidade e, em decorrência
de um processo de absoluto
empobrecimento, é levado ao roubo, à
prisão e à morte.
A trilogia do gaúcho a pé
 Estrada nova (1954) = Narrativa que
ainda aborda a temática do processo de
expulsão dos trabalhadores das
fazendas, sob efeito da modernização,
mas, nesse caso, atenuado pela
perspectiva de uma sociedade mais
justa e igualitária.
A trilogia do gaúcho a pé
 São narrativas que desmistificam o
gaúcho “monarca das coxilhas”
(centauro dos pampas), para colocá-lo
como vítima de um sistema social que
lhe imputa essa condição de potente
dominador de seu mundo e joga-o nos
cinturões de miséria das cidades do
interior.
O monarca das coxilhas
Monarca das coxilhas= símbolo
de hombridade, bravura e
fortaleza de espírito.
A trilogia do gaúcho a pé
'Quero salientar que nunca quis contribuir
com a ampliação da mentira do monarca
das coxilhas. Nunca trarei o gaúcho como
personagem em estilo ufanista. Pelo
contrário, procurei ser realista, para poder
ser útil de alguma forma'
[Cyro Martins].
A temática do gaúcho a pé
A temática do gaúcho a pé, cujo aspecto
nuclear é a lenta expulsão dos peões da
estância e sua inexorável pauperização
nos cinturões da miséria das cidades da
campanha, não foi apenas um achado
casual. A temática surgiu a partir de um
modo de viver os problemas, da sua
circunstância social.
A temática do gaúcho a pé
Como médico em São João Batista do
Quaraí, cenário de todos os seus
romances, Cyro Martins conheceu de
perto e muito cedo as diferenças sociais e
a miséria instituída pelos latifúndios.
Porteira Fechada
Apesar de ser um romance autônomo, que
pode ser lido separadamente dos demais,
continua a temática do gaúcho sem terra,
iniciada em Sem rumo, e que vai terminar com
Estrada nova. Décio Freitas, na introdução que
faz à Porteira Fechada, comenta a consciência
aguda de Cyro Martins em pintar com talento
determinadas relações sociais de produção,
uma das 'mais belas tentativas de romance
social já realizadas entre nós'. Décio Freitas,
neste mesmo prefácio, situa Cyro Martins entre
os maiores romancistas rio-grandenses.
Porteira Fechada
Porteira Fechada configura a tirania
econômica da classe dominante sobre a
massa de trabalhadores rurais. O
problema básico é - e continua sendo - o
da distribuição, o da exploração das
massas. A tirania econômica impõe um
assalto à pequena estância; ocasiona a
crise, que se traduz no êxodo contínuo às
cidades do interior e à capital.
Porteira Fechada
João Guedes, gaúcho pobre, com meia
quadra de campo arrendado, criava e
cultivava para sobreviver. Mas a miséria,
antes tolerável na estância, alcança
situação extrema e terrível quando o
proprietário se vê obrigado a vender a
quadra e o novo dono a requer para
engorde do seu gado.
Porteira Fechada
Expulso do seu chão, João Guedes vai
para os ranchos que cercam a cidade de
Boa Ventura. A decadência econômica,
psicológica e moral de João Guedes
empurra-o para o roubo. Quase não
reage, quando uma de suas filhas morre
de tuberculose e a outra foge com um
milico e perde-se na vida.
Porteira Fechada
A família de João Guedes chega ao
último grau da degradação humana
e sua morte miserável constitui
apenas o corolário deste desajuste
social.
Porteira Fechada = Em síntese:
A marginalização do gaúcho a pé, o gaúcho
pobre que foi obrigado a refugiar-se, sem eira
nem beira, nos arredores das cidadezinhas. Ali
perde o interesse pelo trabalho, o gosto de
viver, emborracha-se, adoece e morre na
miséria. Esse gaúcho desenraizado,
encurralado no rancherio miserável, é
apresentado na figura de João Guedes que
encarna todos os sem-rumos da campanha
que vêm dar nos arrabaldes das grandes
cidades, onde eles, aos poucos, sentem que
não encontrarão maneiras de subsistir.
A metáfora do gaúcho a pé
Ao transportar o sentido de ‘estar a pé’
ao gaúcho, o ficcionista mexe com uma
construção simbólica mítica desse
homem que pressupõe o cavalo como
extensão de sua valentia, coragem,
bravura, altivez; como elemento
inerente a sua própria identidade.
A metáfora do gaúcho a pé
Essa metáfora do cavalo fica
muito evidente na passagem em
que Guedes vende seu cavalo e,
posteriormente, seus arreios,
estando assim designado ao seu
destino: andar a pé;
A metáfora do gaúcho a pé
como demonstrado nessa
passagem em que ele se desfaz
dos arreios: “Cortava assim o
último tento que o prendia à vida
passada. Curvava-se à fatalidade,
cedendo a um desígnio doloroso
de gaúcho a pé.”
A morte de João Guedes
O desfecho da personagem João Guedes é
marcado pela sua trajetória, é como se desde
que ele saiu da estância tivesse iniciado seu
processo de morte, pois aos poucos foi
esmorecendo, até chegar ao seu fim. A
narrativa inicia relatando a morte dele, cujo
corpo foi encontrado na beira de uma sanga e
a partir daí traçam-se os últimos caminhos da
personagem, cuja morte já se prenunciara no
momento em que ele precisou deixar a
fazenda. Se considerarmos as condições de
sua morte, podemos perceber o quanto foi
trágico o seu destino.
A morte de João Guedes
A sua morte foi sua libertação e o fim de um
legado de miséria e vergonha. No dia de seu
sepultamento aparece finalmente uma
imagem serena, diferente daquelas visões de
Boa Ventura que Guedes possuía. O que
chama a atenção nessa imagem agradável é
o remetimento da cena ao campo, mostrando
que só lá era possível observar-se
semelhante imagem. A terra é vista como
símbolo de prosperidade, onde a paz,
perdida por Guedes desde sua partida, reina
absoluta:
A morte de João Guedes
“Longe de Boa Ventura, lá no fundo
duma estância, numa invernada de dez
quadras de sesmaria, lotada de bois,
defrontavam-se três taperas: a do
Bentinho, a do João Guedes e a da
Gertrudes. Sobravam algumas árvores,
algumas pedras e os sinais de moradia
humana no chão. Nada mais. Os bois
gostavam de lamber aquela terra.”
A morte de João Guedes
Cyro Martins, com um toque irônico,
conclui: 'Que engorde dava aquela
invernada! Para um fim de safra, então, já
com caídas para o inverno, não havia
campo que se igualasse. Seiscentos
novilhos pastavam folgadamente entre as
altas cercas de sete fios e madeirama de
lei que a tapavam. O sol entrou sem
grandes esplendores. A noitinha caiu
suavemente. Que paz naqueles campos!'
A morte de João Guedes
A imagem da campanha aqui é
nostálgica e dá a entender que Guedes
estando sob a terra podia encontrar-se
feliz, sendo agora parte dessa e não
mais sofrendo a desventura de ter se
perdido na cidade. A paz em que ele
vivia foi quebrada pela viagem para fora
dos pampas, mas que após sua morte é
reencontrada, expressa claramente na
frase que encerra a obra: Que paz
naqueles campos!
Outros personagens:
 Coronel Ramiro = poder político.
 Capitão Fagundes = braço forte do
coronel.
 Júlio Bica (fazendeiro) = poder
econômico.
 Maria José = esposa de João Guedes.
 Querubina = prima (classe média) de
Maria José.
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