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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
MÁRCIA REGINA MARIANO DE SOUSA ARÃO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: PRÁTICAS E
PERCEPÇÕES
FORTALEZA – CEARÁ
2012
1
MÁRCIA REGINA MARIANO DE SOUSA ARÃO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: PRÁTICAS E PERCEPÇÕES
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do
Centro de Estudos Sociais Aplicados da
Universidade Estadual do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Políticas Públicas e Sociedade.
Área de concentração: Políticas Públicas
Orientador:
Barbalho
Prof.
FORTALEZA – CEARÁ
2012
Dr.
Alexandre
Almeida
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
A658o
Arao, Márcia Regina Mariano de Sousa
Orçamento participativo em Fortaleza: práticas e percepções /
Márcia Regina Mariano de Sousa Arao. – 2012.
128f. : il. color, enc. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará,
Centro de Humanidades, Curso de Mestrado Acadêmico em
Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2012.
.
Área de Concentração: Políticas Públicas.
Orientação: Prof. Dr. Alexandre Almeida Barbalho.
1. Orçamento participativo.
participativa. I. Título.
2.
Participação.
3.
Gestão
CDD: 361.981
3
4
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado forças e coragem para chegar até aqui. A Ele toda a minha
vida, tudo que eu sou, tudo o que eu possa vir a ser, tudo o que eu possa conquistar.
Tudo vem dele e volta pra Ele!
A Daniel, meu grande amor e eterno companheiro, por estar ao meu lado sempre,
encorajando-me, compreendendo-me, amando-me. Como eu sou feliz por sua
dedicação e carinho constantes.
À minha querida mamãe, Helena que sempre contribuiu com a minha formação, dela
herdei o prazer pela leitura, pelos estudos. Obrigada por se fazer presente em todos os
momentos da vida, vibrando sempre pelo meu sucesso, amo você!
Ao meu orientador, Alexandre Barbalho pela paciência, compreensão, conforto,
encorajamento e estímulo em meio ao contexto turbulento no qual construímos esse
trabalho. Sua tranquilidade foi fundamental nesse processo!
A querida Leila Passos, co-orientadora desse trabalho, pela parceria, apoio, pelas
discussões instigantes, pelas palavras de incentivo e por continuar acreditando em
mim. Você é muito especial!
Aos colegas do mestrado que durante esses dois anos compartilharam comigo
aspirações, alegrias, tristezas e angústias. Obrigada pelas discussões calorosas,
ocorridas tanto em sala de aula como fora dela, que foram de grande contribuição para
a realização desse trabalho.
À amiga, Monique, presente precioso que o Mestrado me deu. Obrigada, pela amizade,
parceria, pelo carinho, aprendizado. Você também faz parte da concretização dessa
vitória.
Aos moradores da Comunidade do Marrocos, sujeitos dessa pesquisa, pela presteza e
disponibilidade, sem eles, realmente este trabalho não seria possível.
6
RESUMO
A segunda metade da década de 1980 é um marco para as mudanças ocorridas na conjuntura
brasileira no que diz respeito à relação Estado e Sociedade Civil. Mudanças estas que abriram
caminhos para as novas experiências de gestão pública e de introdução de novas modalidades
de administração e organização das políticas sociais por meio da garantia da participação da
sociedade civil na sua formulação e fiscalização. Nesse contexto, têm-se a criação dos
Conselhos de Política Social e a possibilidade da realização de experiências como os
Orçamentos Participativos, temática de nossa análise, neste trabalho. Assim, tomamos como
objeto de nossa investigação a experiência do Orçamento Participativo (OP) em Fortaleza-Ce,
em curso neste município desde 2005. Na presente pesquisa propomo-nos a compreender e
interpretar os significados de participação inscritos nos discursos e práticas dos moradores da
Comunidade Marrocos, localizada no Grande Bom Jardim. E ainda, suscitar uma reflexão
crítica sobre o OP a partir das percepções que estes sujeitos sociais constroem acerca deste
espaço. Para realização deste trabalho desenvolvemos um estudo de cunho eminentemente
qualitativo. Delimitamos como campo empírico de nossa investigação os distintos espaços
nos quais aconteceram as atividades do OP durante os anos de 2010 e 2011, bem como a
própria Comunidade do Marrocos. Elegemos como nossos interlocutores, 10 (dez) moradores
daquela localidade. Para a coleta de dados, utilizamos a técnica de observação direta com uso
sistemático do diário de campo, que nos possiblitou obter e registrar informações da realidade
dos sujeitos sociais em seus próprios contextos; e ainda, fizemos uso das entrevistas semiestruturadas, que nos permitiu apreender melhor as percepções de nossos interlocutores. Todo
o processo investigativo foi acompanhado pelas pesquisas bibliográfica e documental. O
exame das declarações de nossos interlocutores acerca do OP evidencia o reconhecimento e a
importância que eles conferem a esse mecanismo de democracia participativa. Deste modo, o
OP é visto como um espaço de interlocução entre cidadão e poder público que proporciona à
população o direito de propor diretamente aquilo que querem que aconteça em suas
comunidades; o OP também é considerado como espaço de socialização no qual quem dele
participa tem a possibilidade de ampliar a sua percepção acerca dos problemas da cidade.
Nesta perspectiva, o OP também é considerado um processo educativo, por meio do qual as
habilidades e qualidades de seus participantes são desenvolvidas. Assim, à medida que
participam, os indivíduos têm a oportunidade de desenvolverem o conhecimento acerca do
funcionamento institucional da gestão municipal. Constatamos, ainda nos discursos de nossos
entrevistados uma diversidade de significações sobre a participação. Contudo, apesar dessa
multiplicidade, foi possível encontrar entre elas um ponto em comum, qual seja: a indicação
do caráter instrumental da participação em detrimento de seu caráter político.Percebemos
então, que o OP, em Fortaleza, no lugar de ultrapassar os limites da democracia gerencial,
acaba reforçando-os. Avançar para além desses marcos faz-se extremamente necessário e este,
a nosso ver, é um dos principais desafios para aqueles que ocupam esse espaço.
PALAVRAS–CHAVE: Orçamento Participativo, Participação, gestão democrática.
7
RESUMEN
La segunda mitad de la década de 1980 es un hito para los cambios en la situación de Brasil
con respecto a la relación entre Estado y Sociedad Civil. Los cambios que se han abierto
nuevas vías para las experiencias de gestión pública y la introducción de nuevas formas de
administración y organización de las políticas sociales, garantizando la participación de la
sociedad civil en su formulación y el seguimiento. En este contexto, ha sido la creación de los
Consejos de Política Social y la posibilidad de llevar a cabo experimentos como el
Presupuesto Participativo, objeto de nuestro análisis en este trabajo. Por lo tanto, tomamos
como objeto de nuestra investigación de la experiencia del Presupuesto Participativo (PP) en
Fortaleza-CE, llevando a cabo en esta ciudad desde 2005. En este estudio se propone para
comprender e interpretar los significados de la participación ha entrado en los discursos y las
prácticas de los residentes de la Comunidad de Marruecos, situada en el Grande Buen Jardín.
Y, sin embargo, plantear una reflexión crítica sobre el PP, de la percepción que los individuos
sociales construyen en este espacio. Para este estudio, hemos desarrollado un estudio
eminentemente cualitativo. Hemos definido como nuestra investigación empírica de campo de
los distintos espacios en los que las actividades de la PP sucedido durante los años 2010 y
2011, así como la propia de la Comunidad en Marruecos. Nosotros elegimos como nuestros
socios, diez (10) residentes de esa localidad. Para recopilar los datos, se utilizó la técnica de
observación directa con el uso sistemático del diario, que permitió obtener y registrar la
información de la realidad social de los sujetos en sus propios contextos, y también hizo uso
de entrevistas semiestructuradas, que proporcionar una mejor comprensión de las
percepciones de nuestros grupos de interés. El proceso de investigación estuvo acompañado
por bibliográfico y documental. El examen de las declaraciones de nuestros interlocutores
acerca de la PP muestra el reconocimiento y la importancia que conceden a este mecanismo
de democracia participativa. Por lo tanto, el PP es visto como un espacio de diálogo entre los
ciudadanos y del gobierno que da a la gente el derecho de proponer directamente lo que
quieren que suceda en sus comunidades, el PP también se considera como un espacio de
socialización en el cual participa que tienen la posibilidad de ampliar su percepción de los
problemas de la ciudad. En consecuencia, el PP también se considera un proceso educativo, a
través del cual las habilidades y cualidades de sus participantes se han desarrollado. Por lo
tanto, a medida que participan, los individuos tienen la oportunidad de desarrollar el
conocimiento sobre el funcionamiento institucional de la administración municipal. También
tomamos nota de los discursos de los encuestados una variedad de significados de la
participación. Sin embargo, a pesar de esta multiplicidad se puede encontrar entre ellos un
punto común, a saber, una indicación del carácter instrumental de la participación a expensas
de su carácter político. Vimos continuación, el PP, en Fortaleza, en lugar de superar los
límites de democracia de gestión, termina por reforzar ellos. A continuación más allá de estos
puntos de referencia es sumamente necesario y esto, en nuestra opinión, es un gran desafío
para los que ocupan ese espacio.
Palabras-Clave: Presupuesto Participativo; Participación; Administración Democratica
8
LISTA DE TABELAS
TABELA 01
Renda Média Mensal dos chefes de família por Região Adminstrativa
(em salários mínimos) - 2000
20
TABELA 02
Indice de Desenvolvimento Humano (IDH) – SER V
21
TABELA 03
Número de demandas aprovadas no OP por eixo 2005 – 2008
65
TABELA 04
Proporção do número de conselheiros territoriais do OP
71
TABELA 05
Proporção do número de conselheiros de segmento social
71
TABELA 06
Modelo de relatório apresentado na negociação do COP – Ciclo 2008
78
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1
Ciclo do Orçamento Participativo Fortaleza – 2010 – 2011
86
10
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1
Recursos previstos para a realização das demandas do Orçamento 76
Participativo – 2006 e 2007
11
LISTA DE MAPAS
MAPA 01
Áreas de participação do Orçamento Participativo Fortaleza – 2005
64
MAPA 02
Áreas de participação do Orçamento Participativo Fortaleza – 2010
82
12
LISTA DE FOTOGRAFIAS
FOTOS Nº1 E 2
Ônibus fretado pela Prefeitura para levar participantes da
Comunidade do Marrocos à assembleia eletiva do OP 2011
83
FOTOS Nº 3 E 4
Credenciamento participantes assembleia eletiva SER V- 2011
84
FOTO Nº 5
Cadastro das propostas – Assembleia eletiva SER V - 2011
88
FOTO Nº 6
Apresentação das propostas – Assembleia Eletiva SER V – 2011
88
FOTOS Nº 7 E 8
Assembleia Decisiva SER V – 2011
90
FOTO Nº 9
Casas entregues pela Prefeitura
100
FOTO Nº 10
Ruas sem infra-estrutura
100
FOTO Nº 11
Uma das poucas ruas que foram pavimentadas
100
FOTO Nº 12
Ausência de esgotamento sanitário
100
13
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APs – Áreas de Participação
CEB – Comunidades Eclesiais de Base
COMDEC – Coordenadoria Municipal de Defesa Civil
COP – Conselho do Orçamento Participativo
CUT – Central Única dos Trabalhadores
ETUFOR – Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza S/a
FMI – Fundo Monetário Internacional
HABITAFOR – Fundação Municipal de Desenvolvimento Habitacional
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IMPARH – Instituto Municipal de Pesquisa Administração e Recursos Humanos
LGBTTTs – Lésbicas, Gays, Bissesuxais, Transgêneros, Transexuais e Travestis
LOA – Lei Orçamentária Anual
ONG – Onganização Não Governamental
OP – Orçamento Participativo
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PPA – Plano Plurianual
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido dos Trabalhadores Brasileiros
SEPLA – Secretaria Municipal do Planejamento e Orçamento
SER – Secretaria Executiva Regional
SISOP – Sistema de Informações do Orçamento Participativo
UAMPA – União de Associação dos Moradores de Porto Alegre
14
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO ..............................................................................................................
15
2. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO BRASIL E O ALCANCE DA
DEMOCRACIA NA CONTEMPORANEIDADE .........................................................
35
2.1.Debate contemporâneo sobre a Democracia: disputa por sentidos ..............................
35
2.2.Redemocratização
brasileira:
emergência
e
trajetória
da
gestão
participativa..........................................................................................................................
39
2.3. O Orçamento Participativo: caminhos da democratização da relação Estado e
sociedade civil no Brasil .....................................................................................................
45
2.4. Cenário de implementação do Orçamento Participativo em Fortaleza........................
53
3. “CONSTRUIR UMA CIDADE BELA, JUSTA E DEMOCRATICA: A
EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO PARTICIPÁTIVO EM FORTALEZA.................
62
3.1. Estrutura, funcionamento e metodologia do Orçamento Participativo até o ano de
2009......................................................................................................................................
62
3.2. Os ciclos do Orçamento Participativo 2010 e 2011: mudanças e inovações no
institucional .........................................................................................................................
80
3.2.1. As Assembleias Eletivas ...........................................................................................
83
3.2.2. As Assembleias Decisivas .........................................................................................
89
4.ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: ATORES, PRÁTICAS E
DISCURSOS SOBRE A PARTICIPAÇAO ..................................................................
95
4.1. Relação da Comunidade Marrocos com o Orçamento Participativo............................
96
4.2. Os motivos da não participação....................................................................................
103
4.3. Discursos sobre a participação: as versões dos moradores do Marrocos .....................
107x
4.4. Um balanço da experiência do Orçamento Participativo: Olhares dos moradores do
Marrocos..............................................................................................................................
114x
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................
118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ..............................................................................
121
APÊNDICE ........................................................................................................................
129
15
ANEXOS ............................................................................................................................
133
15
1. INTRODUÇÃO
Tomamos como campo temático de nossa proposta de investigação a experiência
do Orçamento Participativo na cidade de Fortaleza-CE. E propomo-nos a compreender e
interpretar os significados de participação e as percepções sobre o Orçamento Participativo
inscritos nos discursos e práticas dos moradores da Comunidade do Marrocos, localizada no
Grande Bom Jardim.
A inscrição do Orçamento Participativo (OP) no debate contemporâneo da teoria
democrática tem desafiado o desenvolvimento de estudos e reflexões acerca das experiências
que emergem em diversos municípios brasileiros e também fora do País1. De modo geral, o
OP caracteriza-se pela participação direta da população em diferentes fases de preparação e de
deliberação orçamentária, apresentando os seguintes princípios para a sua realização:
participação de todos os cidadãos; combinação de regras de democracia direta e democracia
representativa realizada por intermédio das instituições que estabelecem mediação e interação
permanente entre as organizações comunitárias e as unidades administrativas do Executivo;
descentralização dos processos decisórios; utilização de método objetivo de definição das
prioridades e alocação dos recursos (AVRITZER, 2002; SANTOS, 2009).
A execução do OP em Fortaleza iniciou-se em 2005 como fruto do Programa de
Governo, da então prefeita Luizianne Lins, do Partido dos Trabalhadores (PT), que trazia
como diretriz central de seu governo a participação popular e a democratização dos processos
de gestão da cidade. O OP então se desenvolveu ao lado de outros instrumentos que visavam à
efetivação e o aprimoramento dos processos participativos em Fortaleza, como por exemplo:
o Plano Plurianual Participativo, Plano Diretor Participativo, as Conferências Municipais, os
1
Dados do Observatório Internacional do Orçamento Participativo (2008) mostram que já é possível encontrar a
realização desta experiência, resguardadas suas especificidades, em cada um dos continentes. Desde a América
do Norte até a Ásia foram mapeados 24 (vinte e quatro) países que de alguma forma praticam o OP, dentre eles
destacamos: Canadá, El Salvador, Argentina, Portugal, Cabo Verde e Índia. No Brasil, segundo levantamento
realizado pelo Projeto Democracia Participativa em 2004, o OP estava sendo desenvolvido em 194 (cento e
noventa e quatro) municípios. Em 2007, foi criada a Rede Brasileira de Orçamento Participativo que se propôs a
reunir, articular, fortalecer e consolidar as experiências de OP das cidades brasileiras. Filiados à Rede,
atualmente, encontram-se 62 municípios, sendo que 18 estão em processo de adesão.
No ceará, um breve levantamento realizado por nós, por meio dos sítios eletrônicos das prefeituras municipais
cearenses, demonstrou haver, atualmente, em funcionamento no Estado seis experiências do OP, a saber:
Barbalha, Cascavel, Crateus, Fortaleza, Juazeiro do Norte e Mauriti.
16
Conselhos Municipais e a Coordenadoria da Participação Popular criada recentemente (PPA
2010-2013).
Assim, o OP emerge na Cidade, propondo-se, em consonância com o Programa de
Governo da Prefeita eleita, a criar uma “cultura de controle social e fiscalização das verbas
públicas e de definições estratégicas para o Município, através da participação dos cidadãos
sobre os destinos de sua cidade” (PROGRAMA DE GOVERNO “POR AMOR A
FORTALEZA”, 2004).
Diante dessas expectativas, indagamos: como vem se construindo a participação
dos moradores do Marrocos por meio do OP nos destinos da Cidade? Como estes cidadãos
têm pensado e significado a sua participação neste espaço? Questões estas que deverão ser
cuidadosamente analisadas durante a realização do estudo proposto.
Segundo publicações específicas sobre o OP2 em Fortaleza, seus principais
objetivos são: efetivar a participação, a formação cidadã e o controle social da população na
escolha, elaboração e execução das políticas públicas, de modo a viabilizar a gestão
compartilhada no planejamento do orçamento municipal, fazendo surgir, assim, uma nova
cultura política na cidade. Diante disto, perguntamo-nos: em que medida vem se configurando
esta “nova cultura política”, de natureza participativa, propalada nos discursos oficiais da
gestão municipal? Quais as percepções dos cidadãos acerca desse espaço? Cremos que a
apreciação destas questões torna-se essencial na busca de apreender a materialidade do OP em
nosso Município.
Nosso interesse de investigação do Orçamento Partipativo surgiu ainda na
Graduação e adveio do desejo de estudar as formas de organização e participação social da
sociedade civil no Brasil. Naquele momento, queríamos tratar da organização e participação
da sociedade civil nos processos políticos e da sua relação com o Estado. Inicialmente,
pensamos em estabelecer uma relação com a atuação do profissional de Serviço Social e
2
Guia do Orçamento Participativo, publicado em 2006; o Caderno de Formação do OP, publicado em 2007,
Regimento Interno, dentre outros.
17
estudar o caráter pedagógico de sua prática como mediação para mobilizar e fomentar os
processos organizativos da sociedade civil. Então, conhecemos o livro Serviço Social e
Organização da Cultura, de Marina Maciel de Abreu. Por meio da sua leitura, redirecionamos
nosso olhar e ampliamos nosso horizonte investigativo para além do exercício de nossa
prática profissional. Voltamos-nos, então, a olhar, com mais cuidado, para o que a autora
sugere como novas modalidades de participação democrática; de socialização da política; e de
reconstrução das relações Estado/sociedade. Dentre essas iniciativas, a autora destaca o
Orçamento Participativo (ABREU, 2002).
Segundo Abreu (idem), essa novas modalidades de participação, consideradas em
suas contradições, apresentavam possibilidades para a construção de processos numa
perspectiva
emancipatória. Nesse sentido, as experiências do Orçamento Participativo
implementadas por alguns governos municipais assumidos pelo Partido dos Trabalhadores
(PT)3 - das quais é exemplar a experiência da Prefeitura de Porto Alegre, iniciada em 1989 constituem-se como referências importantes na edificação de um processo inovador de
democratização da relação Estado e sociedade civil em que se combinam formas tradicionais
de representação política com a participação direta da população organizada. O orçamento
participativo, então, circunscreve-se em um processo que se coloca, ao mesmo tempo,
como elemento viabilizador da criação de estruturas de formação e de reprodução de
uma opinião pública independente a partir da crítica e desenvolvimento de uma
consciência coletiva sobre as ações do Estado no enfrentamento dos problemas da
cidade, e também como elemento que concorre para modificar o próprio Estado em
suas estruturas e relações de poder (idem, p.215).
Tais assertivas nos inquietaram e nos levaram a atentar para a experiência do
Orçamento Participativo (OP) em Fortaleza -CE, no sentido de analisar a sua contribuição
para a modificação das relações de poder cristalizadas por nossa cultura política. Assim,
elaboramos nosso trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social, no qual
3
A relação existente entre o PT e a origem do OP se dá pelo fato de as primeiras experiências brasileiras terem
sido organizadas em municípios governados pelo PT, como, por exemplo, Porto Alegre, São Paulo e Belo
Horizonte. Todavia, essa relação direta entre o PT e o OP na concepção e origem da proposta é questionada por
Avritzer (2002). Segundo o autor, apesar do PT defender a ideia de participação direta na gestão de Porto Alegre,
não existia originalmente uma proposta de orçamento participativo, sua proposta era dar origem a um governo
participativo, mas não apresentavam especificações de como se daria essa participação. O autor defende que a
criação do OP não é obra exclusiva do PT, antes está relacionada a múltiplos processos e a atores sociais, uma
vez que sua origem envolve tanto elementos institucionais, no caso a ênfase dada pelo PT à participação da
população na gestão da cidade, como elementos extrainstitucionais, na medida em que o movimento comunitário
preocupou-se com o controle e definição do orçamento.
18
centramos nosso olhar para os representantes da sociedade civil, eleitos como delegados e
conselheiros nas assembleias do OP.
Nossa vivência no campo empírico e teórico dessa experiência de pesquisa nos fez
atentar para a necessidade de compreendermos também como é que aqueles que não fazem
parte das instâncias de representação do OP vivenciam e significam este processo; e que
expressões de participação são construídas por eles por meio desse espaço.
Diferente da monografia, em que trabalhamos com os representantes do OP da
Cidade inteira, neste estudo, decidimos delimitar nosso campo empírico investigativo e
escolher uma microexperiência territorial do OP na cidade. Optamos, então, pela comunidade
do Marrocos. E elegemos, como nossos interlocutores, os moradores dessa comunidade, tanto
aqueles que já participaram (em algum momento do OP durante esses sete anos de
implementação) e/ou participam atualmente das discussões do OP quanto aqueles que não
participam.
Deste modo, buscamos analisar, no âmbito da microexperiência territorial do OP
na comunidade do Marrocos, os significados que estes sujeitos constroem acerca da
participação e também apreender as suas percepções sobre esse espaço e, ainda, saber como
eles se percebem nesse processo.
Tratar a questão por este ângulo é algo recente, uma vez que as reflexões
existentes sobre a temática têm centrado esforços na avaliação da capacidade que as
experiências participativas oferecem para “rebalancear a articulação entre a democracia
representativa e a democracia participativa. Uma consulta cuidadosa dos diversos textos
analíticos
sobre
o
OP
(AVRITZER,
2003;
AVRITZER&NAVARRO,
2003;
GENRO&SOUZA, 1997; LÜCHMANN, 2007; SANCHEZ, 2002; SANTOS, 2009),
mostrou-nos que estes estudos versam sobre os mecanismos institucionais de modo a
privilegiar a sua formulação e avaliação.
19
Neste trabalho, nosso intuito é, além de refletir sobre as dimensões institucionais
do OP, alcançar as percepções dos cidadãos comuns da Cidade, nesse caso, os moradores da
comunidade do Marrocos, de modo a construir uma análise interpretativa do OP e da
participação.
A relevância da análise da experiência do OP em Fortaleza-CE, por meio dessas
percepções, se dá, primeiramente, pela contemporaneidade do tema. A implementação do OP
em Fortaleza é acontecimento recente, assim, nestas circunstâncias, é particularmente
oportuno sua investigação a fim de sabermos como esta vem se construindo para que
possamos evidenciar as contradições presentes nesse processo. Depois, pelo traço distintivo
que este estudo apresenta em relação às demais produções analíticas do OP, estudada por nós
até o presente momento, qual seja a compreensão das múltiplas representações e as diferentes
dimensões expressivas construídas.
O campo empírico de nossa investigação
Dois espaços distintos constituíram nosso campo empírico. O primeiro refere-se
aos locais nos quais aconteceram as atividades do OP - reuniões comunitárias, assembleias,
reuniões do Conselho, fóruns de delegados4 - durante os anos de 2010 e 2011. E o segundo
refere-se à própria Comunidade do Marrocos. Nessa seção, queremos apresentar a
Comunidade e manifestar os motivos que nos levaram a optar por ela.
O Marrocos é uma das comunidades que compõem o bairro Bom Jardim. Bairro
localizado na periferia de Fortaleza, jurisdicionado pela Secretária Executiva Regional V, a
segunda maior Secretaria em extensão territorial, com uma área de 6.346 hectares, que
representa 18,94% do total, e a mais populosa, com 530.175 mil habitantes e com uma
densidade demográfica de 83,54 hab/ha, que supera a média municipal (FORTALEZA,
SEPLA, 2009). A SER V abrange ainda mais 17 bairros, a saber: Aracapé, Canindezinho,
Conjunto Ceará, Conjunto Esperança, Genibaú, Granja Lisboa, Granja Portugal, Jardim
Cearense, Maraponga, Mondubim, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa, Parque São
José, Planalto Airton Senna, Prefeito José Walter, Siqueira e Vila Manoel Sátiro.
4
Esses espaços serão descritos em detalhes no capitulo 2 deste trabalho.
20
No tocante aos indicadores socioeconômicos, a SER V apresenta um dos piores
indicadores da Cidade. Para termos uma ideia, em 2005, no ranking dos onze bairros de
Fortaleza em que a população reside em condições mais inadequadas, cinco pertenciam a SER
V: Mondubim (2º), Canindezinho (4º), Parque Santa Rosa (5º), Genibaú (8º) e Bom Jardim
(10º) (FORTALEZA, PPA 2005). Um estudo desenvolvido em 2008 pela Coordenadoria
Municipal de Defesa Civil (COMDEC) sobre as áreas de risco de Fortaleza indicou que a
SER V possuía o maior número de famílias em áreas de risco, eram 7.673 morando em 21
áreas de risco situadas, a maioria, às margens dos rios Siqueira e Maranguapinho
(FORTALEZA, 2008). O cenário em relação à habitação é bastante delicado. A carência de
moradias, as inundações no período de chuva daquelas comunidades situadas nas bacias dos
rios, a ausência de saneamento adequado são alguns dos graves problemas a serem
enfrentados pela administração pública.
A respeito dos indicadores do mercado de trabalho, verificou-se a maior taxa de
desemprego total do Município: 20,12%; e as taxas mais baixas de ocupação, acompanhadas,
ainda, de baixos níveis salariais da população ocupada. De acordo, ainda, com o PPA (2005),
a renda média mensal dos chefes de família da SER V era de 2,78 salários mínimos, conforme
nos mostra a tabela abaixo, bem inferior que a média municipal e a menor entre as SERs.
Tabela 01 – Renda Média Mensal dos Chefes de Família por Região Administrativa (Em
salários Mínimos) – 2000
REGIÃO
SALÁRIOS
I
3,49
II
14,32
III
4,10
IV
6,08
V
2,78
VI
4,11
MÉDIA FORTALEZA
5,61
Fonte: SEPLA, 2005.
21
A tabela, a seguir, mostra as variáveis do Índice de Desenvolvimento Humano
5
(IDH) da SER V. E revela que nenhum dos seus bairros possui IDH alto, e ainda confirma a
baixa renda dos chefes de família em toda a região.
Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – SER V
Média de anos de
Taxa de
Renda média dos
estudo dos chefes
alfabetização
chefes de família
___
18
___
___
Médio
5
___
___
7
Baixo
13
___
18
11
Índices
Alto
IDH-médio
Fonte: SEPLA, 2005.
Apesar das dificuldades, uma peculiaridade presente em alguns bairros dessa
Secretaria é a marca da organização e da luta dos moradores por condições dignas de vida. E
em relação ao OP, não é à toa que a SER V possui o maior número de representantes no
Conselho do OP (COP), são 18 representantes da sociedade civil eleitos nas assembleias
decisivas do OP. A expressividade das assembleias do OP nessa jurisdição sempre nos
chamou atenção por apresentarem um número de participantes superior ao das outras
assembleias da Cidade. E essa foi uma das razões que nos direcionou para escolhermos um de
seus bairros ou comunidades para ser o lócus de nossa investigação. Mas ainda não tínhamos
definido em qual deles faríamos a pesquisa.
O que nos levou à eleição do Marrocos foi o nosso contato anterior com a
Comunidade, por conta de nossa experiência de estágio em 2006 na Fundação de
Desenvolvimento Habitacional do Município de Fortaleza (HABITAFOR). Essa experiência
colocou-nos em contato pela primeira vez com o OP, pois, nesse ano, os moradores do
5
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado originalmente para medir o nível de desenvolvimento
humano dos países a partir de indicadores de educação (alfabetização e escolarização), longevidade (esperança
de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um
(desenvolvimento humano total). O é considerado baixo quando há variação de 0 a 0,499; médio no intervalo de
0,500 a 0,799; e alto entre 0,800 a 1 (PNUD, 2003).
22
Marrocos foram contemplados com o projeto de urbanização das ruas e a construção de 157
unidades habitacionais, resposta à demanda que propuseram no ciclo 2005 do OP. A equipe
da qual fazíamos parte ficou responsável pelo levantamento e cadastro das famílias a serem
beneficiadas e ainda pelo acompanhamento da elaboração e execução do projeto habitacional.
Essa experiência foi também um dos incentivos do nosso interesse em pesquisar sobre o OP
em Fortaleza, ainda na graduação. Por conta disso, pensamos que voltar ao Marrocos na pósgraduação, para dar continuidade a nossa investigação acerca desse espaço, seria
emblemático. Pois o conhecimento e aproximação com a Comunidade que esse contato
anterior nos proporcionou nos ajudaram bastante na realização de nossa pesquisa de campo.
Conforme já dissemos, o Marrocos faz parte do bairro Bom Jardim, é uma das
ocupações existentes no bairro. Além dela, compõem o bairro mais sete ocupações - Conjunto
Urucutuba, Santo Amaro ou Pantanal, Nova Esperança, Igualdade, Lago Verde e Nova
Canudos. Segundo Paiva (2008), as ocupações de terra e a formação de comunidades são
características que marcam a história do bairro. Esse fenômeno inicia-se na década de 1970,
com importante participação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e se intensifica na
década de 1980, especialmente na gestão da prefeita Maria Luiza Fontenele, quando os
mutirões passam a compor a paisagem urbana da Cidade. Nesse momento, a luta pela moradia
tornou-se a principal bandeira dos segmentos mais pobres - trabalhadores da própria Cidade,
trabalhadores vindos do campo em busca de melhores condições de vida - intensificando,
assim, a ocupação dos vazios urbanos existentes.
A melhoria da qualidade de vida procurada por esses segmentos virou frustração, pois
crescia o descaso do poder público à medida que as ocupações se proliferavam. Até hoje,
Fortaleza amarga os resultados dessa postura. E o que vimos foi um crescimento desordenado
da Cidade, uma grande diferenciação entre os bairros centrais e os periféricos, pois enquanto
aqueles apresentavam uma infraestrutura urbana básica, esses outros não a possuíam. Ou seja,
a expansão da Cidade a partir da ocupação dos vazios não gerou a ampliação dessa
infraestrutura urbana, pois não havia pavimentação das ruas, energia elétrica, água encanada,
rede de esgotos, transportes coletivos, dentre outros, algo já recorrente nessas localidades.
Muitas dessas áreas não possuem nenhuma condição para serem ocupadas. Contudo, a
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periferia de Fortaleza cria-se e recria-se à revelia do Poder Público, e assim os segmentos
pauperizados de nossa Cidade seguem na busca do seu “lugar ao sol”.
Um exemplo disso é a Comunidade aqui apresentada. O Marrocos é uma ocupação
recente, aconteceu já nos anos 2000, mais precisamente em 2001. No dia 2 de novembro,
moradores do próprio Bom Jardim mobilizaram-se e ocuparam o terreno Mata Lobo (PAIVA,
2008), localizado na Avenida Urucutuba, que há muito tempo se encontrava vazio. Antes da
ocupação, essa área possuía um açude denominado “Açude da Viúva”, que percorria a
propriedade por meio de um canal. Esse canal ainda existe hoje e é chamado, por conta do
nome do açude, de canal da Viúva. De lá se tiravam areia para fazer aterros, o que deixou o
terreno cheio de buracos. Porém, com a ocupação, a área foi sendo aterrada para que as
moradias fossem construídas.
No início da ocupação, as casas eram feitas de lonas, plásticos e serviam para
demarcar o terreno que cada família ocupava. Posteriormente, essas construções foram
substituídas por taipa e alvenaria. Nesse momento, os ocupantes juntamente com algumas
lideranças de Comunidades próximas, como, por exemplo, a Associação do Parque Santo
Amaro, definiram os tamanhos dos lotes para cada um, e também demarcaram as ruas
existentes até hoje na Comunidade.
Quanto ao nome da ocupação, os moradores nos declararam que a Comunidade foi
assim batizada por causa da novela O Clone, apresentada na Rede Globo de Televisão bem na
época em que estava acontecendo a invasão. A novela mostrava o país Marrocos (África) e
veiculava imagens de um local com muitas tendas; os moradores identificaram certa
semelhança com as tendas de plásticos armadas na área e assim denominaram de Marrocos
essa nova comunidade que surgia no Bom Jardim.
Em relação à infraestrutura urbana da Comunidade, os serviços de energia e água, no
início da ocupação, eram clandestinos; e quanto ao saneamento básico, a maioria das unidades
domiciliares não possuía sequer banheiro. A energia só chega à Comunidade dois anos depois,
24
em 2003, e a água apenas em 2006. As ruas continuam sem pavimentação e o saneamento
básico ainda não é realidade na Comunidade; o esgoto corre a céu aberto e ainda existem
casas que não possuem sanitário. Além disso, os moradores têm dificuldade de acessar os
serviços de saúde pública, uma vez que os postos de saúde existentes na proximidade não os
reconhecem como pertencentes a sua área de cobertura, e alegam a dificuldade de incluí-la
por ser uma área complicada de trabalhar devido aos altos índices de criminalidade e
violência existentes no bairro, o que revela a precariedade vivenciada pelas pessoas que ali
vivem.
No que diz respeito à violência urbana, o Marrocos é considerado um dos territórios
mais violentos do Bom Jardim, tanto os moradores do bairro e os próprios moradores da
Comunidade, quanto à imprensa, afirmam essa característica não muito agradável. O
Marrocos é conhecido pelos frequentes assaltos realizados por usuários de drogas. São vítimas
desses assaltos, na maioria das vezes, os “visitantes” que adentram a Comunidade para a
realização de algum serviço ou atividade. O Marrocos também é palco de vários assassinatos,
como o que aconteceu ao taxista Francisco Guedes Júnior que, no dia 24 de março de 2010,
trafegava em seu táxi na companhia de sua esposa, na Avenida Urucutuba, quando uma
pessoa armada, com o rosto coberto com a camisa, efetuou um único tiro que o atingiu no
tórax. Sem qualquer motivação aparente, uma vez que nada lhe foi roubado, o taxista perdeu
sua vida. Porém, a maioria dos assassinatos que acontecem na Comunidade tem como vítimas
jovens e adolescentes envolvidos com o consumo e tráfico de drogas. Concordamos com
Paiva (2008) que a presença de drogas, sobretudo o crack, tem se tornado motor de muitas
delinquências, deixando mais delicada a situação de violência na região. Segundo o autor,
o crack é um combustível significativo na produção de crimes no interior das
comunidades mais pobres do Bom Jardim [...] Como é fato conhecido, o consumo e
o tráfico de drogas são componentes de extrema relevância na ocorrência de outros
tipos de crimes, como por exemplo, assaltos e furtos cometidos por adolescentes
viciados e dispostos a ações extremas para aquisição de dinheiro destinada à compra
de droga ou pagamento de dívidas com traficantes (idem, p.257).
Diante de todos esses problemas, conforme já dissemos, a Comunidade cria-se e
recria-se, e os seus moradores vão construindo ao longo do percurso tentativas de
ultrapassagem dessa realidade tão adversa. Dentre essas tentativas, podemos citar a sua
mobilização na busca dos serviços, que só chegaram à comunidade porque foram
25
reivindicados; outra, a própria participação no OP, com vistas a conseguir melhorias, e ainda a
atuação nas atividades religiosas.
Destacamos aqui a intervenção da Igreja Católica, por esta envolver muitos
moradores em suas atividades, como nas celebrações de missas, batismos, dentre outras. Além
disso, existe o Movimento de Saúde Mental, sob a direção do Padre Rino, que realiza
atividades terapêuticas dentro da Comunidade. O padre ainda mantém o futebol aos sábados,
ação mais apreciada pelas crianças e adolescentes, por lhes permitir uma alternativa de lazer.
Tais experiências podem até ser julgadas como pontuais e insignificantes perante a seriedade
dos problemas da Comunidade, mas não podem ser desprezadas, pois movimentam o seu
cotidiano de modo a produzir novos rumos e novas perspectivas.
Percurso metodológico
Tendo em vista os objetivos propostos nessa investigação, desenvolvemos um
estudo de cunho qualitativo. No dizer de Minayo (1994, p. 22), esse estudo
se preocupa, nas ciência sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, ou seja, trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
Neste tipo de pesquisa, há uma preocupação hermenêutica, uma preocupação com
o significado que os sujeitos dão à suas vidas. Na verdade, esse modo de pesquisar tem por
objetivo trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado,
não é só a visão do pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a
lhe dizer a respeito (MARTINELLI, 1999a). Ao considerar os diferentes pontos de vista dos
indivíduos, os estudos qualitativos possibilitam iluminar o dinamismo interno das situações
que lhes são postas cotidianamente, seus hábitos, tradições, maneira de viver ou resistir às
transformações em suas lutas diárias. Nesse sentido, o contato com os sujeitos da pesquisa é
imprescindível para captar a percepção que eles detêm sobre sua vida e os aspectos sociais
que a engendram, buscando entender os fatos a partir da interpretação que os mesmos fazem
26
de suas vida cotidiana. Assim, o pesquisador deve experienciar o espaço, tempo e as situações
onde os sujeitos da pesquisa transitam e constroem suas vidas (MARTINELLI, 1999b).
Concordamos com Geertz (1989) quando ele afirma que a preocupação das Ciências
Sociais não deveria ser com a construção de leis gerais do funcionamento da sociedade, mas
com a construção de interpretações, sempre transitórias, sobre a realidade social em uma
perspectiva compreensiva.
Deste modo, procuramos construir uma análise interpretativa das experiências dos
sujeitos sociais de nossa pesquisa. E ao invés de tomar as categorias analíticas participação e
Orçamento Participativo como conceitos prontos, buscamos refletir como nossos interlocutores as
constroem e as significam no processo do OP em Fortaleza- CE
Nossa pesquisa realizou-se através de um intenso trabalho de campo, nos
períodos: de agosto a dezembro de 2010; de maio a setembro de 2011; e de março a maio de
2012. Foi executado em três etapas, conforme descrevemos a seguir.
A primeira etapa, a fase exploratória da pesquisa, foi iniciada em agosto de 2010.
Dedicamo-nos às interrogações preliminares sobre o objeto, a refletir sobre os pressupostos, e
as teorias que fundamentariam nossa investigação, a pensar na metodologia apropriada e nas
questões operacionais para a entrada em campo e a fazer levantamentos preliminares sobre
nosso objeto de estudo. Nesse momento, fizemos visitas à Coordenadoria de Participação
Popular (CPP), ente responsável pela estruturação e funcionamento do OP em Fortaleza; e
estivemos presentes nas assembleias decisivas do OP das SERs III, IV, V e VI que
aconteceram nos meses de novembro e dezembro; conhecemos também a equipe do OP da
SER V; e frequentamos ainda duas reuniões do Fórum de Delegados dessa Regional.
27
Nossas visitas à CPP e à equipe do OP na SER V aconteceram no intuito de
levantar documentos e dados estatísticos sobre a experiência do OP. Foram disponibilizados
os seguintes documentos - cartilhas e panfletos, regimento interno, revista e jornais do OP,
atas do Conselho do OP. Em relação aos dados estatísticos, solicitamos à equipe de Gestão da
Informação as seguintes informações: a lista geral de participantes nas assembleias do OP e a
lista de participantes da SER V do período de 2005 a 2010; um balanço das demandas, dentre
outros. Todas essas informações deram substância à pesquisa documental que acompanhou
todo o processo investigativo.
Outro momento da fase exploratória de nossa pesquisa consistiu em nossa
participação nas assembleias decisivas do ciclo 2010 e nas reuniões do Fórum de Delegados
da SER V, conforme indicamos acima. Utilizamos como técnica de coleta de dados a
observação direta, através desta técnica tivemos a possibilidade de captar uma variedade de
situações presentes na realidade, como a forma como os sujeitos se colocavam, as
articulações, os diálogos proferidos entre eles antes e durante essas reuniões, percepções que
não são obtidos por meio de entrevistas apenas.. Esse foi, então, o primeiro momento, em que
iniciamos a exercitar nosso “olhar”. Lembramos, também, das recomendações de Oliveira
(1998, p 21) ao afirmar que “o olhar, por si só, não seria suficiente para dar-se conta da
natureza das relações sociais mantidas entre as pessoas”, e vimos o quanto realmente é difícil
captar as significações presentes no que observamos. Depois de cada reunião, a sensação que
tínhamos era a de que nunca chegaríamos a uma delimitação, diante da riqueza da realidade
ali apresentada para nós. Assim, a cada dia surgiam novas inquietações. Éramos envoltas em
um turbilhão de pensamentos que, por muitas vezes, levou consigo nosso sono. Por isso
julgamos esse momento imprescindível para o aperfeiçoamento de nossos primeiros
questionamentos na perspectiva de delimitar melhor o nosso foco.
A partir desse instante, o uso do diário de campo tornou-se indispensável para o
registro das observações de campo, dos pensamentos e questionamentos que nasceram em
nosso contato empírico. Nele registramos como se deu a nossa chegada ao campo, as
inquietações, as dificuldades por nós enfrentadas, bem como as reflexões sobre o nosso tema.
Essas anotações foram extremamente necessárias para os resultados dessa pesquisa, pois nos
28
ajudaram a orientar e reorientar o trabalho de campo, A transcrição de alguns trechos do
nosso diário exemplifica melhor o que queremos dizer:
Hoje minha curiosidade atiçou-me e me trouxe a uma assembleia do OP a fim de
nos aproximarmos do nosso objeto. Fomos à assembleia decisiva da Secretária
Executiva Regional IV, no Conjunto Ceará. É surpreendente o campo de pesquisa,
basta chegar nele para as inquietações começarem. Hoje vimos pela primeira vez
uma assembleia no novo formato de deliberação do OP em Fortaleza, que a
Prefeitura tem chamado de participação direta, onde o povo vota as demandas a
serem contempladas no orçamento do ano que vem sem a intermediação dos
conselheiros. Bem cheguei ao local da reunião e me surpreendi com o número de
pessoas, o auditório apresentava um número considerável de pessoas. E as primeiras
questões que surgiram foram, como essas pessoas foram mobilizadas, o que as
motivou a estar nesse lugar numa noite de sexta-feira? A presença de lideranças
comunitárias é notável! E antes mesmo da assembleia começar eles aproveitam para
arregimentar seus eleitores, pois nessa assembleia também são eleitos os delegados
do OP,vi algumas articulações e em alguns diálogos escutei coisas do tipo: “ vocês
vieram com quem? Podem votar em mim para delegado? Ei, arranja votos para
mim!”. E aí começo a me questionar, por que essas pessoas querem ser eleitas?
Apesar de esse não ser o foco da minha pesquisa, pergunto-me qual o peso dessa
representação? Como se constrói essa representação? (Diário de Campo,18 de
novembro 2010);
De volta ao campo, hoje na assembleia decisiva da Secretaria Regional VI, uma das
mais esvaziadas que participei. A maior parte das pessoas presentes estava
participando pela primeira vez do OP. Como eles decidiriam quais as propostas que
comporiam o orçamento municipal se eles nem seque acompanharam o processo
anterior em que estas propostas foram gestadas? Logo percebi que para a Prefeitura
essa descontinuidade não afetava em nada o processo, pois na realidade os
participantes não escolhem nada, eles apenas escutam quais as propostas que serão
viáveis. Que participação direta é essa? Onde estão as discussões para se chegar a
um consenso? Nesse processo as pessoas tornaram-se apenas ouvintes. Sem falar
que o número de demandas consideradas viáveis é bem pequeno. Na assembleia
eletiva dessa área as pessoas que estiveram presentes propuseram 15 demandas,
destas a Prefeitura classificou como inviáveis 11; viáveis apenas 01 e apresentou
uma contraproposta para 02. E foi apenas em relação a essas duas que as pessoas
presentes na assembleia podiam votar, aceitando ou não a contraproposta da
Prefeitura. (Diário de campo, 09 de dezembro de 2010).
Na segunda etapa de nossa pesquisa de campo, ingressamos na Comunidade do
Marrocos. Nossa entrada aconteceu em parceria com a Professora Leila Passos, nossa
orientadora do trabalho de conclusão de curso da graduação, que também estava pesquisando
a Comunidade do Marrocos em sua tese de doutorado em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Ceará (UFC). Ela se articulou com a equipe do Movimento de Saúde Mental que
fez a ponte entre ela e a Comunidade. Então, uma das moradoras disponibilizou-se para ajudar
no que fosse necessário, bem como ofereceu sua casa para ser o ponto de apoio da pesquisa.
Logo em seguida, nós também fomos devidamente apresentadas, e começamos, a partir da
casa dessa moradora, a realizar nossa pesquisa. Inicialmente, pensamos em contar com ajuda
das lideranças comunitárias, que havíamos conhecido em nosso estágio, para facilitar nossa
29
entrada em campo, mas Leila, que entrou lá primeiro que nós, alertou-nos sobre o desgaste
das relações entre essas lideranças e a Comunidade6 e do quanto nosso trabalho poderia ser
prejudicado se prosseguíssemos com essa ideia. Foi aí que desistimos e também passamos a
contar com o apoio dessa moradora. Queremos, aqui, salientar que esse apoio foi essencial
para efetivação do trabalho de campo, pois precisávamos ser referenciadas por alguém da
Comunidade, alguém que não tivesse ligação com a liderança, de modo a não gerar nenhuma
resistência por parte dos moradores para participar da pesquisa.
Nos meses de maio a setembro de 2011, estivemos na Comunidade do Marrocos.
Realizávamos visitas semanais à Comunidade e, nesse período, observamos o envolvimento
da Comunidade nas atividades do OP e também acompanhamos de perto a participação deles
nas assembleias eletivas e decisivas que aconteceram nesse ano. Esse contato nos possibilitou
fazer o levantamento de quem seria nossos interlocutores.
Primeiramente, estabelecemos contato com algumas pessoas que sabíamos que já
tinham participado do OP para que elas nos indicassem os demais moradores. Basicamente,
trabalhamos com narrativas e falas dos moradores, por meio de conversas informais, e
procuramos compreender o que pensavam sobre o OP. Aqui também fizemos uso do diário de
campo e da observação direta, o que nos possilitou não só conhecer as relações existentes
neste espaço como os significados que os sujeitos sociais envolvidos na pesquisa atribuíam
aos atos que praticavam (PERETZ, 2000), e sempre buscando interpretar, nesse
microcontexto, o que estes vivenciavam e designavam por participação.
No sentido de apurarmos melhor estas percepções, realizamos entrevistas com
nossos interlocutores. Essa foi a terceira etapa de nosso trabalho de campo, e aconteceu entre
os meses de março a maio de 2012.
Utilizamos o roteiro semiestruturado de entrevistas que nos deu a possibilidade de
adaptarmos ou formularmos novas questões mediante as respostas obtidas, além de
6
Tema ao qual daremos maior atenção no capítulo 3.
30
acrescentar outros elementos que os/as entrevistados/as considerassem interessante e que não
estavam presentes em nossa indagação, ou que foram despertadas na fase da observação
Trabalhamos com dois roteiros específicos, um destinado aos moradores que de alguma forma
participam ou participaram do OP, e outro para aqueles que não participam.
Formado por três partes, os roteiros apresentavam duas seções em comum, a
primeira descrevia o perfil dos(as) entrevistados(as) e a segunda perfazia a história da
comunidade. A última seção, mais específica, tratava do OP e das relações dos(as)
moradores(as) com ele. Nessa parte específica, detalhamos o que queríamos apreender em
cada grupo: entre aqueles que participam ou participaram, procuramos saber como
conheceram o OP, o que os motivou a fazer parte e a continuar participando, qual o impacto
dessa participação em suas vidas, quais as suas percepções sobre este espaço e quais os
significados construídos por eles a partir dessa experiência. Já com as pessoas que não
participam do OP, nosso interesse era saber se eles conheciam esse espaço e o que sabiam
sobre ele. Desta forma, apresentaremos o modo como nossos interlocutores julgam e
materializam a experiência do OP em sua comunidade.
Atores e intermediações
A escolha dos atores de nossa pesquisa deu-se por meio do contato com eles em
nossa inserção de campo. Estivemos na comunidade, no período de sete meses,
acompanhando o seu cotidiano, as atividades referentes ao OP e a interação dos moradores
com elas. Nesse ínterim, pudemos identificar algumas características que nos fizeram
perceber como se estabelece a relação entre a comunidade e o OP. E conseguimos distinguir,
pelo menos, quatro grupos que representam essa relação. E foi a partir dessa percepção que
fizemos a escolha de quem seria nossos interlocutores.
Notamos que muitos dos moradores não querem participar ou se envolver nesse
processo, esse seria o primeiro grupo identificado, pessoas que não participam do OP;
encontramos também aqueles moradores que já participaram do OP e que não participam
mais, esses estariam no segundo grupo; Existem ainda aqueles que participam, mas que o
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fazem de forma inconstante, vão em uma atividade ou outra do OP; e além desses
encontramos os moradores que participam desde o começo, esses estão sempre dispostos a
participar, inclusive, muitos deles, compõem ou já fizeram parte das instâncias de
representação do OP como delegado ou conselheiro.
No início do trabalho de campo, tínhamos como objetivo entrevistar apenas os
moradores participantes do OP, mas sentimos a necessidade de ouvir também aqueles que não
participavam, a fim de compreender o porquê da não participação e também perceber a visão
que eles têm acerca deste espaço. Assim, construímos um recorte de quem seriam nossos
entrevistados com base nessa caracterização e entrevistamos dez pessoas. Conseguindo
alcançar, pelo menos, dois representantes de cada grupo.
Na intenção de preservar a identidade de nossos interlocutores, atribuímos-lhes
codinomes. Escolhemos os nomes dos personagens da novela O Clone, em consonância com
o modo como foi escolhido o nome da Comunidade. Desta forma, os sujeitos entrevistados
receberam a seguinte designação:
- Grupo 1: Khadija e Mustafá;
- Grupo 2: Nazira e Said;
- Grupo 3: Ali e Ranya;
- Grupo 4: Albieri, Jade, Mohamed e Zoraide.
Para registro dos dados obtidos em nosso trabalho empírico, fizemos uso, ainda,
de recursos fotográficos e da gravação de áudio tanto das assembleias e reuniões do OP em
que estivemos presentes como das entrevistas que realizamos. Por fim, a análise dos
conteúdos obtidos em todo processo de investigação foi realizada mediante sua ordenação e
categorização, bem como pela confrontação dos mesmos com as teorias nas quais apoiamos
nossas reflexões acerca do objeto estudado, no sentido de estabelecer, assim, um diálogo entre
teoria e empiria. De posse das precisas indicações que delinearam nosso percurso
metodológico, conheçamos, agora, especificamente, cada um de nossos interlocutores.
32
Perfil individualizado dos interlocutores da pesquisa
A seguir, apresentamos cada um dos sujeitos de nossa pesquisa. Nos perfis
descritos abaixo, encontram-se informações sobre as condições socioeconômicas e sobre a
atuação política dos nossos entrevistados.
• Khadija - 48 anos, solteira, mora com o filho e dois netos, não cursou o ensino
formal, mas sabe ler. Realiza trabalhos eventuais de onde tira o seu sustento.
Afirmou que sua renda não chega a um salário mínimo. Recebe o benefício do
Bolsa Família. Participou dos movimentos de invasão da Comunidade do Urubu e
do Marrocos. Está na Comunidade desde o começo.
• Mustafá – 67 anos, casado, mora com a esposa e uma filha, analfabeto,
aposentado. A renda familiar chega a dois salários mínimos. Não participa ou
participou de movimentos sociais. Está há nove anos na Comunidade, chegou dois
anos depois da ocupação.
• Nazira – 40 anos, união estável, mora com a companheira. Estudou até a 5ª
série do fundamental. Trabalhadora autônoma, possui um trailler no qual vende
lanches. Segundo nos informou, sua renda chega a dois salários mínimos. Não
participa ou participou de movimentos sociais. Chegou à comunidade um ano
depois da ocupação.
• Said – 42 anos, solteiro, mora sozinho. Possui o ensino médio completo. É
técnico em informática e é dono de uma lan house. Sua renda é de três salários
mínimos. Participou como vice-coordenador de uma ONG, que atuava no
combate às doenças sexualmente transmissíveis, durante quatro anos. Tentou
fundar uma Associação no Marrocos que fizesse oposição à Associação existente,
mas não obteve êxito. Está na comunidade há 10 anos.
• Ali – 41 anos, casado, mora com a esposa e seis filhos. Cursou até a 6ª série do
ensino fundamental. Possui várias profissões: serralheiro, soldador, bombeiro,
33
pintor, servente. Tem uma pequena metalúrgica em sua casa de onde tira o
sustento da família. Segundo ele, sua renda varia entre dois a três salários
mínimos e é complementado com o benefício do Bolsa Família. Chegou à
Comunidade um ano após a ocupação.
• Ranya – 40 anos, casada, mora com o esposo. Terminou o ensino fundamental.
Trabalha como diarista e tem bar em sua casa. Sua renda é de dois salários
mínimos. Já fez parte da Associação de Moradores do Marrocos. E faz parte do
Movimento Católico no Bairro, e do Movimento de Saúde Mental desenvolvido
pelo Padre Rino. Está no Marrocos desde o começo da ocupação.
• Albieri – 56 anos, casado, mora com esposa e dois filhos. Estudou só até a 4ª
série do ensino fundamental. Comerciante, sua renda é de três salários mínimos.
Faz parte do Conselho Local de Saúde, do Conselho de Segurança Pública, é
conselheiro do OP e filiado ao PT.
• Jade – 38 anos, casada, mora com o esposo e seis filhos. Possui o ensino
fundamental completo. Comerciante, a renda familiar chega a dois salários e
meio. É beneficiária do Bolsa Família. Fez parte do movimento estudantil na
época em que estudava e já foi filiada ao PDT, inclusive em 2006 se candidatou a
vereadora por essa sigla. Diz-se vice-presidente da Associação do Marrocos e
intitula-se representante da comunidade que invadiu o Conjunto Urucutuba,
apartamentos que estavam sendo construídos pela Prefeitura. Está no Marrocos
desde o começo e participou da ocupação.
• Mohamed – 42 anos, casado, mora com a esposa e uma filha. Estudou até a 7ª
série do ensino fundamental. Porteiro, renda familiar de dois salários mínimos.
Faz parte da diretoria da Associação do Marrocos. Filiado ao PT. Está no
Marrocos desde o começo.
• Zoraide - 64 anos, solteira, mora com duas filhas e netos. Estudou até a 6ª
série do ensino fundamental. É costureira e revende, na área da sua casa, as peças
que produz. Seu rendimento é um salário mínimo. Recebe ainda o benefício do
34
Programa Bolsa Família, com o qual complementa sua renda. É presidente do
Conselho Comunitário do bairro Santo Amaro e presidente da Associação do
Marrocos e é delegada do OP.
Devidamente apresentados nossos interlocutores, passemos agora à exposição da
estrutura da dissertação. Esse trabalho foi desenvolvido em três capítulos, os quais
descrevemos a seguir.
No primeiro capítulo, apresentamos o debate contemporâneo e os diversos
sentidos de disputas em torno da democracia; fizemos uma breve caracterização da
redemocratização brasileira, com vistas a evidenciar a emergência e trajetória da gestão
participativa em nosso país, com destaque para as primeiras experiências de OP, sobretudo a
experiência de Porto Alegre, que surgiu a partir do final dos anos 1980 na tentativa de
aprofundar a democratização da relação entre Estado e sociedade civil no Brasil. Percorremos
esse caminho para chegar ao surgimento do OP em Fortaleza na perspectiva de delinear o
contexto de sua emergência em nossa cidade.
No segundo capítulo, tratamos da configuração e funcionamento do OP em nosso
Município. Descrevemos e analisamos todo o processo de realização do OP, explicitando as
principais modificações em sua estrutura e os desafios enfrentados nesse espaço de modo a
consolidar uma gestão pública verdadeiramente participativa.
Finalmente, no terceiro capítulo, buscamos elaborar uma análise interpretativa da
participação e do OP por meio das percepções dos interlocutores de nossa pesquisa. Deste
modo, apresentamos como se estabelecem as relações da Comunidade com OP e como isso
tem influenciado a posição dos seus moradores em relação a este espaço. Por fim,
apresentamos um balanço dessa experiência a partir da visão dos moradores do Marrocos.
35
2. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO BRASIL E O ALCANCE
DA DEMOCRACIA NA CONTEMPORANEIDADE
2.1.Debate contemporâneo sobre Democracia: disputas por sentidos
Temos observado no debate contemporâneo o uso de diferentes adjetivos para
caracterizar a democracia. Representativa, minimalista, pluralista, liberal, deliberativa,
participativa, são alguns elucidativos dessa qualificação que parece infinita.
Este processo de adjetivação da democracia, conforme declara Ferraz (2009),
constitui-se em debate político e teórico no qual se forma a disputa por sentidos para a
democracia, que tem sua centralidade no confronto entre os modelos de democracia
representativa e democracia participativa. Neste sentido, os adjetivos agregados à democracia
são derivados desse confronto e demonstram o esforço de se distanciarem das concepções que
restringem a democracia a um conjunto de regras para a tomada de decisões políticas, e de
pensá-la para além de um conjunto de procedimentos, como um processo que cria valores e
institui-se como modo de vida que orienta as mais diversas relações humanas. É importante
aprofundarmos a discussão sobre estes dois modelos, apresentando o contexto em que a
disputa entre eles se engendra e se acirra, assim como as diferenças mais radicais entre um e
outro.
De acordo com as elaborações de Santos e Avritzer (2009), é a partir do período
pós-guerra que se intensifica o debate sobre a questão democrática, no qual assistimos à
formação e consolidação de diversas concepções sobre a democracia.
As formulações sobre democracia elaboradas por Schumpeter, em 1942, ainda
durante o período entre guerras e no imediato pós-guerra, deram materialidade ao modelo
elitista de democracia. Tendo como pano de fundo a discussão teórica e os dilemas práticos
que envolviam a relação entre forma e conteúdo da democracia, o questionamento da
36
possibilidade de formação da soberania popular nas sociedades modernas/complexas é
proposto por Schumpeter como um modelo de democracia que restringe as formas de
participação e soberania em favor de um consenso em torno de um procedimento eleitoral
para a formação de governos. Para ele, o conceito de democracia seria útil somente se a ideia
da busca de bem comum fosse separada de suas finalidades e a democracia fosse
transformada em um processo de escolha dos corpos governantes (AVRITZER, 2009).
Segundo Pateman (1992), a teoria de Schumpeter influenciou as obras mais atuais
sobre a teoria democrática, consolidando-se como concepção hegemônica da democracia no
período denominado de segunda onda de democratização, que vai de 1943-1962.
Partindo da análise de quatro teóricos contemporâneos da democracia – Berelson,
Dahl, Sartori e Ecktein – Pateman apresenta, em linhas gerais, os principais postulados desta
teoria da democracia. O elemento democrático característico deste método
é a competição entre os líderes pelos votos do povo, em eleições periódicas e livres.
As eleições são cruciais para o método democrático, pois é principalmente através
delas que a maioria pode exercer controle sobre os líderes (...) as decisões dos
líderes também podem sofrer influências de grupos ativos, que pressionam nos
períodos entre eleições (PATEMAN, 1992, p. 25).
Neste modelo, a participação é limitada somente à escolha daqueles que tomam as
decisões, uma vez que a população, capaz apenas de compreender e de se interessar por
assuntos dos quais tem experiência pessoal, não tem competência para debater e decidir sobre
questões públicas. O que revela a existência de uma contradição ineliminável entre a
governabilidade democrática e a participação política (PATEMAN, 1992; FERRAZ, 2009;
DURIGUETTO, 2007).
Para estes teóricos e para aqueles que compartilham de suas concepções, a
ampliação da participação traria perigos para a estabilidade do regime. Nesse sentido, a apatia
política não se configuraria como um problema, pois, de certa forma, ela se fazia necessária,
uma vez que ao cidadão não caberia tomar parte nos processos decisórios (SILVA, 2003).
37
Assim, a democracia firma-se como um método político ou como uma série de arranjos
institucionais para tomada de decisões políticas e administrativas.
À medida que restringe a democracia a um regime político “eficaz”, baseado
na apatia política e nas soluções meramente técnicas para as problemáticas sociais, a
concepção elitista fornece terreno bastante fértil para expansão e consolidação da ordem
econômica e social capitalista e das medidas neoliberais7 que despontavam nesse
contexto. Todavia, Santos e Avritzer (2009) chamam-nos atenção para o surgimento
também, no pós-guerra, de um conjunto de concepções alternativas de democracia, por
eles denominadas de contra-hegemônicas, que irão entendê-la para além de uma prática
restrita de legitimação de governos.
As transformações vivenciadas no decorrer da segunda metade do século XX,
a saber: a crescente ampliação da adoção da democracia como regime político liberal no
mundo e a diminuição da sua profundidade e qualidade; a perda da capacidade popular
de influenciar as decisões de governo (apesar das formalidades democráticas); a
transnacionalização da economia, a redução da capacidade das instituições democráticas
de regular as atividades econômicas; a hegemonia do pensamento socioeconômico
neoliberal; as modificações profundas nos processos de produção (informatização,
robotização, flexibilização), nas relações de trabalho; o aprofundamento das
desigualdades
econômicas
e
sociais;
a
“terceira
onda
de
democratização”
(HUNTINGTON apud FEDOZZI, 2008. p.10), que se consolida “a partir da independência
dos países africanos, da redemocratização da América Latina, de países europeus (Portugal e
Espanha em particular) e do fim das experiências socialistas na Europa Oriental” (FERRAZ
2009. p. 119); a emergência dos movimentos sociais, associações civis, organizações não-
7
O neoliberalismo, segundo Anderson (1995), surgiu na década de 1940 como reações teórica e política ao
Estado de Bem-Estar Social (Welfare State); teve como texto de origem O Caminho da Servidão, de Friedrich
Hayek, o qual atacava o modelo de desenvolvimento centrado na intervenção estatal. Contudo, somente a partir
dos anos 1970, devido à profunda recessão e estagnação da economia capitalista, que as ideias neoliberais são
retomadas para assumir proporções prática e universal em defesa da soberania do mercado. As medidas
adotadas, a partir deste período, pelos governos europeu e norte-americano, dos quais a Inglaterra de Thatcher e
os Estados Unidos de Reagan são expoentes, vão expressar evidente consonância com o ideário neoliberal:
redução do Estado, no que diz respeito aos gastos sociais e às intervenções econômicas; abertura da economia
para os investimentos externos; estabilidade monetária, através das reformas fiscais, de modo a produzir
reduções dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas e incentivar os agentes econômicos.
38
governamentais em torno dessas variadas questões e o crescimento da importância de seu
papel na articulação dos indivíduos e grupos, na tematização de seus problemas e na
organização de suas reivindicações, influenciaram o processo de ressignificação da
democracia. Conforme nos assevera Ferraz, a manifestação
desses novos atores sociais coletivos, com uma configuração bastante diferente da
configuração de partidos políticos, colocou em xeque o processamento de conflitos,
a discussão de temas públicos e a tomada de decisões nas instâncias representativas,
denunciando sua incapacidade para representar eficazmente a pluralidade e
diversidade de identidade e demandas emergentes, exigindo uma interlocução direta
com o Estado, a construção de novas mediações e canais de diálogo (idem).
Assim, a concepção participativa da democracia ou a democracia participativa
opõe-se à perspectiva elitista ao reconhecer a pluralidade dos membros que compõem a
sociedade e ao sustentar a necessidade de uma participação mais efetiva destes sujeitos sociais
nas diferentes instâncias políticas de discussão dos assuntos públicos, imprimindo
modificações das regras e procedimentos institucionais que podem gerar uma nova dinâmica
democrática no sistema político. Esta dinâmica democrática estaria centrada na influência que
os sujeitos coletivos presentes na sociedade civil pudessem exercer, em termos de demandas e
controle, sobre o aparato estatal (DURIGUETTO, 2007).
Neste modelo, a participação refere-se ao envolvimento dos cidadãos na tomada
de decisões, e a igualdade política diz respeito à igualdade de poder na determinação das
consequências das decisões, definição bastante diferente daquela fornecida pela teoria elitista
(PATEMAN, 1997). A prática da participação é visualizada como um elemento fundamental
para o desenvolvimento dos sujeitos à medida que é capaz de lhes despertar interesse e
compromisso com as questões coletivas e públicas. Para tanto, faz-se necessária a
construção de canais para que a participação possa efetivar-se por vias diferentes dos
mecanismos políticos tradicionais (partidos e parlamentos).
Deste modo, a ampliação dos participantes no debate e nas decisões que dizem
respeito à vida coletiva e a criação de formas para a inclusão da pluralidade desses atores no
debate democrático têm se constituído o permanente desafio daqueles que defendem a
39
democracia participativa. As experiências examinadas nos últimos anos, no Brasil e no
mundo, registram a articulação e complementaridade entre democracia representativa e
democracia participativa, nas quais há manutenção das instâncias representativas tradicionais
e a criação de arranjos participativos envolvendo Estado e Sociedade civil (SANTOS, 2009).
No Brasil, destacam-se como espaços desse tipo: os conselhos de direito de gestão
de políticas sociais; as conferências; fundos públicos de financiamento para as políticas
sociais específicas, nos três níveis de governo; e o Orçamento Participativo(OP), nosso objeto
de análise neste estudo. Porém, antes de percorrermos as trilhas da experiência inaugural do
OP, no Brasil, apresentamos a seguir, o contexto sócio-histórico e político-cultural de
redemocratização brasileira no qual emergem estas experiências de gestão participativa.
2.2.Redemocratização brasileira: emergência e trajetória da gestão participativa
A observação de nossa história social e política nos mostra que a criação de
espaços para a participação da sociedade na gestão das políticas públicas é algo recente.
Resultado da efervescência política iniciada ainda nos anos 1970, na luta contra o Estado
ditatorial, estendendo-se até os anos 1980 com a atuação da sociedade civil na luta pela
redemocratização. Neste período, destacamos a emergência dos chamados novos movimentos
sociais que colocaram em pauta suas reivindicações específicas provocando a redefinição dos
direitos. Tais reivindicações trouxeram para a conjuntura brasileira a discussão e o nascimento
de novas demandas sociais, fazendo emergir mudanças significativas nos processos decisórios
das políticas sociais, com a abertura de novos canais de interlocução e de atuação da
sociedade civil. O ápice deste processo foi a publicação da Constituição Federal de 1988, que
incorporou vários elementos colocados em pauta por estes segmentos organizados, de modo a
efetivar a construção do que se convencionou chamar de gestão participativa, a saber:
Um conjunto de processos de tomada de decisão que viabilizam ou permitem a
participação direta de representantes da sociedade civil, envolvendo a organização e
o manejo de recursos organizativos, financeiros, humanos e técnicos, sendo
materializada em um conjunto de mecanismos ou canais institucionalizados de
participação: conselhos de gestão de políticas, comissões e comitês, conferências,
peorçamentos participativos, entre outros (SILVA, 2001, p.17).
40
O surgimento de práticas participativas de gestão local possibilitava romper, em
nível legal, com a centralização das decisões e recursos no nível federal, definindo a atuação
articulada entre os níveis federais, estaduais e municipais, conferindo-lhes mais autonomia.
Nesse aspecto, o poder local adquiriu relevância enquanto espaço político, “no qual se
expressam a representação, a aliança e a disputa de interesses na formulação e execução de
políticas públicas” (idem).
É importante ressaltar, porém, que, em nosso país, a construção de uma gestão
pública, participativa, efetivamente democrática tem se deparado com obstáculos de dupla
procedência: uma decorrente da estrutura autoritária de nossa sociedade (CHAUÍ, 2004); e
outra proveniente dos processos de reforma do Estado, que buscam uma nova racionalidade
na administração pública, onde a desregulamentação e o equilíbrio fiscal passam a ser
condição para a eficiência e eficácia das políticas. Essas ideias são materializadas em
programas de governo implementados nos níveis municipal, estadual e federal, no final dos
anos 1980, e mais precisamente nos anos 1990, iniciando no governo Collor e aprofundandose no governo de Fernando Henrique Cardoso (TATAGIBA, 2003).
A primeira evidencia-se na reprodução de velhas práticas e tendências de nossa
cultura política8 nas novas relações entre Estado e sociedade civil inauguradas na construção
do regime democrático brasileiro (NEVES, 2008). Nesse sentido, conforme nos alerta
Raichelis e Wanderley (2004, p. 19):
A gestão pública estratégica é afetada por processos históricos e estruturais, tais
como: a modernização conservadora, a recorrência de surtos autoritários, o
clientelismo, a corrupção institucionalizada, um Estado precocemente atrofiado e
multifacetado cujas ligações com os interesses societais foram permeadas
basicamente por duas orientações: uma racional – legal e outra patrimonialista.
8
Para definição do termo cultura política, tomamos como base as elaborações de Alvarez, Dagnino e Escobar
(2000, p.17) que a apreendem como “concepção de mundo, como conjunto de significados que integram práticas
sociais, [que] não pode ser entendida adequadamente sem a consideração das relações de poder embutidas nessas
práticas”. E ainda, as afirmações de Gohn (2008, p.34) que a concebem como “um conjunto de valores, crenças,
atitudes, comportamento sobre a política, entendida como algo além daquela que se desenrola nos parlamentos,
no governo, ou no ato de votar. Política, relativa à arte de argumentação e do debate dos temas e problemas
públicos. A cultura política envolve também símbolos, signos, mitos e ícones que expressam, catalisam os
sentimentos, as crenças compartilhadas, sobre a ação dos indivíduos, agindo em grupos, em função da política”.
41
Embora os ideais de democracia direta, participação popular e autonomia local
constituíssem a pauta principal da agenda política brasileira, a reprodução “das marcas do
passado (MARTINS,1994) aprofundavam a tutela e a manipulação por parte do poder
executivo sobre os mecanismos de participação. Conforme sugere Avritzer (2002), as
inovações políticas trazidas pela redemocratização misturavam-se aos resquícios do
autoritarismo, clientelismo e patrimonialismo presentes na vida social brasileira. Assim,
mesmo com a mudança do regime político, nossa tradição política, encontrava espaço para
sua perpetuação. No trecho abaixo, Martins (1994,p.20) nos explica melhor esta reincidência:
A dominação política patrimonial, no Brasil, desde a proclamação da República,
pelo menos, depende de um revestimento moderno que lhe dá uma fachada
burocrático-racional-legal. Isto é, a dominação patrimonial não se constitui, na
tradição política brasileira, em forma antagônica de poder político em relação à
dominação racional-legal. Ao contrário, nutre-se dela e a contamina.
Deste modo, podemos afirmar que nossa “histórica trajetória de autoritarismos”
(FEDOZI, 2008) tem se constituído como um grande óbice à consolidação de uma esfera
pública9 democrática.
O segundo fator importante a considerar, para compreendermos os desafios a
serem enfrentados no movimento de estruturação e consolidação da gestão participativa no
Brasil, consiste em perceber que o processo de democratização no Brasil instaura-se em um
contexto internacional de retrocessos, de ajuste estrutural.
A submissão de nosso país a esse ideário de ajustes também estimulou os traços
autoritários, clientelistas/personalistas e patrimonialistas que perpassam nossa formação
sócio-histórica. Traços político-culturais que se expressam mediante a sujeição da atividade
política à gestão dos interesses particulares, da privatização dos direitos, em que o cidadão
deixa de compartilhar direitos iguais e universais, e passa a acessá-los por meio do mérito e da
disponibilidade financeira via consumo (SANCHEZ, 2002). Freire (2001), fazendo coro com
9
Esfera pública aqui entendida como espaço de representação, interlocução e negociação dos diferentes
interesses sociais, um lugar central de justificação das decisões políticas previamente acertadas,conforme nos
afirma Costa (2002, p.12), “a esfera pública diz respeito mais propriamente a um contexto de relações difuso no
qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos em diferentes campos da vida social”.
42
Sanchez, afirma que o ideário neoliberal encontra na cultura política brasileira pressupostos
favoráveis para sua reprodução. Nas palavras da autora:
É importante destacar que o Brasil é uma sociedade marcada por formas políticas de
apropriação da esfera pública em função dos interesses particularistas de grupos
poderosos. [...] as classes dominantes do país se acostumaram a fazer do Estado
brasileiro seu instrumento econômico, privado por excelência. Desse modo, o
discurso neoliberal tem assombrosa recepção ao atribuir o título de modernidade ao
que existe de mais conservador e atrasado na sociedade brasileira: fazer do interesse
privado a medida de todas as coisas, obstruindo a esfera pública, anulando a
dimensão ética da vida social pela recusa das responsabilidades e obrigações do
Estado (FREIRE, idem, p.169).
Conforme afirma Dagnino (2004a), o projeto do ajuste também se apropria e
desloca os significados dos elementos centrais do projeto democratizante – sociedade civil,
participação e cidadania – de modo a torná-los funcionais a implementação de seus objetivos,
produzindo o que autora denominou de “confluência perversa”. Perversa, no entender da
autora, porque homogeneíza estes vocabulários e dissolve as diferenças de sentidos em
disputa, uma vez que, aparentemente, os dois projetos falam da mesma coisa ao requererem
uma sociedade civil propositiva e atuante.
A redefinição da noção de sociedade civil talvez seja a que mais tenha se
destacado no âmbito da hegemonia desse projeto, conforme assegura Dagnino (idem, p. 100),
o crescimento acelerado e o novo papel desempenhado pelas Organizações NãoGovernamentais; a emergência do chamado Terceiro Setor e das Fundações
Empresariais, com forte ênfase numa filantropia redefinida; e a marginalização dos
movimentos sociais, evidenciam esse movimento de redefinição.
Observamos, assim, que a noção da sociedade civil é reduzida a simples atuação
das organizações sociais, a exemplo, das associações filantrópicas, organizações comunitárias
e Organizações Não Governamentais (ONGs), ações voluntárias, filantropia empresarial, que
produzem bens e serviços, constituindo assim um setor não governamental, chamado de
“terceiro setor”, que juntamente com o Estado e o mercado inauguram novas formas de
regulação social (SILVA, 2003; CARVALHO, 2005). Essa redução é funcional ao
enfraquecimento e diminuição das responsabilidades sociais do Estado, uma vez que
43
prescreve a transferência e atribuição de bens e serviços de natureza pública para as
organizações da sociedade civil (DURIGUETTO, 2005; SIMIONATTO, 2001).
No discurso do ajuste, a concepção de participação vincula-se a esta
reconfiguração da sociedade civil e traduz-se “na relação de corresponsabilidade e de divisão
de tarefas com o Estado para a resolução das crises econômica e social” (SILVA, 2003,
p.110). Nesse contexto, a participação assume papel estratégico, deste modo,
a participação e o compromisso dos atores locais colocam-se como fundamental, não
só tendo em vista a cooperação, no sentido da mobilização de recursos (humanos,
econômicos) e o direcionamento das ações dos agentes públicos e privados, como
também para evitar conflitos, ou seja, legitimar o plano e as ações daí decorrentes
perante o conjunto da sociedade (TATAGIBA, 2003, p. 21).
Em outro trabalho, a autora nos mostra como a participação reduz-se a um
instrumento indispensável à reorganização dos processos de gestão, visando ao aumento da
eficiência e da eficácia das políticas implementadas, principalmente na área social, em suas
palavras,
como ‘ferramenta de gestão’ a participação sintoniza a administração pública com o
tempo novo, incerto e dinâmico de uma sociedade globalizada e profundamente
complexa que exige a superação das formas convencionais, burocráticas e
hierárquicas de gestão (...) Nesse diapasão, o tom fortemente contestador que
compunha a retórica participacionista se dissolve no discurso técnico e supostamente
neutro da moderna gerência, num evidente deslocamento do tema do conflito em
favor da temática da eficiência e eficácia das políticas (TATAGIBA, 2009,
p.149,150).
Tal compreensão difere-se totalmente da participação proposta pelo movimento da
redemocratização, que se articulava em torno de projetos coletivos, de interesses universais, e
que apontava na direção da viabilização da dimensão pública das políticas sociais, do controle
social na sua gestão, na afirmação e reconhecimento de direitos, de implementação da
cidadania ativa para a construção de novos tipos de relações sociais (SIMIONATTO, 2001;
DAGNINO, 2004a).
Na ressignificação da cidadania, observamos a reconstituição da cidadania civil,
originária da época moderna do Estado de Direito Liberal, legitimada pela priorização dos
interesses privados em detrimento da cidadania social, em que os sujeitos coletivos em busca
44
de direitos exigem a construção de espaços públicos nos quais suas lutas político-culturais,
reivindicações, interesses e necessidades possam ser reconhecidos. Em consequência disto,
defrontamo-nos com os riscos de esvaziamento, redução e anulação da política, expressa na
fragilização dos espaços públicos democráticos, na exacerbação dos interesses individuais e
particularistas, e na desmobilização da sociedade em torno das lutas coletivas (BEZERRA,
2007).
Delineia-se, portanto, nesse percurso, o embate entre dois projetos políticos
antagônicos que dão tons diferenciados à gestão democrática no Brasil. De um lado, como
vimos, temos o “projeto participativo democratizante” (DAGNINO, 2004a, p.05), fruto das
lutas populares pela democratização nos anos oitenta, que pressupõe a participação como o
direito de tomar parte na definição da própria sociedade, de modo a modificar a correlação de
poder e, em última instância, apontar para a invenção de uma nova sociedade. De outro, o
projeto neoliberal, que recorre ao princípio da participação apenas como recurso da
democracia, em moldes gerenciais10, de modo a cumprir formalidades para acesso e
otimização de recursos.
Foi neste contexto repleto de dificuldades e tensões que se introduziram, no
cenário político brasileiro, os arranjos participativos. Segundo nos previne Dagnino (2004a),
faz-se necessária, ao analisarmos esses espaços, a percepção da disputa política entre projetos
políticos11, concepções de democracia e participação que condicionam o contexto de sua
criação e de seu funcionamento.
Um balanço da literatura que analisa as experiências participativas nas políticas
públicas, especialmente as experiências de Orçamento Participativo e Conselhos gestores de
10
O projeto gerencial de democracia que “está voltada a um vínculo mais estreito com os interesses particulares,
com a resolução de problemas e com o atendimento a demandas específicas, oferece grandes obstáculos à
efetividade e auto-sustentação dos instrumentos de democracia participativa (...) evidencia uma participação
descolada de uma dimensão política, interativa e negocial (CARLOS, 2009, p. 225).
11
Enunciado por Dagnino (2004a, p.98), a partir da compreensão gramsciana de visão de mundo, como um
conjunto de valores, crenças, interesses acerca do que é e do que deve ser a sociedade e do que orienta a ação
política dos diferentes sujeitos sociais. Ou seja, os projetos políticos não se reduzem a estratégias de atuação
política no sentido estrito, mas expressam, veiculam e produzem significados que integram matrizes culturais
mais amplas.
45
políticas públicas (ALBUQUERQUE, 2004;; AVRITZER, 2002; CARLOS 2009; GENRO &
SOUZA, 1997; SÁNCHEZ, 2002; SANTOS, 2009; SILVA, 2001; SILVA, 2003;
TATAGIBA, 2009), indica-nos que, ao mesmo tempo em que podem proporcionar um espaço
de maior interlocução, transparência e controle social no qual o cidadão passa a ser
protagonista ativo no processo da gestão pública, esses espaços podem também fazer parte de
uma estratégia de despolitização do debate público e de fortalecimento da apatia política. Ou
seja, a criação desses arranjos participativos podem tanto potencializar uma participação de
novo tipo, plural, aberta, fundamentada no debate, quanto bloquear essa possibilidade
(FERRAZ, 2009).
Levando em consideração a trama dessa tessitura contraditória, apresentaremos a
emergência do Orçamento Participativo no Brasil, tomando como referência a experiência de
Porto Alegre, criada em 1989, uma vez que se tornou inspiração para a implantação deste
espaço e de outras várias formas de participação nos âmbitos nacional e internacional12. Bem
como, a sua implantação no município de Fortaleza 16 anos depois da construção dessa
experiência em nosso País.
2.3.O Orçamento Participativo: caminhos da democratização da relação Estado e
sociedade civil no Brasil?
Conforme já explicitamos, os OP’s surgiram, no Brasil, no período de
redemocratização do País. Momento em que atores das classes subalternas, diante de um
contexto de modernização excludente, entram em cena na tentativa de modificar a relação
Estado e sociedade civil no Brasil. E ainda, momento em que os partidos considerados de
esquerda têm a oportunidade de galgarem níveis de poder, fato inédito em nossa história
política (FEDOZI, 2008). Foi exatamente nas cidades em que estes partidos, sobretudo o
Partido dos Trabalhadores (PT), passaram a governar que a implantação e ampliação dessas
inovações foram viabilizadas.
12
Segundo Avritzer (2003), o OP está presente em 103 municípios brasileiros e também em três países
(Uruguai, Espanha e França). Conforme afirmação do autor, essas experiências de participação reivindicam a sua
similaridade com a chamada experiência de Porto Alegre.
46
As experiências pioneiras foram criadas nas cidades de Porto Alegre e Vitória, em
1989, e Belo Horizonte, em 1993. Todas elas executadas por gestões do PT. Todavia, o OP de
Porto Alegre destacou-se nacional e internacionalmente como prática emblemática de
democracia participativa em contextos complexos. Esta experiência tem sido alvo de uma
vasta produção teórica e devidamente reconhecida como uma experiência bem-sucedida e
inspiradora para a implantação deste espaço em outros municípios do País (AVRITZER,2003;
FEDOZI, 2008), como foi o caso de Fortaleza-Ce. Por isso, tomamos como referência para
evidenciar a inauguração, no País, da participação dos cidadãos nas discussões de elaboração
do orçamento público.
Dois fatores, conforme observa Avritzer (idem), nos auxiliam a compreender o
contexto propício ao surgimento do Orçamento Participativo em Porto Alegre. O primeiro
fator relaciona-se à prévia disputa eleitoral entre partidos ligados à esquerda no Município. A
presença de governos destes partidos em Porto Alegre é um fato incontestável. No período
que vai de 1947 a 1963, o PTB (Partido dos Trabalhadores Brasileiros) foi o partido mais
votado na Câmara Municipal de Porto Alegre.
Na redemocratização, observa-se no Município a formação de uma forte oposição
de centro-esquerda protagonizada, principalmente pelo Partido Democrático Trabalhista
(PDT) e Partido dos Trabalhadores (PT). Ambos tinham em suas propostas o incentivo a
políticas participativas. Na primeira eleição municipal, o PDT sai vitorioso e dá os primeiros
passos rumo à participação da população na gestão do Município e institui os “conselhos
populares” que seriam responsáveis pela fiscalização do governo. Segundo a análise de Santos
(2009), tal experiência não foi exitosa devido à ligação direta dos conselhos criados com o
próprio PDT
13
. Todavia, é inegável a influência destes pequenos passos na criação de um
terreno propício às práticas participativas na cidade.
13
Conforme nos adverte Santos (2009), o novo prefeito eleito pelo PDT decretou o estabelecimento de conselhos
populares na cidade, mas, em termos reais, continuou a exercer o poder municipal à velha maneira paternalista e
clientelista, frustrando as expectativas democráticas e descumprindo a maior parte das propostas eleitorais.
47
Em 1988, PDT e PT disputam novamente a prefeitura. Ambos defendiam a
“participação” como proposta para o governo municipal, caracterizando a disputa pelo debate
em torno de políticas participativas. Avritzer (2003) nos chama atenção para este fato,
verificável apenas em Porto Alegre. Em outras cidades brasileiras, a exemplo de São Paulo e
Belo Horizonte, a disputa política-eleitoral ocorreu em torno de propostas a favor e contra a
participação.
Um segundo fator seria a presença de elementos associativos mais fortes no
Município do que no resto do País. Na década de 1960, Porto Alegre já apresentava uma
tradição de associativismo mais reivindicativo, com objetivos humanistas e antipaternalistas
expostos na Liga Interbairros Reinvidicatória e Assessorada (AVRITZER,2003).
Ainda segundo afirma Avritzer (idem), esses objetivos, na década de 1980,
evoluem e dão origem à reivindicação da União de Associações dos Moradores de Porto
Alegre (UAMPA), de intervenção direta da população no orçamento municipal, em resposta à
proposta de conselhos populares do governo Alceu Colares (PDT), o primeiro prefeito eleito
democraticamente depois do período autoritário. A UAMPA elaborou um documento que
expressava a forma de participação almejada pelo movimento comunitário. Apresentou,
assim, o embrião do Orçamento Participativo considerado, primeiramente, como produto da
prática política dos movimentos sociais. De acordo com documentos da UAMPA:
O mais importante na Prefeitura é a arrecadação e a definição de para onde vai o
dinheiro público. É a partir daí que vamos ter ou não verbas para o atendimento das
reivindicações das vilas e bairros populares. Por isso, queremos intervir diretamente
na definição do orçamento municipal e queremos controlar a sua aplicação
(UAMPA apud Avritzer, 2002, p. 574).
Santos (2009) e Lüchmann (2002) também enfatizam o padrão associativo de
Porto Alegre e exaltam a atuação da sociedade civil, adjetivando-a de forte e organizada, que
resistiu ferozmente à ditadura militar. Essa sociedade centrou suas atividades no
fortalecimento dos sindicatos e de movimentos comunitários que possuíam tanto uma luta de
natureza mais geral como se ocupavam de reivindicações específicas, a exemplo da luta pela
habitação, pela pavimentação de ruas, dentre outras. De tal modo que, no início dos anos
48
1980, existia na cidade “um movimento popular poderoso e diversificado que se envolveu
profundamente na administração local” (SANTOS, idem, p. 464). Assim, destacamos a
tradição associativa desta cidade indispensável à intervenção da população nas decisões
acerca do Orçamento Participativo.
Em 1988, como desfecho da disputa político-eleitoral, o Partido dos
Trabalhadores (PT) vence as eleições com Olívio Dutra. Em seu programa de governo, o PT
propunha democratizar as decisões a partir de Conselhos Operários14. Na análise de Genro e
Souza (1997, p. 23): “A ideia era transferir gradativamente o poder à classe trabalhadora
organizada, de maneira que a representação política tradicional proveniente das urnas fosse
substituída pela democracia direta”.
Nesse sentido, observamos que o Partido dos Trabalhadores não tinha
originalmente uma proposta de Orçamento Participativo, e sim uma proposta genérica de
participação da população na gestão da cidade. Foi, portanto, por meio do diálogo
estabelecido com a população e fundamentado na preocupação das associações comunitárias
com o controle do orçamento público e sua definição local que o OP surge. E foi somente em
seu segundo ano de mandato que o governo de Olívio Dutra institucionaliza o Orçamento
Participativo em Porto Alegre (AVRITZER, 2002).
Em Porto Alegre, o OP caracteriza-se pela participação direta da população em
diferentes fases de preparação e de deliberação orçamentária, de forma a apresentar os
seguintes princípios para a sua realização: participação de todos os cidadãos; combinação de
regras de democracia direta e democracia representativa, realizada por meio das instituições
que estabelecem uma mediação e interação permanente entre as organizações comunitárias e
as unidades administrativas do Executivo; descentralização dos processos decisórios;
utilização de método objetivo de definição das prioridades e alocação dos recursos públicos
(SANTOS, 2009).
14
“No seu programa, o PT defendia a ideia de conselhos operários, inspirados na concepção marxista, que
gerariam conselhos da cidade, que, por sua vez, constituiriam uma forma paralela de administração”
(AVRITZER, 2002, p. 574).
49
O ciclo do OP articula-se em torno de dois eixos: as discussões regionais15 e as
plenárias temáticas16. O processo participativo nas discussões sobre a distribuição dos
recursos públicos, tanto em nível regional como em relação à temática, realiza-se, por sua vez,
em duas etapas: na primeira etapa, a participação dos interessados é direta, por meio de
reuniões preparatórias das assembleias plenárias regionais, das assembleias plenárias
temáticas; e na segunda etapa, a participação ocorre por meio da constituição do Fórum
Regional do Orçamento, do Fórum Temático do Orçamento e do Conselho do Orçamento
Participativo (COP). Nas assembleias são apresentados, respectivamente, o relatório de
execução do plano de investimento aprovado para o orçamento em vigor e as propostas
priorizadas pela população para compor o orçamento do próximo ano. Os Fóruns Regional e
Temático - compostos pelos representantes da população eleitos nas assembleias regionais e
nas plenárias temáticas - têm por função o controle social, o monitoramento da
implementação das deliberações e a promoção de um maior envolvimento da comunidade nas
atividades do OP. O Conselho do Orçamento Participativo, principal instituição participativa
do OP, discute e estabelece, junto ao poder público, os critérios gerais para distribuição dos
recursos, representando e defendendo as prioridades das regiões e dos temas escolhidos pelos
cidadãos (SANTOS, idem).
Apesar da consolidação exitosa do OP em Porto Alegre, não se pode fechar os
olhos para as várias dificuldades e tensões que permeiam esse processo. Conforme nos
assevera Navarro (2003), a apreensão desses limites é algo recente, pois o primeiro ciclo de
ascensão do OP gerou um conjunto de estudos e pesquisas idealizantes, relativamente
otimistas, porém quase sempre incapazes de revelar as contradições e impasses presentes no
seu desenvolvimento. Somente nos últimos anos, afirma o autor, as análises sobre este espaço
começaram a indicar alguns dos impasses do OP e revelar limites obscurecidos nos estudos
anteriores.
15
Nas discussões regionais, os moradores dos bairros de cada uma dessas regiões reúnem-se para definir e
escalonar as exigências e prioridades regionais, eleger os delegados e os conselheiros e avaliar o desempenho do
executivo (AVRITER, idem; SANTOS, 2009).
16
As plenárias Temáticas: “dizem respeito a cinco áreas - saúde e assistência social, transporte e circulação,
organização e desenvolvimento da cidade, cultura e lazer e desenvolvimento econômico. O critério de
participação é o interesse pelo tema” (AVRITZER, idem, p. 578).
50
A análise da literatura que examina as experiências de Porto Alegre (AVRITZER,
2002; ALBUQUERQUE, 2004; FEDOZI, 2008; GENRO E SOUZA, 1997; SÁNCHEZ,
2002; SANTOS, 1999; SILVA, 2004) nos mostra o tom celebrativo de grande parte desses
estudos, que percebem no OP a formação e consolidação da cidadania. Nessa ótica, este
espaço de participação possibilitaria um maior protagonismo do cidadão na gestão dos
recursos de investimento da cidade, bem como uma maior transparência e controle social do
orçamento público, até então intocável, devido à dificuldade da população para entendê-lo e
também pela má vontade política dos governantes em torná-lo compreensível para os
cidadãos. Genro e Souza (idem,.p. 46) elucidam veementemente essa compreensão ao
afirmarem:
A principal riqueza do Orçamento Participativo é a democratização da relação
Estado com a sociedade. Esta experiência rompe com a visão tradicional da política,
em que o cidadão encerra a sua participação política no ato de votar, e os
governantes eleitos podem fazer o que bem entenderem, por meio de políticas
populistas ou clientelistas. O cidadão deixa de ser um simples coadjuvante da
política para ser protagonista ativo da gestão pública.
Avritzer (2002) conclui que, em Porto Alegre, o conhecimento da população
acerca do processo administrativo da cidade foi ampliado ao longo do tempo de participação.
Assim, o OP possibilitou a geração de grupos de participantes ativos que adquiriram um
conhecimento sobre as questões técnicas, de maneira a superar algumas desvantagens dos
modelos administrativos elitistas, nos quais os órgãos técnicos tinham as prerrogativas
absolutas nesse processo.
Em consonância com esta assertiva, Albuquerque (2004) afirma que as práticas do
Orçamento Participativo têm um grande potencial modernizador e democratizador da gestão
pública de forma a contribuir para o desenvolvimento de uma compreensão mais geral dos
problemas da cidade por parte da população que, ao participar das plenárias do OP, se depara
com demandas das diversas regiões do município. Segundo a autora, ao propiciar o
conhecimento e a disputa entre estas demandas, o Orçamento Participativo também contribui
para a criação de espaços de lutas coletivas em que são construídos parâmetros públicos,
procedimentos de transparência que tensionam e podem superar critérios particulares,
comunitários ou partidários na gestão dos recursos públicos, e ainda promover a articulação
51
das políticas setoriais do município. Para Santos (1999), o Orçamento Participativo tornou-se
fundamental para o estabelecimento de um espaço político autônomo de decisões públicas,
um espaço público de debate e decisão, bem como de confrontação de interesses e demandas.
Não obstante ao reconhecimento das potencialidades do OP, Navarro (2003)
certifica que o mecanismo instituído em Porto Alegre materializou apenas parcialmente as
perspectivas e promessas formuladas em seu início, sobretudo aquelas relacionadas aos
processos sociopolíticos e às mudanças “eficazes” de práticas sociais presentes nos discursos
políticos. A fim de evidenciar, sumariamente, alguns dos impasses e dilemas observados na
estruturação e desenvolvimento desse processo, tomamos como referência os estudos de
Lüchmann (2002), Navarro (2003) e Santos (2009).
Um primeiro limite evidencia-se nas relações de desigualdades existentes no
âmbito do OP entre os participantes e seus representantes e entre estes e o governo. Os dados
levantados por Lüchmann (idem) mostram que, apesar de propor a ampliação e pluralização
da participação social, os setores que se encontram em situação de extrema pobreza têm
muitas dificuldades de se mobilizarem para demandar prioridades junto ao OP. Este fosso
amplia-se na relação com os representantes que são eleitos nas assembleias e fica mais
evidente quando os dados referentes às condições de renda e escolaridade desses conselheiros
e delegados são comparados com os dos participantes do OP de modo geral. A pesquisa da
autora mostra que a faixa de renda que concentra o maior número de eleitos é a faixa de dois a
quatro salários. Em relação ao nível de escolaridade, há uma sub-representação daqueles que
possuem níveis mais baixos de escolaridade e uma sobre-representação dos que possuem
ensino médio completo
As relações de desigualdades entre os participantes e o governo, conforme nos
propõe a autora, ocorrem no que se refere ao conhecimento e informação. Santos (idem)
também destaca esse impasse ao afirmar que os atores governamentais controlam o
conhecimento técnico e têm acesso privilegiado às informações. O peso da equipe
governamental na determinação dos critérios técnicos para a escolha e priorização das
52
demandas tem sido central. O que atesta a forte influência do governo no processo decisório e
coloca em xeque a autonomia deste espaço.
A problemática da autonomia frente ao poder público municipal é um dos
principais gargalos evidenciados na prática do OP. Para Lüchmann (idem), o grau de
institucionalização e absorção da participação social junto ao OP, aliados a forte presença do
Estado na condução do processo, representa um risco constante à participação autônoma dos
sujeitos participantes. Segundo a autora, no OP de Porto Alegre, os atores político-estatais
assessoram e mobilizam as comunidades, exercendo um papel que antes era exclusivo de
lideranças comunitárias, organizações comunitárias e agentes externos dos movimentos
sociais. Assim, ao configurar-se como ator central de articulação e organização da sociedade
no OP, o governo passa a enfraquecer e fragmentar as organizações e articulações sociais
amortecendo a sua combatividade.
Navarro (2003) é mais contundente ao afirmar que o OP foi feito refém de uma
agenda política partidária. Para ele, essa situação bloqueia a potencialidade do processo. E
para romper com este óbice, faz-se necessário tornar o processo efetivamente autônomo,
liberto das amarras partidárias e do controle governamental que subordinam sua estrutura.
O cenário ora apresentado nos deixa atentos às dificuldades e limites dessa
experiência na medida em que se encontra fortemente ancorada em realidades pautadas por
relações de exclusão e desigualdades sociais. E, ainda, na medida em que se mantém
fortemente atrelada à vontade política do governo municipal.
Contudo, não podemos deixar de reconhecer o sucesso do OP em Porto Alegre,
sobretudo no que diz respeito ao seu caráter redistributivo, devidamente demonstrado nos
estudos de Marquetti (2003). E por afirmar que o bom êxito de sua consolidação está atrelado
à articulação de um conjunto de condições favoráveis, dentre as quais destacamos: a tradição
associativa local; a vontade e o comprometimento político do governo de encorajar a
53
participação popular; e as próprias condições sócio-históricas e político-culturais pelas quais
passavam o País no período de sua emergência (LÜCHMANN, 2002; AVRITZER, 2009).
Este contexto, porém, difere-se totalmente daquele em que emerge o OP em
Fortaleza, tema que trataremos na próxima seção de modo a evidenciar alguns elementos
significativos que marcam o cenário de sua implementação em nosso município.
2.4.Cenário de implementação do Orçamento Participativo em Fortaleza
Em Fortaleza, a implantação do Orçamento Participativo iniciou-se em 2005
como fruto do Programa de Governo da então prefeita Luizianne Lins, também do Partido dos
trabalhadores (PT). Sua gestão trazia como um dos lemas principais a participação e a
democratização dos processos de gestão da cidade, conforme expõe a citação abaixo:
A gestão democrática e popular tem na participação dos homens e mulheres da
cidade seu pilar central. O diferencial da nossa gestão será a alteração da cultura
política da cidade e da máquina pública municipal. Não queremos fomentar ideias
salvacionistas ou ilusões burocráticas. O poder público deve estar a serviço da
satisfação da maioria da população e sob controle direto dessa (PROGRAMA DE
GOVERNO “POR AMOR A FORTALEZA, 2004, p. 12).
É a partir desta concepção que a proposta do Orçamento Participativo emerge em
Fortaleza. Porém, as discussões sobre sua implantação aconteceram ainda no período eleitoral
quando a então candidata adotou como princípio a participação popular para montar seu
programa de governo. Sua coligação percorria a cidade a fim de levantar as ansiedades e
propostas da população (GADELHA, 2010). O artigo publicado na Revista do OP confirma
essa posição:
Em 2004, durante as eleições municipais, a coligação Fortaleza Amada propôs a
superação dos padrões tradicionais de se fazer política na capital cearense e
estabeleceu como um de seus princípios de governo a participação popular. Essa já
era uma demanda reivindicada pela sociedade civil organizada, que cobrava da
gestão municipal a abertura ao projeto popular proposto; e foi uma bandeira
recorrente nas vinte e duas plenárias populares que formaram o projeto de governo
que levaria Luizianne Lins ao comando da cidade (FORTALEZA, 2009, p.22).
54
O excerto acima nos apresenta um dado muito importante sobre a emergência do
OP em Fortaleza, qual seja, o envolvimento da sociedade civil na sua proposição. Desta
forma, o surgimento do OP vincula-se à luta de alguns grupos da sociedade civil fortalezense
que ao conhecer, em 2000, no Fórum Social Mundial, a experiência do OP em Porto Alegre,
resolveram reivindicá-lo em Fortaleza. Tal afirmativa está presente na fala de um dos
conselheiros do OP em entrevista cedida a Arão (2009, p. 106):
O Orçamento Participativo a gente vem brigando desde 2000, quando nós fomos
para o Rio Grande do Sul e participamos do Fórum Social Mundial [...] o primeiro
foi no Rio Grande do Sul e nós já começa aquela luta, porque no Rio Grande do Sul
havia um movimento muito forte sobre o OP e a execução do OP e de lá pra cá a
gente vem sempre brigando, nessas gestões do Juraci Magalhães e chegou a
oportunidade da gente fazer a campanha da Luizianne e conseguimos vencer as
eleições, em cima de pau e pedra a gente conseguiu vencer as eleições e através
dessas lutas da gente, a gente conseguiu uma melhor compreensão por parte da
prefeita que o OP era de necessidade a gente participar e ela com o compromisso
que ela teve, ela botou em prática, porque não é só ter o compromisso tem que botar
em prática e daí nós começamos a desenvolver o OP [...] Eu sou um dos fundadores,
desde 2000 que eu venho com essa luta, junto com outros companheiros da Central
Única do Trabalhadores (CUT), da Federação de Bairro e Favelas, da União das
Comunidades.
Outra alocução que nos remete à participação da sociedade civil na luta pela
implantação do OP em Fortaleza é da presidente da Federação de Entidades de Bairros e
Favelas de Fortaleza em entrevista a Gadelha (2010, p.104):
O orçamento participativo a gente precisa em primeiro lugar falar de que ele não
apareceu por aparecer. Ele é uma luta de todos os movimentos populares, de décadas
aí que vem lutando para que a gente possa participar do orçamento participativo.
Por fim, transcrevemos a entrevista da ex-coordenadora do OP à Revista do OP,
que também afirma o envolvimento da sociedade civil na formação local do OP:
Além de ser a tradição no modo petista de governar, de criar esses canais para a
participação popular, a gente tinha na Cidade uma sociedade civil fortemente
organizada que também reivindicava essa participação. (FORTALEZA, 2009, p.
14).
55
Assim, confirmamos que, embora o projeto governamental e a decisão política da
gestão de Luizianne Lins tenham sido decisivos, não foram os únicos expoentes para a
inauguração do OP em Fortaleza.
Antes de apresentarmos a experiência do OP, propriamente dito, no Município,
chamamos a atenção para alguns pontos que caracterizam o contexto sócio-histórico e
político-cultural de sua emergência.
A capital cearense se reproduziu de forma desigual. A produção de seu espaço
urbano, fruto de um crescimento desordenado proveniente do afluxo de migração do campo
para a cidade, decorrente, sobretudo, das secas, evidencia as dificuldades e as contradições
que permeiam a sua formação (GADELHA, 2010). Fortaleza caracteriza-se como uma cidade
de nascimento espontâneo que agrega áreas extremamente heterogêneas e segmentadas nas
quais se alça um extraordinário contraste social. Assim, pobreza e riqueza defrontam-se na
disputa pelos espaços da Cidade.
Em seus estudos sobre o perfil urbano de Fortaleza, Jucá (2000) oferece-nos uma
ilustração da formação desse espaço dicotomizado. Nas palavras do autor:
A Aldeota consolidava-se como reduto da burguesia, que exercia a sua hegemonia
nos diferentes setores da vida urbana [...] A nova Aldeota ‘era um dos mais belos
bairros residenciais do Brasil. Magníficos palacetes, luxuosos bangalôs, despontam a
todo momento. Os aristocratas da cidade ali se plantaram. Cadilacs, meninos ricos,
cercados de cuidadosas babás, brincam nas calçadas [...] A preocupação com isolar a
pobreza parecia o melhor remédio para salvaguardar a cidade: ‘ muitas células vivas
da pobreza abandonada... casebres de palha e lata velha, tugúrios de táboas de
caixão, guaritas afundadas na lama, arranjos híbridos ou heterogêneos de madeira,
lona, alvenaria, pendentes no alto das dunas... contrastavam evidentemente com a
convicta formosura dos bangalôs modernos e dos clubes à beira-mar’. Havia
diversos bairros onde a carência das mínimas condições de bem-estar era marcante”
(JUCÁ, idem, .p.40 e 47).
Deste modo, a desigualdade social reflete-se no plano espacial, na segmentação da
Cidade entre áreas dotadas de infraestrutura e serviços urbanos, predominantemente habitadas
pela população de padrões médio e alto de renda; e aquelas habitadas pelas camadas de baixa
56
renda em que predomina a carência generalizada destes serviços. E é exatamente em relação
ao acesso desigual a estes bens individuais e coletivos que se explicita, em nossa cidade, a
questão social; em outros termos, as carências urbanas explicitam os antagonismos vigentes
na cidade e produz questionamentos sobre a realidade vivida, conforme nos certifica Barreira
(1992.p.49):
As carências de serviços urbanos, ao lado da incidência de privilégios, passam, na
elaboração da crítica, a remeter a conteúdos de direitos ou justiça social. As
reivindicações urbanas trazem novas representações culturais, através das quais as
formas de gerir e pensar a política são questionadas.
É importante atentarmos para isso, pois os processos organizativos em Fortaleza
tomam força em função da luta pelo suprimento de necessidades imediatas, como
infraestrutura básica, moradia e emprego. Em estudos sobre a trajetória dos movimentos
sociais urbanos em Fortaleza, Fernandes, Diógenes e Lima (1991, p.51 e 58) afirmam que
...nessas áreas as marcas da desigualdade social delineia-se sem meios termos:
condições subumanas de moradia, precário e insuficiente atendimento escolar, de
saúde, e alimentar. Não é sem razão também que é nessas áreas são constituídas os
principais atores no processo de formação político social da realidade cearense (...)
não é sem razão que a constituição dos movimentos sociais urbanos em Fortaleza,
origina-se e se expande com mais intensidade na pressão popular sobre a terra,
reflexo da incapacidade da renda dessa população na aquisição desse bem essencial
que é a moradia.
Segundo ainda as autoras, é possível falar do surgimento destes movimentos na
Cidade desde a década de 1950. O grande expoente nesse momento foi o Movimento do
Pirambu contra o despejo que promoveu uma passeata que reuniu cerca de dez mil pessoas até
o Palácio da Luz. Contudo, conforme Barreira (1992), somente a partir dos anos 1970 é que
esses movimentos obtiveram visibilidade pública e passaram a ter dimensões, se não
prioritárias, relevantes na percepção de vários segmentos da sociedade.
Se por um lado o contato com as desigualdades pode produzir a politização da
vida urbana (BARREIRA, 1992), por outro pode estimular a prática e permanência de
comportamentos autoritários e/ou clientelistas no atendimento das demandas da população
por parte do Estado.
57
A história política de Fortaleza (em termos de Estado) caracterizou-se, por muito
tempo, pela alternância do poder político nas mãos de uma elite social e econômica local
(BARREIRA, 2002). Assim vimos, nas gestões municipais das últimas décadas17, a
consolidação dessas características conservadoras e elitistas pela utilização de mecanismos de
repressão ou de cooptação dos movimentos sociais urbanos, das organizações comunitárias, e
especialmente das associações de bairros (PEREIRA, 2007).
Frente a esta realidade, em 2004, a então professora universitária e deputada
estadual Luizianne Lins (PT) propõe sua candidatura à Prefeitura Municipal de Fortaleza
como alternativa ao modelo vigente de administração pública. Com um programa de governo
que trazia como diretriz central o clássico discurso do PT: a necessidade de construir uma
gestão pública participativa e popular, tendo como eixos centrais: a democratização e
participação popular; distribuição da riqueza; meio ambiente urbano; direitos humanos para
todos e todas (PROGRAMA DE GOVERNO “POR AMOR A FORTALEZA”, 2004).
Luizianne Lins “caiu no gosto popular” e mesmo sem o apoio do PT18 ganhou as eleições em
Fortaleza.
Assim, com a vitória do PT, o grande desafio estava posto, como então
operacionalizar uma gestão participativa? Logo no primeiro ano, a gestão de Luizianne Lins
enfrentou o desafio de realizar o Plano Plurianual Participativo (PPA)19. Para definir como
seria esse processo, segundo a ex-coordenadora do OP, formou-se um grupo de trabalho com
representantes de todas as secretarias, de modo a envolver os demais órgãos da Prefeitura na
elaboração do desenho e na execução do PPA.
17
Um fato histórico importante, acontecido no interregno das sucessões políticas da Prefeitura Municipal de
Fortaleza, que não podemos deixar de destacar é a eleição da Prefeita Maria Luiza Fontenele, em 1986. Sua
vitória significou uma ruptura eleitoral no âmbito das forças políticas tradicionais de Fortaleza. Sua gestão
(1986-1989) foi marcada por divergências políticas com o governo do Estado, chefiado à época por Tasso
Jereissati. Apesar das dificuldades, procurou construir uma administração popular em que os temas cidadania e
participação evidenciaram-se como símbolo do seu agir político (GADELHA, 2010).
18
Em 2004, Luizianne Lins enfrenta uma candidatura bastante turbulenta. Boicotada pelo próprio partido que
apoiava a candidatura do deputado federal Inácio Arruda (PCdoB), Luizianne Lins não recebeu, do PT, recursos
para sua campanha (FRANÇA JÚNIOR, 2005). Ainda assim, a candidata insistiu e, em resposta ao boicote,
formou uma rede de apoio de grande parte das forças políticas da esquerda fortalezense, que legitimaram a sua
candidatura.
19
O Plano Plurianual Participativo (PPA) é instrumento de planejamento que define diretrizes, objetivos, metas e
programas a serem implantados no quadriênio (FORTALEZA, 2005).
58
O PPA realizou-se em dois ciclos – preparatório e deliberativo – por meio de
assembleias públicas territoriais em todas as seis Secretarias Executivas Regionais e com sete
segmentos sociais: crianças e adolescentes; idosos; jovens; LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais e transgêneros); mulheres, pessoas com deficiência; e população negra.
Assim, o processo do PPA participativo reuniu cerca de 1.753 pessoas no ciclo preparatório e
contou com a participação de mais de 5.000 participantes. Envolvendo ao todo um total de
6.860 pessoas. Foram apresentadas mais de 650 propostas de programas e ações sobre
praticamente todas as áreas de investimento do governo municipal (FORTALEZA, 2005).
Para a gestão de Luizianne Lins, a efetivação do PPA participativo consolidava o início de um
novo momento na Cidade em que o resgate da cidadania das pessoas comuns promoveria uma
gestão participativa, popular e transformadora (idem). Essa pretensão deve ser questionada,
uma vez que a abertura de canais institucionalizados de participação por si sós não garantem a
democratização da gestão; falaremos mais sobre isso no desenrolar desse trabalho.
Concluído o processo do PPA, iniciou-se, ainda em 2005, a elaboração do OP.
Apesar de tomar como referência as experiências nacionais20, havia uma preocupação dos
organizadores locais em dar a ele uma feição peculiar. A fala da ex-coordenadora do OP, em
entrevista concedida para esta pesquisa, demonstra essa preocupação:
O OP é hoje uma das mais experimentadas inovações democráticas em todo o mundo e está
presente em todos os continentes. Como consequência, essa designação tem sido utilizada para
processos muito diferentes. Em Fortaleza sabíamos que o processo deveria ser deliberativo e não
consultivo, que as regras deveriam ser feitas pela população e que todas as secretarias deveriam
estar envolvidas, ou seja, a participação não poderia ser mais um departamento na Prefeitura,
mas sim uma nova forma de governar.
Tomando como referência a experiência de Porto Alegre, identificamos no OP de
Fortaleza algumas características que os distinguem.
A primeira relaciona-se à sua
organização. Em Porto Alegre, este se organiza em áreas regionais, em que são priorizadas as
propostas específicas para as diferentes regiões da cidade; e em áreas temáticas, em que as
propostas priorizadas atendem necessidades mais gerais do município. Dentre os temas
discutidos, destacamos a saúde, a assistência social, cultura, lazer e transporte. Em Fortaleza,
em vez de se reservar um momento para as discussões sobre as áreas temáticas, o OP prioriza
o debate em torno das especificidades dos segmentos sociais, grupos considerados
20
Não apenas a experiência de Porto Alegre foi tomada como referência pela Prefeitura Municipal de Fortaleza,
mas também a de São Paulo, Recife e Belo Horizonte.
59
historicamente excluídos dos espaços de participação e de decisões das políticas públicas.
Desta forma, no ciclo do OP de Fortaleza-CE somam-se às discussões regionais, aqui
denominadas de territoriais, as questões em torno das necessidades dos segmentos de
mulheres, idosos(as), LGBTTs (Lésbicas, gays, bissesuxais, transgêneros, transexuais e
travestis), pessoas com deficiência, população negra, crianças e adolescentes.
Outra novidade no OP de Fortaleza diz respeito às discussões e deliberações dos
serviços públicos. Com isso, além de elencar as prioridades de obras da Prefeitura, a
população pode solicitar a melhoria da qualidade e do atendimento dos serviços, bem como a
revitalização dos equipamentos públicos. Outro aspecto que caracteriza a experiência do OP
Fortaleza é a sua articulação com outros mecanismos de participação existentes na cidade,
como, por exemplo, o Plano Plurianual Participativo21 e os Conselhos municipais de políticas
públicas, na tentativa de interligar as políticas setoriais do município. O regimento interno
prevê assento no Conselho do Orçamento Participativo (COP) para representantes dos
Conselhos Municipais existentes na cidade (Criança e adolescente, Assistência Social,
Habitação, Saúde e Trabalho)..
E por fim, outro atributo que diferencia o OP em Fortaleza das demais
experiências realizadas no Brasil diz respeito ao modelo de deliberação implantado desde
2010, por meio do qual as propostas devem ser negociadas pelos participantes da assembleia
decisiva e não mais pelo COP. No OP em Porto Alegre, essa negociação continua
acontecendo por meio do COP. Porém, ressaltamos que ainda é muito cedo para afirmarmos
que tal mudança constitui um avanço para o OP em nossa Cidade. Julgamos necessária uma
observação pormenorizada de como vem se compondo este exercício de participação direta,
objeto de nossos estudos neste trabalho. Feitos estes esclarecimentos, voltemos então à
descrição de sua emergência em Fortaleza.
21
Instrumento de planejamento das ações do poder público que define principais metas e diretrizes para quatro
anos (2006-2009), que também foi construído também com a participação da população, logo que a Prefeita
Luizianne Lins assume a gestão (FORTALEZA, 2007).
60
Na opinião da ex-coordenadora do OP, a realização do PPA e do OP no primeiro
ano de gestão, quando ainda não se tinha estrutura adequada, foi uma grande ousadia. Gadelha
(2010), em estudo recente sobre o OP de Fortaleza, afirma que nesse momento inicial a
Prefeitura contava apenas com uma pequena equipe para dar conta de toda sua elaboração e
execução. Existiam ainda, por parte dessa equipe, muitas dúvidas quanto à questão
metodológica. Então, no intuito de sanar essa deficiência, foi contratada uma consultoria da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, sob a coordenação de Félix Sanchez,
ex-coordenador do OP de São Paulo (2000-2004), que durante dois anos orientou a realização
do processo.
Observamos, assim, que primeiramente foram criados os aparatos organizacional
e institucional22 e só depois a população foi chamada a fazer parte. Apesar de termos visto a
reivindicação da sociedade civil por esse espaço, não pudemos constatar a sua participação no
que diz respeito à construção e à elaboração de sua metodologia.
Nesse sentido, a
participação no OP foi tecida de cima para baixo e não o contrário, por meio de mobilizações
“espasmódicas e esporádicas”, nos termos de Demo(1988), que movimentam plateias alheias
e, inicialmente, sem identidade com a proposta participativa.
A atitude da gestão de Luizianne Lins em orientar este processo foi justificada
pela ausência de uma cultura participativa na Cidade. O trecho abaixo, extraído do seu
Programa de Governo (2004) elucida bem esta ideia e indica o esforço a ser empreendido pela
Prefeitura para a criação e consolidação deste espaço:
Fortaleza nunca experimentou uma iniciativa desse porte, o que determina que a
Prefeitura faça maciços investimentos na educação da população sobre orçamento
público e importância da participação cidadã na formatação das peças orçamentárias
(PROGRAMA DE GOVERNO “POR AMOR A FORTALEZA”, 2004, p 13).
Assim, as primeiras atividades do OP - assembleias preparatórias, assembleias
deliberativas, Fóruns de delegados(as) e Conselho do OP (COP)23 - foram constituídas pela
22
Em seu programa de governo, a prefeita Luizianne Lins já previa a criação de uma coordenadoria que trataria
exclusivamente da organização do processo do Orçamento Participativo.
23
Atividades realizadas no período de um ano e que consolidam o ciclo do OP. Nas assembleias preparatórias,
os participantes recebem todas as informações necessárias sobre o processo do OP; As assembleias são
61
Prefeitura Municipal de Fortaleza mediante um regimento interno que previa a possibilidade
de mudanças futuras no processo do OP por meio de sua revisão anual por parte dos
conselheiros eleitos. Apesar da existência deste instrumento, verificamos que nos primeiros
anos a estrutura proposta pela Prefeitura sofreu poucas modificações por parte do COP.
Apenas em 2010, os conselheiros propuseram uma alteração em seu formato que modificou
significativamente a atuação da população nas decisões sobre as demandas a serem incluídas
no orçamento municipal24. Com isto, queremos chamar atenção para o risco que correm as
experiências de gestão participativa provenientes da concessão dos poderes públicos
instituídos. Demo (1988) afirma que as propostas participativas, particularmente as advindas
do governo, tendem a camuflar novas e sutis formas de dominação. Dominação esta que se
expressa na manipulação dos mecanismos participativos por meio da delimitação do “espaço
permitido” para a participação e enfraquecimento de outros espaços não institucionalizados;
na reprodução de práticas de corporativismo e de interesses setoriais e territoriais voltados tão
somente à legitimação, credibilidade e referendamento das propostas do governo (SILVA,
2001; CARLOS, 2009). Tensões que perpassam esses arranjos participativos, e que, conforme
já nos referimos, podem fortalecer ou debilitar a ação política de quem deles participa.
O quadro apresentado até agora buscou delinear o contexto sócio-histórico e
político-cultural em que o OP é inaugurado em nosso Município. Sua estrutura, metodologia,
funcionamento e mudanças serão temas que trataremos, particularmente, no próximo capítulo.
descentralizadas e realizadas em cada uma das Secretarias Executivas Regionais (SERs) do município, nelas a
população elege e decide quais as principais demandas que deverão ser negociadas para entrar no orçamento
municipal do ano subsequente e ainda escolhem os seus representantes que comporão as instâncias
representativas de controle social do OP: o Fórum de delegados(as) que, também de forma descentralizada, é
constituído em cada SER. Os(as) delegados(as) acompanham e fiscalizam as ações do OP e informam a
comunidade sobre o andamento das demandas aprovadas, e ainda elegem os(as) conselheiros(as) do OP, os
quais, até 2009, eram responsáveis pela negociação das propostas que entrariam no orçamento municipal junto
ao poder público municipal. E ainda, seguindo o princípio de autorregulamentação que baliza o OP de Fortaleza,
são estes(estas) conselheiros(as) que elaboram as regras que orientam o processo do OP, mediante revisão do
Regimento Interno.
24
Exploraremos melhor essas mudanças no próximo capítulo.
62
3. “CONSTRUIR
UMA
CIDADE
BELA,
JUSTA
E
DEMOCRÁTICA”: A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO EM FORTALEZA
“Construir uma cidade bela, justa e democrática”, este era um dos lemas do
programa de governo de Luizianne Lins. Umas das principais estratégias para sua
materialização foi a instituição do OP em Fortaleza. Conforme já enunciamos, o OP inicia-se
em 2005 tomando como referências experiências nacionais existentes.
O ciclo do OP realiza-se no período de um ano, e, de uma forma geral, o modelo
do OP em nosso município mantinha, até 2009, a mesma estrutura consolidada em Porto
Alegre: partia de uma estrutura ampliada de participação direta da população nas assembleias
iniciais para a constituição de fóruns e do conselho de participação dos representantes da
sociedade civil eleitos nas assembleias.
A conformação do OP em nosso município pode ser classificada em dois períodos
distintos: o primeiro vai de sua fundação até o ano de 2009; e o segundo de 2010 até o
presente momento. As seções seguintes expõem as características de cada um desses períodos
de modo a explicitar seus avanços e recuos.
Neste capítulo, descrevemos e analisamos esse processo de realização do
Orçamento Participativo no município de Fortaleza.
3.1. Estrutura, funcionamento e metodologia do OP até o ano de 2009
As primeiras atividades do OP foram constituídas pela Prefeitura Municipal de
Fortaleza que, em 2005, mediante um regimento interno, elaborou e apresentou aos
fortalezenses um formato provisório para o OP. Esse regimento previa a possibilidade de
mudanças futuras no processo do OP por meio de sua revisão anual. Desta forma, abria-se a
63
possibilidade de reconstruir e repensá-lo a partir das contribuições da sociedade civil
representada pelos conselheiros eleitos
Assim, o OP consolidava-se em dois momentos, um em que a população
participava de forma direta, por meio das assembleias preparatórias e deliberativas; e outro
em que a participação acontecia por intermédio dos representantes da população designados
por votação que compunham os Fóruns de delegados(as); e Conselho do Orçamento
Participativo (COP).
O ciclo do OP iniciava-se com a fase de preparação. Embora nesse momento
ocorressem também as reuniões comunitárias, a atividade principal era a realização das
assembleias preparatórias (regionais e de segmentos sociais)25. As reuniões eram encontros
menores solicitados pela própria população, nas quais eram apresentados o passo a passo das
assembleias, as datas das atividades e todos os detalhes pertinentes ao processo do OP.
Qualquer lugar podia ser sede dessas reuniões (escolas, praças, associações, ONGs, etc).
As assembleias preparatórias eram a porta de entrada para a elaboração da proposta
do Orçamento Participativo. Abertas à participação individual de qualquer cidadão
fortalezense26, tinham como objetivo principal, conforme o Regimento Interno do OP (2008),
apresentar à população: os resultados do OP no ano anterior; os eixos e diretrizes que
norteariam a discussão do Orçamento Participativo; a situação financeira da Prefeitura de
Fortaleza; e também a proposta de organização da etapa de decisões, sua metodologia, datas e
locais das assembleias deliberativas etc, de forma a contribuir com a qualificação dos
25
Tanto as assembleias preparatórias como as deliberativas aconteciam nesses dois formatos. As regionais eram
realizadas, nas Areas de Participação das Secretarias Regionais e recebiam as propostas em obras e serviços para
a região. As assembleias dos segmentos sociais eram realizadas com cada um dos seis segmentos sociais com o
objetivo de discutir e votar propostas em obras e serviços para o segmento (FORTALEZA, 2006)
26
Conforme o Regimento Interno (2011), todos os moradores de Fortaleza com idade de 16 (dezesseis) anos
completos ou mais, independentes de sua atuação em organizações comunitárias, partidos, igrejas, são
considerados aptos a participar do OP. Nas assembleias em que estivemos presentes foi possível perceber a
multiplicidade de sujeitos a participar do OP, além daqueles que pertencem às associações de bairro, porque,
realmente, eles estão lá, cidadãos comuns que não tem filiação nenhuma com qualquer entidade também estão
presentes. Todavia, nos espaços de representação, Fórum de Delegados(as) e COP, a presença das lideranças
comunitárias é bastante expressiva. Deste modo, embora o OP proporcione a ampliação dos sujeitos sociais nas
discussões e deliberações sobre a cidade, a figura do líder comunitário, como o solucionador de problemas da
comunidade ainda é muito presente.
64
participantes. Aconteciam geralmente nos meses de fevereiro e março, em um equipamento
público localizado na área de abrangência de cada uma das Secretarias Executivas Regionais
(SERs) da cidade.
A fim de garantir a interlocução com a comunidade, a Cidade foi divida em Áreas
de Participação (APs). As APs são formadas por blocos de bairros e dividem as seis SERs. A
ideia era aproximar o OP do cotidiano local dos participantes. No primeiro ano do OP,
existiam apenas 14 áreas de participação, conforme nos apresenta o mapa abaixo,
Mapa 01 – Áreas de Participação do Orçamento Participativo Fortaleza – 2005
Fonte: SEPLA (2005)
Nos anos seguintes, houve um crescimento dessas áreas: em 2006 já eram 40; e de
2007 a 2009 a cidade foi divida em 51 áreas de participação27.
Depois da etapa preparatória, iniciava-se a fase decisória, geralmente realizada
entre os meses de março a maio. Faziam parte desse momento as assembleias deliberativas,
27
Os mapas com as áreas de participação constituídas até 2009 poderão ser apreciados nos anexos deste
trabalho.
65
nelas eram definidas as prioridades de obras e serviços a serem negociadas com o poder
público municipal a fim de compor o projeto de Lei Orçamentária do ano seguinte; e também
eram eleitos os delegados do OP, representantes de cada área ou segmento social.
A metodologia para eleger as demandas prioritárias era a seguinte: os
participantes cadastrados na assembleia deliberativa formulavam e apresentavam propostas
que correspondessem aos 13 eixos prioritários determinados no Plano Plurianual Participativo
(PPA) (FORTALEZA, 2007; 2008), a saber: Assistência Social, Cultura, Direitos Humanos,
Educação, Esporte e Lazer, Habitação, Infraestrutura, Meio Ambiente, Saúde, Segurança,
Trabalho e Renda; Transportes; e Turismo.
Cada participante poderia votar em três propostas de diferentes eixos. A primeira
receberia três pontos; a segunda, dois pontos; e a terceira um ponto. Até o ano de 2007 não
havia delimitação do número de propostas a serem eleitas nas assembleias deliberativas,
assim, aquelas que eram mais votadas eram priorizadas, o que acabou gerando grande
acúmulo de demandas não atendidas e com isso o descrédito das pessoas em relação ao OP.
Em 2008, o COP revisou o Regimento Interno e uma das mudanças significativas
nessa inspeção foi a elaboração de critérios que pudessem delimitar o número de propostas a
serem priorizadas em cada assembleia. Assim, a definição deste número ficou atrelada ao
número de participantes, seguindo a seguinte proporção: a cada 15 participantes, uma
proposta seria eleita. A tabela abaixo ajuda-nos a visualizar bem o movimento do número de
propostas aprovadas antes e depois da revisão do regimento. Observamos uma ascendência
nos primeiros três anos e uma diminuição considerável no ano de 2008.
Tabela 03 – Número de demandas aprovadas no OP por eixo 2005 - 2008
EIXOS
2005 2006 2007 2008 TOTAL
Assistência
19
35
65
17
136
Cultura
16
22
24
9
71
Direitos humanos 8
26
14
3
51
Educação
34
65 143 48
290
66
Esporte e lazer
Habitação
Infraestrutura
Meio ambiente
Saúde
Segurança
Trabalho e renda
Transporte
Turismo
TOTAL
3
21
61
17
58
16
40
10
0
303
13
26
57
9
68
29
75
10
1
436
17
8
20
14
73
48
13
3
80
35
28
12
97
21
7
8
3
1
584 227
41
81
239
42
241
85
233
35
5
1550
Fonte: SISOP (2010) – Elaboração própria.
A tabela acima também nos mostra o ranking das reivindicações. Entre as
demandas que mais se destacaram, temos em primeiro lugar aquelas referentes à educação;
em segundo, as relativas à infraestrutura e saúde; e em terceiro e quarto lugares, estão as
demandas por trabalho e renda e assistência social.
Estes dados demonstram ainda que as demandas aprovadas no OP expressam
necessidades enfrentadas no cotidiano de uma população que padece pela ausência, muitas
vezes, da prestação de serviços sociais básicos indispensáveis à sobrevivência no contexto
fortalezense. A eleição dessas demandas aparece, então, para a população como a
possibilidade de suprimento das suas necessidades e, consequentemente, a previsão de uma
melhor qualidade de vida. Muitas dessas solicitações exigem respostas rápidas. Todavia, a
morosidade no processo de execução das despesas orçamentárias, sobretudo a lentidão nos
processos licitatórios, tem causado um acúmulo de demandas que desde 2005 nem sequer
saíram do papel.
Quanto à escolha de delegados, desde o primeiro ano do OP, o número de
delegados a serem eleitos seguem a proporcionalidade de um delegado para cada 20
participantes. Qualquer pessoa cadastrada na assembleia e não impedida pelo regimento28
28
O Regimento Interno do Orçamento Participativo restringe a eleição como delegado e conselheiro do
Orçamento Participativo para aqueles “que detêm mandatos eletivos no poder público municipal, estadual ou
federal e respectivos assessores; que tiver cargo em comissão na administração municipal; assessor político ou
agente de projetos e programas do governo municipal, estadual ou federal; que exercer funções de chefia
indicado pelos Poderes Executivos, Legislativo, e Judiciário, nas esferas municipal, estadual ou federal; que foi
67
pode candidatar-se para representar a região ou um dos seis segmentos sociais com o qual se
identifique. Assim, cada candidato cadastrado apresenta-se, defende sua candidatura e divulga
seu número para o pleito. Segue-se, então, com a votação e apuração, sendo ao final
apresentado o nome dos delegados eleitos para compor os Fóruns de Delegados.
A escolha desses representantes marcava o término da participação direta da
população no OP. Após as assembleias deliberativas, o contato da população com a Prefeitura
era feito a partir destes representantes eleitos. Moreira (2008), em estudo sobre o Orçamento
Participativo em Fortaleza, chama atenção para o grande peso que a representatividade
acabava adquirindo no OP, uma vez que as decisões mais importantes de seu processo eram
tomadas pelo número reduzido de representantes e não por toda a população. Nas palavras do
autor: “são menos de cem conselheiros que decidem anualmente junto com os secretários que
propostas permanecem e que modificações devem sofrer” (idem, p.40). Concordamos com ele
que a valorização da representatividade poderia proporcionar a permanência de velhos
princípios da nossa cultura política dentro do OP. Em consonância com esta preocupação,
Santos (2009) também não ver com tranquilidade a relação entre a participação direta e a
representação no OP, pois,
corre-se [...] o risco das posições assumidas pelos delegados ou conselheiros
poderem refletir as suas preferências pessoais acima de todo o resto. Receia-se que
esta ‘autonomia’ dos representantes face aos seus eleitores possa trazer de volta, sob
um novo disfarce, o velho sistema clientelista e populista de distribuição dos
recursos e de comércio dos votos (Idem, p. 522).
Podemos assim dizer, conforme nos explicita Santos (idem), que existe o risco de
os “novos” modelos de representação serem emoldurados em velhas práticas. E, nesse
sentido, apenas deslocar as lógicas da tutela, da confusão entre o público e o privado,
constantemente presente na atuação dos representantes da política eleitos pelo voto popular
para a ação dos conselheiros do OP. Ainda segundo Santos (idem), existem alguns problemas
que permeiam a qualidade da representação no OP que precisam ser confrontados, dentre eles
destacamos: a fragilização da autonomia dos representantes da população por parte do
governo. O autor afirma existir uma tentativa dos governos, por meio do OP, “de cooptar o
afastado pelo COP, por atingir os limites de falta, ou por outros motivos justificados, no mandato anterior ”(
FORTALEZA 2007).
68
movimento popular, distorcendo suas prioridades e submetendo-o à [sua] agenda política”
(idem, p 521).
A alteração na configuração do OP de Fortaleza em 2010, que trataremos de
explanar mais adiante, em tese, propõe uma nova relação entre poder público municipal e
sociedade no OP, diminuindo a centralidade dos conselheiros na definição das obras e serviço
a serem contemplados no Orçamento Municipal.
Mas vejamos agora como se configura os Fóruns de delegados(as)29. Instâncias de
efetivação da representação no OP são compostos pelos delegados eleitos nas assembleias
deliberativas regionais e de segmentos sociais. Estes são responsáveis por acompanhar o
Plano de Ações do OP30 desde sua elaboração até sua execução; compor as comissões
constituídas com o objetivo de fiscalizar a execução do Plano de Ações; e informar e divulgar
para a população a qual representam os assuntos tratados no OP.
As atividades dos Fóruns são descentralizadas e acontecem em cada uma das
SERs. De acordo com informações fornecidas pelos próprios delegados, os fóruns são
organizados da seguinte forma: formação de uma coordenação, composta por um grupo de
delegados (escolhido diretamente pelos demais componentes), responsável pela elaboração da
pauta de discussão de suas reuniões ordinárias que acontecem uma vez por mês; e formação
de comissões de acompanhamento de obras e serviços das quais todos os membros
participam. São nos Fóruns também que acontece a escolha dos delegados que atuarão como
conselheiros no COP. E cabe a estes Fóruns o acompanhamento dos respectivos conselheiros
na tarefa da execução orçamentária em sua área territorial ou do segmento representado
(FORTALEZA, 2007; 2010).
29
Este espaço do OP é o único que não sofre alterações depois da mudança no processo do OP em 2010. Deste
modo, as características aqui descritas aplicam-se tanto nesse primeiro período do OP como no posterior a 2010.
30
É o documento que reúne as obras e serviços aprovados no OP do ano anterior que deverão ser executadas no
ano vigente, de extrema importância para o acompanhamento e fiscalização (FORTALEZA, 2006). A partir de
2008, a Prefeitura criou uma ferramenta de acompanhamento das obras e serviços chamada de Sistema do OP
(SISOP) que possibilita a qualquer cidadão(ã) de Fortaleza acessar informações sobre o andamento da obra ou
serviço de seu interesse. O acesso ao SISOP pode ser feito através do link:
http://200.223.251.201/sisop/publico/obras.
69
Toda a logística (local para reuniões, uso de telefone, internet) para o desempenho
das ações dos Fóruns, inclusive o deslocamento dos delegados para as reuniões e visitas às
obras e serviços em execução, são de responsabilidade da Prefeitura, que providencia valetransporte ou carros institucionais. Essa provisão de recursos por parte da Prefeitura para
sustentabilidade do processo chamou-nos atenção e nos levou a refletir sobre a possibilidade
de se ter as atividades de controle social dos delegados comprometidas, uma vez que não é e
nunca será prioridade do Estado promover o controle do seu próprio poder.
Conforme nos assevera Demo (1988), a autossustentação é um importante critério
para avaliar a qualidade política de processos participativos. O autor afirma veementemente
que “participação sem autossustentação é farsa (...) porque não se realiza o fenômeno
essencial da autopromoção” de modo a legitimar “atitudes subservientes de expectativa da
ajuda, cortando aos poucos a capacidade de iniciativa própria, sobretudo a nível comunitário”
(idem, p. 68 e 125). Com isso, o autor não nega a responsabilidade do Estado e nem prega a
recusa de recebimento de recursos dele, antes aponta para a necessidade de distinguir as
condições para que estes sejam aceitos e a importância de se pleitear por processos
participativos autossustentáveis. Segundo este autor:
Uma coisa é pleitear apoios dentro de um projeto [...] de emancipação do grupo, no
qual o Estado entra como instrumento de viabilização, outra coisa é tomar o apoio
estatal como estratégia de cristalização e dependência diante da tutela, o que esmaga
a autopromoção [...] A comunidade, ao receber apoio externos, sobretudo do Estado,
não pode vender sua alma por um prato de lentilhas. Esta é precisamente a lógica do
assistencialismo, que é sempre uma forma de recriar a miséria. Saber usar o Estado é
um direito popular. Submeter-se a ele como massa de manobra é outra coisa, o
contrário da participação. Uma das vias centrais para se opor a tal submissão é
realizar processos participativos capazes de andar com as pernas próprias (Idem).
Ainda fundamentados em Demo (idem), insistimos que participação “não pode ser
entendida como dádiva”, antes deve ser produto de conquista, de construção da coletividade
organizada. As propostas participativas, provenientes da concessão, tendencialmente, podem
estimular a “formação de uma sociedade desmobilizada ou organizada para a submissão que
internaliza historicamente a tutela” (idem, p. 123).
Mostras deste risco latente são evidenciadas no OP em Fortaleza, principalmente
em relação à autonomia dos membros destes Fóruns. Percebemos que, em algumas visitas que
70
fizemos às reuniões, embora haja esforço da equipe da Prefeitura em afirmar que os(as)
delegados(as) têm liberdade para conduzir as reuniões, a presença do poder municipal é muito
forte, principalmente nas decisões sobre os assuntos a serem elencados na pauta de discussão
dos Fóruns e no arrefecimento às críticas elaboradas à gestão pública.
Assim, as relações estabelecidas como entre desiguais enfraquecem a cidadania e
neutralizam os conflitos como forma legítima de construção de direitos. O que pode levar, no
lugar da construção de uma nova cultura política com base na justiça e democracia, à
desmobilização e aprofundamento da tutela e dependência do poder público municipal a
ponto de se fazer aceitar todas as suas recomendações, de modo a tornar os representantes da
sociedade civil em agentes da Prefeitura.
Tais verificações materializam as advertências de Santos (2009) sobre a
fragilidade das instâncias representativas no OP e as astúcias dos governos para a perpetuação
de sua hegemonia nesses espaços.
Ainda é importante relatar como atuava o Conselho do OP (COP). Segundo o
Regimento Interno (2006), o COP era a principal instância de deliberação do OP, pois a ele
competia a prerrogativa de negociar com os representantes das secretarias municipais as
demandas a serem inscritas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município31. Ele
era composto da seguinte maneira: conselheiros titulares e conselheiros suplentes, eleitos em
cada um dos Fóruns Regionais de Delegados do Orçamento Participativo na seguinte
proporção:
31
Depois dessa negociação, as demandas eram inclusas no Projeto de Lei, que é enviado para Câmara Municipal
de Vereadores, e por meio da eleição e aprovação transformam-se na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), lei
que orienta a elaboração e execução do orçamento anual do município.
71
Tabela 04 – Proporção do número de conselheiros territoriais do OP
Até 30 delegados territoriais
De 31 a 45 delegados territoriais
De 46 a 60 delegados territoriais
De 61 a 75 delegados territoriais
De 76 a 90 delegados territoriais
De 91 a 105 delegados territoriais
De 106 a 120 delegados territoriais
De 121 a 135 delegados territoriais
De 136 a 150 delegados territoriais
A partir de 151 delegados territoriais
6 conselheiros
7 conselheiros
8 conselheiros
9 conselheiros
10 conselheiros
11 conselheiros
12 conselheiros
13 conselheiros
14 conselheiros
15 conselheiros
Fonte: Regimento Interno do OP (2006).
Conselheiros titulares e conselheiros suplentes para representar os seis segmentos
sociais (mulheres, população negra, pessoas com deficiência, juventude, idosos, e LGBTT),
eleitos conforme a proporção indicada na tabela a seguir:
Tabela 05 – Proporção do número de conselheiros de segmento social
Até 15 delegados
De 16 a 30 delegados
De 31 a 45 delegados
De 46 a 60 delegados
Segue esta mesma proporção
2 conselheiros
3 conselheiros
4 conselheiros
5 conselheiros
Fonte: Regimento Interno do OP (2006).
Compõem ainda o COP doze conselheiros titulares e doze conselheiros suplentes
para representar o segmento crianças e adolescentes, eleitos pelos delegados do OP Criança e
Adolescente; um conselheiro titular e um conselheiro suplente indicados pelos seguintes
Conselhos Municipais existentes na cidade de Fortaleza: criança e adolescente, assistência
social, habitação, saúde e trabalho; quatro conselheiros titulares e quatro conselheiros
suplentes indicados pelo poder Executivo Municipal, representando a
coordenadoria do
Orçamento Participativo, com direito a voz, sem direito a voto; um conselheiro titular e um
conselheiro suplente indicados pelos demais órgãos da Administração Municipal a serem
definidos de acordo com a sua vinculação ao processo do OP, com direito a voz, sem direito a
voto.
72
Além de ajustar com o governo municipal as demandas do OP a serem
contempladas no orçamento anual, cabe ao COP, dentre outras atividades, discutir e resolver,
em comum acordo com o poder executivo, a metodologia adequada para o ciclo do OP;
acompanhar a execução orçamentária anual e fiscalizar o cumprimento do Plano de Ações do
OP; e, ainda, deliberar sobre a realização de seminários, cursos e atividades de capacitação
dos delegados e conselheiros, bem como acompanhar esse processo de capacitação.
Deter-nos-emos em caracterizar, ainda que sinteticamente, a negociação das
demandas realizada entre o COP e o Poder Executivo Municipal. A nosso ver essa era a
função mais importante do COP nesse momento, pois o tornava, conforme já dissemos, o
espaço de deliberação máxima do OP.
As especificações ora esboçadas são uma recomposição de uma pesquisa anterior
sobre o OP, realizada por nós, em que acompanhamos o processo de negociação no ciclo do
OP 2008 (que aconteceu no período de 4 a 21 de agosto de 2008). Foram mais de quinze dias
de discussões intensas e exaustivas entre conselheiros e poder público. E dessa etapa do
processo, destacamos alguns pontos que achamos relevantes reiterar aqui (ARÃO, 2009).
As negociações normalmente aconteciam nos meses de agosto e setembro, no
auditório do Instituto Municipal de Pesquisa e Recursos Humanos (IMPARH). Num período
de duas semanas, eram realizadas reuniões diárias de segunda a sábado, em que o COP e os
representantes dos órgãos e secretarias municipais se encontravam para chegarem a um
consenso sobre quais demandas poderiam ser atendidas no orçamento municipal do ano
seguinte. Antes disso, porém, as demandas eram sistematizadas e separadas de acordo com os
eixos de discussão do OP e repassadas para os órgãos da administração pública municipal
para análise e estudo da viabilidade técnica. E também era entregue antecipadamente aos
conselheiros um caderno de propostas com todas as demandas.
Constatamos, em uma das reuniões do COP à época, que o calendário das
atividades de negociação era planejado pela Prefeitura Municipal e não acontecia de forma
73
conjunta com o COP, como afirma o regimento, e nem leva em consideração as necessidades
e disponibilidade dos conselheiros. A afirmação transcrita abaixo expressa a posição de um
grupo de conselheiros(as) que, após ter vivenciado a primeira semana de negociação,
questionou o calendário e a forma de condução desse processo:
Olha gente, a gente se reuniu aqui, as cinco regionais porque estava faltando uma
negociação. E a gente viu ser necessário fazer uma série de avaliações que a gente
precisa discutir. A gente está atropelado! Aqui é o conselho de negociação que a
gente tem construído, tem conquistado, mas as Secretarias fizeram um calendário e
não negociaram com a gente, se a gente tinha tempo ou não de assumir isso. Então,
eu estou aqui questionando, eu estou atropelado, todos os dias tem reunião, eu sou
militante, como todos os companheiros aqui e tem os compromissos da gente,
também. Agora eu não vejo essa negociação com a gente desse calendário nós
estamos engolindo de baixo para cima e cadê a negociação, eu tenho uma proposta
que a gente avalie esse calendário (ARÃO, 2009, p.112).
A proposta de avaliação do calendário, porém, não foi bem recebida pelo
representante do governo, que presidia a reunião nesse dia e que argumentou o seguinte:
Nós temos um calendário que não é um calendário nosso. É um calendário de acordo
com o prazo para elaboração da Lei Orçamentária. Por isso, que desde os Fóruns, a
gente diz, quem for se candidatar tem que ter essa disponibilidade porque não tem
outra saída. Pra gente também é cansativo, pra vocês mais ainda, mas nós temos
essas noites seguidas de negociação, pra encaminhar isso aí, nós precisamos de um
dia que não tivesse nenhum secretário pra vir aqui negociar, pra que a gente possa
debater o calendário (idem).
Assim, percebemos que realmente a prioridade para elaboração do calendário não
era dada e nem discutida com os conselheiros, antes o seu parâmetro estava no prazo para a
construção da Lei Orçamentária e a disponibilidade dos secretários. Aos(às) conselheiros(as)
imputava-se a “culpa” por “não terem tempo” para acompanhar a negociação, sob a alegação
de que foram avisados que a negociação seria cansativa e exigiria deles disponibilidade,
deixando intocável a unilateralidade e imposição que esta agenda representava.Tínhamos
assim, neste espaço, a submissão dos sujeitos sociais às condições definidas previamente que
os impediam realmente de interagir, uma vez que, como vimos, suas manifestações não eram
levadas em conta.
74
Questionamos, então, como um espaço que se diz “participativo” e que quer ser
espaço de uma cultura democrática não dá abertura para que seus participantes sejam ouvidos
sobre a sua estruturação? Decisões que deveriam ser, no mínimo, tomadas conjuntamente,
ouvindo-se todas as opiniões proferidas tanto pelo governo como pelos representantes da
população, na verdade eram tomadas apenas por um lado específico. A postura adotada pelo
governo local, em nossa opinião, delimitava o espaço de participação dos conselheiros à
medida que não os reconhecia como sujeitos sociais dotados de autonomia e quando impunha
para eles o direcionamento de suas intervenções no processo de negociação. Com isso,
chamamos a atenção para o modo como o poder público intervém e conduz os processos de
participação da população. Temos chamado a atenção para essa postura desde a apresentação
dos Fóruns de Delegados(as), quando discorremos sobre a forte influência que os
“representantes do governo” têm sobre as decisões dos representantes da população. O que,
para nós, revela também a perpetuação de formas autoritárias na condução dos processos
democráticos.
No que diz respeito à negociação propriamente dita das demandas com as
Secretarias Municipais, observamos algumas dificuldades. Antes, porém, deixe-nos apresentar
melhor como se dava esse processo.
Em cada uma das “noites de negociação”, comparecia ao auditório do IMPARH,
de acordo com o calendário, um representante de uma ou duas Secretarias ou órgão
municipal. Este representante apresentava aos conselheiros a Secretaria a qual estava
vinculado, os programas e ações por ela desenvolvidos, expunha o parecer técnico e
financeiro sobre as demandas do ciclo, e dialogava com os conselheiros sobre suas decisões.
Normalmente, as primeiras Secretarias a serem ouvidas eram a de Planejamento e
a de Finanças, pois elas traziam, ou pelo menos deveriam trazer, as projeções financeiras
sobre as quais os conselheiros iriam “priorizar” suas demandas. A clareza e transparência
dessas informações, dos critérios e objetivos para a distribuição dos recursos públicos,
segundo Cunha (2007), são imprescindíveis à legitimidade das deliberações; a sua ausência
75
fragiliza as decisões. É como se estas estivessem sendo “tomadas no escuro”, sem nenhuma
garantia de efetivação.
Uma das debilidades enfrentadas no OP Fortaleza é exatamente a imprecisão
sobre o valor orçamentário disponível para execução das demandas priorizadas pela
população. Em nenhum momento da realização do OP, nem nas assembleias, nem neste
momento final de fechamento das prioridades, conseguimos identificar precisamente os
valores e os critérios a serem utilizados para a negociação das demandas.
As informações apresentadas sobre o orçamento, de um modo geral, assinalavam
os componentes do orçamento público, de onde vinham e para onde iam os recursos, mas não
especificavam a real condição financeira do Município e não demonstravam concretamente os
valores previstos para elaboração do orçamento anual e nem quanto do orçamento seria
discutido com a população.
A ideia repassada à população, por meio desta incerteza, é que, no OP, se discutia
todos os recursos públicos da cidade. O que, na verdade, não acontece. Ao analisar a situação
orçamentária de Fortaleza e os recursos previstos para as obras e serviços do OP, constatamos
que o percentual de deliberação da população sobre o orçamento, nos dois anos (2006 e
2007)32, não chegou a 10% (dez por cento), conforme nos mostra o gráfico, abaixo:
32
Trabalhamos com os dados de 2006 e 2007, pois foram os únicos anos em que a Prefeitura divulgou a previsão
orçamentária destinada ao OP, o que reafirma nossa constatação acerca da falta de transparência no repasse das
informações sobre valores do orçamento público destinado às demandas do OP.
76
Gráfico 01- Recursos Previstos para Realização das Demandas do Orçamento
Participativo – 2006 e 2007
R$ 3.000.000.000,00
R$ 2.500.000.000,00
R$ 2.000.000.000,00
R$ 1.500.000.000,00
R$ 1.000.000.000,00
R$ 500.000.000,00
R$ Orçamento 2006
Orçamento Participativo
Orçamento 2007
Orçamento Participativo
100%
100%
7,48% 1
9,07%
R$ 1.988.294.150,00
R$ 148.626.906,00
R$ 2.698.320.000,00
R$ 244.884.867,00
Fonte: SEPLA, 2006 e 2007 – Elaboração própria da autora.
Em verdade, as propostas demandadas pela população representam muito pouco
do orçamento total da Prefeitura. Vale ressaltar que essa porcentagem representa o valor
previsto e não o executado, que aparenta ainda ser menor33. Este baixo percentual do
orçamento e a falta de clareza na definição e na publicização do volume de recursos
disponíveis para os investimentos parecem dificultar, substancialmente, a concretização das
obras e serviços e, por consequência, podem diminuir a credibilidade/legitimidade em relação
a este espaço.
Além das limitações financeiras, as limitações técnicas eram obstáculos
interpostos à deliberação dos conselheiros. Conforme apreendemos, as demandas trazidas pela
população para o OP e defendidas pelos conselheiros na negociação expressavam as
dificuldades que os cidadão de Fortaleza enfrentam e, também, a esperança de solução
antevista neste espaço. Com isto, queremos dizer que tais demandas têm um significado
imensurável para seus autores.
Em contraposição, temos a elaboração de um orçamento para o qual são
reservados recursos ínfimos de investimentos, que nem sequer conseguimos precisar quanto,
33
Não podemos precisar esses dados, pois eles não foram disponibilizados pela Prefeitura.
77
exigindo o escalonamento das demandas a fim de que sejam “executadas”. Como se isto não
bastasse, ainda existem os “critérios técnicos”, totalmente desconhecidos por parte da
população, que definiam as condições necessárias para que as demandas fossem
implementadas. Tínhamos, então, o conflito entre duas linguagens distintas: a da realidade e a
da técnica, em que a predominância da segunda sobre a primeira quase sempre foi a regra.
Nesse sentido, pudemos identificar, nesse processo de negociação, três formas de
interlocução entre essas linguagens: O primeiro nível pode ser caracterizado pelo teor de
secundarização das demandas da população, no qual estas são simplesmente taxadas de
inadequadas por estarem fora daquilo a que as Secretarias se propõem. Aqui o papel da
Secretaria é “predominante” no julgamento das propostas e fecha-se totalmente a
possibilidade de diálogo com os conselheiros para compreender as reais necessidades ali
expressas e até mesmo encaminhá-las para uma outra pasta que pudesse dar conta.
O segundo nível assinalava a incontestabilidade dos pareceres técnicos. A maior
parte das Secretarias encontrava-se nesse nível. Estas, normalmente, entregavam aos(às)
conselheiros(as) um relatório com a análise de viabilidade das demandas. De acordo com esta
análise, apresentavam-lhes as propostas deferidas e indeferidas; ou seja, os motivos pelos
quais a demanda não podia ser atendida. A tabela abaixo traz o modelo de relatório que era
apresentado no COP. Nela encontram-se exemplos de demandas indeferidas pela Empresa de
Transporte Urbano de Fortaleza S/A (ETUFOR), sobre o transporte público, no ciclo 2008.
Tabela 06 – Modelo de relatório apresentado na negociação do COP – Ciclo 2008
NID
2008.5.36.12
SER
V
DEMANDA
Criar uma linha de ônibus
que saia do Planalto Airton
Sena, passando pelo Hospital
do José Walter, e vá até o
terminal
de
Messejana,
voltando para o Planalto
STATUS
OBSERVAÇÃO
Não
A ligação da comunidade do
Planalto Airton Sena com o
terminal Messejana já é
contemplada via integração
temporal.
78
2008.5.33.26
2008.6.40.21
V
VI
Fonte: SEPLA, 2008.
Ampliação das linhas de
ônibus do Planalto Vitória.
Que seja criada uma linha de
ônibus para o terminal de
Messejana ou que seja
ampliada a linha Dias
Macedo até o terminal de
Messejana, passando pelo
Não
O Sistema Viário atual da
comunidade do Planalto
Vitória
não
permite
ampliações.
Não
A
ligação
destas
comunidades
com
o
Terminal de Messejana já é
contemplada via integração
temporal
Pudemos acompanhar esta negociação em uma das reuniões do COP em que
estivemos presentes, no citado ano. Vimos a contestação dos conselheiros acerca das
propostas acima explicitadas, sobretudo as que apontam a integração temporal como solução.
Um dos conselheiros contra-argumentou dizendo que o projeto de integração temporal, por
ser novo, não era conhecido por todos e só funcionava se as pessoas tivessem o cartão de
passagem; porém, como nem todos os munícipes possuíam este cartão, a solução dada pela
ETUFOR às demandas tornar-se-ia impraticável. Em resposta, o diretor da ETUFOR
reconheceu que a integração temporal era novidade, mas disse que logo esta seria uma
realidade no Município e todos seriam contemplados por ela, por isso não inviabilizava as
respostas dadas às demandas (ARÃO, 2009). Assim, percebemos que as inviabilidades
técnicas apareciam como verdadeiras sentenças. Embora os conselheiros questionassem os
pareceres técnicos, elas não eram modificadas.
Um terceiro nível de interlocução entre poder público e conselheiros
caracterizava-se pela possibilidade de efetivação de um consenso, em que se percebia a
possibilidade de uma verdadeira negociação. Os critérios técnicos estavam presentes, contudo
não eram empecilhos para a discussão e priorização por parte dos conselheiros das demandas
que comporiam o projeto de Lei Orçamentárias Anual do Município. Os relatórios de algumas
Secretarias (é bem verdade que em número bem reduzido), além de apresentarem o parecer
técnico, traziam os valores previstos para ano em negociação e ainda uma projeção do valor
previsto para execução de cada uma das demandas que poderiam vir a ser deferidas, conforme
a priorização feita no COP. De posse desse relatório, os(as) conselheiros(as), além da clareza
sobre o que iam deliberar, das opções reais de escolha para deliberação, negociavam com a
Secretaria, por meio do debate, a revisão de algumas demandas apresentadas como
79
indeferidas. Nesse sentido, pudemos perceber, diante do conflito entre as propostas viáveis
tecnicamente e as demandas necessárias à população, um forte movimento de negociação em
vez da simples validação das decisões do Poder Executivo, como vimos em outros momentos
da rodada de negociação.
Diante disto, ponderamos que ainda havia muito que se avançar, principalmente
em direção à quebra do predomínio das relações hierárquicas, pois, conforme nos alerta Demo
(1988, p. 77), um espaço efetivamente público trata as divergências “sobre o pressuposto das
oportunidades equalizadas, ou seja, de igual para igual”. Assim, seria necessário romper com
a tradição hierárquica, que continuava a se afirmar nesse processo, e instaurar relações
igualitárias/democráticas que garantissem a participação real de seus diferentes participantes
nas decisões sobre os destinos da Cidade.
Pareceu-nos que, nos anos seguintes, o OP começava a caminhar no sentido de
responder aos nossos questionamentos. Pelo menos foi assim que pensamos quando nos
deparamos com as mudanças propostas no Regimento Interno do OP que regeria os ciclos de
2010 e 2011. Tema que examinaremos nas próximas linhas.
3.2. Os ciclos do OP 2010 e 2011: mudanças e inovações no desenho institucional.
Como a aprovação do orçamento acontece de um ano para o outro, a revisão do
Regimento aconteceu ainda em 2009. Nesse ano, o excesso de demandas aprovadas e não
realizadas levou o Poder Executivo e o COP a repensar a metodologia do OP.
Sempre fora reivindicação dos conselheiros a interrupção de aprovação de novas
propostas para o OP sem que as demandas já autorizadas fossem concluídas. Mas como havia
formalidades a cumprir, o poder público pouca atenção dava para tal exigência, e os ciclos do
OP continuavam normalmente aprovando cada vez mais demandas. Mas os conselheiros
tinham razão, pois o acúmulo demasiado de demandas dificultava a agilidade do processo do
80
OP colocando em cheque a sua legitimidade. Foi assim que, em 2009, o OP parou para ser
reformulado.
O COP, como órgão que delibera também sobre a metodologia do processo,
discutiu e conseguiu entrar em consenso com o Poder Executivo e aprovar uma nova
configuração para o ciclo do OP naquele ano, que ficou conhecido como o Ciclo de Prestação
de Contas.
Diferentemente dos anos anteriores, o Ciclo do OP em 2009 funcionou como uma
prestação de contas, junto à população, acerca das demandas aprovadas em assembleias
realizadas entre 2005 e 2008. O objetivo do Ciclo 2009 do OP foi o repasse de informações
completas sobre as obras e serviços solicitados pela população até então. Assim, foram
informadas quais as obras e serviços possíveis de serem executados e quais as que não foram
possíveis, deixando claro os aspectos técnicos, inclusive aqueles que impossibilitaram a
realização de alguns desses serviços. Nas assembleias realizadas durante este período, ainda
foram eleitos novos delegados tendo em vista o trabalho de fiscalização e controle das
demandas exercidos por eles (FORTALEZA, 2009).
Visando melhorar o acompanhamento das demandas do OP, criou-se a
ferramenta, Sistema de Informações do OP (SisOP), que, por meio da internet, possibilitava o
acesso de qualquer pessoa às informações sobre a execução das obras e serviços. Nesse
período, o OP também muda de coordenação, sai da estrutura da Secretaria de Planejamento e
Orçamento (SEPLA) e passa a vincular-se politicamente à Comissão de Participação Popular,
do Gabinete da Prefeita (FORTALEZA, 2009).
A partir daí outras mudanças continuaram a acontecer. E ainda em 2009, o
Regimento Interno do OP passou por mais uma revisão e mudou significativamente a sua
execução. Por isso que classificamos o OP antes e depois de 2009, pois as mudanças
efetivadas nesse ano modificam totalmente a concepção do OP em Fortaleza.
81
Por meio dessas alterações, foi instaurada no OP Fortaleza a participação direta da
população na definição das demandas a serem priorizadas, função que competia ao COP,
conforme descrevemos anteriormente. De acordo com o discurso oficial da gestão municipal,
com esse novo formato, a população teria seu poder de decisão fortalecido e o conhecimento
necessário para realizar as demandas priorizadas (FORTALEZA, 2010).
As mudanças que ocorreram em relação aos ciclos passados foram as seguintes:
As assembleias preparatórias foram substituídas pelas reuniões comunitárias; e as assembleias
deliberativas passaram a ser realizadas em duas etapas: a eletiva e a decisiva.
Na primeira, conforme discurso oficial, os participantes priorizariam as proposta
de obras e serviços para as áreas regionais ou para os segmentos sociais, como acontecia
antes. A novidade estava na realização da segunda etapa, a decisiva. Segundo a Comissão de
Participação Popular (FORTALEZA, 2010), após a etapa eletiva, a administração municipal
orçaria as propostas definidas no primeiro momento. E, então, com base no orçamento do
Município e no custo de cada obra ou serviço priorizado, os participantes da assembleia
efiniriam as propostas a serem incluídas no orçamento municipal. Esta alteração, inclusive,
diferenciaria o OP em Fortaleza das demais experiências realizadas no Brasil, que continuam
realizando a negociação das demandas por meio da representação do COP. No novo formato
apresentado, as áreas de participação foram redimensionadas e reduzidas de 51 para 27 APs,
conforme nos mostra o mapa 2 a seguir.
Mapa 02 – Áreas de Participação do Orçamento Participativo Fortaleza – 2010
82
Fonte: Comissão de Participação Popular (2010).
As assembleias eletivas aconteceram em 2010 no período de abril a julho, e em
2011 entre os meses de abril e junho. As decisivas realizaram-se nos períodos de novembro a
dezembro e setembro a novembro respectivamente.
Em 2010, participamos apenas da fase decisiva e estivemos presentes em quatro
assembleias, das SERs III (AP 11), IV (AP 13), V(AP 20) e VI (AP 23) (ver mapa acima). Já
em 2011, participamos tanto das assembleias eletivas como das decisivas. Inicialmente fomos
às eletivas das SER I (AP 04) e III (AP 11), mas depois decidimos acompanhar apenas as
assembleias da área de participação a qual a comunidade de Marrocos pertencia, na SER V
(AP18). Assim, acompanhamos nestes dois ciclos um total de oito reuniões.
3.2.1 As assembleias Eletivas
Normalmente, a equipe do OP escolhe uma área central entre os bairros que
compõem a área de participação para a realização da assembleia. Porém, algumas vezes, foi
necessário garantir o transporte das pessoas que moram na circunvizinhança por causa da
distância. Um exemplo foi a assembleia que a comunidade do Marrocos participou34, que foi
34
Em 2011 acompanhamos a participação dos moradores do Marrocos no ciclo do OP.
83
realizada em uma escola no bairro Granja Lisboa. Apesar de serem bairros próximos à escola,
não ficava perto para os moradores do Marrocos, que teriam que andar muito, então, nesse
caso, a Prefeitura enviou um ônibus para levá-los. As fotos a seguir foram tiradas nesse dia.
FOTO Nº 01 – Ônibus fretado pela Prefeitura para levar
participantes da comunidade Marrocos à
assembleia eletiva do OP 2011 (Foto da
autora).
FOTO Nº 02 – Ônibus fretado pela Prefeitura para levar
participantes da comunidade Marrocos à
assembleia eletiva do OP 2011 (Foto da
autora).
Ao chegarmos ao local destinado à realização da assembleia, deparamos-nos com
um ambiente devidamente preparado para divulgar e impulsionar a imagem da gestão
municipal. Enquanto aguardávamos o início da reunião, em um telão projetava-se, repetidas
vezes, uma peça publicitária sobre os feitos da Prefeitura. Esse foi um dos primeiros pontos
que nos chamou atenção.
Logo na entrada existe um espaço preparado, conforme mostram as fotos a seguir,
para o credenciamento dos participantes. Ali são registrados os dados (nome, idade e bairro)
destes participantes para que, posteriormente, conforme nos informou um membro da equipe,
84
haja a possibilidade da Coordenação do OP traçar um perfil deles35, bem como de contabilizálos, pois é a partir deste número que se define a quantidade de propostas que podem ser eleitas
na assembleia.
FOTO
Nº
03
–
Credenciamento
participantes
FOTO
Nº
04
–
Credenciamento
participantes
assembleia eletiva SER V 2011 (Foto da
assembleia eletiva SER V 2011 (Foto da
autora).
autora).
Ao nos cadastrarmos, recebemos a cédula de votação das propostas. Cada
participante pode votar em até três propostas dentre as que forem apresentadas na assembleia,
devendo cada uma delas pertencer a eixos diferentes (lembremos que os eixos de discussão do
OP são: assistência social, cultura, direitos humanos, educação, esporte e lazer, habitação,
infraestrutura, meio ambiente, saúde, segurança, trabalho e renda, transporte e turismo). No
caso de votação em duas propostas do mesmo eixo, o segundo voto é anulado. As propostas
recebem pontuação conforme a prioridade de escolha: a colocada em primeiro lugar recebe
três pontos; no segundo, dois pontos; e no terceiro, um ponto (FORTALEZA, 2006).
À medida que nos credenciamos, mais pessoas vão chegando, umas vêm sozinhas,
outras chegam em caravanas, como a comunidade do Marrocos, enfim, são moradores dos
bairros da área de participação que se reúnem para tomar parte nos debates. Ao acompanhar
estas assembleias, sempre nos fazíamos estas perguntas: como os participantes são
mobilizados para estar nesse lugar? Será que elas estão conscientes do que foram fazer ali?
35
Tal informação nos interessou bastante, inclusive solicitamos a Prefeitura a disponibilização desse perfil por
diversas vezes, porém, não fomos atendidos.
85
Nossa pesquisa de campo nos mostrou que há muita imprecisão e confusão por
parte dos participantes a respeito do OP e acerca do seu papel enquanto participante desse
espaço. Nossa ida à assembleia no ônibus com a comunidade do Marrocos foi reveladora em
relação a este assunto. As pessoas adentravam naquele ônibus, a maioria indo pela primeira
vez a uma assembleia do OP e, por isso, com muitas dúvidas sobre para onde iam e porque
iam. Alguns associavam a palavra assembleia à Assembleia Legislativa e outras pessoas
perguntavam: “o que vamos fazer lá? E lá funciona à noite?” O que demonstra a fragilidade
das decisões tomadas nesse espaço.
Tratamos dessa questão também em nossas entrevistas a fim de compreendermos
melhor como as pessoas são convencidas a comparecerem às assembleias, e descobrimos que
realmente elas não são esclarecidas sobre o que é o OP. O convite é feito pela equipe da
Prefeitura ou pelos líderes comunitários de forma genérica. Os moradores são convidados
para irem a uma reunião onde irão tratar de assuntos que podem trazer melhorias para a
comunidade. Tanto aqueles que estão participando no OP por mais tempo quanto àqueles que
estão participando a pouco tempo no OP confirmaram esse asserto:
Eu vou de casa em casa e digo: tem reunião, vamo (sic) para reunião, pra trazer calçamento pra
cá (Jade).
É assim, eu saio convidando, conversando, fico procurando as palavras certas pra levar eles, se
não, não dá certo. Não dá, porque o pessoal, como sempre não sabe o que é OP, se eu disser
vamos pra reunião do OP, eles dizem o que é isso? Eu digo: a gente vai procurar recursos pra cá
pra dentro, pra ajuda da comunidade! Aí quando você fala ajuda da comunidade muita gente
corre atrás. Mas muita gente, às vezes diz assim: ah não! Eu num vou não, pois muitas reunião
que nós fumo, muitas reunião! Só dá em reunião mesmo. Eles dizem, eu não! eu não entendi nada
que aquele povo falou (Ranya)
Eu fui porque disseram que lá a gente votava né? Porque a gente pedia as coisas que a gente
queria pro bairro da gente (Mohamed).
O fato de o OP em Fortaleza ter sido implantado como parte de um programa de
governo no qual a sociedade foi chamada a fazer parte depois de tudo está pronto, e a falta de
discussões permanentes na comunidade acerca deste instrumento e, diríamos mais, a pouca
expressividade das realizações do OP na Cidade podem justificar a utilização desses
subterfúgios para mobilizar, ao menos, um número mínimo de pessoas que se disponham a
participar. Até porque o número de propostas a ser eleitas nestas assembleias, conforme dito
antes, está sujeita ao número de seus participantes.
86
Após o credenciamento, inicia-se
inicia a reunião. Um componente da equipe municipal
do OP nos adapta ao novo ambiente e nos informa os objetivos da assembleia, quais sejam: a
exposição de como see efetiva o ciclo do OP (ver figura abaixo); a explicação de cada uma das
etapas que o compõe; a apresentação dos resultados do OP tanto em nível regional como
municipal; e a proposição por parte da população das demandas de obras e serviços para
compor o orçamento municipal.
Figura 01 – Ciclo do Orçamento Participativo Fortaleza – 2010 - 2011
Fonte: CPP (2010)- Elaboração própria.
No antigo formato, nas assembleias preparatórias, as informações referentes aos
resultados do OP e do orçamento municipal eram
eram apresentadas pelos secretários das SERs,
pelo o secretário de planejamento e orçamento
orçamento e por um técnico da Secretaria de Finanças.
F
Nessa nova formatação, apenas quem vai às assembleias eletivas, e não vai a todas, são os
secretários das SERs. Esses fazem
fazem uma breve aparição e apenas abrem as reuniões, dando
boas vindas aos participantes. E toda a comunicação é executada pela equipe do OP da SER
onde está acontecendo a assembleia.
Outro aspecto que mudou em relação ao modelo anterior foi a eliminação do
d
direito da população que estava presente na assembleia
ia de participar da avaliação do OP, no
qual eles podiam tecer suas considerações sobre o OP e ser ouvidos pelo poder público
municipal representado pelos secretários. Deste modo, os participantes podiam,
podia nesse espaço,
87
revelar sua insatisfação com a demora da execução das demandas aprovadas; solicitar
esclarecimentos ao poder público sobre a não materialização dessas demandas; e ainda
podiam exaltar a importância do OP, por ser um mecanismo que tornava visível as
reivindicações antigas das comunidades menos favorecidas de Fortaleza. Enfim, nesse espaço,
abria-se a possibilidade de diálogo, embora ainda incipiente, entre população e Prefeitura.
Porém, a ausência desse momento e também a ausência dos representantes das secretarias nas
assembleias do OP, de certa forma, exauriu essa tentativa de diálogo. Agora, os participantes
só falam na hora de apresentar suas propostas.
Enquanto o representante da equipe do OP explica cada um dos objetivos da
assembleia, aqueles que tiverem propostas para indicar já podem cadastrá-las36. Então, são
organizadas filas com as pessoas que têm propostas a apresentar. As equipes de apoio da
Prefeitura Municipal anotam as propostas em tarjetas grandes, de maneira que fiquem visíveis
a todos, numerando-as e classificando-as de acordo com os eixos temáticos do OP. Em
seguida, cada pessoa apresenta sua proposta à plenária, tendo o tempo de um minuto para
defender e explicar sua ideia, conforme nos mostram as fotos a seguir. Normalmente quem
expõe essas demandas são os líderes comunitários; a presença deles no OP é muito
expressiva, pois eles também orientam as pessoas para votarem nas propostas apresentadas
por eles ou pelo grupo. Observamos que, apesar das propostas propagarem problemas
enfrentados por todos na comunidade, a sua elaboração, em grande parte, não passa por uma
discussão coletiva anterior à assembleia, não há um envolvimento ativo da comunidade em
torno da construção dessas demandas.
36
Isso acaba criando uma grande dispersão na plenária e torna difícil a compreensão do que está sendo
apresentado.
88
FOTO Nº 05 – Cadastro das propostas - Assembleia
Eletiva SER V -2011 (Foto da autora).
FOTO Nº 06 – Apresentação das propostas- Assembleia
Eletiva SER V -2011 (Foto da autora).
Ao acompanharmos a comunidade do Marrocos em uma dessas assembleias,
percebemos um esforço por parte dos convidados em tentar articular propostas que
expressassem um consenso, mas isso aconteceu de forma aligeirada dentro do ônibus que os
levava para assembleia. Um dos moradores que, durante toda a semana, fez articulações para
o povo ir à assembleia, passava de cadeira em cadeira perguntando as pessoas o que elas
achavam que teriam de defender como proposta para a comunidade Marrocos, e assim foram
surgindo várias sugestões que iam sendo discutidas, embora limitadamente. O tempo no
ônibus não foi suficiente para esgotarem as discussões e continuaram ao chegarem à
assembleia. Assim, falava com um e com outro, conversava daqui e dali, tudo isso enquanto o
representante da Prefeitura falava. E em meio a essa correria e barulho e com todos os limites
que possam existir e imaginar, eles construíram suas propostas, a saber: atendimento da
comunidade pelo posto de saúde Abner Cavalcante e a presença de agentes de saúde no
bairro; cursos profissionalizantes; geração de trabalho e renda para atender os moradores da
comunidade; e a construção de uma creche ou aluguel de salas para atender crianças que ainda
não estão em creche.
Esses relatos demonstraram a fragilidade do processo de construção das propostas
para o OP e a necessidade de melhorá-lo de forma a envolver a comunidade a fim de que estas
se afirmem coletivamente.
89
Concluída a exposição das propostas, inicia-se o processo de votação. Os
participantes têm um tempo para revisarem as sugestões apresentadas e optarem pelas três que
querem eleger como as mais importantes para a sua localidade. No entanto, os votos já são
registrados nas cédulas ao mesmo tempo em que as propostas estão sendo apresentadas.
Acontece assim, no momento em que os participantes identificam as propostas do seu bairro
ou comunidade, eles fecham os seus votos e nem escutam mais as outras propostas.
A contagem dos votos é realizada logo após o encerramento da votação. Para
tanto, compõe-se a mesa apuradora, que conta os votos sob a fiscalização dos participantes da
assembleia e, ao final, é apresentada a lista com as propostas eleitas e seus respectivos votos,
encerrando-se a assembleia.
Esperamos que nosso passeio tenha ajudado a elucidar o clima de uma assembleia
eletiva, encorajando-os a continuar apreciando as mudanças na estruturação do OP em
Fortaleza. Vejamos, agora, como se organizam as assembleias decisivas.
3.2.2 As Assembleias Decisivas
Esse momento é totalmente diferente do que acontecia no formato anterior. É
nesta assembleia, conforme discurso da Prefeitura, que aconteceria a participação direta, em
que os participantes da assembleia escolheriam as demandas a serem contempladas no
orçamento municipal sem a intermediação dos conselheiros. É aqui também que os delegados
do OP são eleitos.
90
FOTO Nº 07 – Assembleia Decisiva SER V 2011(Foto da autora).
FOTO Nº 08 – Assembleia Decisiva SER V 2011(Foto da autora).
Igualmente como acontece nas eletivas, quando as distâncias são muito grandes, a
Prefeitura disponibiliza ônibus para levar os participantes à assembleia. E mais uma vez a
comunidade do Marrocos contou com o transporte para garantir sua presença na assembleia, e
nós acompanhamos novamente esse processo e ficamos surpresos, pois, dessa vez, os
moradores não responderam à mobilização da mesma maneira que responderam o chamado
para as eletivas. Perguntamos-nos o porquê disso acontecer e vimos que a dificuldade de
muitos moradores é compreender bem o processo do OP em sua totalidade; a distância de
tempo, cerca de seis meses, que separa uma assembleia da outra; e a falta de discussão entre
os moradores sobre o OP, nesse período, fez com que esses moradores não quisessem mesmo
participar desse momento.
E nos parece que esse problema não se manifesta apenas no Marrocos, pois vimos
uma descontinuidade de participação de uma assembleia para a outra. Assim, foi comum
encontrar nas assembleias decisivas, as quais acompanhamos, um número expressivo de
pessoas que estavam indo ao OP pela primeira vez, e que nunca haviam participado de
nenhuma atividade do OP. Percebemos que muitas pessoas estavam totalmente alheias ao
processo, sem saber ao certo o que essa reunião significava e muito menos sem compreender
que propostas eram essas que teriam que votar, uma vez que não estiveram presentes no
primeiro momento quando estas propostas foram elaboradas e priorizadas, o que revela a
pouca representatividade e a baixa capacidade decisória destes participantes.
91
Diante disso, começamos a questionar a qualidade da participação direta tão
propalada nesse novo modelo; buscamos saber com base em que parâmetros eles iriam decidir
as obras e serviços que deveriam entrar no orçamento; e como aconteceria a eleição das
propostas. Mostraremos mais adiante como tudo isso acontece, mas, antes, permita-nos narrar
a maneira pela qual se realiza essa assembleia.
A assembleia é composta por dois momentos. No primeiro, acontece a eleição dos
delegados, aqueles que irão representar o bairro e a comunidade e que irão exercer a
fiscalização da execução das obras e serviços do OP. A maioria desses representantes,
conforme indicamos anteriormente, são identificados como líderes comunitários. Estes já
estabelecem ou estabeleceram alguma relação com a Prefeitura, por meio do OP, e são eles,
geralmente, os responsáveis pela mobilização dos participantes nas reuniões. E,
especificamente nesta reunião, eles têm um grande interesse em levar pessoas para elegê-los
ou para eleger aqueles que eles estão apoiando. Por isso, não importa se a pessoa esteja ciente
ou não das discussões anteriores do ciclo do OP, se já participaram, o que lhes interessam
realmente é o quórum.
O processo de eleição dos delegados acontece da seguinte forma: organizam-se
filas com aqueles que querem se candidatar. A equipe de apoio da Prefeitura registra o nome
completo dos pretendentes e lhes entrega um número de registro, o qual é utilizado pelos
participantes para a votação. Assim, cada candidato cadastrado apresenta-se, defende sua
candidatura e divulga seu número para o pleito. Segue-se, então, com a votação e apuração, e,
no final, são apresentados os nomes dos delegados eleitos para compor o Fórum de
Delegados.
Percebemos que esta escolha, algumas vezes, orienta-se por relações
personalistas. DaMatta (1997), ao discutir a cidadania na sociabilidade brasileira, ajuda-nos a
compreender essa lógica, que chama de “lógica das lealdades relacionais”, que dispensa o
compromisso legal ou ideológico. Segundo este autor, a estratégia social e política mais
visível no Brasil é a de buscar a relação. “Quem você conhece versus quem conheço é o dado
92
fundamental no cálculo social brasileiro” (DAMATTA, 1997, p.88). Assim, os participantes
elegem seus candidatos com base na relação que estabelecem com eles.
No segundo momento acontece o encaminhamento das propostas priorizadas nas
assembleias eletivas. Com base no estudo técnico elaborado pela Prefeitura37, são
apresentados aos participantes o status de cada uma das demandas. Desta forma, elas são
classificadas em viáveis, não viáveis. Dentre as viáveis, estão aquelas que são possíveis, e é
entre essas que a população participante da assembleia tem que votar e decidir qual será
contemplada, isso quando existe mais de uma para escolher, pois, às vezes, vem só uma
classificada como possível e não há mais sobre o que se decidir.
Não demorou muito para descobrirmos que a tal “participação direta” não passava
de mero discurso. Assim, com o andamento da assembleia, percebemos que não seria
necessária nenhuma discussão prévia, nenhum parâmetro para decisões, pois não existem
decisões a serem tomadas. O que vimos é que a Prefeitura define previamente quais
investimentos são possíveis e, assim, o processo de participação, de decisão, resume-se a uma
consulta popular. Carlos (2009) nos assevera que um dos limites ao processo de incorporação
de atores sociais coletivos ao debate é exatamente a partilha real do processo decisório entre
poder público e os cidadãos interessados. Segundo a autora, ao contrário disso, verifica-se que
na maioria dos casos
a participação da sociedade civil é entendida em um viés meramente consultivo, ao
invés de concebida como um processo de autodeterminação e de soberania popular na
definição das políticas que se constroem nas interações sociais de deliberação coletiva,
consubstanciada em um projeto de participação na gestão pública resistente a formas
mais emancipadoras e politizadas de controle social, voltado tão somente à legitimação,
credibilidade e referendamento das propostas do governo (Idem p.233).
Diferente do que acontecia nas rodadas de negociação no COP, em que os
conselheiros, embora de forma incipiente, tinham a possibilidade de debater com os
secretários a situação das demandas nas assembleias decisivas, os participantes apenas são
informados sobre a posição da Prefeitura, posição que se reafirma como sentença, uma vez
37
O estudo das demandas é realizado no intervalo de tempo entre as Assembleias Eletivas e Decisivas,
normalmente entre os meses de maio e setembro.
93
que não há com quem e nem como debater, discutir ou revogar a decisão anunciada. Nesses
termos, a relação entre poder público e cidadãos é vazia de interação dialógica, reflexiva e
crítica, portanto, vazia da possibilidade de partilhamento de poder e de democratização do
processo decisório. E isso descaracteriza o OP de seu potencial político e de sua capacidade
formadora capaz de “qualificar a cidadania para o exercício autônomo da tomada de decisões
e para a responsabilização e controle social dos agentes públicos” (CARLOS, idem. p. 232).
Deste modo, no lugar de avançarmos para um debate público ampliado, pautado
na explicitação das diferenças de interesses, na legitimidade do conflito como parâmetro para
a tomada de decisões, esbarramos no esvaziamento político desse espaço que acaba servindo
muito mais aos propósitos de um projeto político conservador que não compartilha, a não ser,
retoricamente, o poder de decisão. Mais do que antes, observamos a supremacia do saber
técnico que retira dos cidadãos participantes a possibilidade de pensar de forma propositiva,
crítica, realista e viável às soluções para os problemas vividos em seus territórios (CARLOS,
idem). Desse modo, concordamos com Ferraz (2009, p.124) ao afirmar que
esse processo de esvaziamento reitera a evidência de que uma concepção de
participação democrática restrita e elitista em que a manutenção de modelos tradicionais
(centralizadores, autoritários, tecnoburocráticos, particularistas) de processamento das
decisões que repõe a exclusão política das organizações representativas da sociedade
civil, tem balizado essas experiências e contribuído, também, para um processo de
restrição e especialização da participação no interior dessas organizações, aprofundando
o distanciamento entre lideranças, representantes dessas organizações nos arranjos
participativos e as bases societárias às quais se vinculam.
Com isto não queremos dizer que as questões organizacionais, administrativas e
técnicas devam ser desprezadas, mas que elas precisam ser reformadas no sentido de produzir
mudanças efetivas no modo de gerir os recursos públicos, definir políticas ou organizar
serviços (NOGUEIRA, 2004); de promover o envolvimento adequado e suficiente da
administração ao apoio à participação; e de estabelecer uma nova cultura política de modo a
estimular práticas efetivas de uma gestão compartilhada (CARLOS, 2009). É preciso, pois,
romper com a cultura tecnoburocrática prevalecente em nossa formação político-cultural e
fazer emergir uma cultura tecnodemocrática, na qual os critérios técnicos e as soluções
apresentadas pelo corpo técnico e administrativo não sejam impostos de forma autoritária,
mas passem por uma ampla e aberta discussão (SANTOS, 2009). Em suma, necessita-se
94
reverter o padrão de planejamento, aliando a especialização técnico-administrativa com o
protagonismo ético político, para, assim, saber lidar com a participação não como recurso de
legitimação governamental, mas como espaço de emancipação (NOGUEIRA, 2004).
Diante do exposto e com base no balanço das relações estabelecidas no âmbito do
OP em Fortaleza, devidamente apresentadas neste capítulo, somos advertidos sobre o quanto
este espaço precisa ser aperfeiçoado e sobre o quanto ainda é preciso avançar na consolidação
de uma gestão pública administrativa democrática. A observação da manutenção de
hierarquias, da baixa capacidade de articulação e mobilização de organizações da sociedade
civil, a deficiência da publicização do Estado em termos da transparência, da partilha de
poder, e a existência de uma tendência instrumental e utilitária da democracia devidamente
calcada nos fundamentos normativos da retórica reformista do Estado que tendem a
inviabilizar as relações de conflito e as contradições existentes neste espaço, de modo a
desmobilizar e esvaziar as reivindicações de seus participantes, aponta-nos alguns dos
desafios que ainda precisam ser enfrentados.
No próximo capítulo, apresentamos as percepções dos moradores do Marrocos
acerca do OP e tentamos perceber se esses limites, outrora apresentados, interferem,
condicionam ou não seus modos de compreender esse espaço.
95
4. ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO EM FORTALEZA: ATORES,
PRÁTICAS E DISCURSOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO
Neste capítulo propomo-nos à construção de uma análise interpretativa do OP a
partir do ponto de vista dos moradores da Comunidade Marrocos. Inicialmente, apresentamos
como se estabeleceu a relação da Comunidade com o OP e como isso tem influenciado sua
posição em relação a este espaço. A seguir, trazemos as falas dos moradores que justificam a
sua não participação neste espaço. Por fim, apresentamos e interpretamos as significações da
participação e as percepções presentes em seus discursos acerca deste espaço.
4.1. Relação da Comunidade Marrocos com o Orçamento Participativo
A relação da comunidade do Marrocos com o OP começa no primeiro ano de
realização dele. A ONG Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa - CDVHS - foi referida,
por nossos entrevistados, como a responsável, naquele momento, pela divulgação do OP e
articulação dos moradores do Grande Bom Jardim para participarem desse novo espaço. A
oportunidade de reivindicar melhorias e soluções para problemas antigos da comunidade foi a
principal razão que levou os moradores a irem ao OP. Os excertos abaixo confirmam essa
proposição:
Eu fui lá, fui realmente esperando ver alguma coisa acontecer que foi os pedidos dessas casas,
nós fomos fazer os pedidos dessas casas. Aí tivemos lá, tivemos lá no CDV... (CDVHS), tudo isso
antes de ir para a assembleia grande. No CDV... nós tivemos o primeiro contato, foi quando eles
vieram falar do OP. Só que eu como muitas não sabia o que é que significava, eu fui, como é que
eu te digo, pra saber o que era, pra saber se tinha alguma coisa de bom pra cá, pra dentro.
(Ranya)
Porque assim, o Marrocos era bem decadente, aí qual o objetivo? Vamos pra a assembleia, vamos
pedir isso e isso para o Marrocos (...) Porque aqui era cheio de casas de taipa. A presidente da
associação pediu as casas, eu pedi o calçamento e o saneamento. (Jade)
Bem o que me incentivou na realidade é que eu queria que a nossa comunidade, assim, nosso
bairro crescesse. Eu fui lá para procurar alguma coisa para nossa comunidade (...) Então, eu
quero estar por lá, e eu quero, inclusive, se tiver projeto e eu tiver como levar, eu quero ver se me
ouvem e se esses votos são votados pra gente ver se a gente consegue alguma coisa pra cá. (Ali)
Apenas um dos entrevistados atrelou sua motivação à curiosidade e ao desejo de
saber como funcionava esse espaço.
96
O que foi que me motivou? Nada, porque eu quis participar só pra ver como é que é. Eu queria
conhecer só isso! Curiosidade, só isso e pronto. (Mohamed)
Fizemos um levantamento e vimos que não foram muitas as reivindicações da
comunidade aprovadas no Plano de Ações do OP. Entre os anos de 2005 a 2011,
identificamos apenas quatro demandas38, uma na área da habitação, uma na educação e as
outras duas na área de desenvolvimento econômico, discriminadas a seguir: em 2005,
encontramos a solicitação da construção de 157 casas populares que substituíram as casas de
taipa existentes na comunidade; e a construção de uma creche.
Em 2007, a creche foi citada novamente para constar no Plano de Ações, uma vez
que não foi construída no ano anterior, conforme tinha sido planejada. É importante ressaltar
que essa creche só foi concluída agora em 2012, cinco anos depois da primeira proposta. E os
moradores do Marrocos ainda não ficaram satisfeitos, pois a creche não foi construída dentro
da comunidade, como eles haviam solicitado, mas em uma comunidade próxima, no Parque
São Vicente.
Novas demandas são encontradas apenas no ano de 2011, ou seja, passaram-se
exatamente três anos39 para vermos novamente o Marrocos no Plano de Ações, sendo que,
agora, as demandas atentavam para a necessidade de geração de trabalho e renda, e para a
realização de cursos de cabeleireiro para os jovens e mulheres da comunidade.
Em relação ao projeto habitacional, a Prefeitura iniciou a obra no ano de 2006, o
projeto previa, além da construção das casas, a infraestrutura das ruas, saneamento básico e a
regularização fundiária. O que levou muita expectativa para os moradores; alguns dos nossos
entrevistados nos relataram a euforia daquele momento:
38
Essas foram as demandas que depois das negociações foram contempladas no Plano de Ações. Isso significa
que existiram mais propostas, mas não entraram no Plano de Ações, como aconteceu no ciclo 2011 em que a
comunidade apresentou quatro demandas e apenas duas foram aprovadas.
39
Estamos levando em conta que no ano de 2009 não houve eleição de demandas no OP em Fortaleza. E
atrelamos essa ausência da comunidade nesse espaço à repercussão negativa da não realização da demanda de
construção das 157 casas. Tema que abordaremos a seguir.
97
Aí em, 2006 a gente fomos contemplados [sic]. Quando a assistente social da Habitafor chegou
aqui, ela falou pra gente que a gente tinha sido contemplado não só com as casas, nós tinha
sido[sic] contemplados não só com as casas, a gente tinha sido contemplado com o saneamento, o
calçamento e a regularização fundiária. E aí pronto, foi aquela euforia aqui dentro! Aquilo só me
incentivou a continuar indo para as assembleias, continuar participando do OP. (Jade)
Nós fizemos até um pedido elevado, pedimos 250 casas. Mas por ter sido aceitado [sic] as cento e
cinquenta e sete, nós achemos [sic] até uma glória pra nós, porque cento e poucas casas que
seriam feitas, pra nós foi muito! A expectativa era grande, toda hora nós via [sic] eles chegarem.
Pelo menos eu, tinha dia que eu nem dormia, eu ficava naquele pensamento: meu Deus como é
que vai ser essas casas, como é que vai ser? Que eu não pensaria de ser umas casas tão boas,
não! Mas a gente ficava na expectativa até o dia aqui que começaram a chegar. Ah quando o
pessoal da Habitafor entrou ali, ave Maria foi uma festa pra nós, porque nós ainda ficava [sic]
pensado será que eles vem mesmo, será que é verdade? Primeiro eles vieram fazer toda a
avaliação, todo o cadastramento, realmente do jeito que foi dito lá, que eles vinham fazer todo
esse cadastramento, iam conhecer o nível de tudo que era pra poder escolher as famílias que ia
ser contempladas [sic] e começar a construção das casas. (Zoraide)
A obra, contudo, não foi finalizada, pois vários problemas impediram a conclusão
dessa demanda: o primeiro grande obstáculo manifestou-se na concepção do projeto; os
moradores não foram chamados a participar de sua elaboração, os técnicos da Prefeitura
chegaram com tudo pronto e apenas apresentaram o que iria ser feito. Várias objeções e
discordâncias foram esboçadas pela comunidade, gerando resistência à sua execução.
Outro grande problema atrelado a esse envolveu a postura da equipe técnica em
relação à área de intervenção. Na época, existiam na comunidade muitos terrenos vazios,
cercados, mas desocupados, e o projeto previu nesses terrenos a construção das novas casas e
a entrega dos equipamentos sociais para a comunidade. No entanto, os terrenos tinham seus
supostos donos, eram pessoas que não tiveram condições de construir sua moradia, por isso
cercaram os terrenos, para construírem logo que melhorassem financeiramente; e outras
possuíam o terreno como investimento. Essas pessoas passaram a reivindicar a propriedade
dos terrenos, e isso gerou uma grande confusão, uma vez que a equipe técnica não reconhecia
a propriedade pela falta de documentação que a comprovasse. Ora, como essa documentação
existiria se o terreno foi fruto de ocupação? Tal fato gerou uma grande insatisfação e
resistência ao projeto também por parte desses “proprietários”.
Não bastasse toda a turbulência que esse relacionamento truncado da Prefeitura
com os moradores da comunidade produzia, existiam ainda outros percalços que fizeram com
que o projeto habitacional desandasse: a empresa contratada reclamava do atraso dos repasses
98
dos recursos por parte da Gestão Municipal, o que tornava a execução da obra lenta; e um dos
problemas mais sérios foi a denúncia de desvio do material de construção. Os moradores dão
conta de que cimento, tijolos e outros materiais destinados ao projeto foram vendidos, dentro
da própria comunidade, por algumas pessoas que trabalhavam na empresa. Vejamos o que
uma de nossas entrevistadas nos falou sobre isso:
a gente vimos [sic], casas grandes sendo feitas com o material da firma que tinha aqui e quando
foi parando as obras. Foi desviado muita coisa, muito cimento, muito tijolo, muita coisa mesmo.
Aí foi onde desandou tudo, aí o pessoal começaram [sic] a desacreditar. A obra parou no começo
de 2008, aí foi quando invadiram as casas. Deixaram as casas aí e o pessoal foram invadindo
[sic]. Tem gente que, eu sei, que não estava nem na programação de ganhar, moradores daqui
mesmo, que invadiram as casas que estavam aí abandonadas.(Nazira)
Depois de tanta confusão, a obra foi paralisada, a Prefeitura entregou apenas 62
unidades habitacionais das 157 previstas, executou pouquíssima coisa referente à
infraestrutura das ruas, e não conseguiu encaminhar as ações de saneamento básico, tampouco
realizar a regularização fundiária. A empresa responsável abriu falência e abandonou o
empreendimento e até hoje a comunidade espera uma posição da Prefeitura acerca dessa
demanda. As fotos abaixo retratam a realidade deixada na comunidade após intervenção do
Poder Público Municipal.
FOTO Nº 09 – Casas entregues pela Prefeitura (Foto da
autora).
FOTO Nº 10 – Rua sem infraestrutura (Foto da autora).
99
FOTO Nº 11 – Uma das poucas ruas que foram
pavimentadas (Foto da autora).
FOTO Nº 12 – Ausência de esgotamento sanitário (Foto
da autora).
O que nos chamou a atenção nesse incidente foi perceber a posição da
comunidade, o que nos levou a questionar por que os moradores ficaram apenas assistindo a
esses acontecimentos? O que eles fizeram e o que têm feito para cobrar do Poder Público
Municipal a prestação de contas do dinheiro que ali foi investido? O próprio contexto
matizado por nós, linhas atrás, nos dá pistas para refletirmos sobre essa posição e nos
possibilita analisar a complexidade desse processo e evidenciar nele as resistências, as lutas
que contestam a posição passiva da comunidade presente em nosso julgamento inicial.
Primeiramente, temos a euforia, a esperança de se ter modificada a realidade
ríspida, e também a possibilidade de mudança de vida. Depois temos a frustração de muitos
moradores com as proposições do projeto, alguns pontos de discordância foram: a retirada das
pessoas que moravam à beira do Canal da Viúva, canal que passa dentro da comunidade. As
famílias que não concordaram com essa proposição foram aquelas que moravam à beira do
canal e possuíam casas bem maiores do que as casas oferecidas pela Prefeitura. Elas ainda
tentaram negociar a sua mudança, pedindo a Gestão Municipal, além da nova moradia, o
pagamento de indenização que cobrisse a diferença de tamanho entre as casas. Negociação
que não foi aceita pela Poder Público.
Outro ponto de divergência estava na proposta de urbanização trazida pelo projeto
de intervenção, que previa a construção de pequenas praças ao longo da comunidade. Os
100
arquitetos responsáveis acreditavam que essa seria uma boa ideia para a promoção do lazer
naquela localidade, mas não contavam com a contestação dos moradores em relação a esses
equipamentos. A comunidade posicionou-se contra porque, na opinião deles, em um lugar
com problemas sérios de violência, tráfico de drogas, as praças seriam utilizadas apenas como
espaço de proliferação dessas práticas. E por isso solicitaram à Prefeitura que no lugar das
praças priorizassem a construção da creche, que já havia sido demandado no OP, de uma
escola que atendesse as crianças em tempo integral, bem como de equipamento nos quais a
população pudesse ser capacitada e orientada para a geração de trabalho e renda, uma das
maiores necessidades da comunidade, segundo seus relatos.
Mais um ponto de contestação, e nós já falamos sobre ele, foi a utilização
indiscriminada dos terrenos vazios existentes da comunidade. Conforme referimos, não houve
nenhuma preocupação da equipe técnica responsável pelo projeto em saber quem eram seus
donos ou mesmo chamá-los para conversar e negociar a intervenção da Prefeitura ali. Tal
posição do Poder Público, a nosso ver, foi arbitrária e altamente incoerente com a
democratização dos processos de gestão da cidade tão propalada em seus discursos. E, aqui,
Tatagiba (2009) nos ajuda a compreender que essa retórica acerca da participação, tão
evidente nas gestões públicas nesses últimos tempos, na verdade cumpre o papel apenas de
tentar modernizar e superar as formas convencionais e burocráticas da administração pública
sem de fato produzir uma democratização da gestão do Estado, nas palavras da autora:
O estabelecimento dos acordos ou a mobilização para a ação conjunta não resulta
necessariamente de um debate prévio e informado acerca das alternativas postas à
definição do problema e das formas de intervenção. O que está em jogo não é a
definição compartilhada do que deverá ser, em cada caso, considerado interesse
público [...] o foco não está na definição política do sistema como um todo, no
sentido da decisão acerca dos objetivos a serem coletivamente perseguidos, mas uma
ação que se inicia e se mantém num certo sentimento de urgência, onde o que conta
é minimizar os impactos dos problemas aqui e agora. Nessa direção, o padrão da
interação com o ‘outro’ é menos exigente normativamente, uma vez que não é
necessário debater e confrontar as diferentes concepções e valores [...] a participação
despe-se de seu potencial transformador, por meio de um deslocamento da
centralidade do conflito, uma vez que o que está em jogo não é a mudança de
condições de dominação, mas a possibilidade de administrar de forma eficiente os
recursos financeiros, materiais e humanos existentes. O que se busca como horizonte
de expectativas não é a ‘partilha do poder de governar’ mas a dissolução desse poder
em gerência eficiente (idem, p.152 e 153).
Assim, a participação reduz-se a um recurso gerencial útil para solucionar
determinados problemas ou viabilizar e legitimar a reprodução política e eleitoral de
101
governos. Concentra-se muito mais na obtenção de vantagens e de resultados do que na
modificação de correlações de forças ou padrões estruturais. Nogueira (2004) clarifica essa
proposição ao afirmar:
As pessoas podem participar sem se intrometer significativamente no
estabelecimento das escolhas essenciais. Podem permanecer subalternas a
deliberações técnicas ou cálculos políticos engendrados nos bastidores, em nome da
necessidade que se teria de obter suportes técnico-científicos para decidir ou de
concentrar certas decisões eminentemente políticas (p.143).
Por conta disso, é que se manifesta nosso interesse em apreender também os
significados de participação construídos a partir da experiência do OP de modo a observar se
essa concepção influencia e se reproduz nos discursos dos moradores do Marrocos. Antes de
tratarmos propriamente desse assunto, achamos necessário trazer a posição daqueles que não
participam do OP. Conforme dito anteriormente, interessou-nos conhecer os motivos pelos
quais a maioria dos moradores da comunidade não toma parte nesse espaço. Por que depois de
sete anos de realização do OP em nossa cidade o nível de participação dessa comunidade é tão
baixo?40
4.2. Os motivos da não participação
Alguns indicadores citados no capítulo anterior nos orientam sobre a
desmotivação da comunidade, tais como: a forma como os moradores são mobilizados a
participar; a ausência de uma reflexão e discussão entre eles sobre este espaço; e a pouca
expressividade do OP dentro da comunidade, uma vez que as demandas com as quais a
comunidade foi contemplada não foram realizadas em sua totalidade.
Nossos entrevistados afirmaram ainda, pelo menos, três outros motivos. Um
primeiro, mais pontual e que tem conexão com os citados anteriormente, diz respeito à falta
40
No levantamento que fizemos, a fim de determinarmos quem seria nossos interlocutores, conseguimos
identificar como participantes ativos do OP, ou seja, aqueles que o acompanham desde o começo e que ainda
participam de suas atividades atualmente, apenas quatro moradores. Os quatro, porém, foram por nós
entrevistados.
102
de divulgação. Quando perguntamos se eles conheciam o OP e sobre o que já ouviram falar
sobre ele, nossos entrevistados não souberam responder, as falas transcritas abaixo tornam
evidente essa posição:
Não, eu não sei o que é e nem ouvi falar!!! Eu acho que falta divulgação por isso que ninguém
vai, porque aí Márcia, por exemplo você é líder aqui do Marrocos, aí o que é que eu tenho que
fazer? Rapaz, vamos falar com eles, vamos reunir um grupo. Porque não é só você que arranja,
eu tenho dito aqui muitas vezes, hoje só se arranja as coisas de grupo, num é só eu, num é só você,
nem duas, nem três pessoas que arranja não, Márcia! Tem que ter um grupo, tem que ter aquelas
pessoas certas pra trabalhar. (Mustafá)
Bem, eu acho que o problema está na divulgação dos eventos que vai ter, porque vamos dizer que
a associação, porque ela tem uma facilidade de saber disso com mais antecedência, ela também
pode ajudar em dar uma divulgação, vamos dizer que alguém facilite lá um panfleto, um carro de
som, uma pessoa vir no mano a mano mesmo chegar, ó vai ter a reunião sobre isso, você vai lá
questionar sobre tal... é isso aí que eu acho, porque sempre quando tem, às vezes a gente não
sabe, num vai. Aí vai poucas pessoas, porque as pessoas não tem interesse, aí não tem ninguém
para representar a sua rua, nem o seu bairro, porque a divulgação foi pouca. (Khadija)
O segundo motivo, de maior amplitude, está relacionado ao descrédito dos
moradores em relação à “política” ou aos políticos. A ideia de política aqui é aquela referente
apenas à ação de votar e escolher os representantes. Esse descrédito é fruto de uma relação
perniciosa entre comunidades e alguns candidatos a cargos políticos tão presentes em nossa
cidade. Sabemos ainda como são antigas e recorrentes as visitas realizadas por esses
candidatos às comunidades, apenas nos períodos próximos às eleições, com intuito eleitoreiro.
Muitas são as promessas não cumpridas que trazem como consequência a frustração e a
descrença. As falas abaixo ilustram essa afirmação:
Aí Márcia, é o seguinte, como diz o outro, aqui no Marrocos nós não tem Prefeitura, nós num
conhece um agente de saúde. Nós aqui vive ao deus dará. Aqui, nós não tem uma polícia, ninguém
num passa aqui, é havendo desastres aí, mortes, é balaço, é essas coisas. A gente aqui é umas
pessoas, que nós vive aqui, como se diz, a deus dará mesmo! Só a mão de Deus pra ter
misericórdia da gente, porque maior é Deus mesmo, porque ele é dono do céus e da terra, é ele
quem repara em nós!Porque a Prefeitura num vem aqui não!(Mustafá)
Eu queria que realmente os políticos olhassem pra nós e vissem, enxergassem não só no dia da
eleição pra vir aqui dizer: oh sou candidato a prefeito, a deputado, a senador, governador e
outras coisas e eu to querendo ser eleito, to querendo que vocês votem em mim! E aí eu vou dizer:
por que? Por que eu vou votar no senhor? Só quando a gente ver as melhorias, ver alguma coisa
que alguém fez.Eu queria ver isso! (Kjadija)
Essa incredulidade, portanto, manifesta-se contra o desprezo às ações do poder
público. E no caso do Marrocos, mais especificamente, manifesta-se a favor da renúncia ao
103
OP. Vejamos o que nos disse um de nossos interlocutores quando conversávamos sobre a
participação da comunidade nesse espaço:
Pois é, eu conheci o OP já interessado que a Prefeitura retomasse esse projeto aqui, no ano
passado (referindo-se a 2011). Então eu comecei a fazer perguntas e chegamos a conhecer o
pessoal da Regional, Regional V, aí a gente teve uma palestra com o pessoal e a gente ficou
interessado, empolgado com essa situação, com essa possibilidade de retomar essas obras aqui e
a gente tentou botar uma associação, porque a associação que tem aqui, a gente não via a
associação assim trabalhando, entendeu, buscando benefícios pra dentro da comunidade. Então a
gente tentou montar uma associação e o foco principal era que fossem retomadas essas obras,
mais de 60 casas que ainda faltam aqui dentro da comunidade e com isso ia receber o saneamento
e toda uma melhoria. Foi boa a participação nos primeiros meses, mas aí também já veio a
descrença também, porque o pessoal não acredita muito nessa prefeita atual. Então a gente ficou
assim, descrédito mesmo, sem acreditar no programa e pronto, daí a gente se desanimou e não
buscamos mais (Said)
[...] Eu acho que essa falta de vontade de participar, eu acho que é também por falta de crença no
governo, seja no estadual ou da prefeitura. Essa descrença deles também ajuda essa atitude de
acomodação. A gente ver isso aqui, nós, ultimamente, há alguns meses atrás quando eu estava
participando, eu saia articulando com a caixa de som, mas eu percebi que eu falava na prefeitura,
que era o pessoal da prefeitura que ia vir, eu achava que isso ia incentivar mais pra eles
participarem, foi ao contrario, eles não vieram, quando eu disse vai vir um representante da
prefeitura vai vir pra conversar com a gente, eles não vieram, não teve essa participação, por
causa dessa descrença deles com a prefeitura. (Said)
Ora, se os cidadãos são convidados a participar de uma iniciativa dedicada a
resolver determinados problemas e, com o passar do tempo, essa iniciativa não se manifesta
em ganhos efetivos, é razoável que o desinteresse apareça e que alguma frustração se
manifeste. Nogueira (2004), porém, não considera que esse desinteresse seja sinônimo de
apatia, antes, para ele, representa uma reposta. Deste modo, a omissão seria uma contestação,
em suas palavras:
O cidadão nesse caso pode voltar-se contra o sistema e tentar vingar-se dele, agredilo. Formas de agressão: o cidadão que se omite, que deixa de se interessar
ativamente pelos assuntos públicos, que não acredita em mais nada e pensa que
todos os políticos são por princípio ladrões põe-se fora da comunidade e colabora
para enfraquecê-la (p.165).
O terceiro motivo para a não participação de alguns dos moradores no OP está
ligado ao desgaste sofrido ao longo dos anos pela Associação de Moradores do Marrocos,
principalmente após a entrada da Prefeitura na comunidade, em que ambas passaram a ser
104
identificadas como parceiras. Isso atraiu a resistência dos moradores também para a
Associação.
Nossos entrevistados nos contaram que a Associação surgiu logo no começo da
ocupação, e foi criada com a ajuda de lideranças do Parque Santo Amaro, outra comunidade
que fica bem próxima ao Marrocos. Essas pessoas foram chamadas, por aqueles que
ocuparam o terreno, para ajudar no processo de organização e demarcação da terra. Alguns
dos que estavam constituindo morada ali se reuniram aos líderes do Santo Amaro e formaram
a Associação de Moradores do Marrocos, e juntos constituíram a sua liderança, que se
perpetua até hoje.
A Associação atuava dentro da comunidade, definindo o tamanho dos lotes,
desenhando o arruamento, e organizando as pessoas para solicitação de serviços de água e
energia. Atuava também como uma frente assistencial, fazendo a doação do sopão,
acompanhando o grupo de gestantes, que atendia as mulheres grávidas, membros das famílias
mais necessitadas da área, com a doação de um enxoval básico para seus bebês. Esses últimos
“serviços” eram mantidos, em sua maioria, por políticos, candidatos ao Legislativo tanto
municipal quanto estadual, e seu funcionamento ficava então atrelado à boa vontade desses
políticos em disponibilizar os recursos que, na maioria das vezes, não davam conta das
necessidades da comunidade, ou sequer chegavam. Desta forma, a continuidade e eficácia
desses serviços eram bastante frágeis, deixando várias famílias sem atendimento, o que
acabou gerando grande insatisfação da comunidade no que diz respeito à atuação da
Associação.
Outro ponto que gerou e continua gerando insatisfação dos moradores nesse
quesito é ausência de renovação da direção da Associação e a atuação das lideranças de outra
comunidade na Associação do Marrocos. Algo que deveria ter sido apenas uma ajuda no
começo, enraizou-se. Conforme narraram nossos interlocutores, uma pessoa que não é da
comunidade não pode falar em nome das pessoas que vivem ali, pois, por mais que conheça
as necessidades, não se envolve com elas do mesmo modo, e nem as vivencia em seu
cotidiano.
105
Como se não bastassem esses problemas, outro fator que contribuiu bastante para
o desgaste da Associação e ao mesmo tempo para a recusa da participação no OP, foi a
ligação que a Associação passou a ter com a Prefeitura. Para a execução do projeto
habitacional, a equipe técnica municipal entrou na comunidade por meio da parceria que
realizou com a Associação. No início da obra, as reuniões eram feitas na sua sede, e os
técnicos sempre andavam na comunidade sob a companhia de algum membro da diretoria da
Associação. As duas instituições tornaram-se para a comunidade um ente só. Então, a
descrença em uma significava também incredulidade na outra. Foi a partir daí que a
Associação perdeu suas forças teve sua atuação dificultada, mas, mesmo assim, ainda exercia
alguma influência na comunidade. Todavia, essa “parceria” com o Poder Público Municipal
enfraqueceu sua manifestação e atualmente a Associação ainda existe, mas não passa de um
prédio de portas fechadas, pois não existe mais nenhuma atividade promovida por essa
entidade dentro do Marrocos, hoje ela subsiste sem nenhuma expressividade ou legitimidade.
Observemos o que nos dizem nossos entrevistados acerca disso:
Não tem associação aqui não!!! Essa associação que tem aí foi criada no tempo da invasão e hoje
não faz mais nada! Tinha que ter uma associação aqui mesmo para fazer, para trabalhar em
beneficio do povo, pra fazer documento dos terrenos, alguma coisa. (Mustafá)
Nós não temos líder comunitária, tô lhe dizendo, e eu digo em qualquer canto, nós não temos líder
comunitária, nós não temos um agente de saúde aqui dentro do Marrocos, nós não temos nada!
(Khadija)
O pessoal diz: a comunidade do Marrocos, mas aqui não tem comunidade, aqui não tem uma
associação, aqui não tem líder, aqui não tem coisa nenhuma. (Said)
Percebemos como é grande a rejeição dos moradores à Associação, não há
nenhum reconhecimento por parte deles que confira a essa entidade poder para representá-los.
Porém, se na comunidade essa liderança não tem mais nenhuma legitimidade, no OP ela é
reconhecida em alta estima, compondo o quadro de delegados e conselheiros do OP,
representando a comunidade. Todas as vezes que entramos em contato com a equipe do OP
para falarmos sobre a pesquisa, eles sempre faziam referência aos líderes da Associação como
os representantes do Marrocos no OP. Essa discrepância nos faz compreender também os
motivos de muitas pessoas da comunidade não se disporem a estar no OP.
Quando acompanhamos a mobilização para as assembleias em 2011, foi comum
escutarmos as pessoas dizendo que não iriam porque não concordavam em estar no mesmo
106
espaço que a presidente da Associação estava, pois se ela fazia parte, era sinal de que não
funcionava. Toda essa ojeriza à figura da liderança acaba dificultando a comunicação,
comprometendo a divulgação, o repasse das informações sobre o OP. Ora, se ela, como
delegado(a) ou conselheiro(a) é a ponte que liga a comunidade ao OP, isso significa que no
Marrocos essa ponte está obstruída. Nessas circunstâncias, que significados de participação
são construídos a partir da experiência do OP? É sobre isso que discorreremos nas linhas a
seguir.
4.3. Discursos sobre a participação: as versões dos moradores do Marrocos
Um dos traços mais característico dos últimos tempos é o uso indiscriminado do
termo “participação”. Segundo Silva (2004), a noção de participação tornou-se uma espécie
de “curinga” no jogo da afirmação de projetos dos mais variados grupos políticos,
pois é um termo que perpassa a quase totalidade dos projetos políticos, desde
movimentos sociais, programas dos governos federal, [estadual e municipal],
programas de agências externas de financiamento, até campanhas na mídia para
arregimentar voluntários (idem, p. 32).
Diante disso, atentamos para o fato de que a generalização do discurso da
participação envolve uma disputa pela supremacia de certas concepções e significados
(DAGNINO, 2004). Estes significados, por sua vez, são construídos socialmente conforme o
contexto em que é mobilizado (SILVA, 2004). Por isso, faz-se, cada vez mais, necessário o
debate e a explicitação dos sentidos que se atribuem a esta palavra. Deste modo, buscamos
observar quais concepções de participação estão presentes nos discursos dos sujeitos sociais e
como essas definições influenciam sua interação com o OP.
Nossa pretensão não é apresentar um conceito de participação, não como última
palavra, como concepção fechada, mas como significações em construção, em constante devir
histórico, atentando sempre para a sua contraditoriedade e transitoriedade, uma vez que estão
em constantes modificações e ressignificações no cotidiano.
107
Foi possível constatar a existência de uma diversidade de olhares e diferentes
significações sobre a participação. Examinamos atentamente a heterogeneidade dos discursos
proferidos por estes sujeitos e realizamos a sua categorização por meio do agrupamento tanto
das características comuns como daquelas que se relacionavam entre si (GOMES, 1994).
Assim, nós dividimos os elementos discursivos presentes nas falas dos entrevistados em três
categorias específicas, que explicitam o modo como os eles veem a participação.
Na primeira categorização, reunimos as falas que identificam e limitam a
participação à experiência no Orçamento Participativo, conforme nos mostra os discursos a
seguir:
A participação, eu acho que é o seguinte, se a gente participar mesmo, se a gente tiver aquela
participação, aquele conhecimento de participação, aquele conhecimento daquela lei, a gente
votar numa proposta, a gente botar aquela proposta... É esse o meu lema, a gente pegar aquela
proposta, a gente levar 10 pessoas pra votar para que essa proposta seja feita. Aí todos eles
participou [sic] para que isso ali fosse feito (...) é participação, nós participemos [sic] pra que
aquilo fosse votado, nós tivemos aquela voz, de participar e de votar. É isso aí que eu digo que é
participação, é quando a gente faz uma lei, uma demanda que ali a gente leva aquelas pessoas
que votam naquela demanda. E aquelas, todas pessoas participou nessa rua aqui que votou pra
ela ser feita! É isso que se chama participação. (Albieri)
A coisa que é participar que eu acho é eu poder chegar lá e me colocar como um é... eu posso
entrar com o pedido de alguma coisa.(...).Tem uma reunião, uma assembleia em que todos tem
que participar, muita gente vai escuta, mas não tem direito de falar nada. Mas participar eu acho
que é a gente ter que falar e obter algumas respostas que é necessária pra gente, pra mim e para
as pessoas que estão no meu bairro, na minha comunidade. Eu acho que é isso. (Ali)
As atividades desenvolvidas no âmbito do OP aparecem como sinônimos de
participação. Entendemos que o OP é sim uma forma de participação, mas ele aparece como
resposta à indagação feita por nós sobre o significado de participação, ou seja, manifesta-se
como sua própria definição. Esta, a nosso ver, é uma ideia restrita da participação que se
harmoniza com a concepção gerencial citada anteriormente. Observamos aqui o risco de
reduzir a participação apenas àquela que se realiza nos espaços institucionalizados, a ponto de
levar ao enfraquecimento outras formas de participação provenientes da organização
autônoma da sociedade face ao governo. Desta forma, teremos uma participação regulada, em
que são fixados os limites permitidos ou desejados de participação, com a supremacia dos
interesses da gestão municipal em detrimento dos interesses da sociedade civil
(SIMIONATTO, 2001).
108
Esta concepção está presente nos discursos do governo municipal que tem
delimitado, quase que exclusivamente, o espaço do OP como o espaço de efetiva participação
da população. Percebemos esta postura por parte da Prefeitura, principalmente quando tem
que responder junto à imprensa as solicitações da população manifestadas em outros espaços
que não o OP, a exemplo do que aconteceu em 2008, quando mais de 600 famílias que não
tinham moradia, provenientes da Comunidade do Papoco, ocuparam o terreno do Campus do
Pici. Uma das indicações dadas às famílias pela HABITAFOR, para que suas solicitações
fossem atendidas, foi para que elas participassem do OP e levassem para lá suas demandas.
Temos observado que tal recomendação tem virado regra na administração pública de
Fortaleza. Se a população chega às secretarias ou aos órgãos municipais para solicitar
melhoria no serviço público ou reivindicar alguma obra, a primeira coisa que ouve é: “essa é
uma demanda do OP?”Se a resposta for negativa, logo é instruída, “você tem que levar essa
demanda para as assembleias do OP, porque, hoje, a Prefeitura prioriza as demandas do
OP”41. Não há como não tecer críticas à forma como o OP em Fortaleza é conduzido.
Atitudes como essas exemplificam as delimitações postas à participação por parte do poder
público municipal, de modo a desconsiderar e desrespeitar as demais formas de reivindicações
e organizações da população. Mas voltemos à nossa categorização e analisemos mais um dos
significados de participação que aparece nas falas de nossos interlocutores.
Este próximo significado, o mais reproduzido nas alocuções dos sujeitos dessa
pesquisa, vincula a participação a valores comunitários e à representação. Atentamos para o
fato de que a existência, talvez por estar presente apenas no mundo das ideias, de um espaço
aberto à participação direta, que visa criar cidadãos mais atuantes, autônomos, capazes de
interferirem na gestão pública, não confronta os canais tradicionais de intermediação de
interesse, uma vez que a ideia de representação encontra terreno muito propício nesse espaço
para seu desenvolvimento e atualização (FEDOZI, 2008). No discurso de muitos de nossos
entrevistados reiterou-se a necessidade de alguém que representasse de maneira eficaz a
comunidade, de modo a solucionar as carências/necessidades imediatas existentes ali. De
acordo com os moradores entrevistados,
participação é a gente conscientizar a comunidade, não adianta você lutar por alguma coisa se
você não deixar aquela comunidade ciente do que você vai buscar. Você tem que conscientizar,
41
Assertivas ouvidas por nós quase todos os dias em nossa experiência de estágio na HABITAFOR.
109
olha a gente ta buscando isso, porque isso é o nosso direito e a gente tem que conscientizar para
que essa comunidade não enfraqueça. Porque não adianta você pegar, fazer uma fala, nós temos
esse direito, vamos buscar tal coisa mas... tem que passar tudo a miúdo pra eles, olha a gente ta
buscando isso, mas isso não é só chegar lá e vai ta pronto não, existe todo um processo, existe
uma teimosia dos governos, eles não vão ceder assim fácil, então a gente tem que brigar mesmo,
não pode ser só uma vez, não vai ser duas e dizer a eles mas vai valer a pena, vai valer a pena
porque é pra você, é pro meu filho. Então é, pra participar tem que está todo mundo consciente do
que realmente quer, tem que haver um bom senso. (Saíde – grifo nosso)
Participação é o conhecimento, é o conhecimento pra poder passar para o pessoal da
comunidade. É um mini fórum para dizer para o povo o que passou-se nas reuniões já que o povo
não quer ir, né? (Mohamed – grifo nosso)
Eu acho a participação muito importante, é como eu estou lhe dizendo, só que está faltando isso
aqui dentro do Marrocos, está faltando uma pessoa que viva na comunidade, que converse com as
pessoas, você hoje não arranja nada só, não, hoje tem que ter um grupo, você não vai só. Vamos
se ajuntar, cinco, dez, e bora, borá lá pra nós conversar com o fulano, e pedir alguma coisa aqui
para comunidade. Por exemplo, o Padre que esta andando por aqui, era bom se ele criasse uma
associação, assim uma coisa que a gente visse, convidasse o povo aí, a gente fizesse uma reunião,
conversasse com o pessoal, isso tudo incentiva as pessoas!!! Era importante, mas não tem!!!
(Mustafá)
Conforme nos indica Fedozzi (idem), a participação vinculada aos valores
comunitários tem como constitutivos as ideias de servir a comunidade, ajudá-la, dar-lhe
condição de liderança, união dos moradores, prática da solidariedade, para pertencer a
entidades. Como podemos observar, em todas as declarações, essas ideias puderam ser
identificadas. Segundo o autor, tais noções não abarcam a construção de uma cultura
democrática que se assenta no debate público e na inserção dos cidadãos nas decisões
políticas. Desta forma, a participação aqui se restringe a promoção do bem-estar da
comunidade atrelada à intervenção de alguém que carregue exclusivamente essa tarefa, não há
nenhuma preocupação com mudanças de sociabilidade, uma vez que o olhar está voltado para
resolução de questões imediatas. Tal postura não permite vislumbrar a participação numa
perspectiva política, de articulação coletiva, antes, os próprios sujeitos, quase “super-heróis”,
tendem a chamar para si, ou para um outro, a responsabilidade para solução de problemas.
Encontramos ainda, na análise dos discursos de nossos interlocutores, outra noção
de participação, que nos parece apresentar elementos que se associam ao exercício da
democracia e da cidadania, embora não aponte para modificação de correlações de forças ou
padrões estruturais. É uma participação específica que Nogueira (2004) classifica como
participação cidadã. As três alocuções transcritas abaixo denotam o que estamos querendo
dizer:
110
Participar é você ter o direito de escolher o que vai acontecer na sua comunidade e não é porque
você vai escolher, que você vai deixar pra lá não, você tem que lutar, você tem que ir até o fim que
você consegue. E que eu acredito que nós temos esse direito, nós temos que correr atrás, nós não
podemos deixar ele passar não. (Zoraide)
Participar é eu estar dentro, eu estar dentro do que vai acontecer. É eu está vendo quem é que
estar certo, quem é que estar errado. É estar presente, você tem que estar dentro, tem que estar
participando, está vendo, está acompanhando. (Jade – grifo nosso)
Para mim a participação é as pessoas está junto um com o outro [sic], é saber ouvir as pessoas,
conversar, saber se impor, se impor na hora que precisa, mas também saber calar na hora que é
necessário. Porque é participando que se ajuda, é que se ver, que se aprende, é que se tem algo,
porque... e uma cabeça só não pensa, não diz nada não, eu acho assim, uma cabeça só não vai
pensar tudo não, porque eu tenho um pensamento, você tem outro, aí outra pessoa vem, aí precisa
aqueles três pensamentos juntam uma coisa só, às vezes é um pensamento, os três são diferentes
mas juntando aqueles três pensamentos acaba chegando em algum lugar. Eu acho isso! (Ranya)
As novas objetivações do capitalismo e da sociedade moderna incitam para que a
participação se desligue da política e perca seu conteúdo ético político a serviço de uma
ligação mais estreita com os interesses particulares, com a resolução de problemas e com o
atendimento de demandas específicas. Participar passa a significar também uma forma de
interferir, colaborar e administrar. Deste modo, a participação não põe em xeque o poder ou
as relações de dominação, antes se dedica a compartilhar decisões governamentais, para
reduzir atritos, e interferir na elaboração orçamentária. Assim Nogueira (idem, p.142) nos diz
que a participação cidadã manifesta dois elementos distintos e contraditórios, a saber:
Por uma lado, expressa a intenção de determinados atores de interferir no processo
político-social, de modo a fazer valer seus valores e interesse particulares. Por outro,
expressa o elemento de cidadania, no sentido cívico, enfatizando as dimensões de
universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidades e deveres. No
bojo da participação cidadã está se constituindo outro tipo de participação, a
participação gerencial que se orienta por uma idéia de política como troca entre
governantes e governados: quanto mais interações cooperativas existirem, melhor
para o sucesso eleitoral e a legitimação dos governantes e melhor para os grupos
sociais envolvidos, que podem assim ver atendidas parte de suas postulações.
A análise das falas de nossos interlocutores evidencia-nos que, embora elas
elucidem diversas concepções de participação, elas também parecem apontar para uma
mesma chave de significados que remete a uma participação instrumentalizada. Para Tatagiba
(2005, p.17 e 19), o que explica a propagação dessa instrumentalização da participação é a sua
despolitização, em suas palavras:
111
A impressão que se tem é que a participação foi despida de toda carga simbólica
que, em outros momentos, permitiu relacioná-la a projetos mais amplos de
transformação social. Tanto as lideranças quanto os representantes do poder público
parecem lançar sobre a participação expectativas que a confinam ao campo de
produção das políticas públicas, ao processo de gestão [...] O momento atual parece
estar marcado por essa ausência de horizontes políticos mais amplos capazes de
conferir novos significados às práticas participativas, traduzindo-se numa certa
despolitização da participação – no rastro da desvalorização da política como arena
de conflito (p. 17 e 19).
Enfatizar o caráter político da participação é considerá-la como princípio
fundamental para a ampliação da política, de modo a configurar-se como um projeto de
construção de uma nova sociabilidade. Para Dagnino (2004) e Telles (1999), o projeto
democratizante e participativo que caracterizou os anos 1970 e 1980 no Brasil inaugura a
rearticulação e protagonismo da sociedade civil brasileira na luta por direitos de cidadania
social e pela criação de espaços públicos abertos à participação ativa dos cidadãos. Para
Dagnino (idem, p.4 e 5):
A participação era pensada como partilha do poder, como participação na tomada de
decisões. Um poder pensado não como um aparato a ser tomado, mas como um
conjunto de relações sociais a ser transformado [...] E este poder está tanto na
sociedade quanto no Estado e, portanto, é necessário pensar sua transformação tanto
na sociedade quanto no Estado [...] A sociedade civil resolveu fazer uma aposta na
possibilidade de uma atuação conjunta entre o Estado e a sociedade civil, através,
exatamente, do princípio da participação. Ou seja, se consolidou a ideia de que a
sociedade tem o direito de participar e que, portanto, pode e deve compartilhar o
poder do Estado. Para isso, a Constituição de 1988 assegurou alguns mecanismos.
Para Teles (1999), esta nova ordem legal instituída em 1988 abre possibilidade
para efetivação de uma cidadania ativa e para o desenvolvimento de uma tessitura
democrática aberta à prática de representação e interlocução pública. Nesse sentido, a noção
política de participação produzida naquele momento traz a possibilidade de definição de “um
novo tipo de regulação social capaz de garantir e criar novos direitos” ( idem, p.158). Na
visão da autora, a participação exerce efeitos positivos relativos à consciência de direitos, à
integração social, ao reconhecimento do outro, à ação coletiva e ao exercício da alteridade e
do reconhecimento de todos os indivíduos como portadores de direito. Assim, indivíduos
seriam transformados em cidadãos capazes de repensar a sua postura em relação aos outros, e
que saibam reconhecer nas regras e normas sociais o resultado do acordo mútuo, do respeito
ao outro e da reciprocidade.
112
Para tanto, porém, faz-se necessário que os espaços destinados à interlocução
entre Estado e sociedade sejam reais, não fiquem apenas no discurso, sejam de verdade arenas
públicas, lócus da visibilidade dos conflitos e das demandas sociais e da elaboração dos
parâmetros públicos no reconhecimento dos direitos por meio da negociação dos interesses
envolvidos e da deliberação de políticas que tenham como medida o direito de todos.
O quadro ilustrado até agora tornou evidente o quanto é preciso avançar para que
os processos de participação desenvolvidos por meio do OP no Marrocos ultrapassem os
limites da democracia gerencial e gerem benefícios para a comunidade como um todo,
principalmente no que diz respeito à proliferação de valores democráticos capazes de criar,
nos termos de Telles (1999), uma nova contratualidade que construa uma medida de equidade
e as regras da civilidade. É importante afirmar também que será inútil a abertura de espaços
de participação se não houver investimentos neles e, principalmente, se os demais processos
da gestão pública não passarem por uma reforma democrática e ainda se mantiverem fechados
à intervenção dos sujeitos sociais. É preciso mudanças na administração de modo que as
práticas de gestão partilhada sejam permanentes e perpassem toda gestão municipal. Com
isso, afirmamos que mais importante do que ter espaços montados para a participação é ter de
fato processos que efetivem a participação ampla e consistente dos cidadãos, de forma que
suas decisões tenham validade, sejam respeitadas e realizadas pelos governos.
4.4. Um balanço da experiência do OP: olhares dos moradores do Marrocos
A última parte deste capítulo, não menos importante, enuncia as visões dos
moradores do Marrocos que vivenciam ou vivenciaram o OP sobre esse espaço. A partir da
análise de suas declarações, apreendemos as suas percepções e perspectivas a cerca do OP,
bem como as limitações e as contribuições dessa experiência para suas vidas. Elencamos, a
seguir, os três grupos que sintetizam os aspectos sobre o que pensam nossos interlocutores a
respeito do OP.
113
Um grupo expressivo de nossos entrevistados acredita que a inauguração do OP
trouxe para a população de Fortaleza, sobretudo àquelas que vivem na periferia, a
oportunidade de expor suas necessidades e de se fazer ouvir pelo poder público, prática,
segundo eles, inexistente até então nesta cidade. Nesse sentido, o OP torna público as
dificuldades existentes na comunidade, retirando-as do seu isolamento. Constitui, portanto,
um espaço de interlocução entre cidadãos e poder público. Em suas falas, eles também
alertam para a necessidade desse espaço ser cada vez mais aperfeiçoado, sobretudo no que diz
respeito ao atendimento das demandas. Selecionamos três depoimentos de nossos
interlocutores que evidenciam essa perspectiva:
Pra mim e no meu conhecimento ele significa muito, muita coisa, porque lá a gente vai procurar
recurso pra cá, pra dentro, pra ajudar aqui, a comunidade. Só que acaba no vazio quando aquilo
que se pede não é atendido. (Ranya)
O OP é a gente participar das coisas, das coisas da prefeitura, de pedir uma rua, de pedir um
calçamento, de pedir um asfalto, de pedir uma coisa, da gente lutar e ganhar. Já que colocaram
esse OP a gente tem que participar mesmo porque se a gente não participar a gente não tem voz,
nem vez e nem voto! Se a gente não vai, não participa, não sabe de nada mas tem a língua que é
uma beleza pra falar mas não entende nada, não sabe onde tem que buscar as coisas! Então o OP
eu gosto, e eu acho que a gente tem que participar mesmo e lutar pra que não acabe! Nós lutamos
para que ele vire lei. (Albieri)
É o espaço onde temos abertura para pedir direto ao poder público, sem a intervenção dos
vereadores, como acontecia antes, as necessidades da comunidade. Só precisa ser mais rápido
porque é muito lento na hora de cumprir as demandas. (Zoraide)
Além de espaço para reivindicações de melhores condições para o bairro, o OP
também é considerado como espaço de socialização. Essa concepção é recorrente na fala de
alguns dos interlocutores. Eles afirmam que, por meio do OP, puderam conhecer outras
pessoas e a realidade em que viviam outros munícipes. E, desta forma, ampliaram sua
percepção acerca da Cidade, uma vez que tomaram conhecimento de que os problemas
enfrentados por eles não eram exclusivos de suas comunidades, pois também existiam em
outros locais e em diferentes proporções. Nesse sentido, o OP promove o desenvolvimento do
sentimento coletivo, da solidariedade social entre os indivíduos que dele participam. Os
excertos escolhidos a seguir nos mostra essa outra perspectiva sobre o OP:
É um lugar bom, onde eu conheci muita gente. Já tive reuniões com o governador, com os
deputados, foi bom pra mim porque eu conheci muita gente, foi bom pra trazer conhecimento que
eu não tinha! (Ali)
Eu acho muito bom, eu gosto, é uma coisa que eu tenho prazer de estar fazendo, eu tenho prazer
em ir, eu tenho prazer em ter que sair pras reuniões. O que eu mais gosto é de sair pras reuniões.
É uma coisa muito boa, a gente conhece outras pessoas, que estão na luta como a gente. A gente
tem companheirismo, pra mim é muito bom! (Jade)
114
Outra perspectiva pela qual nossos entrevistados visualizam o OP, não tão
exultante como as demais já apresentadas, é aquela que se identifica como um simples
programa da Prefeitura que depende de sua vontade política. Conforme esses moradores, o OP
só é válido para aquelas comunidades que tiveram suas demandas atendidas, portanto, no
Marrocos, ele não teve nenhum mérito. Vejamos o que eles nos disseram:
Pelo pouco que eu entendo do OP, eu acho muito bom, acho muito interessante que a comunidade
participe. Mas é um programa do governo, e se você não acredita no governo como é que você vai
acreditar numa ferramenta do governo? Aí fica desse jeito, aí a gente acaba desistindo, isso
desestimula a gente! Então eu acho assim, é um programa bom, funciona, mas se o governo vier
bem, se tiver bem, se não, se o governo não está bem, se a sociedade não acredita no governo
como é que vai acreditar num programa do governo? No tempo que eu participei, e eu conheço
pouco, eu não vi funcionar. Eu não vi funcionar por que? Por exemplo, eu to falando daqui, aqui
no Marrocos essas casas que faltam são demandas do OP e olha a quanto tempo tá parado isso
daqui, há quanto tempo? Isso aqui é de 2005, se eu não tiver enganado, a gente ta em 2012 e olha
quanta coisa poderia ter mudado, se esse orçamento participativo estivesse concretizado aqui, se
tivesse terminado as obras. A violência não estaria do jeito que ta hoje, eu acredito que não!
Então por isso que eu digo é bom se funcionasse. Se tivesse concluído... se o governo tivesse mais
empenho funcionaria, seria bom! Mas como o governo não tem esse empenho, essa vontade, não
sei porque, aí não funciona. (Said)
Sobre o OP é o seguinte, nós que participa nos acha o seguinte, esse OP pode até valer para
comunidade onde a obra terminou, que ela entregou! nós tem que dizer isso aí. Porque aqui nunca
saiu! Essa proposta das casa do OP, no começo. E não sai. Aí gente fica botando proposta de
novo! E pra quê droga botar proposta de novo? Se o projeto já foi aprovado no OP. Já é a
terceira vez, que nós pede, calçamento, calçamento, calçamento, uma proposta que estava dentro
do projeto. Aí fica tanta da proposta e fica parado. (Mohamed)
Conforme observamos, a construção das significações sobre o OP são
grandemente influenciadas pelo modo como os seus processos se efetivaram na comunidade.
Vimos como tem sido extremamente penoso o contexto dessa efetivação. E verificamos que,
até entre os que participam do OP, o descrédito é recorrente, apesar de reconhecerem a sua
importância pelas possibilidades que se abrem para apresentarem ao poder público os
problemas de sua região, porém, a demora no atendimento de suas demandas tem
desestimulado alguns moradores que têm abandonado esse espaço. É aquilo que já dissemos
anteriormente, se a participação não se traduz em resultados, o desinteresse aparece. E Santos
(2009) reafirma essa proposição ao referir que, especificamente no OP, a efetiva participação
da população está diretamente vinculada à eficácia das decisões, se ela não acontece, a
tendência é que as pessoas deixem de participar.
115
E não foi à toa que, quando perguntamos aos nossos interlocutores sobre as
principais dificuldades identificadas no OP, eles foram unânimes ao responder: a não
realização das demandas aprovadas. Os depoimentos abaixo tornam evidentes:
É o relaxamento, e a falta de empenho do governo em atender as demandas aprovadas... acho que
aquele pessoal que ta lá fica só na cadeira. Ta havendo um erro, ta tendo um problema, num ta do
jeito que é pra ser. O OP é uma bola de neve, porque ta vendo, é a terceira vez que vamos pedir
esse negócio, é a terceira vez, a terceira! (Mohamed)
Na realidade eu vejo assim, o que eu não posso fazer, eu não prometo! Porque se uma demanda,
ela foi muito bem votada, ela tem prioridade. Se nós não temos como fazer ou não podemos fazer
não vamos nem comentar nela, porque teve uma demanda ali da Valdemar Paes, no ano retrasado
eu tive na assembleia que era justamente para falar das demandas que que iam ser feitas no
começo do ano, aí uma foi a Valdemar Paes, tinha um dinheiro, pra fazer três ruas, aí tinha lá as
ruas pra ser feita aí a gente tinha que votar e escolher a rua, a Valdemar Paes foi a mais bem
votada, ela tirou o primeiro lugar iam começar no mês seguinte, até hoje! Aí é isso que eu não
concordo, que eu não acho certo! (Jade)
A única coisa que o OP deveria melhorar que eu já disse pra eles lá é as demandas que foi feitas,
que foi negociadas que não saiu! Agora, eu queria, e eu falei lá pra o pessoal do OP, que as
propostas que fosse colocadas mesmo a gente não perdesse. Dissesse assim, eu quero essa rua
aqui, e tem que sair essa rua! Melhorar mais, ter mais força, força pra fazer mesmo! Tem gente
que diz assim: não, esse OP não vale nada! Que OP? Esse OP lá existe! Por causa disso, porque
tem muitas demandas que não saem! Pra ficar mesmo um OP de moral! O OP tem que chegar,
dizer que vai fazer e fazer mesmo! (Albieri)
Esta parece ser uma das fragilidades mais significativas do OP dentro do Marrocos
que necessita ser superada. Para que este espaço não seja apenas um meio utilizado pelo poder
municipal para forjar o consenso em torno de seus interesses e decisões, conforme nos alerta
Demo (1988, p.20):
Na verdade, a ideologia mais barata do poder é encobrir-se com a capa da
participação. Se realistas formos, partimos daí e não perderemos um minuto sequer
em justificativas vãs, que são nada mais que autodefesas. Quem acredita em
participação, estabelece uma disputa com o poder.
Assim, faz-se necessário avançar rumo à apropriação efetiva deste processo.
Temos visto que a tendência à dominação (idem) é a propensão histórica que tem
caracterizado as relações políticas na sociedade brasileira, em que se predomina o exercício
do “poder de cima para baixo” e a interposição da organização autônoma da sociedade civil.
Todavia, não acreditamos que tal tendência seja intransponível e este é o desafio posto aos
participantes do OP. Em outros termos, a efetivação concreta da democratização do Estado o
116
controle do poder é conquista. Mais uma vez as elaborações de Demo (idem, p 20) são
relevantes: “é preciso encarar o poder de frente, partir dele e, então, abrir os espaços de
participação, numa construção arduamente levantada, centímetro por centímetro, para que
também não se recue nenhum centímetro”.
A despeito das limitações presentes na experiência do OP na comunidade do
Marrocos, existem alguns moradores que, diferente da maioria, continuam participando e
acreditando no OP. Para eles, o OP é um divisor de águas na forma de gerir a Cidade. Antes
havia uma preocupação muito grande com a estrutura física, e pouco ou quase nenhum
cuidado com a população, muito menos em efetivar a participação dela nas decisões do
Município. E aqui eles reproduzem o discurso da gestão. Mesmo com a demora no
atendimento das demandas, eles consideram a experiência do OP bem sucedida. Segundo eles,
a abertura desse espaço, por meio da participação, proporcionou à população o direito de
reivindicar diretamente por aquilo que realmente é essencial para atender as necessidades
deles, e isso é o que os tem motivado a continuar fazendo parte do OP; e, como direito, esse
espaço precisa ser reivindicado e não abandonado, como propõe uma de nossas entrevistadas:
Como eu já falei, continuo participando pelo fato de você ter o direito de escolher o que vai
acontecer na sua comunidade e não é porque você vai escolher, que você vai deixar pra lá não,
você tem que lutar, você tem que ir até o fim que você consegue. E que eu acredito que já que
existe, que nós temos esse direito, nós temos que correr atrás, nós não podemos deixar ele passar
não! (Jade)
Ainda dentre as motivações para prosseguir participando do OP, encontramos,
mais uma vez, como o principal motor dessa atitude o desejo de ver sua comunidade
transformada, de acordo com a citação de nossos interlocutores:
Eu continuo participando porque queria ver minha comunidade diferente! Urbanizada, com os
serviços básicos funcionando, é o que eu quero ver. Então se houver, e eu sei que vai haver outras
reuniões e eu quero estar por lá, pra gente ver se a gente consegue alguma coisa pra cá. O que eu
queria mesmo é que esse projeto fosse encerrado... aqui nós não temos a rede de tratamento de
esgoto, é clandestina, foram feitas mas não ta sendo usado. Aqui ta tudo jogado a céu aberto, não
é pior porque nós os moradores aqui e acolá a gente dá uma arrumada pra que melhore pra
gente. (Ali)
Porque eu quero que as coisas melhorem pra todo mundo, a gente tem vontade de ver as coisas
aqui andar bem direitinho, mas o negócio é que não tá andando muito ainda não. Tem coisas que
está indo devagar, lento, lento. (Zoraide)
Porque eu tenho que atingir aquela meta de arranjar alguma coisa e trazer pra cá, pra dentro...
porque se a gente não for, vai ficar pior, a gente não vai saber se vai vir, ou se ficou, ou se
falaram ou não o nome do Marrocos. Então, a comunidade do Marrocos, de qualquer maneira,
seja uma ou duas pessoas tem que aparecer, porque se não, não falam. E aí pode ser que um dia,
117
não é possível que num escute! Não é possível que um dia nós não ganhe nada aqui pra dentro. A
fé é maior! (Ranya)
Por fim, procuramos saber também dos moradores do Marrocos que mudanças a
participação deles no OP trouxe para suas vidas. Percebemos, pelas declarações de nossos
entrevistados, o reconhecimento de um processo educativo por meio do qual eles possam
aperfeiçoar suas ações:
Sim, ter o conhecimento! O conhecimento foi bom, né? Porque assim, nessas participações da OP
eu cheguei a conhecer várias coisas, vários movimentos, vários, muito mais gente, muita gente de
fora, influente que a gente não, que eu não conhecia. Então pra minha vida ele foi muito boa, me
ajudou muito! Me ajudou muito a eu ajudar muita gente também aqui dentro, aprender a me
comunicar mais. (Ranya)
Trouxe mais um pouco de sabedoria, trouxe mais um pouco de inteligência, coisas que eu não
sabia, hj a gente sabe, não é so eu, são muitos. Coisa que a gente nem sabia por onde começar,
hoje a gente já sabe, por onde ir, onde bater, qual a porta que a gente bate, tudo através do OP.
Se a gente tinha dificuldade com o telefone de um órgão, alguma coisa, liga pro OP que o OP
(referindo-se a equipe de suporte do OP) diz onde é aquele telefone, aquele endereço. Ele é o
órgão que ajuda a gente! (Albiere)
agora a gente tá mais envolvida, a gente se envolve mais também, a gente conversa mais, conhece
muita gente, vai pra um lugar diferente, naquele tempo a gente viajou para João Pessoa, é muito
bom! Eu gosto muito, eu acho bom! (Zoraíde)
Em meio ao processo de participação, nossos entrevistados admitem que são
desenvolvidas qualidades e habilidades, e que está inserido nos espaços participativos é ter a
oportunidade de expandir a sua atuação e adquirir conhecimentos sobre o funcionamento do
poder público, sobre as instâncias devem recorrer para a reivindicação de melhoria da
qualidade de vida, compartilhando ou trocando saberes; esta possibilidade é gerada pelo
caráter pedagógico da participação. Deste modo, a participação aparece como mecanismo de
aprendizado e aperfeiçoamento, que desenvolve nos indivíduos uma maior clareza sobre os
resultados da sua atuação.
A observação empírica nos mostrou as fragilidades das relações da Comunidade
do Marrocos com o OP, sobretudo por conta da baixa efetividade das respostas às demandas
assinaladas pela Comunidade. O que acaba tornando-se motivo para que muitos moradores
não legitimem esse espaço e se afastem dele. Porém, também nos mostrou que, apesar das
limitações presentes na experiência do OP, para alguns moradores, esse é um espaço que não
pode ser abandonado, antes precisa ser ocupado. E a isto, acrescentamos, a necessidade de sua
qualificão na perspectiva de constituir-se como um espaço de contestação e confronto de
modo a possibilitar decisões que visem à real democratização da gestão pública.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso estudo, buscamos compreender e interpretar os significados de
participação e as percepções sobre o Orçamento Participativo inscritos nos discursos e
práticas dos moradores da Comunidade do Marrocos.
Antes de retomarmos os aspectos relevantes de nosso estudo, pontuados ao longo
dos capítulos, e apresentarmos a síntese dos resultados da pesquisa, precisamos ponderar
sobre algo importante em nossa proposta de estudo. Queremos afirmar, aqui, a
impossibilidade de esgotamento da realidade por meio deste trabalho. E reiterar que os
achados deste trabalho não são privilegiadas, apenas particulares; o importante nesses achados
é sua especificidade complexa, sua circunstancialidade. Portanto, os resultados por ele
apresentados não poderão ser tomados como verdade absoluta, nele estarão presentes apenas
aproximações da totalidade complexa que constitui a realidade.
Nesta perspectiva, nosso trabalho investigativo não nos permite fechar conclusões
acerca da participação e da experiência do Orçamento Participativo em Fortaleza. Assim, as
generalizações, aqui apresentadas, dão-se dentro da microexperiência estudada e no marco
temporal específico. A nossa referência é que o OP é um processo contraditório que envolve
várias dimensões, relações de poder e significados em disputa. E como processo, está sempre
em aberto, sendo construído e reconstruído pelos sujeitos sociais ali presentes. Desta forma, o
que apresentamos, enquanto resultados de nossa pesquisa, são apenas expressões daquilo que
vem se gestando nesse processo.
Na busca de compreendermos as especificidades da experiência do OP em
Fortaleza e a construção dos significados sobre a participação gestados neste espaço,
realizamos, inicialmente, um resgate sócio-histórico e político-cultural do contexto de
emergência do OP no Brasil.
A delimitação desse contexto nos apresentou os paradoxos que marcaram a
conjuntura de sua emergência. Vimos que o OP surge num período de efervescência das lutas
119
democráticas e também de implementação do projeto de ajuste estrutural em nosso País.
Nesse contexto ambíguo, a participação torna-se palavra-chave, quase banalizada, utilizada
como estratégia diferenciada pelos projetos políticos em curso (FEDOZI, 2008). Assim,
temos uma tensão constante entre os sentidos de participação construídos por cada um desses
projetos: de um lado, temos uma perspectiva coletiva de intervenção nos espaços públicos
com o exercício da deliberação e do controle social sobre as ações do Estado; e de outro, a
redução da participação a um recurso gerencial, descolada de sua dimensão política,
contestatória e negocial (TATAGIBA, 2003; CARLOS, 2009). Tais constatações impõe-nos a
tarefa de apontar as distinções existentes entre estes projetos políticos para identificar os
significados de participação que vêm sendo reforçados na experiência do OP em Fortaleza.
Ao olharmos as gestões de Luizianne Lins (2005-2008; 2009-2012), percebemos a
multiplicidade de canais abertos à participação em seu governo. Os processos do PPA e Plano
Diretor participativo, do OP, tornam incontestáveis a disposição do seu governo em ampliar
os espaços de participação. Contudo, somente a abertura desses espaços não significa a efetiva
democratização da gestão da Cidade, uma vez que outras áreas da gestão não se
democratizam, logo a participação parece estar confinada apenas em lugares determinados,
sem nenhum incentivo fora desses lugares.
A análise da materialidade do OP em Fortaleza nos fez perceber, muitas vezes,
que as práticas cotidianas construídas nesse processo vão de encontro a seus objetivos
propostos no discurso oficial. Observamos a reincidência das “marcas do atraso” nas relações
existentes no OP, tanto entre os sujeitos da sociedade civil, expressas nas formas de
elaborarem e elegerem as propostas, bem como escolherem seus representantes, como, e
principalmente, entre estes e o Poder Público Municipal, na tentativa de condução do processo
e de delimitação do espaço permitido à participação da população. Vimos, ainda, a existência
de uma tendência instrumental e utilitária da democracia que tende a inviabilizar as relações
de conflito e as contradições existentes neste espaço. Assim, reconhecemos o quanto o OP
precisa ser aprimorado para contribuir na construção de uma gestão pública verdadeiramente
participativa.
Quanto aos significados de participação, as narrativas de nossos entrevistados
revelaram a multiplicidade de percepções acerca desse tema. Porém, apesar dessa diversidade,
foi possível encontrar entre elas um ponto em comum, qual seja: a indicação do caráter
120
instrumental da participação em detrimento de seu caráter político. Constatamos, então, que o
OP, em Fortaleza, no lugar de ultrapassar os limites da democracia gerencial, acaba
reforçando-os. Avançar para além desses marcos faz-se extremamente necessário e este é um
dos principais desafios para aqueles que ocupam esse espaço.
A despeito das limitações, o exame das declarações de nossos interlocutores
acerca do OP em Fortaleza evidencia o reconhecimento e a importância que eles conferem a
esse mecanismo de democracia participativa. Deste modo, o OP é visto como um espaço de
interlocução entre cidadão e poder público que proporciona à população o direito de propor
diretamente aquilo que querem que aconteça em suas comunidades; o OP também é
considerado como espaço de socialização no qual quem dele participa tem a possibilidade de
ampliar a sua percepção acerca dos problemas da cidade. Nesta perspectiva, o OP também é
considerado um processo educativo, por meio do qual as habilidades e qualidades de seus
participantes são desenvolvidas. Assim, à medida que participam, os indivíduos têm a
oportunidade de desenvolverem o conhecimento acerca do funcionamento institucional da
Gestão Municipal.
Assim, buscamos perceber a experiência do Orçamento Participativo em Fortaleza
a partir das múltiplas perspectivas construídas pelos sujeitos sociais que dele participam. É
bem verdade que os limites apontados nesta análise demonstram que a proposta do OP não
tem conseguido alterar elementos fundamentais da cultura política, principalmente na relação
que a Prefeitura tem estabelecido com a população nesse espaço, embora a gestão municipal
se autoproclame democrática e participativa. Porém, não há, em nossa Cidade, o
envolvimento adequado e suficiente por parte da administração ao apoio à participação. O
descomprometimento e o desprezo do governo em consolidar as demandas aprovadas pouco
têm contribuído para o fortalecimento da participação dos moradores da comunidade. A
despolitização da participação, que se expressa e se reproduz a uma participação
instrumentalizada, aponta-nos os desafios a serem enfrentados. Contudo, este enfrentamento
só é possível no exercício da democracia, na qualificação e politização deste espaço para que
este seja realmente um espaço público de interlocução, confronto e negociação de conflitos.
Como afirma Fedozi (2008), a construção da cultura democrática somente é possível com o
exercício da prática democrática.
121
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129
APENDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA PESSOAS QUE NÃO
PARTICIPAM DO OP
1.PERFIL DO ENTREVISTADO
1.1. NOME
1.2 IDADE:
1.5. OCUPAÇÃO
1.3 SEXO F( ) M ( ) 1.4. ESCOLARIDADE
1.6. RENDA FAMILIAR
1.5 PARTICIPA OU JÁ PARTICIPOU DE ALGUM MOVIMENTO SOCIAL OU
ASSOCIAÇÃO DE BAIRRO? QUAL?
2. REMONTANDO A HISTÓRIA DO MARROCOS
2.1. VOCÊ ESTÁ NO MARROCOS DESDE O COMEÇO?
2.2. CONTE-ME SOBRE SUA CHEGADA A COMUNIDADE.
2.3. COMO SURGE A COMUNIDADE DO MARROCOS? EM QUE ANO? E COMO FOI
O PROCESSO DE DISTRIBUIÇÃO DA TERRA?
2.4. E POR QUE A COMUNIDADE FOI BATIZADA COM ESSE NOME?
2.5. EM QUE ANO SURGE A ASSOCIAÇÃO, COMO SURGE E PORQUE SURGE?
QUAL O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO NA OCUPAÇÃO DO MARROCOS? VOCÊ
PARTICIPOU EM ALGUM MOMENTO DA ASSOCIAÇÃO?
2.6. QUE OUTRAS INSTITUIÇÕES OU ENTIDADES ATUAM DENTRO DO
MARROCOS? DESDE QUANDO? E QUAIS ATIVIDADES? VOCÊ CONHECE OU FAZ
PARTE DE ALGUMA DESSAS ATIVIDADES?
2.7. QUAIS AS PRINCIPAIS REINVIDICAÇÕES DA COMUNIDADE?
2.8. VOCÊ GOSTA DE MORAR AQUI? O QUE VOCÊ SONHA (QUAIS AS
PERPECTIVAS) PARA SUA COMUNIDADE? E COMO VOCÊ ACHA QUE ISSO PODE
SER REALIZADO
3. SOBRE O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
VOCÊ PARTICIPA/PARTICIPOU DO OP?
3.2. SE NÃO
3.2.1.POR QUE VOCÊ NÃO PARTICIPA/PARTICIPOU?
3.2.2.MAS VOCÊ JÁ OUVIU FALAR?
130
3.2.3.CONTE-ME ENTÃO, O QUE VOCÊ SABE SOBRE O OP?
3.2.4.POR QUE VOCÊ ACHA QUE, MESMO DEPOIS DE 7 ANOS DE REALIZAÇÃO
DO OP EM NOSSA CIDADE, ELE NÃO TENHA SIDO TÃO CONHECIDO NA SUA
COMUNIDADE?
3.2.5 O QUE VOCÊ ACHA QUE SERIA NECESSARIO(QUE PRECISA SER FEITO)
PARA QUE SUA COMUNIDADE PARTICIPASSE EM PESO DO OP?
3.3. PARA VOCÊ O QUE É PARTICIPAR?
131
APENDICE 2 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA PARTICIPANTES DO OP
.PERFIL DO ENTREVISTADO
1.1. NOME
1.2 IDADE:
1.5. OCUPAÇÃO
1.3 SEXO F( ) M ( ) 1.4. ESCOLARIDADE
1.6. RENDA FAMILIAR
1.5 PARTICIPA OU JÁ PARTICIPOU DE ALGUM MOVIMENTO SOCIAL OU
ASSOCIAÇÃO DE BAIRRO? QUAL?
2. REMONTANDO A HISTÓRIA DO MARROCOS
2.1. VOCÊ ESTÁ NO MARROCOS DESDE O COMEÇO?
2.2. CONTE-ME SOBRE SUA CHEGADA A COMUNIDADE.
2.3. COMO SURGE A COMUNIDADE DO MARROCOS? EM QUE ANO? E COMO FOI
O PROCESSO DE DISTRIBUIÇÃO DA TERRA?
2.4. E POR QUE A COMUNIDADE FOI BATIZADA COM ESSE NOME?
2.5. EM QUE ANO SURGE A ASSOCIAÇÃO, COMO SURGE E PORQUE SURGE?
QUAL O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO NA OCUPAÇÃO DO MARROCOS? VOCÊ
PARTICIPOU EM ALGUM MOMENTO DA ASSOCIAÇÃO?
2.6. QUE OUTRAS INSTITUIÇÕES OU ENTIDADES ATUAM DENTRO DO
MARROCOS? DESDE QUANDO? E QUAIS ATIVIDADES? VOCÊ CONHECE OU FAZ
PARTE DE ALGUMA DESSAS ATIVIDADES?
2.7. QUAIS AS PRINCIPAIS REINVIDICAÇÕES DA COMUNIDADE?
2.8. VOCÊ GOSTA DE MORAR AQUI? O QUE VOCÊ SONHA (QUAIS AS
PERPECTIVAS) PARA SUA COMUNIDADE? E COMO VOCÊ ACHA QUE ISSO PODE
SER REALIZADO
3. SOBRE O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
VOCÊ PARTICIPA/PARTICIPOU DO OP?
3.1.SE SIM:
3.1.1. FALE-ME COMO VOCÊ CONHECEU O OP? QUANDO ISSO ACONTECEU?
3.1.2. O QUE MOTIVOU VOCÊ A PARTICIPAR DESSE ESPAÇO?
3.1.3. O QUE SIGNIFICA O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO PRA VOCÊ?
132
3.1.4. VOCÊ ACHA QUE PARTICIPAR DO OP TROUXE ALGUMA CONTRIBUIÇÃO
PARA SUA VIDA? E PARA A COMUNIDADE?
3.1.5. A COMUNIDADE DO MARROCOS TEVE ALGUMA DEMANDA APROVADA
NO OP? QUAIS?
3.1.6. COMO ESSAS PROPOSTAS FORAM CONSTRUÍDAS?
3.1.7. CONTE-ME COMO FOI QUE VOCÊS SE ORGANIZARAM PARA APROVAR
ESSAS PROPOSTAS NO OP?
3.1.8. VOCÊ CONTINUA PARTICIPANDO DO OP? SE NÃO, PORQUE VOCÊ NÃO
PARTICIPA MAIS? SE SIM, O QUE TEM INCENTIVADO VOCÊ A CONTINUAR
NESSE ESPAÇO?
3.1.9. QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES QUE VOCÊ IDENTIFICA NO
PROCESSO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO?
3.1.10. QUAIS MUDANÇAS VOCÊ ACHA QUE DEVERIAM OCORRER NESSE
ESPAÇO?
133
ANEXO A – AREAS DE PARTICIPAÇÃO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER I 2008
Fonte: SEPLA
134
ANEXO B – ÁREAS DE PARTICIPAÇÃO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER II 2008
Fonte: SEPLA
135
ANEXO C – AREAS DE PARTICIPAÇAO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER III
- 2008
Fonte: SEPLA
136
ANEXO D – AREAS DE PARTICIPAÇAO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER IV
- 2008
Fonte: SEPLA
137
ANEXO E – AREAS DE PARTICIPAÇAO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER V 2008
Fonte: SEPLA
138
ANEXO E – AREAS DE PARTICIPAÇAO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SER VI
- 2008
Fonte: SEPLA
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