•
Coordenação
Teresa Arruda Alvim Wambier
Luiz Rodrigues Wambier
Luiz Manoel Gomes Jr.
Octávio Campos Fischer
William Santos Ferreira
REFORMA DO
JUDICIÁRI
PRIMEIRAS REFLEXÕES SOBRE A
EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004
EDITORA
REVISTA DOS TRIBUNAIS
XVII - A TRAJETORIA BRASILEIRA
EM BUSCA DO EFEITO VINCULANTE NO CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE
FERNANDO FACURY SCAFF
Doutor em Direito pela USP.
Professor da Universidade Federal do Pará. Advogado.
•
ANTÓNIO G. MOREIRA MAUÉS
Doutor em Direito pela USP.
Professor da Universidade Federal do Pará.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Os problemas de articulação entre o controle difuso é o controle concentrado de constitucionalidade das leis no Brasil antes da EC n. 45 - 3. A criação da
ação declaratória de constitucionalidade e a consolidação do efeito vinculante: 3.1 O efeito
vinculante em ação; 3.2 A questão de ordem na ADC 1; 3.3 A medida cautelar na ADC 4; 3.4
A consolidação do efeito vinculante nas Leis 9.868/1999 e 9.882/1999 - 4. A EC n. 45 e a
súmula vinculante: o coroamento da busca pelo efeito vincularite no controle de constitucionalidade das leis - 5. Conclusões.
1. Introdução
1.10 desenvolvimento dajustiça constitucional nas últimas décadas permite-nos identificar
umarelativização das diferenças entre os sistemas
dejustiça constitucional difusa e concentrada. Nos
países que adotam o sistema difuso, as Cortes Supremas ocupam-se cada vez mais com o julgamento, em última instância, dos litígios que envolvem a interpretação e a aplicação da Constituição, o que tem levado à extensão dos efeitos
das decisões dessas Cortes a casos semelhantes.
Assim, o órgão de cúpula do Poder Judiciário nos
sistemas difusos acaba assumindo, como uma de
suas funções principais, a definição dos parâmetros de interpretação da Constituição.1
Além disso, os sistemas difusos da América Latina passaram a conviver com formas de
(l)
Cf. Louis Favoreu. Modele Americain et Modele
Européen de Justice Constitutionnelle. Annuaire
International de Justice Constitutionnelle Al62,
1988.
controle concentrado de constitucionalidade
das leis, convertendo-se em sistemas mistos de
justiça constitucional. Essa mudança foi propiciada tanto pela criação de um Tribunal Constitucional (Peru, Colômbia e Equador) quanto
pela atribuição à Corte Suprema (México, Brasil) ou a uma de suas Salas (Venezuela) da competência para julgar a constitucionalidade das
leis por via direta. 2
No que se refere aos sistemas concentrados,
tornou-se indispensável a participação da jurisdição ordinária na aplicação judicial da Constituição, consolidando um conceito material de
<2)
Cf. Néstor Pedro Sagiiés. Justicia constitucional
y control de la ley en América Latina. In: Luis
López Guerra (Coord.). La justicia constitucional en }a actualidad (Quito: Ed. Nacional, 2002).
Na página <www.uc3m.es/jci>, mantida pelo
Instituto de Direito Público Comparado da Universidade Carlos III de Madrid, também encontram-se informações sobre a justiça constitucional latino-americana.
226
REFORMA DO JUDICIÁRIO
jurisdição constitucional. 3 Em primeiro lugar, a
existência da via incidental nesses sistemas impõe
aos juízes e tribunais o dever de inteipretar a Constituição, a fim de que possam decidir sobre a apresentação de questões de inconstitucionalidade ao
Tribunal Constitucional. Seja em razão de um pedido da parte, ou de ofício, o órgão judicial deve
realizar um juízo prévio acerca da constitucionalidade das normas aplicáveis ao caso subjudice, o
qual irá motivar sua decisão de submeter ou não
uma questão de inconstitucionalidade ao Tribunal
Constitucional. Em ambos os sentidos, a decisão
do juiz ou tribunal requer a interpretação da Constituição: no primeiro caso, ele deverá apresentar as
razões que fundamentam a dúvida sobre a constitucionalidade da norma, justificando a manifestação do Tribunal Constitucional; no segundo caso,
ele deverá apresentar as razões que fundamentam
o convencimento contrário, rechaçando a necessidade de intervenção do Tribunal Constitucional.4
No entanto, a contribuição da jurisdição ordinária nos sistemas concentrados manifesta-se
mais fortemente com a afirmação do princípio da
aplicabilidade direta dos direitos fundamentais,
que possibilita aos órgãos judiciais protegê-los
contra atos de caráter infralegal.t4a medida em
que o exercício dessa competência faz com que
os juízes e tribunais produzam jurisprudência
constitucional, torna-se necessário o estabelecimento de mecanismos que permitam a harmonização dessa jurisprudência com aquela estabelecida pelo Tribunal Constitucional, a quem corresponde dar a última palavra sobre a matéria.5 Esses mecanismos de articulação podem consistir na
0)
(4)
(5)
Cf. Pablo Pérez Tremps. La justicia constitucional en la actualidad. Especial referencia a América Latina. Revista Brasileira de Direito Constitucional 1/31, 2003.
Cf. Pablo Pérez Tremps. Tribunal Constitucional)/poder judicial (Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1985. p. 126-144).
Vale lembrar que o reconhecimento da função do
Tribunal Constitucional como intérprete supremo
da Constituição, bem como sua própria criação, nos
países europeus do segundo pós-guerra, originamse de uma desconfiança original em relação à capacidade de os membros do Poder Judiciário aplicarem adequadamente a Constituição, e mesmo de sua
lealdade com a nova ordem constitucional.
revisão, pelo Tribunal Constitucional, das decisões
tomadas pela jurisdição ordinária sobre direitos
fundamentais, o que o converte em um tribunal de
"última instância" nesses casos, ou podem consistir na atribuição de efeitos especiais às suas sentenças, tal como o efeito vinculante, que obriguem
a jurisdição ordinária a incorporai' a interpretação
desenvolvida pelo Tribunal Constitucional.6 Em
ambos os casos, o Tribunal Constitucional adquire uma articulação funcional com o Poder Judiciário em matéria de direitos fundamentais, que se
aproxima da relação que a Corte Suprema mantém
com os demais órgãos judiciais no sistema difuso.
1.2 Apesar dessas aproximações, uma diferença notável ainda permanece entre os dois modelos.
Nos sistemas concentrados, o Tribunal Constitucional possui o monopólio da declaração de
inconstitucionalidade das leis, que é efetivada
mediante um processo constitucional distinto dos
processos judiciais ordinários.
No sistema difuso, a ausência desse monopólio permite que, em qualquer litígio, a constitucionalidade da norma a ele aplicável seja questionada pela parte, cabendo ao juiz da causa decidir sobre a compatibilidade ou incompatibilidade dessa norma com a Constituição. Neste caso,
os órgãos judiciais dispõem de mais poder para a
defesa dos direitos fundamentais, visto que a efetivam contra a lei sem que seja necessária a manifestação do Tribunal Constitucional. Assim, enquanto no sistema concentrado a identificação da
violação de um direito fundamental pela lei possibilita apenas que o juiz suspenda o processo até
o julgamento da questão de constitucionalidade
pelo Tribunal Constitucional, no sistema difuso
o juiz pode deixar de aplicar a lei ao caso, decisão
que somente pode ser reformada por via recursal.
No entanto, essa ampliação da proteção dos
direitos fundamentais contra a lei acarreta problemas para a igualdade e a segurança jurídicas, pois
o reconhecimento da competência difusa para declaração de inconstitucionalidade pode fazer com
que um mesmo texto normativo seja reputado válido por alguns tribunais e nulo por outros. Como
(6)
Cf. Louis Favoreu. Op. cit.; Pablo Pérez Tremps.
La justicia constitucional..., cit., p. 36.
EFEITO VINCULANTE:
é sabido, no sistema norte-americano o instituto do
síare decisis impõe limites a essa variação, enquanto sua ausência nos países de direito romanista sempre foi considerada um risco para o bom funcionamento do controle difuso.7 Com o incremento da
produção legislativa e a ampliação do acesso à justiça, que acompanharam a consolidação do Estado Social, a probabilidade de decisões judiciais
divergentes no campo do controle de constitucionalidade foi exponenciada, tornando necessária a
criação de mecanismos que possibilitassem a harmonização da jurisprudência constitucional.
Essa situação contribuiu para que vários países da América Latina adotassem, como vimos,
formas de controle concentrado de constitucionalidade das leis, sem abandonar o controle difuso. Nesses sistemas mistos de justiça constitucional, a articulação entre ambas as modalidades de
fiscalização resulta de grande importância, por
duas razões principais, para a conformação da
proteção judicial dos direitos fundamentais.
Em primeiro lugar, a criação do controle concentrado possibilita que as decisões sobre a constitucionalidadedas leis sejam dotadas de eficácia erga
omnes. Portanto, o alcance da proteção contra a lei,
oferecida pelo controle difuso aos direitos fundamentais, tenderá a estar condicionada pelas decisões
do Tribunal Constitucional ou Corte Suprema.
Em segundo lugar, quando o controle concentrado de constitucionalidade é exercido pela Corte
Suprema, o próprio sistema de recursos possibilita
que ela julgue em caráter definitivo as decisões tomadas pelas instâncias inferiores em matéria constitucional. Isso permite que a interpretação da Constituição, firmada por essa Corte no controle concentrado, também se aplique aos casos que envolvem
violação dos direitos fundamentais por atos infralegais, originados nas instâncias inferiores.
Em ambas as situações, verifica-se que a diminuição da divergência judicial em torno da
aplicação da Constituição tende a ser conduzida
pelo predomínio da inteipretação constitucional
elaborada no controle concentrado sobre aquela
(7)
A critica clássica foi desenvolvida por Mauro
Cappelletti, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado (Porto
Alegre: Fabris, 1984).
JETÓRIA BRASILEIRA
227
elaborada no controle difuso. Apesar do caráter
lógico que esse desenvolvimento possui, decorrente dos efeitos especiais atribuídos às decisões proferidas no controle concentrado e da posição institucional do Tribunal Constitucional ou da Corte
Suprema, deve-se analisar se ele pode vir a restringir a proteção judicial dos direitos fundamentais.
Essa preocupação parte do reconhecimento de que,
enquanto há uma ampla possibilidade de os cidadãos arguirem a constitucionalidade de uma lei no
controle difuso, no controle concentrado costuma
ocorrer uma limitação dos sujeitos legitimados para
provocá-lo, o que pode diminuir as oportunidades
de apreciação judicial da validade das leis.
Além disso, o caráter abstraio das decisões tomadas no controle concentrado dificulta a identificação das violações dos direitos fundamentais que
podem ocorrer quando da aplicação da lei a casos
concretos. Considerando o princípio da presunção
de constitucionalidade das leis, é possível que uma
norma permaneça no ordenamento jurídico mesmo quando houver bons argumentos no sentido de
sua incompatibilidade com a Constituição. Nos
casos de "interpretação conforme a Constituição",
por exemplo, ao mesmo tempo em que se mantém
a vigência da lei cuja inconstitucionalidade foi arguida, há o reconhecimento de que essa lei pode
ser interpretada em sentido contrário à Constituição. Assim, a adoção do controle concentrado como
vetor da harmonização da jurisprudência constitucional comporta o risco de que uma lei, cujo pedido de declaração de inconstitucionalidade tenha
sido indeferido, venha a originar situações inconstitucionais, tendo em vista que não é possível prever todos os casos aos quais ela será aplicada.8
(S>
Esse ponto de vista baseia-se na distinção entre
texto normativo e norma, reconhecendo que o
conteúdo da norma é estabelecido pelas sucessivas interpretações elaboradas no momento de sua
aplicação. Dado o caráter genérico e abstrato das
normas legais, sua aplicação a situações individuais e concretas depende do intérprete, que deve
formular as normas adequadas às características
das situações que ele tem diante de si. Cf. Lenio
Luis Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica (Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2002); Menelick de Carvalho Netto. Racionalização do ordenamento jurídico e democracia. Revista
Brasileira de Estudos Políticos, n. 88, 2003.
228
REFORMA DO JUDICIÁRIO
1.3 Para evitar esses prejuízos à proteção judicial dos direitos fundamentais, os sistemas mistos de justiça constitucional devem conter mecanismos que possibilitem a revisão da jurisprudência formulada no exercício do controle concentrado de constitucionalidade das leis. Essa possibilidade depende do modo como se organizam,
em cada sistema, duas variáveis.
A primeira diz respeito ao grau de vinculação
dos juízes e tribunais à jurisprudência do Tribunal Constitucional ou da Corte Suprema, que, caso
se assemelhe à vinculação existente em relação à
lei, dificultará que essa jurisprudência seja confrontada por novas interpretações que venham a
ser formuladas no exercício do controle difuso.
A segunda variável refere-se ao processo pelo
qual são tomadas decisões com eficácia erga
omnes pelo órgão encarregado do controle. Caso
essas decisões emanem somente da fiscalização
exercida pela via direta, a articulação entre o controle difuso e o concentrado far-se-á na direção
do abstrato para o concreto, o que acarreta os riscos acima descritos à proteção dos direitos fundamentais. Por outro lado, se essas decisões também se formarem a partir da "revisão" daquelas
tomadas no exercício do controle difuso, o sistema de justiça constitucional possibilitará que a
articulação se faça na direção oposta, favorecendo que a jurisprudência do controle concentrado
leve em conta as diferentes situações surgidas na
aplicação da lei a casos concretos.
No Brasil estas duas variáveis se comportavam da seguinte maneira até a edição da EC n. 45,
de 08.12.2004:
a) havia um processo de aumento gradativo
do grau de vinculação das decisões adotadas pelo
STF por meio do controle concentrado de constitucionalidade - o que será melhor detalhado
adiante -, porém sem o nível de vinculação hoje
obtido mediante as súmulas vinculantes, que a
referida emenda constitucional acresceu ao art.
103, batizando-o de 103-A;
b) o nível de articulação entre os dois tipos de
controle de constitucionalidade das leis era bastante impreciso, pois muitas vezes o que era de-
cidido por meio de controle difuso necessitava de
uma apreciação mediante controle concentrado
para se tornar vinculante e valer erga omnes.
As súmulas vinculantes surgiram no bojo da
EC n. 45 para tentar resolver estas duas classes
de problemas, como será adiante exposto.
2. Os problemas de articulação entre o controle difuso e o controle concentrado de
constitucionalidade das leis no Brasil antes da EC n. 45
2.1 Um dos melhores exemplos da falta de
articulação entre o controle difuso e controle concentrado de constitucionalidade das leis e suas
repercussões para a proteção dos direitos fundamentais pôde ser verificado pouco mais de um
ano após a promulgação da Constituição. Diante de uma inflação mensal próxima a 100%, o
Presidente Fernando Collor (que havia sido o primeiro presidente eleito diretamente desde 1960),
editou um conjunto de medidas económicas ao
tomar posse, em 15.03.1990. Dentre essas medidas, estava o sequestro de todos os depósitos
bancários de pessoas físicas e jurídicas no valor
superior a 50 mil cruzados novos (cerca de 1.300
dólares norte-americanos à época), os quais começariam a ser devolvidos 18 meses após o bloqueio, em 12 parcelas mensais sucessivas. A norma em questão foi a Medida Provisória 168, editada em 15.03.1990, e posteriormente transformada em Lei pelo Congresso Nacional, com o
n. 8.024, de 12.04.1990.
Ocorre que o Governo Federal, desde logo,
supôs que pudesse surgir uma enorme contestação, com base na Constituição, em razão do
bloqueio de cruzados novos efetuado. Temendo que a magistratura ordinária, por meio de
decisões liminares, viesse a liberar esses valores, o Governo editou, três dias após a Medida
Provisória 168, a Medida Provisória 173, em
18.03.1990. Esta medida provisória explicitamente vedava "a concessão de medida liminar
em mandado de segurança e em ações ordinárias
e cautelares" decorrentes de toda a gama de
medidas provisórias que estavam sendo editadas
sob o nome genérico de Plano Collor, inclusive
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
acerca da Medida Provisória 168, que efetuava
o bloqueio de dinheiro.
Imediatamente, o Partido Democrático Trabalhista - PDT ingressou com a Ação Direta de
Inconstitucionalidade - ADIn 223, pedindo que
fosse considerada inconstitucional a proibição
de concessão de liminares imposta pela Medida
Provisória 173. O relator originário da ADIn,
Min. Paulo Brossard, embora tenha votado pela
concessão da cautelar, suspendendo a eficácia da
lei, foi vencido pela maioria da Corte.9 O julgamento, ocorrido em 05.04.1990, foi no sentido
de não reconhecer a inconstitucionalidade da
Medida Provisória 173 em sede de medida cautelar, permitindo, contudo, que em cada caso
concreto, mediante o controle difuso de constitucionalidade, fossem apreciados os requisitos
átfumus boni júris epericulum in mora que justificassem sua concessão. Por outras palavras, o
STF abdicou de decidir, em sede de controle concentrado, sobre a inconstitucionalidade da Medida Provisória 173, mas permitiu que, em cada
caso concreto, por meio de controle difuso, cada
magistrado decidisse ser a referida norma constitucional ou não. Estafração da ementa do acórdão bem demonstra a decisão: "Indeferimento
da suspensão liminar da Medida Provisória 173,
que não prejudica, segundo o relator do acórdão,
o exame judicial em cada caso concreto da constitucionalidade, incluída a razoabilidade da
aplicação da norma proibitiva da liminar".
Í
Com esta decisão o STF abdicou de seu poder de controle de constitucionalidade concentrado e delegou-o à magistratura ordinária, para realizá-lo por meio de controle difuso. Foi o próprio
relator designado, Min. Sepúlveda Pertence,
quem afirmou: "O caso, a meu ver, faz eloquente
a extrema fertilidade desta inédita simbiose institucional que a evolução constitucional brasileira produziu, gradativamente, sem um plano preconcebido, que acaba, a partir da EC n. 16, a acoplar o velho sistema difuso americano de controle de constitucionalidade ao novo sistema europeu de controle direto e concentrado. (...) O que
(9)
RTJ 132/2-571. Foi acompanhado apenas pelo
Min. Celso de Mello.
229
vejo aqui, embora entendendo não ser de bom
aviso, naquela medida de discricionariedade que
há na grave decisão a tomar, da suspensão cautelar, em tese, é que a simbiose institucional a que
me referi, dos dois sistemas de controle de constitucionalidade da lei, permite não deixar ao desamparo ninguém que precise de medida liminar
em caso onde a vedação da liminar, por que desarrazoada, por que incompatível com o art. 5.°,
XXXV,10 por que ofensiva do âmbito de jurisdição do Poder Judiciário, se mostre inconstitucional. Assim, creio que a solução estará no manejo
do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair
ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das
restrições impostas ao seu poder cautelar, para,
se entender abusiva esta restrição, se a entender
inconstitucional, conceder a liminar, deixando de
dar aplicação no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso,
a julgue inconstitucional, porque abusiva"."12
A partir daí o controle difuso de constitucionalidade das leis foi amplamente manejado para a
liberação dos valores bloqueados. Milhares de
ações judiciais foram apresentadas contestando a
medida com base na Constituição, especialmente
por violação do direito de propriedade e ausência
de previsão constitucional para esse seqiiestro, argumentando que se traduziria em uma modalidade de tributo (empréstimo compulsório), instituído de modo contrário ao previsto na Constituição.
A Lei 8.024/1990, que determinou o bloqueio do dinheiro, somente foi questionada diretamente no STF por meio da ADIn 534 apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB)
tl0>
011
<l2)
"XXXV - a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
RTJ 132/2-589-590.
Deve-se referir que a Ordem dos Advogados do
Brasil, então presidida por Ophir Cavalcante, e
o Partido Democrático Trabalhista-PDT, ingressaram com duas ADIns sobre o tema, que foram
in limine indeferidas, em julgamento realizado
em 08.05.1990, ambas relatadas pelo Min. Aldir
Passarinho: ADIn 272 (OAB) e ADIn 273 (PDT).
230
REFORMA DO JUDICIÁRIO
em 19.06.1991,' 3 cujo pedido de cautelar foi
apreciado pelo STF em 27.06.1991, 14 decidindo a maioria15 pelo seu indeferimento. Ainda que
reconhecessem a plausibilidade da alegação de
que a Constituição fora violada (fumus boni iuris), os juízes entenderam que o outro elemento
necessário para a concessão de liminar, o periculum in mora, não estava suficientemente atendido, tendo em vista que haveria um perigo maior
caso os cruzados fossem devolvidos em razão da
concessão da cautelar e, ao final do processo, a
ação fosse julgada improcedente.
Depois que o STF, nas Ações Diretas 223, 272 e
273, recusou-se a suspender a eficácia da norma
que por 30 meses suspendeu o uso judicial de
qualquer medida18 contra o chamado plano económico, inclusive o emprego do mandado de segurança, que é direito individual assegurado pela
Constituição, destinado à defesa de direito líquido e certo ameaçado ou violado, só um mentecapto ingressaria na Justiça.19 É doloroso dizer isto,
mas é a pura e dura verdade. Só um mentecapto
viria discutir a inconstitucionalidade do grande
assalto cometido em março de 1990".20
Não se pode deixar de registrar que a ADIn
534 foi proposta passados 15 meses depois de
instituído o bloqueio do dinheiro, quando então
faltavam apenas 3 meses para o início de sua liberação parcelada.16 Este aspecto não deixou de
ser observado pelo Min. Moreira Alves, que,
embora negando a liberação do bloqueio sob o
argumento do dano irreparável que ele ocasionaria, afastou a tese da existência de periculum in
mora alegando que "depois de quinze meses de
aplicação, sem que qualquer das inúmeras pessoas
legitimadas para propor ação direta tivessem arguido a inconstitucionalidade, não se pode sustentar que haja periculum in mora para a suspensão do ato normativo impugnado". 17
Registre-se que até março de 1991, passados
mais de 12 meses de editada a Lei 8.024/1990,
portanto, antes de o Partido Socialista Brasileiro propor a ADIn, já haviam sido liberados, por
decisão das várias instâncias judiciais, por meio
de controle difuso, mais de 62 bilhões de cruzados, em todo o País.21
É bem verdade que o Min. Paulo Brossard,
em seu voto, anterior ao do Min. Moreira Alves,
já havia respondido a esta questão de modo peremptório: "Mas resta a pior das alegações. A que,
para negar a cautelar, afiança ser ela desnecessária por inocorrer o periculum in mora tanto que o
sequestro ora impugnado tem mais de um ano e
só agora teria sido descoberta sua ilegalidade e sua
lesividade. Essa afirmação chega ao sarcasmo.
<l3)
(,4)
<l5)
<K,)
(m
Cópia da petição inicial proposta, encontrável no
site do STF (www.stf.gov.br) demonstra que a
inicial foi proposta nessa data.
ADIn-MC 534, RTJ 153/3-692.
Os Ministros Celso de Mello (relator), Néri da
Silveira e Paulo Brossard votaram pela imediata
liberação de todos os valores bloqueados.
Menção efetuada como sustentação do voto do
Min. Carlos Velloso, RTJ 153/3-176.
RTJ 152/3-725.
2.2 Todos estes fatos bem demonstram a extensão e a implicação da decisão anterior do STF,
na qual abdicou de decidir sobre a constitucionalidade da Medida Provisória 173, que vedava
a concessão de liminares contra o Plano Collor.
(l8>
ll9)
(20)
Cl'
O Ministro quer se referir à concessão de liminares
contra o plano económico (Medida Provisória 173).
Quer dizer, por meio de ação direta de inconstitucionalidade no STF.
RTJ 152/3-723.
Dado mencionado pelorelatorda ADIn-MC 534,
trazido aos autos pelo Banco Central do Brasil
{RTJ 153/3-710). Não se podem deixar de analisar alguns números desta situação para se poder
medir a grandiosidade da questão envolvida. O
montante total bloqueado pela Medida Provisória 168, que se transformou na Lei 8.024/1990,
importava em 12 trilhões de cruzados novos (cerca de 53 bilhões de dólares norte-americanos), e
deste total já haviam sido liberados em março de
1991, um ano após o bloqueio, cerca de 5 trilhões
e meio de cruzados novos (aproximadamente 22
bilhões de dólares norte-americanos, ou 44% do
total), dos quais 62 bilhões de cruzados novos (ou
270 milhões de dólares norte-americanos, pouco mais de 1% do montante liberado) por meio
de decisão judicial. Os dados são do Banco Central, constantes da ADIn-MC 534.
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
231
Foram necessários mais de 15 meses de vigência de uma norma, que vinha sendo contestada
mediante o controle difuso em todo o País, com
bastante sucesso, e nenhuma ação de controle
concentrado havia até então sido proposta contestando diretamente sua constitucionalidade.
Registre-se que não se poderá jamais alegar demora na prestação jurisdicional por parte do STF
na análise deste específico processo, pois, uma
vez proposta em 19.06.1991, sua análise cautelar foi decidida em 27.06.1991, ou seja, em aproximadamente uma semana.
A sequência dos fatos, no entanto, constitui
uma página muito desfavorável do ponto de vista
da guarda da Constituição pelo STF.23
Apesar de essa decisão significar o temor
do STF de que uma manifestação sua pudesse
derrubar o plano económico, o argumento da
injuridicidade do referido plano era sustentável em termos constitucionais. Tanto que o relator, Min. Celso de Mello, que foi vencido ao
final da votação, menciona em termos categóricos: "o mero decurso de tempo já transcorrido desde a edição da Medida Provisória 168,
em 15.03.1990, não pode transformar-se em
elemento descaracterizador do periculum in
mora, cuja preocupante atualidade - especialmente se se considerar a circunstância de que a
restituição do dinheiro bloqueado efetivar-se-á
ao longo de um período de doze meses, só a
partir de setembro de 1991 - manter-se-á enquanto não se concluir o processo de liberação
e devolução dos recursos financeiros retidos. A
extrema gravidade do comportamento estatal
censurado não pode encontrar, no tempo, um
manto protetor de sua intangibilidade, nem
pode justificar, qualquer que seja o pretexto
invocado - até mesmo razões de Estado - , a insubsistência de um plano económico aparentemente fundado no desrespeito aos postulados
fundamentais que regem e limitam, em favor
dosindivíduos, a atividade do Estado. Razões
de ordem prática não podem escudar e muito
menos justificar condutas lesivas da ordem
constitucional. Quando setembro vier nada
mais restará senão lamentar o continuado desrespeito ao que impõe, soberanamente, a Lei
Fundamental da República". 22
Pouco mais de um ano após sua edição ficou patente o retumbante fracasso do Plano
Collor, pois a inflação voltou com todo o seu
ímpeto anterior.
(22)
RTJ 152/3-711.
Seguindo o rito das ADIns, após o indeferimento da liminar, a ação foi encaminhada para
a manifestação do Procurador-Geral da República, retornando ao STF para julgamento definitivo somente em 14.08.1992, três dias antes do depósito da última parcela da devolução. 24 Diante disso, o STF, atendendo ao parecer da Procuradoria, julgou a ação prejudicada
por perda de objeto. 25
2.3 Outros exemplos poderiam ser descritos
acerca da dificuldade de articulação entre estes
dois sistemas de controle de constitucionalidade no Brasil, tai&como o caso do reajuste das aposentadorias em 147%, 26 da cobrança de contri<W)
O caráter premonitório do voto vencido do Min.
Paulo Brossard no julgamento da ADIn-MC 534
não pode deixar de ser registrado: "Por entender que se trata de uma questão que não poderá
deixar de ser mencionada na história deste STF,
refleti serenamente sobre o caso, como se estivesse longe dos homens e fora do tempo, como
se estivesse a contemplar o mar imenso, em eterno movimento, e as montanhas coroadas de neve
eternas em sua imobilidade milenar, e concluí
que entre o discurso económico, de duvidosa
correção, e o discurso jurídico claramente enunciado na Constituição, não havia o que hesitar.
Em uma das formidáveis tragédias de Esquilo,
lê-se que 'um voto a menos pode ser uma catástrofe, como um voto a mais reergue uma casa'
(...). Votando como voto, suponho estar reerguendo a casa da lei e da segurança jurídica, sem
a qual a lei não tem sentido. Concedo a cautelar" (RTJ 152/3-723).
<24)
RTJ 152/3-731.
Mais uma vez deve-se anotar o caráter premonitório do voto do Min. Paulo Brossard, ainda na apreciação da MC 534, que previu este exato desfecho
com 15 meses de antecedência {RTJ 152/3-723).
SS 471 e AgRg 471, RTJ 147/2-512.
<25)
(26)
232
REFORMA
buição social sobrepró-labore,27 e o caso da inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre locação
de bens móveis,28 mas, por ora, é suficiente e emblemático o caso do Plano Collor acima exposto
para demonstrar o estado de coisas existente.
3. A criação da ação declaratória de constitucionalidade e a consolidação do efeito
vinculante
3.1 O efeito vinculante em ação
3.1.1 A criação de uma ação para declarar a
constitucionalidade de uma lei deve ser entendida no contexto de crescentes divergências entre
as decisões tomadas no controle difuso e no controle concentrado de constitucionalidade, bem
como pela ausência de mecanismos eficazes de
articulação dos dois sistemas, visando a harmonização da jurisprudência constitucional. Esse
objetivo pode ser verificado na justificativa da
<27)
<2S)
O leading case do controle difuso foi o RE
166.772-RS, cujo relator foi o Min. Marco Aurélio, julgado em 12.05.1994. No entanto, o controle concentrado foi exercido pór meio da ADIn
1.102, proposta pela Confederação Nacional da
Indústria, cujo relator foi o Min. Paulo Brossard,
tendo a liminar sido concedida em 04.08.1994 e
o julgamento definitivo ocorrido em 05.10.1995,
tendo por relator o Min. Maurício Corrêa.
O leading case pela inconstitucionalidade desta
cobrança foi o RE 1 16.121, cujo julgamento foi
iniciado em 24.04.1990, tendo por relator o Min.
Octávio Gallotti, e findou em 11.10.2000, tendo
como relator para o acórdão o Min. Marco Aurélio, líder da divergência. A norma declarada inconstitucional foi a da Prefeitura Municipal de
Santos-SP, mas como seguia o modelo federal
estabelecido pelo Dec.-lei 406/1968, todas as
demais 5.000 Prefeituras Municipais brasileiras,
que certamente possuem norma tributária semelhante, passaram a ter esta exação colocada em
cheque perante o Judiciário, inclusive com pedidos de restituição do que foi cobrado nos anos
anteriores. Pelo menos duas ADIns já foram
propostas, e ainda não julgadas pelo STF, mas
receberam parecer do Ministério Público Federal favorável à sua constitucionalidade (ADIn
3142-2/600-DF e ADIn 3287-9/600. Ver Parecer
PGR 3769-CF, de 21.01.2005).
JUDICIÁRIO
proposta de emenda constitucional apresentada
pelo Deputado Roberto Campos, que ensejou a
criação do instituto: "Um dos aspectos que mais
têm preocupado o País, pelo prisma da nova ordem
constitucional, é a valorização dos juizados de primeira instância - louvável conquista da cidadania
- sem a contrapartida de um instrumento processual de uniformização célere, omissão incompreensível do constituinte na conformação do controle
difuso e concentrado de constitucionalidade. A
força outorgada aos juízes de primeira instância,
sem um instrumento adequado de ação para os
Tribunais Superiores, subverte a hierarquia necessária - e mais do que isto - a tranquilidade para a
preservação da ordem jurídica, pois qualquer questão constitucional da maior relevância pode ser
decidida de forma satisfativa, desde que o tribunal
imediatamente superior não suspenda aefícáciade
decisões que garantam benefícios ou direitos".
O instrumento utilizado para lograr essa "uniformização", preservando a hierarquia entre as
instâncias do Poder Judiciário, foi o efeito vinculante, instituto até então inexistente no direito
brasileiro. Nos termos do § 2.° do art. 102, acrescentado pela EC n. 3: "As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo STF, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".
Além dessa inovação, a criação da ADCguardava ainda duas outras diferenças em relação à
ADIn: seu objeto limitou-se às leis e atos normativos federais, excluindo os estaduais (art. 102,1, a),
e a legitimidade para propô-la foi restrita ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal e
da Câmara dos Deputados, e ao Procurador-Geral
da República (art. 103, §4.°). Tal conformação nos
permite concluir, do ponto de vista da divisão funcional do poder, que a ADCestabeleceu um mecanismo de freio, outorgado aos Poderes Executivo
e Legislativo, contra o exercício do controle difuso de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
3.2 A questão de ordem na ADC1
3.2.1 Corroborando a relação da criação da
ADC com á ordem tributária, a primeira ação
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
declaratória foi ajuizada pelo Presidente da República, a Mesa do Senado Federal e a Mesa da
Câmara dos Deputados para que o STF declarasse constitucional a LC 70/1991, que havia criado
a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). No entanto, diante dos inúmeros questionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o novo instituto, manifestados inclusive em uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados
Brasileiros - não conhecida por ausência de pertinência temática -, o relator da ação propôs uma
questão de ordem para que o STF decidisse sobre
a constitucionalidade da ADCantes de julgar seu
mérito. A análise desse acórdão é válida para que
se compreendam melhor os problemas da convivência dos dois sistemas no Brasil.
O questionamento da constitucionalidade da
ação declaratóriabaseava-se nos limites materiais
à reforma constitucional, no que tange aos direitos e garantias individuais e à separação de Poderes. Entre os vários argumentos apresentados contra a ADC com base nesses princípios, vale destacar dois deles. Em primeiro lugar, a ausência de
contraditório na ADC converteria o STF em órgão consultivo dos demais poderes. Assim, enquanto naADInoautorda ação expõe os argumentos contrários à constitucionalidade da norma,
cabe ao Advogado-Geral da União sua defesa,
sendo esse contraditório importante para que se
assegure o caráter judicial do controle de constitucionalidade. No entanto, já que o autor da
ADCvisaà declaração de constitucionalidade, não
haveria no processo a produção de argumentos das
"partes" em favor da inconstitucionalidade.
A essa crítica o STF respondeu que, "visando a ação declaratória de constitucionalidade à
preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo, é ínsito a essa ação, para
caracterizar-se o interesse objetivo de agir por
parte dos legitimados para propô-la, que preexista controvérsia que ponha em risco essa presunção, e, portanto, controvérsia judicial no exercício do controle difuso de constitucionalidade, por
ser esta que caracteriza inequivocamente esse risco. Dessa controvérsia, que deverá ser demonstrada na inicial, afluem, inclusive, os argumen-
233
tos pró e contra a constitucionalidade, ou não, do
ato normativo em causa, possibilitando a esta Corte
o conhecimento deles e de como têm sido eles apreciados judicialmente. Portanto, por meio dessa
ação, o STF uniformizará o entendimento judicial
sobre a constitucionalidade, ou não, de um ato
normativo federal em face da Carta Magna, sem
qualquer caráter, pois, de órgão consultivo de outro Poder, e sem que, portanto, atue, de qualquer
modo, como órgão de certa forma participante do
processo legislativo. Não há, assim, evidentemente, qualquer violação ao princípio da separação
de poderes" (Min. Moreira Alves, relator).29
O segundo questionamento referia-se ao efeito vinculante atribuído à ADC. Até então inexistente no direito brasileiro, a própria definição de
seu significado deixava margem para amplas dúvidas, conduzindo à ideia de que impediria o exercício do controle difuso e afetaria a independência
dos juízes. Para superar esses questionamentos, o
STF definiu o conceito de efeito vinculante de
modo restrito: "De feito, se a eficácia erga omnes
que também possuem suas decisões de mérito lhe
dá a mesma eficácia que têm as decisões de méritos das ações diretas de inconstitucionalidade (...)
do efeito vinculante que lhe é próprio resulta:
a) se os demais órgãos do Poder Judiciário,
nos casos concretos sob seu julgamento, não respeitarem a decisão prolatada nessa ação, a parte
prejudicada poderá valer-se do instituto da reclamação para o STF, a fim de que este garanta a
autoridade dessa decisão; e
b) essa decisão (e isso se restringe ao dispositivo dela, não abrangendo - como sucede na Alemanha - os seus fundamentos determinantes, até
porque a EC n. 3 só atribui efeito vinculante à
própria decisão definitiva de mérito), essa decisão, repito, alcança os atos normativos de igual
conteúdo daquele que deu origem a ela, mas que
não foi seu objeto, para o fim de, independentemente de nova ação, serem tidos como constitucionais ou inconstitucionais, adstrita essa eficácia aos atos normativos emanados dos demais
órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo,
(29
> ADC \-QO, RTJ 157/372.
234
REFORMA DO JUDICIÁRIO
uma vez que ela não alcança os atos editados pelo
Poder Legislativo" (Min. Moreira Alves, relator).
Dessa forma, o STF concluía que a ADC não
impedia o exercício do controle difuso, mas apenas conferia ao novo instituto a eficácia necessária
para resolver o problema de os demais órgãos do
Poder Judiciário continuarem a julgar contrariamente à decisão do STF, outorgando às partes um
meio mais expedito que o recurso extraordinário.30
3.2.2 Apesar disso, o Min. Marco Aurélio
opôs-se à maioria, apontando problemas decorrentes para o devido processo legal da adoção da
ADC. Assim, enquanto a ADIn, na ausência de
efeito vinculante não impedia que o cidadão pudesse obter "uma decisão ditada pela própria consciência do magistrado, mormente quando a maioria, ao julgar a ADIn, haja concluído pela harmonia do preceito com a Carta e não se tenha procedido ao exame, considerado um certo dispositivo
dessa última", na ADC haveria duas consequências: "a) declarando o STF, por maioria absoluta
de votos, constitucional a lei, os demais órgãos
do Judiciário estarão compelidos, em face do citado efeito vinculante, a emprestar, com automaticidade imprópria ao ofício judicante, ou seja,
sem a realização de um julgamento livre e, portanto, norteado pela prova dos autos e convencimento formado, solução idêntica às lides; b) declarando a inconstitucionalidade, da mesma forma
far-se-á presente o efeito vinculante. Pois bem: em
face do primeiro desfecho, os contribuintes que tenham ação em andamento, quer em primeiro ou
em segundo grau, perderão o bem em litígio, sem
o devido processo legal, pois não terão participado do processo objetivo julgado por este tribunal.
(...) Com a ação de constitucionalidade e o efeito
vinculante do provimento positivo do Supremo,
as lides em andamento são apanhadas e aí os desfechos respectivos decorrerão de simples e obrigatória observância do que decidido em processo
diverso, sem dele ter participado os verdadeiramente interessados e que integram uma minoria".
(30)
Além de não exigir decisão de última instância,
como o recurso extraordinário, a reclamação
permite que o relator suspenda o processo ou o
ato impugnado (Lei 8.038/1990, arts. 13 a 18).
Apesar de o voto dissidente indicar os riscos
da ação declaratória, era débil o argumento de que
o sistema de justiça constitucional adotado originalmente pela Constituição de 1988 não poderia ser alterado pelo poder reformador. Sem embargo, parte dessas críticas encontra maior fundamento diante da outra polémica que surgiu com
a ADC 4, acerca da concessão de medida cautelar, que adiante será melhor explicitada.
Portanto, a criação da ação declaratória de
constitucionalidade inovou substancialmente na
articulação dos dois sistemas de controle de constitucionalidade. Com a atribuição do efeito vinculante às suas decisões, passava-se de uma vinculação dos juízes e tribunais à jurisprudência do
STF de caráter meramente intelectual, baseada na
força persuasiva das decisões da instância superior e sem nenhum mecanismo de exigibilidade,
para uma vinculação de caráter dissuasório, na
qual a não-observância da jurisprudência acarreta a cassação das sentenças que a contrariam.31
Além disso, optava-se por uma harmonização da
jurisprudência constitucional apartir das decisões
tomadas no controle abstrato de constitucionalidade, às quais dever-se-ia adequar o controle exercido a partir da apreciação de casos concretos.
Ultrapassado o debate sobre o cabimento deste novo tipo de ação instituindo o efeito vinculante
no controle concentrado, o que foi debatido preliminarmente na questão de ordem acima exposta, restou para ser discutido seu mérito, o que aconteceu em 1.°. 12.199332 e que deu provimento aos
argumentos contrários aos dos contribuintes, confirmando a nova exação. Vale referir, apenas como
um adendo, que esta declaração de constitucionalidade da LC 70/1991 (ADC 1) acarretou o início de um processo de aumento da arrecadação
í3l)
As categorias de vinculação intelectual e vinculação dissuasória são formuladas por Luis López
Guerra, La fuerza vinculante de la jurisprudência, Actualidad Jurídica Aranzadi, n. 442, 2000.
No extremo oposto da vinculação intelectual, o
autor coloca a "vinculação formal rigorosa", que
é similar a existente com relação à lei e acarreta
a responsabilização do juiz em caso de não-observância da jurisprudência.
m
ADC \,RTJ 156/722.
EFEITO VINCULANTE: TRAJETORIA BRASILEIRA
das contribuições no Brasil, uma vez que sua receita não é compartilhada com Estados e Municípios em razão de um mecanismo financeiro
denominado federalismo participativo. Pela
Constituição, este rateio de arrecadação entre os
entes federativos apenas deve acontecer com alguns impostos, e não com as contribuições sociais. Curiosamente o Brasil passou a ser um país
onde mais se arrecadam contribuições sociais,
mas que apresenta um dos piores níveis de desenvolvimento social do globo.
3.3 A medida cautelar na ADC 4
3.3.1 Após o julgamento da ADC ^reconhecendo a constitucionalidade da criação do instituto e definindo a extensão do efeito vinculante,
outra importante inovação no sistema de justiça
constitucional no Brasil adveio com o julgamento da ADC 4, em que se solicitava a declaração de
constitucionalidade das disposições do art. 1.° da
Lei 9.494/1997, que estendia à tutela antecipada33
um conjunto de limitações já existentes no ordenamento jurídico para a concessão de liminares
em mandado de segurança ou processo cautelar
contra o Poder Público. Igualmente proposta pelo
Presidente da República e as Mesas do Senado e
daCâmara, essa açãocontinhaum pedido para que
fosse deferida medida cautelar determinando o
sobrestamento imediato da execução das decisões
que haviam concedido tutela antecipada nas hipóteses vedadas pela lei acima referida.
235
da ação acentuava essas dificuldades, fazendo com
que o deferimento da cautelar atingisse, inevitavelmente, o exercício do controle difuso pelos juízes
e tribunais. Assim, o reconhecimento da admissibilidade da medida cautelar em ação declaratória
de constitucionalidade impunha uma decisão
acerca da extensão em que essa medida viria a limitar o controle difuso de constitucionalidade.
A concessão de medidas cautelares no controle abstrato era admitida no Brasil desde o julgamento da Representação de Inconstitucionalidade 933, em 1975, em que a maioria do STF
entendeu que o "poder geral de cautela", atribuído ao juiz pelo Código de Processo Civil (art. 798),
também se aplicava ao controle de constitucionalidade, permitindo a suspensão da eficácia da lei
enquanto a decisão definitiva não houvesse sido
proferida pelo STF. Posteriormente, essa jurisprudência foi incorporada pela EC n. 7/77 e permanece na atual Constituição, em seu art. 102, \,p.
O mesmo raciocínio foi aplicado pelos Ministros que compuseram a maioria no caso das cautelares em ADC, visando evitar que decisões judiciais contrárias à orientação do STF pudessem gerar
efeitos definitivos. Nas palavras do Min. Sydney
Sanches, relator: "Mutatis mutandis, as razões ali
expendidas, quanto ao cabimento da medida cautelar, podem ser aqui adotadas, para sua admissão,
também na ação direta de constitucionalidade,
mesmo sem previsão expressa do legislador constituinte derivado, que a instituiu. Aliás, se se entender inadmissível a medida cautelar em ação diO caráter polemico da concessão de medida
reta de constitucionalidade, estará o STF impedicautelar em ADC manifesta-se tanto nos votos
do de adotar providências para prevenir efeitos
contrários a sua admissibilidade quanto nos loncontrários exatamente a possíveis decisões de
gos debates em torno dos efeitos que essa medida
mérito, com eficácia erga omnes e força vinculandeveria possuir. O caráter processual da lei objeto
te para órgãos do Judiciário e do Poder Executivo.
E isso não me parece razoável, pois não é compreen(33)
A tutela antecipada foi incorporada ao ordenamen- sível que não possa a Corte acautelar a eficácia de
to jurídico brasileiro pela Lei 8.952/1994, que
modificou o art. 273 do CPC, nos seguintes termos: suas decisões de mérito" (p. 397).
"O juiz poderá, a requerimento da parte, anteciOutro importante argumento em favor da adpar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pre- missibilidade de cautelar em ADC foi apresentatendida no pedido inicial, desde que, existindo
do pelo Min. Sepúlveda Pertence: "Vivemos em
prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano um sistema singular em que, ao cabo de um longo processo de acomodação, de acoplagem, terirreparável ou de difícil reparação; ou II - fique
minamos com a convivência integral dos dois siscaracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu".
temas clássicos de controle de constitucionalida-
236
REFORMA
de. (...) A partir daí, é claro, cabe a este tribunal construir um sistema de convivência, de harmonização
desses dois sistemas, no qual é fatal, dada a eficácia universal do controle abstraio, que este venha a
predominar sobre o controle difuso, paralisando-o
ou mesmo extinguindo-o em cada caso, seja por
força da decisão liminar da ação direta - praticada
entre nós com dimensões que nenhum outro ordenamento conhece - seja por força da decisão definitiva do STF. (...) Sempre me impressionou o trânsito em julgado, de uma decisão de caso concreto,
fundada em decisão liminar nossa - seja de suspensão da vigência, seja, com mais razão, nessa declaração provisória de constitucionalidade - e,
depois, o tumulto que gerará uma decisão definitiva em sentido contrário" (p. 411; 425-426).
Apesar desses argumentos, não se pode negar
consistência às alegações dos Ministros que compuseram a minoria, baseados no entendimento de
que a EC n. 3 havia deferido o efeito vinculante
apenas às "decisões definitivas de mérito" em ADC.
Além disso, destaca-se o problema da intromissão
que a decisão cautelar na ADC provocaria no exercício do controle difuso pelos juízes e tribunais,
sobrepondo-se ao sistema de recursos previsto nas
leis processuais. Nas palavras do Min. Marco Aurélio: "Quer-se, mediante esta ação, alcançar objetivo único, ou seja, o acesso imediato ao STF,
deixando-se, assim, de observar os meios próprios
previstos no Código de Processo Civil, criando-se
forma ímpar da suspensão de tutelas antecipadas,
a ser procedida por tribunal estranho àquele previsto, em lei, como o competente para julgar o
recurso cabível. (...) Digo que o pedido liminar
formulado é mais nefasto do que o resultado do
mecanismo da sepultada avocatória. Na avocatória, o Supremo julgava a lide, fazendo-o nos autos
em que instaurada. Aqui, julgará as tutelas sem o
conhecimento das balizas que, caso a caso, serviram de base aos julgadores, substituindo-se aos
regionais no exame, se é que assim se pode falar,
de decisões precárias de primeira instância" (p.
405-406; v. também p. 416).
Essa dificuldade de aplicai- o juízo "em abstrato" do STF aos casos concretos sob julgamento,
também foi destacada pelo Min. limar Galvão:
"Impressionou-me especialmente que a liminar,
nessas ações, não poderá ser concedida senão com
interferência em ações em curso perante outros
JUDICIÁRIO
juízos, o que não ocorre com as ações declaratórias de inconstitucionalidade. (...) Não vejo como
se possa conceder liminar, numa ação declaratória
de constitucionalidade, para observância obrigatória por todos os juízes, com essa extensão de suspender o efeito de decisões de outros juízos, sem
que se configure interferência do STF, com efeito
de controle difuso de constitucionalidade a distân- i
cia e sem exame das respectivas lides" (p. 406-407).
Por um lado, deve-se reconhecer que, diante da
possibilidade de trânsito em julgado de decisões
baseadas na inconstitucionalidade da lei ao final
julgada constitucional pelo STF, a concessão de
medida cautelar para impedir tais decisões do controle difuso parece justificada; por outro lado, isso
impede que o juiz possa dai" provimento a ação quando identificada uma situação inconstitucional. Como
veremos adiante, o problema da concessão de medidas cautelares em ADC é, de modo especial, o
problema da inadequação de um julgamento "em
abstrato" pela constitucionalidade em relação aos
casos concretos, o que também foi destacado pelo
Min. Néri da Silveira: "Num juízo de controle abstrato, não é de conceder liminar acerca da constitucionalidade da norma em foco, porque ocorrem fatos concretos. O que cumpre dizer, liminarmente, é
que, num juízo provisório, a presunção da validade da lei é de manter-se. Não pode ter maior extensão essa cautela, sob pena de já se penetrar no controle concreto de situações, subjetivas ou de processos em curso em que haja sucedido a aplicação, ou
não aplicação, da lei, objeto da ação" (p. 421).
Dentre os Ministros que compuseram a maioria favorável à concessão da cautelar, três posições
podem ser identificadas no debate:
a) "conceder a cautelar para que essa lei seja
aplicada - quando for a hipótese de sua aplicação , e não ser afastada, sob alegação de invalidade, até
o julgamentofinal"(Min. Néri da Silveira, p. 422);
b) "suspender qualquer decisão em processo
que, ajuízo do magistrado competente, dependa
da afirmação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, objeto da ação direta (...)"
(Min. Sepúlveda Pertence, p. 420-421);
c) "desconstitui-se retroativamente aquela decisão da tutela e aplica-se, para o futuro, para impedir-se que prossiga a execução" (Min. Moreira
Alves, p. 425).
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
Aofinal,prevaleceu a terceira posição, decidindo o STF "deferir, em parte, o pedido de medida
cautelar, para suspender, ex mine, e com efeito vinculante, atéfinaljulgamento da ação, a prolação de
qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada,
contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade
do art. I o da Lei 9.494, de 10.09.1997, sustando,
ainda, igualmente ex mine, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas
contra a Fazenda Pública (...)". Assim, ao admitir
a concessão de cautelar em ação declaratória de
constitucionalidade, o STF dotou-se de um amplo poder para, antes do julgamento do mérito da
ação, impedir a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pela via do controle difuso, bem
como a execução dessas decisões.
3.4 A consolidação do efeito vinculcmte nas Leis
9.868/1999 e 9.882/1999
3.4.1 Como vimos, foi a jurisprudência do
STF que definiu os contornos da ação declaratória de constitucionalidade, bem como do efeito
vinculante. No entanto, o grau de inovação que
esses institutos representavam, bem como as contínuas resistências a sua aplicação, tornaram impossível adiar a regulamentação legislativa do
controle concentrado de constitucionalidade no
Brasil. Assim, a Lei 9.868/1999 veio suprir essa
lacuna, regulando o processo e o julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.
Boa parte desse texto legislativo consiste na
formalização das diversas construções jurisprudenciais do STF sobre as duas ações, como a exigência de controvérsia judicial na ADC (art. 14,
III) e a concessão de medida cautelar na ação declaratória, ainda que limitada à "determinação de
que os juízes e os tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação
da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu
julgamento definitivo" (art. 21). Ao lado disso,
verificam-se algumas inovações importantes, que
tendem a aumentar o poder do STF:
a) a medida cautelar na ADIn pode ser deferida inaudita altera pars, em casos de "excepcional urgência" (art. 10, § 3.°) e também pode ter
efeitos ex tunc (art. 11, § 1.°);
237
b) com base em razões de "segurança jurídica" ou "excepcional interesse social", o tribunal
pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, inclusive diferindo no tempo esses efeitos (art. 27);
c) o efeito vinculante se atribui às declarações
de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, à "interpretação conforme a Constituição" e à
"declaração parcial de nulidade sem redução de
texto" (art. 28, parágrafo único).
3.4.2 O momento de regulamentação da ADIn
e da ADC também propiciou a edição da Lei
9.882/1999, sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Previsto nc
original parágrafo único do art. 102 da CF, sem
qualquer precedente no ordenamento brasileiro,
o instituto foi interpretado por alguns autores
como uma autorização constitucional para a criação de uma ação em que qualquer pessoa poderir
recorrer ao STF na defesa de seus direitos constitucionais, nos moldes da queixa constituciona
alemã ou do recurso de amparo espanhol.
A regulamentação do instituto, no entanto, dis
tanciou-se bastante dessa interpretação, já que ;
ADPF só pode ser proposta pelos legitimados par;
a ADIn (art. 2.°, I). Seu objeto é "evitar ou repara
lesão a preceito fundamental, resultante de ato de
Poder Público" (art. 1.°), cabendo também "quan
do for relevante o fundamento da controvérsia cons
titucional sobre lei ou ato normativo federal, esta
dual ou municipal, incluídos os anteriores à Cons
tituição" (art. l.°, parágrafo único, I).
Essa regulação tem o claro sentido de criar un
mecanismo de controle concentrado naquelas hipo
teses que não são objeto de ADIn, tal como os ato
não normativos do Poder Público e o direito ante
rior à Constituição. Além disso, também se admit
a concessão de liminar, que "poderá consistir n
determinação de que juízes e tribunais suspendar
o andamento de processo ou os efeitos de decisõe
judiciais, ou de qualquer outra medida que apreser
te relação com a matéria objeto da arguição d
descumprimento de preceito fundamental, salvo s
decorrentes dacoisajulgada" (art. 5.°, § 3.°).Porfin
concede-se eficácia contra todos e efeito vinculanl
às decisões em ADPF (art. 10, § 3.°).
3.4.3 A extensão do efeito vinculante a várií
decisões do STF, por meio das leis supracitada
238
REFORMA DO JUDICIÁRIO
levou a Ordem dos Advogados do Brasil a ajuizar
ações diretas de inconstitucionalidade contra ambas. Ainda que essas ações não tenham sido julgadas, na Rcl 1.880, em 07.11.2002, o STF teve a
oportunidade de decidir, por maioria, em questão
de ordem proposta pelo relator, a constitucionalidade do art. 28, parágrafo único, daLei 9.868/1999,
reconhecendo o efeito vinculante de suas decisões
em ADIn. Nos termos da ementa: "Para efeito de
controle abstrato de constitucionalidade da lei ou
ato normativo, há similitude substancial de objetos nas ações declaratória (sic) de constitucionalidade e diretade inconstitucionalidade. Enquanto
a primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade, a segunda traz pretensão negativa. Espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do tribunal
quanto à conformação da norma com a Constituição Federal. A eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade, fixada pelo § 2.° do
art. 102 da Carta da República, não se distingue,
em essência, dos efeitos das decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade".
3.4.4 Vale lembrar que a extensão da técnica
do efeito vinculante também se observa no controle difuso, já que a Lei 9.756/1998, modificando o art. 557 do CPC, buscou limitar a apreciação de recursos pelos tribunais, ampliando os poderes do relator.34
04) . ^ r t 55-7 Q re ] a tor negará seguimento a recurso
manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com
jurisprudência dominante do respectivo tribunal,
do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1 .°-A. Se a decisão recorrida estiver em
manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá
dar provimento ao recurso. § 1.° Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão
competente para o julgamento do recurso, e, se
não houver retratação, o relator apresentará o
processo em mesa, proferindo voto; provido o
agravo, o recurso terá seguimento. § 2.° Quando
manifestamente inadmissível ou infundado o
agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar
ao agravado multa entre 1% (um porcento) e 10%
(dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso
condicionada ao depósito do respectivo valor".
4. A EC n. 45 e a súmula vinculante: o coroamento da busca pelo efeito vinculante no
controle de constitucionalidade das leis
4.1 Como um coroamento desta longa busca
pela obtenção do efeito vinculante nas decisões
concentradas de controle de constitucionalidade
no Brasil, a EC n. 45, de 08.12.2004, estabeleceu
as seguintes normas:
i
a) Deu nova redação ao § 2.° do art. 102 da
Constituição,35 pelo qual:
a. 1) Constitucionalizou aquilo o que já havia
sido legalizado pela Lei 9.868 (art. 28, parágrafo
único) e a jurisprudência do STF já havia reconhecido, qual seja que as decisões definitivas de
mérito proferidas em ADIns têm efeito vinculante e eficácia erga omnes,
Não há nenhuma novidade neste aspecto, tendo sido apenas alçado à categoria de norma constitucional.
a.2) Estendeu a vinculação e a eficácia erga
omnes de suas decisões em ADIn e ADC à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Trata-se de uma novidade, pois anteriormente estes efeitos apenas alcançavam o Poder Judiciário e o Poder Executivo, gerando dúvidas em
alguns exegetas se autarquias e fundações federais estariam abrangidas. Esta dúvida não mais há
como persistir.
Outra novidade diz respeito ao fato de que
expressamente as decisões nestas ações passaram
a ser de cumprimento obrigatório pelos Estados,
Municípios, e sua administração direta e indireta. Logo, os efeitos do ato se espraiam para além
da esfera federal de governo. Nada existe de inconstitucional neste preceito, uma vez que, a dest35)
Nova redação: "§ 2.° As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e
nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".
•
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
peito de ter o nome de STF, nosso modelo de Corte
Suprema alcança todo o País, sendo, na verdade,
uma corte nacional, e não apenas federal.
b) Acrescentou o art. 103-Aà Constituição,36
por meio do qual criou o mecanismo da súmula
vinculante, cujas principais características são:
b. 1) Estabeleceu a vinculação e a eficácia erga
omnes das súmulas para todo o Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal.
b.2) Lei a ser editada regulará o processo de
aprovação, cancelamento e revisão destas súmulas, mas desde logo ficou estabelecido que elas
serão aprovadas de ofício ou por provocação das
pessoas legitimadas para propor ADIns. Aliás, a
competência destas pessoas se estende para além
da provocação para aprovação, mas também para
cancelamento e revisão das súmulas.
b.3) Sua aprovação deverá se dar por decisão
de dois terços dos membros do STF; ou seja, oito
(,6)
"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua publicação
na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1.° A súmula terá por
objetivo a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou
entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2.° Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles
que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3.° Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável
ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e
determinará que outra seja proferida com ou sem
a aplicação da súmula, conforme o caso."
239
membros.37 Nada foi dito sobre o número de votos necessário para cancelamento e revisão das
súmulas, mas, por uma questão de paralelismo,
entende-se que deve ser seguido o mesmo número de oito Ministros.
b.4) O objetivo da súmula será estabelecer de
modo vinculativo e com eficácia erga omnes a
interpretação, a validade e a eficácia de normas
determinadas, acerca das quais haja controvérsia
relevante entre órgãos judiciários, ou entre estes
e a Administração Pública. O escopo é reduzir o
âmbito da insegurança jurídica e a multiplicação
de processos acerca da mesma questão.
b.5) Caberá reclamação quando ocorrer de um
ato administrativo ou uma decisão judicial contrariar a súmula aplicável ou a aplicar de forma
indevida. Neste caso vislumbram-se três hipóteses: 1. sendo julgada procedente a reclamação
contra ato administrativo, este deverá ser anulado; 2. se julgada procedente contra decisão judicial que a aplicar quando não era o caso de sua
utilização, outra decisão deverá ser proferida sem
a aplicação da súmula; e 3. se julgada procedente
contra decisão judicial que não a aplicar quando
deveria fazê-lo, a decisão judicial será cassada.
Nesta terceira hipótese, entende-se que o próprio STF cassará a decisão por meio da reclamação,
a qual deverá ter o mesmo sentido esposado na súmula anteriormente publicada, e substituirá a decisão que tiver sido cassada. Na hipótese de haver mais
de um tema em debate nos autos, apenas o que tiver
contrariado a súmula será objeto da cassação, devendo o processo retornar ao seu curso normal, a fim de
que as partes continuem a discussão judicial sobre
os outros aspectos do caso. Os riscos inerentes a este
procedimento serão abaixo analisados.
b.6) Outro aspecto que deve ser considerado
diz respeito ao fato de que as atuais súmulas do
STF podem vir a ter efeito vinculante após sua
t37)
Certamente surgirá uma discussão bizantina sobre
quanto é 2/3 de 11 membros. Como a resposta é
fracionária (7,33), advoga-se que sejam 8 membros, uma vez que 7 membros não alcançarão o desiderato constitucional que é o de obter um mínimo de 2/3 dos votos dos membros do STF; por isso
7 membros não alcançam este mínimo de 7,3, gerando a mais adequada resposta de 8 membros.
240
REFORMA :
confirmação pelos mesmos oito Ministros e publicação na imprensa oficial.3S
c) O caput do art. 103 foi modificado para
ampliar o rol dos legitimados para propor ADCs,
que passaram a ser os mesmos legitimados para a
propositura de ADIns. Este procedimento foi positivo, sanando uma discriminação injustificada.
d) Foram incluídos no rol de legitimados para
propor ADIns e ADCs, pela modificação dos incisos IV e V do art. 103 da Carta, o Poder Legislativo
e o Chefe do Poder Executivo do Distrito Federal, o
que a jurisprudência do STF já havia reconhecido.
Trata-se apenas de um apego à literalidade das normas e uma homenagem ao positivismo jurídico.
e) Embora não tenha reflexo direto na questão da vinculação das decisões, o acréscimo do
art. 102, III, d, e a novaredação do art. 105, III, b,
da Carta, são importantes para a articulação entre
o controle concentrado e o controle difuso, pois
alterou a competência que anteriormente estava
com o STJ para julgar válida lei ou ato de governo local, em face de lei federal.
A modificação realizada bipartiu esta competência mantendo-a no STJ quando o debate se referir a "ato do governo local em face de lei federal", e transferindo-a para o STF quando o debate
se referir à validade "de lei local contestada em
face de lei federal".
Desta forma, quando o debate se referir a um
ato contestado em face de lei federal, a competência será do STJ. Quando o debate se referir à
validade de uma lei local em face de uma lei federal, a competência será do STF.
Esta nova repartição visa reduzir situações
como a da declaração de inconstitucionalidade, em
controle difuso, da lei municipal de Santos-SP, que
estabelecia a cobrança de ISS sobre a locação de
bens móveis, gerando reflexos em todos os mais
de 5.000 municípios brasileiros, sem que houvesse uma declaração formal do STF quanto a estes.
5. Conclusões
5.1 Na introdução deste trabalho, identificamos
os problemas que podem decorrer da utilização do
(3,)
Art. 8.°daECn. 45.
JUDICIÁRIO
controle concentrado como vetor da harmonização
da jurisprudência constitucional. Em síntese, a desejada eficácia de suas decisões sobre a inconstitucionalidade da lei pode ser oposta aos riscos gerados por decisões favoráveis à constitucionalidade da
lei. Disso decorre a necessidade de identificar os mecanismos de articulação entre o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade.
De início, a adoção de um sistema misto de
controle apresenta as desvantagens de ambos os
sistemas, ou seja, a pouca eficiência e a propensão à divergência do controle difuso, e a limitação imposta pelo controle concentrado à solução
de questões constitucionais pelo Poder Judiciário. Some-se a isso a possibilidade de conflito
entre decisões tomadas no controle difuso e no
controle concentrado, levando à sobrecarga do
Tribunal Constitucional ou da Corte Suprema.
Todas essas características foram identificadas nos casos analisados neste trabalho. Sem embargo, sistemas mistos de controle também podem ter a vantagem de, sem perda da agilidade na
resposta judicial a violações de direitos fundamentais cometidas pela lei, contar com mecanismos que garantam a eficácia erga omnes das declarações de inconstitucionalidade.
Os primeiros mecanismos tentados pelo sistema brasileiro para resolver os problemas do controle difuso foram a resolução suspensiva do Senado
Federal e a reserva de plenário, os quais, por problemas distintos, não produziram os resultados pretendidos. No primeiro caso, o caráter discricionário da
decisão do Senado Federal limitou o uso desse mecanismo de generalização; no segundo caso, a continuidade de divergência entre os tribunais tornava
necessária a intervenção harmonizadora do STF, cuja
via, o recurso extraordinário, tornou-se crescentemente inadequado pelo seu volume.
Desde a criação da ação declaratória de constitucionalidade, a busca de soluções para os problemas de harmonização dajurisprudência constitucional no Brasil passou a ser orientada pela concessão
de eficácia vinculante às decisões do STF. Essa estratégia possui um conjunto de consequências:
a) ao emanai"de umjulgamento abstrato da constitucionalidade, a decisão pela permanência do texto normativo no ordenamento jurídico permite que
EFEITO VINCULANTE: TRAJETÓRIA BRASILEIRA
sua aplicação a outras situações concretas venha a
gerar situações inconstitucionais, tal como foi reconhecido pelo próprio STF no caso da suspensão de
liminares contra o Plano Collor e em várias das reclamações ajuizadas com base na decisão cautelar
da ADC 4. Mesmo que no caso da ADC e da ADPF
para solução de controvérsia judicial, o STF tome
em consideração as divergências sobre a constitucionalidade da norma geradas por sua aplicação, esse
contraditório já existente não elimina todas as possibilidades futuras de divergência;
b) o efeito vinculante caracteriza-se como um
mecanismo de prevenção da divergência sobre a
interpretação constitucional, e não como um mecanismo de correção. Ele visa que os juízes se
adaptem às orientações jurisprudenciais do STF
e decidam de modo conforme a ela, evitando que
as questões de inconstitucionalidade sejam levadas à Corte Suprema, o que dificulta a possibilidade de uma nova análise da questão por ela;
c) o efeito vinculante transcende o nível meramente intelectual de vinculação dos órgãos judiciais
às decisões do STF e o transforma em uma vinculação dissuasória (ver supra), naqual o descumprimento dessa orientação pelos juízes e tribunais acarreta
a revisão de suas decisões, nesse caso, via o meio
expedito da reclamação. Sem embargo, como não
se alcançou o nível máximo de vinculação, que
implicaria a responsabilização administrativa ou
mesmo criminal do juiz em caso de desrespeito à
decisão do STF, é possível que a eficiência desse
mecanismo de vinculação continue repousando na
aceitação pelos juízes da jurisprudência superior,
caso contrário, haverá um número substancialmente
elevado de reclamações junto ao STF.39 Essa eleva(W
Segundo as informações disponíveis na página
do STF, em 1994 foram julgadas 59 reclamações,
número que ascendeu a 400 em 2003. Isso demonstra que o problema da harmonização da interpretação constitucional não se resolve somente
por meios técnicos, mas demanda também a legitimidade do tribunal constitucional. No caso
brasileiro, o reduzido pluralismo na composição
do STF contribui para um alto grau de críticas às
suas decisões, inclusive no que se refere a sua excessiva vinculação ao Executivo. Sobre esses
problemas de legitimação, cf. António G. Moreira Maués, Legitimidade da justiça constitucional:
241
ção, por sua vez, pode ser contida por meios coercitivos junto às partes, como mostra a recente
utilização pelo STF da imposição da multa prevista no § 2.° do art. 557 do CPC.
5.2 Esse conjunto de situações demonstra a
necessidade de dotar o sistema de mecanismos
que permitam a revisão da jurisprudência do STF
de acordo com as particularidades dos casos que
se apresentam. Apesar do indeferimento da reclamação pelo STF significar a manutenção da possibilidade de exercício do controle difuso sobre
textos normativos declarados constitucionais pelo
Supremo, tal mecanismo não parece adequado
para prover essa possibilidade, por duas razões:
a) a reclamação implica que seja arguido o desrespeito à autoridade da decisão do STF pela parte
interessada, ou seja, supõe-se que a autoridade julgadora praticou uma conduta antijurídica, passando a ser reclamada junto ao STF. Assim, o que deveria funcionar no sistema como uma dinâmica normal e desejável,^m que os juízes têm meios de propor novamente uma questão de inconstitucionalidade ao Supremo, acaba trazendo a marca inicial da
violação da autoridade de suas decisões, que pode
exigir um grau de coragem intelectual dos juízes para
examinar a adequação da jurispmdência do STF ao
caso concreto que tem diante de si;
b) o indeferimento da reclamação não significa
que o STF tenha decidido sobre o mérito da questão
de inconstitucionalidade, mas somente sobre o respeito à autoridade de sua decisão. Assim, tendo em
vista que o mesmo texto normativo não pode ser
submetido novamente ao controle concentrado, somente pela via do recurso extraordinário o STF poderá decidir sobre o mérito, o que coloca novamente todos os problemas de eficiência e harmonização
do controle difuso acima apontados.
Esses problemas tornam-se ainda mais claros
se compararmos o quadro brasileiro com países
que adotam o sistema concentrado. Apesar do
monopólio da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, a via incidental
permite que a questão seja reexaminada por ele,
reflexões sobre o caso brasileiro, in: Roberio
Nunes dos Anjos Filho, Estudos de direito constitucional (Salvador: Jus Podium, 2003).
242
REFORMA DO JUDICIÁRIO
mantendo aberta a interpretação constitucional.
Assim, no caso espanhol, uma norma que tenha
sido julgada constitucional pela via direta pode
ser objeto da via incidental, caso os fundamentos da alegação de inconstitucionalidade sejam
distintos.40Na Alemanha, admite-se a reapreciação pelo Tribunal Constitucional quando ocorrer significativa mudança das circunstâncias fáticas ou relevante alteração das concepções jurídicas dominantes.41
ficiência e baixa qualidade das decisões desses
órgãos. Assim, a necessidade da decisão de um
caso concreto pelo Tribunal Constitucional ou
Corte Suprema decorre da importância de estabelecer os parâmetros de interpretação constitucional por meio da generalização dos fundamentos dessa decisão, fazendo com que os juízes
apliquem os mesmos critérios para casos análogos, de modo semelhante ao princípio do stare
decisis presente na common law.
Diante desses problemas, deve-se fazer um
esforço adicional para buscar outros mecanismos
de articulação entre o controle difuso e controle
concentrado no Brasil, já que não pode permanecer o impasse representado, por um lado, pelos
problemas para a igualdade e a segurança jurídicas decorrentes do exercício do controle difuso
em um sistema judicial complexo e diante de uma
Constituição detalhista como a brasileira, e, por
outro lado, pelo risco para a proteção judicial dos
direitos fundamentais provocado pelo efeito vinculante das decisões no controle concentrado.
Assim, deve-se admitir que, diante da complexidade das sociedades contemporâneas, haverá casos particulares em que a aplicação judicial de uma mesma lei far-se-á de modo distinto, podendo inclusive chegar a negar sua aplicação por incompatibilidade com a Constituição
em um caso determinado, particularidades as
quais é o juiz da causa o mais apto para julgar,
sujeito ao segundo grau de jurisdição. Portanto,
os mecanismos de articulação entre o controle
difuso e o concentrado devem conter válvulas de
escape que permitam que as alegações de inconstitucionalidade na aplicação da lei ao caso concreto sejam constantemente reapreciadas. Isso
implica reconhecer que a harmonização da jurisprudência constitucional deve admitir a presença de acordes dissonantes, o que, no País da
bossa-nova, deveria ser bem-vindo.
5.3 Essa última observação nos permite identificar que, à margem dos problemas já apontados para a proteção dos direitos'fundamentais,
uma excessiva concentração das decisões sobre
matéria constitucional no Tribunal Constitucional ou na Corte Suprema pode resultar em ine-
(40) çç Pablo Pérez Tremps. Tribunal Constitucional..., cit., p. 260-261.
i4,)
Cf. Ives Gandra da Silva Martins; Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 332.
Download

Teresa Arruda Alvim Wambier Luiz Rodrigues Wambier Luiz Manoel