UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
IMPOSTO ÚNICO FEDERAL
ANÁLISE DA PEC N.º 474-A
ACADÊMICO: FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS
ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI
FLORIANÓPOLIS
2003
FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS
IMPOSTO ÚNICO FEDERAL
ANÁLISE DA PEC N.º 474-A
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI
FLORIANÓPOLIS
2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
A presente monografia final, intitulada Imposto Único Federal - Análise
da PEC 474-A, elaborada por Fernando Luiz Gomes de Mattos e aprovada pela
banca examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve a aprovação com
nota xx,xx (xis inteiros e xis décimos), sendo julgada adequada para o cumprimento do
requisito legal previsto no art. 9° da Portaria n° 1.886/94/MEC, regulamentado na
UFSC pela Resolução n° 003/95/CEPE.
Florianópolis (SC), 17 de fevereiro de 2003.
___________________________________
Dr. Carlos Araújo Leonetti
(Professor Orientador)
___________________________________
Dr. Humberto Pereira Vecchio
(Membro da Banca)
___________________________________
Bel. Antonio Masayuki Massuyama
(Membro da Banca)
Nada é tão poderoso quanto uma idéia cuja hora
chegou.
Vitor Hugo
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Fernando e Elizabeth, pela
demonstração de amor incondicional.
Ao meu filho Pedro, pela oportunidade de
vivenciar o outro pólo deste sentimento.
A Carla, pela amizade sincera, carinho
e compreensão permanentes.
RESUMO
O presente trabalho analisa a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A,
de 2001 (PEC 474-A), em tramitação no Congresso Nacional, a qual introduz no
sistema tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social
única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações
e transações financeiras.
Inicialmente são estudadas as bases do sistema tributário nacional vigente,
no que tange à repartição de competências tributárias e de receitas tributárias entre os
três níveis de governo. Após, apresenta-se uma descrição pormenorizada, artigo por
artigo, das mudanças no texto constitucional, previstas pela PEC 474-A.
A seguir, procede-se uma análise de todos os argumentos contrários à PEC
474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com destaque para a
regressividade e cumulatividade do novo imposto, o incentivo à verticalização das
cadeias produtivas, a indução à importação, o risco de exportação de tributos e o
estímulo à desintermediação bancária, eventualmente provocadas pela adoção do
imposto único federal.
Por fim, analisam os dois principais argumentos favoráveis à PEC 474-A:
sua compatibilidade com a nova realidade da era da informação e seu grande potencial
de redução dos custos operacionais tributários.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
09
1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
11
1.1 Repartição de competências tributárias
12
1.2 Repartição de receitas tributárias
17
1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva
21
1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente
28
2 A PROPOSTA DO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL
36
2.1 O mito do imposto único
36
2.2 Adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária
38
2.3 A experiência brasileira
39
2.4 Noções gerais sobre a PEC 474-A
44
3
53
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PEC 474-A
3.1 Ineditismo da proposta, em escala mundial
53
3.2 Incompatibilidade com os processos de globalização e harmonização tributária
55
3.3 Regressividade e injustiça fiscal
56
3.4. Cumulatividade e oneração da produção
59
3.5 Incentivo à verticalização
63
3.6 Indução à importação
64
3.7 Exportação de tributos
66
3.8 Estímulo à desintermediação bancária
66
3.9 Esvaziamento da política fiscal
68
3.10 Inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico
70
3.11 Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais
71
3.12 Benefício tributário para os proprietários
73
4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PEC 474-A
76
4.1 Compatibilidade com a nova realidade da era da informação
76
4.2 Redução dos custos operacionais tributários
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
82
INTRODUÇÃO
Poucas matérias no Brasil são tratadas de forma tão superficial, tão
epidérmica e tão contraditória quanto reforma tributária e matéria tributária.
Geralmente, o que se entende como reforma tributária é algum pedaço de idéia sobre
matéria tributária que está na cabeça de alguém, faltando algum sentido de consistência,
de harmonia, de algo que não tem fórmula estabelecida em lugar algum do mundo. Não
existe um sistema tributário que seja bom e adequado para qualquer país do mundo.
Esta é a opinião de Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal, em palestra
proferida na Federação das Indústrias de Brasília, em 07 de agosto de 2001.
O presente trabalho tem como tema a reforma tributária, e se propõe a
analisar a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), que
atualmente tramita no Congresso Nacional.
A PEC 474-A foi formulada com o objetivo de introduzir no sistema
tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social única para
financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e
transações financeiras. De acordo com essa proposta, o novo imposto e a nova
contribuição sobre movimentações e transações bancárias substituirão todos os atuais
impostos federais de caráter arrecadatório, bem como as contribuições sociais para o
financiamento da seguridade social, atualmente cobradas dos empregadores.
Ao final do presente estudo, espera-se que seja possível identificar se a PEC
474-A é apenas mais um “pedaço de idéia sobre matéria tributária, sem consistência ou
harmonia”, conforme os dizeres de Everardo Maciel, ou se esta proposta efetivamente
constitui um projeto viável e consistente de reforma tributária, capaz de reduzir ou
quase eliminar a sonegação e a evasão, universalizar a base tributária nacional, reduzir
os elevados custos administrativos e eliminar os custos de conformidade vinculados às
chamadas obrigações acessórias do sistema tributário nacional.
O conhecimento da realidade é essencial para a análise de qualquer proposta
que vise modificá-la. Por esta razão, as bases do vigente sistema tributário nacional são
analisadas logo no primeiro capítulo. Com esta finalidade, apresenta-se um estudo
descritivo das regras constitucionais sobre a repartição de competências tributárias,
sobre a composição da carga tributária líquida por nível de governo e sobre as regras
constitucionais relativas à repartição de receitas tributárias. Ao final deste capítulo
inicial, apresenta-se uma análise crítica do sistema tributário nacional vigente, no
tocante à distribuição de bases tributárias e de receitas tributárias entre os três níveis de
governo, à diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária e à
distribuição de competências para realização de gastos públicos.
O segundo capítulo busca descrever, com riqueza de detalhes, a proposta de
criação do imposto único federal, contida na PEC 474-A. Inicialmente são abordados
alguns temas estritamente teóricos, tais como o mito do imposto único, as idéias sobre a
adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária e a rica
experiência brasileira neste campo. Finaliza-se o capítulo com uma descrição
pormenorizada, artigo por artigo, das mudanças no texto constitucional, preconizadas
pela PEC 474-A.
No terceiro capítulo, procede-se uma análise de todos os argumentos
contrários à PEC 474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com
destaque para: a) ineditismo da proposta, em escala mundial; b) incompatibilidade da
proposta com os processos de globalização e de harmonização tributária; c)
regressividade e cumulatividade do novo imposto; d) incentivo à verticalização, indução
à importação, exportação de tributos e estímulo à desintermediação bancária,
provocadas pela adoção do imposto único federal; e) esvaziamento da política fiscal; f)
inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico e rigidez do
novo modelo tributário, prejudicial à tomada de medidas emergenciais; g) benefício
tributário para os proprietários.
O quarto capítulo é dedicado à análise dos dois principais argumentos
favoráveis à PEC 474-A: a) a compatibilidade do modelo tributário proposto com a
nova realidade da era da informação; b) o grande potencial de redução dos custos
operacionais tributários, capaz de reduzir significativamente os custos privados e
públicos relacionados com o fenômeno tributário, sem reduzir o montante da
arrecadação tributária federal.
1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O pacto federativo constitui uma das cláusulas pétreas da vigente
Constituição brasileira. Isso equivale a dizer que a Federação não pode ser abolida, nem
mesmo por meio de Emenda Constitucional, uma vez que o legislador constituinte
elevou a forma federativa de Estado à condição de elemento indispensável para a
estabilidade da nação.
A Constituição Federal estabelece a autonomia política, administrativa e
financeira dos entes federativos. A concessão destas três autonomias pressupõe a
atribuição de competências tributárias privativas para os três níveis de governo (União,
Estados/Distrito Federal e Municípios), a instituição de princípios tributários e de
limitações ao poder de tributar, bem como a adoção de regras sobre a repartição de
receitas tributárias.
O conjunto de regras constitucionais que atribuem competências tributárias
aos diversos entes federativos, estabelecem princípios tributários, limitam o poder de
tributar, e dispõem sobre repartição de receitas tributárias constituem a base do Sistema
Tributário Nacional.
Sobre o tema, ensina Sacha Calmon Navarro Coelho:
Podemos estudar a Constituição Tributária em três grupos
temáticos:
a) o da repartição das competências tributárias entre a União,
os Estados e os Municípios;
b) o dos princípios tributários e das limitações ao poder de
tributar;
c) o da partilha direta e indireta do produto da arrecadação dos
impostos entre as pessoas políticas da Federação
(participação de uns na arrecadação de outros).
Nestes três grupos estarão inseridos, induvidosamente, os
regramentos constitucionais [...].1[1]
Ao longo do presente estudo, maior atenção será dispensada às questões
relativas à repartição das competências tributárias e à repartição das receitas tributárias,
temas diretamente afetados pela Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001
(PEC 474-A).
Os princípios constitucionais tributários e as limitações ao poder de tributar
somente serão considerados no momento em que se proceder à análise dos argumentos
contrários e favoráveis à PEC 474-A.
1.1 Repartição de competências tributárias
No Brasil, cada nível de governo tem o direito de instituir os impostos e
contribuições que lhe são constitucionalmente atribuídos e que pertençam à sua
competência tributária privativa.2[2] A Constituição Federal define claramente as
competências tributárias de cada esfera de governo não havendo, em princípio,
possibilidade de sobreposição de competências em relação aos impostos e à maioria das
contribuições.3[3]
1[1]
COÊLHO, Sacha C. N.. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46.
Constituição Federal, arts. 149, 153, 155 e 156.
3[3]
A única exceção a esta regra encontra-se no art. 154, II da Constituição Federal, que admite a
instituição, pela União, de impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência
tributária, na iminência ou no caso de guerra externa. Em outras palavras, a invasão de competência de
Estados ou Municípios, por parte da União, é permitida em casos de guerra externa ou sua iminência.
2[2]
Por outro lado, é comum às três esferas de governo a competência para
instituir taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela utilização de serviços públicos),
contribuição de melhoria e contribuição para custeio da previdência e assistência social
de seus servidores.4[4]
Compete à União, com exclusividade, o direito de instituir empréstimos
compulsórios, bem como o de instituir outros impostos, expressamente não
compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não
tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição.5[5]
Sacha Calmon Navarro Coelho assim descreve a estrutura normativa
brasileira em matéria tributária:
Temos então, como ápice do sistema tributário, a Constituição.
A partir dela, de cima para baixo, os entes normativos extraem
os seus respectivos fundamentos de validez. O sistema é
piramidal.
União, Estados e Municípios recebem diretamente da
Constituição as suas competências e as limitações a tais
competências e exercitam-nas mediante a emissão de leis
ordinárias (a União, em certas circunstâncias, mediante leis
complementares tópicas).
Todos, porém, devem obedecer às normas gerais veiculadas pelo
Código Tributário Nacional e leis complementares
subseqüentes. As leis complementares da Constituição
condicionam as leis federais, estaduais e municipais nas
matérias versadas pelas normas gerais.6[6]
Uma das principais singularidades da Constituição brasileira é a atribuição
de significativa parcela de competência tributária para o nível local de governo,
representados pelos Municípios. Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber:
A atribuição de competências tributárias privativas para o nível
local de governo representados pelos municípios (pois esse
possui status de ente federativo, à semelhança dos Estados e da
União) e a expressiva participação desses governos nas receitas
públicas fazem do Brasil uma das mais abertas e
4[4]
5[5]
6[6]
Constituição Federal, arts. 145 e 149, parágrafo único.
Constituição Federal, arts. 148 e 154, I
COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 378.
descentralizadas federações do mundo, sobretudo se comparado
com outros países em desenvolvimento.7[7]
No mesmo sentido, ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho:
A Constituição Federal inclui no pacto federativo os Municípios
e o Distrito Federal, petrificando a fórmula de maneira
inusitada, porquanto o federalismo, em sua formação clássica,
envolve apenas a União dos Estados-Membros (federalismo
dual). Entre nós o Município ostenta dignidade constitucional,
mormente em matéria tributária. Cada Estado Federal tem
feições próprias. Uma das nossas acabou de ser exposta no que
tange aos partícipes do pacto federal8[8].
Como se vê, a Constituição brasileira atribui de forma clara as competências
tributárias aos diversos entes federativos. Por outro lado, a responsabilidade pelos
gastos públicos entre as três esferas governamentais não se encontra perfeitamente
delineada. Sobre o assunto, afirma Andréa Teixeira Lemgruber:
[...] a responsabilidade pelos gastos públicos entre as esferas
governamentais não se encontra bem definida no texto
constitucional. Isso porque a descentralização de receitas
ocorrida nas últimas décadas, e em especial na Reforma
Constitucional de 1988, não possuiu a necessária contrapartida
no que se refere ao disciplinamento dos gastos públicos. Há
subjacente uma questão quanto à repartição das despesas
públicas, enquanto está perfeitamente definida, em nível
constitucional, as receitas tributárias e suas competências ao
nível de fatos economicamente tributáveis.9[9]
Percebe-se, portanto, que a consolidação do modelo descentralizado de
governo ainda carece, no Brasil, de um importante ajuste, representado pela definição
mais precisa das responsabilidades cada ente federativo na realização das despesas
públicas.
1.1.1
Competências tributárias da União (Governo Federal)
Competem à União os impostos sobre Importação (II), Exportação (IE);
Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR); Produtos Industrializados (IPI);
7[7]
LEMGRUBER, Andréa T. Federalismo fiscal no Brasil: evolução e experiências recentes. Disponível
em:
<www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/PalestrasCIAT/1997/Portugues/federalismo.htm>.
Acesso em 03 nov. 2002.
8[8]
COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 59.
9[9]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários
(IOF); Propriedade Territorial Rural (ITR) e sobre Grandes Fortunas (IGF).10[10] Esse
último ainda não se encontra instituído, embora sua instituição esteja prevista pela
Constituição. A União pode, também, instituir outros impostos, expressamente não
compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não
tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela
Constituição.11[11]
Além dos impostos acima relacionados, a União tem competência exclusiva
para instituir empréstimos compulsórios, contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas.12[12]
As contribuições sociais destinadas à seguridade social podem ser cobradas
do empregador ou empresa, do empregado e demais segurados da previdência social e
sobre a receita de concursos de prognósticos. As contribuições sociais cobradas do
empregador ou empresa podem ter as seguintes bases de cálculo: folha de pagamentos,
lucro e receita ou faturamento.13[13] Convém frisar que as contribuições sociais são
receitas vinculadas, isto é, sua arrecadação só pode ser direcionada às áreas de saúde,
previdência e assistência social. O mesmo se verifica em relação às contribuições de
intervenção no domínio econômico, cuja arrecadação deve ser aplicada exclusivamente
para as finalidade que motivaram sua criação.
As principais contribuições sociais instituídas pela União são as seguintes:
Contribuição Previdenciária sobre a Folha de Pagamentos dos Empregados;
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre o faturamento das
empresas (COFINS); Programa de Integração Social (PIS); Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público (PASEP); Contribuição sobre o Lucro Líquido das
Empresas (CSLL); Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF),
Contribuição Social para o Salário-Educação e Contribuições para o Sistema "S" (SESI,
SESC, SENAI, SENAC, SENAR, SEBRAE etc.). Dentre as contribuições de
intervenção no domínio econômico, destaca-se a contribuição incidente sobre a
10[10]
Constituição Federal, art. 153.
Constituição Federal, art. 154.
12[12]
Constituição Federal, arts. 148 e 149.
13[13]
Constituição Federal, art. 195.
11[11]
importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus
derivados, e álcool etílico combustível.14[14]
1.1.2 Competências tributárias do Estados e Distrito Federal (Governos
Intermediários)
Os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir impostos
sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicações (ICMS); Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA) e Transmissão Causa Mortis de Bens Imóveis e Doação (ITCD) de qualquer
bem ou direito.15[15] Os Estados e o Distrito Federal também podem instituir
contribuição para o custeio da previdência social de seus funcionários.16[16]
1.1.3 Competências tributárias dos Municípios (Governos Locais)
Competem aos Municípios os impostos incidentes sobre Propriedade Predial
e Territorial Urbana (IPTU); Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Transmissão Inter
Vivos de Bens Imóveis (ITBI).17[17] Os Municípios também podem instituir contribuição
para o custeio da previdência social de seus funcionários.18[18]
A Tabela 1, apresentada a seguir, sintetiza as competências tributárias por
categoria de tributo e por nível de governo (tabela restrita aos impostos e contribuições
sociais).
TABELA 1 - REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS
CATEGORIA
GOVERNO
Comércio Exterior
União
TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO
Imposto sobre Importação - II
Imposto sobre Exportação - IE
União
Imposto sobre a Renda – IR
Imposto Territorial Rural - ITR
Patrimônio e Renda
Estados
Imposto
sobre
Propriedade
de
Veículos
Automotores - IPVA
Municípios Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU
União
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI
14[14]
A CIDE - Combustíveis foi instituída pela Lei nº 10.336, de 19.12.2001 e regulamentada pelo
Decreto nº 4.066, de 27.12.2001 e pela Instrução Normativa SRF nº 107, de 28.12.2001.
15[15]
Constituição Federal, art. 155.
16[16]
Constituição Federal, art. 149, parágrafo único.
17[17]
Constituição Federal, art. 156.
18[18]
Constituição Federal, art. 149, parágrafo único.
Produção e
Circulação
Contribuições
Sociais
Imposto sobre Operações Financeiras - IOF
Estados
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
- ICMS
Municípios Imposto sobre Serviços - ISS
Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI
Sobre Folha de Pagamentos - Empregado/
Empregador
Financiamento da Seguridade Social - COFINS
União
Programa de Integração Social - PIS
Patrimônio do Servidor Público - PASEP
Movimentação Financeira - CPMF
Lucro Líquido – CSLL
Previdenciária do Servidor Público
Estados e Previdenciária do Servidor Público
Municípios
1.2 Repartição de receitas tributárias
O mecanismo de repartição de receitas tributárias ou de transferências
intergovernamentais tem por objetivo básico corrigir os desequilíbrios verticais e
horizontais em matéria tributária, existentes em qualquer federação.
Desequilíbrios verticais referem-se a descompassos entre a capacidade de
tributar e as responsabilidades por gastos públicos dos diversos níveis de governo. Tais
desequilíbrios decorrem do fato de que alguns tributos são melhor administrados em
nível central, enquanto que algumas despesas são melhor administradas em nível local.
Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "de um modo geral, a política de gastos é
melhor desenhada e controlada pelos governos locais, pois estão mais próximos dos
cidadãos e de suas necessidades básicas"19[19].
Por sua vez, os desequilíbrios horizontais referem-se a governos situados no
mesmo nível de hierarquia, refletindo as diferenças inter-regionais de renda. Dessa
forma, regiões mais ricas e com uma base econômica mais desenvolvida deverão ter
maior arrecadação, a qual será parcialmente repassada para regiões com menor
potencial econômico.
Um estudo recente, publicado pela Secretaria da Receita Federal, identifica
com precisão a natureza destes dois conflitos básicos em matéria de tributação:
19[19]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
Esses conflitos podem ser classificados em verticais e
horizontais. Os verticais seriam aqueles que ocorrem entre o
governo e os contribuintes: o primeiro, em geral, busca a
manutenção ou o aumento da carga tributária, enquanto os
últimos lutam pela minimização de seu ônus tributário.
Os horizontais podem ocorrer tanto dentro do governo como no
âmbito da sociedade (contribuintes): o conflito horizontal
governamental seria aquele que envolve a disputa da repartição
da carga tributária pelas diversas esferas e unidades de governo
– caso típico de países federativos –, ao passo que o conflito
horizontal social ocorre devido à divisão do peso da carga
tributária entre os diversos grupos de contribuintes (setores
econômicos, regiões geográficas, pequenas e grandes empresas,
trabalhadores e capitalistas, etc.) 20[20].
O Brasil, em função de sua grande extensão territorial e diversidade
regional, possui sérios desequilíbrios verticais e horizontais. No entanto, o mecanismo
de partilha tributária realiza as transferências necessárias ao maior equilíbrio de receitas
e despesas na federação. Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as
constitucionais (que são automaticamente realizadas após a arrecadação dos recursos) e
as não-constitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos).
As transferências tributárias constitucionais entre a União, Estados e
Municípios podem ser classificadas em transferências diretas (repasse de parte da
arrecadação para determinado governo) ou transferências indiretas (mediante a
formação de fundos especiais). No entanto, independentemente do tipo, as
transferências sempre ocorrem do governo de maior nível para os de menores níveis,
quais sejam: da União para Estados; da União para Municípios; ou de Estados para
Municípios.
1.2.1 Transferências constitucionais diretas
As transferências diretas são as seguintes:
a) Pertencem aos Estados e aos Municípios o total da arrecadação do
Imposto de Renda Retido na Fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer
título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e
mantiverem;
20[20]
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Condicionantes e perspectivas da tributação no Brasil.
Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/Condicionantes.htm>.
Acesso em 04 nov. 2002.
b) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto Territorial
Rural, relativo aos imóveis neles situados;
c) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto sobre
Propriedade de Veículos Automotores licenciados em seus territórios;
d) Pertencem aos Municípios 25% da arrecadação do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias (3/4, no mínimo, na proporção do valor
adicionado nas operações realizadas em seus territórios e até 1/4 de
acordo com a Lei Estadual);
e) O IOF - Ouro (ativo financeiro) será transferido no montante de 30%
para o estado de origem e no montante de 70% para o município de
origem. Observe-se que este tributo é instituído e cobrado pela União.
A Tabela 2, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias
diretas, por nível de governo arrecadador e receptor.
TABELA 2 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DIRETAS
Governo
Arrecadador
Governo
Receptor
Imposto
Repasse
União
Estados
Produto da arrecadação do imposto da
União sobre renda e proventos de
qualquer natureza, incidente na fonte
sobre rendimentos pagos, a qualquer
título, por eles, suas autarquias e pelas
fundações que instituírem e mantiverem;
100%
União
Municípios
Produto da arrecadação do imposto da
União sobre renda e proventos de
qualquer natureza, incidente na fonte
sobre rendimentos pagos, a qualquer
título, por eles, suas autarquias e pelas
fundações que instituírem e mantiverem;
100%
União
Estados
Produto da arrecadação do imposto que a
União vier a instituir, desde que sejam
não cumulativos e não tenham fato
gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados na Constituição;.
20%
União
Estados
Municípios
Operações Financeiras sobre o Ouro
(ativo financeiro)
30%
70%
União
Municípios
Territorial Rural
50%
Estados
Municípios
Circulação de Mercadorias e Serviços
25%
Estados
Municípios
Propriedade de Veículos Automotores
50%
1.2.2 Transferências constitucionais indiretas
Os fundos mediante os quais se realizam as transferências indiretas tem
como base a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e/ou do
Imposto sobre a Renda (IR). São eles:
a) Fundo de Compensação de Exportações (FPEx): constituído por 10% da
arrecadação total do IPI. É distribuído aos Estados. Sua distribuição é
proporcional ao valor das exportações de produtos industrializados,
sendo a participação individual limitada a 20% do total do fundo;
b) Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE): 21,5% da
arrecadação do IPI e do IR, distribuídos de acordo com a população e a
superfície e inversamente proporcional à renda per capita da unidade
federativa;
c) Fundo de Participação dos Municípios (FPM): composto por 22,5% da
arrecadação do IPI e do IR, com uma distribuição proporcional à
população de cada unidade, sendo que 10% do fundo são reservados para
os Municípios das Capitais;
d) Fundos Regionais: para o financiamento de projetos na região Norte e
Centro-Oeste - 1,2% da arrecadação total do IPI e do IR,
respectivamente. Para o financiamento da região Nordeste - 1,8% da
mesma base.
A crescente descentralização de receitas ocorrida nas últimas décadas pode
ser verificada a partir da evolução dos percentuais dos fundos de participação. Entre
1969 e 1975, esses percentuais eram de 5% tanto para o FPE como para o FPM. Esses
índices tiveram tendência ascendente em todo o período subseqüente, atingindo 14%
(FPE) e 17% (FPM) antes da Constituição de 88, que os elevou para 21,5% e 22,5%,
respectivamente.
A Tabela 3, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias
indiretas, entre os diversos níveis de governo.
TABELA 3 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS INDIRETAS
Tributo Federal Partilhado
Fundo
IR
IPI
Participação dos Estados e DF
21,5
21,5
Participação dos Municípios
22,5
22,5
Compensação das Exportações
-
10,0
Financiamento da Região Norte
0,6
0,6
Financiamento da Região Nordeste
1,8
1,8
Financiamento da Região Centro-Oeste
0,6
0,6
TOTAL
47,0
57,0
Como se vê, as transferências indiretas destinam 47% e 57% do IR e do IPI,
respectivamente, aos governos subnacionais. O Fundo de Participação dos Estados
destina 85% de seus recursos às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% às
Regiões Sul e Sudeste. O Fundo de Participação dos Municípios fornece 10% de seus
recursos aos Municípios de Capitais de Estados, 86,4% aos Municípios de Interior e
3,6% aos Municípios com mais de 156 mil habitantes.
Ademais, cada Estado ou Município recebe as dotações em função direta de
sua área geográfica e de sua população e em função inversa de sua renda per capita. A
participação de cada região no FPE é a seguinte: Norte (25,37%), Nordeste (52,46%),
Centro-Oeste (7,17%), Sul (6,52%) e Sudeste (8,48%). No caso do FPM, a distribuição
é dada da seguinte forma: Norte (8,52%), Nordeste (35,30%), Centro-Oeste (7,46%),
Sul (17,54%) e Sudeste (31,19%).
1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva
1.3.1 Arrecadação tributária por nível de governo
A análise da composição da carga tributária bruta brasileira, no período
compreendido entre 1997 e 2001, consta da Tabela 4.
TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001
( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE )
continua
ANO
(PIB)
1997
1998
1999
2000
2001
(870.743)
(913.735)
(960.858) (1.086.700) (1.184.000)
%
%
%
%
%
(R$)
(R$)
(R$)
(R$)
(R$)
PIB
PIB
PIB
PIB
PIB
171.08 19,6 186.56 20,4 215.91 22,4 247.27 22,7 279.58 23,6
UNIÃO
2
5
1
2
5
7
6
5
1
1
Orçamento
101.31
64.752 7,44 74.542 8,16 84.787 8,82 90.448 8,32
8,56
Fiscal
6
- IR
38.676 4,44 47.724 5,22 55.215 5,75 59.696 5,49 68.803 5,81
IRPF
2.644 0,30 2.826 0,31 3.048 0,32 3.383 0,31 3.724 0,31
IRPJ
12.222 1,40 12.058 1,32 12.842 1,34 16.634 1,53 16.232 1,37
IRRF
23.810 2,73 32.840 3,59 39.325 4,09 39.679 3,65 48.847 4,13
- IPI
16.605 1,91 16.097 1,76 16.275 1,69 18.689 1,72 19.317 1,63
- IOF
3.768 0,43 3.521 0,39 4.844 0,50 3.096 0,28 3.559 0,30
- II / IPI-V / IE
5.108 0,59 6.504 0,71 7.860 0,82 8.443 0,78 9.104 0,77
- ITR
242 0,03
206 0,02
243 0,03
231 0,02
191 0,02
- IPMF
0 0,00
0 0,00
0 0,00
1 0,00
0,1 0,00
- Taxas
353 0,04
490 0,05
350 0,04
292 0,03
342 0,03
10,0
106.82 11,1 131.74 12,1 149.65 12,6
Orç. Seguridade 87.072
89.395 9,78
0
1
2
4
2
7
4
- Contr.
44.148 5,07 46.641 5,10 47.425 4,94 55.715 5,13 61.060 5,16
Previdenc.
- COFINS
18.325 2,10 17.664 1,93 30.875 3,21 38.494 3,54 45.436 3,84
- CPMF
6.910 0,79 8.113 0,89 7.949 0,83 14.395 1,32 17.157 1,45
- CSLL
7.214 0,83 6.542 0,72 6.767 0,70 8.716 0,80 8.985 0,76
- PIS, PASEP
7.264 0,83 7.122 0,78 9.491 0,99 9.531 0,88 11.148 0,94
Cont.Seg.Ser.Púb 2.595 0,30 2.483 0,27 3.151 0,33 3.619 0,33 3.813 0,32
.
- Outras (1)
616 0,07
830 0,09 1.163 0,12 1.273 0,12 2.058 0,17
Demais
19.258 2,21 22.624 2,48 24.308 2,53 25.084 2,31 28.609 2,42
- FGTS
12.925 1,48 16.782 1,84 17.408 1,81 18.709 1,72 21.074 1,78
- Contrib.
916 0,11
935 0,10 1.250 0,13
939 0,09 1.176 0,10
Econôm.
- Salário2.775 0,32 2.460 0,27 2.353 0,24 2.791 0,26 3.123 0,26
Educação
- Sistema "S" (2)
2.641 0,30 2.448 0,27 3.297 0,34 2.646 0,24 3.235 0,27
TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001
( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE )
conclusão
ANO
1997
1998
1999
2000
2001
(PIB)
(870.743)
(913.735)
(960.858) (1.086.700) (1.184.000)
%
%
%
%
%
(R$)
(R$)
(R$)
(R$)
(R$)
PIB
PIB
PIB
PIB
PIB
ESTADOS
68.930 7,92 71.142 7,79 78.516 8,17 94.678 8,71
109.03
9
94.267
6.287
339
1.659
6.112
375
18.244
6.786
5.367
981
3.426
- ICMS
59.575 6,84 60.886 6,66 67.885 7,07 82.279 7,57
- IPVA
3.841 0,44 4.451 0,49 4.481 0,47 5.294 0,49
- ITCD
266 0,03
318 0,03
301 0,03
329 0,03
- Taxas
1.347 0,15 1.398 0,15 1.353 0,14 1.569 0,14
- Previd. Estadual 3.559 0,41 3.780 0,41 4.025 0,42 4.886 0,45
- Outros
341 0,04
309 0,03
471 0,05
322 0,03
MUNICÍPIOS 12.801 1,47 14.049 1,54 14.484 1,51 16.063 1,48
- ISS
5.067 0,58 5.521 0,60 5.401 0,56 5.923 0,55
- IPTU
3.955 0,45 4.238 0,46 4.514 0,47 4.519 0,42
- ITBI
820 0,09
793 0,09
715 0,07
950 0,09
- Taxas
2.547 0,29 2.580 0,28 2.748 0,29 3.239 0,30
- Previd.
369 0,04
774 0,08 1.025 0,11 1.055 0,10 1.253
Municipal
- Outros (3)
43 0,00
143 0,02
81 0,01
377 0,03
432
252.81 29,0 271.75 29,7 308.91 32,1 358.01 32,9 406.86
TOTAL
3
3
2
4
5
5
7
5
5
9,21
7,96
0,53
0,03
0,14
0,43
0,03
1,54
0,57
0,45
0,08
0,29
0,11
0,04
34,3
6
FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL
NOTAS:
(1)
Inclui: Contr. sobre a Receita dos Concursos de Prognósticos, Contr. para Custeio de Pensões
Militares, Contr. FUNDESP, Contr. FUNPEN e outras.
(2) Contribuição aos seguintes órgãos: SENAR, SENAI, SESI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SEST,
SENAT, SEBRAE, Fundo Aeroviário e Ensino Prof. Marítimo (DPC);
(3) Inclui: IVVC e Contribuições de Melhoria.
A análise destes dados revela que, em 2001, a União arrecadou 23,61% do
PIB ou R$ 279,6 bilhões, o que correspondeu a 68,7% da carga tributária total. Deste
volume, apenas cerca de 36% referem-se ao orçamento fiscal, sendo que os demais 64%
corresponderam ao orçamento da seguridade.
Dentre as receitas da União, destacam-se o Imposto de Renda (incidente
sobre pessoas físicas e jurídicas) e a Contribuição sobre Folha de Pagamentos, que
representaram 24,6% e 21,8% da arrecadação federal, respectivamente. Em terceiro
lugar encontra-se a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS),
representando 16,2% das receitas da União.
Os dados da Tabela 4 revelam, também, uma forte tendência ascendente do
orçamento da seguridade nos últimos anos, especialmente das receitas incidentes sobre
o faturamento das empresas.
A explicação para esse fato pode ser encontrada nas modificações realizadas
pela Constituição de 1988, que determinou uma maior descentralização de receitas a
Estados e Municípios, sem repassar os respectivos encargos. Em decorrência, a União
passou a privilegiar as receitas que não são repassadas aos governos subnacionais (como
as contribuições, por exemplo) em detrimento daquelas que são compartilhadas com
Estados e Municípios.
Os Estados são responsáveis pela arrecadação de 27% da carga tributária
total, principalmente em decorrência de possuírem sob sua competência a administração
do ICMS, o imposto de maior arrecadação do País. O ICMS responde por cerca de 86%
da arrecadação dos Estados e 23% das receitas totais dos três níveis de governo.
Os Municípios, por sua vez, arrecadam menos de 5% da arrecadação total.
O principal imposto do nível local de governo é o ISS, participando com 37% da
arrecadação municipal.
A partir dos dados da Tabela acima, pode-se elaborar o Gráfico I (ver
página seguinte), no qual são consolidados os resultados da arrecadação tributária (carga
tributária bruta), por nível de governo, para o período compreendido entre 1997 e 2001.
GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO RELATIVA NA ARRECADAÇÃO
DA CARGA TRIBUTÁRIA - 1997 a 2001
1.3.2 Carga tributária líquida por nível de governo
O mecanismo de transferências de receitas tem por objetivo promover um
equilíbrio financeiro nas distintas esferas de governo, assim como possibilitar ações
intergovernamentais conjuntas. Por meio deste mecanismo, procura-se prover os
governos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) de recursos adicionais
aos de suas competências tributárias, de modo a possibilitar sua manutenção e o
provimento
dos
serviços
públicos
a
eles
atribuídos.
As
transferências
intergovernamentais, embora não constituam fonte primária de receita, alteram a receita
disponível (carga tributária líquida) do tesouro nacional e dos governos subnacionais.
Conforme a natureza jurídica, as transferências podem ser classificadas
como constitucionais ou voluntárias. As transferências constitucionais são aquelas
expressamente previstas na Constituição Federal, que obrigam alguns entes federativos
(União e Estados) a efetuar repasses parciais de determinados tributos. As transferências
voluntárias são os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, Distrito
Federal e Municípios em decorrência da celebração de convênios, acordos, ajustes ou
outros instrumentos similares cuja finalidade seja a realização de obras e/ou serviços de
interesse comum às três esferas de Governo21[21].
A demonstração do montante das transferências constitucionais das receitas
tributárias, entre os três níveis de governo, no período compreendido entre 1997 e 2001,
consta da Tabela 5. A Tabela 6, por sua vez, apresenta uma análise da composição da
carga tributária líquida de cada esfera de governo, após as transferências
constitucionais. A análise da composição final da carga tributária mostra que, na prática,
há uma significativa transferência de receitas da União para os Estados e para os
Municípios. Verifica-se, mediante o uso da Tabela 5, que pelo próprio desenho do
mecanismo de transferências constitucionais, toda a arrecadação disponível da União
vem de suas receitas próprias. Os Estados, por sua vez, arrecadam cerca de 79% de suas
21[21]
Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04 de
maio de 2000), entende-se por transferência voluntária "a entrega de recursos
correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou
assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os
destinados ao Sistema Único de Saúde." Neste trabalho, somente as transferências
constitucionais serão consideradas para fins de se determinar a receita disponível em
cada esfera de governo. As transferências voluntárias, por não estarem diretamente
relacionadas à receita tributária e em razão de seu caráter discricionário, não são
computadas na obtenção da receita tributária disponível.
receitas disponíveis, enquanto que, para os Municípios, esta relação é de 31%, conforme
ilustrado na Tabela 6.
TABELA 5 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DE RECEITAS
TRIBUTÁRIAS - 1997 a 2001 - R$ MILHÕES
1997
(R$)
1998
%
(R$)
1999
%
ARREC.
UNIÃO
PRÓPRIA
171.082 67,7 186.561 68,7
TOTAL
TRANSF. P/
(15.064) 6,0 (14.288) 5,3
ESTADOS
TRANSF. P/
(11.262) 4,5 (11.393) 4,2
MUNICÍPIOS
RECEITA
=
144.755 57,3 160.880 59,2
DISPONÍVEL
ARREC.
ESTADOS PRÓPRIA
68.930 27,3 71.142 26,2
TOTAL
TRANSF. P/
(16.814) 6,7 (17.447) 6,4
MUNICÍPIOS
TRANSF. DA
+
15.064 6,0 14.288 5,3
UNIÃO
RECEITA
=
67.180 26,6 67.983 25,0
DISPONÍVEL
ARREC.
MUNICÍPIOS PRÓPRIA
12.801 5,1 14.049 5,2
TOTAL
TRANSF. DA
+
11.262 4,5 11.393 4,2
UNIÃO
TRANSF. DE
+
16.814 6,7 17.447 6,4
ESTADOS
RECEITA
=
40.878 16,2 42.889 15,8
DISPONÍVEL
TOTAL
252.813 100,0 271.752 100,0
FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL
NOTA: Consideradas apenas as transferências constitucionais.
(R$)
2000
%
(R$)
2001
%
(R$)
%
215.915 69,9 247.276 69,1 279.581 68,7
(17.010)
5,5 (19.397)
5,4 (21.977)
5,4
(13.223)
4,3 (14.387)
4,0 (16.165)
4,0
185.682 60,1 213.491 59,6 241.439 59,3
78.516 25,4 94.678 26,4 109.039 26,8
(19.212)
6,2 (23.217)
6,5 (23.217)
5,7
17.010
5,5 19.397
5,4 21.977
5,4
76.314 24,7 90.859 25,4 107.800 26,5
14.484
4,7 16.063
4,5 18.244
4,5
13.223
4,3 14.387
4,0 16.165
4,0
19.212
6,2 23.217
6,5 23.217
5,7
46.919 15,2 53.667 15,0 57.626 14,2
308.915 100,0 358.017 100,0 406.865 100,0
TABELA 6 - COMPOSIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA APÓS
TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS - 1997 a 2001
1997
1998
1999
2000
2001
VALOR
VALOR
VALOR
VALOR
%
%
%
%
(R$)
(R$)
(R$)
(R$)
U
N
I
Ã
0
RECEITA
DISPONÍVEL
ARRECADAÇÃO
PRÓPRIA
TRANSF. DE
ESTADOS
(R$)
%
144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0
144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
TRANSF. DE
MUNICÍPIOS
RECEITA
E
DISPONÍVEL
S
T
A ARRECADAÇÃO
D PRÓPRIA
O TRANSF. DA
S UNIÃO
TRANSF. DE
MUNICÍPIOS
M
RECEITA
U
DISPONÍVEL
N
I
C ARRECADAÇÃO
Í PRÓPRIA
P TRANSF. DA
I UNIÃO
O
TRANSF. DE
S
ESTADOS
TOTAL
0
0,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
67.180 100,0
67.983 100,0
76.314 100,0
90.859 100,0 107.800 100,0
52.116 77,6
53.695 79,0
59.305 77,7
71.461 78,7
85.822 79,6
15.064 22,4
14.288 21,0
17.010 22,3
19.397 21,3
21.977 20,4
0
0
0
0
0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
40.878 100,0
42.889 100,0
46.919 100,0
53.667 100,0
57.626 100,0
12.801 31,3
14.049 32,8
14.484 30,9
16.063 29,9
18.244 31,7
11.262 27,6
11.393 26,6
13.223 28,2
14.387 26,8
16.165 28,1
16.814 41,1
17.447 40,7
19.212 40,9
23.217 43,3
23.217 40,3
252.813 - - -
271.752 - - -
308.915 - - -
358.017 - - - 406.865 - - -
FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL
1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente
1.4.1 Distribuição de bases tributárias entre os três níveis de governo
Uma vez apresentada a repartição de competências tributárias segundo a
vigente Constituição Federal, pode-se realizar uma análise sobre os critérios utilizados
para distribuição das bases tributárias entre os diversos níveis de governo.
A teoria econômica sugere alguns critérios básicos que servem para orientar
a atribuição de receitas entre os diversos níveis governamentais. Conforme Andréa
Teixeira Lemgruber, o objetivo básico destes critérios é o de "se buscar os maiores
níveis possíveis de eqüidade e de eficiência, entendidos, respectivamente, como a
adequação entre receitas e gastos e a minimização do custo de arrecadação dos
tributos".22[22]
22[22]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
De uma forma geral, sugere-se que sejam administrados centralizadamente
(ou seja, pela União), os seguintes impostos:
a) impostos progressivos com finalidade redistributiva;
b)
impostos com objetivos de estabilização ou de caráter regulatório da
atividade econômica;
c) impostos que incidam sobre bases distribuídas bastante irregularmente
pelo território nacional ou sobre fatores extremamente móveis.
Por outro lado, podem ser administrados pelos níveis de governo
subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) os impostos incidentes sobre
fatores imóveis e os impostos sobre consumo geral ou sobre bens específicos (tipo
excise tax).
Analisando a realidade do nosso Sistema Tributário, à luz da teoria
econômica, pondera Andréa Teixeira Lemgruber:
A prática brasileira de atribuição de receitas não diverge muito
em relação à teoria econômica. O imposto sobre a renda, as
contribuições e os impostos regulatórios (sistema financeiro IOF - e comércio exterior - II e IE) estão sob competência
federal. Os estados arrecadam o imposto geral sobre consumo e
os municípios arrecadam impostos sobre serviços e sobre parte
do patrimônio - imóveis urbanos.
O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural - ITR, incidente
sobre um fator de natureza imóvel, que tradicionalmente tem
sido cobrado pelos governos locais, no Brasil a competência
para a sua instituição e cobrança foi atribuída à União. A razão
pela qual esse imposto encontra-se sob administração central é a
de usá-lo como instrumento de incentivo à utilização produtiva
da terra e para fins de reforma agrária.
Outra característica importante do Brasil que foge à tradição
internacional é o fato de existirem dois impostos sobre produção
e circulação, do tipo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cada
um sendo administrado por um nível distinto de governo. O IPI
e o ICMS encontram-se sob competências federal e estadual,
respectivamente. Em verdade, as bases desses dois impostos são
muito semelhantes, bem como seus métodos de apuração, o que
permitiria uma consolidação de modo a obter maior
racionalidade econômica e menor custo administrativo, tanto
para os fiscos como para o contribuinte. Nesse sentido, é natural
a dificuldade política que surge em relação a qualquer proposta
que vise a alterar a atual estrutura tributária da federação,
envolvendo o ICMS. De fato, a arrecadação desse imposto é
hoje imprescindível para o equilíbrio das finanças estaduais.23[23]
Como se vê, o Brasil possui a característica única de possuir dois impostos
sobre o consumo e a circulação (IPI e ICMS), do tipo valor agregado, com bases que às
vezes se sobrepõem. Tais impostos são administrados por diferentes níveis de governo.
Tal constatação também pode ser parcialmente estendida ao ISS, que muitas vezes se
confunde com o ICMS.
Convém ressaltar que o ICMS, que representa cerca de 28% da carga
tributária, nas últimas tem adquirido objetivos extrafiscais de extrema relevância,
especialmente no que tange à atração de investimentos.
Em relação a este tema, a quase totalidade das propostas tradicionais de
reforma tributária preconiza a consolidação dos três impostos em uma única base,
possivelmente administrada pelo governo federal, mas cuja arrecadação deveria ser
transferida para os demais governos, na mesma proporção das suas atuais receitas atuais
com esses impostos.
Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber:
Na prática, o Governo Federal enviou para o Congresso
Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 175 (PEC 175)
que, dentre outras coisas, propõe a extinção do IPI e a criação do
ICMS federal em seu lugar. Assim, existiria uma única base de
consumo (a do atual ICMS) e sobre ela incidiriam duas
alíquotas: uma de competência federal e, a outra, estadual. Essa
modificação visa apenas a um caráter qualitativo do sistema
tributário nacional, buscando ser neutra em termos de receitas
arrecadadas. Além disso, a alíquota do imposto (ou seja, a soma
das alíquotas federal e estadual) deve ser uniforme por
mercadoria ou serviço em todo o País, o que visaria a diminuir a
atual prática de competição tributária entre os Estados.24[24]
Esta autora, no mesmo trabalho, comenta que "uma estrutura mais racional
de tributação sobre o consumo seria bastante desejável para a facilitação da
harmonização tributária entre o Brasil e seus principais parceiros de comércio,
especialmente os do Mercosul".25[25]
1.4.2
23[23]
Repartição das receitas tributárias
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
25[25]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
24[24]
O Brasil, em função da adoção do sistema federativo, de sua grande
extensão territorial e de sua intensa diversidade regional, apresenta sérios desequilíbrios
verticais e horizontais em matéria tributária.
Conforme anteriormente mencionado, o mecanismo de partilha tributária
procura realizar as transferências necessárias ao equilíbrio de receitas e despesas dos
entes federativos. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "o mecanismo de
transferências de receitas tributárias adotado pelo Brasil procura corrigir tanto os
desequilíbrios verticais quanto os horizontais, sendo instrumento básico de
redistribuição de renda inter-regional".26[26]
Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais
(que são realizadas automaticamente após a arrecadação dos recursos) e as nãoconstitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos).
De um modo em geral, os Estados e Municípios mais pobres são
extremamente dependentes das transferências federais, pois sua arrecadação própria é
insuficiente para financiar seus gastos. Entretanto, na opinião de Andréa Teixeira
Lemgruber, há dois problemas básicos nesse mecanismo:
O primeiro diz respeito ao baixo incentivo dado aos Municípios
de realizarem esforço próprio de arrecadação, pois os critérios
de partilha não consideram o desempenho tributário como um
dos fatores que determinam o montante de recursos
intergovernamentais a ser recebido.
O segundo relaciona-se ao fato de que, ultimamente, tem havido
um grande movimento em prol da criação de novos Municípios
no Brasil, justamente em decorrência do fato de que qualquer
governo local já tem assegurada sua fonte básica de receitas,
aquela proveniente de transferências intergovernamentais. A
vantagem de se criar representação política independente do
esforço arrecadatório é bastante atraente e gerou, na última
década, substancial aumento no número de Municípios
brasileiros.27[27]
Vale a pena mencionar que o número de municípios existentes antes da
Constituição de 88 era de 4.112. Atualmente, esse número é superior a 5.500
municípios, o que representa um crescimento da ordem de 35% em menos de 15 anos.
1.4.3 Diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária
26[26]
27[27]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
Uma característica marcante do federalismo tributário brasileiro é a
multiplicidade de órgãos arrecadadores. Grande parcela deste fenômeno decorre de
normas constitucionais, que distribuíram competências tributárias entre os três níveis de
governo.
Por esta razão, coexistem no Brasil mais de 5500 administrações tributárias
autônomas, sendo 27 no nível intermediário de governo (Estados e Distrito Federal) e a
grande maioria no nível de governo local (Municípios).
Por sua vez, a esfera federal também apresenta multiplicidade de
administrações tributárias, não por imposição constitucional, mas por vontade política
do Poder Executivo. Andréa Teixeira Lemgruber assim descrevendo o atual quadro da
administração tributária brasileira, na esfera federal:
Em nível federal, as duas principais administrações tributárias
são a Secretaria da Receita Federal (SRF) e o Instituto Nacional
de Seguridade Social (INSS). A SRF, órgão pertencente à
estrutura do Ministério da Fazenda, acumula as funções de
fiscalização e arrecadação de todos os impostos federais
(inclusive aduaneiros), além de parte substancial das
contribuições sociais (COFINS, PIS, PASEP, CSLL e CPMF). É
responsável por cerca de 41% da arrecadação nacional e ainda
desempenha as funções de assessoramento na elaboração da
política tributária federal.
Por sua vez, o INSS é vinculado ao Ministério da Previdência e
Assistência Social e administra, basicamente, a Contribuição
sobre Folha de Salários (empregados e empregadores) e sobre o
trabalho autônomo. Realiza, adicionalmente, as tarefas de
administração do sistema de previdência pública do País,
inclusive dos pagamentos de aposentadorias e pensões. Sua
arrecadação atinge 20% da carga tributária brasileira.28[28]
No nível intermediário de governo, coexistem 26 fiscos estaduais e 1 fisco
distrital, responsáveis pela administração dos tributos de sua competência. Vale lembrar
que os Estados e o Distrito Federal têm competência para administrar o imposto de
maior arrecadação do País (ICMS), que ostenta uma das bases tributárias mais
dinâmicas da economia (circulação de mercadorias e serviços).
Por esta razão, na opinião de Andréa Teixeira Lemgruber, os Estados e o
Distrito Federal "praticamente não exploram os demais impostos, fazendo com que o
28[28]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
ICMS seja responsável, em média, por 95% da arrecadação estadual".29[29] A mesma
autora ressalta que, nos últimos anos, este imposto tem sido utilizado como um dos
principais instrumentos de atração de investimentos estrangeiros, gerando o fenômeno
denominado de "guerra fiscal", ou seja, uma intensa competição tributária entre os
Estados da federação.
Convém ressaltar que todos os dispositivos legais que versem sobre
isenções ou incentivos fiscais relativos ao ICMS devem ser aprovados por unanimidade
pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão integrado pelos
Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal.
Sobre este assunto, comenta Everardo Maciel:
O CONFAZ faz legislação da maneira mais esdrúxula que
alguém pode imaginar, porque não faz legislação para cobrar
imposto, mas para dar isenção.
Um colega meu, francês, disse que ficou surpreso pelo fato de,
no Brasil, pessoas da administração tributária se reunirem para
verificar não como será cobrado o imposto, mas como será
concedida a isenção. Portanto, o contrário. Só que a isenção,
quando necessária, exige um regime de unanimidade. Esse
regime de unanimidade é típico dos conselhos de segurança. O
Conselho de Segurança das Nações Unidas tem um regime de
unanimidade, que é o regime do não fazer.30[30]
No nível local de governo, existem mais de 5.500 administrações
municipais, responsáveis por apenas 5% da arrecadação brasileira. Muitas dessas
administrações tributárias, localizadas em Municípios de baixíssimo potencial
econômico, até hoje sequer instituíram todos os impostos de sua competência. De se
ressaltar, por oportuno, que os governos municipais, pelo fato de estarem mais próximos
do cidadão, são os que mais arrecadam taxas, em função de prestação de serviços
públicos.
Ao analisar o desafio brasileiro de conviver com inúmeras administrações
tributárias, pondera Andréa Teixeira Lemgruber:
uma das principais críticas feitas sobre a estrutura federativa
brasileira diz respeito à baixa coordenação entre as esferas de
governo. De um modo em geral, todos os órgãos arrecadadores
29[29]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
MACIEL, Everardo. Reforma tributária e federalismo no Brasil. Palestra proferida em 07 de agosto
de 2001, na Federação das Indústrias de Brasília. Transcrição disponível in ALBUQUERQUE, Marcos
C. C. de. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003, p. 180.
30[30]
atuam sobre a mesma capacidade contributiva do cidadão. Esse
último, geralmente deve prestar informações, recolher tributos e
acompanhar modificações de legislação dos três níveis
governamentais.
No entanto, [..] há muito espaço para se aprimorar mecanismos
de cooperação e de troca de informações entre esses órgãos
arrecadadores, de modo a obter uma administração tributária
mais ágil e eficiente. Tradicionalmente o Brasil ainda não
desenvolveu um sistema padronizado de livros e documentos
fiscais, datas de pagamento ou cadastro. A complexidade da
legislação e a multiplicidade de fiscos tornou-se fator que onera
substancialmente o custo dos contribuintes, especialmente dos
pequenos, transformando-se em um motivo indutor de evasão
fiscal. A falta de uma base de dados integrada entre os fiscos
tem significado multiplicidade de esforço por parte dos
governos e, muitas vezes, privilegia os contribuintes mal
intencionados. De modo em geral, não há fiscalização conjunta e
nem a existência da "prova emprestada", onde um auto de
infração devidamente lançado por um governo possa
automaticamente servir em prol de outro governo.31[31]
Importante destacar que o Governo Federal, em 1997, procurou enfrentar
este problema por meio da implantação do Sistema Integrado de Pagamento de
Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte
(SIMPLES). Trata-se de um sistema que possibilita o pagamento de vários impostos e
contribuições federais (administrados pela SRF e pelo INSS), estaduais e municipais,
por meio de um único documento de arrecadação, de forma extremamente simplificada
para o contribuinte (simples aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta da
empresa). A adesão de Estados e Municípios ao SIMPLES é voluntária, ou seja, ocorre
por opção do governo subnacional, mediante assinatura de convênio.
1.4.4 Distribuição de competências para realização de gastos públicos
A Constituição do Brasil, além de atribuir competências aos entes
federativos para instituição de tributos, também define as competências para realização
de gastos entre os três níveis governamentais. Contudo, ao contrário do que ocorre na
atribuição das receitas tributárias, não há uma definição muito clara em relação à
realização de despesas, tendo em vista a existência de competências comuns e
concorrentes, cujos limites não se encontram perfeitamente especificados.
Dentre as atribuições típicas do governo federal, pode-se mencionar a defesa
nacional, as relações internacionais, a emissão de moeda, a manutenção do correio aéreo
31[31]
LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..
e do serviço postal, a regulamentação do comércio interestadual, das telecomunicações,
das jazidas, das atividades nucleares e da seguridade social, além das definições das
diretrizes e bases para a educação nacional.
A competência dos Municípios refere-se às atividades de interesse local, tais
como transporte público municipal, educação elementar, atendimento à saúde, controle
e planejamento do uso do solo urbano e preservação do patrimônio histórico-cultural.
Dentre as atribuições que são consideradas comuns aos três níveis de
governo pode-se mencionar o cuidado com a saúde e a assistência pública, a proteção
do meio ambiente, a promoção de programas de moradia, o saneamento básico e a
integração social.
A Constituição permite, também, a existência de competência concorrente
entre União e Estados, envolvendo atividades de legislação sobre direitos tributário,
financeiro e econômico, orçamento, polícia civil e defensoria pública, dentre outras.
Ainda com relação à política brasileira de gastos públicos, deve-se ressaltar
sua extrema rigidez, tendo em vista o grande volume de receitas vinculadas. A
Constituição Federal, além de fixar as transferências intergovernamentais, estabelece a
vinculação completa da arrecadação das contribuições à Seguridade Social e prevê
percentuais mínimos de investimento na educação.32[32]
Além disso, existem inúmeros fundos que se destinam a financiar despesas
específicas de determinados órgãos ou setores e que também são constituídos a partir de
receitas vinculadas. Sobre o assunto, convém transcrever algumas conclusões extraídas
de recente estudo realizado pela Secretaria da Receita Federal:
A vinculação de receitas atualmente existente no Brasil retira
diversos graus de liberdade e prejudica a realização da política
econômica. A fixação do gasto, que existe para assegurar
patamar mínimo de destinação de receitas para determinada
rubrica, acaba por impedir, em decorrência, que as rubricas
orçamentárias não-vinculadas recebam verbas em montante
adequado.33[33]
32[32]
Estes percentuais são de 18% da receita de impostos da União e de 25% da receita de impostos dos
Estados e Municípios (Constituição Federal, art. 212).
33[33]
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Op. cit.
2 A PROPOSTA DO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL
2.1 O mito do imposto único
É muito antiga a procura do homem por um sistema de tributação mais
simples, baseado em uma única base tributável, cuja arrecadação fosse suficiente para
financiar integralmente o funcionamento do Estado.
No século XVIII, os fisiocratas34[34] defenderam a taxação da terra como
única fonte de obtenção de receitas públicas. No século XX, após a Segunda Guerra
Mundial, a França discutiu superficialmente a adoção de um imposto único sobre o
capital. Dentre os defensores desta nova modalidade de tributo, destacou-se o
economista Maurice Allais, Prêmio Nobel de Economia de 1987. Ultimamente,
contudo, Allais abandonou a idéia de imposto único, recomendando expressamente à
União Européia a adoção de um sistema tributário baseado não apenas em uma, mas em
três bases tributáveis: o capital, a renda e o consumo (pelo critério do valor
agregado).35[35]
Procurando investigar as causas do surgimento do mito do imposto único,
Paulo Eduardo Rangel afirma que:
As utopias do encargo fiscal único encerrariam, talvez, um
componente psicológico regressivo, o desejo de fuga das
complexidades da vida social e de retorno a uma simplicidade
pastoral, o devaneio de uma vida desprovida de
constrangimentos fiscais.
[...] sua força deriva, sobretudo, de uma pulsão libertária
profundamente arraigada no coração dos homens, de uma
disposição anárquica, de uma aversão à opressão, muito
consistentes com o individualismo exacerbado, típico de nossa
época.
34[34]
A palavra "fisiocrata" vem de "fisiocracia", que significa "reino da natureza". Os fisiocratas se
opuseram aos mercantilistas, para os quais uma nação poderia se desenvolver apenas por meio do
acúmulo de metais preciosos. e estímulos diretos ao comércio. Na visão dos fisiocratas, para alcançar o
desenvolvimento era necessário o investimento em produção. Não na produção industrial (ou
comercial), mas na produção agrícola, pois somente nessa era possível a geração e ampliação
excedente. Para detalhes sobre o pensamento dos fisiocratas, ver CHAGAS, Henrique. O liberalismo e
o neoliberalismo a partir dos fisiocratas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999.
35[35]
RANGEL, Paulo E. Imposto único federal (PEC n.º 474-A, de 2001). Brasília: Consultoria
Legislativa da Câmara dos Deputados, 2002, p. 8.
Avulta uma percepção de incômodo em relação ao poder de
intervenção fiscal do Estado na vida privada dos cidadãos. A
complexidade crescente dos sistemas fiscais faz multiplicar as
instâncias de controle. Faz adensar as redes captadoras de
informação. Faz proliferar os rituais de exercício da cidadania
fiscal que passam a consumir mais tempo e mais energia dos
cidadãos contribuintes, tornando-se sufocantes e alimentando,
neles, mais do que a aversão ao imposto, o rancor contra os
aparelhos burocráticos fiscalizadores.
[...] Esse empenho de energia, a contragosto, em mesquinhas
atividades-meio a serviço da instrumentalidade fiscal,
desperdiçada no acúmulo de papéis, documentos, provas,
cuidados, prazos, truques, cálculos, planejamentos, socorrendose em auxiliares, contadores, advogados, consultores, gera
notável desconforto e coloca o contribuinte, a cada momento, no
limiar da inadimplência, da evasão, da delinqüência e da revolta
fiscal.
A idéia da exação única sempre acenou com uma promessa de
alívio substancial desse desconforto, creditado à simplicidade e
homogeneidade da contribuição única.
[...] A simplicidade e transparência de um imposto universal são
armas da cidadania contra aqueles agentes anti-sociais que,
sempre à caça de privilégios fiscais, parasitam e saqueiam a
comunidade em proveito próprio. Sistemas fiscais caóticos são
viveiros do comportamento parasitário.
[...] Vê-se claramente, então, como a reivindicação de um
sistema tributário leve, simples, automático, universal, nãodeclaratório, módico, eqüitativo, dificilmente fraudável, assentase sobre sólidos fundamentos da psicologia fiscal.
Esses são os bons fundamentos da legitimidade do imposto, que
asseguram o consentimento, pressuposto subjetivo indispensável
de uma institucionalidade fiscal eficaz".36[36]
Marcos Cintra de Albuquerque, de forma bastante didática, analisa as
vantagens de decorrentes da instituição de um imposto único:
O imposto único [...] traz inúmeras vantagens de ordem
tributária. A fiscalização torna-se mais simples; os critérios de
taxação ficam mais transparentes; os custos por parte do poder
público, e também os custos do setor privado vinculados às
exigências tributárias, tornam-se mais leves. A simplificação
[...] é evidente quando toda a arrecadação se concentra em um
único tributo, incidente sobre uma única base.37[37]
36[36]
37[37]
86.
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 9-10.
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. A verdade sobre o imposto único. São Paulo: LCTE, 2003, p.
2.2 Adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária
A idéia de utilização das movimentações financeiras como hipótese de
incidência tributária teve origem no momento em que a moeda escritural passou a ter
supremacia sobre a moeda manual. Nas últimas décadas, a intensa informatização das
operações bancárias propiciou as condições necessárias para a adoção das
movimentações bancárias como base de incidência tributária.
Importantes países, tais como Estados Unidos e Canadá, vêm realizando
estudos sérios visando a adoção das movimentações financeiras como hipótese de
incidência tributária.38[38] No decorrer da última década, Argentina, Brasil, Colômbia,
Equador, Peru, Venezuela e Austrália foram países pioneiros na instituição de tributos
sobre movimentações financeiras.39[39] Até o momento, a experiência brasileira tem
sido, reconhecidamente, a mais bem sucedida em todo o mundo.40[40]
Convém frisar que a tributação das movimentações financeiras tem sido
saudada como o tributo do futuro. Estes especialistas, contudo, advertem que sua
implantação não está disponível, imediata e simultaneamente, para todos os países.41[41]
Desenvolvendo melhor este tema, Marcos Cintra de Albuquerque pondera
que a instituição de um tributo sobre movimentações financeiras requer a reunião de
duas condições básicas para sua efetiva operacionalização:
A primeira é a existência de um sistema bancário altamente
informatizado, com um sistema nacional de compensação de
cheques e documentos. A segunda é a predisposição cultural da
sociedade de não usar moeda manual, substituindo-a pelas mais
variadas formas de moeda escritural.42[42]
Paulo Eduardo Rangel assim avalia o mérito da tributação sobre as
movimentações financeiras:
38[38]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. p. 85.
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13.
40[40]
Recente trabalho publicado pela Secretaria da Receita Federal revela que "[...] o Fundo Monetário
Internacional, organismo que publicamente tem se posicionado contra a implementação de impostos do
tipo débito bancário, [...] reconhece que a experiência brasileira teve bons resultados. Na opinião dos
autores, o sucesso brasileiro deveu-se ao fato de a CPMF não ter sido introduzida em um momento de
crise, de o sistema bancário brasileiro ser significantemente sofisticado, de não haver tradição de se
mover ativos financeiros para fora do País e pela relativa baixa alíquota adotada no Brasil". Para
maiores detalhes, ver SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF - Mitos e verdades sob as
óticas
econômica
e
administrativa.
Disponível
em:
<www.receita.fazenda.
gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/CPMFMitos.htm>. Acesso em 07 nov. 2002.
41[41]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13.
42[42]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. p. 85.
39[39]
Permanece o desafio de suavizar a pressão tributária mediante
sua distribuição mais eqüitativa, o desafio de prevenir a evasão e
incorporar o mundo da informalidade, sem fazer apelo a uma
solução, irreal, de agigantamento dos aparelhos fiscalizadores.
Nesse quadro de impasse, a tributação mais intensiva das
movimentações financeiras surge como um caminho plausível
de reforma tributária, cuja base difere pouco das bases consumo
e receita bruta atualmente predominantes no país, oferecendo
vantagens de custo baixo, simplicidade, suavidade, alcance
universal e dificuldade de evasão.
[...]
A sociedade de massas não comporta mais aquele imposto cujo
pagamento era um ato consciente de adesão ritual ao Contrato
Social. Prevalece, hoje, a preferência pelo "imposto anestésico".
O bom senso recomenda, então, edificar fórmulas indiretas e
automáticas de tributar proporcionalmente a todos, sem exceção,
preferencialmente sem apelo a valores e à consciência ética. A
movimentação financeira é a base que satisfaz este desafio.43[43]
2.3 A experiência brasileira
O Brasil ocupa lugar de destaque na experimentação da adoção das
movimentações bancárias como base de incidência tributária. Sobre o tema, assim se
manifesta Paulo Eduardo Rangel:
A tributação das movimentações financeiras é ainda um tema
infreqüente na literatura especializada. Atualmente, o Brasil é
detentor da primazia na mais rica, ampla e bem-sucedida
experimentação no campo dessa peculiar técnica tributária.
Nessa matéria não há socorro disponível em inglês, francês,
alemão, japonês ou italiano. Por sua vez, somos o único
referencial de nossas próprias reflexões, e a experiência
brasileira é a referência básica para os estudiosos
estrangeiros.44[44]
No país, a primeira referência à instituição de um imposto único sobre
movimentações financeiras ocorreu em janeiro de 1990, com a publicação, na Folha de
São Paulo, do artigo intitulado "Por uma revolução tributária", de autoria do professor
Marcos Cintra.45[45]
Segundo o próprio autor, este artigo "significou uma descontinuidade nos
debates sobre reforma tributária. O texto introduziu no Brasil o Imposto Único sobre
43[43]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 6.
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 3.
45[45]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Tributação no Brasil e o imposto único. São Paulo: Makron
Books, 1994, p. 85-89.
44[44]
Transações, idéia de natureza revolucionária, que deu início a uma polêmica que
empolgou a opinião pública e oxigenou o debate técnico sobre o assunto" 46[46].
O referido artigo demonstrou que, no início dos anos 90, os debates sobre
reforma tributária restringiam-se aos temas do combate à sonegação, da tributação dos
ganhos de capital e da redução de incentivos fiscais. As propostas visavam, tão
somente, elevar o montante das receitas tributárias, visando equacionar a questão do
déficit público, um dos maiores responsáveis pelo quadro de hiperinflação vigente
naquela época.
Este primeiro texto de Marcos Cintra teve o mérito de incorporar à
discussão sobre reforma tributária novos e relevantes temas, tais como a eficiência dos
mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos de conformidade47[47], seus custos de
administração e seu padrão de incidência. A idéia lançada pelo professor Marcos Cintra
polarizou-se em duas vertentes. A primeira delas era composta por especialistas que
defendiam uma estrutura tributária simples e imune à sonegação. A segunda, integrada
por estudiosos que, somente aceitavam o imposto sobre transações financeiras como
"um imposto a mais", defendendo a manutenção do sistema tributário complexo e
burocratizado, até hoje vigente.
Um ano após a publicação do artigo original do professor Marcos Cintra,
Roberto Campos publicou, também na Folha de São Paulo, o artigo intitulado
"Exógenos e papirófilos", no qual descreveu as principais características destas duas
correntes de opinião. Segundo Roberto Campos, os "exógenos" são aqueles que:
[...] propõem que os diferentes fatos geradores - renda,
consumo, produção e utilização de mão-de-obra - sejam
substituídos por um único imposto sobre transações financeiras,
através do sistema bancário. Esse imposto seria exógeno,
automático e insonegável. Exógeno, porque não dependeria de
declaração do contribuinte. Automático, por ser cobrado pela
simples utilização do serviço bancário. Insonegável, porque
numa economia moderna não se pode prescindir dos bancos, que
46[46]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit., 2003, p. 81.
Os custos de conformidade à tributação (compliance costs of taxation) correspondem ao "custo dos
recursos necessários ao cumprimento das determinações legais tributárias pelos contribuintes",
conforme definição apresentada por BERTOLUCCI, Aldo V. Uma contribuição ao estudo da
incidência dos custos de conformidade às leis e disposições tributárias: um panorama mundial e
pesquisa dos custos das companhias de capital aberto no Brasil. Dissertação de Mestrado, FEA/USP,
2001, p. 18.
47[47]
são supermercados
serviços.48[48]
financeiros
que
oferecem
variados
Por sua vez, os "papirófilos" são aqueles que:
Esquecidos de que vivem na idade eletrônica, adoram a
burocracia documental. São as declarações de renda, do
patrimônio, as notas fiscais da produção ou consumo, os recibos
de prestação de serviços, as contribuições sobre a folha de
pagamentos. Há um "delirium tremens" burocrático. [...]
Exigem-se 33 livros de escrituração, dos quais oito contábeis,
nove fiscais, três trabalhistas, além de 24 declarações tributárias.
Há mais de 25 obrigações básicas trabalhistas e
previdenciárias.49[49]
O debate sobre o imposto único, lançado por Marcos Cintra, não ficou
restrito ao meio acadêmico. No Congresso Nacional, começaram a surgir propostas de
revisão constitucional, nas quais o sistema tributário estaria baseado num imposto sobre
transações bancárias. Dentre estas propostas, merecem destaque as proposições
apresentadas pelos deputados Roberto Campos e Luís Roberto Pontes.50[50]
Enquanto o Parlamento discutia propostas de reforma tributária baseadas
exclusivamente na implantação de um imposto sobre valor agregado (IVA) unificado, o
deputado Marcos Cintra foi concebendo sucessivas fórmulas visando a implantação do
imposto sobre movimentações financeiras.
A primeira destas propostas foi a emenda n.º 47 à proposta de emenda
constitucional n.º 175/95 (PEC 175/95). Nesta ocasião, o deputado Marcos Cintra
propunha a substituição gradativa de todos os tributos federais pelo imposto sobre
movimentações bancárias. Este processo de substituição ocorreria ao longo de três anos,
durante os quais os valores pagos a título de imposto sobre movimentações financeiras
(IMF) poderia ser compensado com débitos relativos aos demais impostos e
contribuições federais. Progressivamente, ocorreria a redução das alíquotas dos demais
tributos, até sua completa extinção.
Este mecanismo de compensação, por se mostrar extremamente prudente,
até os dias de hoje arregimenta simpatizantes, entre os quais se deve destacar o
48[48]
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit., 2003, p. 83.
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit., 2003, p. 83.
50[50]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 7.
49[49]
Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que recentemente se pronunciou sobre
o tema:
Uma solução - não é minha, mas perfilho a mesma tese - seria
pela via da compensação. Não é porque a CPMF foi
compensada por outros tributos que eu maximizo sua
capacidade de fiscalização, eliminando qualquer tipo de
restrição que alguém possa oferecer ? [...] Pode compensar com
outro imposto de outra natureza. E ela funciona, Eu imagino que
a maneira de redução seja pela via da compensação.
Para ser sincero, na idéia original do projeto de prorrogação da
CPMF, seria proposta - com toda a pressão, na última hora o
Governo decidiu retirar essa tese - a criação de um imposto
sobre movimentação financeira em caráter permanente,
compensável com qualquer tributo ou contribuição federal.
Entendeu-se que, dada a importância da prorrogação da CPMF,
a introdução de um tema que pudesse gerar polêmica poderia
resultar em atraso na tramitação. Essa foi a fundamentação, o
princípio sedutor para evitar que se adotasse essa posição, que
defendo há muito tempo.51[51]
Como se vê, esta proposta esteve muito próxima de ser efetivada implantada
em nosso país, somente tendo sido barrada por questões de ordem política, conforme
relato fidedigno apresentado pelo Secretário da Receita Federal.
A segunda fórmula concebida pelo deputado Marcos Cintra foi a proposta
de emenda constitucional n.º 183/99 (PEC 183/99), a qual previa um imposto sobre
movimentações financeiras acrescido de um adicional, sob a forma de contribuição
sobre movimentações financeiras, cuja arrecadação seria destinada ao financiamento da
seguridade social. Além destes tributos incidentes sobre movimentações financeiras,
existiriam impostos especiais incidentes sobre o consumo de bebidas, cigarros,
automóveis, telecomunicações, energia e combustíveis, bem como um imposto de renda
marginal, incidente apenas sobre altos rendimentos auferidos por pessoas físicas. O
imposto de renda das pessoas jurídicas seria extinto.
Ao contrário da anterior, esta proposta de reforma tributária não teve grande
receptividade no Congresso Nacional, tendo sido rapidamente esquecida.
A terceira fórmula imaginada pelo professor Marcos Cintra mostrou-se
bastante "conservadora" e pouco ambiciosa. A referida proposta previa apenas a adoção
51[51]
MACIEL, Everardo. Reforma tributária e federalismo no Brasil. Palestra proferida em 07 de agosto
de 2001, na Federação das Indústrias de Brasília. Transcrição disponível in ALBUQUERQUE, Marcos
C. C. de. Op. cit., 2003, p. 189.
da contribuição social única sobre movimentações financeiras, substituindo todas as
contribuições sociais cobradas das empresas, destinadas ao financiamento da seguridade
social. Com esta estratégia, o professor Marcos Cintra visava desonerar os encargos
sociais das empresas, fomentando a geração de empregos e incentivando a formalização
dos contratos de trabalho, com reflexos diretos na arrecadação da Previdência Social
(tendo em vista a manutenção da contribuição previdenciária devida pelos empregados).
Esta fórmula, até o momento, não chegou a ser apresentada no Congresso Nacional, sob
a forma de proposta de emenda constitucional.
Por fim, a quarta fórmula de implantação do imposto sobre movimentações
financeiras concebida pelo professor Marcos Cintra encontra-se materializada na
proposta de emenda constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A/2001), objeto
principal de estudo do presente trabalho.
Trata-se da proposta mais ousada já formulada pelo deputado Marcos
Cintra. A PEC 474-A/2001 prevê a substituição imediata de todos os impostos federais
de caráter arrecadatório e da maioria das contribuições sociais federais, pela incidência,
não única, mas predominante, sobre a base das movimentações financeiras.
Ao longo do presente capítulo, a PEC 474-A será detalhadamente analisada,
com a descrição minuciosa de todos os seus artigos. Nos dois capítulos seguintes, serão
analisados todos os argumentos contrários e favoráveis à sua implantação, até o
momento levantados pelos estudiosos da reforma tributária no Brasil.
2.4
Noções gerais sobre a PEC 474-A
A proposta de emenda constitucional n.º 474-A de 2001 (PEC 474-A), tem o
objetivo de introduzir, no sistema tributário nacional, a figura do imposto único federal
e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos
incidentes sobre movimentações e transações financeiras. De acordo com essa proposta,
o novo imposto e a nova contribuição sobre movimentações e transações bancárias
substituirão todos os atuais impostos federais de caráter arrecadatório, bem como as
contribuições sociais para o financiamento da seguridade social, atualmente cobradas
dos empregadores.
Para alcançar este fim, a PEC 474-A propõe alterações profundas na
redação dos arts. 150, 153, 158, 159, 195 e 240 da Constituição Federal, promove
adaptações na redação dos arts. 27, 29, 37, 49, 95, e 128 do texto constitucional e
acrescenta os arts. 84 e 85 ao texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
2.4.1 Alterações propostas no art. 150 da Constituição Federal
A PEC 474-A altera a redação do art. 150, III, "b" e § 1º da Constituição
Federal e acrescenta os §§ 8º e 9º ao referido artigo.52[52]
A nova redação do art. 150, III, "b" amplia o alcance do princípio da
anterioridade tributária. Atualmente, a Constituição Federal veda aos entes tributantes a
cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou (princípio da anterioridade em relação ao exercício
financeiro). Com a redação proposta pela PEC 474-A, os entes tributante não poderão
cobrar tributos "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os
instituiu ou aumentou, e antes de decorridos cento e oitenta dias da data da publicação".
Ainda com relação ao princípio da anterioridade, a PEC 474-A promove
adaptações na redação do art. 150, § 1º, tendo em vista a extinção do imposto sobre
produtos industrializados (IPI) e do imposto sobre operações de crédito, câmbio e
seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), atualmente excluídos da
observância do princípio da anterioridade tributária.
Segundo a PEC 474-A, continuarão excluídos do princípio da anterioridade
os impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de
exportação), bem como os impostos extraordinários de guerra (previstos no art. 154, II
da Constituição Federal).
52[52]
Redação proposta pela PEC 474-A:
"Art. 150
[...]
III
[...]
b- no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou
aumentou, e antes de decorridos cento e oitenta dias da data da publicação.
[...]
§1 º As vedações expressas no inciso III, “b”, não se aplicam aos impostos previstos
nos artigos 153, I e II, e 154, II.
[...]
§ 8 º As vedações expressas no inciso VI, “b” a “d”, não se aplicam ao imposto
previsto no artigo 153, III.
§ 9 º A instituição de outros tributos, além dos discriminados nesta Constituição, bem
como a majoração dos tributos existentes além do limite máximo previsto no art. 153,
§ 3º, “a”, ficam condicionadas à aprovação prévia por referendo, ressalvados os
dispositivos constitucionais em contrário."
As majorações do novo imposto sobre movimentação ou transmissão de
valores e de créditos e direitos de natureza financeira deverão observar o princípio da
anterioridade em relação ao exercício financeiro e da anterioridade em relação ao
centésimo octogésimo dia de publicação da lei majoradora.
O § 8º do art. 150, acrescido pela PEC 474-A, exclui, em relação ao novo
imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira, as imunidades dos templos de qualquer culto, dos partidos políticos
e suas fundações, das entidades sindicais de trabalhadores e das instituições de educação
e assistência social. Remanesce, apenas, a imunidade recíproca entre diversos entes
federativos.
Por fim, o § 9º do art. 150, também acrescido pela PEC 474-A, visa
dificultar a instituição de novos impostos bem como a majoração da alíquota do imposto
sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza
financeira, além dos limites fixados em lei complementar (conforme redação proposta
para o art. 153, § 3º, "a"). Para que tais mudanças legislativas possam ocorrer, torna-se
necessária a aprovação prévia por referendo (ressalvadas as disposições constitucionais
em contrário).
2.4.2 Alterações propostas no art. 153 da Constituição Federal
A PEC 474-A altera a redação do art. 153, III, e §§ 1º, 2º e 3º
da
Constituição Federal, além de revogar os incisos IV a VII e os §§ 4º e 5º do referido
artigo.53[53]
53[53]
Redação proposta pela PEC 474-A:
"Art. 153 [...]
III - imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira;
[...]
§ 1 º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei complementar, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos
incisos I e II;
§ 2 º O imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade e
da universalidade, podendo ser progressivo, na forma da lei, em função dos
somatórios agregados periodicamente, por titular pessoa física, das movimentações ou
transmissões a ele sujeitas;
§ 3 º Lei complementar especificará, no que se refere ao imposto previsto no inciso
III, bem como à contribuição que o acompanha, referida no art. 195, I :
a) as alíquotas máximas;
Com a redação proposta pela PEC 474-A, serão extintos os seguintes
impostos de competência federal: imposto sobre renda e proventos de qualquer
natureza; imposto sobre produtos industrializados; imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; imposto sobre a
propriedade territorial rural e imposto sobre grandes fortunas. No lugar destes impostos,
é criado o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
i)
j)
k)
a forma como, respeitadas as normas de tratados internacionais de livre comércio
de que o Brasil seja signatário, serão implementados os princípios da desoneração
tributária das exportações de bens e serviços e do idêntico tratamento do produto
ou serviço importado ao seu similar nacional;
os bens de primeira necessidade cuja venda, no varejo, possa ser beneficiada com
desoneração tributária, implementada segundo metodologia idêntica à da
hipótese de exportação de que trata a alínea anterior;
as movimentações e transações envolvendo aplicações financeiras e mobiliárias,
inclusive em ouro como ativo financeiro, submetidas ao princípio do diferimento
da tributação, excluídas da incidência desses tributos durante todo o tempo em
que os recursos correspondentes não retornarem, dos circuitos dos mercados
financeiros e de capitais, para consumo ou investimento em ativos não financeiros
ou mobiliários;
o limiar, aproximadamente equivalente ao valor da renda líquida média
anteriormente sujeita ao revogado imposto sobre a renda das pessoas físicas,
abaixo do qual a incidência desses tributos, sobre os rendimentos do trabalho
assalariado, será assumida previamente pelo empregador, mediante adição ao
salário liquido pago, creditado ou posto à disposição;
as restrições preventivas à evasão tributária, dentre as quais a forma
obrigatoriamente nominal e não endossável de toda e qualquer ordem de
pagamento ou titulo de crédito, bem como as sanções eficazes para dissuadir sua
burla;
as alíquotas acrescidas, incidentes sobre saques e depósitos de numerário junto ao
sistema bancário, com o intuito de estimular a prática de transações sujeitas às
alíquotas normais;
a divisão da incidência entre os débitos e os créditos bancários;
as restrições à validade do adimplemento de obrigações jurídicas onerosas, se
não for comprovada a liquidação por intermédio de contas correntes à vista, de
titularidade dos respectivos intervenientes envolvidos, em instituições do sistema
bancário nacional, com a retenção dos tributos devidos;
o procedimento unificado de arrecadação simultânea de ambos os tributos,
mediante aplicação de alíquota total igual à soma das alíquotas singulares de cada
um deles, com repasse direto, imediato e automático, pelas instituições ou órgãos
responsáveis pela arrecadação, aos respectivos destinatários, na proporção exata
das alíquotas relativas ao imposto e à contribuição social;
as salvaguardas impeditivas de que a parcela da arrecadação, prevista na alínea
precedente, representativa da contribuição social descrita no art. 195, I, possa ser
desviada para empregos alheios à sua finalidade intrínseca, não estando sujeita às
vinculações, estranhas à sua natureza, dos arts. 198, § 2º e 212, nem à partilha de
que tratam os arts. 158 e 159.
direitos de natureza financeira.
A nova redação do § 1º do art. 153 atribui ao Poder Executivo a
competência para alterar as alíquotas do imposto de importação e do imposto de
exportação, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei complementar.
Atualmente, tais condições e limites são estabelecidos por meio de lei ordinária.
O § 2º do art. 153, com a redação dada pela PEC 474-A, estabelece que o
imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira será informado pelos critérios da generalidade e da universalidade,
podendo ser progressivo para as pessoas físicas, na forma da lei.54[54] Por fim, o § 3º do
art. 153, com a redação proposta pela PEC 474-A, atribui à lei complementar a tarefa de
regular diversas questões relativas ao novo imposto, tais como: alíquotas máximas;
formas de promover a desoneração tributária das exportações de bens e serviços e de
assegurar ao produto ou serviço importado tratamento idêntico ou similar ao que será
dado ao seu similar nacional; formas de desoneração tributária de bens de primeira
necessidade; formas de exclusão da tributação das movimentações e transações
envolvendo
aplicações financeiras e mobiliárias, inclusive em ouro como ativo
financeiro; formas de restrições preventivas à evasão tributária (dentre as quais a forma
obrigatoriamente nominal e não endossável de toda e qualquer ordem de pagamento ou
titulo de crédito); divisão da incidência entre os débitos e os créditos bancários;
procedimento unificado de arrecadação simultânea do imposto e da contribuição sobre
movimentações financeiras.
2.4.3 Alterações propostas nos arts. 157 e 158 da Constituição Federal
A PEC 474-A revoga o inciso I do art. 157 e os incisos I e II do art. 158 da
Constituição Federal.
Tais incisos regulam a repartição de receitas tributárias relativas ao imposto
sobre a
renda e proventos de qualquer natureza e ao imposto sobre produtos
industrializados, em favor de Estados, Distrito Federal e Municípios (transferências
constitucionais diretas).
54[54]
Os critérios da generalidade e da universalidade traduzem o desejo de tornar o referido imposto
geral (incidente sobre toda e qualquer movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos
de natureza financeira) e universal (pago por todos). A progressividade, em relação às pessoas físicas,
refere-se à possibilidade (mas não obrigatoriedade) de se adotar alíquotas diferenciadas em função dos
montantes periódicos de movimentações financeiras sujeitas à incidência deste imposto. Para maiores
detalhes sobre estes conceitos, ver COÊLHO, Sacha C. N.. Op. cit. , p. 312.
Com a redação proposta pela PEC 474-A, as regras sobre a repartição de
receitas tributárias relativas ao imposto sobre movimentação ou transmissão de valores
e de créditos e direitos de natureza financeira, restringem-se ao art. 159 da Constituição
Federal (transferências constitucionais indiretas).
2.4.4 Alterações propostas no art. 159 da Constituição Federal
A PEC 474-A propõe alterações na redação art. 159, I, “a”, “b”, “c”, “d” e
§§ 2º e 3º da Constituição Federal, além de revogar o § 1º do referido artigo.55[55]
A redação proposta para o art. 159, I da Constituição Federal determina a
distribuição pela União, em favor de Estados, Distrito Federal e Municípios, de 44% do
valor arrecadado referente ao imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e
de créditos e direitos de natureza financeira.
Os critérios de distribuição estabelecidos pela PEC 474-A são os seguintes:
20% do valor arrecadado para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito
Federal; 20% do valor arrecadado para o Fundo de Participação dos Municípios; 3% do
valor arrecadado para os Fundos Regionais de Financiamento do Setor Produtivo do
Norte, Nordeste e Centro-Oeste; e 1% do valor arrecadado para o Fundo de
Compensação de Exportações.
Os §§ 2º e 3º do art. 159 preservam as regras atuais relativas à distribuição,
55[55]
Redação proposta pela PEC 474-A:
"Art. 159 [...]
I – do produto da arrecadação do imposto previsto no artigo 153, III, quarenta e
quatro por cento na seguinte forma:
a-) vinte por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
b-) vinte por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c-) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo
das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras
de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando
assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à região, na
forma que a lei estabelecer;
d-) um por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das
respectivas exportações de produtos industrializados.
[...]
§ 2º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por
cento do montante a que se refere o disposto no item “d” do inciso I, devendo o
eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação
a esses, o critério de partilha nele estabelecido.
§ 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que
receberem nos termos do item “d” do inciso I, observados os critérios estabelecidos no art. 158.
entre as unidades federadas, dos valores provenientes do Fundo de Compensação de
Exportações. As alterações propostas na redação destes parágrafos constituem simples
adaptações do texto constitucional, tendo em vista a instituição do imposto sobre
movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
A revogação do § 1º do art. 159 é uma decorrência lógica da extinção do imposto de
renda e proventos de qualquer natureza.
2.4.5 Alterações propostas no art. 195 da Constituição Federal
A PEC 474-A altera a redação do art. 195, I, e §§ 4º e 9º da Constituição
Federal, além de revogar o § 7º do referido artigo.56[56]
Com a redação proposta pela PEC 474-A, serão extintas as seguintes
contribuições sociais, atualmente exigidas pela União: Contribuição Previdenciária
sobre a Folha de Pagamentos dos Empregados; Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social sobre o faturamento das empresas (COFINS); Contribuição sobre o
Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Provisória sobre Movimentações
Financeiras (CPMF); Contribuição Social para o Salário-Educação e Contribuição para
o Sistema "S" (SESI, SESC, SENAI, SENAC etc.).
No lugar de todas estas contribuições, será criada a contribuição social sobre
movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
Conforme a PEC 474-A, a referida contribuição será cobrada mediante aplicação de
56[56]
Redação proposta pela PEC 474-A:
"Art. 195. [...]
I – sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza
financeira, acompanhando, mediante aplicação de alíquota adicional, a exigência do
imposto previsto no art. 153, III, na forma da lei e respeitados os requisitos de que
trata o art. 153, § 3º ;
[...]
§ 4º As finalidades de custeio, supridas pela contribuição prevista no inciso I deste
artigo, abrangem também, na forma da lei:
a- o programa do seguro desemprego previsto no artigo 7º, inciso II, e o abono de que
trata o § 3º do art. 239;
b- os gastos projetados, com o ensino fundamental público, anteriormente financiados
pela extinta contribuição do salário-educação;
c- as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao
sistema sindical.
§ 9º A contribuição social prevista no inciso I não será exigida dos segurados que
contribuam sob a modalidade prevista no inciso II deste artigo.“
alíquota adicional ao imposto único sobre movimentação ou transmissão de valores e de
créditos e direitos de natureza financeira.
Conforme § 4º, "a" do art. 195, com a redação dada pela PEC 474-A, a
arrecadação proveniente desta nova contribuição social também deverá custear o
programa do seguro desemprego e o abono salarial anual (art. 239 da CF), atualmente
financiados pelas Contribuições para o PIS e para o PASEP.
Além disso, conforme redação proposta para as alíneas "b" e "c" deste § 4º,
a nova contribuição social também deverá custear o ensino fundamental público
(atualmente financiado pela contribuição do salário-educação) e as entidades privadas
de serviço social e formação profissional (atualmente financiadas pela contribuição para
o sistema "S").
O § 9º deste artigo esclarece que os segurados que contribuam para a
previdência sob a modalidade do inciso II (contribuição previdenciária do trabalhador
ou segurado), estarão dispensados do pagamento da contribuição social sobre
movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
Não obstante a previsão da PEC 474-A de que a nova contribuição social
também deverá custear o programa do seguro desemprego e o abono salarial anual (art.
239 da CF), convém observar que as Contribuições para o PIS e para o PASEP não
serão extintas. A PEC 474-A não prevê qualquer alteração no art. 239 da Constituição
Federal, que atualmente prevê a cobrança destas duas contribuições.
Sobre este tema, é suficientemente esclarecedora a observação do deputado
Marcos Cintra, co-autor da PEC 474-A:
Cabe lembrar que a proposta do IUF é eliminar todos os tributos
arrecadatórios. Esses impostos representam mais de 70% da
atual arrecadação federal. Obrigações extra-fiscais como o
FGTS, o Pis/Pasep, tributos sobre o comércio exterior, a
seguridade do servidor público e a contribuição social do
empregado, permanecerão inalterados.(grifado).57[57]
2.4.6 Demais alterações constitucionais propostas na PEC 474-A
57[57]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 132.
A PEC 474-A também propõe a revogação do § 5º do art. 212 e do art. 240,
da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84 e 85 ao texto do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
A revogação do § 5º do art. 212 da Constituição Federal é uma decorrência
lógica da extinção da contribuição social do salário educação.58[58] Por sua vez, a
revogação do art. 240 da Constituição Federal decorre da extinção da contribuição para
o Sistema "S".59[59]
O acréscimo do art. 84 ao texto do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) tem o objetivo de extinguir a atual Contribuição Provisória sobre
Movimentações Financeiras (CPMF), atualmente prevista nos arts. 74, 75 e 80, I do
próprio ADCT.
Por fim, o art. 85 do ADCT, acrescido pela PEC 474-A, atribui a uma lei
complementar a difícil tarefa de dispor sobre 60[60]:
a) os fundos, programas e projetos alimentados com recursos, benefícios ou renúncias,
decorrentes dos tributos extintos. Exemplos de fundos, programas e projetos que
deverão ser regulamentados por lei complementar: Zona Franca de Manaus - ZFM,
Zonas de Processamento de Exportações - ZPEs, Fundo de Recuperação Econômica
58[58]
Redação atual do art. 212 da Constituição Federal:
"[...]
§ 5º O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do
salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei."
59[59]
Redação atual do art. 240 da Constituição Federal:
"Art. 240. Ficam ressalvados do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos
empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de
formação profissional vinculadas ao sistema sindical."
60[60]
Redação proposta pela PEC 474-A:
"Art. 85. Lei complementar disporá sobre a forma como:
I - os fundos, programas e projetos alimentados com recursos, benefícios ou
renúncias, decorrentes dos tributos extintos juntamente com a entrada em vigor do
imposto e da contribuição previstos, respectivamente, no art. 153, III e 195, I, da
Constituição Federal, terão suas fontes de financiamento substituídas ou sofrerão
solução de continuidade;
II - serão ajustados e compatibilizados, sem prejuízo para o interesse público, os
direitos e obrigações pendentes, decorrentes das legislações relativas aos tributos
extintos, em virtude da nova ordem tributária instaurada com a entrada em vigor dos
tributos referidos no inciso anterior deste artigo;
III - será assegurada, a cada ente político beneficiário de partilhas constitucionais de receitas federais,
sem interrupção, o fluxo e o volume de recursos não inferiores ao que se tiver verificado no último
exercício financeiro anterior ao da entrada em vigor dos tributos referidos no inciso I deste artigo."
do Espírito Santo - FUNRES, Fundo de Investimentos do Nordeste - FINOR, Fundo
de Investimentos da Amazônia - FINAM;
b) ajustes e compatibilização, preservado o interesse público, de direitos e obrigações
pendentes, relativas aos tributos extintos. A lei complementar em apreço deverá
dispor, por exemplo, sobre os seguintes temas: saldos de prejuízos fiscais
compensáveis (imposto de renda das pessoas jurídicas); saldos credores de IPI etc.
c) forma de assegurar que cada ente político beneficiário de partilhas constitucionais
de receitas federais não sofra redução no fluxo e volume de recursos transferidos,
em relação ao que se verificar no último exercício financeiro de vigência do atual
sistema tributário.
3
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PEC 474-A
A apresentação a PEC 474-A reacendeu os debates sobre a instituição do
imposto único sobre movimentações financeiras no Brasil. A denominação de "imposto
único federal" é meramente simbólica, uma vez que a proposta não introduz qualquer
alteração na competência tributária dos entes federativos subnacionais (Estados, Distrito
Federal e Municípios). Além disso, a configuração proposta para o Sistema Tributário
Nacional preserva diversos tributos federais de natureza não arrecadatória, tais como
impostos sobre o comércio exterior,
taxas e contribuições de melhoria federais,
contribuições de intervenção no domínio econômico etc.
As críticas mais contundentes contra a PEC 474-A partem de alguns setores
isolados da burocracia estatal, com destaque para os servidores públicos do Fisco
Federal. A seguir, busca-se apresentar, de forma sistematizada, as principais críticas
formuladas ao projeto de instituição do imposto único federal sobre movimentações
financeiras:
3.1 Ineditismo da proposta, em escala mundial
Sobre o assunto, assim se manifesta Maria Lúcia Fattorelli Carneiro,
Presidente da Delegacia Sindical de Belo Horizonte, do Sindicato Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical):
Todos os países desenvolvidos do mundo moderno baseiam seus
Sistemas Tributários em um Imposto de Renda universal e
progressivo, que invariavelmente constitui-se na principal fonte
de receitas tributárias desses Países, seguido de um Imposto
sobre o Consumo, de base de incidência ampla e natureza não
cumulativa, além dos Impostos sobre Patrimônio, que visam
alcançar o produto das rendas que não provêm diretamente do
fator trabalho. Esse é o arcabouço básico em que se fundam os
sistemas tributários desses Países. Seria então o Brasil uma
economia atípica, desconectada da realidade econômica que
impera no mundo capitalista ?61[61]
No mesmo sentido, se pronuncia Fátima Gondim, dirigente nacional do
Unafisco Sindical:
A primeira vice-presidente do Unafisco Sindical, Fátima
Gondim, lembra que os países da Europa, desde o início do
século passado, desistiram da idéia de ter um IU pela
incapacidade de conseguir uma base única, segura e capaz de
dar sustentação ao Estado. "Pelo contrário, hoje percebe-se que
tem de diversificar as bases de arrecadação, para garantir ao
sistema maior segurança e confiabilidade - caso haja alguma
crise, haverá outras opções para se evitar o colapso". Para ela,
colocar todo o financiamento do estado na mão do sistema
financeiro poderia debilitar de forma comprometedora a
manutenção da arrecadação e mesmo do Estado nacional.62[62]
Analisando esta questão, assim se manifesta Paulo Euclides Rangel:
Viu-se, nesses anos de discussões sobre a reforma tributária, o
desfile dos chavões (sic), utilizados de parte a parte, ao sabor da
conveniência, idéias feitas do tipo "imposto bom é imposto
61[61]
CARNEIRO, Maria L. F. A falácia dos impostos não declaratórios. Disponível em: <http://www.
unafiscobh.com.br/impunico.html>. Acesso em 12 nov. 2002.
62[62]
ROCHA, Daniella. Um abacaxi único. Revista Conexão. Brasília, ano III, nº. 19,
pp. 18-22, julho de 2002.
velho", "imposto único, imposto iníquo, [...] e, até mesmo, esta
curiosa expressão de passividade e de baixa auto-estima,
segundo a qual "imposto novo, se funcionasse, já existiria em
países mais avançados"
[...] A alegação, falaciosa, de que "se o imposto sobre
movimentações financeiras fosse bom, já teria sido adotado nos
países desenvolvidos", peca exatamente por este pormenor, a
saber, que o tributo sobre transações só é economicamente
viável, só é competitivo como técnica de arrecadação, num país
dotado de tecnologia da informação, aplicada à operação
bancária, avançada e distribuída e que consinta em delegar a
arrecadação das receitas públicas ao sistema bancário. É este
requisito, presente no Brasil, que impede os países
desenvolvidos de adotar essa modalidade tributária que desperta,
neles, crescente curiosidade.63[63]
Por fim, convém transcrever os argumentos constantes da própria PEC 474A, com o objetivo de justificar o pioneirismo brasileiro na implantação deste imposto:
O Brasil tornou-se, reconhecidamente, um dos países mais
avançados do mundo em tecnologia bancária implantada e em
generalização do uso de contas bancárias. Na maioria dos países
mais ricos e desenvolvidos, detentores de moedas nacionais
tradicionais, fortes e estáveis, prevalece um apego cultural das
populações pela moeda manual, pelo dinheiro sonante, pela
poupança “debaixo do colchão”, que constitui entrave, lá nesses
países, à adoção de um imposto eletrônico sobre transações
bancárias.
Outra vantagem brasileira está em nossa experiência,
perfeitamente consolidada e bem sucedida, da rede arrecadadora
bancária de tributos. Em contraste, na maioria dos países
desenvolvidos, subsiste um forte apego cultural à prerrogativa
tradicional de o Estado recolher seus tributos por meio de seu
próprio aparato coletor. Isso explica porque um imposto “ovode-colombo” como nosso IMF ainda não existe em países
avançados, ressalvada a tímida experiência australiana.
O Brasil é neste momento o País do mundo que está mais
perfeitamente preparado e equipado para instituir um IMF
eletrônico de vasto alcance, capaz de suprir integralmente as
necessidades de financiamento do Estado, dando uma lição, ao
mundo, de futurismo tributário. Não se trata mais de uma utopia,
pois a experiência da CPMF está consagrada.64[64]
Marcos Cintra, autor da PEC 474-A, apresenta estudos da Febraban e
pesquisas realizadas pela empresa McKinsey & Company e pela Fundação Getúlio
63[63]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 13 e 28.
BRASIL. Justificação da Proposta de Emenda à Constituição n.º 474-A, de 27 de dezembro de
2001. Aperfeiçoa o Sistema Tributário Nacional e o financiamento da Seguridade Social, estabelece
normas
de
transição
e
dá
outras
providências.
Disponível
em:
<http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=42062>. Acesso em 12 nov. 2002.
64[64]
Vargas, visando comprovar que o Brasil é líder mundial em automação bancária. Em
defesa de seu ponto de vista, o referido autor também faz referência ao início do
funcionamento do Sistema de Pagamentos Brasileiros, ocorrido em abril de 2002, no
qual a compensação bancária passou a ser feita em tempo real.65[65]
3.2
Incompatibilidade com os processos de globalização e de harmonização
tributária
Paulo Euclides Rangel assim descreve esta crítica à PEC 474-A:
Uma variante mais tecnicamente persuasiva do que aquela
falácia acomodatícia, de que "se o imposto sobre movimentações
funcionasse de verdade, já teria sido adotado no estrangeiro", é
o libelo de sua suposta incompatibilidade com a harmonização
tributária.
Alega-se que a globalização estaria engendrando uma tendência
de harmonização crescentes dos sistemas tributários, sobretudo
no que se refere à tributação dos fatores dotados de maior
mobilidade, como o capital imaterial e o trabalho altamente
qualificado.66[66]
Este mesmo autor se encarrega de enfrentar estes argumentos:
Sobressai, no bojo desse estranho raciocínio, um impasse lógico,
uma petição de princípio, de que seus enunciadores não se estão
dando conta, e que convém esclarecer.
É como se, apanhados no contrapé da globalização, os sistemas
tributários nacionais devessem petrificar-se e renunciar a
qualquer inovação. Como se a harmonização tributária tivesse
conquistado o status de critério prioritário para a adoção de
qualquer medida tributária.
A tributação das movimentações financeiras, saudada por
muitos especialistas como tributo do futuro, estaria impedida de
ganhar este futuro, já que sua implantação não estaria
disponível, imediata e simultaneamente, para todos os países.
[...]
Salta à vista o exagero fantasioso dessa linha de raciocínio. Está
claro que os vetores da globalização e da harmonização
tributária subsistem, são reconhecidos, mas não impõem veto ou
anátema
sobre
particularidades
tributárias
reputadas
67[67]
convenientes por nações soberanas.
O autor da PEC 474-A, Marcos Cintra, assim se pronuncia sobre esta
questão:
65[65]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 85.
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 13.
67[67]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 14.
66[66]
[..] não procede a suposição de que o Imposto Único seria de tal
forma dissonante, em relação ao sistema de parceiros, a ponto de
comprometer aproximações comerciais e políticas de formação
de blocos regionais. Como já vimos, o Imposto Único aparentase aos conhecidos tributos sobre faturamento que se encontram
por toda a parte e sua estranheza é apenas aparente.
Por fim é preciso convir que a obsessão pela harmonização,
vista como homogeneização, é um pouco mitológica. Na
realidade os sistemas tributários dos diversos países são
profundamente heterogêneos por motivos tradicionais, culturais,
políticos, econômicos e geográficos, sem que isso impeça o
comércio extramuros de expandir-se celeremente.68[68]
3.3 Regressividade e injustiça fiscal
Com relação à característica de regressividade do imposto sobre
movimentações financeiras, assim se posiciona o orgão de classe dos Auditores Fiscais
da Receita Federal:
A adoção do imposto único também significa renúncia da
progressividade, reforçando a lógica de tributar igualmente os
desiguais e perpetuando o princípio da injustiça fiscal,
duramente combatido pelo Unafisco. A PEC em tramitação tem
uma explicação simplista para a questão: os menos favorecidos
seriam beneficiados já que movimentam menos dinheiro. Na
opinião de Liduína Ribeiro, trata-se de um entendimento
rasteiro. "E o que eles vão pagar de impostos embutidos no
preço dos produtos e serviços?", questiona. A cumulatividade e
regressividade do sistema cairiam como uma bomba sobre a
produção e circulação de mercadorias. A pequena
progressividade que existe hoje com o Imposto de Renda
desapareceria de vez. "Seria altamente regressivo e mais injusto
do que já é", lamenta o petista Ricardo Berzoini. Para Fátima
Gondim, se o atual sistema tributário já é perverso, o IU vai
cristalizar e agravar a perversidade. "É inadmissível qualquer
alteração no sistema tributário que não seja para dar um choque
de progressividade".69[69]
Apreciando esta delicada questão, assim se manifesta Marcos Cintra:
Embora a estrutura do Imposto Único não seja adequada à
exigência de eqüidade vertical, trata-se de um imposto
suficientemente flexível para poder ser dotado de uma razoável
progressividade, se assim for desejado, mediante isenção de
operações de valor menor que determinado piso em determinado
período, ou até mesmo mediante tabela de alíquotas
68[68]
69[69]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 100.
ROCHA, Daniella. Op. cit., pp. 20-21.
diferenciadas por faixa de valores. Embora essa possibilidade
não conte com nossa simpatia, é facilmente exeqüível.
Todas as pesquisas conhecidas sobre distribuição da carga
tributária brasileira por segmentos de poder aquisitivo revelam o
perfil extremamente regressivo de nosso sistema tributário. De
nada adianta ter imposto de renda supostamente progressivo se
ele só atinge rendimentos do trabalho assalariado das classes
médias do segmento formal e não consegue alcançar outras
manifestações de renda.
O Imposto Único, ao atingir inexoravelmente, pelo filtro das
movimentações financeiras, toda as manifestações de renda,
acaba sendo efetivamente mais eqüitativo e mais progressivo do
que nosso tortuoso imposto de renda. Quanto ao imposto que se
incorpora aos preços, simulações relatadas atestam que, sob
condições de competição imperfeita, isto é, sob condições reais,
o Imposto Único não é mais regressivo e induz menos distorções
alocativas do que os sistemas usuais de tributação do consumo.
Insistimos em desmentir o preconceito que imputa ao Imposto
Único vícios regressivos, os quais, na verdade, são moderados
sob o Imposto Único e são efetivamente mais graves sob o
sistema vigente.70[70]
Maria da Conceição Tavares, em artigo publicado na Folha de São Paulo,
demonstrou que o imposto sobre transações financeiras é, na verdade, um tributo
proporcional ou ligeiramente progressivo. Por meio de simulações matemáticas, a
autora determinou a incidência final deste imposto por faixa de renda, concluindo que o
peso da tributação do IMF recai predominantemente sobre os segmentos de renda
mensal superior a 20 salários mínimos, que apresenta renda mensal média de 38,7
salários mínimos. O referido segmento é responsável por 63,5% da arrecadação, embora
represente apenas 3,4% da população e responda por 29,2% da renda total do país. Com
base nos resultados de suas simulações, a autora afirmou:
[...] o argumento de que o imposto penalizaria basicamente a
classe média não se justifica. Este é um imposto que penaliza
sobretudo as pessoas que fazem da circulação financeira de suas
aplicações uma fonte extra e muitas vezes considerável de
renda. [...] Não só os setores de maiores rendimentos pagam
relativamente mais impostos, como também pagam em uma
proporção bastante superior às diferenças entre seu rendimento
médio e os dos demais grupos.
[...] sendo um dos vetores dinâmicos do
reestruturação e globalização da economia,
financeiras constituem uma das poucas bases
arrecadação futura na qual é possível ancorar
70[70]
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. p. 97.
processo de
as transações
potenciais de
o aumento da
receita pública sem castigar (ou punir) os setores produtivos e os
segmentos sociais mais carentes.71[71]
Ressalte-se que as simulações de Maria da Conceição Tavares referiam-se
apenas ao efeito do IPMF (depois CPMF) sobre os rendimentos das pessoas físicas.
Vale dizer que, as conclusões obtidas a partir destas simulações foram confirmadas pela
análise de dados reais de arrecadação da CPMF, conforme recentes estudos publicados
pela Receita Federal.72[72]
Paulo Euclides Rangel apresenta as seguintes considerações sobre este tema:
O decantado efeito redistributivo do sistema tributário tem-se
revelado decepcionante na maioria dos países. Pareceria mais
sensato admitir que, havendo vontade política redistributiva,
seriam as alocações orçamentárias, não o sistema tributário, o
instrumento mais eficaz.
O tributo enfrenta, como crítica mais repetitiva, a de que seria
regressivo. Mas não é isso que cabe discutir, e, sim, se essa
regressividade não seria talvez bem menor e muito menos
nefasta do que a regressividade dos tributos que se propõe
substituir.
[...] em estudos recentemente divulgados pela Receita Federal
[...] verificou-se empiricamente que, ao contrário do que se
imaginava, as contribuições cumulativas incidentes sobre o
faturamento, o PIS/PASEP, exibem presença, no consumo,
quase uniforme e proporcionalmente distribuída em toda as
faixas de poder aquisitivo, enquanto o IPI, imposto sobre o valor
adicionado, seletivo, rico em isenções e alíquotas diferenciadas,
apresenta, no entanto, uma progressividade quase imperceptível,
assim como o ICMS.
[...] O imposto de renda brasileiro, por sua vez, é falsamente
progressivo, porque sua base é muito restrita e muito irregular,
e, também, porque a progressividade da tabela de incidência é
bastante mitigada e não se estende ao produto do capital.
Predomina a informalidade e a evasão. Rentistas, empresários e
profissionais autônomos são nitidamente favorecidos em relação
aos trabalhadores assalariados. O imposto tecnicamente mais
justo acaba sendo, no Brasil, extremamente iníquo. Constitui,
como já comentado, incômoda assombração apenas para um
71[71]
TAVARES, Maria da Conceição. Imposto sobre circulação financeira. Folha de São Paulo, 24 set.
1995. In: ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. pp. 94-95.
72[72]
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF- Mitos e Verdades sob as
Óticas
Econômica
e
Administrativa.
Disponível
em:
<www.receita.fazenda.gov.br/EstTributarios/TopicosEspeciais/CPMFMitos.htm>.
Acesso em 12 nov. 2002.
segmento restrito da classe média assalariada.
A escolha de uma base abrangente, regular, uniforme, difícil de
ocultar, por si só já reduz a regressividade do sistema.
A substituição do imposto de renda pelo tributo proposto
implicaria, de imediato, a expansão do universo contributivo, de
cerca de 6 milhões de contribuintes pagantes do IRPF, para os
cerca de 38 milhões de contribuintes da CPMF.73[73]
3.4. Cumulatividade e oneração da produção
A característica de cumulatividade do imposto sobre movimentações
financeiras tem sido alvo de muitas críticas, por parte daqueles que se opõe à adoção do
imposto único federal no Brasil. Estas críticas assumem duas vertentes: a) possibilidade
de se produzir grandes incidências tributárias nos produtos e serviços de cadeia de
produção/comercialização muito longa, em razão da adoção deste imposto cumulativo;
b) introdução de grandes distorções nos preços relativos da economia, capazes de
comprometer o processo de desenvolvimento econômico. Estas duas questões, apesar de
interrelacionadas, serão tratadas separadamente.
A primeira crítica consiste na afirmação de que a cumulatividade do
imposto sobre movimentações financeiras poderia gerar grandes impactos nos preços
finais ao consumidor, no caso de cadeias de produção e comercialização muito longas
(com múltiplos estágios).
Sobre o assunto, assim se manifesta Marcos Cintra:
Um equívoco comum na avaliação de IMFs advém da presunção
de que tributos cumulativos reúnem elevadas cargas tributárias
geradas por "longas" cadeias de produção.
As cadeias de produção jamais podem ser descritas como
"curtas" ou "longas": são sempre infinitas. Na realidade,
qualquer produto ou serviço implica a contribuição de todos os
demais setores da economia para sua produção. Trata-se de um
processo circular e que necessariamente utiliza insumos de
outros setores, e assim sucessivamente. Portanto, a cadeia de
produção é sempre infinita.
O que determina a carga de impostos de um tributo cumulativo é
a relação entre insumos e valor agregado em cada estágio no
processo de produção. Por exemplo, se um dado setor de
produção compra insumos de um determinado valor e agrega
valor em montante equivalente, a cumulatividade carregada das
etapas anteriores acha-se totalmente embutida no valor dos
insumos adquiridos. O valor agregado nesta etapa de produção
73[73]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., pp. 22-23.
não sofre qualquer efeito cumulativo nesta mesma etapa,
passando a fazê-lo apenas na medida em que a produção se
transforma em insumo na etapa posterior de produção.74[74]
Marcos Cintra, nesse mesmo estudo, realiza uma simulação matemática,
supondo uma taxa de agregação de 100% do valor dos insumos adquiridos, em cada
etapa de produção. Os dados obtidos demonstraram que os efeitos da cumulatividade
tributária se exaurem rapidamente, pois o imposto carregado das etapas anteriores de
produção segue uma progressão aritmética decrescente, cuja razão é dada pela taxa de
agregação de valor em cada etapa produtiva.
Em termos práticos, o autor apresenta o seguinte exemplo: supondo-se que o
valor final de um determinado produto seja de R$ 100,00 e considerando-se a incidência
do IMF de 1% no débito e no crédito bancário, verifica-se que o valor total do imposto
acumulado no preço este produto é de apenas R$ 3,86 (ou 3,86% do preço final). Em
outras palavras, a carga tributária total é inferior a duas vezes o valor da incidência
nominal do imposto, em uma única etapa de produção (2% sobre o preço final,
divididos em 1% no débito e 1% no crédito bancário). Na quinta etapa anterior à venda
final do produto, o efeito da cumulatividade no preço final do produto é de apenas R$
0,05, ou seja 0,05% sobre o preço final. Este estudo demonstra que os efeitos da
acumulação de tributos são bem menores do que fazem crer os oponentes do imposto
único sobre movimentações financeiras.
A segunda crítica refere-se às grandes distorções nos preços relativos da
economia, causados pelos impostos cumulativos, quando comparados aos impostos
sobre o valor agregado. Muitos teóricos defendem os impostos sobre valor agregado,
afirmando que estes possuem a vantagem de introduzir menos alterações nos preços
relativos dos insumos do que os tributos cumulativos.
No tocante aos efeitos alocativos do sistema tributário, Marcos Cintra
afirma que:
[...] para minimizar distorções, o ideal seria o uso de tributos que
não causassem qualquer modificação nas decisões econômicas
tomadas em situação de ausência de impostos. Em outras
palavras, um sistema tributário ideal minimizaria o dead-weigh
tax loss ("peso morto" dos impostos).Contudo, sabe-se que
apenas um imposto sobre a vida, ou seja, um tributo de valor
74[74]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 43.
fixo per capita atingiria tal desiderato. Sendo, porém, uma
alternativa inaceitável nas sociedades modernas, resta a tentativa
de minimizar perdas de eficiência. E, nesse sentido, uma regra
básica seria o uso de tributos capazes de mostrar altas alíquotas
médias, porém baixas alíquotas marginais. Como as decisões
econômicas são tomadas sempre na margem, o uso de tributos
com essas características seria mais desejável que tributos que
demonstrassem taxas médias e marginais constantes (como os
IVAs), ou então alíquotas marginais superiores às médias (como
o Imposto de Renda progressivo).
[...] Os tributos cumulativos incidem sobre o valor total da
produção, ao passo que os IVAs incidem apenas sobre os
salários, lucros, juros e aluguéis de cada estágio do processo
produtivo. Conseqüentemente, para uma dada meta de
arrecadação, os IVAs precisam de alíquotas mais elevadas que
os impostos cumulativos.
[...] Vê-se assim que, ao necessitar de alíquotas marginais mais
baixas para uma dada meta de arrecadação, o tributo sobre
movimentação financeira pode ser menos distorcivo do que os
tributos sobre valor agregado, que exigem alíquotas marginais
significativamente mais elevadas. Desfazendo as certezas que
cercam as afirmações sobre os males da cumulatividade e os
acertos dos tributos sobre valor agregado.75[75]
Outro argumento favorável ao imposto sobre movimentações financeiras
parte do professor Scheinkmann, para quem os fatores que deprimem a produtividade da
economia de um país são a sonegação e o crescimento da economia informal. Para ele,
se um determinado sistema tributário permite altas taxas de sonegação e de elisão, a
produtividade deixa de guardar correlação com a eficiência gerencial e com os
investimentos realizados em tecnologia. Afinal, uma empresa com baixos custos de
produção pode não ser "competitiva" em comparação a outra empresa com custos de
produção mais elevados, mas que opere na informalidade ou que sonegue grande parte
dos tributos devidos.
Em resumo, somente seria correto supor que os impostos sobre valor
agregado seriam melhores do que os impostos cumulativos, em termos de distorções
75[75]
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. pp. 40-41. Para maiores detalhes sobre este
tema, Marcos Cintra indica a obra de ECKSTEINS, O. Public Finance. New Jersey: Prentice Hall,
1964, p. 73.A título de curiosidade, registre-se que o "imposto sobre a vida" (imposto per capita), que
o autor considera inaplicável nas sociedades modernas, foi seriamente analisado pelo Inglaterra, na
década de 1980, durante a gestão da primeira-ministra Margareth Tatcher, conforme relato de ROSAL,
João M. L. e FERREIRA, Pedro C. Imposto inflacionário e opções de financiamento do setor público
em um modelo de ciclos reais de negócios para o Brasil. p.1. Disponível em
<http://www.fgv.br/epge/home/PisDownload/320.pdf>.
causados nos preços relativos da economia, caso se verificassem os seguintes
pressupostos: a) mercado concorrencial perfeito; b) ausência de sonegação; c) alíquotas
uniformes do IVA para todos os produtos e serviços existentes nesta economia.
No Brasil, não se verifica nenhum destes pressupostos. Em muito poucos
setores existe concorrência perfeita. A complexidade do sistema tributário e as elevadas
alíquotas dos impostos induzem ao surgimento de elevadas taxas de sonegação e de
informalidade.
Além disso, verifica-se no Brasil grande variação de alíquotas entre
diferentes produtos e serviços e até mesmo para um mesmo produto, em diferentes
Estados, tendo em vista a condição sui generis de possuirmos um IVA administrado por
entes federativos sub-nacionais (o ICMS).
Em razão destes fatos, Marcos Cintra conclui que "não é a cumulatividade
que compromete a competitividade nacional, ma sim um sistema tributário indutor da
sonegação. Como em geral acontece com o uso dos tributos declaratórios".76[76] Para ele,
tal fato demonstra a grande vantagem para a economia brasileira, decorrente da
instituição do imposto único sobre movimentações financeiras.
3.5 Incentivo à verticalização
Os teóricos contrários à PEC 474-A afirmam que a adoção do imposto único
sobre movimentações financeiras poderia causar graves distorções na estrutura
produtiva do país, em razão do forte incentivo à verticalização das cadeias produtivas,
gerando ineficiência na alocação de recursos e reduzindo a competitividade das
empresas brasileiras.
Em resposta a esta crítica, Marcos Cintra procura demonstrar que o sistema
tributário vigente é muito mais indutor de verticalização das cadeias produtivas do que o
sistema proposto pela PEC 474-A:
A presença do imposto único na composição dos preços finais
varia obviamente na razão direta do número de etapas
produtivas e inversamente ao valor adicionado em cada uma
dessas etapas. Demonstra-se, no entanto, que essa característica
opera menos intensamente no universo do imposto único do que
no mundo dos tributos atualmente existentes.
76[76]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 35.
O incentivo à verticalização [...] num sistema de imposto único
com alíquotas suaves é menor do que com a pesada carga
cumulativa hoje verificada. Basta verificar que apenas o PISCofins tem hoje uma alíquota de 3,65% "por dentro", que
significa uma alíquota efetiva de 3,79%.
[...] consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema,
dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por
motivos estritamente ligados a economias de escala e a outros
tipos de externalidades. Cumpre lembrar que a verticalização,
além do que se justificaria em ambiente neutro, implica custos,
contra os quais a economia tributária teria de ser
comparada.77[77]
3.6 Indução à importação
Alguns críticos da PEC 474-A afirmam que os produtos importados, que
passam por apenas uma ou duas etapas até chegar ao consumidor, incorporariam valor
de Imposto Único menor do que aquele que seria incorporado ao preço dos produtos
similares nacionais. Em resposta a este argumento, Marcos Cintra pondera que:
[...] em qualquer caso, a carga final do Imposto Único seria
bastante suave, de sorte a só influenciar na decisão em casos
extremamente competitivos, e, de outro lado, quando necessário,
o efeito pode ser contrabalançado por medidas de política
aduaneira, inclusive mediante a imposição de impostos (sic)
compensatórios da importação, previstos nos estatutos
internacionais que regem o comércio mundial.78[78]
Deve-se considerar, porém, que o fenômeno em análise também se verifica
segundo as regras do vigente sistema tributário nacional, uma vez que a carga tributária
relativa aos tributos cumulativos não onera os produtos importados, onerando apenas os
produtos nacionais. Vale dizer que a carga tributária atual incidente sobre a produção
nacional é muito superior à proposta pela PEC 474-A, tendo em vista a diversidade de
tributos cumulativos atualmente existentes, tais como Pis, Cofins, CPMF e até mesmo o
Imposto de Renda, no caso de empresas optantes pelo Simples ou pelo Lucro
77[77]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 98.
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. de. Op. cit.. 2003. p. 99.
Ressalte-se que a Organização Mundial do Comércio somente permite a aplicação de direitos
compensatórios (e não de impostos compensatórios), por parte do país importador, com o objetivo de
neutralizar subsídios diretos ou indiretos, concedidos pelo país exportador. Na situação descrita pelo
autor (falta de competitividade da indústria nacional, provocada pelo próprio sistema tributário do país
importador), somente seria possível a aplicação temporária de salvaguardas, pelo período máximo de
4 anos. Sobre o assunto, ver as seguintes páginas do site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio
Exterior:
<http://www.mdic.gov.br/comext/decom/
subsidios.html>
e
<http://www.mdic.gov.br/comext/decom/salvaguardas.html> .
78[78]
Presumido.79[79]
Não obstante este fato, verifica-se que a balança comercial brasileira, em
2002, deverá apresentar um superávit da ordem de 12 bilhões de dólares. Este fato
demonstra que os atuais níveis de proteção tarifária (imposto de importação) e o atual
quadro de desvalorização da moeda nacional revelam-se suficientes para neutralizar o
efeito de indução às importações, provocado pela adoção de tributos cumulativos.
Caso seja aprovada a PEC 474-A, a tendência é de redução do efeito indutor
das importações, uma vez que a alíquota prevista para o imposto sobre movimentações
financeiras será muito inferior à soma das alíquotas dos tributos cumulativos atualmente
existentes.
Mencione-se, por fim, a existência de um projeto de lei em tramitação na
Câmara dos Deputados propondo a criação de uma contribuição social de intervenção
no domínio econômico (CIDE), denominada Contribuição de Equalização Tributária
(CET), com o objetivo de impor aos produtos importados tributação equivalente á
produção nacional.
A aprovação deste projeto de lei poderá representar a solução definitiva do
problema de indução às importações, tanto sob o atual sistema tributário, quanto sob o
sistema proposto pela PEC 474-A.80[80] Convém ressaltar que a PEC 474-A mantém a
competência federal para cobrança de contribuições sociais de intervenção no domínio
econômico. Assim, a CET, se aprovada, poderá conviver com o imposto único federal
sobre movimentações financeiras
3.7 Exportação de tributos
Alguns teóricos consideram que o imposto sobre movimentações financeiras
79[79]
Embora as grandes empresas sejam obrigadas à apuração do lucro real, a grande
maioria dos seus fornecedores são optantes pelo lucro presumido ou pelo Simples.
Assim sendo, pode-se afirmar que todos os setores produtivos nacionais são onerados
pela incidência cumulativa do Imposto de Renda. Ressalte-se, por oportuno, que mais
de 90% das empresas brasileiras apuram o imposto de renda pelo lucro presumido ou
pelo Simples.
80[80]
Trata-se do PL n.º 190/2001, de autoria do Deputado Federal Marcos Cintra. Em princípio, a
instituição de um tributo desta natureza não contraria qualquer acordo no âmbito da OMC, desde que
seu efeito seja apenas o de equalizar a incidência tributária sobre os produtos nacional e importado. A
cláusula do "tratamento nacional" assegura apenas o tratamento igualitário entre o produto de origem
estrangeira e o produto de origem nacional, não podendo ser invocado com o objetivo de assegurar uma
vantagem tributária em favor do produto importado. Sobre o assunto, ver o site do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: <http://www.mdic.gov. br>.
é um tributo que desfavorece as exportações, pelo fato de ser cumulativo, o que dificulta
grandemente sua exclusão dos preços de venda para o mercado internacional.
Sobre o assunto, comenta Marcos Cintra, de forma bastante sintética:
É certo que a desoneração na exportação é mais fácil no regime
dos impostos sobre valor agregado, mas também é factível no
regime do Imposto Único, embora mais trabalhoso. Teria de ser
calculada mediante acompanhamento empírico das cadeias
produtivas ou com exploração de matrizes de insumo-produto e
operacionalizada mediante crédito de imposto, rebates,
devoluções ou subsídios equivalentes, não muito diferente do
que já se pratica hoje [...]
É falso que o Imposto Único encerre um inerente viés antiexportador. O que prejudica a exportação não é a existência do
imposto; é o descuido em desonerá-lo da exportação.81[81]
Convém destacar que atualmente somente se efetua a desoneração do Pis e
da Cofins na exportação, por meio da concessão de créditos presumidos de IPI. Esta
modalidade de desoneração de tributos não poderá mais ser utilizada, tendo em vista a
extinção do imposto sobre produtos industrializados.
A PEC 474-A atribui à lei complementar a tarefa regular a forma como,
respeitadas as normas de tratados internacionais de livre comércio de que o Brasil seja
parte, se realizará a desoneração tributária das exportações de bens e serviços.
Aparentemente, a solução mais indicada consiste em a União efetuar um depósito
bancário, em favor do exportador, no exato montante do imposto sobre movimentações
financeiras embutido no preço final do produto exportado. O referido montante deverá
ser apurado por meio da análise das matrizes de insumo-produto, para os principais
gêneros de produtos integrantes da nossa pauta de exportação.
3.8 Estímulo à desintermediação bancária
Críticos da PEC 474-A afirmam que a implantação do imposto sobre
movimentações financeiras poderia estimular a monetização da economia. Em outras
palavras, o imposto único federal poderia representar um fator de estímulo à
desintermediação bancária (uso da moeda manual e fuga dos cheques), com sérias
conseqüências para a economia do país.
Visando sustentar sua argumentação, grande parte destes críticos utiliza
81[81]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. pp. 99-100.
conclusões extraídas de dois estudos do Banco Central, publicados em 2001, acerca dos
efeitos da CPMF sobre a intermediação financeira.82[82]
Os referidos estudos procuraram demonstrar que a CPMF, com alíquota de
0,38% sobre os débitos, é causadora de desintermediação financeira no Brasil. De
acordo com os técnicos do Banco Central, a CPMF corrói sua própria base de
arrecadação, tendo sido responsável pelos seguintes fenômenos: a) redução no número
de cheques utilizado na economia (monetização da economia); b) deslocamento das
aplicações financeiras dos depósitos a prazo para fundos de investimentos; c) elevação
do spread bancário.
Analisando este tema, de uma forma abrangente, Marcos Cintra afirma que:
O IUF não estimula a monetização da economia, pois o custo de
transação com moeda manual é superior à economia de impostos
obtida. É mais seguro, e muito mais barato, continuar a utilizar
os bancos do que carregar e fazer pagamentos com papelmoeda.83[83]
Especificamente em relação ao estudo publicado pelo Banco Central,
pondera Cintra:
[...] o estudo do Banco Central mostra surpreendente fragilidade
conceitual e estatística.
[...] Atribuir a queda no número de cheques emitidos à
incidência da CPMF é no mínimo risível. Esta é uma tendência
permanente e pode ser constatada mesmo em períodos nos quais
as alíquotas da CPMF permaneceram estáveis.
[...] Ademais, a argumentação do Bacen é equivocada. A CPMF,
ao onerar a transação bancária, poderia estimular o uso da
moeda manual e a remonetização da economia. Além dessas
hipóteses não terem sido comprovadas [...], o fenômeno não é
corretamente medido pelo cálculo do número de cheques
emitidos, e sim pelo valor dos cheques emitidos.
[...] Como se vê, as tentativas do Bacen de criticar a CPMF
estão equivocadas do ponto de vista conceitual, o que repercute,
evidentemente, em seus resultados econométricos.
De fato, os modelos apresentados no trabalho do Bacen são
82[82]
ALBUQUERQUE, P. H. Os impactos econômicos da CPMF: teoria e evidência. Trabalhos para
discussão n.º 23. Banco Central do Brasil, 2001.
KOYAMA, S. M. e NAKANE, M. I. Os efeitos da CPMF sobre a intermediação financeira. Trabalhos
para discussão n.º 23. Banco Central do Brasil, 2001.
83[83]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. p. 100.
estatisticamente precários. Além de especificação equivocada de
modelos (usando número e não valor dos cheques como variável
dependente nas regressões), os resultados mostram-se
estatisticamente pouco significantes. A maior parte dos
coeficientes estimados não é significativamente diferente de
zero. Os mesmos problemas acham-se presentes no restante do
trabalho em apreço: coeficientes sem validade estatística e
modelos conceituais equivocados.84[84]
Convém ressaltar que esta análise do Professor Marcos Cintra encontra
respaldo em um estudo publicado pela Receita Federal, que refutou cabalmente a crítica
de desintermediação financeira supostamente provocada pela CPMF, ao demonstrar a
fragilidade das conclusões apresentadas pelo Banco Central:
[...] a crítica da desintermediação financeira pode ser facilmente
refutada, pois os agentes não deixaram de realizar transações
financeiras em decorrência da CPMF e o sistema bancário
brasileiro continua operando normalmente.
[...] o modelo desconsidera as verdadeiras variáveis causadoras
da diminuição do uso dos cheques. [...] o próprio Sistema de
Pagamentos Brasileiro estimulará ainda mais as transações
digitais em tempo real, o que significa que a política do Bacen
também busca desincentivar esse instrumento não adaptado à
economia digital - o cheque. 85[85]
3.9 Esvaziamento da política fiscal
Estudiosos contrários ao imposto único federal consideram que a adoção
deste modelo significaria o completo esvaziamento da capacidade de o Governo Federal
exercer política fiscal. Por política fiscal deve-se entender o "ajustamento de alíquotas
de impostos ou das despesas governamentais, com o objetivo de afetar a demanda
agregada".86[86]
Na realidade, esta crítica perde muito de seu significado na medida em que
se constata o pequeno emprego da política fiscal pelo Governo Federal, nos últimos
anos. O alto grau de endividamento interno traz consigo a necessidade de obtenção de
superávits primários crescentes, fazendo com que toda e qualquer ação sobre a demanda
agregada não se faça por meio da política fiscal, mas sim por meio da política
monetária, que envolve o controle dos meios de pagamento, a variação das taxas de
84[84]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit. 2003. pp. 53-54.
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. CPMF - Mitos e verdades sob as óticas econômica e
administrativa. 2001. Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br>. Acesso em 26/12/2002.
86[86]
WONNACOTT, Paul e WONNACOTT, Ronald. Economia. São Paulo: McGraw-Hill, 1982, p. 691.
85[85]
reservas compulsórias das instituições financeiras e, principalmente, a variação da taxa
básica de juros da economia.
Deve ficar claro que a proposta de criação do imposto único federal é
totalmente neutra em relação à capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal
pelo lado da despesa pública. Ao contrário de outros diplomas legais recentemente
aprovados, tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a PEC 474-A não traz qualquer
repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e Executivo na definição do
montante e na distribuição setorial das despesas públicas.
A aprovação da PEC 474-A, de fato, significaria uma sensível redução da
capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública,
tendo em vista a proposta extinção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) e do
imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários (IOF).
Deve ficar claro, porém, que nenhum destes tributos foi concebido como
autêntico instrumento de política fiscal. O IOF, na verdade, funciona primordialmente
como instrumento de política monetária, na medida em que seu efeito mais evidente é o
de elevar a taxa de juros para o consumidor final. O IPI, por sua vez, combina metas
arrecadatórias com objetivos sociais nas áreas de saúde pública e segurança, conforme
demonstra a elevada incidência deste tributo sobre fumo e bebidas.
A redução da possibilidade do Governo Federal de utilizar o sistema
tributário nacional para perseguir objetivos extrafiscais deve ser considerada um mérito,
e não um defeito da PEC 474-A. Trata-se, na verdade, do resgate da função
arrecadatória dos impostos, que vem se perdendo no Brasil, ao longo dos últimos anos.
Sobre o assunto, convém analisar a opinião de Marcos Cintra:
Visões românticas enxergam na cobrança de tributos a
expressão do espírito cívico do cidadão cônscio de seus direitos
e deveres. Humanitários passaram a acreditar que a única
maneira de redistribuir riqueza e renda é através da cobrança
punitiva de impostos dos mais eficientes e mais poderosos.
Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na
isenção deles, o caminho para estimular o desenvolvimento
econômico. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema tributário
como forma de proteção do meio ambiente e de punição para
infratores de suas regras conservacionistas. Planejadores
urbanos e regionais utilizam-nos como mecanismos de indução
para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores
querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Em
suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus
problemas. Como afirmou Everardo Maciel, "isso serve apenas
para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode
tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou
motivos insondáveis".
Infelizmente, dada essa multiplicidade de objetivos e a
indeterminação inevitável advinda da existência de maior
número de objetivos do que de instrumentos, o sistema tributário
acabou perdendo eficácia em sua função essencial: a de
arrecadar recursos para financiar as atividades públicas.
[...]
Infelizmente a visão extrafiscal vem se impondo com tal
intensidade sobre os objetivos fiscais que o sistema tributário
tornou-se ininteligível e pouco funcional em sua função
principal. A multiplicidade de objetivos a serem atingidos pelo
sistema tributário nacional tornou-o altamente complexo,
burocratizado, caro, ineficiente, [...] e fortemente indutor das
mais variadas formas de evasão.87[87]
3.10 Inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico
Estudiosos contrários ao imposto sobre movimentações financeiras
argumentam que a adoção deste sistema significaria o completo esvaziamento do
instrumento fiscal de intervenção econômica.
Sobre o assunto, esclarece Marcos Cintra, de maneira bastante sintética:
É certo que o sistema proposto implica o abandono do
instrumento fiscal de intervenção econômica, de sorte que as
políticas de preço, de rendas, políticas conjunturais e anticíclicas
dependerão em maior grau da utilização de instrumentos nãofiscais, monetários, creditícios, de regulação das relações de
consumo e do poder econômico e ainda das políticas de
subsídios diretos, que são mais transparentes, mais sujeitas ao
controle social, do que os obscuros benefícios tributários.88[88]
De uma forma mais elaborada e consistente, Paulo Euclides Rangel
demonstra que a proposta de criação do "imposto único federal", conforme consta da
PEC 474-A, não inviabiliza a tributação interventiva por parte do Governo Federal:
O estudo dos sistemas tributários comparados aponta, entre
outras soluções bastante comuns, a tendência de sobretaxar itens
de consumo classificáveis como luxo, vício, consumo
87[87]
88[88]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 89.
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 101.
legalmente restrito como pornografia e armamentos, artefatos
poluidores, combustíveis não-renováveis, jóias e objetos de arte,
bens duráveis.
[...] Uma vez adotado o imposto único federal, a correlativa
extinção, proposta, do IPI [...] acarretaria substancial
barateamento dos preços dos bens referidos, o que poderia,
circunstancialmente, considerar-se indesejável.
São situações exemplificativas em que o formulador de políticas
públicas poderia lastimar a inaptidão do tributo sobre
movimentações financeiras a servir como instrumento
interventivo.
Cumpre, aqui, voltar a sublinhar as ricas potencialidades do
instrumental jurídico tributário, com sede no art. 149 da
Constituição Federal, que os proponentes cuidaram de preservar.
A CIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico, ali
parametrizada com grande flexibilidade, podendo inclusive
prover-se de fatos geradores idênticos aos de outros tributos,
existentes ou extintos, é a solução perfeita para suprir estas
lacunas. É um tributo pouco explorado e recentemente
redescoberto.
Já temos agora, em pleno funcionamento, o precedente da CIDE
dos combustíveis. Conviria instituir uma análoga CIDE dos
cigarros. É óbvio que a desoneração tributária dos cigarros seria
desastrosa para as políticas públicas na área da Saúde, além de
promover significativa amputação das receitas públicas.
As estatísticas atuais mostram uma correlação deficitária entre o
aporte tributário dos cigarros e a despesa pública imputável ao
tratamento de doenças causadas pelo consumo de cigarros. A
CIDE poderia ser facilmente calibrada para cobrir este déficit.
Ela tem a vantagem de ser tributo finalístico, vinculado a
afetações determinadas, o que lhe confere eficácia interventiva
muito mais precisa do que a dos impostos sobre a produção e o
consumo.
A CIDE seria o instrumento adequado para substituir, com
superioridade, a falta que se poderia lastimar do IPI seletivo,
cuja abolição está sendo proposta. A principal vantagem é que a
CIDE não tem vocação arrecadatória e pode modular-se,
com sintonia fina, para tingir finalidades interventivas bem
delimitadas. 89[89]
3.11 Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais
Uma crítica freqüente á adoção do imposto único federal refere-se à suposta
rigidez deste imposto, o qual poderia inviabilizar a tomada de medidas emergenciais.
89[89]
RANGEL, Paulo E. Op. cit.., p. 20.
Em resposta a esta crítica, assim se pronuncia Marcos Cintra90[90]:
[...] não pretendemos abolir o instrumento tributário na política
aduaneira e na regulação dos mercados financeiros. Em alguns
países, os impostos sobre o comércio exterior chamam-se
direitos aduaneiros, e a administração aduaneira é separada da
administração dos impostos internos. Não será abolida a taxação
do comércio exterior.
Quanto ao constrangimento à ação governamental representada
pelo condicionamento de majoração de alíquotas de tributos à
atuação do Congresso, trata-se de proteção necessária ao
cidadão-contribuinte, elemento básico da civilização
democrática. Isso não exclui nem prejudica atuações urgentes ou
emergenciais. Ou, se prejudica, será por razões de natureza
política, alheias à modelagem tributária, que é o estrito objeto da
reforma proposta.91[91]
Convém destacar que, no vigente sistema tributário nacional, os únicos
impostos que não estão sujeitos ao princípio da anterioridade são o imposto de
importação (II), o imposto de exportação (IE), o imposto sobre produtos
industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), além dos impostos extraordinários de
guerra (art. 154, II da Constituição Federal).
Segundo a PEC 474-A, que institui o imposto único federal, serão extintos o
imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Contudo,
continuarão existindo e permanecerão excluídos do princípio da anterioridade os
impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de exportação)
bem como os impostos extraordinários de guerra (previstos no art. 154, II da
Constituição Federal).
Registre-se, por oportuno, que o IPI e o IOF não são impostos basicamente
arrecadatórios. Conforme mencionado anteriormente, o IOF tem sido utilizado
principalmente como instrumento de política monetária, na medida em que seu efeito
mais evidente é o de elevar a taxa de juros para o consumidor final. O IPI, por sua vez,
combina metas arrecadatórias com objetivos sociais nas áreas de saúde pública e
segurança, conforme demonstra a elevada incidência deste tributo sobre fumo e bebidas.
90[90]
91[91]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. pp. 101-102.
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 102.
Como se vê, a crítica relativa à suposta "rigidez" do imposto único federal,
em última análise se resume numa crítica à indiscutível redução da capacidade do
Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública, na hipótese de
aprovação da PEC 474-A. Com relação a este tema, já demonstramos que a redução da
possibilidade de o Governo Federal utilizar o sistema tributário nacional para perseguir
objetivos extrafiscais representa, na verdade, um necessário resgate da função
arrecadatória dos impostos, razão pela qual deve ser encarada como um mérito, e não
como um defeito da PEC 474-A.
Por fim, convém repetir que a proposta de criação do imposto único federal
é totalmente neutra em relação à capacidade do Governo Federal de exercer política
fiscal pelo lado da despesa pública. Em outras palavras, a adoção do imposto único
federal não teria qualquer repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e
Executivo na definição do montante e na distribuição setorial das despesas públicas.
3.12 Benefício tributário para os proprietários
Outro ponto freqüentemente mencionado pelos críticos da PEC 474-A
refere-se à fato de que o imposto único sobre movimentações financeiras representaria
uma tributação exclusiva sobre as bases renda e consumo, deixando por completo de
tributar a base propriedade. Na visão destes críticos, os proprietários sofreriam menor
incidência deste imposto do que aqueles que não possuem poupança ou cuja poupança
estivessem concentradas no mercado financeiro. De acordo com esta visão, para elidir
este imposto, bastaria que os proprietários evitassem movimentações financeiras,
praticando permutas.
Marcos Cintra enfrenta esta crítica com três argumentos bastante
contundentes:
Retrucamos que, primeiro, o universo das permutas ou do
escambo é limitado e difícil de operar. [...] Segundo, que a
tributação da propriedade é declinante no mundo inteiro.
Terceiro, não desconhecemos que ela é muito menor no Brasil
do que as médias internacionais, isto porque é uma modalidade
tributária custosa, pouco produtiva e difícil de administrar. 92[92]
Na realidade, esta crítica se torna inteiramente sem sentido, se observamos
92[92]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 102.
que dentre todos os tributos que seriam substituídos pelo imposto único federal, o único
incidente sobre a base-propriedade é o imposto sobre a propriedade territorial rural
(ITR). Trata-se de um imposto sem a mínima vocação arrecadatória, responsável por
apenas 0,5% dos valores administrados pela Secretaria da Receita Federal.
Ressalte-se que a arrecadação do ITR, que já era extremamente baixa,
apresenta clara tendência declinante nos últimos anos. Para comprovar este fato, basta
verificar que entre os anos de 1999 e 2001 a arrecadação desde imposto passou de 243
milhões de reais para apenas 191 milhões de reais, o que representa uma redução
nominal superior a 21% no período. Apenas a título de comparação, registre-se que,
neste mesmo período, a arrecadação federal total passou de 185 bilhões de reais para
241 bilhões de reais, o que representa um crescimento nominal superior a 30% no
período.
Estes números comprovam que a tributação da propriedade rural somente se
justifica para fins de satisfazer a opinião pública interna e preservar a imagem
internacional do Brasil, país que ostenta impressionantes índices de concentração de
renda e grande número de trabalhadores sem terra.
Cientes desta realidade, os defensores do imposto único federal não são
taxativos em relação à extinção do ITR, não obstante sua baixíssima produtividade em
termos de arrecadação. Sobre o tema, assim se pronuncia Paulo Rangel:
A extinção do ITR, imposto territorial rural, também não seria
indispensável para o modelo, uma vez que o ITR teria vocação
predominantemente regulatória, com arrecadação irrisória.
Também aí a proposta satisfaz um intuito simplificador,
considerando que a inépcia histórica dessa complicada
modalidade tributária, no Brasil, justificaria descartá-la de vez,
assim cultivando, inclusive, coerência com a feição nãodeclaratória do modelo pretendido.
[...] Mas fica estranho, no contexto dos sistemas tributários
comparados, que o Brasil de devote a tributar a propriedade
urbana e se omita em tributar a propriedade territorial rural,
inclusive para reprimir a especulação com terras estocadas como
reserva de valor.
A eliminação final de qualquer modalidade de tributação da
terra, no Brasil, poderia revelar-se nefasta para a imagem
internacional de um país apontado como campeão de
desigualdades de renda e riqueza, de baixa exploração do
potencial agrícola e com um quadro agudo de conflagração no
campo.93[93]
4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PEC 474-A
4.1 Compatibilidade com a nova realidade da era da informação
Os últimos anos do século XX serviram de cenário para o surgimento e
consolidação do que se convencionou chamar de era da informação, a qual contrasta
fortemente com a era industrial, que a antecedeu.
A era da informação se caracteriza por diversos fatores convergentes: a) o
extraordinário desenvolvimento das tecnologias de informação e processamento de
93[93]
RANGEL, Paulo E. Imposto único federal (PEC n.º 474-A, de 2001). Brasília: Consultoria
Legislativa da Câmara dos Deputados, 2002, pp. 21-22.
dados; b) a expansão da participação dos serviços no produto nacional; c) a
globalização; d) o enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais.
Esta nova realidade decorrente da era da informação provocou mudanças
profundas na vida das pessoas, das empresas e dos órgãos de Estado. No que tange à
administração pública, a atividade de tributação foi um dos setores mais fortemente
atingidos durante a transição da era industrial para a era da informação.
O explosivo desenvolvimento das tecnologias da informação e de
processamento de dados produz repercussões profundas sobre os processos de apuração
e fiscalização de impostos. Discorrendo sobre o impacto da revolução tecnológica sobre
o fenômeno tributário, assim se manifesta Marcos Cintra:
A era da informação alterou em profundidade a função de
produção agregada das economias modernas. [...] A oferta e o
controle das informações tornaram-se insumos fundamentais no
processo decisório das empresas modernas, explicitando de
forma dramática a precariedade dos mecanismos declaratórios e
semi-artesanais
utilizados
nos
sistemas
tributários
convencionais, que haviam surgido no ambiente tecnológico e
organizacional imediatamente posterior à revolução industrial.
[...] a revolução da informática passou a oferecer um
instrumento imprescindível de coleta e análise da enorme massa
de dados e informações necessária para o processo de controle,
acompanhamento e arrecadação de impostos.
[...] a era da informática [...] torna-se fator determinante na
concepção de novos modelos de exação de tributos,
principalmente na configuração de novas bases impositivas,
como a movimentação financeira, os fluxos eletrônicos, os
impulsos telefônicos, as ondas elétricas e outras bases
intangíveis que antes dificilmente eram alcançadas pelos tributos
convencionais.94[94]
Marcos Cintra também analisa o impacto sobre o sistema tributário
provocado pelo crescimento da participação do setor de serviços na economia nacional:
A expansão da participação dos serviços no produto nacional
reduziu significativamente a eficácia das regras de controle e
dos mecanismos de arrecadação de tributos vigentes
anteriormente.
A
produção
tornou-se
intangível
e
desmaterializada, o que vem tornando mais ineficaz a
continuidade dos mecanismos convencionais de apuração e
94[94]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XIII e XIV.
fiscalização de impostos. De fato, um serviço intangível
circulando via Internet [...] tornou-se, hoje, inalcançável para as
autoridades tributárias, que são mantidas completamente à
margem desse tipo de intercâmbio. [...] Mas, em algum
momento, a transferência a título de pagamento ou os resultados
decorrentes da utilização do produto ou serviço terão
forçosamente de situar-se em território tributário determinado,
que constitui a base de operação normal da empresa [...]. Nesse
momento, o imposto sobre transações financeiras faz todo o
sentido, uma vez que incide sobre a movimentação bancária
desse agente. 95[95]
Outro fenômeno modificador do vigente paradigma tributário é a
globalização, fato complexo, que implica profundas alterações na vida econômica,
social e política da humanidade. Sobre o tema, discorre José Eduardo Faria:
A globalização tem sido responsável pela relativização de
alguns importantes conceitos, princípios e categorias - como
soberania, legalidade, hierarquia das leis, direitos subjetivos,
igualdade formal, cidadania, equilíbrio de poderes, segurança e
certeza - fortemente atingidas por mudanças econômicas,
sociais, políticas e culturais em grande parte ocorridas à margem
das estruturas jurídicas, dos mecanismos judiciais, das
engrenagens institucionais, dos procedimentos democráticos e
da capacidade de regulação, controle, gestão, direção,
planejamento e adjudicação dos Estados nacionais.96[96]
Como se vê, a globalização está intimamente relacionada com o
enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais, especialmente na área
tributária. Refletindo sobre este tema, afirma Marcos Cintra:
O sistema tributário tradicional pressupõe que o contribuinte,
pessoa jurídica (e o mesmo princípio se aplica à pessoa física),
seja uma empresa nuclear produtora de bens tangíveis, com uma
ou poucas instalações físicas concentradas em um único Estado
nacional (ou território fiscal), e cercada por empresas
fornecedoras e compradoras com as mesmas características.
[...] A situação torna-se radicalmente diferente com a
organização e as estratégias operacionais das empresas
organizadas em redes descentralizadas, espalhadas por vários
Estados-nações, e produtoras de bens tangíveis e,
crescentemente, de serviços, que por sua natureza são
intangíveis e de grande mobilidade e portabilidade através de
meios eletrônicos.
95[95]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XIII e XIV.
96[96]
FARIA, J. E. O direito na economia globalizada.. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 7.
[...] Exemplo deste questionamento do paradigma tributário
convencional pode ser encontrado na crescente incapacidade dos
Estados nacionais lidarem com os problemas gerados pelos
"paraísos fiscais", pelos métodos cada vez mais sofisticados de
"lavagem de dinheiro", e pelos incontroláveis fluxos de recursos
internacionais (preços de transferência) entre empresas de um
mesmo conglomerado global. [...] Ao mesmo tempo, a prática
da sonegação e da fuga para a economia informal, fenômeno em
rápida expansão em todo o mundo, reduz ainda mais a
capacidade de exação tributária dos governos.
[...] A deterioração e a perda de eficácia operacional dos tributos
convencionais motivou a revista The Economist a publicar
matéria antevendo a "morte do imposto de renda" e a crescente
incapacidade dos governos nacionais de garantirem a
operacionalidade de seus sistemas tributários tradicionais,
fortemente abalada pela crescente sofisticação e diversificação
dos métodos de planejamento tributário por parte das empresas,
e dos mecanismos de "tax competition" utilizados pelos
governos nacionais.97[97]
4.2 Redução dos custos operacionais tributários
A área de estudo relacionada com os custos operacionais tributários é
relativamente recente em todo o mundo. Segundo Aldo Bertolucci98[98], o surgimento
deste ramo de estudo se deu no Brasil, na conferência da International Fiscal
Association, realizada no Rio de Janeiro, em 1988, em palestra proferida pelo professor
Cedric Sandford, da Universidade de Bath, na Inglaterra.
Discorrendo sobre este tema, pondera Marcos Cintra:
Segundo o professor Cedric Sandford, os custos administrativos
e operacionais dos impostos foram negligenciados por políticos,
administradores tributários e economistas, e isto ainda é verdade
em muitos países. Estes custos deveriam ser levados em
consideração nas políticas tributárias tanto quanto os conceitos
de eqüidade, neutralidade e economia na administração.
[...] o professor Cedric Sandford mencionou as razões pelas
quais os governos passaram a se interessar pelos custos
operacionais tributários:
1.
os custos de conformidade e administrativos são altos e
reduzem a competitividade nacional;
97[97]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. Apresentação, pp. XVI-XVIII.
BERTOLUCCI, Aldo V. Uma contribuição ao estudo da incidência dos custos de conformidade às
leis e disposições tributárias: um panorama mundial e pesquisa dos custos das companhias de capital
aberto no Brasil. Dissertação de mestrado, FEA/USP, 2001.
98[98]
2.
os custos de conformidade têm efeitos redistributivos
indesejáveis, são altamente regressivos e oneram severamente as
pequenas empresas;
3.
altos custos de conformidade geram ressentimentos e
estimulam a evasão;
4.
os altos custos gerados com a criação dos IVAs em vários
países geraram protestos e insatisfação por parte das pequenas
empresas;
5.
importância da desregulamentação para desonerar as
pequenas empresas;
6.
necessidade de passar a considerar o contribuinte como
cliente e a tratá-lo de forma mais amigável;
no início dos anos 80 alguns governos reduziram suas
7.
despesas administrativas, transferindo-as aos contribuintes e
aumentando os custos de conformidade deles, verificando que o
custo para o país tornou-se maior99[99].
Segundo Aldo Bertolucci, o custo total dos tributos engloba três espécies de
custos: a) custo dos tributos propriamente ditos (carga tributária); b) custos causados
pelas distorções e pela perda de eficácia alocativa e distributiva da economia,
introduzidos pelos tributos; c) custos operacionais tributários dos agentes públicos e
privados, em função do fenômeno tributário.
Com base nessa classificação, torna-se intuitiva a subdivisão dos custos
operacionais tributários, em duas subespécies: a) os custos de conformidade, referentes
ao consumo de recursos por parte do contribuintes, visando o cumprimento das
obrigações tributárias acessórias impostas pelo Fisco; b) os custos de administração,
referentes aos gastos dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário),
diretamente relacionados com o fenômeno tributário.
Em 2001, Aldo Bertolucci realizou estudo visando quantificar os custos de
conformidade (custos de aquiescência) incorridos pelas companhias abertas brasileiras,
em decorrência do atendimento das obrigações acessórias tributárias impostas pela
legislação. Segundo este autor:
[...] os custos de conformidade à tributação (compliance costs of
taxation) correspondem ao custo dos recursos necessários ao
cumprimento das determinações legais tributárias pelos
contribuintes. Declarações relativas a impostos, informações ao
Fisco federal, estadual e municipal, inclusões e exclusões
realizadas por determinações das normas tributárias,
99[99]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003, pp. 25-26.
atendimento a fiscalizações, alterações da legislação, autuações
e processos administrativos e judiciais representam uma
pequena parcela dos custos totais dos tributos, por tratar-se
apenas de custos monetários suportados pelas empresas no
atendimento de suas obrigações tributárias. A eles devem se
somar [...] os custos temporais e psicológicos impostos ao
contribuinte.100[100]
Marcos Cintra assim interpreta os resultados obtidos por meio deste estudo:
Os resultados da pesquisa são dramáticos. O valor total dos
custos de conformidade das companhias abertas atinge 0,32% da
receita bruta, em média, nas empresas pesquisadas. [...]
Tomando-se como base de cálculo os custos de conformidade
das empresas abertas de menor porte, eles chegam a 5,82% do
PIB, como pode ser visto na tabela a seguir.
[...] As empresas abertas são empresas de grande porte, e,
portanto, os resultados obtidos por Aldo Bertolucci com certeza
subestimam os custos de conformidade para as empresas
brasileiras em sua totalidade, dada a regressividade da
incidência dos custos tributários relativamente ao volume de
faturamento das empresas. [...] o segmento das empresas de
capital aberto está no topo da pirâmide e certamente representa
menos de 1% das empresas brasileiras.
Conclui-se, assim, que para a esmagadora maioria das empresas
brasileiras os custos de conformidade deverão ser superiores aos
5,82% equivalentes das empresas abertas de menor porte.101[101]
Conforme visto anteriormente, os custos operacionais tributários não se
referem apenas os custos de conformidade, mas também abrangem os custos da
administração pública, relativos aos três poderes da União. No Brasil, se desconhecem
estudos visando apurar o exato montante dos custos tributários administrativos. Por esta
razão, a única alternativa consiste em estimar o montante destes gastos, com base em
estudos realizados em outros países. Adotando este procedimento, Marcos Cintra
estimou em 2% do PIB o montante dos custos administrativos, elevando para mais de
7% do PIB o total dos custos operacionais tributários (públicos e privados):
Para se calcular o custo operacional total do sistema tributário
brasileiro devem ser somados aos custos de conformidade os
custos administrativos do setor público, que nos países unitários,
de estrutura administrativa mais simples, guardam relação que
varia de 1:2 até 1:4 com os custos privados. No Brasil, país
federativo, e portanto de estrutura administrativa pública mais
100[100]
BERTOLUCCI, Aldo V. Op. cit., p.18.
101[101]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 27.
complexa e com maior descentralização tributária, a relação
pode ser estimada, conservadoramente, em 1:3. É fácil concluir,
portanto, que os custos operacionais tributários no Brasil
atingem, para 99% das empresas brasileiras, patamares
equivalentes a no mínimo 7% do PIB, ainda que tais estimativas
devam ser interpretadas com cautela, dada a inexistência de
estudos empíricos sobre o tema.102[102]
O imposto único federal traz consigo um inegável potencial de redução dos
custos operacionais tributários. Este é, sem dúvida a grande virtude potencial da PEC
474-A: a possibilidade de reduzir os custos privados e públicos, no valor equivalente a
7% do PIB, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal.
.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. No Brasil, a primeira referência à instituição de um imposto único sobre
movimentações financeiras ocorreu em janeiro de 1990, com a publicação do artigo
intitulado "Por uma revolução tributária", do professor Marcos Cintra. Este artigo teve o
mérito de incorporar à discussão sobre reforma tributária novos e relevantes temas, tais
como a eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos de
conformidade, seus custos de administração e seu padrão de incidência.
2. A primeira proposta legislativa de Marcos Cintra, visando à adoção do
imposto único, foi a emenda n.º 47 à PEC 175/95. Esta emenda propunha a substituição
gradativa de todos os tributos federais pelo imposto sobre movimentações bancárias. Ao
longo de três anos, os valores pagos a título de imposto sobre movimentações
financeiras (IMF) poderiam ser compensados com débitos relativos aos demais
impostos e contribuições federais. Progressivamente, ocorreria a redução das alíquotas
dos demais tributos, até sua completa extinção. Esta proposta esteve muito próxima de
ser implantada em nosso país, somente tendo sido barrada por questões de ordem
política, conforme relato apresentado por Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita
102[102]
ALBUQUERQUE, Marcos C. C. de. Op. cit.. 2003. p. 29.
Federal, em palestra proferida na Federação das Indústrias de Brasília, em 07 de agosto
de 2001.
3. A segunda proposta legislativa de Marcos Cintra sobre a matéria foi a
PEC 183/99, que previa um imposto sobre movimentações financeiras acrescido de um
adicional, sob a forma de contribuição sobre movimentações financeiras, cuja
arrecadação seria destinada ao financiamento da seguridade social. Existiriam, ainda,
impostos
especiais
sobre
o
consumo
de
bebidas,
cigarros,
automóveis,
telecomunicações, energia e combustíveis, bem como um imposto de renda marginal,
incidente apenas sobre altos rendimentos auferidos por pessoas físicas. O imposto de
renda das pessoas jurídicas seria extinto. Esta proposta de reforma tributária não teve
grande receptividade no Congresso Nacional, tendo sido rapidamente esquecida.
4. Posteriormente, Marcos Cintra formulou uma terceira proposta, menos
ambiciosa, que previa apenas a adoção da contribuição social única sobre
movimentações financeiras, substituindo todas as contribuições sociais cobradas das
empresas, destinadas ao financiamento da seguridade social. Esta estratégia, visava
desonerar os encargos sociais das empresas, fomentando a geração de empregos e
incentivando a formalização dos contratos de trabalho, com reflexos diretos na
arrecadação da Previdência Social (tendo em vista a manutenção da contribuição
previdenciária devida pelos empregados). Esta fórmula, até o momento, não foi
submetida à apreciação do Congresso Nacional.
5. A quarta fórmula de implantação do imposto sobre movimentações
financeiras concebida por Marcos Cintra encontra-se materializada na proposta de
emenda constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), objeto de estudo do presente
trabalho. Trata-se da proposta mais ousada já formulada pelo deputado Marcos Cintra,
prevendo a substituição imediata de todos os impostos federais de caráter arrecadatório
e da maioria das contribuições sociais federais, pela incidência não única, mas
predominante, sobre a base das movimentações financeiras.
6. O fato de a maioria dos países desenvolvidos basearem seus sistemas
tributários na tributação da renda, do consumo e do patrimônio não implica reconhecer
que este seja o modelo ideal de sistema tributário e, muito menos, que esta seja a única
solução possível. A alegação simplista de que "se o imposto sobre movimentações
financeiras fosse bom, já teria sido adotado nos países desenvolvidos", além de traduzir
um inegável sentimento de submissão à ordem internacional, ignora o fato de que o
tributo sobre transações só é economicamente viável num país como o Brasil, dotado de
avançada tecnologia da informação aplicada à operação bancária e com larga tradição
em delegar a arrecadação das receitas públicas ao sistema bancário.
7. A adoção do imposto sobre movimentações financeiras não inviabiliza
políticas de aproximações comerciais e de formação de blocos regionais. O novo tributo
é muito semelhante aos tributos sobre faturamento, utilizados por diversos países. A
harmonização (homogeneização) tributária é apenas um mito. Na prática, os sistemas
tributários dos diversos países são e continuarão sendo profundamente heterogêneos,
por motivos tradicionais, culturais, políticos, econômicos e geográficos. Tal fato não
impede que o comércio internacional continue se expandindo.
8. Com relação à suposta regressividade do imposto sobre movimentações
financeiras, simulações matemáticas comprovam que em condições reais (competição
imperfeita), a regressividade do imposto único é muito menor do que a regressividade
dos tributos sobre a produção e o consumo, que se pretende eliminar. De nada adianta
ter imposto de renda supostamente progressivo se ele só atinge rendimentos do trabalho
assalariado das classes médias assalariadas do segmento formal e não consegue alcançar
outras manifestações de renda (rentistas, empresários e profissionais autônomos). O
decantado efeito redistributivo do sistema tributário tem-se revelado decepcionante na
maioria dos países. É muito mais sensato e transparente exercer política redistributiva
por meio de alocações orçamentárias do que por meio do sistema tributário.
9. A característica de cumulatividade do imposto sobre movimentações
financeiras, não provoca grandes incidências tributárias nos produtos e serviços de
cadeia de produção/comercialização muito longa. Simulações matemáticas demonstram
que o fator que determina a carga de impostos de um tributo cumulativo não é a
extensão da cadeia produtiva, mas sim o montante de agregação de valor em cada
estágio no processo produtivo. Estudos demonstram que, em termos de distorções
causados nos preços relativos da economia, os impostos sobre valor agregado somente
são melhores do que os impostos cumulativos caso se verifiquem os seguintes
pressupostos: a) concorrência perfeita; b) ausência de sonegação; c) alíquotas uniformes
do IVA para todos os produtos e serviços. Na ausência destes pressupostos, o imposto
único é muito menos distorcivo do que o atual sistema tributário
Não é a
cumulatividade que compromete a competitividade nacional, ma sim um sistema
tributário indutor da sonegação. Tal fato demonstra a grande vantagem para a economia
brasileira, decorrente da instituição do imposto único sobre movimentações financeiras.
10. O sistema tributário vigente é muito mais indutor de verticalização das
cadeias produtivas do que o sistema proposto pela PEC 474-A. O incentivo à
verticalização num sistema de imposto único com alíquotas suaves é menor do que com
a pesada carga cumulativa hoje verificada.
11. Não procede a crítica de que o imposto único federal seja fortemente
indutor de importações, pelo fato de que a incidência dos impostos cumulativos onera
menos os produtos importados do que os produtos nacionais. Na verdade, este
fenômeno é muito mais grave segundo as regras do vigente sistema tributário nacional.
Caso seja aprovada a PEC 474-A, a tendência é de redução do efeito indutor das
importações, uma vez que a alíquota prevista para o imposto sobre movimentações
financeiras será muito inferior à soma das alíquotas dos tributos cumulativos atualmente
existentes (Pis, Cofins, CPMF e Imposto de Renda, no caso de empresas optantes pelo
Simples ou pelo Lucro Presumido). Além disso, existe projeto de lei em tramitação no
Congresso propondo a criação de uma CIDE (Contribuição de Equalização Tributária),
com o objetivo de impor aos produtos importados tributação equivalente á produção
nacional.
12. É falso afirmar que o imposto único encerre um inerente viés
antiexportador. É certo que a desoneração na exportação é mais fácil no regime dos
impostos sobre valor agregado, mas também é factível no regime do imposto único,
embora mais trabalhoso. O montante a ser desonerado teria de ser calculado mediante
acompanhamento empírico das cadeias produtivas ou com exploração de matrizes de
insumo-produto e operacionalizada mediante crédito de imposto, devoluções ou
subsídios equivalentes, não muito diferente do que hoje se pratica em relação ao Pis e à
Cofins. O que prejudica a exportação não é a existência do imposto; é o descuido em
desonerá-lo da exportação.
13. A adoção do imposto único não estimularia a monetização da economia,
pois o custo de transação com moeda manual seria muito superior à economia de
impostos obtida. Sempre será mais seguro, e muito mais barato, continuar a utilizar os
bancos do que carregar e fazer pagamentos com papel-moeda.
14. A aprovação da PEC 474-A implicaria uma sensível redução da
capacidade do Governo Federal de exercer política fiscal pelo lado da receita pública,
mas não traria qualquer repercussão sobre a autonomia dos Poderes Legislativo e
Executivo na definição do montante e na distribuição setorial das despesas públicas. Na
verdade, a redução da possibilidade de o Governo Federal utilizar o sistema tributário
nacional para perseguir objetivos extrafiscais deve ser considerada um mérito, e não um
defeito da PEC 474-A. Trata-se, na verdade, do resgate da função arrecadatória dos
impostos, que vem se perdendo no Brasil, ao longo dos últimos anos.
15. Não se deve lamentar a inaptidão do imposto sobre movimentações
financeiras para servir como instrumento interventivo na economia. Sob a ótica do
sistema tributário proposto pela PEC 474-A, a CIDE seria o instrumento adequado para
substituir, com superioridade, os atuais impostos de caráter interventivo, tais como o
IPI. A principal vantagem é que a CIDE não tem vocação arrecadatória e pode modularse, com sintonia fina, para tingir finalidades interventivas bem delimitadas.
16. Não procede a crítica de que a suposta rigidez do imposto único federal
poderia inviabilizar a tomada de medidas emergenciais. Segundo a PEC 474-A,
continuarão existindo e permanecerão excluídos do princípio da anterioridade os
impostos sobre o comércio exterior (imposto de importação e imposto de exportação)
bem como os impostos extraordinários de guerra, previstos no art. 154, II da
Constituição Federal.
17. Carece de fundamento a alegação de que o imposto único sobre
movimentações financeiras representaria uma tributação exclusiva sobre as bases renda
e consumo, deixando por completo de tributar a base propriedade. Na verdade, dentre
todos os tributos que seriam substituídos pelo imposto único federal, o único incidente
sobre a base-propriedade é o ITR, imposto sem a mínima vocação arrecadatória.
Importante considerar, também, que a tributação da propriedade é declinante no mundo
inteiro e que ela é muito menor no Brasil do que as médias internacionais, por se tratar
de modalidade tributária custosa, pouco produtiva e difícil de administrar. De qualquer
forma, os defensores do imposto único federal não são taxativos em relação à extinção
do ITR, não obstante sua baixíssima produtividade em termos de arrecadação. Se este
for o único problema constatado na PEC 474-A, uma simples emenda modificativa
poderá manter a existência deste tributo.
18. O sistema tributário proposto pela PEC 474-A é inteiramente compatível
com a atual era da informação, caracterizada pelos seguintes fatores convergentes: a)
extraordinário desenvolvimento das tecnologias de informação e processamento de
dados; b) expansão da participação dos serviços no produto nacional; c) globalização; d)
enfraquecimento do poder das administrações públicas nacionais. A intensificação
destas mudanças compromete seriamente o funcionamento dos sistemas tributários
nacionais, ao mesmo tempo em que favorece a adoção de um sistema tributário baseado
predominantemente na tributação das movimentações financeiras.
19. A questão dos custos administrativos e operacionais tributários, apesar
de negligenciada em todos os países, deve ser levada em consideração na formulação de
políticas tributárias, tanto quanto os conceitos de eqüidade, neutralidade e economia na
administração. Na verdade, o custo total dos tributos engloba três parcelas: a) custo dos
tributos propriamente ditos (carga tributária); b) custos causados pelas distorções e pela
perda de eficácia alocativa e distributiva da economia, introduzidos pelos tributos; c)
custos operacionais tributários dos agentes públicos e privados, em função do fenômeno
tributário. Estudos demonstram que, no Brasil, o total dos custos operacionais
tributários (públicos e privados) é da ordem de 7% do PIB. O imposto único federal traz
consigo um inegável potencial de redução destes custos operacionais tributários,
públicos e privados, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal.
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Análise da PEC 474 A.