Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e
Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro.
Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda
1. NASCE: Professor Ricardo Meneses conte para gente um
pouco sobre sua trajetória profissional.
Formei-me em 1996 como
Bacharel
em
Enfermagem
e
Obstetrícia
pela
Universidade
Federal do Rio de Janeiro, quando
as universidades ainda mantinham
as habilitações, mesmo que já em
fase de transformação para o
currículo generalista. Desde muito
novo eu gostava da área cirúrgica e
me propus a realizar na graduação
várias atividades relacionadas nessa
área, mesmo aquelas que estavam
fora da proposta curricular, como a
atividade
de
instrumentação
cirúrgica, que pude realizar durante
o meu estágio supervisionado em
enfermagem.
Ricardo de Oliveira Meneses – Enfermeiro graduado pela
Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ e habilitado em
Enfermagem Médico-Cirúrgica. Especialista em Docência do
Ensino Superior. Mestre em Ciências da Enfermagem pela
UNIRIO. Professor Assistente DIII no IFRJ e Professor
Auxiliar Nível III da UNESA.
De certo, muitos professores me incentivavam nas minhas
tomadas de decisão, pelo que observavam como potencial.
No final da graduação, eu e um grupo de colegas,
escrevemos um livro que está até hoje em circulação, que se trata
sobre a legislação em enfermagem, pela carência literária que
víamos no acesso aos estudantes e profissionais de enfermagem as
leis do ensino e do exercício profissional.
Fui trabalhar em um hospital, inicialmente filantrópico e de
pequeno porte, no dia seguinte que me graduei e nele, havia o
perfil majoritário de pacientes cirúrgicos, pela promoção dos lucros
que geravam, tanto através dos planos de saúde quanto pela
filantropia. Trabalhei muito neste hospital que tinha um mapa de
cirurgias em torno de vinte procedimentos com quatro salas de
cirurgias apenas. Não havia na planta física deste local uma Central
de Material estruturada, apenas duas autoclaves que logravam - se
dentro do Centro Cirúrgico.
Atuei paralelamente com o ensino médio e em 1999
ingressei na docência superior pela UFRJ, onde o mapa de cirurgias
contemplava as vinte e uma salas de cirurgia, onde acompanhei os
alunos de graduação, realizando também outras atividades
peculiares a docência de nível superior. Em 2001, pelo serviço do
estado do Rio de Janeiro, assumi como enfermeiro as atividades no
Centro Cirúrgico, até mesmo pela minha trajetória, até 2005. Em
seguida fui deslocado para Central de Material e Esterilização.
Nesta época, apesar de terem reconhecido atributos para o cargo
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de coordenador, a razão real era para me afastar do centro
cirúrgico e de suas intercessões político-administrativas.
Ao entrar na Central de Material me senti constrangido, pois
parecia que estava alijado de todo contexto do hospital, além de ter
interpretado como retaliação do perfil profissional que tinha.
Besteira minha, hoje amo o que faço! Lembro-me como se fosse
hoje, que iniciei na Central de Material organizando desde o chão
até os impressos que havia ali e não tinham continuidade. Descobri
que nesse espaço havia trabalhadores que em grande maioria
tinham sido alocados na CME, não porque desejavam, mas sim por
razões políticas, por descrédito profissional, por readaptação ao
serviço hospitalar e por impropriedade de alguns em se relacionar
com pessoas.
Resolvi abraçar a causa deles e colocar aquele grupo como
participante de um processo educativo constante, valorizando cada
um em seus contextos profissionais e pessoais, melhorando a cada
dia o perfil de funcionários e enfermeiros necessários a composição
da CME, descobrindo que na Central de Material eu tenho um
espaço hegemonicamente da enfermagem no seguimento
hospitalar.
Desde então, a CME de 2005 que havia “encontrado”,
mudara radicalmente para outro perfil, ainda que o modelo de
gestão política deixe-nos desabrigados de nossas lutas, pois em
pouco tempo, surgiram mais demandas legais e de trabalho de que
em muitos outros serviços do hospital, me trazendo sempre as
discussões acadêmicas no cenário prático e transformando o local
em um campo de alta produtividade e especificidade.
Atualmente atuo como docente em uma instituição pública
federal, ministrando a disciplina de patologia. Integro também o
corpo docente de uma universidade particular com a disciplina de
enfermagem cirúrgica, e ainda viajo pelos estados do Brasil em
participação de cursos de pós-graduação para grupo de enfermeiros
que atuam ou atuarão em bloco operatório.
2. NASCE: Você acredita que a escola influencia a opção do
graduando na escolha para atuar em CME, depois de
formado?
Acredito sim, porque tenho visto a atuação de enfermeiros
dentro da CME, sem a experiência necessária para desempenhar
suas funções nessa área. No Rio de Janeiro, poucas são as escolas
de nível superior e médio que perfilam este modelo de assistência,
pois se sublimou nos currículos a área da CME. Isto tem gerado
uma atuação profissional, não baseada em evidências científicas,
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mas sim nas diferentes formas de ingresso que gestores têm
proporcionando a área, mesmo que eles reconheçam a
especificidade do serviço. Trata-se, portanto de um enorme desafio!
Quando mostro aos discentes de graduação em enfermagem
como o profissional pode atuar na CME como uma unidade
autônoma e gestora de seus recursos materiais, pessoais e de
especificidade técnica, ainda há o interesse deles vislumbrarem a
área pela demanda do mundo de trabalho.
No Brasil, de acordo com os dados publicados na rede de
computadores internacional, nas ementas disponíveis para acesso e
preparo ao serviço de esterilização que destinam-se ao nível
superior, em torno de oito cursos trazem um modelo assistencial ao
graduando de enfermagem, a vivência da CME como um espaço de
formação.
Falando do Rio de Janeiro, posso citar a Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, com a Prof.ª Dr.ª Maria Virgínia Godoy da
Silva que busca na disciplina correspondente a esta área, um perfil
de formação que possa despertar aos alunos interesse neste
seguimento, quando ainda está defendido o ingresso dos mesmos ao
campo prático. E as Universidades, entoam a discussão curricular
ainda de forma que não proporcionem um número de horas práticas
suficientes aos alunos a desempenharem papéis mais integralizados
dentro da Central de Material e Esterilização.
Algumas universidades particulares têm transformado no
currículo, a central de material e esterilização como assunto
integrante a atenção a saúde do adulto e idoso, o que não garante
de fato que este aluno seguirá com atividades de estágio neste
seguimento. Ou mesmo, alguns cursos apenas oportunizam com
disciplinas teóricas optativas, o conhecimento sobre a CME, o que
não garante acesso a todos, nem tão quanto habilidades necessárias
ao trabalho de enfermagem.
As estratégias de ensino como visitas técnicas não
conseguem proporcionar ao aluno uma visão crítica e uma formação
mínima desejável ao modelo que preterimos hoje de enfermeiros de
Central de Material, pois não há como aprofundar discussões e bases
científico-legais para integrar o curriculum desse novo enfermeiro.
Destaco também o trabalho feito pela Prof.ª Dr.ª kazuko
Uchikawa Graziano em uma universidade que é referência no Brasil,
em São Paulo, ainda que a mesma desenvolva em 30 horas
especificamente, o papel dela como docente e especialista na área,
consolidando uma disciplina que está centrada na atuação do
enfermeiro na central de material e esterilização. Além disso, a
docente em questão desenvolve um seguimento de pesquisa própria
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à área, para fomentar e estruturar ainda mais a cientificidade que
tem exigido a Central de Material e Esterilização.
3. NASCE: O enfermeiro que atua em CME nos dias de hoje
difere do profissional que atuou em CME há dez anos atrás?
Por quê?
Bem criamos uma logicidade em Central de Material que
difere desde sua razão conceitual de “ausência absoluta” que
aprendíamos há dez anos, para possibilidade controlada a ser
questionada pelo referencial que temos hoje, o que torna a busca
de tecnologias e um processo de trabalho científico, como um item
mandatório aos serviços de enfermagem em CME. Além disso,
constituíram-se mais legislações, normas e outros elementos
afetivos ao trabalho do enfermeiro da Central de Material nestes
últimos dez anos que em qualquer outra área do campo hospitalar
em comparação à atuação da Central de Material e Esterilização
como serviço hospitalar e de apoio. Logo, este enfermeiro de hoje
enfrenta desafios da ordem ético-legal que anteriormente não havia
maiores dispositivos, pois que se elencava uma prática baseada na
transmissão de saberes entre os pares.
A prática profissional da enfermagem por perspectiva cultural
e de um rito de passagem histórica tem se logrado em um processo
desastroso para equipe multiprofissional e para o enfermeiro que
gerencia a Central de Material que acompanha ou percebe
simultaneamente o avanço de tecnologias do cuidado ao paciente
cirúrgico. Margeamos hoje a tônica de atuação para segurança em
procedimento, reprodutibilidade de passos no processo, dentre
outros argumentos teóricos que embasam o enfermeiro a uma
prática da Central de Material e Esterilização. Mesmo assim, creio
que há falta ainda de racionalização da postura ética destes
enfermeiros que devem tomar consciência que os precedentes
institucionais não garantem uma prática segura e realizá-la exige
empreendimento e argumentação científica. Esta mudança entre o
enfermeiro de dez anos atrás e de hoje ainda precisa se estruturar
através de medidas gerenciais que ajudem a impedir a
consecução de uma prática que destoa das discussões acadêmicocientíficas ecologicamente adequadas.
As escolas de formação e demais cursos Latu Sensu têm o
papel de elaborar estas estratégias para auxiliar muitos aprendizes
a como realizar uma prática com rigores de técnicas recomendadas
de uma maneira que se prevejam custos e a torná-los capazes de
solucionar problemas com maior rapidez.
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4.NASCE: Qual o papel da escola na formação do enfermeiro
para atuar em CME?
São vários os papéis e alguns deles eu citei na pergunta
anterior. Mas não podemos como formadores de opinião e de
profissionais da área deixar de abordar que as leis e normas
constituídas, ainda que logre os enfermeiros em práticas
regulamentadas com dispositivos brasileiros, possuem ainda graus
variados de interpretação que podem deixar a margem o significado
do que realmente representa “as boas práticas” em serviço de
esterilização. As tecnologias que auxiliam os processos de validação
de limpeza, por exemplo, ainda não tem referencial mínimo de
sensibilidade ao que um artigo pode suportar com a exposição à
matéria orgânica e, além disso, estamos dependentes de estudos
que possam evidenciar estas questões. Ainda as escolas de
enfermagem precisam desenvolver pesquisas na área para mudar o
que temos hoje a disposição dos enfermeiros de CME e orientar
uma prática realmente baseada em evidências científicas.
Cada núcleo docente estruturante, dos seus respectivos
cursos de enfermagem, que propõe a formação curricular através
de um currículum mínimo, precisa destacar a obrigatoriedade neste
seguimento, por intermédio de estratégias de ensino, não apenas
que disponham de disciplinas optativas e com cursos de atualização
ou de pós-graduação, mas como também, com elementos que
proporcionem os recursos necessários ao aprendizado teórico e
teórico-prático para garantir o que a lei legitima aos enfermeiros
que atuarão na CME.
Cabe a cada docente refletir na prática ideal de enfermagem
em todos os seguimentos que os enfermeiros e técnicos possam
enfrentar na prática, com espaços de simulações que alicercem o
egresso de estudantes para os cenários que subsidiam este
aprendizado. E caberá aos gestores de universidades e escolas de
enfermagem, tanto públicas, quanto privadas, a destinarem que
campos práticos em parcerias com instituições e serviços que
elenquem todo arquétipo teórico necessário ao aperfeiçoamento e
desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao
desenvolvimento profissional, em especial para Central de Material
e Esterilização.
5. NASCE: Existe uma interação eficaz entre escola, e as
entidades representativas de classe (coren/cofen)
na
busca de uma assistência segura ao paciente?
Não. Ainda é uma questão a ser trabalhada, pois as escolas
de enfermagem, tanto técnicas, quanto de nível superior, não
podem funcionar de forma a não contemplar o que os conselhos
determinam como prática regular e os mesmos precisam ter um
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elenco de profissionais plurais para atender as demandas tanto
profissionais quanto de ensino.
Acredito que com o modelo de gestão transparente dos
conselhos regionais é possível criar núcleos de perícia qualificados
que integrem os departamentos de enfermagem correspondentes a
todas as áreas que precisam de acessoria técnica, pois quando
abordamos o tema segurança do paciente, há um leque muito
grande para atendermos, tanto como formadores quanto como para
legislação e fiscalização da profissão.
6. NASCE: A CME dispõe de uma resolução que trata de boas
práticas para o processamento do produto para saúde. Em
sua opinião, de modo geral esta resolução irá impactar a
prática diária?
Acredito que sim, pois já se trata de algo que não tínhamos
anteriormente com uma resolução nacional que consolida práticas
regulares reconhecidas em instâncias internacionais. Mas
precisamos saber como usar esta resolução a favor das mudanças
necessárias a Central de Material e suas práticas. Mas isto só
poderá ocorrer exclusivamente pelo papel dos enfermeiros que
estão ou estarão à frente dos seus respectivos serviços, porque
caberá a eles notificar as práticas não regulamentadas pela RDC 15
de 2012 e demais resoluções que a complementa. Basta exercer
leituras críticas e procurar se aprofundar nos assuntos que
correspondem a nossa área de atuação.
7. NASCE: Recentemente houve um movimento contrário a
uma
resolução
que
trata
da
distribuição
de
enfermeiros/leitos de UTI, pois considerou-se que a
proporção é inadequada. Os enfermeiros de CME, por vezes,
encontram-se em situação desfavorável e não se percebe a
mesma indignação por parte das autoridades competentes.
A que você atribui esta diferenciação? A área de atuação
pode ser diversa, mas a categoria profissional é a mesma.
Concorda?
Concordo, a categoria é a mesma, porém o modelo
assistencial que os enfermeiros enfrentam na sua formação dispõe
de mais elementos favoráveis a margear um campo de atuação
ideal neste cenário, a UTI, ou em outros que atendem doentes em
estado crítico, do que na assistência indireta como a Central de
material ou mesmo o serviço de rouparia e lavanderia nas
unidades, onde também é um espaço do cuidado dos enfermeiros.
Além disso, nos diferenciamos dos profissionais de CTI, pois a
categoria de enfermeiros exigida para atuar na coordenação do CTI
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dispõe que o título de especialista em área intensiva seja
obrigatório para o responsável técnico da unidade, não havendo
ainda, na área da CME, este nível de exigência pelo COFEN/COREN.
Isto gera ainda uma demanda de profissionais que atuam no
serviço da CME sem formação específica e doutrinados pela prática,
como também, pelas oportunidades de construção profissional que
cada um traz na sua necessidade de desempenho mais consolidado.
Como formação também, os enfermeiros de CTI
“tecnicamente” detém muitos mais informações e habilidades na
atuação com pacientes críticos, pois aprendem em semiologia e
semiotécnica a distinguir necessidades dos doentes e a primar
recursos mais elaborados para uma assistência integral e
sistematizada. Já os enfermeiros de CME, que em maioria não
tiveram informações durante sua formação profissional, constroem
seus perfis ao longo de sua trajetória e não apreenderam em
maioria uma semiotécnica eficaz a promoção aos processos de
esterilização e seus métodos de validação, requerendo uma
demanda para categoria de acordo com tipo de CME.
Somos ainda muito fragmentados no Brasil, como
enfermeiros exclusivos da CME, pois a realidade mostra que muitos
desempenham atividades em centro cirúrgico e sala de recuperação
anestésica, e até em outros serviços da própria unidade, havendo,
portanto, ingerência para CME e pouca mobilização para os
problemas enfrentados no serviço, que acaba sendo coordenado
pela ótica de um material dispensado ou consumido a partir de
algum evento adverso.
Em vários estados do Brasil não há categoria organizada de
enfermeiros da CME, o que torna as reivindicações a nível nacional
com pouca visibilidade, e onde ocorre, estão mobilizadas por
estados onde a prática destes enfermeiros está mais estruturada.
8. NASCE: Você considera que a produção científica na área
de CME é significativa ? Qual a relevância desses trabalhos
para a melhoria do processo de trabalho em CME?
Não temos representatividade de trabalhos científicos de
enfermeiros nesta área. Isto eu já explicitei anteriormente na
segunda pergunta, pois não há como crescer no ramo da pesquisa
e extensão sem ter docentes que integrem as linhas de pesquisas e
respectivas disciplinas que integrem um eixo ou mesmo uma
denominação que trate sobre a temática. São vários os fatores que
estão ligados a este problema, desde a ordem política até a ordem
da gênese e valorização em projetos políticos pedagógicos. Se
tivéssemos maior teor de pesquisas aplicadas nesta área,
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certamente não seríamos tão reféns do mercado com seus
produtos. Ainda sim, os enfermeiros que apresentam uma estrutura
mais consolidada e que dispõem de uma possibilidade maior de
dispositivos, instrumentos e outros elementos que ajudem a
construção deste ramo, precisam publicar seus achados científicos
para tornar visíveis os pontos críticos que se enfrentam no
tratamento com material odonto-médico-hospitalar.
Mesmo assim, os relatos de experiência precisam acontecer
para termos um diagnóstico real das situações do cotidiano, pois
não se publicam os caos vivenciados nas CME’s, seja por medo dos
enfermeiros em terem suas sentenças declaradas, ou falta de
habilidade no uso de linguagem científica para tornar pública a
experiência desastrosa, ou mesmo, as entidades de classe não
possuem esse viés para aceitar relatos científicos com os sinais de
alarme ou falência de algumas unidades. Acredito que precisamos
de “um grupo de apoio científico” que possa reconhecer que o
“mundo caiu” para vários enfermeiros “e que eles precisam se
levantar”, como na música interpretada por Mayza.
As pesquisas básicas ajudam a construir o conhecimento que
é fundamental nesta área e é ainda limítrofe aos cenários de prática
e espaços diferenciados deste seguimento e não são suficientes
para propormos mudanças estruturais nos serviços de saúde.
9. NASCE: Existe uma orientação do FDA quanto ao uso de
microorganismos em trabalhos científicos, segundo este
órgão o emprego de microorganismos, em especial
SERRATIA, pode favorecer a obtenção de resultados falhos.
Você poderia comentar um pouco sobre este tema, tendo em
vista que vários trabalhos de tese utilizam na metodologia
de estudo microorgamismos, principalmente em estudos
comparativos que envolvem tecnologia de limpeza e
esterilização.
O FDA (Food and Drug Administration) aprova os estudos
clínicos nos Estados Unidos da América e fornece um novo caminho
a partir do risco avaliado com base em classificação de dispositivos
expandindo o uso racional para pós-comercialização dos produtos
médicos nas instituições de saúde norte americanas dos EUA. Logo
se trata de um órgão respeitado e que apresenta vários itens
referenciáveis, dentro de segurança em atendimento de saúde.
Apesar de não ter realizado nenhuma pesquisa com esta
orientação do FDA, que recomenda a Serratia como indicador de
estudos em processos de limpeza e esterilização, ocorrentes como
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etapas de forma articulada, o pressuposto teórico abaixo
descaracterizaria este tipo de orientação para pesquisa neste
seguimento.
O gênero Serratia, bactéria gram negativa anaeróbia, pode
ser encontrado em alimentos, água e plantas e sua patogenicidade
é reconhecida desde a década de 60, quando indicadores
epidemiológicos apontaram seu processo de infecção, muitas vezes
assintomáticas em casos de infecção de trato urinário. As infecções
por Serratia são responsáveis por aproximadamente 2% das
infecções nosocomiais no trato respiratório baixo, trato urinário,
sangue, feridas cirúrgicas, pele e mucosas em pacientes adultos,
sendo considerado um percentual epidemiologicamente específico
para uma análise generalizada dos processos infecciosos que ele
traz aos seres humanos. A Serratia marcescens é a espécie isolada
com maior frequência, sendo a Serratia liquefaciens mais rara,
encontrada em casos de infecção relacionada às lentes de contato e
com a hemotransfusão.
Uma importante característica deste agente é a habilidade
em produzir β-lactamases, que conferem resistência aos
antimicrobianos β-lactâmicos de espectro estendido, complicando a
terapia, apesar de tratar-se de um microorganismo de referência
em contaminação por superfícies, como relatado em algumas
pesquisas que mostram além de contaminação procedimental, a
facilidade em conseguir ser removida por ação mecânica e química.
A fundamentação do FDA no uso de Serratias não justificaria
o teste de esterilidade em materiais, que ao submeter a um novo
processo de tratamento, podem estar colonizados e mantidos com
cepas resistentes constituintes de biolfilmes gordorosos e de difícil
remoção. Para submeter a estudos de esterilização, o processo
deve ser mais complexo, tanto pelo tipo de material, como por
exemplo, os lúmens, elementos articulados de pinças, materiais de
fundo cego, peças com tecnologia robótica e nanotecnologia, onde
a etapa de limpeza seja primordial e de alta complexidade, para
garantir o processamento indicado desses tipos de peças.
As micobactérias, neste sentido, presentes na água, em
animais e na terra, já revelaram em estudos maior resistência a
produtos químicos e aos processos de remoção manual, quando
criam películas no material hospitalar passível de processar.
Trata-se então, de um erro de adotar este padrão de
referência teórica, tanto para usuários, quanto para coparticipantes
das validações em esterilização, porque os métodos de destruição
de sobrevidas em produtos usados na assistência para saúde
apresentam mais variáveis a serem investigadas, pelos diversos
tipos de microorganismos até então descobertos, do que
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racionalizar apenas com um tipo de cepa. Uma vez que, ora a etapa
de limpeza será fundamental pela complexidade do produto a ser
processado, ora pela alteração dos parâmetros de esterilização
deverá ocorrer, como se trata dos príons, que necessitam, para
uma eliminação segura, a modificação das etapas do ciclo do
esterilizador. Por razões éticas não apontarei que trabalhos
assumiram este parâmetro, mas também posso ratificar que há
algumas falhas metodológicas de acordo com padrão de testes
simulados adotados e respectivos equipamentos compatíveis.
Portanto, alguns indicadores internacionais podem não
representar uma pesquisa com amostragem local, na área de
esterilização, pelo tipo de clientela e os produtos para saúde que
temos submetidos na nossa assistência.
10. NASCE: Qual o futuro da enfermagem em CME no Brasil?
Acredito que seja para melhor em relação há algumas
décadas passadas quanto as nossas práticas de enfermagem no
serviço de esterilização. Lógico que alguns estados do Brasil já
apresentam um desenvolvimento melhor, outros ainda estão em
fase embrionária e outros precisam de implantação das discussões
científicas dentro das unidades de serviços de saúde. De certo, nós
deixamos de ser uma Central de Material artesanal para entrar na
era onde a tecnologia torna mais seguro o método.
O número de pós-graduações no eixo Rio - São Paulo tem
crescido muito e isto pode nos favorecer enquanto enfermeiros que
integram uma classe específica na área do cuidado. Porém, não
posso deixar pensar que se o processo de formação de enfermeiros
de CME for em conjunto à área de Centro Cirúrgico e Sala de
Recuperação Pós-Anestésica, nós seremos engolidos pelas
necessidades do serviço e respectivo respaldo de uma prática
avançada e contextualizada com a evolução cirúrgica, mesmo que a
legislação abrigue enfermeiros a atuarem exclusivamente neste
seguimento. É necessário formarmos especificamente nos vários
níveis de atenção da educação na formação dos profissionais de
enfermagem.
Atuo em uma instituição federal onde o curso de farmácia
tem uma necessidade premente em estruturar seus currículos para
indústria e para o seguimento laboratorial, e neste curso, prevê que
o farmacêutico possa ser um profissional que doutrine a área de
esterilização. E então? Margearemos para o desenvolvimento de
uma assistência que podemos dizer que é segura do ponto de vista
de nossa atuação de enfermagem? Ou decretaremos a falência
como gestores de unidades de CME no seguimento hospitalar para
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que se criem possibilidades e eliminem os enfermeiros dessa
prática?
Preocupo-me com isso quando vejo no mercado essas
interfaces que poderão se consolidar se nossas posturas
permanecerem inertes a formação e atuação de enfermagem no
seguimento de esterilização. Em países latino-americanos não
incluem enfermeiros como gestores em serviços de esterilização e
os mesmos apresentam níveis de discussão mais atrasados em
comparação a que assistimos das demandas norte-americanas e
europeias e de nossas discussões nos órgãos de classe como a
SOBECC. Por outro lado, a esterilização ainda parece no Brasil terra
ocupada e recentemente legalizada pelo nosso conselho, o que
pode ser um grande benefício para o futuro dos enfermeiros.
No entanto, é necessário que se crie legislações que
determine que a CME seja local de atuação que exige
empreendimento de conhecimentos específicos, tanto de processos,
como de materiais para o nível técnico e superior, deixando de lado
a perspectiva como uma área de baixa complexidade, como
elemento conceitual. Isto legitima que a CME, enquanto força de
trabalho represente uma forma mais produtiva e condizente aos
perfis variados de serviços empreendidos nas diferentes áreas
desta unidade ou setor.
Trata-se, portanto de um trabalho árduo de formação e
legitimação de atuação de especialistas que possam disseminar
com seus estudos, projetos e ideais uma perspectiva de trabalho
centrada em boas práticas com características científicas, capazes
de se tornarem reais se formos anunciantes das disparidades que
enfrentamos no cotidiano. Mas podemos nos sobressair pela própria
gênese da profissão e seu processo histórico com o material.
Muito obrigado,
Ricardo de Oliveira Meneses
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