PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luis Gustavo de Paiva Leão
A quebra da base objetiva dos contratos
MESTRADO EM DIREITO CIVIL
SÃO PAULO
2010
II
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luis Gustavo de Paiva Leão
A quebra da base objetiva dos contratos
MESTRADO EM DIREITO CIVIL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Civil sob a orientação do Professor Doutor
Sílvio Luis Ferreira da Rocha.
SÃO PAULO
2010
III
Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
IV
AGRADECIMENTOS
A todos que, de uma forma direta ou indireta, contribuíram para este
trabalho; e em especial para minha esposa, amigos e professores da PUC-SP, e
meus familiares e companheiros de trabalho que muito puderam acrescentar a meu
conhecimento e experiência.
V
Fundamentum autem est iustitiae fides, id est dictorum conventorumque constantia et veritas.
(O fundamento da justiça é a boa-fé, isto é, o cumprimento sincero dos compromissos e acordos.)
Cícero – De Officiis, Proêmio
VI
RESUMO
LEÃO, Luis Gustavo de Paiva. A quebra da base objetiva dos contratos. 120 f.
Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. São Paulo, 2010.
Por meio de uma sucinta análise das origens históricas do contrato, considerado
enquanto acerto de partes com aval do Estado, observado em suas aplicações
práticas, pretende-se analisar a quebra da base objetiva dos contratos, verificando
as consequências desta ruptura tanto na jurisprudência como nas relações sociais
envolvidas, bem como as possibilidades interpretativas da questão. A relevância do
tema se demonstra por si só, vez que a sociedade contemporânea é contratualista
em quase todos os aspectos, e a não observância dos termos contratuais é causa
de inúmeros transtornos que impactam sobre a harmonia da vida social em todas as
esferas: do nível familiar ao governamental. Temas como a autonomia e a liberdade
contratual esbarram em questões que necessitam de revisões ético-políticas. Como
objetivo principal subsiste a caracterização de como, quando e em que
circunstâncias se pode alegar que houve a quebra da base objetiva do contrato, e,
diagnosticada esta quebra como se procede diante da situação: haverá possibilidade
do estabelecimento de novo acordo ou apenas restará a configuração de penas e
ressarcimentos. Os objetivos secundários apontam para a identificação de efeitos
diretos e indiretos da situação, e na ação das leis para este tipo de ocorrência. Será
utilizado o método dedutivo para o desenvolvimento da pesquisa, sendo a revisão da
literatura sobre o tema a fonte básica para o enriquecimento das discussões, no
convite a autores que já se debruçaram sobre o assunto em livros, artigos, teses e
demais dissertações.
Palavras chave: contrato, quebra de contrato, base objetiva, ações conciliatórias.
VII
ABSTRACT
LEÃO, Luis Gustavo de Paiva. The collapse in the objective basis of contracts.
120 pages. Dissertation (Master´s degree). Law School - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. São Paulo, 2010.
Through a brief analysis of the historical origins of the contract, taking into account as
party settlements with the State endorsement, observed in its practical applications,
we intend to analyze the collapse in the objective basis of contracts, verifying the
consequence of such breakaway, both in the jurisprudence as in the social relations
involved, and as the interpretative possibilites of such issue. The relevance of the
subject is shown by itself, once the contemporary society is contractarian in almost all
respects, and the non compliance of the contractual terms is a result of numerous
disorders that cause impact on the harmony of social life in all spheres: familiar level
up to the governmental. Themes such as autonomy and contractual liberty come up
against issues that need ethical-political reviews. As the main objective remains the
characterization of how, when and under what circumstances it is possible to affirm
that there was a collapse in the objective basis of the contract, and diagnosed such
collapse, how to proceed in such situation: there will be a possibility of establishing a
new agreement or just be left to setting penalties and compensations. The secondary
objectives point to the identification of direct and indirect effects regarding the
situation, and in the action of laws to this type of occurrence. The method that will be
used is the deductive method in order to develop the research, being the review of
literature on the theme the basic source to enrich discussions in the invitation to
authors that have already leaned on the theme in books, articles, theses and further
dissertations.
Key Words: Contract, Contract breach, objective basis, conciliatory actions.
VIII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – HISTÓRICO E ANTECEDENTES ..................................................... 14
1.1 Evolução Histórica do Contrato ..................................................................... 14
1.2 Constitucionalismo e Direito Civil .................................................................. 24
1.3 Princípios Informadores do Código Civil de 2002 ......................................... 30
1.3.1 Princípios Estruturais ........................................................................... 31
1.3.2 Princípios Gerais de Direito e Cláusulas Gerais ................................. 34
1.4 Participação do contrato na vida cotidiana contemporânea .......................... 39
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL....................................... 40
2.1 Autonomia e Liberdade Contratual ............................................................... 40
2.2 Princípio da Iniciativa Privada ....................................................................... 43
2.3 Igualdade, Paridade e Equidade ................................................................... 49
2.4 Obrigatoriedade ............................................................................................ 50
2.5 Intangibilidade ............................................................................................... 51
2.6 Boa-Fé .......................................................................................................... 51
2.7 Relatividade de Efeitos ................................................................................. 56
2.8 Justiça Contratual ......................................................................................... 58
2.9 Função Social ............................................................................................... 61
CAPÍTULO III – QUEBRA DA BASE OBJETIVA DOS CONTRATOS ...................... 70
3.1 Teoria da Causa ........................................................................................... 73
3.2 Base Objetiva do Negócio Jurídico ............................................................... 78
3.3 Requisitos para a Aplicação da Teoria da Quebra da Base Objetiva ........... 82
3.4 Consequências da Quebra da Base Objetiva ............................................... 86
IX
CAPÍTULO IV - REVISÃO CONTRATUAL ................................................................ 89
4.1 Embasamento Teórico da Revisão Contratual .............................................. 89
4.2 Fundamentos Legais para a Revisão dos Contratos .................................... 90
4.3 Requisitos para a Revisão Contratual ........................................................... 91
4.4 Importância das Cláusulas Gerais para a Revisão Contratual no Novo Código
Civil ..................................................................................................................... 95
4.5 Características da Ação de Revisão Contratual ............................................ 97
4.6 Integração do Juiz na Relação Contratual .................................................... 98
4.7 Revisão Contratual com fundamento na Teoria da Quebra Base Objetiva . 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 111
INTRODUÇÃO
Quando Rousseau escreve sobre o Contrato Social1 em meados do século
XVIII, no âmago das questões iluministas, sua intenção não era a de enobrecer o
caráter natural da liberdade humana, mas sim, reforçar como, de um modo ou de
outro, os homens em sociedade se enredam em acordos diretos ou indiretos que
acabam transformando a vida numa sucessão de contratos.
As ações humanas passam de um estado de liberdade natural para uma
conduta. Em alguns casos a conduta é anterior à existência do homem, pois já
estava determinada pelo grupo de pessoas às quais se junta o novo ser, o que torna
o pequeno homem “preso” a um contrato mesmo antes de sua noção sobre os fatos.
Conforme cresce, o homem pode aceitar as normas de conduta ou desviar-se delas.
Esta decisão pode lhe ser custosa e remeter a consequências nem sempre
reparáveis. Quando de comum acordo, lança-se em novos ajustes, seja de caráter
interpessoal ou ligado a ações comerciais. É nesse momento que o Direito entende
o estabelecimento de um verdadeiro contrato.
Assim sendo, rodeado de contratos por todos os lados, o homem tem duas
opções de conduta: honrá-los ou não.
Por meio do presente trabalho objetiva-se analisar e compreender como
ocorre o descumprimento do contrato, tendo em vista a existência de diferentes
motivos para que isto ocorra, e, por trás destes motivos, os interesses de todas as
partes envolvidas direta e indiretamente, e, diante dessa multiplicidade de fatores
buscar saber como se deve proceder aos fatos, analisando a situação pela vertente
do Direito.
Partindo do pressuposto de que os contratos cuja execução prolonga-se no
tempo ficam expostos à grande número de vicissitudes, – boa parte delas podendo
ser atribuída às modificações das bases econômicas contratuais – há que se
observar a permanente relação de tensão entre a estabilidade e a mudança, entre a
1
A obra maior do pensador suíço Jean-Jacques Rousseau, o Contrato Social (1762) é na realidade
parte de um obra mais extensa, as Instituições Políticas, que acabou sendo destruída pelo próprio
11
segurança e a inovação, entre a permanência e a ruptura.2 Ao Direito cabe não
apenas cotejar estas situações, mas dar-lhes solução quando necessário.
Rousseau lastimava o fato da maioria de nossos males ser obra nossa,
afirmando que os evitaríamos, quase todos, se conservássemos uma forma de viver
simples, uniforme e solitária - que nos era prescrita pela natureza. Impensável nos
dias de hoje, com a alta complexidade da sociedade em que estamos inseridos
supor possível uma vida simples, uniforme e solitária, a fim de evitar aborrecimentos.
No entanto, o próprio Rousseau sabia que muitos destes males poderiam ser
discutidos em caráter conjunto com o apoio das leis, já que o Estado seria legitimado
para tanto, fato este incontroverso nos dias de hoje, já que a sociedade complexa
cada vez mais clama e busca pelo aparato do Estado para resolução de suas
aflições privadas, provindas na grande maioria das vezes de relações interpessoais
fundamentadas em contratos de toda natureza possíveis.
Assim, entender sumariamente do que se trata o contrato, para que se possa
analisar como se dá a quebra contatual, exige uma breve análise histórica, que,
remontando às origens das obrigações contratuais descritas por Justiniano há quase
dois mil anos, até a cena contemporânea, mais especificamente a realidade
brasileira após as alterações do Código Civil em 2002, levará a compreensão da
evolução deste tipo de acordo voluntário, e sua força dentro das relações sociais e
comerciais nas sociedades.
Ao tratar sobre a quebra da base objetiva de contratos, dar-se-á destaque às
relações sociais envolvidas, bem como às possibilidades interpretativas da questão.
A relevância do tema sustenta-se no fato de que cada vez mais a sociedade
contemporânea é contratualista, e que a não observância dos termos contratuais é
causa de inúmeros transtornos que impactam sobre a harmonia da vida social em
esferas que avançam do nível familiar ao governamental.
Muitos dos assuntos tratados no passado de forma verbal começaram a ser
regulamentados por contratos escritos e cláusulas, criando situações novas para
dilemas antigos.
2
Conforme Judith MARTINS-COSTA prefaciando obra de Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos
Contratos, pp. XVIII -XIX.
12
Temas como a autonomia e a liberdade contratual esbarram em questões que
necessitam revisões ético-políticas e conferem necessidade de impessoalidade ao
tema. O desenvolvimento do assunto procurará caracterizar como, quando e em que
circunstâncias se pode alegar que realmente houve quebra na base objetiva de um
contrato, e como se deve proceder diante dessa situação: haverá possibilidade do
estabelecimento de novo acordo ou apenas a configuração de penas e
ressarcimentos?
A identificação de efeitos diretos e indiretos da situação, e na ação das leis
para este tipo de ocorrência também serão abordados como objetivos secundários.
O método escolhido para o desenvolvimento da pesquisa é o dedutivo 3, e a
revisão da literatura é a fonte básica para o enriquecimento das discussões sobre o
assunto, no convite a autores que já se debruçaram sobre o tema em livros, artigos,
teses e demais dissertações.
Num primeiro momento será feita breve análise histórica do conceito de
contrato e das bases do Direito, com foco específico nos princípios do Direito
Contratual e suas relações com a vida contemporânea, a fim de contextualizar o
tema a ser tratado.
Em seguida será analisado o cerne da questão: a quebra da base objetiva
dos contratos, buscando delineá-la,
Tendo debatido o núcleo da questão, isto é, a quebra da base objetiva, serão
abordadas suas consequências, a saber: a legitimidade das revisões, o
restabelecimento de novos contratos, bem como os imprevistos assumidos por
questões decorrentes da situação de quebra.
Por fim, objetiva-se interligar os três capítulos, relacionando teoria e prática, e
sintetizar as principais ideias que podem auxiliar profissionais do Direito frente a
situações de quebra de base objetiva de contratos em situações atuais regidas pelo
novo Código Civil brasileiro.
3
Pelo método dedutivo, organiza-se e especifica-se o conhecimento que já se possui sobre um
determinado tema. Ele tem como ponto de partida o plano do inteligível (ou seja: da verdade geral, já
estabelecida) e converge para um ponto interior deste plano. A partir de considerações já feitas sobre
um assunto estabelecem-se e ressaltam-se pontos de interesse para a compreensão de uma
situação ou problema.
13
14
CAPÍTULO I – HISTÓRICO E ANTECENTES
Para a perfeita compreensão da quebra da base objetiva dos contratos, se faz
necessária breve análise da evolução histórica do direito e, principalmente, do
regime jurídico pátrio em que se funda o contratualismo. No entanto, cabe esclarecer
que a problemática dessa análise reside em saber em qual momento a relação
contratual tornou-se objeto de estudo do direito, e como a extinção dos contratos foi
tratada em cada momento histórico. Existem referências de acordos entre homens
desde a pré-história, mas somente em Roma, com Justiniano, é que os acordos
ganham ares contratuais e leis de obediência.
Uma vez constatado que os romanos foram os primeiros a fazer distinção
nítida entre o direito e a moral, estabelecendo pressupostos à norma jurídica
autônoma e codificando regras de condutas que eram essenciais à manutenção de
sua civilização, utilizar-se-á o Direito Romano como o ponto de partida.
No entanto, considerações complementares tratarão da questão contratual no
Renascimento, com ênfase no crescimento mercantil e no período iluminista, quando
a discussão sobre o direito ganhou novos ares com tratados e adequações às bases
do capitalismo instaurado.
Fará parte dessa análise histórica, ainda que de forma sucinta, a questão
contratual no Código Civil brasileiro, sua evolução e alterações mais significativas.
1.1 Evolução Histórica do Contrato
Surgido no direito romano, com inspiração religiosa, o contrato se firmou no
direito canônico assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e
obrigações. Os canonistas atribuíam relevância de um lado ao consenso, e de outro
à fé jurada, preconizando que a vontade seria a fonte da obrigação, bastando para
criar o contrato a sua declaração. Orlando Gomes assevera:
15
O respeito à palavra dada e o dever de veracidade justificam, de
outra parte, a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas,
fosse qual fosse a forma do pacto, tornando necessária a adoção de
regras jurídicas que assegurassem a forma obrigatória dos contratos,
mesmo os nascidos do simples consentimento dos contratantes.4
A teoria da autonomia da vontade, contribuição dos canonistas, foi
desenvolvida pelos juristas e filósofos que antecederam a Revolução Francesa, e
afirmava a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as à própria lei para as
partes contratantes. Estabelece-se assim o princípio pacta sunt servanda, que em
tradução livre significa que “os pactos devem ser observados”, princípio este vigente
até os dias de hoje na doutrina contratual, e que expressa a força obrigatória dos
contratos. Rogério Ferraz Donnini acerca da noção de contrato para os romanos
afirma:
O contrato, para os romanos, por ser um acordo de vontades, era o
que se denominava conventio; possuía força obrigatória e
possibilitava a respectiva ação judicial em caso de inadimplemento.5
No entanto, a reapreciação do conteúdo de um contrato em virtude de
eventos supervenientes que alterassem as circunstâncias de uma relação contratual
era permitida já no Império Romano.
Os teóricos do Direito Canônico da Idade Média desenvolveram a ideia da
possibilidade de uma das partes rever a relação contratual em virtude de sua
impossibilidade econômica de cumprimento do contrato, decorrente de evento
superveniente que superasse o risco previsível do negócio jurídico, era o surgimento
de um novo princípio o rebus sic standibus.6 Neste período, a manutenção do
equilíbrio estava estreitamente associada à preocupação pela justiça do conteúdo.
Seria injusto manter a vinculação se as circunstâncias se alterassem radicalmente.
E, muito embora na Idade Média e nos períodos subsequentes permanecesse
em vigor o princípio pacta sunt servanda, o Código Justiniano já fazia valer cláusula
4
Orlando GOMES, Contratos, p. 5.
Rogério Ferraz DONNINI, Responsabilidade Civil Pós-Contratual, p. 7.
6
Álvaro Villaça AZEVEDO, Princípios gerais de direito contratual aplicáveis à divida externa de
países em desenvolvimento. In Repertório Eletrônico de Jurisprudência IOB. Civil, Processual, Penal
e Comercial. Ementário 1996/3/11885. A cláusula “rebus sic stantibus” surgiu na Idade Média, da
frase seguinte: “Os contratos que tem trato sucessivo e dependência futura devem ser entendidos
estando as coisas assim”, ou seja, como se encontram no momento da contratação (“Contractus qui
habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”).
5
16
implícita em todos os contratos, que alertava para que, se as condições externas à
época da contratação fossem consideravelmente modificadas, o vínculo contratual
poderia ser revisto ou resolvido. Rodrigo Toscano de Brito analisando a questão
afirma:
Aos poucos o pacta sunt servanda, que deu – e dá com feições
contemporâneas – a fundamentação necessária para a formação,
execução, e por derradeiro a segurança contratual, foi sendo
relativizado, cedendo lugar á igualdade substancial.7
O contratualismo atinge o seu apogeu com os jusnaturalistas, que levando a
teoria ao extremo baseiam num contrato a própria estrutura Estatal (como se vê em
O Contrato Social de Rousseau) e fazendo com que, em determinadas legislações,
o contrato não mais se limite a criar obrigações podendo criar, modificar ou extinguir
qualquer direito, inclusive os direitos reais.
A Escola de Direito Natural (século XIX) embasada no racionalismo e no
individualismo, assim como a corrente dos canonistas, teve grande influência na
formação do conceito atual de contrato. O Código de Napoleão foi o grande marco
do contratualismo, que passou a ser a diretriz do Direito Civil deste momento em
diante, seguindo até os dias atuais. Referido Código inspirou-se na forma liberal,
reduzindo ao mínimo possível a interferência estatal, abrindo amplas perspectivas
de liberdade à vontade humana. Orlando Gomes ao analisar este período histórico
assevera:
A Escola de Direito Natural, racionalista e individualista, influi na
formação histórica do conceito moderno de contrato ao defender a
concepção de que o fundamento racional do nascimento das
obrigações se encontrava na vontade livre dos contratantes. Desse
juízo, inferiram seus pregoeiros o princípio de que o consentimento
basta para obrigar (solus consensus obrigat). Salienta-se no
particular, a contribuição de Pufendorf, para quem o contrato é um
acordo de vontades, expresso ou tácito, que encerra compromisso a
ser honrado sobre a base do dever de veracidade, que é de Direito
Natural. Ressalta-se ainda a influência de Pothier na determinação
da função do acordo de vontades como fonte do vínculo jurídico e na
aceitação do princípio de que o contrato tem força de lei entre as
partes, formulado como norma no Código de Napoleão.8
7
8
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p. 34.
Orlando GOMES, Contratos, pp. 5-6.
17
O liberalismo remonta ao século XVII, em que se preconizava a livre iniciativa
e a livre concorrência, exprimindo dessa maneira tanto o liberalismo político quanto
o liberalismo econômico, que se contrapunham aos já decaídos absolutismo e
mercantilismo.
O
liberalismo
tinha
como
principal
característica
o
não
intervencionismo, a pregação radical do individualismo e da livre concorrência,
manifestando-se como garantia dos valores liberdade e propriedade, fundando-se na
liberdade de discussão pelos indivíduos e pela comunidade das diretrizes
orientadoras do destino da vida social, política e econômica, seria o autogoverno da
sociedade civil. Fruto da Revolução Francesa, que proclamou os ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade, o liberalismo preconizava que “o Estado que governa
melhor é aquele que governa menos”.9
O liberalismo individualista do século XIX reage contra as limitações impostas
pelo Estado durante a Idade Média, e consagra o postulado da liberdade dos
homens no plano contratual em detrimento da acurada interferência estatal. Neste
esteio a teoria, admitia a onipotência do cidadão na administração e na
disponibilidade de todos os seus bens, garantindo amplamente o direito de
propriedade e a faculdade de contratar com todas as pessoas nas condições e na
forma das cláusulas determinadas. Ao arbítrio de cada um ficava decisão sobre
todas as questões econômicas, sem qualquer interferência por parte da sociedade.
No Brasil, a sociedade dominante do final do século XIX e início do século XX
tinha postura ortodoxa e conservadora, que visava à perpetuação e proteção da sua
classe - a qual era advinda em grande parte da Europa -, bem como à manutenção
dos institutos familiares tradicionais, como o pátrio poder e o individualismo.
É nesta fase, do processo econômico de consolidação do regime capitalista
de produção que se consolida a moderna concepção de contrato como acordo de
vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se
prendem.
Desta forma, o contrato constitui-se como instrumento eficaz da economia
capitalista, em sua primeira fase, permitindo, em seguida, a estruturação das
sociedades anônimas e a grande concentração de capitais necessária para o
desenvolvimento da economia, financiando o progresso técnico, a expansão das
9
Norberto BOBBIO, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos, p. 226.
18
forças produtivas, e a criação de grandes unidades financeiras, industriais e
comerciais.
No Brasil, o Código Civil de 1916 foi influenciado em grande parte pela
codificação francesa, elaborada com o intuito de preservar os direitos alcançados
com a revolução. Tal circunstância acarretou a utilização de dispositivos casuísticos,
que concediam pouca liberdade ao julgador.
O Código Bevilácqua foi elaborado ao tempo de uma economia estável, moeda
com valor definido, uma sociedade elitista, relações civis centradas na propriedade
imobiliária, economia recém saída de um regime de escravidão, que, ao invés de
dirigir-se para a indústria, investia só no comércio litorâneo e na terra para seu
fortalecimento e segurança.10
A liberdade de contratar e a propriedade privada também decorreram da
influência do setor produtivo de importação de bens acabados e exportação de
matérias-primas. Arnold Wald ponderando a importância dos contratos no
crescimento da economia mundial afirma:
O extraordinário desenvolvimento dos transportes e das
comunicações, que ocorreu após a última Guerra Mundial, ensejou
um substancial aumento do comércio internacional de bens, serviços
e tecnologias e uma progressão geométrica dos investimentos
realizados no exterior, implicando na importância crescente atribuída
aos contratos internacionais, que veio a ensejar a criação de um
direito próprio, que alguns autores chegaram a denominar lex
mercatoria.
Assim, calcado na pregação radical do individualismo e da competição entre
os indivíduos, o liberalismo contribuiu em enorme parcela para o estabelecimento de
uma profunda desigualdade social. Aos poucos, o equilíbrio foi dando lugar à
monopolização de determinados setores da economia; a parcela trabalhadora da
população viu-se cada vez mais achacada pelas imposições fixadas unilateralmente
pelos detentores dos meios de produção.
A exacerbação dos conflitos entre trabalho e capital, e o clamor por maior
liberdade política responderam pela emergência de um Estado intervencionista, de
efetiva ingerência em diversos setores, a fim de atenuar as desigualdades sociais
10
Renan LOTUFO, Código Civil Comentado, V. 2 p. 9
19
criadas pelo modelo liberal não intervencionista. Pode-se afirmar nitidamente que a
preocupação maior desloca-se da liberdade para a igualdade.11
Fernando Rodrigues Martins, pontuando esta modificação, alerta, no entanto
para a compreensão que se tinha desta igualdade, e explica:
(...) a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, que em muito
afetou o ordenamento jurídico de antanho, fixava que os homens
eram livres e iguais em direitos. A liberdade manifestava-se no direito
privado como vontade advinda de uma autonomia (governo de si
próprio) capaz de compor as contrapartes na realização do objeto
contratual. Contudo, se a liberdade dessa forma se materializava, a
igualdade, a seu tempo, era compreendida tão somente num aspecto
neutro, ensejando a noção de que todos eram absolutamente iguais
entre si, sem que houvesse outra perspectiva mais humanizada.12
A teoria revisional, amparada no rebus sic standibus, que havia caído em
desuso por um longo período na história, no século XX, após a Segunda Guerra
Mundial viria a ser revalorizada frente à complexidade de situações e circunstâncias
sociais e econômicas daquela conjuntura, deixando enfraquecer a força absoluta
dos contratos.
O dinamismo social e a mudança desses conceitos advindos dos efeitos das
grandes
guerras,
somados
às
mudanças
socioeconômicas,
levaram
ao
enfraquecimento dos dispositivos e princípios do Código Civil de 1916. Assim,
iniciaram-se alguns movimentos que tinham por escopo a elaboração de um novo
Código Civil para o país, que refletisse a inovação e os novos objetivos da Nação.
Muito embora já se demonstrasse a necessidade de substanciais alterações
em diversos assuntos, o Código Civil de 1916 vigeu por mais de oitenta anos, só
sendo substituído por nova codificação em 2002, como se verá adiante.
Mostrava-se neste momento necessária uma atuação estatal efetiva nas
relações entre os particulares, e este princípio intervencionista se faz presente nas
constituições de quase todos os países no pós-guerra. Como forma de
equacionamento dos problemas nacionais a economia foi sendo planificada,
constatando-se de forma inequívoca o desmantelamento do liberalismo econômico:
era a instauração do Estado de Bem-estar.
11
Cf. Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização e outras formas, p. 20.
12
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, pp. 58-59.
20
Cristiano Carvalho afirma que o princípio ético que rege a ideologia do Estado
do Bem-estar é o da redistributividade: “esse princípio é absorvido pelo sistema
jurídico, que o positiva sob a forma de princípios e valores e os instrumentaliza
através da criação de institutos jurídicos”.13
Em 1934 é promulgada nova Constituição, que inspirada da constituição
social alemã (Weimar) expande os direitos fundamentais para incluir os direitos
sociais: família e trabalho passam a ser preocupações latentes. Fica expresso o
dever do Poder Público intervir na ordem econômica e social.
Procurando conciliar o liberalismo político e o dirigismo contratual o Estado
passou a interferir diretamente sobre as relações particulares, por meio da
elaboração de legislação trabalhista, de fiscalização de atividades, de tributação,
dentre outras formas, a fim de conciliar a economia capitalista com as aspirações
sociais. Wald afirma:
Trata-se de transformar o dirigismo num planejamento dialogado que
deve decorrer dos entendimentos entre a iniciativa privada e a
administração, consagrando-se assim, a democracia tanto no plano
econômico, como político, e garantindo-se os direitos individuais e
sociais,
que
constituem
a
condição
indispensável
do
desenvolvimento de qualquer sociedade. A meta a ser alcançada não
é o simples processo econômico de caráter quantitativo,
representado pelo aumento do produto nacional bruto, ou de renda
per capita, mas uma modificação de caráter qualitativo que assegure
a todos melhores condições de vida.14
Até aquele momento histórico, em tese, a liberdade contratual só sofria
restrições em virtude da ordem pública, que segundo Arnold Wald “representa a
projeção do interesse social nas relações interindividuais”.15 Segundo ele o ius
cogens, isto é o direito imperativo, defende os bons costumes e a estrutura social,
econômica e política da comunidade. Agora, no entanto, por meio do estado
interventor a liberdade contratual passará a ser tolhida em nome da observância de
direitos sociais, que como se verá se agigantarão no decorrer da história.
Fernando Rodrigues Martins afirma a respeito:
13
Cristiano Rosa CARVALHO, Teoria do sistema jurídico: direito, economia e tributação, p. 295.
Arnold WALD, Obrigações e contratos, pp.167-168.
15
Ibidem, p. 163.
14
21
A formação do Estado social, a despeito de sofrer uma influência
inegável do marxismo dele rompeu com teoria de deslocamento da
propriedade, abraçando a busca da igualdade não pela absoluta
planificação econômica ou estatização dos meios de produção,
senão por uma designação política democrática balizadora da
igualdade, recuperada nas lições de Rousseau.16
Nos anos que se seguiram, prospera a economia, por meio da modernização
do aparelho estatal com a implantação de grandes complexos industriais (siderurgia,
hidrelétricas). Já início dos anos 60 o Brasil passa por uma grave crise políticoinstitucional, que viria a culminar em 31 de março de 1964 com o golpe militar: era a
tomada do poder pelas Forças Armadas. A Constituição de 1967 foi promulgada
num cenário de autoritarismo ditatorial, quando assumia a presidência o Marechal
Arthur da Costa e Silva.
A Constituição de 1964, no entanto, não durou muito: inspirada na Carta de
1937 preocupava-se essencialmente com a segurança nacional, e estava voltada
completamente para o fortalecimento do Poder Executivo, da autoridade do
Presidente da República. Em 1967 foi elaborado o projeto de um novo Código Civil,
que serviu de base para o atual Código Civil. No entanto, o projeto original sofreu
muitas alterações e restrições, principalmente advindas do regime ditatorial militar
vivido pelo país.
O Estado intervencionista fora aos poucos se enfraquecendo, e os princípios
orientadores da administração centralizadora, da forte ingerência estatal na
economia mostraram ser a própria razão do insucesso deste modelo administrativo.
Um novo modelo passa a ser adotado, embasado no neoliberalismo. Segundo José
Afonso da Silva, o país, após longo período de regime militar ditatorial
viveu um momento histórico que a teoria constitucional denomina
situação constituinte, ou seja, situação que se caracteriza pela
necessidade de criação de normas fundamentais, traduzidas numa
nova Constituição que consagrasse nova idéia de direito e nova
concepção de Estado, informadas pelo princípio da justiça social.
Sentia-se que aquele espírito do povo, que transmuda em vontade
social, que dá integração à comunidade política, já havia despertado
irremissivelmente, como sempre acontece nos instantes históricos de
transição, em que o povo reivindica e retoma o seu direito
fundamental primeiro, qual seja, o de manifestar-se sobre o modo de
16
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 96.
22
existência política da nação pelo exercício do Poder Constituinte
Originário.17
A promulgação da Constituição de 1988 foi o marco legal redefinidor do
Estado brasileiro como Estado Democrático de Direito, embasado num modelo
neoliberal e refletindo um momento histórico singular no constitucionalismo pátrio.
Após a instalação do regime democrático e a abordagem de questões
privadas na promulgação da Constituição Federal de 1988, com indeterminação
deliberada de termos e conceitos, foram possíveis as introduções das últimas
alterações substanciais no projeto da nova codificação civil, que acarretaram na
utilização de critérios legais abertos e na consequente aprovação e promulgação do
Código Civil de 2002.
A flexibilização, embasada nas cláusulas gerais, nos conceitos jurídicos
indeterminados, e a maior ênfase valorativa foram as grandes alterações trazidas
pelo Código Civil de 2002, que tinha por objetivo a modernização do ordenamento,
sem, no entanto, criar um novo direito.
Fica nítido que o Código Civil de 2002 não tem por função a proteção dos
interesses da classe dominante, mas sim a defesa dos direitos no aspecto social, o
que o aproximou muito da Constituição Federal de 1988, também chamada de
Constituição Cidadã.
O projeto do presente Código alterou substancialmente esta matriz
[referindo-se o autor à matriz elitista], porque teve diante de si outro
tipo de sociedade e de cultura. Assim, abandona a posição
individualista para afirmar que a liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da função social do contrato (art. 431),
princípio este que inaugura o título relativo aos “Contratos em geral”,
dando a tônica de como a matéria deverá ser tratada pelo
intérprete.18
A Constituição de 1988 recebe este nomenclatura em razão de ser a primeira
carta brasileira a elevar a status constitucional a cidadania e a dignidade da pessoa
humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito, – influenciada
essencialmente por tratados internacionais adotados no Brasil – fundamentos estes
que ao lado da livre iniciativa e dos valores sociais do trabalho dão a tônica da
Democracia (Art. 1º da CF/88.
17
18
José Afonso da SILVA, Poder Constituinte e Poder Popular, pp. 107-108.
Renan LOTUFO, Código Civil Comentado, V. 2, p. 9.
23
Destaca-se ainda a adoção dentre seus objetivos fundamentais da construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação
da pobreza e das desigualdades regionais e o bem geral extirpando qualquer
espécie de preconceito ou discriminação (art. 3º da CF/88).
Também merece destaque a função social da propriedade, determinada nos
incisos XXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que reproduzida na codificação
civil se desdobrará também para a função social do contrato.
Diante das modificações sociais e jurídicas ocorridas, principalmente com a
Constituição Federal de 1988 e com o Código Civil de 2002, o direito privado passa
a ter não só influências, mas também limitações sociais no campo do direito
contratual; o conceito de contrato até então vigente, baseado no pacta sunt
servanda, que determina que o contrato faz lei entre as partes e que não pode ser
alterado salvo em situações expressamente previstas, passa a ser revisto.
Atualmente, o contrato tem que observar não só os princípios e limites
privados estabelecidos entre as partes, mas também é obrigado a respeitar o que se
pode chamar de direito da coletividade, isto é, aqueles inerentes à sociedade, ao
meio ambiente ou a terceiros.
O contrato, que é fonte voluntária das obrigações, torna-se um
instrumento da cooperação entre as pessoas, que, no âmbito do
sinalagma e da comutatividade, há que preservar a igualdade dos
sacrifícios, que, se não decorrer da colaboração conjunta dos que
participam da avença, será por força da lei que busca a
concretização dos princípios fundamentais.19
Sobre a importância que os contratos adquiriram na atualidade Caio Mário da
Silva Pereira20 afirma que o mundo moderno é o mundo do contrato, e a vida
moderna o é também, e em tal escala que, se por um momento se abstraísse o
fenômeno contratual a consequência seria a estagnação da vida social. É o contrato
que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria,
a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários.
A partir desse novo contexto histórico instaurado, pode-se conceituar contrato
como uma espécie de negócio jurídico e, como tal, corresponde ao exercício da
autonomia privada. Pode-se, portanto, definir o contrato como acordo de vontades
19
20
Renan LOTUFO, Código Civil Comentado, V. 2, p. 9.
Caio Mário da Silva PEREIRA, Instituições do Direito Civil, p.13.
24
pelo qual as partes constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas
patrimoniais.21
Maria Helena Diniz22 entende que contrato é o acordo de duas ou mais
vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma
regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar
ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
Arnold Wald23 afirma que o contrato é um ato jurídico bilateral, pois que
depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou
extinguir obrigações. Para Orlando Gomes24 o contrato é todo acordo de vontades
destinado a construir uma
relação jurídica de natureza
patrimonial e
eficácia
obrigacional.
Também ao se manifestar sobre o tema, Arnaldo Rizzardo 25 dispõe que
desdobrando-se o conceito, transparece a bilateralidade do ato jurídico; exige-se o
consentimento válido, emanado de vontades livres; pressupõe a conformidade com
a ordem legal; e tem por escopo objetivos específicos, ou seja, a produção de
direitos.
Assim, contrato pode ser entendido como acordo bilateral ou plurilateral de
vontades, destinado à formalização de objetivos e regras a serem cumpridas entre
as partes envolvidas, ou ainda à modificação e/ou extinção de outras regras
previamente existentes.
1.2 Constitucionalização do Direito Privado
Quando se fala em Direito Civil Constitucional está a se falar na supremacia de
valores inseridos na Constituição Federal que irão reger toda a compreensão das
demais regras do ordenamento jurídico, inclusive as que tratam do Direito Civil, e
21
Conforme Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore (org.).
Temas relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 515.
22
Maria Helena DINIZ, Tratado teórico e prático dos contratos. V. 3, p. 24.
23
Arnold WALD, Obrigações e contratos, p. 161.
24
Orlando GOMES, Contratos, p, 12.
25
Arnaldo RIZZARDO, Contratos, p. 6.
25
que, indiscutivelmente, afetaram a compreensão existente até então das regras da
codificação privada.
O Direito Civil Constitucional supõe como base para toda interpretação, da
dignidade da pessoa humana, que foi elevada a fundamento da República e
finalidade do ordenamento jurídico brasileiro quando da promulgação da
Constituição de 1988 (artigo 1º, inciso III, da CF). Ao tratar dos objetivos da
República Federativa do Brasil, a Constituição Federal consagrou em seu artigo 3º,
inciso I, que entre outros fins, está o da construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, instituindo o denominado princípio da solidariedade.
Sobre a inserção da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal
José Afonso da Silva, discorre:
A Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo
com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas
de realização social profunda pela prática de direitos sociais que ela
inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e
que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça
26
social, fundando na dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada qualidade intrínseca e
distintiva, reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando num
complexo de direitos e deveres fundamentais, com o escopo de garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos.27
A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 28 Segundo Maria
Helena Diniz “na linguagem filosófica, é o princípio moral de que o ser humano deve
ser tratado como um fim e nunca como um meio”.29
26
José Afonso da SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 124.
Conforme Ingo Wolfgang SARLET, O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos
Fundamentais, p. 63.
28
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore (org.). Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 521.
29
Maria Helena DINIZ, Dicionário jurídico, p. 133.
27
26
De acordo com Maria Celina Bodin de Moraes, seria desumano, isto é,
contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que pudesse reduzir a pessoa
(o sujeito de direitos) à condição de objeto.30
Ingo Wolfgang Sarlet dispõe que se entende por dignidade da pessoa
humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, em um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma
vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos.31
Dessa forma, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana tem
por valores fundamentais a proteção à vida e à liberdade, de modo que se pode
afirmar que é a razão de ser do direito. Falar em dignidade da pessoa humana é
reconhecer que todo homem tem direitos, capacidade de agir e liberdade volitiva,
sendo esta última representada pelo princípio da autonomia da vontade e no campo
do direito privado, pelo princípio da autonomia privada.32
De grande valia é o argumento de José Joaquim Gomes Canotilho ao analisar
a inserção da dignidade da pessoa humana, igualmente, no texto Constitucional
Português, tanto no preâmbulo quanto no art. 2º, ao asseverar que:
O que é ou que sentido tem uma República baseada na dignidade da
pessoa humana? A resposta deve tomar em consideração o princípio
material subjacente à idéia de dignidade da pessoa humana. Tratase de princípio atópico que acolhe a idéia pré-moderna e moderna do
dignitas-hominis, ou seja, o do indivíduo conformador de si próprio e
da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual.
(...)
30
Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à pessoa humana, p. 85.
Ingo Wolfgang SARLET, O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais,
passim.
32
Rosana Guida Krastins MARCELINO, Os princípios de Direito Privado e a liberdade. In NERY,
Rosa Maria de Andrade (Org.). Função do Direito Privado no atual momento histórico, p. 59.
31
27
a dignidade como base da República significa, sem transcendências
ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do
indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.
Conclui, então, que a República é uma organização política que
serve o homem, e não é o homem que serve os aparelhos políticoorganizatórios. 33
Jorge Miranda por sua vez, esclarece que:
A Constituição, a despeito de seu caráter compromissório, confere
uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao
sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da
pessoa humana, proclamada no artigo 1, ou seja, na concepção que
faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.34
Assim, a dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado
Democrático de Direito, passa a ser vista como núcleo básico e informador de todo
ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a
interpretação e compreensão do sistema constitucional,35 mas não apenas dele, e
sim, e especialmente do Direito Civil. Alexandre dos Santos Cunha 36 dispõe que o
princípio da dignidade da pessoa humana, não obstante sua inclusão no texto
constitucional, é, tanto por sua origem, quanto pela sua concretização, um instituto
basilar do direito privado. Enquanto fundamento primeiro da ordem jurídica
constitucional, ele o é também do direito público. Indo mais além, pode-se dizer que
é a interface entre ambos: o vértice do Estado de direito.
Consoante os ensinamento de Judith Martins Costa, o princípio da dignidade
humana é inspirador da razão de escolha e da compreensão de todos os outros
princípios. Em razão da importância do princípio da dignidade da pessoa humana,
muito se discute na doutrina se ele se apresenta como princípio eminentemente
constitucional ou se pertence também ao direito privado. Como a dignidade da
pessoa humana é um dos principais objetivos perseguidos pelo direito, o
33
José J. G. CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 218.
Jorge MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, p. 166.
35
Flavia PIOVESAN, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 237.
36
Alexandre dos Santos CUNHA, Dignidade da Pessoa Humana: conceito fundamental do direito civil
In MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios,
diretrizes e direitos fundamentais do direito privado, p. 260.
34
28
entendimento de que está presente em todo o direito, inclusive no privado, parece
mais coerente. 37
Na redação do Código Civil de 2002 o legislador claramente se valeu do
núcleo básico e informador - da dignidade da pessoa humana - para orientar a
outras determinações legais; institutos civis como o direito da propriedade e o
contrato são refundidos, dando origem a uma nova configuração, como, a título
exemplificativo, ao o princípio da função social da propriedade e o da função social
do contrato.
O princípio da dignidade da pessoa humana instituído pela Constituição
Federal cria um novo patamar nas relações sociais, inclusive as jurídicas, propondo
o solidarismo, isto é, a busca da construção de uma sociedade livre, justa e
solidária que promova o bem de todos sem qualquer forma de discriminação.
A solidariedade é a expressão mais profunda da sociabilidade que caracteriza
a pessoa humana. No contexto atual, a lei maior determina – ou melhor, exige – que
nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade, porque a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós.38
Assim sendo, Maria Celina Bodin de Moraes diz que a solidariedade pode ser
compreendida como (i) fato social, intrínseca do ser humano; (ii) virtude ética,
decorrente de uma consciência moral e de boa-fé; (iii) comportamento pragmático,
decorrente de uma associação para delinquir; (iv) comportamento pragmático, para
evitar perdas pessoais ou institucionais; e, (v) norma jurídica.39
Ao discorrer sobre o princípio da solidariedade no direito privado, Rosa Nery
afirma que o princípio da solidariedade tem a ver com o risco da vida e da morte que
a todos compromete; com isso o risco da vida em sociedade, que está cada vez
mais intrincado no risco de viver. E prossegue afirmando que é no princípio da
solidariedade que devemos buscar inspiração para a vocação social do direito, para
a identificação do sentido prático do que seja funcionalização dos direitos e para a
compreensão do que pode ser considerado pacificação social.40
37
Judith MARTINS-COSTA, apud Ruy Rosado de AGUIAR, O poder judiciário e a concretização das
cláusulas gerais: limites e responsabilidade. In Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 18,
2000, p. 260.
38
Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à pessoa humana, p. 178.
39
Ibidem.
40
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito, p. 34.
29
Do ponto de vista jurídico, como mencionado, a solidariedade está contida no
princípio geral instituído pela Constituição Federal de 1988 para que, através dele,
se alcance o objetivo da igual dignidade social. O princípio constitucional da
solidariedade identifica-se, assim, como o conjunto de instrumentos voltados para
garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se
desenvolva livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.41
Desta forma, o princípio da solidariedade equivale segundo a interpretação
mais fiel a Constituição Federal, ao instrumental adequado e necessário a atribuir a
cada um o direito ao „respeito‟ inerente à qualidade de homem.
Ressalta-se que para Nelson Rosenvald o direito de solidariedade se
desvincula de valores éticos, pois ganha fundamentação e legitimidade política nas
relações sociais concretas, “nas quais se articula uma convivência entre o individual
e o coletivo, à procura do bem comum". 42
A solidariedade prende-se à ideia de responsabilidade de todos pelas
carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. O fundamento
ético desse princípio encontra-se na ideia de justiça distributiva, entendida como a
necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a
socialização dos riscos normais da existência humana, e que com base no princípio
da solidariedade passaram a ser reconhecidos como direitos humanos os chamados
direitos sociais, os quais são realizados pela execução de políticas públicas,
destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres, ou
seja, aqueles que não dispõem dos recursos indispensáveis para viver
dignamente.43
Por fim, Fábio Konder Comparato sustenta que é também com fundamento
na solidariedade que, em vários sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o
dever fundamental de se dar à propriedade privada uma função social. 44
Nítida é a escolha do legislador pela valoração constitucional, que no Direito
Civil se traduz por meio do solidarismo, quando se utiliza dos princípios estruturais
41
Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à pessoa humana, p.78.
Nelson ROSENVALD, Dignidade Humana e Boa-fé no Código Civil, p. 176.
43
Fabio Konder COMPARATO, Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p.45
44
Ibidem.
42
30
como os da sociabilidade, da operabilidade e da eticidade na elaboração do Código
Civil de 2002, princípios que veremos adiante.
1.3 Princípios Informadores do Código Civil de 2002
Preliminarmente ao estudo dos princípios gerais de direito, faz-se necessário
analisar o conceito do termo princípios: princípios são regras a serem analisadas a
longo prazo, de onde se extraem soluções para a composição de conflitos levados
ao conhecimento dos juízes. Os princípios devem que ser vistos a partir de seu
papel determinante para a ação do homem e têm função de ajustá-las de acordo
com o seu papel na comunidade.
Ao dispor sobre a origem dos princípios, o jurista português Carlos Alberto da
Mota Pinto afirma que se trata de produto histórico, para cuja gestação concorrem
opções fundamentais sobre a organização econômica e social e mesmo sobre a
concepção do homem.45 Opções, cuja gestação, por sua vez, é determinada pelos
dados sociológicos, culturais e históricos que condicionam toda a organização da
sociedade em cada momento e em cada lugar.
Humberto Ávila, por sua vez, acrescenta a definição dos princípios como
sendo normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, à medida que
servem de fundamento normativo para a interpretação e aplicação do direito, de
modo que, de acordo com esta doutrina, os princípios indicam a direção em que se
situa a regra a ser encontrada.46
Não obstante as explanações acerca dos princípios jurídicos destaca-se a
contribuição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o assunto:
Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento
nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes
o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção
45
46
Carlos Alberto da Mota PINTO, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil Português, p. 82.
Humberto ÁVILA, Teoria dos princípios jurídicos, p. 35.
31
das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome
sistema jurídico positivo.47
Impende desta forma a importância dos princípios dentro do sistema jurídico,
pois além de serem alicerce, seu fundamento, estes também representarão as
diretrizes e os objetivos que se pretende perseguir naquele Estado por eles
amparado.
Ainda, consoante professor Miguel Reale, toda forma de conhecimento
científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos
admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem
um dado campo do saber.48 E na mesma seara, José Cretella Neto define que toda
e qualquer ciência está alicerçada em princípios, que são proposições básicas,
fundamentais e típicas, as quais condicionam as estruturações e desenvolvimentos
subsequentes dessa ciência.49
Os princípios podem ser considerados como estruturas do ordenamento, que
viabilizam a integração entre valores e fatos, de modo que possuem extrema
relevância para a operacionalização do sistema jurídico.
Com relação às espécies de princípios, existem os princípios estruturais e os
princípios gerais de direito. Os denominados princípios estruturais consistem nas
diretrizes seguidas pelos legisladores quando da elaboração de determinado
ordenamento jurídico, os quais, consoante Código Civil de 2002, são da eticidade,
da operabilidade e da socialidade. Os princípios gerais de direito, por sua vez,
consistem em ideais e objetivos traçados por filósofos e doutrinadores sobre
aspectos essenciais do convívio em sociedade.
1.3.1. Princípios Estruturais
O princípio da eticidade representa a essência da boa-fé objetiva das
relações sociais, pelo equilíbrio, pela cooperação, pela lealdade e pelo prestígio à
dignidade humana.
47
Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, pp. 888-889.
Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 303.
49
José CRETELLA NETO, Fundamentos principiológicos do processo civil, p. 05.
48
32
Nesse sentido, a superfície para aplicação do princípio se encontra pronta na
codificação, na medida em que se alicerça em cláusulas gerais e em conceitos
indeterminados, permitido ao Estado-juiz preencher o desenho legal com soluções
concretas „mais justas‟ ou „equitativas‟, em observância aos critérios ético-jurídicos.
Assim, o princípio da eticidade está intimamente ligado à configuração de que a
dignidade humana há de ser tutelada pelo Código Civil de 2002, utilizando-se, para
tanto, dos conceitos vagos, em especial das cláusulas gerais, para a busca da
decisão mais justa e adequada. 50
O princípio da eticidade aponta que a dignidade humana é tutelada pelo
Código Civil de 2002, determinando que o julgador busque a solução mais justa. 51
Jacy de Souza Mendonça, ao analisar a eticidade no Código Civil de 2002 afirma:
Quando os autores do projeto se referem à eticidade, á boa-fé, aos
bons costumes, não estão falando pois, em Ética ou Moral, mas
empregando uma qualificação do elemento subjetivo, variável,
mutável, que deve presidir a conduta humana. Esta parece ser a
melhor forma de recortar a idéia que está por trás da eticidade, por
eles utilizado.52
E Miguel Reale, um destes autores afirma por seu turno:
Como se vê, ao elaborar o projeto, não nos apegamos ao rigorismo
normativo, pretendendo tudo prever detalhada e obrigatoriamente,
como se na experiência jurídica imperasse o princípio de causalidade
próprio das ciências naturais, nas quais, aliás, se reconhece cada
vez mais o valor do problemático e do conjetural.
O que importa numa codificação é o seu espírito; é um conjunto de
idéias fundamentais em torno das quais as normas se entrelaçam, se
ordenam e se sistematizam.
(...)
Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo
preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios etico-jurídicos
que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior
poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa.53
51
Rodrigo Reis MAZZEI, Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In ALVIM Arruda; ALVIM,
Thereza, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte Geral (arts. 1º a 103). Vol. I, p.CXIV.
52
Princípios e Diretrizes do Novo Código Civil. In PASSOS, Fernando; MARCATO, Antônio Carlos;
MALHEIROS, Antonio Carlos. Inovações do Novo Código Civil, p. 19
53
Miguel REALE, Visão Geral do Projeto de Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar.
2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=509>. Acesso em: 19 mai. 2010.
Importante destacar que o Professor Miguel Reale teve notável participação na elaboração do Código
Civil de 2002 como coordenador da Comissão Elaboradora e Revisora do Anteprojeto de Código
Civil, essencialmente pela apresentação das Diretrizes Fundamentais ou Diretrizes Metodológicas
33
Por sua vez, o princípio da socialidade determina que as relações não
devem mais ser vistas como de interesse apenas interpessoal dos indivíduos
vinculados à obrigação, mas de toda a sociedade, em virtude de valores de bem
comum, fazendo com que, o princípio da autonomia da vontade seja relativizado,
como por exemplo, nas relações contratuais, em que, hodiernamente, havia
marcante intervencionismo estatal. O princípio da socialidade afasta-se da
concepção de que o direito privado tem os olhos voltados apenas para o cilindro
fechado das relações entre os particulares, pois esses vínculos têm também uma
conotação que interessa à sociedade, razão pela qual se permite a intervenção
estatal em hipóteses determinadas em lei, o que no objeto em estudo se aplica
perfeitamente. 54
O princípio da socialidade reconhece a natureza ultrassubjetiva das relações
privadas, assim como de sua importância para sociedade. A eticidade e a
socialidade constituem perspectivas reservadamente conexas, pois as regras
dotadas de alto conteúdo social são fundamentalmente éticas, assim como as
normas éticas têm afinidade com a socialidade. A distinção ora procedida, de cunho
meramente pedagógico, não faz mais que assinalar ênfases, ora pendendo para o
fundamento axiológico das normas, ora inclinando-se às suas características numa
sociedade que tenta ultrapassar o individualismo, não significando, de modo algum,
que uma regra ética não se ponha, também, na dimensão da socialidade, e viceversa.55
Por derradeiro, o princípio da operabilidade tem por objetivo conceber maior
efetividade e facilidade na aplicação das regras do Código Civil. Nesse sentido,
Rodrigo Reis Mazzei alega que o Código Civil de 2002 se utilizou de duas
estratégias diferentes: (i) a abertura de acessos para facilitar a interpretação do
Código Civil; e, (ii) o afastamento de controvérsias que pudessem surgir de institutos
privados constantes na codificação.56
que nortearam a redação de todo o Anteprojeto. Rodrigo Reis MAZZEI, Notas iniciais à leitura do
novo Código Civil. In ALVIM Arruda; ALVIM, Thereza, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte
Geral (arts. 1º a 103). Vol. I, p. XLIX.
54
Rodrigo Reis MAZZEI, Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In ALVIM Arruda; ALVIM,
Thereza, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte Geral (arts. 1º a 103). Vol. I, p.CXVIII.
55
Judith MARTINS-COSTA e Gerson Luiz Carlos BRANCO, Diretrizes teóricas do Novo Código Civil
Brasileiro, p.23.
56
Rodrigo Reis MAZZEI, Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In ALVIM Arruda; ALVIM,
Thereza, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte Geral (arts. 1º a 103). Vol. I, p.CXXIII.
34
Discursando sobre o princípio da operabilidade, o professor Miguel Reale
assevera que o direito é feito para ser executado, e direito que não se executa é
como chama que não aquece, luz que não ilumina, ou seja, o direito é feito para ser
realizado, para ser operado.57
A respeito da intersecção entre a socialidade e a eticidade Judith MartinsCosta afirma:
Ambas – eticidade e socilidade – constituem perspectivas
reservadamente conexas, pois as regras dotadas de alto conteúdo
social são fundamentalmente éticas, assim como as normas éticas
tem afinidade com a sociedade. A distinção ora procedida, de cunho
meramente pedagógico, [entre cada um destes princípios] não faz
mais do que assinalar ênfases, ora pendendo para o fundamento
axiológico das normas, ora inclinando-se às suas características
numa sociedade que tenta ultrapassar o individualismo, não
significando, de modo algum, que uma regra ética não se ponha,
também, na dimensão da socialidade, e vice-versa.58
Referidos princípios – eticidade, sociabilidade e operabilidade - foram
classificados como estruturais em razão de sua importância e forte presença
permeando todo o projeto de lei que deu origem ao Código Civil de 2002.
1.3.2. Princípios Gerais de Direito e Cláusulas Gerais
Os princípios gerais de direito, por sua vez, consistem em ideais e objetivos
traçados por filósofos e doutrinadores sobre aspectos essenciais do convívio em
sociedade. Caio Mario da Silva Pereira, ao citar Cogliolo, afirma que os princípios
gerais de direito são então aquelas regras oriundas da abstração lógica daquilo que
constitui o substrato comum das diversas normas positivas.59
Mesmo entre os que estão de acordo sobre os princípios gerais de direito há
divergências sobre o que se deve entender como tal no momento de avaliar o
desequilíbrio contratual. Duas correntes dominaram sempre esta controvérsia: a
corrente filosófica e a corrente que adota a concepção histórica.
57
Miguel REALE, Visão Geral do Projeto do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar.
2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=509>. Acesso em: 19 mai. 2010
58
Judith MARTINS-COSTA e Gerson Luiz Carlos BRANCO, Diretrizes teóricas do Novo Código Civil
Brasileiro, p. 131.
59
Caio Mario da Silva PEREIRA, Instituições ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil, V. 2, p. 29.
35
Consoante Serpa Lopes, entende-se por princípios gerais de direito as
verdades jurídicas universais, à maneira de axiomas jurídicos, ou normas assentes
pela reta razão, inspiradas no sentimento de equidade. Pela segunda, entende-se
que seu conteúdo é composto pelos elementos que serviram ao legislador de guia
para estatuir as regras do direito positivo, os princípios fundamentais informadores
do sistema jurídico adotado pelo legislador, as bases fundamentais sobre as quais
se apoia a legislação, conaturais ao ordenamento jurídico vigente, ainda sem se
encontrarem formulados em qualquer ponto, como a igualdade civil, a liberdade de
contratar, e de comércio etc.60
Afirma o autor que os que combatem a concepção dos princípios gerais de
direito não negam o fenômeno, mas apenas o atribuem a outra ordem de ideias.
Assim consideram: i) o movimento de suprimento como um expediente para
liberação, de qualquer maneira, das passagens legais que não mais correspondem à
opinião dominante; ii) um simples reconhecimento dos postulados da escola de
Direito livre, como uma autorização para a livre criação jurídica por parte do juiz; iii)
pela sua impossível determinação, dada a variabilidade da razão humana; iv)
ausência de qualquer força jurídica criadora, não passando de uma simples fonte
interpretativa e integrante das disposições legais. 61
Há ainda uma orientação eclética que procura conciliar estes dois pontos em
oposição, ou seja, os princípios sistemáticos com o direito científico ou com os
imperativos da consciência social, ou os princípios sistemáticos com a concepção de
escola livre. Os partidários do positivismo jurídico são condenados pelos ecléticos
por seu extremismo em querer submeter os princípios gerais de direito à regra de
que só poderão ter lugar depois de esgotados todos os recursos, havendo a
necessidade de primeiro buscar extrair a regra do direito positivo, e assim mesmo a
solução encontrada não poderá contraditar as ideias fundamentais da lei, dos
costumes ou da doutrina consagrada. Afirmam então que mais perigoso será forçar
o juiz a extrair necessariamente do direito positivo uma solução de que este não lhe
possa dar.
60
Maria Miguel de SERPA LOPES, Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria dos
negócios jurídicos, vol. I, pp. 186-187.
61
Ibidem.
36
Verifica-se que existem princípios gerais que são direcionados e aplicáveis a
todas as áreas do direito e outros que se destinam somente a algumas áreas. Com
relação à aplicação no Direito Civil, é possível mencionar os princípios da dignidade
humana, da autonomia privada, da imputação civil dos danos e da solidariedade, os
quais serão abordados adiante. Nelson Nery afirma que os princípios gerais:
São regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da
norma, do ato ou negócio jurídico. Os princípios não se encontram
positivados no sistema normativo. São regras estáticas que carecem
de concreção. Têm como função principal auxiliar o juiz no
preenchimento das lacunas (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4°
e Código de Processo Civil, art. 126).62
Quando se inclui determinado princípio geral no direito positivo do País, deixa
de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação e passa a
caracterizar-se como cláusula geral.
Assim, as várias classificações que a doutrina tem empreendido nessa difícil
problemática passam por caminhos mais tortuosos para chegar-se a solução
parecida: o princípio positivado, ou norma princípio, não é regra de interpretação,
mas norma jurídica. Mais técnico e menos confuso dizer-se que se tornam cláusulas
gerais, que têm conteúdo normativo e são fonte criadora de direitos e obrigações.63
Para melhor compreender as diferenças entre os princípios e cláusulas
gerais, cumpre tecer breves considerações sobre esta última.
As cláusulas gerais podem ser conceituadas como normas que não
prescrevem certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros
hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem
ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação de demais
disposições normativas.64
Do ponto de vista estrutural as cláusulas gerais constituem normas
(parcialmente) em branco, as quais são completadas mediante a referência a regras
jurídicas, de modo que a sua concretização exige que o juiz seja reenviado a
modelos de comportamento e a pautas de valoração. É, portanto, o aplicador da lei,
62
Nelson NERY JUNIOR, Contratos no Código Civil. In FRANCIULLI NETO, Domingo; MENDES,
Gilmar e MARTINS FILHO, Ives Gandra (Coords.). O Novo Código Civil, p.56.
63
Ibidem.
64
Gustavo TEPEDINO, A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional,
p. XIX.
37
direcionado pela cláusula geral a formar normas de decisão vinculadas à
concretização de um valor, de uma diretiva ou de um padrão social, assim
reconhecido como arquétipo exemplar da experiência social concreta.65
As cláusulas gerais podem também ser conceituadas como um tipo especial
de norma jurídica que, por sua natureza, encontra-se carecida de preenchimento de
seu conteúdo, a ser efetuado com valorações provenientes de seu aplicador, ou
seja, a cláusula geral não fornece critérios necessários para a sua concreção,
podendo
estes,
fundamentalmente,
serem
determinados
apenas
com
a
consideração do caso concreto. A cláusula geral, portanto, não é meramente direito
material, mas standing points ou pontos de apoio para a formação judicial da norma
no caso concreto.66
As cláusulas gerais, segundo Karl Engisch, se definem por oposição às
normas casuísticas. É necessário entender as cláusulas gerais como uma
formulação da hipótese legal que, abrange e submete a tratamento jurídico todo o
domínio de casos.67
Define-se ainda as cláusulas gerais como normas lançadas em formas de
diretrizes, dirigidas ao Estado-Juiz, que deverá – dentro do que foi previamente
traçado pelo legislador – dar a solução mais perfeita, observando, para a
concretização da atuação judicial, não só o caso objetivo, mas também situações
particulares que envolvem cada caso.68
As cláusulas gerais constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos
códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o
ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda
inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos
exemplares
de
comportamento,
de
deveres
de
conduta
não
previstos
legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da
autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego
jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes
65
Claudio LUZATTI, La Vaghezza delle norme – un-analise del linguaggio giuridico, p. 314.
André Pinto da Rocha Osório GONDINHO, Codificação e cláusulas gerais, Revista Trimestral de
Direito Civil, v. 2, 2000, p. 5.
67
Karl ENGISCH Apud Alberto Gosson JORGE JUNIOR, Cláusulas Gerais no Novo Código Civil, p.
1.
68
Arruda ALVIM e Thereza ALVIM, Comentários ao Código Civil Brasileiro, parte geral, v.1, p. LXI.
66
38
de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo.69
A cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu
enunciado, de forma proposital, uma linguagem de tessitura "aberta", "fluida" ou
"vaga". Esta disposição é dirigida ao juiz que diante do caso concreto, crie,
complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de elementos
que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da fundamentação das
decisões.70
Assim, verifica-se que as cláusulas gerais são normas propositadamente
vagas e abertas, as quais apresentam mera orientação de conduta a ser seguida,
deixando ao aplicador do direito a função de subsumi-la ao caso concreto.
Apesar da conceituação quanto à natureza jurídica das cláusulas gerais
evidenciar certa divergência, parece mais acertado o posicionamento de que as
cláusulas gerais têm função instrumental, porque vivificam o que se encontra
contido, abstrata e genericamente, nos princípios gerais de direito e nos conceitos
legais indeterminados, são mais concretas e efetivas que esses dois institutos.
Cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é também norma
jurídica, isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações. Assim, as cláusulas gerais
não são princípios nem regras de interpretação. Isso, porque diferentemente das
cláusulas gerais, os princípios são enunciados admitidos como condição ou base de
validade das demais asserções que compõem um dado campo do saber,71 e as
regras de interpretação são critérios e orientações a serem seguidas para a correta
compreensão das normas jurídicas.
Assim, inequívoco que as cláusulas gerais são normas jurídicas, vez que
formalmente inseridas no ordenamento jurídico e aptas a criar direitos e obrigações.
69
Judith MARTINS-COSTA, O direito privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais
no Projeto do Código Civil brasileiro, p. 221.
70
Ibidem.
71
Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 299.
39
1.4 Participação do contrato na vida cotidiana contemporânea
Fran Martins72 retoma o termo direito das obrigações para caracterizar a parte
o direito que trata dos compromissos assumidos em sentido jurídico por uma pessoa
a partir de suas vontades. Sua intenção é ressaltar a posição das pessoas
envolvidas nesses compromissos e sua relação, uma com as outras no andamento
da situação caracterizada.
O que muitos autores afirmam, como Gustavo Tepedino,73 Inocêncio Mártires
Coelho,74 Darcy Bessone,75 Maria Celina Bodin Moraes,76 entre outros, é que, com o
crescente estabelecimento de compromissos na vida cotidiana, houve uma
banalização do sentimento de responsabilidade e uma inobservância da equidade
das partes em contrato. Assim sendo, a sociedade contemporânea fica em situação
de risco, e se expõe com maior frequência ao estabelecimento de contratos
repentinos, sem prévia análise de implicações futuras, num panorama em que
reinam a especulação monetária e a usura.
Os contratos estão presentes nas relações familiares (casamentos, adoções,
doações, entre outros), no estabelecimento de moradia e serviços (compra e venda,
locação, contratação de serviços telefônicos, de internet, de seguro e de previdência
privada, entre outros).
Por esta razão o estudo preliminar dos princípios - informadores do Código
Civil de 2002 -, somado ao estudo dos princípios de direito contratual justifica sua
importância. Adiante seguem os princípios do Direito Contratual.
72
Fran MARTINS, Contratos e Obrigações Comerciais, p. 9
Gustavo TEPEDINO, Problemas de Direito Civill Constitucional, passim.
74
Inocêncio Mártires COELHO, Interpretação Constitucional, passim.
75
Darcy BESSONE, Do contrato: teoria geral, passim.
76
Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à pessoa humana, passim.
73
40
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL
Os princípios podem ser considerados como estruturas do ordenamento,
viabilizando a integração entre valores e fatos, de modo que possuem extrema
relevância para a operacionalização do sistema jurídico. Compreender os princípios
do direito contratual associando-os a situações reais possibilita entender o cenário
de uma forma mais ampla e rica.
2.1 Autonomia e Liberdade Contratual
O conceito básico de contrato, segundo Fran Martins, é acordo de vontade de
duas ou mais pessoas com finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir
direito. Tal conceito está abalizado nas ideias de Clóvis Beviláqua.77
O princípio da autonomia da vontade tem por escopo assegurar que a
declaração de vontade seja a real manifestação do querer interno, sem qualquer
vício, princípio este que deve ser observado em todos os ramos do Direito. Por sua
vez, o princípio da autonomia da vontade privada, visa à manifestação da vontade
com objetivo de se realizar um negócio jurídico, motivo pelo qual é um princípio
exclusivo de Direito Privado. Arnold Wald afirma que:
A autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas, na
lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de
liberdade de contratar e da liberdade contratual. Liberdade de
contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato,
enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o
conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar
ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das
modalidades de sua realização.78
Nesse sentido sustenta Rosa Nery que a autonomia privada, ao contrário da
autonomia da vontade, é princípio específico de direito privado e está vinculada à
77
Fran MARTINS, Contratos e Obrigações Comerciais, p. 61. Clóvis Beviláqua fora autor do Código
civil brasileiro de 1899, redigido com base nos ideais positivistas do qual era defensor.
78
Arnold WALD, Obrigações e contratos, p. 162.
41
capacidade do indivíduo de criar normas jurídicas particulares que regerão seus
atos, especialmente no que tange aos negócios jurídicos.79
Assim, verifica-se que o princípio da autonomia da vontade privada está
diretamente relacionado com a liberdade do sujeito de direito de constituir direitos e
obrigações particulares. Bem lembra Orlando Gomes que para a constituição do
contrato há de existir declarações de vontade convergentes, e assinala
A declaração de quem tem a iniciativa do contrato chama-se
proposta ou oferta. A do outro, aceitação. (...) Consideradas
individualmente proposta e aceitação não são negócio jurídico. (...)
Para que o consenso se forme, proposta e aceitação devem coincidir
no conteúdo.80
Vontade é a faculdade de representar mentalmente um ato que pode ou não
ser praticado em obediência a um impulso ou a motivos ditados pela razão. É
sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta faculdade; aspiração;
anseio; ou desejo. 81
Partindo-se do latim voluntate, cujo significado seria consentimento, vontade,
ou ato de querer, chega-se à expressão generalizada do ato de querer, ou seja, “a
faculdade de querer”, a manifestação exterior de um desejo, o propósito em fazer
alguma coisa, a intenção de proceder desta ou daquela forma.82
Para melhor compreensão é necessário caracterizar o conceito de vontade à
luz do Direito.
Segundo
Alexandre
Araújo
Costa,
a
análise
jurídica
consiste
na
decomposição da regra de direito nas suas unidades elementares, na separação e
eliminação daquilo que pode ser entendido como particular e contingente, e na
redução dos preceitos a conceitos jurídicos.83 Desta forma, é das normas de direito
no seu todo, bem como de elementos de uma só norma, que são extraídos os
79
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito, p.116.
Orlando GOMES, Contratos, p. 17
81
Aurélio Buarque de HOLANDA, Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, Verbete Vontade,
p. 375.
82
Écio PERIN JUNIOR, A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito
Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina,
ano 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=518>. Acesso
em: 01 jul. 2010.
83
Alexandre Araújo COSTA, Direito e método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e a
hermenêutica jurídica A Jurisprudência dos conceitos. In Hermenêutica Jurídica. Disponível em:
http://www.arcos.org.br/livros/hermeneutica-juridica/capitulo-iii-o-positivismo-normativista/3-ajurisprudencia-dos-conceitos#topo, acesso em 13 de maio de 2010.
80
42
conceitos jurídicos, isto é, as abstrações em que se concentra o pensamento e que
constituem a parte sólida precipitada das disposições positivas.
Muitas vezes, essa depuração é bastante complexa e ocorrem reducionismos
cuja função seria facilitar às leis o uso linguístico dos termos, porém, isto pode ser
contestável.
Para Walter Brugger conhecer e querer são dois modos fundamentais da
atividade espiritual.84 Assim como a ação não é necessariamente mutação, nem o
conhecimento intelectual é necessariamente pensamento discursivo, a vontade não
denota necessariamente tendência a um bem que se deva adquirir ou realizar. Seu
ato fundamental é a afirmação de um valor, ou seja, o amor. Por isso, é também
vontade a efetuação espiritual, não tendencial, do valor infinito. A vontade em geral
tem como objeto característico o valor em geral ou o bem como tal. A vontade
aparece como apetite só onde o bem não se identifica com a vontade ou onde não
está originariamente ligado a ela.
Já para Nietzsche a vontade seria o impulso fundamental inerente a todos os
seres vivos, que se manifesta na aspiração sempre crescente de maior poder de
dominação.85 Assim sendo, a vontade humana poderia ser compreendida como uma
faculdade espiritual do homem para afirmar os valores intelectualmente conhecidos
ou para tender a eles, com objeto característico de atingir a vontade em geral, algo
como o “ser”, como o valor, mas presente pelo conhecimento e pelo entendimento
humano.
A vontade sensitiva (tendência momentânea) se restringe ao estreito domínio
de bens sensivelmente aceitáveis, enquanto que a vontade ampla tem um domínio
ilimitado. Por esse motivo, pode-se dirigir somente àquilo que de algum modo
aparece como bom, mas também a tudo quanto possua esta qualidade.
Seria a “bondade atrativa do objeto” o motivo de vontade. O querer está,
assim, preso imediatamente no motivo conhecido, mas mediatamente em tudo o
que, por parte das diversas disposições e "camadas" da alma, coopera para a
constituição dos juízos de valor.
84
85
Walter BRUGGER, Dicionário de Filosofia, p.434.
Friedrich NIETZSCHE, Vontade de potência, p.35.
43
Isso quer dizer que para o complexo de vivência valorativa contribuem
igualmente todos os estados afetivos psíquicos, como a disposição de ânimo, o
temperamento, as bases sensoriais do pensamento, o caráter, o tipo de
personalidade e a profusão de complexos inconscientes.
Pela vivência valorativa são provocados os primeiros movimentos da vontade,
os quais, por sua parte, podem repercutir-se sobre a ulterior configuração da
vivência motivacional. Entretanto, dentro de certos limites, a orientação última da
vontade continua sendo, nas lutas suscitadas pelos motivos, dentro de certos limites,
um ato voluntário livre (liberdade da vontade).
Juridicamente, a vontade revela a intenção do indivíduo, ou desejo em se
fazer
alguma
coisa.
Corresponde,
pois,
à
deliberação,
ou
à
resolução,
intencionalmente tomada pela pessoa, a fim de que se tenha como consentimento
na prática, ou na execução de um ato jurídico, de que se geram direitos, ou se
estabelecem obrigações.
A vontade tem papel tão importante quanto o próprio consentimento, sendo o
ato de volição que atribui às ações do homem o valor jurídico, de que necessitam
para serem legítimas e produzirem os efeitos desejados. Somente a livre vontade,
ou livre iniciativa, isto é, a livre manifestação dessa vontade, tem a eficácia legal,
para que se produzam efeitos jurídicos. Vale dizer que a vontade, além de
consciente, deve estar livre dos vícios, pressões ou defeitos, que a possam anulála.86
2.2 Princípio da Iniciativa Privada
O princípio da iniciativa privada, ou livre iniciativa, tem por característica
principal o aspecto econômico, inspirado na autonomia privada. Silvio Luís Ferreira
da Rocha dispõe que ao homem, livre e igual, foi reconhecido o poder de disciplinar
suas relações privadas, que no âmbito contratual foi chamado de liberdade
contratual, cujo conceito abrange os poderes de auto-regência de interesses, da livre
86
Écio PERIN, A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em
relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45,
set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=518>. Acesso em: 01 jul. 2010.
44
discussão das condições contratuais e da escolha do tipo de contrato conveniente à
atuação da vontade, manifestando-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: (i)
liberdade de contratar propriamente dita; (ii) liberdade de estipular o contrato; e, (iii)
liberdade de determinar o conteúdo do contrato, e que já foi considerada a pedra
fundamental da disciplina contratual. 87
Importante recuperar aqui as definições e as distinções entre autonomia da
vontade (como princípio geral) e autonomia da vontade privada, analisando-se as
considerações de Rosana Guida Krastins Marcelino, Rosa Nery e Karl Engisch, com
o escopo de interpretar o conceito de verdade em situações diferenciadas nas quais
a própria revisão contratual se estabelece entre pessoas jurídicas e físicas, e se
impõem obrigatoriedades mesmo contra a vontade dos envolvidos.
Segundo Rosana Guida Krastins Macelino o princípio da autonomia da
vontade tem por escopo assegurar que a declaração do sujeito de direito seja a real
manifestação de seu querer interno;88 assim, às pessoas é dado o direito de
manifestar sua vontade, isenta de qualquer espécie de vício.
Em contrapartida, Rosa Nery afirma que há abuso do direito em algumas
situações, por parte do contratante e também do contratado, e que isto caracteriza
um dolo para a parte oposta.89 Como muitas vezes esta situação é consciente, Karl
Engisch encontrou a diferença entre dolo e culpa consciente no fato de que quem
age com o dolo, ou deseja o resultado, ou é indiferente a seu respeito enquanto a
consciência pode ser meramente uma conivência irrefutável.
90
Também são importantes as considerações de Taisa Maria Macena de Lima,
que comenta o fato de alguns autores identificarem equivocadamente a autonomia
da vontade com a liberdade de estipulação negocial, sendo essa bem mais restrita
do que aquela. 91 Para autores, como Tércio Sampaio Ferraz Junior, a autonomia da
vontade abarca questões patrimoniais e questões existenciais que necessitam de
87
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore. Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 509.
88
Rosana Guida Krastins MARCELINO, Os princípios de Direito Privado e a liberdade. In NERY,
Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do Direito Privado no atual momento histórico, p. 56.
89
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito, passim.
90
Karl ENGISCH apud Alberto Gosson JORGE JÚNIOR, Cláusulas Gerais no Novo Código Civil, p.
26.
91
Conforme Taisa Maria Macena de LIMA, Princípios Fundantes do Direito Civil Atual In FIÚZA,
Cesar; SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coords.). Direito Civil:
atualidades, Coords, p. 25.
45
muita análise para compreender o que se chama de “liberdade positiva”. Quando
fala da liberdade da vontade relaciona a noção de contrato à chamada autonomia da
vontade, também conhecida como liberdade positiva, que é a possibilidade dada a
qualquer um de se vincular de acordo com seus próprios interesses, e jamais de
modo definitivo. Termina afirmando que, fundamentalmente, a autonomia da vontade
é a possibilidade de se vincular de acordo com seus próprios interesses, portanto,
de obedecer apenas aquilo que lhe é interessante, e mais, de se vincular apenas por
um período e jamais eternamente.92
As lições de Tércio Sampaio Ferraz Junior supratranscritas mostram outra
função primordial do contrato, qual seja: a de permitir a neutralização dos agentes
sociais e a de institucionalizar a impessoalização. Desta forma se estabelece o que
se pode chamar de liberdade no sentido negativo. O contrato institucionaliza a
liberdade no sentido positivo, que é a autonomia, de forma que cada um se vincula
de acordo com seus próprios interesses, mas, também, institucionaliza a liberdade
geral, para todos igualmente, sem restrições (liberdade negativa).
No entanto, vale salientar que a liberdade no sentido positivo, que está dentro
da ideia de contrato, e a liberdade no sentido negativo, que está ligada à ideia de
igualdade entre todos, são noções não necessariamente compatíveis.
A liberdade no sentido positivo, isto é, a liberdade de autonomia, a
possibilidade de se vincular apenas de acordo com seus próprios interesses,
pressupõe a noção básica de diferença. Pressupõe o direito de ser diferente. Livre,
no sentido de autonomia, de dar a si próprio as suas regras, o direito de ser diferente
e de ser desigual de todos os outros. Por outro lado, a liberdade no sentido negativo,
de não estar impedido por ninguém, por nenhuma norma dos outros, exige a
generalização mútua, que implica justamente a igualdade de todos, mas significando
a possibilidade de não ser diferente. A liberdade no sentido da autonomia exige o
respeito à diferença, e o respeito àquilo que cada um é, por si.93 A liberdade no
sentido negativo exige que todos sejam iguais. E não é fácil compatibilizar ambas.
É importante ressaltar, nesse ponto, que o Direito desenvolveu a capacidade
de tecer contratos que parecem extrapolar a questão das vontades envolvidas para
atingir uma modalidade de texto específico, livre de críticas. Eros Grau, ao discorrer
92
93
Tércio Sampaio FERRAZ JUNIOR, Destino do Contrato. Estudos e conferências, p. 52.
Conforme Tércio Sampaio FERRAZ JUNIOR, Destino do Contrato. Estudos e conferências, p. 54.
46
sobre o dirigismo contratual, sustenta que a partir das colocações de Josserand, no
início da década de 30, a expressão engloba o conjunto de técnicas jurídicas que
transforma os contratos menos em uma livre construção da vontade humana do que
em uma contribuição das atividades humanas à arquitetura geral da economia de
um país, arquitetura que o Estado de nossos dias passa, ele mesmo a definir.
94
Talvez, o maior problema jurídico ligado à questão da autonomia da vontade
é o de saber se, na divergência entre a vontade real e a vontade declarada, deve
prevalecer esta ou aquela.
Há um princípio baseado na valorização da vontade trazido pelo Código
Francês que garante liberdade aos contratantes, qual seja: o princípio da legalidade
insculpido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual ninguém
está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei. Assim sendo, a
autonomia da vontade ou liberdade subjetiva reside justamente no ato do indivíduo
querer ou não querer alguma coisa, desde que não contrarie o ordenamento jurídico
pátrio.
Neste raciocínio Luís Renato Ferreira da Silva alude que autonomia privada é
mais do que autonomia da vontade. Esta se relaciona ao agir livre do sujeito,
ligando-se à vontade interna, psíquica. Já a autonomia privada diz respeito ao poder
de criar normas para si. O acento é posto, assim, na possibilidade de decisões
individuais com força normativa.95 Fernando Rodrigues Martins pondera:
A substituição da autonomia da vontade pela autonomia privada, de
que trata tão bem a doutrina italiana, como já anotado na incursão
sobre o Estado social, baseia-se especificamente no perfil normativo
genérico que faz coro com a atual ordem contratual
(despersonificada e desmaterializada), impondo direitos e deveres
como axiomas inter-relacionados, modificando aquela antiga
concepção, por demais reducionista (...) a autonomia privada ganhou
espaço com o advento do estado Social para justamente legitimar a
livre iniciativa e a liberdade contratual, tanto que seus valores são
ampliados neste pós-modernismo de cariz mais econômico.96
Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a liberdade individual
seria fruto da autonomia da vontade no campo negocial, o que torna a liberdade
94
Eros GRAU, Planejamento Econômico e Regra Jurídica, p. 410.
Luís Renato Ferreira da SILVA, Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor,
p. 27.
96
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 322.
95
47
contratual um princípio, devendo ser considerada em três planos distintos: (i) a
liberdade de contratar; (ii) a liberdade de com quem contratar; e, (iii) a liberdade de o
que contratar ou liberdade de escolha de conteúdo do ajuste. 97
Na autonomia da vontade há campo livre para negociações, podendo ser
estipulado tudo entre as partes, desde que não contrarie a validade do negócio
jurídico e não atente contra as normas, nelas compreendidas os dispositivos de lei e
os princípios, de ordem pública e de proteção social.
Ademais, Orlando Gomes declara que no século XIX os estudos da disciplina
do contrato concentravam-se na manifestação de vontades, no exame dos vícios de
consentimento. O que importava era verificar se a manifestação de vontade era, de
fato, livre.98
Pela doutrina clássica, o contrato seria sempre justo, porque, se foi querido
pelas partes, resultou da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios
contratantes, o que teoricamente presumir-se-á como o equilíbrio das prestações.
Desta forma, sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser
reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem
pública e pelos bons costumes. Assim, as partes envolvidas podem convencionar
tudo aquilo que lhes interessa, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade
individual, consubstanciada no princípio de que “é permitido tudo que não é
proibido”.
Seguindo essa ordem, pode-se, portanto, discutir livremente todas as
condições contratuais, celebrar contratos regulados por lei, ou quaisquer outros
inéditos que se imagine, escolher a melhor forma de declaração de vontade, fixar os
efeitos, entre outros. Nos dissídios que por acaso se formem, a missão do juiz será
circunscrever à apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura
reconstituição. Ou seja, há uma declaração de vontades no contrato à qual o juiz
deve-se limitar em primeira análise.
Dando sequência ao modo de entender a vontade das partes no contrato, há
em contraposição às chamadas normas obrigatórias e as normas facultativas, que
97
Pablo Stolze GAGLIANO e Rodolfo PAMPLONA FILHO, Novo Curso de Direito Civil – Contratos e
Responsabilidade Civil: teoria geral, Tomo I, p. 39.
98
Apud Silvio de Salvo VENOSA, Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos, Contratos em espécie e Responsabilidade Civil, pp.405-406.
48
se agrupam em normas supletivas e interpretativas. Em geral, o contratante,
preocupa-se com os efeitos principais do contrato e descuida-se dos pormenores e
das consequências secundárias que possam surgir. Poderia, com mais atenção,
uma vez que as normas são facultativas, regulá-las por forma diversa da preferida
pelo legislador e sustentada na experiência universal para cobrir todas as
eventualidades. Contudo, em decorrência da omissão, subordina-se aos seus
efeitos. Essa submissão torna a interpretação da autonomia da vontade um assunto
mais aparente do que real.
A aplicação de regras supletivas surpreende os contratantes nas situações
que passam as consequências primárias, e surgirão efeitos e consequências
estranhas à sua previsão, e até contrárias à vontade silenciada. Sob esse aspecto, a
autonomia da vontade pode apresentar vulnerabilidades. A solução a posteriori de
questões não previstas no contrato só poderá ser estabelecida pelas partes se
estiverem de acordo. Não chegando a acordo, porém, a norma, em princípio,
facultativa, ou seja, a que rege a lei da sociedade em geral, torna-se obrigatória para
os contratantes em dissídio. Isto é imprescindível, para que se solucione o conflito.
Analisando com este cuidado vê-se que a liberdade de contratar, então, deve
ser entendida em termos. As partes podiam contratar o contrário do que dispunha a
norma facultativa. Mas, se não usaram essa faculdade, a sua imprevisão poderá
tornar necessário que ela se torne preceito obrigatório.
No entanto, é importante notar que os tribunais pátrios vêm adotando
soluções não convencionadas pelas partes, nem fornecidas pela lei supletiva, mas
completamente respaldada no Direito Geral. Nesse sentido Écio Perin Junior dispõe
que o juiz, simples aplicador ou intérprete da vontade, vê-se na necessidade de
constituir uma solução estranha ao consentimento das partes quando, diante da
situação concreta, não há previsão contratual ou legal.99 Assim, este tem que supor,
imaginar solução que, no seu entender, seria a que as partes teriam adotado se o
caso lhes tivesse ocorrido por ocasião da elaboração do contrato e, por ficção,
admite-a como condição subentendida ou tácita.
99
Écio PERIN, A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em
relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45,
set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=518>. Acesso em: 01 jul. 2010.
49
Entre a preponderância da vontade real contratada e não comprovada, ou da
vontade declarada, a solução ideal é a intermediação. Se, em regra, é de preferir a
vontade real, casos há em que, por conveniências sociais de segurança nas
relações jurídicas a vontade declarada deve prevalecer, porque, sendo a declaração
o meio normal de revelação da vontade interna, não devem os que nela confiarem
sofrer prejuízo pela divergência entre uma e outra.
2.3 Igualdade, Paridade e Equidade
É cediço que no contrato devem as partes estar em uma situação de
equilíbrio. No entanto, questiona-se até que ponto há equilíbrio entre as partes de
um contrato. Ao analisar referida problemática, Silvio Luís Ferreira da Rocha afirma
que o contrato, por sua natureza seria paritário, isto é, os contratantes seriam iguais,
e entre eles não haveria uma situação de desequilíbrio que implicasse na invalidade
do contrato.100 Em razão da paridade, os contratantes submetem-se à mesma
disciplina e nenhum deles pode impor ao outro o conteúdo do contrato ou alterar
unilateralmente aquilo que foi estipulado.
No que tange às questões de equidade Michele Cumyn afirma que é um
modo de aplicação da justiça que consiste em adaptar em um caso particular uma
solução derrogatória ao direito estrito conforme a justiça.101 Sem a paridade ou
equidade surge visivelmente um desequilíbrio que pode assegurar a uma das partes
a quebra do contrato. Ainda assevera que na realidade, a estrutura aberta do Código
Civil facilita os recursos do juiz à equidade, sob a interpretação de suas disposições.
As noções que fundamentam a decisão de equidade no domínio contratual,
como a má-fé, a confiança legítima e a ilegalidade das partes ou das prestações,
são noções que necessitam de uma apreciação de circunstâncias da espécie e do
mérito respectivo das partes sob a luz clara do Direito. Em geral, é bastante difícil
formular argumentos sob regras suficientemente abstratas e precisas para prever
antecipadamente a solução que deverá ser dada a cada caso. Conclui que é por
100
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore. Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 512.
101
Michele CUMYN, A Validade do Contrato segundo o direito estrito ou equidade: estudo histórico e
comparado das nulidades contratuais, p. 13.
50
isso que a maioria dos princípios outrora reconhecidos por decisões de equidade
fazem parte do direito positivo sob forma de regras formuladas em termos
suficientemente grandes para deixar ao juiz a margem para apreciação em sua
aplicação: são as regras de equidade.
Dessa forma, verifica-se que o contrato significa também a institucionalização
da igualdade entre as partes, de uma equalização entre as partes sociais que
trocam. Todos podem trocar obedecendo a determinadas condições. A regra é a
possibilidade para todos.
2.4 Obrigatoriedade
Com escopo de melhor compreender o princípio da obrigatoriedade, torna-se
interessante retomar as bases do Direito Romano que determina que o contrato tem
força de lei entre as partes e qualquer contratante que não cumpra com as
obrigações assumidas está sujeito à execução específica do contrato ou à resolução
do contrato. Atribui-se à eficácia obrigatória do contrato, o fato de ter sido livremente
estipulado ou aceito, o que quer dizer que as partes concordaram em impor
restrições recíprocas à futura liberdade, e o fato de ter sido celebrado no próprio
interesse, isto é, em razão das vantagens que irão auferir com ele.
No entanto, surge mais um argumento para a quebra objetiva do contrato nas
bases da obrigatoriedade: se o contrato vincula as partes pelo fato de ter sido
livremente por elas estipulado em benefício próprio, a obrigatoriedade se vê em
xeque a partir do momento em que não mais se aufere vantagens ou benefícios
deste contrato.
Assim, observa-se que o direito contemporâneo limitou, todavia, também a
obrigatoriedade de realizar as prestações decorrentes dos contratos, interpretando
tal obrigatoriedade rebus sic standibus, ou seja, enquanto as situações das partes
não sofrerem modificações substanciais não cabe revisão ou reajustamento do
contrato, mas caso haja tais transformações, uma revisão ou reajustamento do
contrato se torna possível.102
102
Rosana Guida Krastins MARCELINO, Os princípios de Direito Privado e a liberdade In NERY,
Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do Direito Privado no atual momento histórico, p.44.
51
2.5 Intangibilidade
O princípio da intangibilidade abaliza-se no fato de que o conteúdo do
contrato não pode ser modificado em razão da necessidade de preservar o resultado
do acordo de vontades e a estabilidade dos negócios jurídicos. Para isso, nem as
partes, nem o Poder Judiciário, estariam autorizados, em princípio, a modificar o
conteúdo de um contrato. De acordo com tal princípio, a intervenção judicial deveria
resultar, como regra, na decretação da nulidade ou na resolução do contrato e não
na modificação de seu conteúdo.
Todavia, Orlando Gomes afirma que a grande maioria da doutrina aceita a
possibilidade da alteração dos contratos judicialmente – como exceção à regra da
intangibilidade – nos casos em que ocorra fato imprevisível que modifique o estado
de fato quando da celebração do contrato (teoria da imprevisão) e também quando o
cumprimento do contrato se tornar demasiadamente oneroso para uma das partes,
reservada esta hipótese para fatos supervenientes ocorridos nos contratos de
consumo, porque social é todo o direito. Não obstante os conceitos como autonomia
da vontade e negócio jurídico exijam proteção, a intangibilidade dos contratos é
reduzida pelas chamadas normas imperativas, ou seja, a concepção predominante
não é mais a da auto-regulação, do pacta sunt servanda, mas sim a do interesse
social.103
2.6 Boa-Fé
Para compreender melhor as questões do princípio da boa-fé, são
importantes as considerações de Miguel Reale, nas quais declara de modo inicial
que as normas jurídicas estão fundadas na pluralidade de valores, tais como
liberdade, igualdade, ordem e segurança. No entanto, a justiça é a condição primeira
103
Rosana Guida Krastins MARCELINO, Os princípios de Direito Privado e a liberdade In NERY,
Rosa Maria de Andrade (Coord.). Função do Direito Privado no atual momento histórico, p. 55.
52
de todos eles, ou seja, a justiça vale para que todos os valores valham, e para tanto
a boa-fé faz-se necessária.104
A boa-fé objetiva constitui um princípio geral aplicável ao Direito. Pode-se
defini-la como um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportarse de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade.105 Gera deveres
secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda
que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da
execução da avença.
Como se vê, a boa-fé objetiva diz respeito à norma de conduta que determina
como as partes devem agir. Todos os Códigos modernos trazem as diretrizes do seu
conceito, e procuram dar ao juiz diretivas para que possa decidir.
Assim sendo, mesmo na ausência da regra legal ou previsão contratual
específica, da boa-fé nascem os deveres, anexos, laterais ou instrumentais, dada a
relação de confiança que o contrato fundamenta. Não se orientam diretamente ao
cumprimento da prestação, mas sim ao processamento da relação obrigacional, isto
é, a satisfação dos interesses globais que se encontram envolvidos. Pretendem a
realização positiva do fim contratual e da proteção à pessoa e aos bens da outra
parte contra os riscos de danos concomitantes.
Nos assuntos ligados à boa-fé analisam-se as condições em que o contrato
foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e
econômico, com escopo de interpretar a vontade contratual.
Deve-se crer que, em princípio, nenhum contratante celebra contrato sem a
necessária boa-fé. Mas a má-fé inicial ou interlocutória deve ser punida. E em cada
caso o juiz deverá definir quando e onde foi o desvio dos partícipes do contrato, e
levará em conta a hermenêutica e interpretação.
As cláusulas gerais inseridas no novo Código Civil não expressam perfeita
ideia do conteúdo, pois tem tipificação aberta e com conteúdo dirigido aos juízes. No
104
Miguel
REALE,
A
Boa
Fé
no
Código
Civil.
Disponível
em:
http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm, acesso em 23 de junho de 2010.
105
Ruy Rosado de AGUIAR, O poder judiciário e a concretização das cláusulas gerais: limites e
responsabilidade. In Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 18, 2000, p. 221.
53
entanto, constituem-se em mecanismo técnico-jurídico para aferição da abusividade
do negócio jurídico ou da interpretação da vontade.
Pretende-se preservar a função econômica para a qual o contrato foi
concebido, resguardando-se a parte que tiver seus interesses subjugados aos de
outra. O Código Civil de 2002 prevê a boa-fé objetiva em três grandes momentos. O
primeiro momento é o do artigo 113, que tem função hermenêutico-interpretativa ao
prescrever que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e
os usos do lugar de sua celebração”. A seguir, é a vez do artigo 187, com sua
função do controle dos limites do exercício de um direito, que assim prevê: “também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”. Por fim, o terceiro momento é o mais importante para as obrigações, por
apresentar função integradora dos negócios jurídicos no que diz respeito à conduta
das partes, nos termos do artigo 422: “os contratantes são obrigados a guardar,
assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade
e boa-fé”. 106
Não há dúvida que a noção de boa-fé objetiva, prevista pelo novo Código
Civil, é a mesma que, em 1990, se pretendeu incorporar ao Código de Defesa do
Consumidor – qual seja, a de uma cláusula geral de lealdade e colaboração para o
alcance dos fins contratuais –, mas difere profundamente daquela visão protetiva da
boa-fé que os Tribunais brasileiros aplicaram e continuam aplicando às relações de
consumo. De fato, a noção de boa fé não tem ontologicamente este caráter
protetivo. E em relações paritárias, como as que são tuteladas pelo Código Civil, não
faz sentido atribuir uma função reequilibradora à boa-fé, pela simples razão de que,
a princípio, não há, nestas relações desequilíbrio a proteger. Mais: aquela invocação
indiscriminada da boa-fé objetiva como referência ética genérica, se era inofensiva
nas relações de consumo, onde um sem-número de outros mecanismos a ela se
somavam na indicação de uma solução favorável ao consumidor, torna-se altamente
perigosa nas relações paritárias. Isto porque, não havendo, nestas relações, uma
definição apriorística de que parte se deve proteger, torna-se necessário, para se
chegar à solução adequada, preencher o conteúdo da boa-fé objetiva, não bastando
106
Daniel Penteado de CASTRO, Breves considerações acerca da boa-fé objetiva e revisão
contratual In PEREIRA JUNIOR, Antônio Jorge; JABOUR, Gilberto Haddad (coords.). Direito dos
Contratos II, p. 74.
54
mais sua simples invocação vazia de qualquer consideração concreta. Ao contrário
do que ocorre nas relações de consumo, nas relações paritárias a insistência nesta
concepção excessivamente vaga e puramente moral da boa-fé objetiva traz o risco
de sua absoluta falta de efetividade na solução dos conflitos de interesses.107
A despeito do o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/79) não tratar
expressamente da boa-fé objetiva, dispõe de inúmeros mecanismos destinados a
coibir a má-fé processual, o que se aproxima mais da boa-fé subjetiva. Neste
contexto, a boa-fé objetiva pode ser aplicada sob a ótica da comprovação da má-fé
processual das partes, funcionando mais como um princípio axiológico que um a
norma processual prevista em lei. A título de elucidação, o Código de Processo Civil,
ao arrolar em seu artigo 14 os deveres das partes e de todos aqueles que de
qualquer forma participam do processo, prevê em seu parágrafo único a aplicação
de multa de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% (vinte por
cento) do valor da causa à parte que comete ato atentatório à dignidade da
jurisdição previsto no inciso V desse mesmo artigo.108
Ademais, a boa-fé objetiva é um padrão genérico objetivo, de comportamento,
que exige do contratante uma atuação refletida, preocupada com a outra parte.
Cuida-se de um princípio que impõe a cada uma observância de comportamento
respeitoso com a outra parte, que seja leal, não abusivo, nem lesivo.
A boa-fé objetiva é atribuída, entre outras, à função de ser fonte de novos
deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, denominados obrigações
acessórias, e atuar como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo,
dos direitos subjetivos. Chama atenção ainda, o fato de que o princípio da boa-fé,
bem como o da função social do contrato e da equivalência contratual não decorrem
do princípio da autonomia da vontade, como era com os princípios norteadores dos
contratos no passado.109
107
Gustavo TEPEDINO e Anderson SCHREIBER, A Boa Fé Objetiva no Código de Defesa do
Consumidor e no Novo Código Civil (artigos 113, 187 e 422). In TEPEDINO, Gustavo. Obrigações:
estudos na Perspectiva Civil Constitucional, p.34.
108
Conforme Daniel Penteado de CASTRO, Breves considerações acerca da boa-fé objetiva e
revisão contratual In PEREIRA JUNIOR, Antônio Jorge; JABOUR, Gilberto Haddad (coords.). Direito
dos Contratos II, p. 67.
109
Conforme Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore.
Temas relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 520.
55
Se no Direito Romano era prevista a interpretação literal do instrumento
contratual, isentando a análise subjetiva de seu conteúdo e de suas consequências,
a evolução do conceito do próprio instituto e, por que não afirmar, do Direito,
conduziu a consciência de que a boa-fé é um dos princípios basilares da
contratualidade.
É importante notar que, consoante Izner Hanna Garcia, o princípio da boa-fé
está intimamente ligado ao princípio da supremacia da ordem pública e do bem
comum, já que quando o artigo 113 do Código Civil 110 reconhece como princípio
básico o dever de agir com boa-fé, procura dar à sociedade e suas relações
socioeconômicas uma convivência imbuída de lealdade e confiança. 111
Nesse sentido, vale relembrar o conceito de idoneidade como pressuposto
contratual. Assim, quando se fala em princípio da boa-fé, busca-se proteger a
própria ordem jurídica em seu todo, assegurando à sociedade que todos devem
contratar com boa-fé.
Pelo princípio da boa-fé imagina-se a necessidade de compreender ou
interpretar o contrato segundo as regras da lealdade e confiança entre as partes
contratantes, já que não se pode aceitar que um contratante tenha firmado o pacto
com má-fé, visando tirar proveito injustamente à custa do prejuízo de outrem. Nesse
aspecto resgata-se a lealdade recíproca presente em todo o Direito de raízes
romanas.112
Desta forma, pode-se conceituar a boa-fé objetiva como um conceito ético de
conduta, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade e probidade,
pautadas as atitudes nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito
de prejudicar ninguém.113
Torna-se importante distinguir entre a boa-fé objetiva e subjetiva, e para tanto
cita-se
a distinção
realizada com grande propriedade por Daniel Penteado de
Castro:
110
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração.”.
111
Izner Hanna GARCIA, Revisão de Contratos no Novo Código Civil, p.30.
112
Ibidem, p.30.
113
Sílvio RODRIGUES, Direito Civil. Dos Contratos e das declarações unilaterais de vontade, vol. 3,
p. 60.
56
Denomina-se „objetiva‟ porque a sua finalidade é impor aos
contratantes uma conduta de acordo com os ideais de honestidade e
lealdade, independentemente do subjetivismo do agente; em outras
palavras, as partes contratuais devem agir conforme um modelo de
conduta social, sempre respeitando a confiança e o interesse do
outro contratante. Já na boa fé subjetiva, o manifestante de vontade
crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de
conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de
consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado. 114
Assim sendo, a boa-fé objetiva analisa as condições em que o contrato foi
firmado, seu momento histórico e econômico, bem como o nível sociocultural dos
contratantes.
A antítese desta espécie, para Daniel Penteado de Castro “não é permitir a
intenção de prejudicar, como na boa-fé subjetiva, mas a exteriorização de um
comportamento ímprobo, egoísta ou reprovável, verificado sob a ótica da vida em
harmonia dentro da comunidade”.115
Seria afronta ao princípio da boa-fé objetiva, portanto, um ato que viola um
dever adjacente ao contrato, cuja análise não se encontra permeada somente na
intenção das partes contratantes, como também nas condutas por elas perpetradas,
antes, durante e após a execução do contrato.
2.7 Relatividade de Efeitos
O princípio da relatividade dos contratos surgiu entre os romanos em virtude
do caráter estritamente pessoal da obrigação dentro da sistemática do direito que
construíram primitivamente, a qual importava na sujeição pessoal do obligatus ao
poder – manus – do credor. A pessoalidade da obrigação impedia que o contrato
projetasse seus efeitos com relação a terceiros não participantes do mesmo no
momento de sua formação.116
114
Daniel Penteado de CASTRO, Breves considerações acerca da boa-fé objetiva e revisão
contratual In PEREIRA JUNIOR, Antônio Jorge; JABOUR, Gilberto Haddad (coords.). Direito dos
Contratos II, p. 99.
115
Ibidem, p. 100.
116
Orlando GOMES, Contratos, p. 23.
57
Sílvio de Salvo Venosa afirma que o contrato sobre bem que não pertence
aos sujeitos não atinge terceiros.117 Deve-se ter em mente que a relatividade do
contrato é ato de autonomia contratual, por meio do qual as partes têm a
prerrogativa de regular seus próprios interesses
Importante frisar que as partes são centros de interesses compostos pelos
sujeitos que integram o vínculo contratual, e terceiros são pessoas estranhas a essa
relação jurídica que, no entanto, podem vir a sofrer as consequências do contrato ou
auferir suas vantagens.
Justifica-se tal retorno às noções elementares da teoria geral dos contratos,
na medida em que frequentemente se confundem os sucessores causa mortis –
tanto a título universal quanto singular – e os sucessores inter vivos, a título
particular, com os terceiros, o que na verdade constitui-se um equívoco, visto que ao
assumirem a posição dos seus predecessores tornam-se partes nos contratos.
Também nos contratos coletivos, quer nos oriundos das relações trabalhistas, quer
nos relativos ao consumidor, por vezes se verifica certa incorreção técnica ao se
definir, como terceiros, a coletividade de pessoas que será atingida por seus efeitos.
Os contratos denominados oponíveis admitem a oposição do terceiro quando
o contrato alheio a sua pessoa, considerado como fato, causa-lhe prejuízo digno de
proteção. O credor, por exemplo, pelo fato de ser sujeito ativo de uma relação
jurídica obrigatória, da qual um dos contratantes é sujeito passivo, pode ter a esfera
dos respectivos interesses afetada pelo contrato, o que normalmente ocorre quando
o contrato diminui o patrimônio do devedor, que era a garantia do credor de que
receberia o seu crédito. Nesse caso, presentes certos requisitos, o credor terá a
possibilidade de pedir a ineficácia do contrato em relação a sua pessoa, na hipótese
de fraude de execução, ou a invalidação do contrato, na hipótese de fraude contra
credores.118
117
Sílvio de Salvo VENOSA, Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos,
Contratos em espécie e Responsabilidade Civil, p. 26.
118
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore. Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p.52.
58
2.8 Justiça Contratual
O princípio do equilíbrio contratual ou da justiça contratual tem por finalidade
buscar com que o contrato seja realizado em uma ordenação objetivamente justa
nas relações entre os contratantes, que supere e torne inócua a desigualdade fática
das partes.119
É possível afirmar que o princípio da justiça contratual apresenta
determinadas características, dentre as quais é possível citar:
(i)
ambas
a equivalência objetiva entre prestação e contraprestação exigindo que
tenham
valor
sensivelmente
correspondente.
Encontram-se
manifestações concretas sobre isto na exceção do contrato não cumprido; no
abatimento do preço por vício da coisa e evicção; na proibição da perda das
parcelas pagas (prevista no artigo 53120 da Lei nº. 8.078/90);
(ii)
na justa distribuição de ônus e riscos do contrato (artigo 234121 e 494122
do Código Civil);
(iii)
na proibição da lesão. No que diz respeito aos defeitos do negócio
jurídico, Silvio Luís Ferreira da Rocha123 fala que o novo Código Civil
disciplinou o instituto da lesão considerando anulável o negócio jurídico
realizado por pessoa sob premente necessidade ou inexperiência que se
119
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore. Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, p. 72.
120
“Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em
prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito
as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em
razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
§ 1° (Vetado).
§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição
das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida
com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.
§ 3° Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em moeda corrente nacional.”.
121
“Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da
tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a
perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.”.
122
“Art. 494. Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta
correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se
afastar o vendedor.”.
123
Sílvio Luis Ferreira da ROCHA, Princípios Contratuais. In NANNI, Giovanne Ettore. Temas
relevantes do Direito Civil Contemporâneo, 2008.
59
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação
(artigo 157124 do Código Civil). Henrique da Silva Lima125 também fala sobre o
instituto da lesão no Código Civil; e,
(iv)
na proibição das cláusulas abusivas.
À procura de equilíbrio contratual, o direito destacará o papel da lei como
limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a
proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no
vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.126
Importante ressaltar que, para combater a violação ao princípio da justiça
contratual, têm, recentemente, sido suscitados os artigos 317127 e 478128 do Código
Civil, especialmente nos casos de contratos sob os quais incidiram juros compostos
por longo período de tempo tornando valores de negociação absurdamente
excessivos para a parte devedora. É o caso dos juros bancários e principalmente
das dívidas de cartões de crédito, em que está presente a vulneração do consumidor
frente aos bancos.
Acerca disso, assevera-se que se há reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor nas relações de consumo, do que resulta a intervenção estatal no
sentido de protegê-lo, inclusive legislativamente, remanesce cristalino que a tutela
do consumidor também se justifica pelo objetivo de consumo, com o que se busca o
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Se existe consenso no
que se refere ao desequilíbrio nas relações de consumo, estando o consumidor em
uma posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem
124
“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência,
se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
o
§ 1 Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi
celebrado o negócio jurídico.
o
§ 2 Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito.”.
125
Henrique da Silva LIMA, O instituto da lesão no código civil, passim.
126
Cláudia Lima MARQUES, Antônio V. HERMAN e Bruno MIRAGEM, Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor, p. 60.
127
“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de
modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”.
128
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
60
ou serviço de consumo, nada mais justo e correto do que buscar restabelecer o
equilíbrio desejado quer protegendo o consumidor, quer educando-o, quer
fornecendo-lhe instrumentos e mecanismos de superação desses desequilíbrios.
Com isso, as relações de consumo poderão cumprir seus objetivos, com maior
harmonia e redução de conflitos.129
No que se refere à justiça contratual, é de grande relevância a análise da
equivalência das prestações. Isso, pois a justiça contratual objetiva tem repercussão
direta no princípio objetivo de equivalência entre prestação e contraprestação,
quando houver correspondência entre as duas, e na ideia de distribuição equitativa
de ônus e riscos relacionados com o contrato. Fernando Rodrigues Martins chama a
atenção para o fato de que:
O surgimento de uma nova ordem contratual impõe a adequação de
seus princípios, especialmente da justiça contratual, cuja
compreensão vai além da noção de simples equilíbrio, porquanto, se
este parte de uma ótica sobre o intercâmbio de prestações, aquele
se refere a julgamento éticos, possibilitando investigações mais
acendradas de comportamentos e de conteúdo obrigacional. (...) é
possível inferir que o princípio da justiça contratual é revelado na
composição harmoniosa quanto ao conteúdo jurídico e econômico do
contrato, com base na equânime proporção entre forças antagônicas
e na interação dos elementos contratuais de dimensões diferentes.130
Karl Larenz, sendo citado por Fernando Noronha afirma que o princípio da
distribuição equitativa (ou justa) de ônus e riscos, que visa uma equilibrada
repartição de benefícios e encargos entre as partes um domínio de grande alcance
no direito legal dispositivo. Mas o princípio da distribuição equitativa de ônus e riscos
hoje em dia se revela especialmente importante no âmbito dos contratos
padronizados e de adesão: empresas industriais, comerciais e de prestação de
serviços, quando elaboram os contratos que oferecerão aos clientes aderentes, são
levadas, por força do progresso econômico e da luta por melhores condições de
competitividade, a transferir para eles quantos encargos e riscos, possíveis e
imaginários, seja-lhes permitido – e às vezes, mesmo aquele não permitidos. 131
129
Conforme João Batista ALMEIDA, A proteção jurídica do consumidor, p.33.
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, pp. 395-396.
131
Conforme Fernando NORONHA, Direito das obrigações, p. 55.
130
61
2.9 Função Social
Sendo o contrato um dos poucos institutos que sobreviveu por tanto tempo e
se desenvolveu sob inúmeras formas nas sociedades diversas, sempre se
adequando às peculiaridades de cada tipo de sociedade, sua função confunde-se
com a própria história das sociedades.
Podendo ser observado pelo crivo de instrumento burguês de dominação ou
pela consagração dos princípios contratuais como princípios próprios da ordem
natural, o contrato muda de feição e atende aos interesses jurídicos dos contratantes
de cada época. Até que se mostre, a cada época, como insustentável ou deficiente,
quando então se adapta e busca sua readequação, para prosseguir como o que
sempre fundamentalmente foi: um instrumento essencial da organização social.
De se ressaltar que a organização social por meio dos contratos se dá na
medida em que, ao mesmo tempo em que garante a regulação dos interesses
individuais com igualdade entre as partes contratantes, atende à necessidade
premente de ampliação e difusão das relações de troca, como bem lembrado por
Orlando Gomes.
A esse respeito, Henrique da Silva Lima assevera que embora o contrato seja
uma espécie de negócio jurídico, esses termos não são sinônimos, devendo, nos
contratos, existir a emissão de vontades reguladas por lei e, embora pareça óbvio e
pacífico, o contrato ainda não atingiu, da forma como deveria, a dimensão e o poder
que possui de promover e resguardar os direitos dos contratantes, que muitas
vezes, ao revés, ficam subjugados a vontade da parte mais forte na relação. 132
Torna-se oportuno ressaltar as ideias de Fran Martins que atentam para a
função social do contrato como a fonte de obrigação mais comum estabelecida entre
partes e fundamental para que a sociedade se manifeste frente a contestações. O
autor afirma, nesse sentido, a função do contrato como verdadeira prova das partes
junto à sociedade. 133
Houve uma adequação do que se fazia antes mesmo do modelo de contrato
romano ao paradigma do Estado Democrático de Direito, em que o contrato está
132
133
Henrique da Silva LIMA, O instituto da lesão no código civil, passim.
Fran MARTINS, Contratos e Obrigações Comerciais, p.63.
62
sujeito a uma princiopiologia contratual moderna, voltada para os preceitos
constitucionais, de forma a resguardar direitos e garantias fundamentais dos
contratantes.
A ideia do interesse social passa a nortear os contratos privados e o princípio
da função social é compreendido como algo que interessa a toda a coletividade.
Nesse entendimento Flávio Tartuce percebe a função social do contrato como
regramento contratual de ordem pública (art. 2.035, parágrafo único, do Código
Civil), pelo qual o contrato deve ser necessariamente, analisado e interpretado de
acordo com o contexto da sociedade. 134
Ainda sobre o tema, o mesmo autor conclui que a função social constitui
verdadeiro princípio geral do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do
trabalho doutrinário, da jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos
da sociedade.135
Desde logo, importa notar os aspectos históricos que influenciaram o princípio
da função social, que certamente é fruto de transformações de ordem social,
econômica e política, sobretudo alcançando aspectos jurídicos.
A Revolução Francesa demarcou o período em que as ideias individualistas
predominaram, sendo que vigia o princípio da mínima intervenção do Estado na
ordem privada. A Doutrina individualista do direito representou eixo fundamental da
defesa dos direitos do homem. A visão individualista instituiu ainda o direito à
propriedade e a livre circulação de bens e riquezas, donde se atribuiu nas palavras
de Moacyr Costa Neto papel subjacente às manifestações de vontade e a
concepção de justiça diante da mínima intervenção na ordem privada.136
Para Augusto Geraldo Teizen Junior a revolução permitiu a libertação das
instituições e humanização dos direitos o que contribuiu para mitigação do servilismo
feudal e ganhou destaque nesse período o instituto da propriedade.137
134
Flávio TARTUCE, A função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao novo
Código Civil, p. 248.
135
Ibidem, p. 248.
136
Moacyr COSTA NETO, A interpretação dos contratos e abuso de direito In NERY, Rosa Maria de
Andrade (Coord.). Função do Direito Privado no atual momento histórico, passim.
137
Augusto Geraldo TEIZEN JUNIOR, A função social no Código Civil, p. 151.
63
Nesse sentido, o Código de Napoleão pronunciava conceito novo e
revolucionário de propriedade, através do direito de gozo e disposição quase que
absolutos.
Os valores do passado moldam a dogmática atual do direito moderno, que
denotam, segundo Augusto Geraldo Teizen Junior, a transição do indivíduo para a
sociabilidade.138
Averigua-se que a preocupação constante com a utilização da propriedade
não é nova, nem revolucionária, e nos remonta à doutrina cristã da Idade Média. O
jusnaturalismo, por sua vez, por meio de critérios de equidade, proclamaria a função
social da propriedade como instrumento de realização da justiça divina.
O liberalismo do século XIX, individualismo, ajuda a moldar a função social e
inspira posteriormente a codificação europeia do século XIX e assim o Código Civil
de 1916. Toda disciplina jurídica do século XIX girou em torno da liberdade e
exercício da economia por meio dos contratos e nessa esteira o direito a
propriedade. A primeira guerra marca mudança no papel do legislador que passa a
intervir na economia e busca expansão da igualdade e atendimento de interesses
sociais básicos, leciona Augusto Geraldo Teizen Junior.
Franz Wieacker estabelece que associações de empresários e trabalhadores
através de influência sobre o mercado viabilizaram a evolução social. Franz
Wieacker sentiu pela primeira vez que a evolução trouxe restrições à liberdade de
utilização da propriedade no sentido de tomarem providências legislativas com
relação às carências de habitação. Nesse diapasão, após a Revolução Francesa a
justiça retributiva dá lugar à redistributiva com acentuado intervencionismo estadual
e dirigismo contratual documentado no Brasil a partir de 1930.139
Fórmulas abstratas poderiam aduzir que a função social do contrato é a
circulação de bens e riquezas, o que não garante instrumentos para efetiva
demonstração da funcionalização da relação contratual.140 Maria Celina Bodin de
138
Ibidem, p. 157.
Franz WIEACKER, História do Direito Privado Moderno, p. 630.
140
Conforme Pablo RENTERIA, Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função
social do contrato. In MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord), Princípios do Direito Civil
Contemporâneo, p. 304.
139
64
Moraes, nessa esteira estudou o tema e concluiu que a teoria da causa serve à
realização da análise funcional da relação contratual.141
O ordenamento jurídico não prevê a causa como requisito de validade do
negócio jurídico o que poderia denotar óbice à sua admissão. Entretanto, mesmo
sobre a égide do Código Civil de 1916 juristas como Pontes de Miranda, defendiam
a existência do elemento causal em nosso ordenamento.
A causa do contrato não se confunde com o objeto contratual, que é o
conjunto dos atos que as partes se comprometem a realizarem singularmente
considerados, isto é, prestações das partes.142
Orlando Gomes estabeleceu que o contrato tem por objeto as prestações das
partes, enquanto que a causa é o intercambio entre as prestações das partes. 143
Em conformidade com a doutrina de Pablo Rentería, após advento do Novo
Código Civil verifica-se que vários dispositivos invocam a análise funcional do
contrato e investigam renovação do debate sobre a causa.144
Alerta ainda o autor que a concepção do contrato veio a ser contestada por
um movimento socializante do direito e nessa esteira a causa abandonou a
concepção subjetiva, cujo fundamento era a intenção que levava cada parte a
contratar e passou-se então, a privilegiar critérios objetivos da relação contratual.145
A causa, para Pietro Perlingueri, é o que ilumina o contrato na sua dimensão
de valor e regulamento de interesses. Com efeito, o fato da causa não ter sido
elencada como requisito de validade do negócio jurídico, evita confusões ao
identificar a causa em conjunto com os demais requisitos.146
Com efeito, a causa, para Maria Celina Bodin Moraes, se aproxima da ideia
de função econômica – social ou prática – do contrato. A autora prossegue e
assevera que não basta que o comportamento das partes seja conforme a ordem
141
Maria Celina Bodin de MORAES, A causa dos contratos, p. 107.
Maria Celina Bodin de MORAES, A causa dos contratos, p. 107.
143
Orlando GOMES, Contratos, p. 24.
144
Pablo RENTERIA, Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do
contrato. In MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord), Princípios do Direito Civil Contemporâneo, p.
307.
145
Ibidem.
146
Pietro PERLINGUERI, Perfis do Direito Civil, p. 25.
142
65
pública, mais ainda deve-se buscar a realização de interesses, reputados dignos de
tutela.147
Dessa linha de raciocínio estabelece-se que a causa consiste na síntese dos
efeitos essenciais de cada contrato.
Para Judith Martins Costa, a causa é útil para qualificar o contrato, enquanto
que a função social é útil para impor aos contratantes deveres que tornem os
contratos em conformidade com bem comum.148
Contudo, Pablo Renteria afirma que dentre as principais sugestões de
concretização da função social do contrato a que recebe maior potencialidade
normativa é a aproximação com a causa do contrato.149 Pablo Renteria, com
fundamento no que descreve Maria Celina Bodin Moraes, contradiz a distinção entre
a causa e função social.
Em primeiro lugar, porque a causa do contrato sob o aspecto objetivo tem
caráter anti-individualista, por outro lado sob visão subjetiva traz ideia de que o
fundamento de cada obrigação contratual baseia-se na motivação de cada parte
para contraí-la. A ideia objetiva de causa exige, por sua vez, que o contrato veicule
interesse prático, que esteja em consonância com o interesse social e geral, que
demonstra deslocamento do ponto de vista de valoração dos contratos sob a ótica
dos contraentes para a ótica do ordenamento jurídico. Em segundo lugar, a função
social do contrato não pode exigir que as partes privilegiem interesses dos outros,
antes de privilegiar seus próprios interesses. Portanto, há interesse social a ser
atendido quando se tutela o interesse individual de cada um.150
A causa como síntese dos efeitos essenciais do contrato consegue delimitar o
contrato, e atribuir disciplina jurídica adequada. Nessa esteira, ao analisar a
finalidade concreta do negócio ou a sua função se distingue a qualificação do tipo
contratual e, por conseguinte averigua-se o controle de sua ilicitude. 151
147
Maria Celina Bodin de MORAES, A causa dos contratos, p. 111.
148
Ideia elaborada pela autora Judith MARTINS-COSTA na nota de rodapé n. 2, do texto
Reflexões sobre o Princípio da Função social nos contratos, publicado na Revista Direito GV1, p. 66.
149
Pablo RENTERIA, Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do
contrato. In MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord), Princípios do Direito Civil Contemporâneo, p.
309.
150
Ibidem.
151
Maria Celina Bodin de MORAES, A causa dos contratos, p. 112.
66
A função social exige análise da relação contratual em seu perfil funcional e
consequentemente gera consagração da aplicação tradicional da causa do contrato
quanto à eficácia contratual.
É possível aproximar a função social do contrato da causa, tendo em vista
que o artigo 421 do novo Código Civil torna inevitável a análise funcional da relação
contratual. Do ponto de vista técnico jurídico a funcionalização consagrada pela
função social do contrato se faz presente através da análise da causa objetiva e
concreta do contrato.
Portanto, a noção de causa do contrato contribui para que se tenha método
mais técnico e operacional para efetiva a funcionalização da relação contratual,
trazendo conteúdo dogmático àquilo que a função social do contrato poderia
apresentar de volúvel.152
Importa mencionar que há divergência quanto aos princípios envolvidos na
função social do contrato, já que pretende buscar a vedação de excessos e o
equilíbrio de valores contratuais, de modo que resta evidente a necessidade de se
anotar inicialmente a relatividade desses princípios relacionais. A relatividade dos
contratos é um dos princípios fundamentais do direito privado, profundamente
relacionado com a noção de autonomia da vontade.
Existe no ordenamento uma complementariedade entre a relatividade dos
efeitos contratuais e a função social dos contratos, de forma que respeita-se a
autonomia dos privados, mas também se verifica a compreensão que deve
apresentar esse princípio com outros valores, como é o caso da boa fé objetiva e o
equilíbrio sinalagmático dos contratos. O princípio da relatividade, consoante
Luciano Camargo Penteado, consiste primeiramente no efeito que o contrato gera
entre os figurantes, ou seja, entre as partes. Nesse sentido, ensina que o princípio
da relatividade garante que o efeito voluntário da expressão do querer ensejará
efeitos somente entre as partes, sejam elas formais ou materiais. Alerta ainda que o
princípio da relatividade não impede efeito vinculado do contrato perante terceiro,
apenas restringe seu âmbito para garantir a liberdade de contratar.
152
153
Pablo RENTERIA, Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do
contrato. In MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord), Princípios do Direito Civil Contemporâneo, p.
310.
153
Luciano de Camargo Penteado, Efeitos Contratuais perante Terceiros, p. 190.
67
Por seu turno, Augusto Geraldo Teizen Junior alega que o princípio da
relatividade permite delimitar o âmbito de eficácia do contrato sendo que produzirá
efeitos somente em relação aos contratantes.154
Nessa esteira, Nelson Nery Junior aduz que análise literal do artigo 421
poderia traduzir ideias de que função social do contrato limita autonomia privada,
mas em verdade não se contrapõe, e sim se coaduna e compatibiliza.155
A relatividade tutela a liberdade de contratar na medida em que ninguém se
torna parte contra sua vontade sem querer expresso, leciona Luciano Camargo
Penteado. Nessa linha, assevera que a preservação da liberdade encontra limites
nas normas jurídicas que impõe efeitos protetivos perante terceiros, especialmente
no que tange a função social do contrato.156
Portanto se vê necessária a estruturação da vontade em face de outros
valores significativos do direito, assim como a função social. Neste esteio Fernando
Rodrigues Martins afirma:
A cláusula da função social do contrato permite a avaliação da justiça
contratual entre as partes ante a exigência do solidarismo e da
proteção da dignidade da pessoa humana, ainda garante o exercício
jurídico de releitura do princípio da relatividade dos efeitos do
contrato para proteger a justiça contratual realizada pelas partes de
terceiros e protege terceiros e a sociedade dos efeitos injustos do
contrato celebrado pelas partes, além de, autorizar a volta ao status
quo ante nos casos de perda do fim ou de sua utilidade.157
Augusto Geraldo Teizen Junior expõe que a concepção subjetiva do princípio
da relatividade que vê a vontade como razão da força obrigatória dos contratos cede
e dá lugar ao princípio da função social do contrato.158
Quando a autonomia da vontade e os fins sócio-econômicos e interesses
públicos entrarem em conflito deverá ser preservada a função social do contrato
para harmonização dos interesses contrapostos para garantia da justiça e paz
social. A função social confere proteção pelo ordenamento jurídico aos mais fracos
154
Augusto Geraldo Junior TEIZEN, A função social no Código Civil, p. 162
Nelson NERY e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil Comentado, p. 412.
156
Luciano de Camargo PENTEADO, Efeitos Contratuais perante Terceiros, p. 191.
157
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 306.
158
Augusto Geraldo Junior TEIZEN, A função social no Código Civil, p. 164.
155
68
na relação contratual para garantia do equilíbrio das partes – o princípio da isonomia
é assim resguardado.159
Nesse sentido a queda do princípio da relatividade dos efeitos contratuais
permite que os efeitos obrigatórios dos contratos avancem sobre terceiros não
envolvidos na relação contratual originária ou até na própria coletividade.
Tanto no caso do terceiro alheio à relação contratual, quanto no caso da parte
envolvida na relação contratual que sofreram prejuízo em face do inadimplemento,
impõe-se uma análise acurada do princípio da relatividade dos efeitos do contrato a
luz do princípio da função social.
Assim, o terceiro prejudicado, alheio à relação contratual, não poderia pleitear
indenização com base no princípio da relatividade. Entretanto, em razão da nova
interpretação do princípio da relatividade, no sentido de sua flexibilização, advinda
da aplicação da função social do contrato, o terceiro prejudicado pode requerer sua
indenização. Conclui-se que o princípio da relatividade, que antes restringia os
efeitos do contrato apenas aos integrantes da relação contratual, a partir da
aplicação da função social, passa a viabilizar a que terceiros prejudicados possam
também requerer indenização às partes contratantes.
No que tange à oponibilidade dos efeitos do contrato a terceiros, Rômolo
Russo Junior, expõe que o princípio da função social promove a real alteração do
referido princípio relativista, cuja máxima romana, embora inexistente no Código
Civil, determina que o que foi negociado entre as partes não pode prejudicar ou
beneficiar terceiros.160
Tereza Negreiros ao dispor sobre a história do princípio da relatividade, em
paralelo com a história do princípio da autonomia da vontade, demonstra
transformação na concepção de vontade das partes para concretizar o negócio,
sendo que não há necessariamente que se querer para se tornar adstrito a relação
contratual.161
Dessa forma, o princípio da relatividade há que ser reformulado e reinterpretado em face do novo princípio da função social.
159
Ibidem, p. 167.
Romolo RUSSO JUNIOR, O poder do juiz integrar o contrato a realidade. In NERY, Rosa Maria de
Andrade (Coord.), Função do Direito Privado no atual momento histórico, p. 138
161
Tereza NEGREIROS,Teoria do contrato, p. 67
160
69
Sendo assim, a função social permite conceber que terceiros não
permaneçam alheios como se a relação contratual não existisse.
Portanto, por meio da consubstanciação do princípio da função social verificase que o contrato pode influenciar terceiros alheios a relação contratual, o que
corrobora o abandono da autonomia da vontade em prol do interesse coletivo.
Por fim, vale notar que o próprio Código de Defesa do Consumidor levou à
ruptura do princípio da relatividade quando criou direitos para ex-terceiros, agora
consumidores, e impôs ainda patamar de boa-fé em face de todos os consumidores,
tanto aqueles que contratam quanto aqueles que utilizam indiretamente o serviço ou
produto.
70
CAPÍTULO III – QUEBRA DA BASE OBJETIVA DOS CONTRATOS
Todo
contrato
é
celebrado
pelas
partes
levando em
consideração
determinadas circunstâncias de caráter geral, como a ordem econômica e social
existente, o poder aquisitivo da moeda, as condições normais do tráfico, sem as
quais o contrato não alcança a sua finalidade.
As partes apenas contratam diante da constatação de circunstâncias
determinadas que as façam crer que o negócio jurídico firmado será proveitoso para
si, e proporcionará o atingimento de um objetivo determinado. A causa é o motivo
determinante pelo qual uma parte é levada a contratar e explicita o seu interesse
concretamente perseguido. A causa liga-se diretamente com a expectativa do
contratante em ver realizado seu interesse.
Dentro deste contexto, a noção de equilíbrio caminha paralelamente à noção
de contrato – como visto no capítulo anterior – apesar de em cada época distinta ela
apresentar matizes diferentes de acordo com a valoração dada pela sociedade.
Atualmente,
o contrato deve ser equilibrado em face dos princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana, da igualdade substancial, da
proporcionalidade e razoabilidade, e sempre no sentido da equidade
e da eticidade, procurando evitar abusos em relação às suas
diversas naturezas, em face do ambiente globalizado.162
Fundamentalmente, o equilíbrio é elemento que se faz presente no momento
da contratação, pois, em busca de um interesse particular, cada parte aceita
submeter-se às regras do contrato, e celebra o negócio jurídico convencido – ainda
que momentaneamente – de que a contraprestação que se compromete a cumprir é
equivalente à prestação, ao bem ou benefício que receberá em nome do contrato.
Isso claro, se levando em conta a livre manifestação da parte e a expressão genuína
de sua autonomia e liberdade de contratar.
Ocorre que, muitas vezes as circunstâncias externas se alteram,
modificando o cenário inicial em que se deu a contratação, e essas alterações
podem vir a repercutir sobre o contrato firmado, fazendo com que uma das partes
162
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p. 30.
71
(em regra) sinta-se desprivilegiada em relação à outra dentro da relação contratual,
criando um desequilíbrio que em tese autorizaria uma quebra contratual.
Essa quebra de contratos pode estar fundada em diversas situações de
desequilíbrio, tais como: (i) lucro desmedido para uma parte em contrapartida de um
prejuízo grande para a outra; (ii) impossibilidade de honrar acordos por motivos
diversos; (iii) percepção de falhas contratuais a posteriori; entre outras hipóteses.
Embora nem sempre haja pressupostos econômicos envolvidos, a paridade e
harmonia das vantagens e desvantagens econômico-financeiras do negócio se
revelam ao longo do tempo. Muitas vezes, até mesmo um contrato de cunho social,
pela quebra, acaba envolvendo questões financeiras e vice-versa.
Assim, indissoluvelmente o contrato está ligado à conjectura econômica, que
é flutuante, já que nela se repercutem todos os acontecimentos de ordem social,
política e internacional. E embora o Estado intervenha nas relações entre os
particulares
de
forma
preventiva
por meio
da
elaboração
de
legislação
regulamentadora dos contratos, e também posteriormente por meio da atividade do
judiciário que dirime as demandas quando provocado, inegável é o fato de que as
relações contratuais em muito perpassam o controle do Estado. A este respeito
Ronaldo Porto Macedo Júnior afirma:
Embora as referências ao intervencionismo estatal e ao surgimento
da sociedade de massas sejam frequentes nos livros de direito
brasileiro, a cultura jurídica dominante sobre o direito contratual ainda
hoje tende a subestimar ou muitas vezes negligenciar a relevância
das transformações econômicas ocorridas neste século, em
particular a forma de organização da produção industrial, e seu papel
na conformação e estabilização do paradigma contratual
hegemônico. Ainda hoje são poucas as análises concretas do
significado destas transformações para a teoria contratual. (...)
Concluindo as novas exigências de justiça contratual e as novas
formas de organização do mercado oriundas de sua nova
conformação, tendo em vista as mudanças econômicas ocorridas no
século XX, notadamente o advento da produção em massa e
posteriormente do pós fordismo e o surgimento da especialização
flexível, introduziram novas dimensões e a exigências que passaram
a desafiar os princípios contratuais dominantes nas teorias
contratuais clássicas e neoclássicas e a racionalidade jurídica nelas
proposta.163
163
Ronaldo Porto MACEDO JUNIOR, Contratos relacionais e defesa do consumidor, pp. 49-50.
72
Desta forma são inúmeras as variantes que podem vir a interferir num
contrato, alterando-lhe substancialmente a base.
Como já observado nos capítulos anteriores, na Idade Média, a manutenção
do equilíbrio estava estreitamente associada à preocupação pela justiça do
conteúdo. Seria injusto manter a vinculação se as circunstâncias sofressem uma
alteração radical. Embora a cláusula pacta sunt servanda vigorasse nos contratos
desde os primórdios, também desde o Código de Justiniano já se fazia valer uma
cláusula implícita que alertava para o fato de que se as condições externas à época
da contratação fossem consideravelmente modificadas o vínculo contratual poderia
ser revisto ou resolvido: era o gérmen da ideia de base objetiva.
Já nos dias de hoje a preocupação não se explica pela justiça do conteúdo
como na Idade Media, mas caracterizada pela intervenção estatal, especialmente
legislativa
nas
esferas
do
contrato
e
da
propriedade,
por
meio
da
constitucionalização da ordem econômica e social, expande-se para abarcar os
interesses sociais. Rodrigo Toscano de Brito afirma que “os interesses individuais
apenas são admitidos se estiverem em conformidade com os interesses sociais”. E
continua, afirmando que
a consequência dessa mudança de paradigma, na concepção dos
contratos, é a emergência dos princípios sociais, que embora não
eliminem os princípios liberais, passam a limitá-los e a conformá-los,
em delicado equilíbrio.164
Frise-se que na hipótese de quebra da base objetiva nenhuma alteração se
opera em relação à causa do negócio jurídico: o interesse dos contratantes
permanece inalterado, mas em razão da modificação das circunstâncias externas o
contrato – da forma em que fora firmado – não mais servirá para o atingimento do
interesse perseguido pela parte. Supõe-se nestes casos que apenas uma das partes
seja prejudicada, ou ao menos mais prejudicada, já que no caso do contrato deixar
de atender a ambas, simplesmente poderia se operar a rescisão contratual.
Segundo Maria Helena Diniz165 a quebra do contrato nestas condições é
objetiva, pois a ninguém é atribuível, não havendo elemento subjetivo. É uma
situação que se desfaz independentemente de quem ou como aconteceu.
164
165
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p. XV.
Maria Helena DINIZ, Tratado teórico e prático dos contratos, vol. 3, p. 32.
73
Dessa forma, determinadas situações supervenientes ao contrato podem
alterar o modo de cumprimento da prestação, modificar o quantum devido, ou até
mesmo impedir a prestação por uma das partes, destruindo, assim, a relação de
equilíbrio existente quando da contratação, já que inexiste a equivalência entre
prestação e contraprestação neste segundo momento.
Roberto Senise Lisboa afirma que:
Contrato justo é o negócio jurídico que, desde sua formação,
apresenta o equilíbrio dos direitos assegurados às partes com as
suas obrigações co-respectivas, com a equivalência traduzida da
equação financeira ou econômica daí resultante. O equilíbrio da
equação financeira e dos direitos e obrigações devem ser mantidos
durante a execução do pacto, até a sua extinção.166
O desequilíbrio é o indício de que houve a quebra da base objetiva do
contrato, e é no restabelecimento deste equilíbrio entre as partes que se baseia a
teoria da quebra da base objetiva dos contratos, objeto do presente estudo.
Para prosseguir nesta empreitada, apresenta-se a seguir breve análise acerca
da causa, conceito indispensável para se compreender a base objetiva do negócio
jurídico. Ainda é necessário analisar a existência de algum fator extraordinário ao
universo em que se insere um contrato e partes envolvidas, o qual pode modificar a
base jurídica do contrato. Imperioso ter em mente, durante toda esta análise, os
princípios do direito, essencialmente as considerações acerca da solidariedade e da
boa-fé já tratadas anteriormente. A seguir apresentar-se-ão elementos sobre base
objetiva para em seguida explicitar do que se trata a quebra contratual, e quais são
suas causas.
3.1 Teoria da Causa
Descobrir e analisar o real motivo que levou cada uma das partes a firmar o
contrato é de sua importância para a análise da quebra da base objetiva.
Deve-se vislumbrar que da mesma forma que existe uma causa para a
quebra do contrato, já houve uma causa anterior que determinou a sua existência;
166
Roberto Senise LISBOA, Contratos Difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho,
agrário, locação, autor, p. 164.
74
assim, cumpre analisar a denominada teoria para melhor compreender sua
aplicação no vínculo obrigacional.
Silvio de Salvo Venosa conceitua causa como aquele motivo que tem
relevância jurídica, e se confunde com o objeto do negócio. Todavia, afirma que não
se pode elevar qualquer motivo como elemento essencial do negócio jurídico, e
consequentemente, do contrato. O Código Civil de 1916, acompanhado pelo novo
estatuto, afastando-se da problemática sobre o tema da causa, que gera tantas
dificuldades de ordem prática, entendeu que a noção de objeto substitui
perfeitamente a noção de causa.167
No direito civil brasileiro, a causa constitui o próprio contrato, ou seu objeto.
Quando se diz assim que a causa ilícita vicia o ato jurídico é porque o seu objeto
vem a ser ilícito. O mesmo não acontece, porém, com o Código Comercial (revogado
neste particular), que no artigo 129, n. 3 prescrevia ser nulo o contrato que não
designasse a causa certa de que derivava a obrigação. Vê-se, portanto, diante
desses textos, que embora o Código não houvesse incluído a causa entre os
requisitos das obrigações convencionais, não prescinde desse elemento. Contudo, o
legislador não faz dele um elemento autônomo, dotado de individualidade própria.
Ao contrário, identifica-o com o próprio contrato, ou com o seu objeto. O negócio
jurídico tem eficácia independentemente de sua causa, bastando a vontade,
devidamente manifestada, para dar origem ao ato.168
Neste esteio, Luciano de Camargo Penteado reconhece que a doutrina
nacional, via de regra, identifica o conceito de causa da obrigação, relegando-a a
segundo plano, tudo isto tendo em vista a absorção do tema pela categoria de
objeto. Assim, o conceito acaba por ter relevância apenas quando se discutem as
obrigações abstratas de causa, como, por exemplo, as referentes a alguns títulos de
crédito. Para o autor, quase nunca se detecta a relevância conceitual da categoria
da causa do contrato como algo autônomo, o que é imprescindível no estudo da
teoria da quebra da base objetiva como se verá. 169 Mas, embora para parte da
167
Sílvio de Salvo VENOSA, Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos,
Contratos em espécie e Responsabilidade Civil, p. 439.
168
Luciano de Camargo PENTEADO, Causa Concreta, Qualificação Contratual, Modelo Jurídico e
Regime Normativo: notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros, p. 241.
169
Ibidem, p. 242.
75
doutrina – e no Código Civil - a causa identifique-se com o objeto, a discussão não
fica à míngua.
Há quem acredite que a causa é a razão prática do contrato, a base do
reconhecimento da autonomia contratual, é elemento essencial do contrato, sendo
que sua ausência pode gerar a nulidade do ato. A causa é elemento fundante do
negócio jurídico, inafastável, de forma que não haveria negócio jurídico sem uma
causa. Assim, a causa é a razão concreta do contrato, o interesse concretamente
perseguido, sendo que a teoria da causa concreta é utilizada na interpretação dos
contratos.170 Todavia, nesta interpretação a causa se difere do objeto, na medida em
que o objeto é o conteúdo, o programa contratual, enquanto a causa é o interesse, a
finalidade prática a que este programa está voltado. 171
Reforce-se que na hipótese de quebra da base objetiva – que será adiante
esmiuçada - nenhuma alteração se opera em relação à causa do negócio jurídico: o
interesse dos contratantes permanece inalterado, mas em razão da modificação das
circunstâncias externas, o contrato – nos moldes em que fora firmado – não mais
atingirá o objetivo almejado pelas partes. Por esta razão, com vênia, se discorda da
opinião majoritária que afirma que a causa e objeto se confundem.
Aprofundando este entendimento, Antonio Manoel da Rocha Menezes
Cordeiro ao falar sobre a o tema, afirma que a causa ocorre em “fatos jurídicos
complexos de produção sucessiva, isto é, em conjunções nas quais o Direito
requeira para o aparecimento de determinado efeito jurídico uma sucessão
articulada de eventos, que se vão produzindo no tempo”. Firmado o contrato, a parte
tem uma esperança (spes iuris) crescente de, nos termos contratados ver constituir
um direito ou vantagem: ela tem uma expectativa. Para o autor “a expectativa tem,
contudo, interesse por permitir comunicar uma situação que explica todo um
regime”.172
170
Tânia Lehmann HERNANDEZ, Teorias da imprevisão e da quebra da base objetiva do negócio
jurídico, p. 31.
171
Note-se que a grande maioria da doutrina pátria identifica objetivo e causa, sendo possível afirmar
que a causa constitui o próprio contrato. Há, no entanto, nova corrente doutrinária em formação, que
se orienta de forma diferente, distinguindo causa e objeto: “a causa se difere do objeto, na medida em
que o objeto é o conteúdo, o programa contratual, enquanto que a causa é o interesse, a finalidade
prática a que este programa está voltado”. Ibidem, p. 31.
76
Assim, a expectativa é aquilo que alimenta no sujeito uma vontade de firmar o
contrato, de celebrar o negócio jurídico, integrando, ou ao menos interferindo nesta
causa. Isto é, quando o sujeito celebra o contrato há nele a expectativa de que o
objetivo seja alcançado (seja o recebimento do pagamento, seja o recebimento do
bem, por exemplo), e esta expectativa se não é a própria causa, pode nela interferir
diretamente.
Teixeira Freitas já comentava que os fatos que não forem atos, serão sempre
causas passivas de direitos, e causas primas, do mesmo modo que os atos não
livres: mas os atos livres nunca serão causas primas, serão sempre efeitos em
relação às pessoas, e só causas segundas, em relação a efeitos ulteriores. Assim se
dá a verdadeira interpretação da realidade, que legitimará em seu devido lugar a
isolada
doutrina
da
causa
das
obrigações,
que
nenhum
escritor
tem
satisfatoriamente explicado. Prossegue afirmando que das causas jurídicas
dimanam todos os direitos possíveis, regulados pelas leis do direito privado e do
direito público; deles em geral trata o 2º Livro do Código Geral sob a inscrição de
efeitos jurídicos, porque incontestavelmente não há direitos que não sejam efeitos,
não há direitos inatos. A liberdade é o homem. A liberdade em política jamais teria o
nome de direito se os povos não se houvessem remido das instituições opressivas;
e na vida civil não teria correlativo se não fora o abuso da escravidão.173
Para a teoria objetiva, em que se baseia a quebra da base contratual, que
adiante esmiuçaremos, a causa é atribuição contratual, o fundamento de fato da
obrigação; já pela teoria subjetiva, a causa é o escopo pelo qual a parte assume a
obrigação, a motivação do consenso, a razão psíquica determinante da vontade.174
Portanto, haveria dois sentidos da palavra „causa‟ no direito contratual que
demandam preocupação preferencial, a saber: causa razoável e a causa suficiente.
A causa razoável é um quid necessária para dar juridicidade ao acordo. No
direito italiano, este problema, por exemplo, parece superado pelo critério da
patrimonialidade do objeto da regulação jurídica a ser feita mediante contrato (artigo
173
Teixeira FREITAS, Documento n. 2: Carta de Teixeira de Freitas de 20 de setembro de 1867.
Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial 1/362-367. Edição comemorativa do
Sesquicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil. Jul-set, 1977, sem número.
174
Tânia Lehmann HERNANDEZ, Teorias da imprevisão e da quebra da base objetiva do negócio
jurídico, p. 32.
77
1321 do Codice Civile175). No Brasil, entretanto, inexiste a norma, a tal ponto que é
necessário saber o que faz de um simples acordo um contrato, ou seja, o que
transforma a mera loquela (do latim “palavra”), conceito esse com que os canonistas
medievais identificavam uma promessa meramente verbal em um pacto sancionável
e passível de ser levado a objeto de conhecimento de um tribunal e obter a tutela
estatal visando a execução da obrigação. Trata-se de saber qual é a vestimenta que
torna um acordo um contrato, porque se acredita que nem todas as convenções
humanas em sociedade são jurídicas, no sentido de gerar uma obrigação no sentido
técnico do termo e, portanto, a consequente pretensão e ação.
A origem da ação, portanto, depende essencial e existencialmente de um
elemento do pacto que o torne, em verdade, contrato. Este elemento é a causa
contratual no sentido de causa razoável. É ela que dá a aura de juridicidade ao
acordo.
Por outro lado, a causa suficiente pressupõe a presença de uma causa
razoável. Todavia, o contrato já existente pode ter a sua causa suficiente perquirida.
A suficiência da causa refere-se à maneira como, concretamente, encontra-se
composta a relação entre os termos que dependem um do outro. Tomando, a partir
de agora, apenas os contratos bilaterais, trata-se, em relação à causa suficiente, de
saber qual é a exata coordenação entre as prestações devidas e qual o grau de
dependência entre elas. Será causa suficiente a identificação perfeita de nexo
vinculativo entre prestação e contraprestação?
A ideia de uma suficiência de causa está relacionada à „equidade‟ do contrato,
isto é, a sua qualificação. Qualificar é dar o nome, é identificar o fato perante o
direito, sendo esta matéria tarefa de direito e não de fato, apesar de depender de
elementos que podem parecer de fato (exames de cláusulas contratuais). Às vezes
não é fácil diferenciar as espécies jurídicas: há situações de zona cinzenta, por
exemplo, entre compra e venda e fornecimento, ou mesmo distribuição; comissão
mercantil e corretagem; o seguro-saúde e o plano de saúde e assim por diante. A
composição exata da espécie que ensejar a análise demanda apurar qual nexo entre
as prestações, quais os deveres estipulados, qual a dependência entre os mesmos.
175
“Art. 1321 Nozione: Il contratto è l'accordo di due o più parti per costituire, regolare o estinguere tra
loro un rapporto giuridico patrimoniale”. Fonte: http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/
Codciv.htm acesso em 02/03/2010.
78
A causa suficiente, além de ser aquela que permite a qualificação, em perspectiva
de argumentação, pode ser o elemento apto a descaracterizar um tipo e incluir a
figura em outro modelo jurídico, perturbando o esquema causal anterior. 176
3.2 Base Objetiva do Negócio Jurídico
O negócio jurídico é celebrado sobre uma base negocial, que contém
aspectos objetivos e subjetivos, base essa que deve manter-se até a execução
plena do contrato, bem como até que sejam extintos todos os efeitos decorrentes do
contrato (pós-eficácia). Por base do negócio jurídico devem se entender todas as
circunstâncias fáticas e jurídicas que os contratantes levaram em conta ao celebrar o
contrato, que podem ser vistas nos seus aspectos subjetivo e objetivo. 177
A base do negócio jurídico foi definida por Oertmann como sendo a
representação mental de uma das partes no momento da conclusão do negócio
jurídico, conhecida em sua totalidade e não recusada pela outra parte, ou a comum
representação das diversas partes sobre a existência ou aparecimento de certas
circunstâncias em que se baseia a vontade negocial.178
Posteriormente à definição de Oertmann, Karl Larenz aprofundou a análise da
teoria da quebra da base do negócio jurídico, afirmando que existem dois planos a
serem observados. O primeiro diz respeito a quebra da base subjetiva do negócio
jurídico, que consiste na representação mental que guiou os contratantes na fixação
do conteúdo do contrato, e a quebra da base objetiva do negócio jurídico, que toma
por base a boa fé objetiva, o fim que se presta o contrato e, a impossibilidade de
cumprimento deste.179
Ao desenvolver a teoria da quebra da base objetiva, Larenz afirma que a
interpretação de um contrato não depende, pois, exclusivamente das palavras
usadas e de sua significação inteligível às partes, senão também das circunstâncias
176
Luciano de Camargo PENTEADO, Causa Concreta, Qualificação Contratual, Modelo Jurídico e
Regime Normativo: notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros, p. 246.
177
Conforme Nelson NERY JUNIOR, Contratos no Código Civil. In FRANCIULLI NETO, Domingos.
MENDES, Gilmar Ferreira e MARTINS FILHO, Ives Gandra (Coords.) O Novo Código Civil, p. 340.
178
OERTMANN, apud Karl LARENZ, Base del Negocio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, p.
07.
179
Karl LARENZ, Base del Negocio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, p. 41 e seguintes.
79
em que foi concluído e as que se acomodaram. Assim, se posteriormente ocorre
uma transformação fundamental das circunstâncias, possibilidade que as partes
contratantes não haviam pensado e que de nenhum outro modo haviam tido em
conta a ponderar seus interesses e distribuir os riscos, pode ocorrer que o contrato,
de executar-se nas mesmas condições, perca por completo o seu sentido originário
e tenha consequências totalmente distintas daquelas que as partes haviam
projetado ou deveriam razoavelmente projetar.180
Para Larenz a base objetiva do negócio jurídico é formada pelas
circunstâncias e o estado geral das coisas cuja existência ou subsistência é
objetivamente necessária para que o contrato subsista, segundo o significado das
intenções de ambas as partes, como regulação dotada de sentido.181
O conceito de base objetiva não leva em conta a posição de apenas uma das
partes do contrato, e, sim, a de ambos os figurantes conforme entendimento de
Clóvis do Couto e Silva. A base objetiva do contrato decorre de uma „tensão‟ ou
„polaridade‟ entre os aspectos voluntaristas do contrato (aspecto subjetivo) e o seu
aspecto meio econômico (aspecto institucional) o que relativiza, nas situações mais
dramáticas, a aludida vontade para permitir a adaptação do contrato à realidade
subjacente.182
Ainda de acordo com o mesmo autor, caracteriza a teoria da base objetiva do
negócio, de acordo com um conceito de justiça comutativa inerente ao negócio
jurídico, a permanência de uma série de condições econômicas, sem as quais o
contrato se descaracterizaria. Nesse sentido, desaparece a base do negócio jurídico
quando a relação de equiponderância entre prestação e contraprestação é
destruída, não sendo mais possível falar em contraprestação.183
A base objetiva dos negócios jurídicos são, nas palavras de Ludwig
Enneccerus, as representações dos interessados, no momento da conclusão do
contrato, sobre a existência de certas circunstâncias básicas para sua decisão.
Essas circunstâncias não são meramente conhecidas, mas erigidas por ambas as
partes, à base do contrato, por exemplo, a igualdade entre as prestações nos
180
Karl LARENZ, Base del Negocio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, pp. 97-98.
Ibidem, p. 170.
182
Conforme Clóvis do COUTO E SILVA, A Teoria da Base do Negócio Jurídico. In: FRADERA, Véra
Maria Jacob de (Org.). O Direito Privado Brasileiro na Perpectiva de Clóvis do Couto e Silva, pp. 9394.
183
Clóvis do COUTO E SILVA, A obrigação como processo, p. 135.
181
80
contratos bilaterais, a permanência aproximada do preço convencionado, a
possibilidade de repor a provisão de mercadorias.184
Assim, verifica-se que há uma relação indissolúvel entre o contrato e a
conjectura econômica, como já mencionado anteriormente, a qual é variável, uma
vez que reflete todos os acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Nesse
sentido, Rubén S. Stiglitz sustenta que os interesses reais que se encontram em
jogo não representam um puro conceito jurídico, de modo que o contexto sócio
econômico condiciona a formação e execução do contrato.185
Portanto, o contrato não é um instituto jurídico que se relacione somente às
partes contratantes, pois o equilíbrio contratual concerne à própria estrutura
econômica e social, uma vez que está inserido em um conjunto que se liga à
estrutura da sociedade.186
Dessa forma, a base do negócio desaparece quando a relação de
equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta for destruída, em tal
medida que não se possa mais falar racionalmente de uma contraprestação e
quando a finalidade comum objetiva do contrato, expressada por seu conteúdo,
tenha resultado definitivamente inalcançável, mesmo quando a prestação do
devedor seja ainda possível.187
Cumpre esclarecer que a teoria da quebra da base objetiva dos negócios não
se confunde com a teoria da imprevisão. Na lição de Luís Renato Ferreira da Silva, a
primeira dispensa a imprevisibilidade das circunstâncias supervenientes, bem como
o elemento causador do desequilíbrio é mais específico e não genérico.188
Na doutrina e jurisprudência atuais fala-se mais na base do negócio. A própria
expressão é usada no Código Civil português de 1966, no artigo 252/2, que trata do
erro sobre a base do negócio como modalidade de erro sobre os motivos. Remete,
porém, para o artigo 437 o regime a aplicar. Aí se que regula a alteração das
circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar.
184
Ludwig ENNECCERUS, Derecho de Obligaciones, vol. 1, t. 2, p. 209.
Rubén S. STIGLITZ, Autonomia de La Voluntad y Revisión del Contracto, p. 42.
186
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 51.
187
Karl LARENZ, Base del Negócio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, p. 211.
188
Luís Renato Ferreira SILVA, Revisão dos Contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor,
p.127.
185
81
Comparando os requisitos exigidos para a aplicação da teoria da base do
negócio e os exigidos pela teoria da imprevisão, denota-se que a primeira requer
condições mais flexíveis, não erigindo a imprevisibilidade dos acontecimentos que
desestabilizam a economia contratual a requisito essencial. Dessa forma, a teoria da
quebra da base objetiva facilita a revisão dos contratos por alteração das
circunstâncias, visto que a imprevisibilidade do evento causador do desequilíbrio,
elemento nem sempre de fácil comprovação na prática, não é exigido com toda a
veemência como na teoria da imprevisão.189
A quebra da base objetiva também não pode ser alegada quando da
existência do estado de perigo, em que o contratante contrata visando salvar-se, ou
o instituto da lesão, prevista no artigo 157 do Código Civil, na qual o contratante
lesado contrata por necessidade.
Isso, pois na quebra da base objetiva o desequilíbrio surgirá após a formação
do contrato, e no instituto da lesão ou do estado de perigo, este desequilíbrio estará
presente já no nascedouro do vínculo, e na quebra da base objetiva a situação de
desequilíbrio ocorre independentemente da vontade das partes, inclusive sem a
intervenção do próprio beneficiado. Por outro lado, a lesão e o estado de perigo são
fruto da querência do beneficiário.
No Brasil, a primeira manifestação legal sobre a quebra da base objetiva dos
negócios, aparece com o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, que
não exige que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, mas tão somente
a quebra da base objetiva do negócio, a quebra do seu equilíbrio intrínseco, a
destruição da relação de equivalência entre prestações. Ao desaparecimento do fim
essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação
modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual que agora
apresenta mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de
simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível,
fato que poderia ser previsto e não foi.190
Como visto, a teoria da base objetiva do negócio jurídico sofreu inúmeros
aperfeiçoamentos por meio da evolução da interpretação doutrinária, até chegar nos
189
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 51.
Cláudia Lima MARQUES, Antônio V. HERMAN e Bruno MIRAGEM, Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor, p. 34.
190
82
dias de hoje, em que se admite como razão principal (e porque não dizer
embasamento) da quebra da base objetiva pressupostos econômicos como a
paridade e harmonia das vantagens e desvantagens econômico-financeiras do
negócio. Desta forma, desapegando-se das antigas concepções, em que apenas era
possível o desfazimento contratual frente ao descumprimento do contrato por uma
das partes – o que implicava tacitamente a ideia de responsabilidade, ou culpa, isto
é, um elemento essencialmente subjetivo –, a quebra da base objetiva do contrato,
que justifica o seu desfazimento abandona por completo a necessidade deste
elemento subjetivo, sendo que a razão da quebra a ninguém é atribuível como causa
querida ou provocada. O prejuízo grande para uma das partes e lucro desmedido
para outra, ou seja, a disparidade e desarmonia das vantagens econômicofinanceiras das partes a ninguém é atribuível, não havendo assim elemento
subjetivo, mas tão somente o elemento objetivo da alteração das condições externas
– e independentes dos sujeitos do negócio – que, diante dessa nova interpretação
permitem a rescisão contratual.
A quebra na base contratual significa de certa forma uma nova visão sobre as
circunstâncias do contrato. Seja qual for o motivo da quebra, ela se relaciona a uma
nova percepção sobre o panorama em que se insere o contrato, do passado ao
presente e com vistas ao futuro.
3.3 Requisitos para a Aplicação da Teoria da Quebra da Base Objetiva
Para que seja possível a aplicação da teoria da quebra da base objetiva não é
necessária a comprovação de forma inequívoca da imprevisibilidade dos
acontecimentos, conforme visto na seção anterior. No entanto, alguns requisitos
devem ser observados, como a necessidade de inexistência da relação de
equivalência e a frustração da finalidade do contrato. É o que se passa a analisar.
Os contratos bilaterais têm como premissa a existência da equivalência entre
as prestações e contraprestações das partes envolvidas. Assim, as relações
contratuais devem ser permeadas pela justiça compensatória, que não se refere
83
apenas à estrita equivalência das prestações, mas também, e com maior alcance, à
justa distribuição dos encargos e riscos relacionados ao contrato.191
Nesse sentido, Larenz afirma que é prescindível que as prestações recíprocas
sejam equivalentes segundo um critério objetivo: basta que cada parte considere a
outra prestação uma compensação suficiente para sua prestação, dentro de um
juízo subjetivo de cada parte contratante.192 Giuseppe Osti, citado por Laura Frantz,
defende que eventual desequilíbrio objetivo que possa ocorrer não tem influência
sobre a natureza do contrato, que continuará a ser oneroso se as partes atribuíam
às respectivas vantagens e sacrifícios uma relação de equivalência.193
A forma pela qual é possível a mensuração da equivalência entre as
prestações é, portanto, subjetiva e distinta para cada parte: é a própria necessidade
de celebrar o contrato, as legítimas expectativas de cada um dos contratantes, de
acordo com o tipo negocial em questão. Assim, a equivalência reside no que a parte
esta disposta a receber e a pagar em contraprestação194.
Desta forma, como para o contrato bilateral é imprescindível a condição de
que cada contratante receba por sua prestação um equivalente, que poderá ser
inferior ao valor de mercado desta, porém deve ser tido como equivalente por aquele
que irá recebê-la. Se a relação de reciprocidade das prestações é da essência do
contrato bilateral, este perderá seu sentido e o caráter originário quando, devido à
transformação das circunstâncias, a relação de equivalência se modificar tanto que
não mais se poderá falar de contraprestação.195
Rodrigo Toscano de Brito em sua obra Equivalência Material dos Contratos
acerca da busca da justiça contratual nos dias atuais afirma:
O princípio da equivalência material ou do equilíbrio contratual é
aquele pelo qual se deve buscar e manter a justiça contratual,
objetivamente considerada, em todas as fases da contratação,
independentemente da natureza do contrato, e sempre com base na
eticidade, lealdade, socialidade, confiança, proporcionalidade e
razoabilidade nas prestações.196
191
Karl LARENZ, Derecho Civil: Parte General, p. 61.
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 55.
193
Giuseppe OSTI, Contrato. In Novissimo Digesto Italiano, p. 489.
194
Karl LARENZ, Base del Negócio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, p. 130.
195
Ibidem, p. 131.
196
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p. 29.
192
84
Conforme a teoria de Larenz, as variações na economia exigem a intervenção
do juiz no contrato a fim de evitar uma intolerável situação que atente contra a boafé e às mais elementares normas de justiça e equidade. 197
E não apenas a equivalência se destaca como princípio inerente aos
contratos na atualidade. De forma acertada Fernando Rodrigues Martins,
relembrando lições de Giovanni Ettore Nanni, afirma que:
(...) se o contrato se apresenta no anelo de uma “relação jurídica
fundamenta”, não se pode esquecer que cumpre a cada um de seus
partícipes o dever de respeitar e de ser respeitado, do que sobressai
a reciprocidade, especialmente com fulcro na dignidade da pessoa
humana. Por isso, em algumas situações extraordinárias, “quando
plenamente configurada anormalidade, ilegalidade ou inequívoco
desequilíbrio do negócio, é possível buscar a liberação, desde que
preservada a igualdade de sacrifícios.198
O outro critério essencial para a configuração da quebra da base objetiva é a
frustração da finalidade do contrato. Esta somente afeta a subsistência da relação
contratual quando se trate não da finalidade de uma só das partes, senão de uma
finalidade comum. 199
A finalidade primordial de todo contrato bilateral é a obtenção da sua
contraprestação. Segundo Larenz, essa finalidade se depreende da natureza do
contrato em questão, é uma finalidade comum, pois cada parte procura a finalidade
da outra para assim garantir a sua, o que integra, portanto, o próprio conteúdo do
contrato.200
Assim, a frustração da finalidade do contrato pode ser entendida como a perda
de utilidade da prestação para uma das partes, que não mais terá motivos para
cumprir o contrato, pois o escopo que ordenou a contratação desapareceu. 201 De
suma importância ressaltar que a prestação permanece possível, podendo até não
se tornar mais onerosa, mas resta inócua.
No entanto, há que se observar que a impossibilidade de alcançar a finalidade
do contrato não pode ter por fundamento motivos pessoais do contratante ou que
197
Karl LARENZ, Base del Negócio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos, p. 134.
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 258.
199
Ibidem, p. 162.
200
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 166.
201
Luís Renato Ferreira SILVA. Revisão dos Contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor,
p.139.
198
85
estejam em sua esfera de influência, assim como não pode ter repercutido no
contrato unicamente porque a parte prejudicada estava em mora, e, obviamente,
também não pode pertencer ao objetivo normal do contrato.
Dessa forma, a frustração da finalidade inerente ao contrato, por fatores
externos e não incluídos na álea normal daquele tipo de negócio, faz com que
desapareça o objetivo de permanência da obrigação.202
O contrato não pode ser analisado isoladamente, mas sim como parte de um
todo, que sofre influências da economia e da sociedade, de modo que cada parte
deve assumir determinado grau de risco, na medida em que cada contratante visa
um aspecto do contrato, em que empenha toda sua economia. Desse modo, o
contrato só pode ser coerente diante de certas circunstâncias, sem as quais o
contrato pode perder seu sentido e o adimplemento das prestações causar danos a
uma das partes, incompatíveis com o equilíbrio econômico do contrato.
A frustração da finalidade do contrato poderá decorrer dos seguintes fatores (i)
a finalidade do contrato tornou-se impossível de ser alcançada, (ii) resulta inútil para
a parte que o desejava ou o fim foi obtido por outros meios.203
Diante do exposto, é possível afirmar que numa relação contratual quebrada
ou diferida, podem ocorrer situações cujas consequências modifiquem o modo em
que a prestação de uma das partes venha a ser cumprida, e assim conduza à
destruição da relação de equivalência entre prestação e contraprestação, bem como
a frustração do fim objetivo do contrato. Significa dizer que essa alteração abrupta
seja tamanha a ponto de que a prestação agora exigida se encontre em manifesta
repulsa à manifestação volitiva da parte, quando inicialmente contratada.
E nesse sentido o julgador, ao perquirir o equilíbrio econômico financeiro
contratual, deve aferir tais elementos. Atente-se para o fato de que, em negócios
jurídicos de grande complexidade, celebrados entre empresas que exploram
diversas atividades, as partes normalmente entreveem possibilidades de ganhos e
perdas futuras, indiretamente relacionadas ao contrato, muitas dos quais se
concretizam, e muitas outras não. Trata-se de conjecturas, que não são relevantes
para a interpretação do contrato, nem para verificação do equilíbrio das prestações.
202
203
Ruy Rosado AGUIAR JÚNIOR, Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, p. 151.
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 59.
86
Vale ressalvar ainda que benefícios indiretos eventualmente ambicionados
por uma das partes, por sua vez, representam mera especulação e, portanto, não
devem ser levados em conta, sob pena de se ensejar grande insegurança jurídica
Havendo a frustração das vantagens indiretas, não há como ser considerado no
cálculo de perdas e danos a realização desses benefícios, tampouco ser computada
para fins de verificação dos requisitos para resolução contratual pela teoria da
imprevisão. Pois isso ocasionaria uma forma contrária à lógica jurídica.
Logo, a alteração abrupta das circunstâncias, de modo a modificar
substancialmente o cumprimento da prestação, é o que justifica a vedação de
imputar à vontade aquilo que, por desconhecimento, a parte nunca poderia ter
querido, razão pela qual a boa fé objetiva se impõe novamente como medida de
equidade apta a conduzir a revisão ou até mesmo a resolução do contrato.
3.4 Consequências da Quebra da Base Objetiva
Constatada a quebra da base objetiva dos negócios jurídicos, se torna
necessário verificar as consequências para as partes envolvidas decorrentes da
referida quebra.
Rodrigo Toscano de Brito compreendendo que a manutenção do equilíbrio
contratual – tratado por ele também como a equivalência material dos contratos – é
indispensável, afirma:
Ora, se se está diante de um princípio contratual que tem sua base
teórica na ideia de equidade, de eticidade, de socialidade, de
manutenção de lealdade, e da confiança contratual, da
proporcionalidade e da razoabilidade, é plausível afirmar que,
independentemente da posição de vulnerabilidade do contratante é
possível buscar sua revisão ou resolução, digamos, em face do
desequilíbrio objetivo do contrato.204
Fernando Rodrigues Martins chama a atenção para o fato de que é
indispensável também – além da equidade – fundamentar as mudanças frente à
quebra da base objetiva nos preceitos legais, levando-se em conta a imperativa
204
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p. 21.
87
segurança jurídica e a primordial força obrigatória dos contratos que ainda hoje
continua a fundamentar os pactos por meio do pacta sunt servanda.
O manejo incorreto, portanto, do recurso da equidade, sem o
chamamento legal permissivo (CPC, art. 127), e que não leva em
conta os efeitos econômicos e sociais do contrato nos moldes,
adequado aos anteios das partes, coloca em xeque e de lado
aspectos valiosíssimos como a confiança, a segurança no tráfego
jurídico e a força obrigatória. Aliás, é marcante que entre estudantes
do curso de Direito o brocardo pacta sunt servanda não tenha
tardado a ganhar contornos de gracejos sobre um tempo ido e
vetusto, quando na verdade até hoje é elemento justificante do
contrato.205
A primeira consequência, decorrente do desequilíbrio entre as prestações, via
de regra é resolvida por meio da adaptação do contrato às novas circunstâncias,
com a utilização da chamada interpretação integradora do contrato.206
Sobre referido tópico importa esclarecer que caso somente uma das
cláusulas do contrato esteja causando a quebra da base objetiva, apenas esta deve
ser analisada e adequada à nova realidade, sendo que as demais cláusulas devem
permanecer devidamente válidas.
Assim, é possível afirmar que na hipótese do contrato bilateral ter sua relação
de equilíbrio quebrada, em decorrência de fatos imprevisíveis e posteriores à sua
formalização, e que modifiquem o estado de fato, a parte que for prejudicada poderá
requerer a adequação da contraprestação que se tornou desproporcional, com o
objetivo de retomar o equilíbrio contratual.
Em atenção ao princípio da conservação ou aproveitamento do negócio
jurídico, somente na impossibilidade de se chegar a um novo equilíbrio contratual é
que a parte prejudicada pode, subsidiariamente, pedir a resolução contratual.
A segunda consequência, advinda da frustração da finalidade do contrato,
não alcançada por motivos alheios ao credor da prestação tornada inútil, é a
possibilidade de a parte prejudicada requerer a extinção da relação contratual, que
nesses casos é a solução mais adequada, pois a revisão do contrato somente será a
resposta mais acertada quando houver, nas partes, o intento de manter o contrato,
205
206
Fernando Rodrigues MARTINS, Princípio da Justiça Contratual, p. 135.
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 63.
88
quando ele ainda for útil, o que não ocorre nos casos de frustração de sua
finalidade.207
Adiante, se verificará a hipótese de revisão contratual quando da quebra da
base objetiva do contrato.
207
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p. 64.
89
CAPÍTULO IV - REVISÃO CONTRATUAL
4.1 Embasamento Teórico da Revisão Contratual
Inicialmente cumpre tecer breves considerações acerca das divergências
doutrinárias existentes com relação à teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro com
relação à revisão contratual por fato superveniente.
Parte da doutrina nacional, como Renan Lotufo208, Maria Helena Diniz209,
Álvaro Villaça Azevedo210 e Nelson Rosenvald211, sustenta que o Código Civil de
2002 adotou a teoria da imprevisão, cuja origem é a cláusula rebus sic standibus.
Outra parte da doutrina, como Judith Martins-Costa212, Laura Coradini Frantz213,
Paulo R. Roque Khouri214 e Antônio Junqueira de Azevedo, em atualização da obra
de Orlando Gomes215, sustenta que o Código Civil Brasileiro teria adotado a teoria
da onerosidade excessiva, com inspiração no Código Civil Italiano de 1942.216
No entanto, como o presente trabalho não visa analisar qual teoria é adotada
pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas tão somente a possibilidade de aplicação
da revisão contratual, cumpre apenas destacar que o Novo Código Civil brasileiro
traz a revisão contratual por fato superveniente diante de uma imprevisibilidade,
somada a uma onerosidade excessiva.
208
Renan LOTUFO, Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1.
Maria Helena DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações Contratuais e
Extracontratuais. 16 ed., São Paulo: Saraiva, vol. 3.
210
Álvaro Villaça AZEVEDO, O novo Código Civil brasileiro. Tramitação, função social do contrato;
boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva – „laesio enormis‟. In
DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas no novo Código Civil. São
Paulo: Método, 2004. vol. 2.
211
Nelson ROSENVALD In Cesar PELUSO, Código Civil Comentado. São Paulo: Manole, 2007.
212
Judith MARTINS-COSTA, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT,
2003.
213
Laura Coradini FRANTZ, Bases Dogmáticas para interpretação dos artigos 317 e 478 do Novo
Código Civil brasileiro. In DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas
no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005. vol. 4.
214
Paulo R. Roque KHOURI, A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do
Consumidor e Lei 8.666/1993. São Paulo: Atlas, 2006.
215
Orlando GOMES, Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
216
Flávio TARTUCE, Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. 3, p. 181.
209
90
4.2 Fundamentos Legais para a Revisão dos Contratos
O novo Código Civil, utilizando como base principalmente os princípios
estruturais da eticidade e socialidade, instituiu regras que permitem a revisão ou a
resolução do contrato quando uma das partes se encontra prejudicada por fatos
posteriores à sua celebração, e que não sejam necessariamente imputáveis à outra
parte.
Referidas regras se fundamentam no artigo 317217, inserido no Livro do Direito
das Obrigações, no Título III que trata do Objeto do Pagamento e sua Prova, e nos
artigos 478 a 480218 do Código Civil, também inseridos no Livro do Direito das
Obrigações, na parte que trata da Extinção dos Contratos.
Esses dispositivos visam instituir formas de manutenção do equilíbrio entre as
prestações devidas pelas partes, e impedir com que haja o enriquecimento sem
causa. A seguir serão analisados de forma mais detalhada os institutos, as formas e
hipóteses em que é possível a revisão do vínculo contratual em decorrência da
desproporção das obrigações das partes.
Para melhor enquadrar o estudo em questão, o presente trabalho analisará as
possibilidades de revisão e extinção contratual existentes, e, posteriormente, focará
a aplicação destes com relação à quebra da base objetiva dos contratos
217
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de
modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
218
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as
condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a
sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade
excessiva.
91
4.3 Requisitos para a Revisão Contratual
Para que seja possível a aplicação do instituto da revisão contratual, é
necessário que alguns requisitos sejam preenchidos, sob pena de distorção do
referido instituto.
Inicialmente, para a possibilidade de revisão contratual é necessário que o
contrato seja de execução continuada ou periódica e diferida. Laura Coradini Frantz
distingue as duas categorias afirmando que existem certas obrigações nas quais o
adimplemento sempre se renova sem que se manifeste alteração do débito.
Prossegue afirmando que essas obrigações são mais ricas numa dimensão, no
tempo, no elemento duradouro, o qual se relaciona com a essência do dever de
prestação. As relações obrigacionais simples vivem desde a conclusão do negócio
até o adimplemento. As duradoras são adimplidas permanentemente e assim
perduram sem que seja modificado o conteúdo do dever da prestação, até o seu
término pelo decurso do prazo, ou pela denúncia. Nessa última hipótese - contratos
instantâneos de execução diferida - cuida-se de mera divisão da prestação do preço.
Cada uma das prestações que se solve determina extinção parcial do débito. Entre
as obrigações duradouras em sentido próprio admite-se, em geral, possam ser
incluídas as que nascem da locação, arrendamento, depósito, contrato de trabalho,
e da sociedade.219
Laura Frantz sustenta ainda que os contratos têm que ser bilaterais perfeitos
ou sinalagmáticos, que são os que apresentam reciprocidade entre a prestação e a
contraprestação. Tal relação se mostra essencial, no sentido que não é possível a
resolução ou a extinção do contrato por quebra da base objetiva se inexiste relação
entre as prestações das partes capaz de ensejar desequilíbrio.
Assim, as partes são obrigadas a realizar as prestações decorrentes do
contrato, mas somente enquanto a situação das partes não sofrer modificações
substanciais, e, permitindo, no caso de haver tais transformações, uma revisão ou
reajustamento dos termos do contrato. A revisão se impõe, também, por força da
aplicação do Código Civil e de todo o sistema de direito de obrigações, que não
admite – e nunca admitiu – que uma das partes desfrute condição extremamente
219
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, p.108.
92
vantajosa com o negócio e a outra colha, somente, desgastes e perdas exageradas
em virtude de sua celebração.220
Nesse sentido, verifica-se que o desequilíbrio entre as prestações é outro
requisito essencial para a possibilidade da revisão ou resolução do contrato.
O desequilíbrio, conforme expõe Ruy Rosado de Aguiar, pode ocorrer de
duas formas, ou seja, a desproporção manifesta pode ser tanto pela desvalorização
do bem a ser prestado (desvalorização da moeda pela inflação, p. ex.), como pela
superveniente valorização excessiva da prestação, quebrando a proporcionalidade
entre o que fora convencionado e o que agora deve ser cumprido, em prejuízo do
devedor.221
Laura Frantz, ao tentar definir o que se entende por equilíbrio contratual,
detecta os diversos problemas encontrados pelos doutrinadores, que apresentam
por vezes conceitos muito amplos ou restritos. Assim, citando o doutrinador Frances
Laurance Fin-Langer, afirma que para a definição correta do equilíbrio contratual é
necessário haver a reciprocidade, a comutatividade, a equivalência e a
proporcionalidade.222
Para a reciprocidade é necessária a constatação da existência de obrigações
recíprocas, ou uma cláusula que preveja correspectividade de direitos para cada um
dos contratantes, a qual deve existir entre os elementos do conteúdo do contrato e
perdurar durante sua execução. A reciprocidade é relacionada com a noção de
comutatividade, que significa que cada uma das partes reconhece, desde a
conclusão do contrato, a importância das prestações recíprocas tidas por
equivalentes. A equivalência, por sua vez, caracteriza-se pela igualdade dos valores
de troca de duas prestações correlativas, sendo que a igualdade é considerada
como conceito de proximidade e não exatidão. Por fim, a proporcionalidade visa se
atingir um sentido de conveniência e adequação entre dois elementos.223
Orlando Gomes ressalta a respeito:
220
Orlando GOMES, Contratos, p.23.
Ruy Rosado AGUIAR JÚNIOR, Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, p. 152.
222
Laura Coradini FRANTZ, Revisão dos Contratos, pp.116-117.
223
Ibidem, pp. 117-118.
221
93
Nos contratos bilaterais as duas partes ocupam simultaneamente, a
dupla posição de credor e devedor. Cada qual tem direitos e
obrigações. À obrigação de uma corresponde ao direito da outra. Nos
contratos unilaterais, uma das partes tem a condição de credor e a
outra de devedor. A uma correspondem direitos, a outra obrigações.
a relação jurídica oriunda de contrato unilateral é simples, pois só
uma parte se constitui devedora, enquanto a que nasce de um
contrato bilateral se apresenta complexa, visto que ambas as partes
figuram reciprocamente como sujeito ativo e passivo.224
Fernando Rodrigues Martins acerca da reciprocidade afirma que “representa
uma carga de correlação quanto às prestações assumidas no programa contratual
entre as contrapartes”, e que a comutatividade “exige uma sociedade entre as partes
com o objetivo específico e ensejador de vantagens mútuas”, isto é, deve haver uma
mútua conveniência das prestações que por sua vez devem ser de valor análogo. 225
Acerca da equivalência material Rodrigo Toscano de Brito afirma que:
O sentido da equivalência material é o de justa proporção, igualdade
de valores ou, pelo menos, proporção justa entre as prestações
contratuais. Do ponto de vista técnico, o princípio da equivalência
material ou do equilíbrio contratual é aquele pelo qual se deve buscar
e manter a justiça contratual, objetivamente considerada, em todas
as fases de contratação, independentemente da natureza do contrato
e sempre com base na eticidade, lealdade, socialidade, confiança,
proporcionalidade e razoabilidade nas prestações. Por isso, pode-se
dizer que o centro nervoso do princípio da equivalência material, seu
objeto nuclear, é a necessidade de preservação do equilíbrio nas
contratações.226
Outro requisito necessário para a revisão dos contratos é a imprevisibilidade.
Vicenzo Maria Cesàro, citado por Laura Frantz, afirma que não é qualquer
modificação da composição dos interesses fixada no contrato que poderá receber a
tutela normativa de tais dispositivos, mas somente aquelas produzidas por eventos
que estão fora do campo de previsão das partes, e, consequentemente, que
superem a previsível oscilação da álea contratual.227
A imprevisão contratual pode ser conceituada como a mudança radical nas
condições do contrato, por forças (ou agentes) imprevistas e imprevisíveis à época
224
Orlando GOMES, Contratos, p.74.
Fernando Rodrigues Martins, Princípio da Justiça Contratual, pp. 273 e 276.
226
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, pp. 188-189.
227
Ibidem, p. 122.
225
94
da formação do negócio jurídico, criando uma situação de desequilíbrio, cuja
execução do contrato gerará uma onerosidade excessiva a uma das partes.228
Apesar da relevância da imprevisibilidade para a revisão contratual, a
dificuldade de sua aplicação prática reside na dúvida doutrinária quanto a seu
embasamento legal, e na forma de sua efetiva aplicação. Isso, pois parte da doutrina
fundamenta a revisão contratual no artigo 317 e outra parte fundamenta no artigo
478 do Código Civil. A alegação de alguns autores, como Flávio Tartuce e Paulo
Luiz Netto Lôbo, é que o artigo 478 está inserido no capítulo que trata sobre a
extinção do contrato, de modo que não poderia sustentar a revisão contratual,
enquanto o artigo 317 está inserido no capítulo sobre pagamento das obrigações.
Visando sanar referida controvérsia, a III Jornada de Direito Civil do Conselho
da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça (CJF/STJ) editou o Enunciado
176, no qual se determinou que em atenção ao princípio da conservação dos
negócios jurídicos, o artigo 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre
que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.229
Com relação à aplicação da imprevisibilidade, a I Jornada de Direito Civil do
CJF/STJ editou os Enunciados 17 e 175, sendo que o primeiro prevê que a
interpretação da expressão “motivos imprevisíveis”, constante do artigo 317 do
Código Civil, deve abarcar tanto casos de desproporção não previsíveis como
também causas previsíveis, mas de resultado imprevisíveis, e o segundo prevê que
a menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no artigo 478 do
Código Civil, deve ser interpretado não somente em relação ao fato que gere o
desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz. Ambos os
enunciados levam em consideração as consequências do fato imprevisível, e não
somente o fato em si.230
228
Izner Hanna GARCIA, Revisão de Contratos no Novo Código Civil, p.84.
Disponível em: http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296,
acesso em 10 julho de 2010.
230
Ibidem.
229
95
4.4 Características da Ação de Revisão Contratual
A ação de revisão dos contratos pode ser conceituada como ação
declaratória, concomitantemente desconstitutiva e constitutiva, que adentra ao
vínculo estabelecido entre os contratantes, buscando refazer o equilíbrio desfeito. 231
Assim, a ação denominada revisional tem por escopo a definição de novos
parâmetros e patamares obrigacionais para as partes, uma vez que, em razão de
mudanças financeiras, econômicas, políticas ou quaisquer outras posteriores à sua
celebração, surgiu desequilíbrio entre a prestação e a contra prestação.
Assim, a fim de rever as bases contratuais em que foi feito o negócio jurídico
ou lesionário, ou ofensivo à boa fé, ou descumpridor de sua função social, em suma,
que fere a proporção, o equilíbrio, pode (e deve) o contratante lesado (ou em via de
ser) propor ação judicial, buscando proteção da tutela jurisdicional, no sentido de
que o vínculo contratual formado seja restabelecido judicialmente dentro de bases
equânimes. Afirma Rodrigo Toscano de Brito:
Diante da atual teoria dos contratos, não importa perquirir, do ponto
de vista principiológico, se o contrato e civil, empresarial,
consumerista ou qualquer outro. O importante é o respeito aos
princípios sociais e, primordialmente, à manutenção do equilíbrio das
prestações, independentemente, inclusive, da presença de parte
fraca. Isso foi resultado da evolução da teoria contratual, que, num
primeiro momento, estava fundada na liberdade total; depois viu-se
que a problemática mais relevante era a tutela da parte fraca, que
sofria com a liberdade meramente formal, daí o surgimento de
diversos microssistemas legislativos preocupados com a tutela do
hipossuficiente. Agora, ao que nos parece, não importa mais se a
parte é fraca ou forte, ou qual a natureza do contrato. O que
interessa é o equilíbrio da contratação, seja qual for, autorizando a
intervenção judicial.
(...)
A possibilidade de pedir o reequilíbrio do contrato, revisando-o, ou
sua resolução, por não mais suportá-lo, do ponto de vista objetivo,
sempre estará á disposição do contratante que se sente lesado,
diante de qualquer natureza contratual.232
Nesta linha de raciocínio, uma vez desconstituído o negócio lesivo, cabe à
sentença constituir positivamente as novas bases contratuais, porquanto, não é
231
232
Izner Hanna GARCIA, Revisão de Contratos no Novo Código Civil, p.62.
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, pp. 188-189.
96
demais lembrar, não se trata a ação de revisão simplesmente de uma rescisão de
contratos, mas antes, e primordialmente, um reequilíbrio da relação negocial,
trazendo o contrato aos parâmetros da comutatividade quebrada.
Deste modo, a sentença desconstitui o contrato – ou parcela dele – para, em
seguida, constituir as novas bases equânimes da relação contratual objeto da
demanda. Este é o escopo da ação de revisão de contratos. Nesse sentido, no novo
Código Civil, é requisito primeiro da ação de revisão que haja uma relação contratual
desproporcional que resulte ou em ofensa aos princípios fundamentais, ou ainda que
descumpra sua função social.
Importante frisar que a ação de revisão não se presta a anular ou declarar
nulo o vínculo contratual quando este contiver vícios de consentimento (coação,
dolo, erro, fraude, simulação). Como fala Garcia,233 aqui teremos um contrato
formalmente perfeito, o qual, contudo, fere o princípio do equilíbrio comutativo e,
portanto, comporta revisão, a qual buscará, justamente, restabelecer aquela
proporção ofendida.
Assim, o objeto da ação, geralmente, foca-se em cláusulas e condições
específicas do contrato, cláusulas essas que provocaram o desequilíbrio.
No mais, às cláusulas que não são responsáveis pelo desequilíbrio, têm pleno
vigor e não são objeto da ação.
Entretanto, também é importante fixar que, muitas vezes, os contratos são por
demais complexos, entrelaçando-se cláusulas e a elas vinculando-se contratos
subsidiários, bem como títulos de crédito. Neste panorama, o objeto da ação deve
abranger toda a relação contratual, de modo que se possa identificar, na análise do
contexto, o prejuízo experimentado por uma das partes.
O limite, pois, da ação de revisão está, segundo Garcia 234 em preservar-se o
que, do acordado, não resulte em desequilíbrio, visto que o princípio autorizador da
revisão judicial está vinculado às estipulações que infirmem o equilíbrio do vínculo,
devendo deixar intocadas, em atenção ao princípio da autonomia de vontades,
aquelas cláusulas que não provoquem tal resultado.
233
234
Izner Hanna GARCIA, Revisão de Contratos no Novo Código Civil, p.60.
Ibidem.
97
4.5 Importância das Cláusulas Gerais para a Revisão Contratual no Novo
Código Civil
Verificada a ocorrência dos requisitos descritos no item anterior, a parte
lesada pode requerer a revisão do contrato, a qual pode ser feita judicial ou
extrajudicialmente, dependendo da possibilidade ou não das partes chegarem a um
acordo quanto aos novos termos a serem cumpridos.
No primeiro capítulo foram analisadas as cláusulas gerais de forma ampla, o
que dá subsídio para no presente momento verificar as funções que estas possuem
no ordenamento jurídico, e como podem auxiliar na revisão judicial dos contratos,
em especial em razão da quebra da base objetiva. Nas palavras de Nery Junior, a
função das cláusulas gerais é a de dotar o sistema interno do Código Civil de
mobilidade, mitigando as regras mais rígidas, além de atuar de forma a concretizar o
que se encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais
indeterminados. Prestam-se, ainda, para abrandar as desvantagens do estilo
excessivamente abstrato e genérico da Lei. 235
As cláusulas gerais preenchem a função de componentes destinadas à
conformação do ordenamento jurídico.236 Assim, a função precípua das cláusulas
gerais é a de permitir, num sistema jurídico de direito escrito e fundado na
separação das funções estatais, a criação de normas jurídicas com alcance geral
pelo juiz. Tal função, em última análise, permite que o código acompanhe a
velocidade das mudanças sociais que ocorrem dia-a-dia em nosso país, mantendo-o
sempre atualizado.
Nery Júnior afirma que a cláusula geral deixa o sistema do Código Civil com
maior mobilidade, abrandando a rigidez da norma conceptual casuística. Faz o
sistema ficar vivo e sempre atualizado, prolongando a aplicabilidade dos institutos
jurídicos, amoldando-os às necessidades da vida social, econômica e jurídica. Evita
o engessamento da vida civil.
Em razão da existência de cláusulas gerais com técnicas diferenciadas na
sua tipologia, autores como Cordeiro, Costa, André Osório Gondinho e Mazzei as
235
Nelson NERY JUNIOR, Contratos no Código Civil. In FRANCIULLI NETO, Domingos, MENDES,
Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra (Coords.). O Novo Código Civil, p.429.
236
Idem, O Novo Código Civil. Homenagem ao Professor Miguel Reale, p. 21.
98
tem classificado em três diferentes espécies, de acordo com sua estrutura, que
podem ser: (i) restritivas, quando surgem para delimitar ou restringir determinadas
situações que decorrem de regra ou de princípio jurídico, como, por exemplo, a
função social da propriedade; (ii) regulativas, quando são utilizadas como princípio
para regular situações fáticas sem desenho acabado na legislação, como, por
exemplo, o dever de indenizar por ato ilícito (art. 186); ou (iii) extensivas, que
permitem o alargamento da regulação jurídica, através do uso de regras e princípios
de outros textos legais, como, por exemplo, com o estabelecido em lei especial (art.
1.228).
4.6 Integração do Juiz na Relação Contratual
O art. 317 e os artigos 478 a 480 preveem atuação em juízo para a revisão
contratual. Disso se poderia inferir que os efeitos jurídicos do instituto da alteração
das circunstâncias só poderão resultar de processo judicial. Há que ponderar se isto
deve ser aceito, já que passa por uma determinação dos limites da intervenção do
juiz na fixação dos efeitos, que seria aparentemente constitutiva.
O Código Civil brasileiro se refere vastamente ao juiz como agente integrador
da relação contratual nas situações em que se verifique desproporção do quanto
avençado entre as partes. Em certos casos deixa-se a solução ao critério (equitativo)
do juiz, e em outros caberá às partes exercer poderes potestativos. Nesse segundo
caso esses poderes deverão ser judicialmente exercidos por provocação da parte
prejudicada, como por exemplo, na aplicação do artigo 464 do Código Civil, no qual
o juiz diante da inadimplência da outra parte supre sua vontade, conferindo caráter
definitivo ao contrato preliminar.
Deve-se recordar também, que uma das dimensões da diretriz de
operabilidade presente no Código Civil, é a concretude, isto é, o legislador buscou
plasmar no Código um mecanismo que desse condições suficientes ao juiz para
alcançar a correspondência necessária entre o fato e a norma.
99
Ora, se o objetivo é a concretude, isso conduz à possibilidade de o
magistrado colocar-se no ambiente do contrato levado em
consideração em dado litígio e construir a solução adequada ao caso
concreto, para atingir o equilíbrio contratual. Ocorre que essa
atividade judicial intervencionista, a par da necessidade de manter o
equilíbrio das contratações, deve encontrar limites. 237
Quando se afirma que a revisão demanda a atuação judicial, cria-se a
impressão de uma indevida judicialização da vida corrente. Porém, essas regras são
para o dia-a-dia, uma vez que só em casos em que não é possível atingir consenso
entre as partes, é que são trazidas à aplicação judicial. Apesar da roupagem judicial
dos preceitos, nada impede que as partes acordem na solução a dar ao caso. Esse
acordo pode ser inovador, baseado na autonomia da vontade.
Seja o caso do art. 473, parágrafo único. Diante da inexistência de qualquer
previsão em sentido contrário, qualquer das partes pode resilir o contrato com o
aviso prévio de 30 dias, desde que decorrido prazo compatível com a natureza e o
vulto do investimento. Divergindo as partes quanto a este prazo, o juiz decidirá da
razoabilidade do prazo. A regra é simplesmente a de que a denúncia do contrato só
se pode fazer depois de decorrido prazo razoável.
Resulta já dos princípios gerais que, se as partes não se entenderem na
determinação deste, o litígio terá de ser dirimido em juízo. Isso irá representar
também a aplicação da lei, por valoração concorde das orientações legais. Assim, só
quando as partes não se entendam sobre o sentido da solução legal e se decidam a
trazer o caso ao foro é que o juiz intervém efetivamente a dar a solução. Mas a
aplicação dos preceitos não é necessariamente judicial.
A formulação legal traz, porém já neste caso uma dificuldade particular. O
art. 478 dispõe que os efeitos da sentença que decretar a resolução retroagirão à
data da citação. Compreende-se, pois a sentença verifica nesse caso que havia
realmente fundamento para a resolução do contrato. Mas pode-se perguntar se será
essa a única solução possível. Uma vez que a atuação também pode ser
extrajudicial, os efeitos poderão retroagir à data da interpelação dirigida por uma
parte à outra, uma vez verificado que havia realmente fundamento para a resolução
do contrato.
237
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p.160.
100
Para isso o artigo 478 do Código Civil de 2002 deve ser interpretado de
modo amplo a fim de propiciar aos contratantes não só a resolução da avença, mas
também para permitir ao juiz, acaso entenda justo e em conformidade com os
princípios da equidade e da boa-fé objetiva, a integração do contrato, seja para
reduzir prestação excessivamente onerosa, seja para rever o contrato, sempre
atendendo às necessidades de ambas as partes.
O juiz nesta atuação deve, no entanto, observar alguns critérios.
Primeiramente, deve-se recordar que todo o ordenamento jurídico – inclusive as
normas que regulam as relações privadas – hoje pautam-se por fundamentos
constitucionais, dentre eles o mais importante o princípio da dignidade da pessoa
humana. Rodrigo Toscano de Brito afirma que o juiz deve inquirir se o contrato
afronta direta ou indiretamente a dignidade das pessoas nele envolvidas.
238
Em
caso de resposta positiva abre-se a primeira porta para a intervenção, já que um
valor supremo não estaria sendo observado.
Mister destacar isto, pois este princípio será o balizamento maior e primeiro a
ser observado pelo juiz quando da sua intervenção no ambiente contratual. No
mesmo esteio seguem-se os princípios da socialidade e da eticidade, já discutidos
no capítulo I, que determinam que deve o magistrado ater-se a critérios éticojurídicos, considerando valores sociais e coletivos, e procurar encontrar a solução
mais justa e equitativa para a contenda que lhe é apresentada.
Deve também o magistrado ater-se ao princípio da proibição do excesso, que
nada mais sinaliza que a necessidade de proporcionalidade entre as prestações a
serem estabelecidas, e a observância da razoabilidade no que tange às obrigações
das partes.
Mais uma vez se chama a atenção para o fato de que – ainda que as partes
tenham optado (ou menos uma delas) por submeter a questão da revisão contratual
à justiça – caberá predominantemente à elas buscar a solução que lhes pareça mais
justa. O princípio da autonomia privada permanece em pleno vigor, e deve ser
observado. Neste ponto, em que a questão já foi judicializada, não importa mais a
exigência cega do cumprimento do contrato da forma como celebrado, mas se sua
238
Rodrigo Toscano de BRITO, Equivalência Material dos Contratos, p.162.
101
execução de uma outra maneira ainda é possível, e se persiste o interesse das
partes em se compor para a sua manutenção diante de novas condições.
4.7 Revisão Contratual com fundamento na Teoria da Quebra Base Objetiva
Após analisar a revisão contratual com base nos requisitos previstos no
Código Civil, cumpre agora verificar sua aplicação com base na teoria da quebra da
base objetiva dos contratos.
Revisitando alguns conceitos já debatidos anteriormente, permite-se neste
momento retomar as diretrizes do ordenamento jurídico alemão, o qual positivou a
teoria da quebra da base objetiva como um dos pressupostos válidos para a revisão
contratual, bem como a doutrina alemã que serviu e serve de modelo para a teoria
da quebra da base no ordenamento jurídico brasileiro.
Por ocasião da elaboração do Código Civil Alemão de 1900, Windscheid,
jurista alemão, teria desenvolvido a “teoria da pressuposição” que preconizava que
em todos os contratos, concomitantemente às condições inicialmente pactuadas,
existiria a “pressuposição” de que elas perderiam sua força vinculante se
posteriormente se revelassem incompatíveis com aquilo que fora desejado
(manifestação da vontade) pelos contratantes, de tal sorte a guardar relevância na
permanência ou não do vínculo contratual.
No entanto, essa teoria fora rejeitada pelo legislador alemão na elaboração do
Código Civil, por “fazer perigar a segurança do tráfego”, na medida em que a teoria
da pressuposição apresentava conceitos abstratos e genéricos, os quais não
esclareciam em quais circunstâncias se poderia romper o vínculo contratual.
Indubitável, no entanto, que tenha contribuído para a evolução do tema.
Paul Oertmann em 1921 com o intuito de distinguir a pressuposição
(formulada por Windscheid), do motivo do contrato debruçou-se no que mais tarde
viria a ser conhecido como a teoria da base objetiva dos contratos. Oertman
afirmava que constitui base do negócio a manifestação mental de cada uma das
partes no momento da conclusão do ajuste, conhecida integralmente e não repelida
pela outra parte, ou, ainda a comum intenção quanto ao que está exteriorizado e
quanto ao que pudesse sobrevir.
102
Se um negócio é concluído em obediência a determinada condição, ambos
contratantes sabem que aquela condição poderá vir a ser alterada por fatores
supervenientes, de molde que qualquer delas pode escusar-se ou exonerar-se de
cumprir a sua prestação sem prejuízo da vontade do parceiro, uma vez que este já o
previa.
Othon Sidou, por sua vez, interpretando as duas teorias formuladas afirmava
que a diferença da teoria da base do negócio jurídico para a teoria windscheidiana
residiria justamente no fato de que na teoria de Windscheid a pressuposição seria
unilateral, enquanto que na doutrina da base do negócio jurídico, a pressuposição
estaria nas intenções subjetivas recíprocas, e não nas reservas mentais de cada
sujeito.
Assim estaria firmada a base do negócio jurídico, que determina a
obrigatoriedade do avençado, sendo que a exigência do cumprimento da
bilateridade volitiva só se efetiva se não houver que quebra da base do negócio
jurídico, salvo nos caso de mudanças circunstanciais supervenientes não previstas
ou imprevisíveis que onerem sobremaneira qualquer um dos pactuantes.
Seguindo na mesma vertente doutrinária, Karl Larenz, servindo-se da
terminologia usada por Paul Oertmann, constrói sua própria teoria da base do
negócio jurídico, fazendo diferenciação entre os aspectos subjetivo e objetivo da
base do negócio.
Por base do negócio subjetiva juridicamente relevante, entendemos a
comum representação dos contratantes, de que tenha partido ao
concluir o contrato e que tenha influenciado na decisão de ambos.
Esta representação pode referir-se a uma circunstância considerada
como existente ou esperada no futuro. Porém, tem que se tratar de
uma determinada representação ou esperança; não é suficiente a
simples falta de expectativa de uma variação posterior das
circunstâncias existentes na conclusão do contrato. A representação
ou expectativa têm, ademais, que ter sido decisivas para ambas as
partes no sentido de ambas – supondo procederem legalmente – não
tivessem concluído o contrato, ou não o tivessem concluído tal como
o fizeram, se tivessem conhecimento de sua inexatidão. Não é
suficiente que a representação ou expectativa tenha determinado de
modo decisivo tão-só a vontade de uma das partes, inclusive no caso
de a outra parte haver tido conhecimento disto. Com efeito, cada
parte sofre, em princípio, o risco de que se realizem suas próprias
esperanças.239
239
Fabiana Rodrigues BARLETTA, A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor, p.37.
103
Pela teoria desenvolvida por Karl Larenz vê-se que o que ele propõe é a
revisão contratual nos casos de “erro bilateral”, isto é, numa situação em que as
partes tenham uma falsa projeção mental que não se realiza no campo factual,
permitindo assim a revisão por quebra da base contratual em virtude de vício de
vontade ocorrido na formação do ajuste. A base do negócio jurídico objetiva, se
fundamenta nos próprios dizeres de Karl Larenz em sua obra “Base del negocio
jurídico y cumplimiento de los contratos” , em que na “equivalência das prestações e
contraprestação” e a “finalidade objetiva do contrato”, que devem sempre se fazer
presentes sob pena de quebra da base do negócio e consequente e extinção.240 Na
teoria por ele desenvolvida base do negócio jurídico corresponde:
[...] as circunstâncias e o estado geral das coisas cuja existência ou
subsistência é objetivamente necessária para que o contrato
subsista, segundo o significado das intenções de ambos os
contratantes, como regulação dotada de sentido. Um contrato não
pode subsistir como regulamentação dotada de sentido: a) quando a
relação de equivalência entre prestação e contra-prestação que se
pressupõe no contrato tenha sido destruída em tal medida que não
se possa mais falar racionalmente de uma „contra-prestação‟; b)
quando a finalidade objetiva do contrato, expressa em seu conteúdo,
tenha se tornado inalcançável, ainda quando a prestação do devedor
seja, todavia possível.„Finalidade Objetiva do contrato‟ é a finalidade
de uma parte, sem que a outra tenha tido como sua. Há de se admitir
isto especialmente quando tal finalidade se deduza da natureza do
contrato e quando tenha determinado o conteúdo da prestação ou a
quantia da contraprestação.Não há de se levar em conta, pelo
contrário, os acontecimentos e transformações que: a) são pessoais
ou estão na esfera de influência da parte prejudicada (neste caso
opera como limite a „força maior‟);b) repercutiram no contrato
somente porque a parte por eles prejudicada se encontrava, quando
eles ocorreram em mora solvendi ou accipiendi; c) porque, sendo
previsíveis, formam parte do risco assumido no contrato.241
O sistema do Código Civil Brasileiro possibilita a revisão dos contratos
bilaterais, em razão da superveniência de eventos imprevisíveis que causem
onerosidade excessiva para qualquer uma das partes envolvidas. Assim, a
dificuldade para a revisão dos contratos com base na teoria da quebra da base
objetiva perante o ordenamento jurídico brasileiro consiste em sua fundamentação
240
Base del Negócio Jurídico y Cumplimiento de los Contratos. Madrid. Editorial Revista de Derecho
Provado, 1956.
241
Karl LARENZ apud Fabiana Rodrigues BARLETTA, A Revisão Contratual no Código Civil e no
Código de Defesa do Consumidor, pp.15-16.
104
legal. Isso, pois referida teoria não demanda a imprevisibilidade ou onerosidade
excessiva para sua aplicação, requisitos necessários para a aplicação dos artigos
317 e 478, ambos do Código Civil, mas tão somente a inexistência da relação de
equivalência entre as partes e suas prestações e a frustração da finalidade do
contrato.
Diante da inexistência de fundamentos legais para a aplicação da teoria da
quebra da base objetiva, se faz necessária a utilização de outros institutos, como o
das cláusulas gerais, para que o magistrado, integrando a relação contratual, possa
atingir a finalidade de estabelecimento de novas prestações contratuais, em estrito
cumprimento à principiologia da justiça contratual, da boa-fé e da função social do
contrato. Na prática, a aplicação da teoria da quebra da base há que se fundamentar
nas cláusulas gerais que remetem aos princípios fundamentais – como o já citado
princípio da dignidade da pessoa humana – que pelo caráter amplo e indefinido
pode causar estranheza à primeira vista na fundamentação da decisão judicial.
Mister esclarecer que referido princípio pode ser invocado somente em favor
das pessoas físicas, não devendo ser considerado nas relações que envolvam
pessoas jurídicas. Tal restrição decorre de seu próprio enunciado, e também do fato
de que a dignidade é atributo exclusivo dos seres humanos, sendo inclusive uma
das características que os diferenciam dos outros seres, não apenas no campo
jurídico, mas essencialmente no campo social. A dignidade, por ser atributo
intrínseco à pessoa humana, não poderia de forma alguma ser estendida, na forma
de princípio, às pessoas jurídicas. Estas poderão sim, dentro da evolução do direito,
e do Direito Civil evocar proteção aos seus direitos – e também a novos direitos que
venham a surgir, mas jamais se admitirá o reconhecimento do direito à dignidade
para a pessoa jurídica, tal como se reconhece – expressamente e com vigor após a
Constituição de 1988 – às pessoas físicas, seres humanos.
Isso, pois como do ponto de vista estrutural as cláusulas gerais constituem
normas (parcialmente) em branco, estas poderão ser utilizadas pelo juiz para a
concretização de um valor, de um direcionamento ou de um padrão social, o qual
sempre estará vinculado ao cumprimento dos princípios contratuais e dos princípios
gerais de direito.
Corroborando a possibilidade de utilização de referidos institutos, a
jurisprudência pátria já assentou posicionamento no sentido de que é possível a
105
revisão dos contratos quando constatada a quebra de sua base objetiva, conforme
pode se verificar pelas decisões a seguir transcritas:
Uniformização de Jurisprudência - Impossibilidade da instauração do
incidente em hipótese que versa exclusivamente sobre a
interpretação de cláusula contratual indigitada abusiva - Instrumento
que se presta à dirimir divergência apenas entre teses jurídicas Negada a instauração de incidente. Compromisso de Compra e
Venda - Loteamento - Imóvel adquirido mediante financiamento em
72 prestações - O preço-base do imóvel, fixado para o financiamento,
foi cerca de duas vezes o preço-base ajustado para pagamento à
vista, mesmo sem se computar os juros e correção monetária Abusividade contratual patente, na medida em que tal equivalia à
simultânea pré e pós-fixação de juros e correção monetária,
cobrados em duplicidade - Visível modificação do sinalagma, de que
decorreu quebra da base contratual em desfavor da adquirente Necessidade de revisão contratual, mantendo-se a incidência de
juros e correção monetária, mas sobre o primitivo preço do imóvel, e
não sobre aquele já majorado - Cálculos remetidos ao cumprimento
de sentença, autorizando-se a compensação de eventual saldo
devedor com os montantes já pagos a maior -Sentença reformada, a
fim de julgar procedente a demanda -Recurso provido. (Apelação
994040156648 (3776034200). Relator(a): Paulo Eduardo Razuk.
Comarca: São Paulo. Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado.
Data do julgamento: 19/01/2010. Data de registro: 11/02/2010). (grifo
nosso)
Tutela antecipada - Ação revisional ou anulatória de contrato de
derivativos - Medida visando afastar os efeitos da mora contratual,
mediante o oferecimento de imóvel em caução - Admissibilidade Medida necessária para permitir à demandante discutir em juízo os
termos da contratação em tela, os quais sustenta que lhe são lesivos
por gerar grave desequilíbrio na relação jurídica estabelecida entre
as partes - Caráter aleatório do contrato que não obsta, em princípio,
o ajuizamento da demanda, posto que pressupõe a equivalência do
risco de cada contratante, razão pela qual se o risco for de apenas
um ou se for desproporcional, muito mais arriscado para um, que
para o outro contratante, haverá quebra da base objetiva do negócio,
que pode ensejar a revisão do contrato ou a sua resolução, de
acordo com o previsto nos artigos 421, 422, 317 e 478 do Código
Civil - Requisitos para sua concessão configurados - Decisão que a
deferiu que deve, por isso, ser mantida - Aceitação do imóvel
oferecido em caução que também merece prevalecer - Avaliação
muito superior ao do contrato em questão - Fato do bem encontrar-se
registrado em nome de terceiro e de ser objeto de retificação judicial
que também não configura óbices para tanto, tendo havido
consentimento expresso das proprietárias para tanto. (Agravo de
Instrumento 991090606443 (7324656700). Relator(a): Thiago de
Siqueira. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: 14ª Câmara de
Direito Privado. Data do julgamento: 25/03/2009 . Data de registro:
27/04/2009). (grifo nosso)
106
Arrendamento Mercantil. Revisão Contratual. Quebra da base
objetiva do negócio. Constatação da impossibilidadede cumprimento
do contrato. Contrato resolvido por causa objetiva. Inexistência de
culpa. Peculiaridade do caso que autoriza a procedência da ação e a
devolução do carro à credora. Apelação julgada em conjunto com a
apelação nº 765.494-0/00. Recurso Provido em parte. (Apelação com
Revisão 719.915-0/4. Relatora: Rosa Maria de Andrade Nery.
Comarca: São Paulo. Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito
Privado. Data do Julgamento: 03/05/2006). (grifo nosso)
Arrendamento Mercantil. Reintegratória. Juízo Possessório. Diante
do caráter dúplice da ação possessória foram analisadas as
circunstancias da mantença do bem com a credora. Negócio que não
pôde ser cumprido por quebra de sua base objetiva. Fato não
atribuível a ninguém. Matéria relativa à Cláusula geral de boa-fé que
deve ser analisada de ofício pelo Juiz (CC2035, caput e parágrafo
único). Devolução das parcelas pagas à guisa de VRG antecipado
pela autora. Retenção, pela credora, de valores para compensar as
parcelas do arrendamento em aberto. Custas e despesas repartidas.
Honorários compensados. Recurso da ré parcialmente provido, com
observações. (Apelação com Revisão 717.155-0/6. Relatora: Rosa
Maria de Andrade Nery. Comarca: Votuporanga. Data do
Julgamento: 30/11/2005). (grifo nosso)
Assim, diante das possíveis aplicações das cláusulas gerais, do papel
atribuído aos magistrados de participação e integração dos contratos, e,
adicionalmente do princípio de manutenção dos negócios jurídicos, verifica-se que o
Código Civil de 2002 possibilita à parte lesada pela quebra da base objetiva dos
contratos a revisão de seus termos e obrigações, visando obter paridade das
contraprestações e evitar o enriquecimento sem causa.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da breve análise histórica dos contratos e das bases do direito no
presente trabalho, que foi realizado com foco nos princípios de direito contratual e
suas interconexões, verificou-se a evolução das teorias que versam sobre a
obrigatoriedade de cumprimento contratual, assim como as formas e hipóteses em
que se admitem sua revisão ou resolução.
Nesta trajetória constatou-se que conhecer a fundo os princípios do direito
contratual e as bases do novo Código Civil, em especial os princípios estruturais da
eticidade, da socialidade e da operabilidade, mostra-se fundamental à compreensão
dos contratos de qualquer natureza.
Dentre as inúmeras inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, cumpre
ressaltar as cláusulas gerais, as que (i) foram inseridas no Código Civil de 2002 com
o objetivo de manter o sistema jurídico atualizado, passível de adequação aos
princípios e valores da presente época e de fácil aplicação pelos operadores do
direito; (ii) são normas jurídicas, capazes de criar direitos e obrigações; (iii) têm por
função a correta aplicação do direito por meio da criação de normas específicas para
cada caso concreto; (iv) apresentam sobre o sistema casuístico a vantagem de ter
maior durabilidade, de ter mobilidade na aplicação, de ter fácil atualização e de
aproximar o juiz ao caso concreto; (v) necessitam de interpretação para cada caso
concreto por parte do juiz, o qual, após identificar o dispositivo legal aplicável,
aplicará a sanção que entender cabível naquele momento e lugar; e (iv) diferem-se
dos conceitos legais indeterminados e dos princípios gerais de direito em razão da
função em que são utilizados no ordenamento jurídico.
Diante das possíveis aplicações das cláusulas gerais, do papel atribuído aos
magistrados de participação e integração dos contratos, e, adicionalmente do
princípio de manutenção dos negócios jurídicos, verifica-se que o Código Civil de
2002 possibilita à parte lesada, por meio da teoria da quebra da base objetiva dos
contratos pleitear a revisão de seus termos e obrigações, visando obter paridade das
contraprestações e evitar o enriquecimento sem causa.
Para a aplicação da teoria da quebra da base objetiva é extremamente
importante a análise das circunstâncias em que se firmaram o contrato, como a
108
ordem econômica e social existente, o poder aquisitivo da moeda, as condições
normais do tráfico, sem as quais o contrato não alcança a sua finalidade.
Da mesma maneira, relevante para a aplicação da teoria da quebra da base
contratual é a compreensão de conceitos como causa, vontade e expectativa, pois,
as partes apenas decidem contratar em razão de circunstâncias que as façam crer
que o negócio jurídico firmado será proveitoso, e cumprirá determinado objetivo.
Assim, o equilíbrio entre as prestações e contraprestações apresenta grande
relevância nos contratos, não apenas no momento da contratação, mas
essencialmente durante a execução do contrato, sob pena de revisão contratual com
base na quebra da base objetiva no caso de desequilíbrio.
Desta forma, em razão da possibilidade de alteração das circunstâncias em
que se firmaram o contrato, e de que essas alterações influam sobre a relação
contratual, gerando desequilíbrio entre as partes, é possível a quebra contratual, a
qual pode decorrer de (i) lucro desmedido para uma parte em contrapartida de um
prejuízo grande para a outra; (ii) impossibilidade de honrar acordos por motivos
diversos; (iii) percepção de falhas contratuais a posteriori; entre outras hipóteses.
Na hipótese de quebra da base objetiva não há qualquer alteração em relação
à causa do negócio jurídico, uma vez que o interesse das partes não se modifica,
mas em decorrência da alteração das circunstâncias externas, não será mais
possível se atingir o interesse almejado.
Para que seja possível a aplicação da teoria da quebra da base objetiva não é
necessária a comprovação de forma inequívoca da imprevisibilidade dos
acontecimentos, sendo necessária apenas a comprovação da inexistência da
relação de equivalência e a frustração da finalidade do contrato.
Assim, é possível afirmar que na hipótese do contrato bilateral ter sua relação
de equilíbrio quebrada, em decorrência de fatos imprevisíveis e posteriores à sua
formalização, e que modifiquem o estado de fato, a parte que for prejudicada poderá
requerer a adequação da contraprestação que se tornou desproporcional, com o
objetivo de retomar o equilíbrio contratual.
A dificuldade para a revisão dos contratos com base na teoria da quebra da
base objetiva perante o ordenamento jurídico brasileiro consiste na ausência de
109
fundamentação legal explícita, e, diante dessa ausência, se faz necessária a
utilização de outros institutos: as cláusulas gerais.
Manejando as cláusulas gerais, o magistrado, deverá, integrando a relação
contratual, buscar atingir a finalidade de estabelecimento de novas prestações
contratuais, em estrito cumprimento à principiologia da justiça contratual, da boa-fé e
da função social do contrato.
As cláusulas gerais são normas diretrizes dirigidas aos Estado-juiz, para que
este, por meio da atividade jurisdicional preencha seu conteúdo – embasado em
modelos de comportamento e pautas de valoração – a fim de solucionar a lide que
lhe é apresentada. Relembre-se que cláusula geral não é princípio, tampouco regra
de interpretação, mas é sim norma jurídica, e como tal, é fonte criadora de direitos e
de obrigações. Portanto, cabe ao aplicador da lei, direcionado pela cláusula geral a
formar normas de decisão, vinculadas à concretização de um valor, de uma diretiva
ou de um padrão social, assim reconhecido como arquétipo exemplar da experiência
social concreta.
Na prática, a aplicação da teoria da quebra da base há que se fundamentar
nas cláusulas gerais que remetem aos princípios fundamentais – como o já citado
princípio da dignidade da pessoa humana – fundamentação que pelo caráter amplo
e indefinido ainda causam certa estranheza à primeira vista na tomada da decisão
judicial, mas que por esta razão não pode ser deixado à margem do ordenamento
jurídico.
Como visto as cláusulas gerais constituem as janelas, pontes e avenidas dos
modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para
permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos,
ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos
exemplares
de
comportamento,
de
deveres
de
conduta
não
previstos
legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da
autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego
jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes
de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo.
110
Se o legislador, quando da elaboração do Código Civil de 2002 introduziu as
cláusulas gerais como disposições normativas que utilizam no seu enunciado uma
linguagem de tessitura "aberta", "fluida" ou "vaga", esta escolha foi muito bem
pensada, tendo em vista a complexidade da sociedade e das demansas que hoje se
apresentam ao Judiciário.
Desta forma, a teoria da quebra da base objetiva – fundamentada
essencialmente nas cláusulas gerais – mostra-se como uma das legítimas
possibilidades para a revisão contratual no caso do desequilíbrio, e assim, também
representa grande avanço na Ciência Jurídica que deve buscar sempre atender às
demandas sociais de forma eficiente e justa.
111
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