SÍNTESE DOS DIREITOS DA CRIANÇA NO SISTEMA
INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA
ANÁLISE DO CASO GELMAN VS URUGUAI DECIDIDO PELA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM 20111
Alyne Garcia Agrassar2
Resumo: O artigo sintetiza os direitos da criança previstos no Sistema
Interamericano de Direitos Humanos a partir da análise da decisão da Corte
Interamericana no Caso Gelman vs Uruguai, de 2011, que trata, dentre outros, dos
direitos violados de Maria Macarena Gelman, desde o seu nascimento até por volta
dos seus 23 anos, quando teve conhecimento da sua origem verdadeira, pelo
Estado Uruguaio. Em razão disso, o Estado Uruguaio foi declarado responsável
pelas violações aos direitos humanos da criança Maria Gelman à identidade, à
personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à família,
ao nome, aos direitos da criança e à nacionalidade, reconhecidos nos arts. 3, 4, 5, 7,
17, 18, 19 e 20.3, em relação com o art. 1.1 da Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Americana de Direitos Humanos.
Direitos da Criança.
SUMMARY OF THE RIGHTS OF THE CHILD IN THE INTERAMERICAN HUMAN RIGHTS FROM THE ANALYSIS OF CASE
Gelman VS URUGUAY DECIDED BY INTER-AMERICAN COURT OF
HUMAN RIGHTS IN 2011
Abstract: The article summarizes the rights of children set out in the Inter-American
Human Rights from the analysis of the Inter-American Court's decision in Case
Gelman vs Uruguay, 2011 which deals with, among others, violated the rights of
Maria Macarena Gelman, from his birth to a around the age of 23, when he had
knowledge of its true origin, the Uruguayan State. As a result, the Uruguayan State
was held responsible for violations of human rights of children Maria Gelman identity,
personality, life, personal integrity, personal liberty, family, name, child rights and
nationality recognized in the arts. 3, 4, 5, 7, 17, 18, 19 and 20.3, in relation to art. 1.1
of the American Convention on Human Rights.
Key words: Inter-American Human Rights. Inter-American Court of Human Rights.
American Convention on Human Rights. Rights of the Child.
1
Artigo apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) como
requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, 2011. Orientador: Prof. Paulo de Tarso Dias
Klautau Filho - Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Master of Laws pela New
York University. Professor do CESUPA.
2
Aluna do 10º período do curso de Direito do CESUPA.
2
1 INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva sintetizar os direitos da criança previstos no Sistema
Interamericano de Direitos Humanos; para isso utilizará a decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gelman vs Uruguai de 2011.
O caso mencionado trata de um contexto de violência vivenciado por muitas
pessoas durante o período militar no Uruguai (1973-1985) e na Argentina (19661983). Dentro dessa realidade, ocorreram inúmeras atrocidades, como por exemplo,
a cometida contra Maria Claudia Gelman, que era operária em uma fábrica de
chinelos e estudante de Filosofia e Letras na Universidade de Buenos Aires. Ela foi
privada de sua liberdade quando tinha 19 anos de idade e se encontrava em
avançado estado de gravidez (aproximadamente 7 meses), detida ao amanhecer do
dia 24 de agosto de 1975~, junto com seu marido, Marcelo Gelman, e sua cunhada,
Nora Gelman, e com um amigo chamado Luis Edgardo Peredo, em sua residência,
em Buenos Aires, por “comandos militares uruguaios e argentinos”, sendo Nora
Gelman e Luis Peredo liberados quatro dias depois.
Maria Claudia e Marcelo Gelman foram levados ao centro de detenção
clandestino conhecido como “Automotores Orletti”, onde estavam com outros detidos
e permaneceram até aproximadamente final de setembro ou outubro de 1976, data
em que foram transferidos de lá. Em 1989, os restos de Marcelo Gelman foram
descobertos pela Equipe Argentina de Antropologia forense, que determinou que ele
foi executado em outubro de 1976.
Porém, Maria Claudia foi transferida a Montevidéu, no Uruguai, de forma
clandestina por autoridades uruguaias (provavelmente oficiais da Força Armada
Aérea Uruguaia), na segunda semana de outubro de 1976, em avançado estado de
gravidez, e alojada na sede do Serviço de Informação de Defesa (SID) do Uruguai.
Maria Claudia permaneceu detida na sede da Divisão III (SID), separada dos
demais detentos, no piso principal do Edifício e, no final de outubro ou começo de
novembro, foi transferida para o Hospital Militar, onde deu à luz a uma menina. Após
o parto, ela voltou ao SID, junto com sua filha.
Em 22 de dezembro de 1976, as prisões da SID foram evacuadas, sendo
Maria Claudia e sua filha transportadas para outro lugar de reclusão clandestino,
conhecido como La Base Valparaíso.
3
Aproximadamente no final de dezembro de 1976, a filha recém nascida de
Maria Claudia foi retirada dela e levada do SID. Após este acontecimento, não se
tem conhecimento do paradeiro de Maria Claudia Gelman.
A partir desse momento continuaram as violações contra a criança Maria
Macarena, que nasceu e foi mantida em cativeiro até o instante em que foi retirada
de sua mãe, tendo sido privado o seu direito de crescer aos cuidados de sua mãe
biológica, e deixada na porta da casa do policial Ángel Tauriño, cuja esposa não
podia ter filhos. Aproximadamente um ano depois, o casal registrou a criança como
filha deles e a batizaram como Maria Macarena Tauriño Vivian.
Maria Macarena Tauriño Vivian viveu mais de 20 anos sem conhecer sua
origem verdadeira. Quando tinha aproximadamente 23 anos, em razão das buscas e
investigações de seu avô paterno, Juan Gelman, pode descobrir sua origem. Teve
comprovado seu parentesco com a família Gelman por meio de um teste de DNA.
Maria Macarena teve decretada a nulidade da sua certidão de nascimento
como filha de Angel Julian Tauriño Rodriguez e de Esmeralda Vivian e ordenada sua
inscrição como filha legítima de Marcelo Ariel Gelman e de Maria Claudia Gelman,
nascida em Montevidéu no dia 01 de novembro de 1976, em razão da decisão da
Ação de filiação legítima interposta perante o Juizado de Família 17º de Montevidéu,
em 08 de março de 2005, mudou seu nome de Maria Macarena Tauriño para Maria
Macarena Gelman Garcia.
Maria Macarena, juntamente com seu avô, Juan Gelman, passaram a buscar
que os responsáveis pelo desaparecimento e morte de seus pais biológicos, Maria
Claudia e Marcelo Gelman, fossem responsabilizados e também tentaram descobrir
o que aconteceu a Maria Claudia, que não teve o corpo encontrado.
2 DIREITOS DA CRIANÇA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS
2.1
INSTRUMENTOS
DO
SISTEMA
INTERAMERICANO
APLICADOS
EM
MATÉRIA DE CRIANÇA
Os instrumentos interamericanos de caráter geral como são a Declaração
Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem de 1948 e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos de 1969 se aplicam indistintamente para
proteger os direitos humanos das crianças e adolescentes dentro da jurisdição dos
4
Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).3 Assim sendo,
tanto a Declaração Americana como a Convenção Americana contêm disposições
que explicitamente se referem aos direitos humanos das crianças.
A Declaração Americana contém os seguintes artigos:
Art. VII. Toda mulher em estado de gravidez ou em época de lactância,
assim como toda criança, tem direito à proteção, cuidados e ajuda
especiais.
Art. XXX. Toda pessoa têm o dever de assistir, alimentar, educar e amparar
a seus filhos menores de idade, e os filhos têm o dever de honrar sempre a
seus pais e assisti-los, alimentá-los e ampará-los quando estes necessitem
4
[…].
Os dispositivos mencionados anteriormente concebem a criança como um ser
que precisa de assistência por ser menor de idade. São positivas as referências aos
direitos à alimentação e à educação como um dever dos pais perante seus filhos,
porém tais dispositivos não visavam superar uma visão restrita em relação a direitos
das crianças.5 Foi com a adoção da Convenção Americana de Direitos Humanos de
1969 que se superou uma concepção limitada de direitos da criança.6
A Convenção Americana contém 26 artigos que se aplicam integralmente
para proteção dos direitos das crianças. Assim mesmo, a Convenção contém
referências específicas em assuntos relacionados a crianças, a exemplo da
disposições que se referem a crianças em conflito com a lei penal; direitos das
crianças privadas de liberdade estarem separadas dos adultos, previstos nos artigos
5 e 17; regula questões relevantes para proteção da família, como, por exemplo,
igualdade de direitos de filhos matrimoniais e extramatrimoniais.7 O art. 19 da
Convenção Americana determina um âmbito de proteção especial aos direitos
humanos das crianças e adolescentes, regulando obrigações especiais de proteção
por parte do Estado, ao establecer que “Toda criança tem direito a medidas de
proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do
Estado”.8
3
LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE
DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 17. Disponível em: <http://www.cidh.org/Ninez/>. Acesso
em: 13 ago. 2011.
4
DECLARAÇÃO Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Aprovada na IX Conferência
Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948.
5
LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE
DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 20.
6
Ibid., parágrafo 20.
7
Ibid., parágrafo 21.
8
Ibid., parágrafo 22.
5
2.2 DEFINIÇÃO DE CRIANÇA NA CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA
A Convenção sobre os Direitos da Criança é a norma internacional que define
quem deve ser considerado criança, portanto, em relação a quem se aplicam os
efeitos deste tratado. Nesse sentido, o art. 1 da Convenção sobre os Direitos da
Criança define que “criança é todo ser humano menor de 18 anos”. Deste modo, a
Convenção estabelece uma definição normativa de criança sustentada na categoria
objetiva da idade.9.
2.3 DEFINIÇÃO DE CRIANÇA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS
No âmbito interamericano, não se tem uma definição normativa de criança. A
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem só estabelece um âmbito
de proteção para a criança, mas não a define.10 A Convenção Americana sobre
Direitos Humanos estabelece um âmbito de proteção dos direitos humanos da
criança, mas também não define criança.11
Em razão disso, a Corte12 e a Comissão13 Interamericanas de Direitos
Humanos entendem que a definição de criança está prevista no art. 1 da Convenção
sobre Direitos da Criança14.
A Corte Interamericana estabeleceu, em sua Opinião Consultiva 17, que o
termo criança “abarca, evidentemente, os meninos, as meninas e adolescentes ”.15
9
Ibid., parágrafo 26.
Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre: (Aprobada en la Novena
Conferencia Internacional Americana, Bogotá, Colombia, 1948). El Artículo VII establece, Toda mujer
en estado de gravidez o en época de lactancia, así como todo niño, tienen derecho a protección,
cuidados y ayuda especiales.
11
Convención Americana sobre Derechos Humanos (Suscrita en San José de Costa Rica el 22 de
noviembre de 1969, en la Conferencia Especializada Interamericana sobre Derechos Humanos). El
Artículo 19 establece: Todo niño tiene derecho a las medidas de protección que su condición de
menor requieren por parte de su familia, de la sociedad y del Estado.
12
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos
humanos del niño. Opinión Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. (Serie A, n. 17). cap. 5
13
CIDH, Informe Anual 1991: Capítulo VI: Campos en los cuales han de tomarse medidas para dar
mayor vigencia a los derechos humanos de conformidad con la Declaración Americana de los
Derechos y Deberes del Hombre y la Convención Americana sobre Derechos Humanos:
Fortalecimiento de la OEA en materia de Derechos Humanos: La Observancia de los Derechos de los
Menores, Sección VI. Recomendaciones. OEA/Ser.L/V/II.81, Doc. 6 rev. 1, 14 de febrero de 1992.
14
Convención sobre los Derechos del Niño (Adoptada y abierta a la firma y ratificación por la
Asamblea General en su resolución 44/25, de 20 de noviembre de 1989. Entrada en vigor: 2 de
septiembre de 1990, de conformidad con el artículo 49). El Artículo 1 de la Convención sobre los
Derechos del Niño establece:Para los efectos de la presente Convención, se entiende por niño todo
ser humano menor de dieciocho años de edad, salvo que, en virtud de la ley que le sea aplicable,
haya alcanzado antes la mayoría de edad.
10
6
Na seção V da OC 17 sobre a Condição Jurídica e os Direitos Humanos da Criança
denominada “definição de criança” estabelece quem deve ser considerado criança
como “a toda pessoa que não completou 18 anos de idade”.16
Assim, por exemplo, no primeiro caso que a Corte resolveu sobre criança,
estabeleceu que a aplicação do art. 19 se limitava às vítimas menores de 18 anos:
El artículo 19 de la Convención Americana no define qué se entiende como
“niño”. Por su parte, la Convención sobre Derechos del Niño considera
como tal (artículo 1) a todo ser humano que no haya cumplido los 18 años,
“salvo que, en virtud de la ley que le sea aplicable, haya alcanzado antes la
mayoría de edad”. De conformidad con la legislación guatemalteca vigente
para la época en que ocurrieron los hechos del presente caso, igualmente
eran menores, quienes no habían cumplido los 18 años de edad. Según
esos criterios sólo tres de las víctimas, Julio Roberto Caal Sandoval, Jovito
Josué Juárez Cifuentes y Anstraum Villagrán Morales, tenían la condición
de niños. Sin embargo, la Corte emplea, en esta sentencia, la expresión
coloquial “niños de la calle”, para referirse a las cinco víctimas en el
17
presente caso, que vivían en las calles, en situación de riesgo.
No caso Bulacio contra Argentina, a Corte reiterou:
Walter David Bulacio tenía 17 años cuando fue detenido por la Policía
Federal Argentina. La Corte estableció en su Opinión Consultiva OC-17 que
“[e]n definitiva, tomando en cuenta la normativa internacional y el criterio
sustentado por la Corte en otros casos, se entiende por ‘niño’ a toda
18
persona que no ha cumplido 18 años de edad.
No caso das crianças Dilcia Yean y Violeta Bosico contra República
Dominicana, a Corte estabeleceu que “al momento en que el Estado reconoció la
competencia contenciosa de la Corte Dilcia Yean y Violeta Bosico, eran niñas19,
quienes en esta condición tenían derechos especiales a los que corresponden
deberes específicos de la familia, la sociedad y el Estado, y exigen una protección
especial que es debida por este último y que debe ser entendida como un derecho
adicional y complementario.20
Importante destacar que, em sua sentença relativa ao caso “del Instituto de
Reeducación del Menor contra Paraguay del 2004”, a corte utilizou o critério da
maioridade para establecer a faixa de proteção e considerou que, em razão de a
15
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos
humanos del niño, op. cit., nota 45.
16
Id. Ibid., par. 42.
17
Id. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentencia de 19 de noviembre
de 1999. (Serie C, n. 63). par. 188.
18
Id. Caso Bulacio. Sentencia de 18 de septiembre de 2003. (Serie C, n. 100). par. 133.
19
La Corte hace notar que al momento de dictarse la presente Sentencia, Dilcia Yean tiene 9 años
edad y Violeta Bosico tiene 20 años de edad; sin embargo, dado que el 25 de marzo de 1999 Dilcia y
Violeta tenían, respectivamente, 2 y 14 años de edad, la Corte se referirá a las presuntas víctimas
como niñas, cfr. Id. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 42.
20
Id. Ibid. par. 53, 54 y 60 e Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri. Sentencia de 8 de julio de
2004. (Serie C, n. 110). par. 164.
7
legislação interna vigente no momento em que ocorreram os fatos estabelecia a
maioridade em 20 anos, considerou necessário referir-se a Ricardo Daniel Martínez,
falecido aos 18 anos, como criança. Neste caso, a Corte não aplicou o critério
objetivo da idade estabelecido na Convenção sobre direitos da Criança e
reconheceu isso nas sua resoluções previas.21
2.4 NOÇÃO SOBRE O CORPUS JURIS DE DIREITOS HUMANOS DAS CRIANÇAS
E ADOLESCENTES
O conceito de corpus juris em matéria de criança significa o reconhecimento
da existência de um conjunto de normas fundamentais que se encontram vinculadas
com a finalidade de garantir os direitos humanos das crianças e adolescentes. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos tem estabelecido que “el corpus juris del
Derecho Internacional de los Derechos Humanos es formado por un conjunto de
instrumentos internacionales de contenido y efectos jurídicos distintos (tratados,
convenios, resoluciones y declaraciones); así como las decisiones adoptadas por los
órganos internacionales. Su evolución dinámica ha ejercido un impacto positivo en
el Derecho Internacional, en el sentido de afirmar y desarrollar la aptitud de este
último para regular las relaciones entre los Estados y los seres humanos bajo sus
respectivas jurisdicciones”.22
Nesse sentido, a Corte Interamericana tem reconhecido, através de sua
jurisprudência, a existência de um corpus juris sobre direitos das crianças e
adolescentes, afirmando que:
Tanto la Convención Americana como la Convención sobre los Derechos
del Niño forman parte de un muy comprensivo corpus juris internacional de
protección de los niños que debe servir a esta Corte para fijar el contenido y
los alcances de la disposición general definida en el artículo 19 de la
23
Convención Americana.
A Corte tem sublinhado que a existência do denominado corpus juris é
resultado da evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos em matéria de
crianças, que tem como eixo o reconhecimento da criança e do adolescente como
sujeito de direito. Assim, o marco jurídico de proteção dos direitos humanos das
21
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso “Instituto de Reeducación del
Menor”. Sentencia de 2 de septiembre de 2004. (Serie C, n. 112). par. 181.
22
Id. El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular en el Marco de las Garantías del
Debido Proceso Legal. Opinión Consultiva OC-16/99 de 1 de octubre de 1999. (Serie A, n. 16). par.
115.
23
Id. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 37, 53 e Id. Caso de los
“Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), op. cit., par. 194.
8
crianças não se limita à disposição do art. 19 da Convenção Americana, mas inclui,
para fins de interpretação, entre outras, as disposições presentes nas declarações
sobre os Direitos da Criança de 1924 e 1959, a Convenção sobre os Direitos da
Criança de 1989, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça de Menores (Regras de Beijing de 1985), as Regras sobre Medidas não
Privativas da Liberdade (Regras de Tokio de 1990) e as Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Regras de Riad de 1990)
ademais os instrumentos internacionais sobre direitos humanos de alcance geral.24
Dentro desta perspectiva, a Corte tem analisado os casos sobre direitos
humanos de crianças e adolescentes aplicando o corpus juris em matéria de criança,
estabelecendo que:
Para fijar el contenido y alcances de este artículo, tomará en consideración
las disposiciones pertinentes de la Convención sobre los Derechos del Niño,
ratificada por el Paraguay el 25 de septiembre de 1990 y que entró en vigor
el 2 de septiembre de 1990, y del Protocolo Adicional a la Convención
Americana sobre Derechos Humanos en materia de Derechos Económicos,
Sociales y Culturales (Protocolo de San Salvador), ratificado por el
Paraguay el 3 de junio de 1997 y que entró en vigor el 16 de noviembre de
1999, ya que estos instrumentos y la Convención Americana forman parte
de un muy comprensivo corpus juris internacional de protección de los niños
25
que la Corte debe respetar.
Neste sentido, é possível conceber que o conceito de corpus juris permite
utilizar como ferramentas de interpretação as normas e as decisões que têm sido
adotadas, inclusive fora do sistema regional de proteção de direitos humanos26.
Desta maneira, importante é a incorporação dos princípios fundamentais em matéria
de criança que se encontram no texto da Convenção sobre os Direitos da Criança,
são eles: o princípio da não discriminação; o princípio da participação, o princípio do
desenvolvimento e da sobrevivência da criança e o princípio do interesse superior da
criança que estão presentes nas decisões adotadas no sistema regional. De modo
ilustrativo, cabe mencionar que uma das primeiras referências ao princípio do
interesse superior da criança nas decisões da Comissão encontra-se em seu
Informe Anual de 1997, no qual estabeleceu que “[…] en todos los casos que
24
LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE
DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 41.
25
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso “Instituto de Reeducación del
Menor”, op. cit., par. 148, Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri, par. 166; Caso de los
“Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), par. 194 e Exigibilidad del Derecho de
Rectificación o Respuesta (arts. 14.1, 1.1 y 2 Convención Americana sobre Derechos
Humanos), par. 24.
26
LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE
DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 43.
9
involucren decisiones que afecten la vida, la libertad, la integridad física o moral, el
desarrollo, la educación, la salud u otros derechos de los menores de edad, dichas
decisiones sean tomadas a la luz del interés más ventajoso para el niño”.27 A Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em sua Opinião Consultiva 17 sobre a
Condição Jurídica e os Direitos Humanos da Criança, também conceituou o
interesse superior da criança como um “principio regulador de la normativa de los
derechos del niño que se funda en la dignidad misma del ser humano,28 en las
características propias de los niños, y en la necesidad de propiciar el desarrollo de
éstos, con pleno aprovechamiento de sus potencialidades así como en la naturaleza
y alcances de la Convención sobre los Derechos del Niño”.29
Tal entendimento representa um avanço significativo que evidencia não só a
existência de um marco jurídico comum no Direito Internacional dos Direitos
Humanos aplicados em matéria de direitos da criança como também a
interdependência que existe no âmbito
internacional entre os distintos sistemas
internacionais de proteção dos direitos humanos das crianças e adolescentes.30
2.5 INTERAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERAMERICANO E O SISTEMA
UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Sistema Interamericano coexiste com outros Sistemas Internacionais de
Direitos Humanos, como o Sistema Universal, assim como os Sistemas regionais
que existem na Europa e na África. Isso implica que os diferentes sistemas de
proteção
de
direitos humanos se
complementam no
que se
refere
ao
desenvolvimento de padrões internacionais de direitos humanos. Assim, no que
concerne à matéria de direitos da criança, é possível constatar que a interação
entre
o
Sistema
Interamericano
e
o
Sistema
Universal
tem
se
dado
fundamentalmente nos seguintes âmbitos:
i)
27
âmbito de desenvolvimento substantivo: se baseia no
reconhecimento e aplicação de um corpus juris de direitos
ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comissión Interamericana de Derechos
Humanos. Informe anual 1997. cap. 7. Recomendaciones a los estados miembros en áreas en las
cuales deben adoptarse medidas para la cabal observancia de los derechos humanos, de
conformidad con la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y la Convención
Americana sobre Derechos Humanos.
28
Preámbulo de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.
29
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos
humanos del niño, op. cit., par. 56.
30
LA
INFANCIA
Y
SUS
DERECHOS
EN
EL
SISTEMA
INTERAMERICANO
DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS, op.cit., parágrafo 45.
10
humanos das crianças e adolescentes que permite que ambos os
sistemas exerçam uma influência mútua no desenvolvimento
substantivo para o alcance e conteúdo de seus direitos humanos;
ii)
âmbito da prova: é o valor probatório das decisões adotadas em
um e outro sistema para demonstrar a violação de direitos
humanos das crianças e adolescentes ou para sustentar a
existência de uma situação geral de direitos humanos que se
encontra dentro do âmbito de responsabilidade internacional do
Estado.
iii)
âmbito de monitoração e avaliação de situações gerais: ambos os
sistemas analisam e avaliam a situação dos direitos humanos das
crianças e adolescentes nos Estados. No caso da Organização
das Nações Unidas, o Comitê de Direitos da Criança avalia a
situação nos países que são Estados partes da Convenção sobre
os Direitos da Criança, enquanto que a CIDH pode avaliar a
situação nos Estados que são partes na Convenção Americana,
mas também daqueles Estados que não ratificaram este tratado,
31
porém são membros da OEA.
A interação entre os sistemas tem se concretizado através das referências
que a Comissão, a Corte Interamericana e o Comitê sobre Direitos da Criança têm
adotado nas suas decisões. Exemplo disso é a afirmação da Corte Interamericana
em relação ao conceito de corpus juris em matéria de direitos da criança no Direito
Internacional dos Direitos Humanos. A Corte, através dessa evolução conceitual,
amplia o marco jurídico sobre direitos humanos das crianças e fortalece a sua
proteção no sistema regional32. Desta maneira, incorporam-se ao sistema como
referências de interpretação ao texto da Convenção sobre Direitos da Criança e
também as decisões tomadas pelo Comitê de Direitos da Criança, tais como suas
Observações Gerais e Observações Finais sobre os relatórios periódicos
apresentados pelos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Esta relação fortalece a defesa e a promoção dos direitos humanos das crianças e
adolescentes. Um exemplo de como o Comitê de Direitos da Criança utiliza as
decisões do sistema interamericano se encontra na Observação geral nº8 sobre a
proteção da criança contra o castigo corporal e outras formas de tratamento cruel,
inumano ou degradante, na qual o Comitê cita a jurisprudência da Corte
Interamericana para estabelecer o alcance da obrigação de adotar medidas positivas
31
LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE
DERECHOS HUMANOS, 2. ed., parágrafo 52.
32
CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos
humanos del niño, op. cit., par. 37, 53 e Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y
otros), par. 94.
11
por parte do Estado para garantir os direitos das crianças e adolescentes. O Comitê
afirmou:
Una opinión consultiva de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
sobre la Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño (2002) sostiene
que los Estados Partes en la Convención Americana de Derechos Humanos
"tienen el deber... de tomar todas las medidas positivas que aseguren
protección a los niños contra malos tratos, sea en sus relaciones con las
autoridades públicas, sea en las relaciones interindividuales o con entes no
estatales". La Corte cita disposiciones de la Convención sobre los
Derechos del Niño, conclusiones del Comité de los Derechos del Niño y
también fallos del Tribunal Europeo de Derechos Humanos en relación con
las obligaciones de los Estados de proteger a los niños contra la violencia,
incluso en la familia. La Corte afirma, como conclusión que "el Estado tiene
el deber de adoptar todas las medidas positivas para asegurar la plena
33
vigencia de los derechos del niño.
3 DIREITOS VIOLADOS DA CRIANÇA MARIA MACARENA GELMAN
A subtração, supressão e substituição da identidade de Maria Macarena
Gelman como consequência da detenção e posterior transferência de sua mãe,
Maria Claudia, grávida, para outro Estado, pode ser qualificada como uma forma
particular de desaparecimento forçado, conforme estabelece o art. 25 da Convenção
sobre Desaparecimento Forçado34. Como criança, na época, Maria Macarena tinha
direito a medidas especiais de proteção que, de acordo com o art. 19 da Convenção
Americana, são de responsabilidade da sua família, da sociedade e do Estado.
3.1 DIREITO À IDENTIDADE
Apesar de esse direito não estar previsto expressamente na Convenção
Americana, é possível enquadrá-lo ao disposto no art. 8 da Convenção sobre
Direitos da Criança, que estabelece que tal direito compreende, entre outros, o
direito à nacionalidade, ao nome e às relações de família. O direito à identidade
pode ser conceituado como um conjunto de atributos e características que permitem
33
COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO. Observación General N° 8 El derecho del niño a la
protección contra los castigos corporales y otras formas de castigo crueles y degradantes,
CRC/C/GC/8, 21 de agosto de 2006, párrafo 24.
34
CONVENCIÓN INTERNACIONAL PARA LA PROTECCIÓN DE TODAS LAS PERSONAS
CONTRA LAS DESAPARICIONES FORZADAS, artículo 25: 1. Los Estados Partes tomarán las
medidas necesarias para prevenir y sancionar penalmente: a) La apropiación de niños sometidos a
desaparición forzada, o de niños cuyo padre, madre o representante legal son sometidos a una
desaparición forzada, o de niños nacidos durante el cautiverio de su madre sometida a uma
desaparición forzada.
12
a individualização da pessoa em sociedade e, nesse sentido, compreende vários
outros direitos segundo o sujeito de direitos e as circunstâncias do caso.35
Em relação ao direito à identidade, a Assembleia Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA) destacou “que o reconhecimento da identidade das
pessoas é um dos meios através do qual se facilita o exercício dos direitos da
personalidade jurídica, do nome, da nacionalidade, da inscrição no registro civil, das
relações
familiares,
entre
outros
direitos
reconhecidos
em
instrumentos
internacionais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a
Convenção Americana”.36 Ademais estabeleceu que “a falta de reconhecimento da
identidade pode implicar que a pessoa não conta com constância legal de sua
existência, dificultando o pleno exercício de seus direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais”.37 Nesse mesmo sentido, o Comitê Jurídico
Interamericano expressou que o “direito à identidade é consubstancial aos atributos
e à dignidade humana” e que, em consequência, “é um direito humano fundamental
oponível erga omnes como expressão de um interesse coletivo da comunidade
internacional em seu conjunto, que não admite derrogação nem suspensão nos
casos previstos pela Convenção americana”.38
Os fatos do caso revelam que Maria Macarena teve violado o seu direito à
identidade ao ser retirada recém–nascida de sua mãe biológica, Maria Claudia, por
ação de agentes estatais uruguaios e colocada em uma cesta e deixada na porta da
casa da família do policial uruguaio Ángel Tauriño, localizada no bairro Punta
Carretas de Montevidéu (Uruguai), com uma carta onde se indicava que a menina
tinha nascido em 01 de novembro de 1976 e que sua mãe não lhe podia cuidar. O
casal a registrou como filha e Maria Macarena só tomou conhecimento da sua real
35
El derecho a la identidad está previsto en las legislaciones nacionales de varios Estados de lãs
Américas, como por ejemplo en el Código de la Niñez y la Adolescencia de Uruguay que establece el
derecho a la identidad como uno de los derechos esenciales de los niños.
36
OEA, “Programa Interamericano para el Registro Civil Universal y ‘Derecho a la Identidad’”,
resolución AG/RES. 2286 (XXXVII-O/07) de 5 de junio de 2007; resolución AG/RES. 2362 (XXXVIIIO/08) de 3 de junio de 2008 y, y resolución AG/RES. 2602 (XL-O/10), sobre seguimiento al programa,
de 8 de junio de 2010. Sobre ese aspecto el Comité Jurídico Interamericano consideró que la
Convención Americana sobre Derechos Humanos, si bien no consagra el derecho a la identidad bajo
ese nombre expresamente, sí incluye, como se ha visto, el derecho al nombre, el derecho a la
nacionalidad y el derecho relativo a la protección de La familia. Al respecto, cfr. Comité Jurídico
Interamericano, Opinión “sobre el alcance del derecho a la identidad”, resolución CJI/doc. 276/07 rev.
1, de 10 de agosto de 2007, párrs. 11.2 y 18.3.3, ratificada mediante resolución CJI/RES.137 (LXXIO/07), de 10 de agosto de 2010.
37
OEA, Resoluciones AG/RES. 2286 (XXXVII-O/07); 2362 (XXXVIII-O/08), y 2602 (XL-O/10), supra
nota 33.
38
COMITÉ JURÍDICO INTERAMERICANO, Opinión, supra nota 33, par. 12.
13
origem mais de 20 anos após o seu nascimento, em razão da busca de seu avô
paterno, Juan Gelman, em descobrir o que aconteceu a sua nora e a sua neta.
Assim sendo, a subtração de crianças por agentes estatais para serem
entregues ilegitimamente para outra família, modificando sua identidade sem
autorização e até mesmo conhecimento da família biológica, constitui uma violação
ao direito à identidade da criança, como foi o caso de Maria Macarena.
3.2 DIREITO À PERSONALIDADE JURÍDICA
Maria Macarena teve violado o seu direito à personalidade jurídica, em razão
de sua identidade familiar ter sido alterada ilegalmente em consequência do
desaparecimento forçado de seus pais biológicos. Tal direito está previsto no art. 3
da Convenção Americana e é um atributo inseparável da pessoa, que lhe possibilita
à ser titular de direitos e obrigações e engloba situações jurídicas a ela relativas
como o seu nome, estado civil, condição familiar. Uma vez que Maria Macarena teve
usurpada sua verdadeira identidade e sua família originária, de maneira arbitrária,
por agentes estatais, não pode exercer o seu direito à personalidade jurídica de
forma plena.
3.2 DIREITO À VIDA
Os fatos também afetaram o direito à vida, previsto no art. 4.1 da Convenção
Americana, na medida em que a separação de seus pais biológicos colocaram em
risco a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento, que o Estado deveria garantir,
de acordo com o art. 19 da Convenção Americana e o art. 6 da Convenção sobre
Direitos da Criança, sobretudo através da proteção da família e da não ingerência
arbitrária e ilegal na vida familiar das crianças.
3.3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL
Maria Macarena teve violada a sua integridade pessoal, art. 5 da Convenção
Americana, em razão das circunstâncias do seu nascimento e de suas primeiras
semanas de vida, pois foi mantida em cativeiro desde o nascimento até ser retirada
de sua mãe. A violação da sua integridade psíquica ocorreu a partir do momento que
14
descobriu sua verdadeira identidade. Dessa maneira, a violação da sua integridade
psíquica e moral foi consequência tanto do desaparecimento forçado de sua mãe
quanto da descoberta das circunstâncias da morte de seu pai biológico, do
conhecimento da sua verdadeira origem, da falta de investigação do Estado para
esclarecer os fatos e o paradeiro de Maria Claudia Gelman.
3.4 DIREITO À LIBERDADE PESSOAL
Os fatos revelam que Maria Macarena teve afetada a sua liberdade pessoal,
prevista no art. 7 da Convenção Americana, posto que, adicionalmente ao seu
nascimento em cativeiro, foi retida pelos agentes estatais, sem o consentimento de
seus pais; isso implicou afetação a sua liberdade. Tal direito implica a possibilidade
de todo ser humano de se auto-determinar e escolher livremente as opções e as
circunstâncias que dão sentido a sua vida. Em relação às crianças, também sujeitos
de direitos humanos, exercem seu direito a liberdade de maneira progressiva à
medida que desenvolvem um maior nível de autonomia pessoal,39 porém na primeira
infância sua liberdade é conduzida por seus familiares. Portanto, a separação de
uma criança de seus familiares implica, necessariamente, um menosprezo ao
exercício de sua liberdade.
3.5 DIREITO À PROTEÇÃO DA FAMÍLIA
O direito à proteção da família e de viver nela, reconhecido no art. 17 da
Convenção Americana, prevê que o Estado está obrigado não só a dispor e executar
diretamente medidas de proteção das crianças, como também a favorecer, de
maneira mais ampla, o desenvolvimento e o fortalecimento do núcleo familiar.40
Portanto, a separação de uma criança de sua família constitui uma violação desse
direito,41 pois, inclusive, as separações legais das crianças de suas famílias só
podem acontecer se estiverem devidamente justificadas no interesse superior da
39
COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO. Observación General 7: Realización de los derechos del
niño en la primera infancia, 40° período de sesiones, U.N. Doc. CRC/C/GC/7/Rev.1, 20 de septiembre
de 2006. par. 17.
40
Opinión Consultiva OC-17, par. 66; Caso de las Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 01 de marzo de 2005. Serie C No. 120, par. 141 e Caso Chitay
Nech, par. 157.
41
Ibid., par. 71 y 72; y 72; Caso De la Masacre de las Dos Erres, par. 187 e Caso Chitay Nech y
otros, par. 157.
15
criança, sem exceções e, quando possível, temporárias.42 Sendo assim, Maria
Macarena foi violada do seu direito à proteção da família no momento em que foi
retirada de sua mãe e colocada ilegalmente em outra família sem autorização de
seus familiares.
3.6 DIREITO AO NOME
O direito ao nome, reconhecido no art. 18 da Convenção e também em
diversos instrumentos internacionais,43 constitui um elemento básico e indispensável
da identidade de cada pessoa, sem o qual não pode ser reconhecido pela sociedade
nem registrada perante o Estado.44 Ademais, o nome e o apelido são “essenciais
para estabelecer formalmente o vínculo existente entre os diferentes membros da
família”45. Este direito implica, portanto, que os Estados devem garantir que a
pessoa seja registrada com o nome eleito por ela ou por seus pais, no momento do
registro, sem nenhum tipo de restrição nem interferência na decisão de escolher o
nome e, uma vez registrada a pessoa, que seja possível preservar e restabelecer
seu nome e seu apelido. Maria Macarena Gelman viveu com outro nome e
identidade durante mais de 23 anos. Sua mudança de nome, como meio de suprimir
sua identidade e ocultar o desaparecimento forçado de sua mãe, continuou até o
ano de 2005, quando as autoridades uruguaias reconheceram sua filiação e
aceitaram a mudança do nome. Dessa maneira, Maria Macarena teve seu direito ao
nome violado por mais de 20 anos da sua existência.
42
Ibidem, párr. 77.
Entre otros, el Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos, artículo 24.2; Convención
sobre los Derechos del Niño, artículo 7.1; African Charter on the Rights and Welfare of the Child,
artículo 6.1, y Convención Internacional sobre la Protección de los Derechos de Todos los
Trabajadores Migratorios y de sus Familiares, artículo 29. El Tribunal Europeo de Derechos Humanos
afirmó que el derecho al nombre se encuentra protegido por el artículo 8 del Convenio Europeo para
la Protección de los Derechos Humanos y las Libertades Fundamentales, aunque este no esté
específicamente mencionado, cfr. T.E.D.H., Stjerna v. Finland, Application No. 18131/91, Judgment of
25 November 1994, para. 37, y T.E.D.H., Case of Burghartz v. Switzerland, Application No. 16213/90
Judgment of 22 February 1994, para. 24.
44
Caso de las Niñas Yean y Bosico Vs. República Dominicana. Excepciones Preliminares, Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 8 de septiembre de 2005. Serie C No. 130, párr. 182, y Caso
De la Masacre de las Dos Erres, párr. 192.
45
Caso de las Niñas Yean y Bosico, párr. 184, y Caso De la Masacre de las Dos Erres, párr. 192.
43
16
3.7 DIREITO DA CRIANÇA
De acordo com o art. 19 da Convenção Americana “toda criança tem direito
às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua
família, da sociedade e do Estado”. Maria Macarena não pode exercer esse direito
na medida em que foi retirada de sua família originária de forma ilegal e por ação de
agentes estatais. Portanto, o Estado não só deixou de cumprir o dever de proteger
Maria Macarena em virtude de ser criança, como também impossibilitou que sua
família cumprisse com esse dever e também direito.
3.8 DIREITO À NACIONALIDADE
O direito à nacionalidade, previsto no art. 20 da Convenção Americana, é um
vínculo jurídico entre uma pessoa e um Estado, pré-requisito para que possa exercer
determinados direitos46 e é, também, um direito inderrogável reconhecido na
Convenção. Consequentemente, esse direito determina que o Estado deve dotar o
indivíduo de um mínimo de amparo jurídico no conjunto das relações, protegê-lo
contra a privação arbitrária de sua nacionalidade e, portanto, de seus direitos
políticos e os direitos civis que se sustentam neste47. Quando se trata de crianças,
deve respeitar a proteção específica que ele corresponde, por exemplo, de não
privá-la arbitrariamente do meio familiar48 e não ser retido e transferido ilicitamente
para outro Estado49. A transferência ilícita a outro Estado da mãe de Maria
Macarena Gelman enquanto estava grávida, frustrou o nascimento de Maria
Macarena no país de origem da sua família biológica onde normalmente deveria ter
nascido, em consequência, mediante a supressão de sua identidade verdadeira
adquiriu nacionalidade Uruguai por uma violação de seu direito de nacionalidade.
46
Caso de las Niñas Yean y Bosico, párr. 137.
Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica Relacionada con la
Naturalización. Opinión Consultiva OC-4 del 19 de enero de 1984. Serie A No. 4, párr. 34; Caso
Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de mayo de 1999.
Serie C No. 52, párr. 100, y Caso de lãs Niñas Yean y Bosico, párr. 139.
48
CONVENCIÓN SOBRE LOS DERECHOS DEL NIÑO, artículo 16.
49
CONVENCIÓN SOBRE LOS DERECHOS DEL NIÑO, artículo 11, y CONVENCIÓN
INTERAMERICANA SOBRE RESTITUCIÓN INTERNACIONAL DE MENORES, artículo 4º.
47
17
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão extraída desse artigo é a de que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos entende que as violações contra direitos da criança se perpetuam
no tempo e devem ser punidas, mesmo que descobertas após a maioridade do
ofendido.
Além disso, a Corte interpreta os direitos da criança a partir do princípio do
interesse superior da criança, ou seja, leva-se em consideração o melhor para a
criança nas decisões. Percebe-se que a Corte aplicou esse entendimento e esse
princípio em relação à Maria Macarena Gelman, já que declarou o Estado do
Uruguai responsável pelas violações, desde o nascimento de Maria Macarena
Gelman até o momento em que recuperou sua verdadeira e legítima identidade, do
direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, do direito à vida, do direito à
integridade pessoal, do direito à liberdade pessoal, do direito à família, do direito ao
nome, dos direitos da criança e da nacionalidade, reconhecidos nos arts. 3, 4, 5, 7,
17, 18, 19 e 20.3, em relação com os art. 1.1 da Convenção e os arts. I e XI da
Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado, em prejuízo dela.
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