CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO
LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA
A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO
ECONÔMICO NEOLIBERAL
CURITIBA
2008
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu – MESTRADO EM DIREITO
LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA
A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO
ECONÔMICO NEOLIBERAL
CURITIBA
2008
LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA
A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO
ECONÔMICO NEOLIBERAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania
do
Centro
Universitário
Curitiba,
como
requisito parcial para obtenção do Título de
Mestre em Direito.
Orientador:
Oliveira
CURITIBA
2008
Prof.
Dr.
Francisco
Cardozo
LUIZA MARIA THOMAZONI LOYOLA
A FUNÇÃO SOCIAL E A GESTÃO EMPRESARIAL NO MODELO ECONÔMICO
NEOLIBERAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre
em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Presidente:
_____________________________________________________
Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira
Membros:
_____________________________________________________
Professora Doutora Rosalice Fidalgo Pinheiro
_____________________________________________________
Professor Doutor Walter Tadahiro Shima
Curitiba,
de
de 2008.
Dedico esta dissertação às pessoas
que fizeram vida em minha vida: Luis
Carlo B Loyola, Jocely M. Thomazoni
Loyola e Rafael Luis Giacomin; aos
professores do mestrado em especial
ao Professor Dr. Francisco Cardozo
Oliveira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus pais por terem me apoiado em todos os momentos difíceis
em minha vida. Agradeço-os ainda por todo apoio e suporte que me deram para
tornar quem sou.
Agradeço a Rafael Luis Giacomin pelo amor e apoio que esteve me
proporcionando durante a elaboração deste trabalho.
Agradeço ao professor, orientador e amigo, Francisco Cardozo Oliveira, pela
constante disponibilidade e pelas preciosas palavras na elaboração desta
dissertação.
Aos membros da banca, Professora Dra. Rosalice Fidalgo e Professor Dr.
Walter Tadahiro Shima, por terem aceitado o convite, proporcionando discussões e
sugestões que servirão para crescimento, aprendizado e incentivo à pesquisa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Direito
Empresarial e Cidadania, pela oportunidade de crescimento, aprendizado, realização
profissional e pessoal.
A meu irmão, e todos os meus amigos que sempre estiveram presentes me
aconselhando e incentivando com carinho e dedicação.
“Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa,
nunca tem medo e nunca se arrepende."
(Leonardo da Vinci)
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................
9
ABSTRACT...........................................................................................................
10
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11
13
1 O NEOLIBERALISMO: Visão Geral
.............................................................
1.1
ANTECEDENTES
HISTÓRICOS
DO
NEOLIBERALISMO:
DO
LIBERALISMO AO ESTADO SOCIAL .....................................................
13
1.1.1 O Caso do Feudalismo e Estado Absolutista ...........................................
13
1.1.2 Estado Absolutista e Liberalismo .............................................................
15
1.1.3 A Crítica ao Modelo Liberal Clássico .......................................................
22
1.1.4 A Intervenção do Estado na Economia e os Reflexos na regulação do
Contrato e do Direito de Propriedade .......................................................
27
1.2 O MODELO NEOLIBERAL: fundamentos e difusão ...................................
34
1.2.1Os Fundamentos do Modelo Econômico Neoliberal .................................
34
1.2.2 A Ascensão do Neoliberalismo no Mundo ...............................................
45
1.2.3 A Ascensão do Neoliberalismo no Brasil .................................................
60
2 PARADIGMAS DA GESTÃO EMPRESARIAL ............................................
71
2.1 UM PANORÂMA GERAL DAS ONDAS E ERAS DA GESTÃO
EMRPESARIAL.........................................................................................
71
2.2 A SEGUNDA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL ..................................
79
2.2.1 Era da Produção em Massa .....................................................................
79
2.2.2 Era da Eficiência ......................................................................................
85
2.3 A TERCEIRA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL ..................................
88
2.3.1 Era da Qualidade .....................................................................................
89
2.3.2 Era da Competitividade ............................................................................
95
2.3.3 Era do Capital Humano ............................................................................
99
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA .............................................................
111
3.1 HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ...........................
111
3.2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE EMPRESARIAL NO DIREITO BRASILEIRO
114
...................
3.2.1 A Funcionalização dos Institutos Jurídicos no Direito Privado .................
114
3.2.2 A Função Social da Propriedade .............................................................
119
3.2.2.1 Fundamentos teóricos da função social da propriedade ......................
119
3.2.2.2 A mutação no conceito de propriedade ................................................
131
3.2.2.3 A função social da propriedade na Constituição Brasileira ..................
138
3.2.3 Função Social do Contrato .......................................................................
143
3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL .............................
154
3.4.1 O Conceito de Empresa ..........................................................................
154
3.4.2 A Função Social da Empresa ...................................................................
162
4 A FUNCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO EMPRESARIAL NA ECONOMIA
NEOLIBERAL ...............................................................................................
175
4.1 A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO EMPRESARIAL E A ADMINISTRAÇÃO
.............................................................................................................................
4.1.1 O Administrador ou Órgão Administração ...............................................
175
175
4.1.2 A Administração e a Função Social .........................................................
181
4.1.3 A Atuação dos Stakeholders ....................................................................
185
4.2 A SUSTENTABILIDADE DA EMPRESA: a efetividade da função social....
191
4.2.1 A Função Social da Empresa e o Conceito de Sustentabilidade..............
191
4.2.2 Responsabilidade Social: uma fuga da função social ..............................
199
CONCLUSÃO ........................................................................................................
214
REFERÊNCIAS ..................................................................................................
219
RESUMO
A função social da empresa é um tema relevante não só no meio jurídico, mas
também no meio político e no econômico. Analisar a função social na gestão
empresarial em um modelo de mercado neoliberal é de extrema importância. O
Estado social destacou doutrinariamente a função social, porém é no neoliberalismo
que ela tem maior efetividade. O neoliberalismo surge mundialmente no pós-guerra;
no Brasil aparece nos anos 90. O neoliberalismo, juntamente com a globalização,
impôs uma maior concorrência às empresas. Houve um acirramento da competi;\ao
empresarial. Esta modificação no ambiente externo fez com que as empresas se
adaptassem sua gestão. Levando tais constatações em conta, o presente trabalho
analisa as tendências atuais dos modelos de gestão empresarial. Percebe-se que de
uma gestão voltada à produtividade interna do trabalhador modificou-se para uma
gestão focada tanto nos fatores internos quanto nos fatores externos à empresa. A
forma de gestão que confere maior importância aos fatores externos à empresa é a
teoria dos stakeholders. Estes são considerados os agentes que influenciam e são
influenciados pelas decisões da empresa. Sustenta que na tomada de decisão a
empresa deve então tomar cuidado com o impacto da atividade econômica por ele
exercida nos mais diversos aspectos. No campo jurídico analisa-se se este modelo
atende a função social da empresa. A função social da empresa consiste no dever –
poder de a sociedade empresária ao explorar a atividade econômica, fazê-la de um
modo que a sociedade aceite. Assim, explorar uma atividade que não atenda a
alguma necessidade social, ou seja, contra o interesse social estaria a empresa
descumprindo a função social. A ordem econômica constitucional impõe a
sustentabilidade da atividade empresarial. Se no exercício dessa atividade seja
desatendida a sustentabilidade, pelo uso excessivo de recursos, estará certamente a
empresa descumprindo a função social. Deste modo, o administrador, como órgão
social que executa as decisões da assembléia, bem como os sócios, ao tomarem
suas decisões deve levar em consideração a função da empresa, sob pena de
descumprir um princípio constitucional. Assim, o administrador deve observar a
opinião dos stakeholders para que a empresa exerça a sua atividade do modo que a
sociedade espera. O principal meio que a administração encontrou para esclarecer à
sociedade que está cumprindo a função social foi a responsabilidade social. No
entanto, a responsabilidade social difere da função social, esta consiste no dever de
exercer a atividade de acordo com o ordenamento jurídico e valores sociais, aquela
impõe um novo dever a empresa propor um projeto perante a sociedade, ou seja,
devolver algo a mais à sociedade.
Palavras- chave: função social; neoliberalismo; gestão empresarial; responsabilidade
social.
ABSTRACT
The social function of the company is an excellent subject not only in the legal way,
but also in the politician and the economics. To analyze the social function in the
enterprise management in a model of neoliberal market has an extreme importance.
The Social State emphasized the social function doctrinal; however it is in the
neoliberalism that it has greater effectiveness. The neoliberalism appears world-wide
in the postwar period; in Brazil it is come into view in 90 years. The neoliberalism,
together with the globalization, imposed a bigger competition to the companies. With
the modification in the external environment, the companies had been forced to adapt
the management to this new market. In the present work analyzes the current trends of
the models of enterprise management. The management in the beginning was focus to
the internal productivity of the worker, but modified in such a way for a examine not
only the internal factors but also the external factors to the company. The management
that confers greater importance to the external factors to the company is the theory of
stakeholders. These are considered the agents who influence and are influenced by the
decisions of the company. The management must supports that the decision of the
company has to consider the impact of the economic activity for exerted it in the most
diverse aspects. In the legal field it is analyzed if this model takes care of the social
function of the company. The social function of the company consists of the duty of
the enterprise, when exploring the economic activity, to make it in settlement with the
law. Thus, to explore an activity that does not take care of some social necessity that is
against the social interest would be the company disregarding the social function. The
constitutional economic order imposes the support of the enterprise activity. If the
activity to be inattentive the support, as the extreme use of resources, the enterprise
will be certainly disrespecting the social function. In this way, the administrator, while
social agency that executes the decisions of the assembly, as well as the partners, when
taking its decisions must lead in consideration the function of the company, duly
warned to disregard a constitutional principle. Thus, the administrator must observe
the opinion of stakeholders so that the company exerts its activity in the way that the
society waits. The main one half that the administration found to clarify to the society
that is fulfilling the function social was the social responsibility. However, the social
responsibility differs from the social function, this consists of the duty to exert the
activity in accordance with the legal system and social values, the first one imposes a
new duty to the company to consider a project to make a superior society.
Keywords: social function; neoliberalism; management; social responsability.
13
INTRODUÇÃO
A empresa tem sido assinalada como o núcleo da sociedade pós-moderna.
O aumento da importância da empresa para a sociedade tem incentivado maior
apreciação sobre as condições em que pode exercer a atividade econômica.
O fundamento do sistema capitalista neoliberal consiste na regulação do
mercado e, concomitantemente, propiciar distribuição de riqueza e justiça social. A
Constituição, ao mesmo tempo em que garante a livre iniciativa, a liberdade de
concorrência e a propriedade privada, assegura o direito à vida digna, a propriedade
funcionalizada e a proteção do consumidor. Haveria, portanto, um aparente
antagonismo entre esses princípios constitucionais.
A dicotomia entre valores neoliberais e sociais também está latente nas
empresas, seja na busca da lucratividade, seja no auxílio da promoção da justiça
social e distribuição equitativa de riqueza.
A sociedade pós-industrial vive uma crise geral nos níveis sociais,
econômico, político-ideológico e, acima de tudo, ecológico. A denominada sociedade
de mercado, mantida pelo modelo de desenvolvimento neoliberal, concretizou
avanços tecnológicos e produtivos sob um alto custo social.
Diante dos problemas sociais, a sociedade começou a questionar a
legitimidade da apropriação dos lucros. Um dos fundamentos da legitimação da
apropriação dos bens de produção do sistema capitalista tem sido a função social.
Por isso, passa a ser importante o estudo da efetividade da função social no
momento atual.
O Direito tem procurado absorver as transformações sociais, seja mediante
modificações no ordenamento jurídico, seja por meio de cláusulas abertas. O Direito
e a Economia também vêm interagindo cada dia mais. A empresa, assim como a
propriedade e o contrato, se apresenta tanto como fato econômico, político e
jurídico. Assim, as modificações no campo econômico vêm afetando a forma de
gerenciamento empresarial que, por sua vez, afeta a distribuição de renda e o
comportamento dos indivíduos perante a sociedade. O Direito também influencia o
desenvolvimento empresarial, seja limitando, seja incentivando a atividade
empresarial.
Assim, inseridas em um mercado de competição mais acirrada, fruto do
neoliberalismo e da globalização, as empresas têm buscado se destacar pelo
cumprimento ou não da função social. No entanto, como slogan, a empresa tem se
utilizado da expressão “socialmente responsável”, o que é bem diferente da função
social. A responsabilidade social é um modelo de gestão empresarial que tem
procurado estabelecer um programa social para desenvolver a sociedade. Já a
função social é poder-dever de a empresa exercer a atividade em consonância com
o ordenamento jurídico.
O Direito, como captador das realidades e das transformações sociais,
deverá
acompanhar
tais
mudanças
ocorridas
nas
relações
empresariais
contemporâneas, tendo em vista permitir que as empresas reflitam sobre a atuação
no meio social. Desta forma, analisar se a questão da função social das empresas
está sendo levada em consideração na gestão empresarial neoliberal torna-se
imprescindível.
Para dar conta da análise da efetividade da função social na gestão
empresarial estruturou-se o trabalho em quatro capítulos. O primeiro capítulo aborda
o modelo econômico neoliberal. Primeiramente foi realizado um apanhado dos
momentos históricos antecessores, o liberalismo e o Estado social. Na seqüência,
analisaram-se os fundamentos econômicos do neoliberalismo, em Friedman e
Hayek, bem como a sua adoção mundial, com enfoque na América Latina e no
Brasil.
No segundo capítulo foram analisados os principais paradigmas da gestão
empresarial e em especial os modelos pós-modernos da gestão empresarial. Para
essa análise foi dividida em cinco eras da gestão empresarial: era da produção em
massa, era da eficiência, era da qualidade, era da competitividade e era do
conhecimento humano.
No terceiro capítulo passou-se ao estudo da legitimação da empresa
jurídica, a função social. Neste capítulo iniciou-se com o estudo do histórico da
concepção da função social, desde a Igreja Católica até o momento atual.
Posteriormente, analisaram-se os fundamentos infraconstitucionais e constitucionais
da função social da empresa; para, posteriormente, ser analisada a concepção de
empresa e sua função social.
Por fim, o último capítulo aborda a função dos administradores, suas
responsabilidades e a relação com a função social. Para então analisar os
fundamentos da tomada de decisão das empresas e a teoria que tem predominado a
teoria dos stakeholders. Para então analisar um dos principais fins e modos de
exteriorização da função social, a sustentabilidade da atividade econômica. Encerrase o capítulo no estudo da responsabilidade social, com o intuito de diferenciá-la da
função social.
1 O MODELO ECONÔMICO DO NEOLIBERALISMO
1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO NEOLIBERALISMO
1.1.1 O Caso do Feudalismo e o Estado Absolutista
A sociedade medieval era composta por quatro grupos sociais com diferentes
papeis econômicos: os artesãos organizados em corporações, os senhores feudais
e a nobreza proprietários de terras e os servos da gleba. Como não havia um Estado
unificado e forte, as responsabilidades sociais ficavam a cargo da Igreja e da
Nobreza.
O desenvolvimento da atividade comercial dentro das cidades, no século XIII,
possibilitou a ascensão burguesa, que resultou na decadência política e econômica
do sistema feudal. Os servos foram libertados do regime feudal, o que lhes permitiu
oferecer a força de trabalho nas cidades ou adquirir terras1.
O Estado absolutista surge da crise do feudalismo, tendo forte apoio dos
burgueses e do clero. A classe de comerciante cada vez mais forte requeria uma
proteção estatal, uma vez que não estavam protegidos por nenhum senhor feudal,
pois os mercados extrapolavam os limites dos feudos. Dessa forma, para proteger
os cidadãos, a classe de artesãos e os comerciantes surgem os Estados
absolutistas, que predominaram do século XIV até o início do século XVIII.
O Estado absolutista apoiou fortemente a exploração comercial e a indústria
nascente. Com o Estado absolutista substituí-se o modelo de produção feudal por
uma produção manufatureira, voltada essencialmente ao mercado.
A demarcação dos campos e a posse das terras pelos nobres fizeram
inúmeros camponeses migrarem para as cidades, formando o chamado exército de
reserva. O abrandamento das políticas absolutistas e das restrições impostas pelo
1
“A propriedade medieval caracteriza-se pela quebra do processo unitário. Sobre o mesmo bem,
há a concorrência de proprietários. A dissociação revela-se através do domínio eminente + domínio útil. O
primeiro concede o direito de utilização econômica do bem e recebe, em troca, serviços ou rendas”.
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 101-102.
mercantilismo possibilitou a expansão comercial e acumulação de riqueza nas mãos
da burguesia2.
O Estado absolutista também se caracterizou pela criação de impostos,
armamento e criação dos exércitos nacionais, os quais propiciaram as conquistas
ultramarinas (colonialismo), e se fundou no protecionismo econômico.
O absolutismo, portanto, significou adaptação às transformações econômicas
e sociais que vinham se desenvolvendo com o fim do feudalismo e o nascimento do
capitalismo.
O Estado absolutista adotou como política econômica o mercantilismo, o qual
consistiu no acúmulo de metais preciosos por parte dos Estados por meio de um
comércio internacional protecionista. Deste modo, o Estado deveria intervir na
economia para garantir o bem-estar dos cidadãos, o desenvolvimento da economia
nacional e o estímulo às exportações.
A política econômica mercantilista se mostrou importante para a consecução
da Revolução Industrial, pois contribuiu com os recursos necessários para o
desenvolvimento das atividades industriais e a consolidação do capitalismo. Nesse
período iniciou a acumulação primitiva do capital exposta por Marx.
No entanto, a alta carga tributária e alto privilégio da nobreza fizeram com que
a sociedade começasse a reagir. Constata-se que a partir do século XV, o
absolutismo e o mercantilismo não mais atendiam às necessidades das novas forças
produtivas.
O Iluminismo foi o primeiro movimento a combater o absolutismo e o
mercantilismo, no sentido de que ambos atrasavam o progresso social. Os limites do
poder político estatal estariam, segundo Montesquieu e Locke, nos direitos naturais
e nas leis fundamentais de governo, que nem mesmo os reis poderiam extrapolar
“sob o risco de se transformarem em tiranos”3.
O Iluminismo, a reforma religiosa, o humanismo e o renascimento
consagraram os valores desejados pela burguesia, tendo papel fundamental para a
2
COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A constitucionalização do direito de propriedade
privada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 29.
3
LAGE,
Ana
Cristina
P.
Liberalismo.
Disponível
em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_liberalismo.html>. Acesso em: 15 jul.
2007.
ascensão desta classe social ao poder. Tais movimentos influenciaram na
conformação do liberalismo, pois possibilitaram o rompimento com a visão da
providência divina, que retirava a liberdade e a visão do homem como sujeito de
desenvolvimento.
Em 1789, tais ideais, culminaram na Revolução Francesa, a qual buscou
diminuir o poder do rei, eliminar os resquícios do sistema feudal e, principalmente,
fortalecer o poder da burguesia. A monarquia e os privilégios hereditários dos nobres
senhores de terra foram abolidos. Os negócios do Estado passaram a ser geridos
pelos burgueses, consagrando as condições necessárias ao desenvolvimento do
capitalismo.
1.1.2 Liberalismo
A Revolução Francesa, em 1789, representou a primeira grande vitória da
burguesia no sentido de ocupar o poder político e assim organizar o Estado de modo
a favorecer os seus interesses.
A burguesia francesa conseguiu canalizar a insatisfação das camadas
populares, utilizando-a em proveito próprio para concretizar as propostas liberais,
tanto que foi na França que se estabeleceu a base do pensamento liberal, por
intermédio dos fisiocratas4. Assim, consagrando os ideais da Revolução Francesa, o
liberalismo surge ao longo século XVIII como doutrina econômica e política que se
opõe ao Estado absolutista e ao mercantilismo.
Para os postulantes da escola fisiocrata, a única fonte geradora de riqueza
era a terra.
Sendo assim, o direito de propriedade passa a assumir estrema
relevância teórica, por constituir a base da geração de riqueza de toda a sociedade.
O liberalismo se coloca contra o Estado absolutista. Para os liberais, o melhor
modelo estatal seria aquele que menos governasse5. O modelo liberal sustentava
4
Somente no final do século XVII e início do século XVIII surge o liberalismo econômico como
doutrina orgânica composta de princípios e leis fundamentais. Ele parte do pressuposto de que a liberdade
econômica é o motor da prosperidade, que a propriedade privada tem existência por lei natural, que o
papel do Estado é intitular a posse dos homens, as regulamentações são insensatas porque impedem o
proprietário de determinar o destino de suas posses. In: HOLANDA, Francisco Uribam Xavier de. Do
Liberalismo ao neoliberalismo. Porto Alegre: Epicurus, 1998. p. 18.
5
HOLANDA, op. cit., p. 15.
que o Estado deveria intervir o mínimo na economia, ou seja, apenas o suficiente
para garantir o livre mercado e o direito à propriedade.
Como características do Estado liberal, Eliseu FIGUEIRA aponta: separação
de poderes, princípio da legalidade, separação entre Estado e economia,
personalidade jurídica, capacidade de agir, direito subjetivo, negócio jurídico,
ordenamento normativo completo e fechado6. O Estado liberal também se fundou
no Estado de Direito. Este se caracterizava, segundo Pietro BARCELLONA, por se
fundar em leis abstratas e genéricas e na tripartição de poderes7.
O principal fundamento do liberalismo é a liberdade, que, segundo Francisco
Uriban de HOLANDA, pode ser concebida como “ausência de coerção sobre os
indivíduos, ausência de oposição às satisfações pessoais, ao gosto e à procura
individuais”8.
Os liberais defendiam que a economia, assim como qualquer outra ciência, é
regida por leis naturais e imutáveis, cabendo ao indivíduo descobri-las para melhor
atuar segundo os mecanismos da ordem natural. A liberdade deve imperar sob pena
de qualquer intervenção causar uma disfunção no sistema econômico, por interferir
nas leis naturais, diminuindo a prosperidade da nação. Dessa afirmação, pode-se
retirar que qualquer intervenção estatal que não obedecesse às leis naturais
ocasionaria problemas econômicos e sociais. Por isso, o Estado como titular do
poder de coerção é o encarregado de manter a paz interna e externa. Portanto, a
atuação estatal é extremamente restrita.
O liberalismo sustenta que cabe à iniciativa privada prover, com
exclusividade, serviços e eventualmente bens na área da educação, da saúde, do
trabalho, da seguridade social, de infra-estrutura, do meio ambiente etc. À iniciativa
privada é assegurada o direito de atuar em todos os setores da economia. O Estado
deve abster-se, não só de prover serviços e bens nessas áreas, como até mesmo de
regulamentar (legislar, normatizar) tais áreas9.
O indivíduo é livre para tomar as suas decisões. A liberdade de escolha
fundamenta a harmonia do mercado. Nesse entendimento, também vai advogar
6
FIGUEIRA, Eliseu. Renovação do sistema de direito privado. Lisboa: Caminho, 1989. p. 20.
BARCELLONA, Pietro. Diritto Privato e societá moderna. Napoli: Jovene, 1996. p. 83.
8
HOLANDA, op.cit., p. 30.
9
CHAVES, Eduardo O C. Em defesa do Liberalismo. Publicado em: 2/05/2004. Disponível em:
<http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm>. Acesso em: 10 fev. 2008.
7
Adam Smith “na idéia que as ações individuais movidas exclusivamente pelo
interesse próprio seriam guiadas infalívelmente por uma 'mão invisível' no sentido da
realização do bem comum”10. Por isso, qualquer intervenção no mercado retiraria a
capacidade de auto-regulação da economia.
O mercado para os liberais significa “o conjunto de relações sociais onde se
efetuam as trocas de mercadorias. É um sistema econômico onde as quantidades
produzidas e preços praticados dependem da confrontação da oferta com a
procura”.11 O mercado é o melhor regulador da atividade econômica, devendo o
Estado abster-se de intervir na economia, tanto na produção de produtos quanto na
distribuição de riquezas.
No campo político, o liberalismo aceita a pluralidade de pensamento, tendo
que estabelecer as regras para a ascensão pacífica ao poder, cujo mecanismo
escolhido foi o sufrágio universal12, uma vez abolida a monarquia.
A Revolução Francesa consagrou os ideais liberais nas codificações. Estas
materializaram a máxima da racionalidade no campo jurídico, que passa a se
configurar como um campo fechado e completo. A influência dos códigos logo se
espalhou por toda Europa. Na França, muito mais do que uma lei, tornou-se algo
próximo da própria Constituição, visto como estatuto fundamental para toda a
sociedade13.
O liberalismo impôs aos Estados os direitos de primeira geração, que se
referem à não-intervenção do Estado na esfera privada, também conhecido como
“direitos negativos”. Eduardo CHAVES traz a idéia de que “o indivíduo é tão mais
livre quanto menos ele é impedido de realizar seus desejos e objetivos por fatores
externos a ele”14. O direito à liberdade só é limitado pelo velho provérbio “a liberdade
de um termina onde começa a do outro”. No liberalismo há uma nítida divisão da
esfera pública e da esfera privada de direitos.
10
Liberalismo. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/
liberal/index.html>. Acesso em: 04 jul. 2007.
11
HOLANDA, op.cit., p. 35.
12
Liberalismo. ENCICLOPÉDIA BRITÂNNICA DO BRASIL LTDA. Sitio Leituras Cotidianas.
Disponível em: <http://br.geocities.com/mcrost00/20040710a_liberalismo.htm>. Acesso em: 30 mar. 2008.
13
PERLINGIERI, Pietro. La Personalitá Umana nell´ordenamento Giuridico. Camerino: Jovene,
1972. p. 38-39.
14
CHAVES, Eduardo O C. Em defesa do Liberalismo. Publicado em: 2/05/2004. Disponível em:
<http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm>. Acesso em: 10 fev. 2008.
A
segurança
jurídica
e
a
completude
do
sistema
trouxeram
o
enclausuramento do direito. O direito tornou-se petrificado, isto é, indiferente às
modificações nas relações sociais. Há uma forte valorização do direito subjetivo,
sendo este definido por ROUBIER, como “um querer individual soberano e
independente, segundo a Escola Histórica”15. Aos cidadãos era garantido o direito de
exercício absoluto de tais direitos.
O direito de propriedade sofreu grandes modificações. Na Idade Média , a
propriedade pertencia ao senhor feudal, contudo o domínio estava reservado ao
camponês. Já quanto à propriedade liberal, todos os direitos subjetivos eram do
proprietário e poderiam ser exercidos de forma absoluta e perpétua. Essa nova
concepção atendia a todos os anseios capitalistas para o crescimento da produção
de bens.
Assim, a propriedade sofre profundas modificações, de um direito
intransferível, rural e nobre, passa a possibilitar a transferência de direitos mediante
contrato, como qualquer outra mercadoria. O direito de propriedade, na Idade
Moderna, não está somente voltado à produção agrícola, pois dele nascem as
indústrias, as quais consistem na produção de bens materiais mediante o emprego
de máquinas e de mão-de-obra em um local determinado. Assim, os bens imóveis
passam a ser mais importantes do que os bens móveis em nível econômico para a
sociedade16. A propriedade privada liberal foi positivada no Código Civil Francês e
na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que consagrou o direito à
propriedade como inviolável e sagrado. Ou seja, conferiu-se à propriedade o mesmo
status do direito à vida e à liberdade. Por isso, Pietro BARCELLONA afirma que o
centro da sociedade moderna era a propriedade privada absoluta e passível de
escambo, isto é, de ser trocada independente da classe social do proprietário17.
O período liberal colocou em destaque os contratos, pois consiste na principal
forma de transferência da propriedade18. Os contratos, no direito liberal, se
fundavam no dogma da vontade, isto é, uma vez manifestadas as vontades livres,
15
ROUBIER, Paul. Droits subjectifs et Situations Juridiques. Paris: Dallos, 1963. p. 70 apud
LOPES, op. cit., p. 55.
16
Ibidem, p. 29.
17
BARCELLONA, Diritto..., p. 251.
18
ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução: Ana Coimbra e M. Juário C. Gomes. Coimbra: Almedina,
1988. p. 41.
conclui-se o contrato. O dogma da autonomia da vontade envolve a liberdade de
contratar com quem quiser, da forma que quiser e com o conteúdo consentido pelas
partes formando lei19, conhecido como princípio da pacta sunt servanda. O homem é
livre por sua própria natureza, assim não pode se obrigar se não for por sua própria
vontade20. Com isso, não havia muitos limites ao contrato no liberalismo, pois era
vedada qualquer ingerência estatal. Como bem assevera Rosalice F. PINHEIRO: “a
vontade não seria soberana se sua eficácia estivesse subordinada a qualquer
formalismo”21. A vontade livre de vícios gerava obrigações com força de lei entre as
partes e não poderia mais ser modificada (princípio da pacta sunt servanda).
O segundo elemento seria a igualdade formal, garantida pelas codificações.
Os homens, para os liberais, eram naturalmente iguais, por isso qualquer tratamento
diferenciado quebraria esta presunção. A igualdade seria assegura pela lei. Os
diplomas legais liberais seriam completos, coerentes e trariam unidade ao
ordenamento jurídico.
O contrato liberal era impessoal, pois não levava em consideração a
qualidade das partes, era imodificável, regido pela pacta sunt servanda, não previa
eventuais modificações futuras e era consensual, pois para ser fechado necessitava
da manifestação da livre vontade de ambas as partes22.
Esse modelo de contrato foi positivado no Código Civil Francês de 1804, que
dispunha sobre a autonomia da vontade, trazia a igualdade, a liberdade contratual e
pacta sunt servanda. Os únicos limites à formação dos contratos estariam na ordem
pública e nos bons costumes23. Esta teoria contratual conseguiu atender à avidez da
classe burguesa em adquirir bens das velhas classes detentoras da propriedade24.
No Código Civil Alemão, em 1886, o contrato passou a ser analisado como
espécie do gênero negócio jurídico, e esta estrutura inspirou o Código Civil brasileiro
de 1916 e 2002.
19
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo Regime
das Relações Contratuais. São Paulo: RT, 2003. p. 48.
20
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso de direito nas relações contratuais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p.144.
21
Ibidem, p. 145.
22
KUHN, Adriana Menezes Simão. O tempo e a catividade nos contratos: elementos para uma
abordagem sistêmica dos contratos. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Crise nos Contratos e a Nova
Teoria Contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 455 - 482, p. 464-465.
23
Ibidem, p.29.
24
Ibidem, p. 46.
A Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, constituiu outra
grande vitória da ascensão burguesa e se consolidou pela política e doutrina
econômica liberal. Teve por principal característica as constantes modificações
tecnológicas, num primeiro momento marcado pela máquina a vapor, num segundo
momento pela fundição do ferro e energia elétrica e hoje pela informática e pela
nanotecnologia.
As primeiras estruturas empresariais começaram a surgir no final da Idade
Média, de trabalhos artesanais. Posteriormente, no Estado absolutista, as empresas
passam a se desenvolver em manufaturas; e com a Primeira Revolução Industrial
começam a ser introduzidas as primeiras máquinas no processo de produção. Por
isso, a empresa, no início da Primeira Revolução Industrial, ainda era incipiente. Isso
se deve ao fato de que, na época, a empresa era criada e desenvolvida entre
familiares e, no processo produtivo, se utilizava de pequenas máquinas.
Ressalta-se que no direito liberal não havia nenhum conceito de empresa.
Waldírio BULGARELLI sustenta que o Código Comercial Francês de 1807, apesar
de adotar a teoria dos atos de comércio, definia, no artigo 632, a empresa por meio
de um contrato de empresa, ou seja, fornecedora de serviços. Ressalta o
doutrinador que permaneceu grande “indiferença da doutrina comercialista em
relação ao conceito de empresa, prolongou-se além do século XIX, somente sendo
igualada pela ignorância da jurisprudência”25.
Um conceito mais expressivo de empresa só veio a surgir com a doutrina
alemã que comentava o Código Comercial Alemão de 1897, o qual trouxe a figura
do empresário como objeto do Direito Empresarial. A doutrina comercial alemã, com
principal expoente GIESEKE, trouxe um conceito de empresa sob os vieses do
empresário e do estabelecimento:
um conjunto de bens organizados que se qualifica
juridicamente de patrimônio separado; se afirma que a
empresa se manifesta ora como empresário (empresa em
sentido subjetivo), ora como conjunto de bens de diversa
natureza (empresa no sentido objetivo) ou como comunidade
de trabalho (empresa, no sentido trabalhista), afirmando que os
dois primeiros aspectos se condicionam mutuamente26.
25
26
BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 63.
GIESEK apud BULGARELLI, Tratado…, p. 67.
Há na doutrina alemã tantos conceitos jurídicos de empresa quanto a
disciplina legal possa regulamentar. “A empresa é comunidade de trabalho, para o
Direito Trabalhista; é organização de elementos pessoais e reais de diversa
natureza para o Direito Civil e Mercantil, e inclusive para este se chega a afirmar que
a empresa é a atividade econômica de produção e distribuição de bens ou de
serviços (identificando, pois, instrumento, com a atividade ou finalidade econômica)
[...]”27.
Mundialmente adota-se o conceito de empresa como organização dos fatores
de produção, se conhece a adoção diferenciada de acordo com o ramo de direito a
ser disciplinada e se adota a percepção de que a empresa é constituída por perfis28.
Observa Waldírio BULGARELLI que o conceito de empresa apenas se tornou
relevante após 1944, pela tomada de consciência da importância deste ente na
sociedade, decorrente, principalmente, da modificação trazida pelo Código Civil
Italiano, que apresentou como objeto do direito empresarial a empresa29.
A economia, no entanto, permaneceu muito mais preocupada com a realidade
social do que o Direito, tanto que acabou por definir a empresa antecipadamente30.
Para os economistas liberais, a empresa consiste na organização dos fatores de
produção com finalidade de lucro. Com a forte dicotomia entre público e privado, no
direito liberal, a empresa era vista como um instituto meramente privado. Tanto que
para suprir a necessidade de regrar as atividades das indústrias nascentes, não
previstas no Código Civil Francês, foi aprovado o Código Comercial Francês, para
preencher o vazio do ordenamento jurídico sobre o assunto.
A economia liberal precisava do Direito para assegurar condições para
prosperar. Segundo Ana Frazão de Azevedo LOPES, o Estado Liberal não se
restringiu a garantir condições de proteção ao mercado, mas também o estimulou31.
Ressalta a autora que “o projeto revolucionário consubstanciado no Estado
liberal de direito, acabou sendo reduzido à mera supressão das desigualdades
27
BULGARELLI, Tratado…, p. 67.
Ibidem, p. 68.
29
Ibidem, p. 63.
30
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e Propriedade: Função social e abuso de poder
econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 72.
31
Ibidem, p. 75.
28
estamentais do regime feudal, mas não à consagração das liberdades individuais
para todos”32.
Constata-se assim que todas as pretensões sociais e econômicas da classe
burguesa foram inseridas nos códigos modernos. Este sistema jurídico legitimou a
estruturação da sociedade liberal e, principalmente, a consolidação do capitalismo.
No entanto, como resultado tem-se o aumento das desigualdades sociais e
econômicas, ao invés da igualdade proposta pela legislação33.
1.1.3 A Crítica ao Modelo Liberal Clássico
A apropriação dos bens de produção desde o inicio dos século XVIII já vinha
sendo criticada, antes com o socialistas utópicos alemães e russos. Mas, foi com
Marx que a discussão ganhou mais destaque social.
Max Weber foi o primeiro autor a tornar evidentes as contradições da
sociedade liberal34. O modelo liberal apenas conseguiu assegurar uma sociedade
igual e livre no plano jurídico-formal sem garantir a igualdade material; assim como
tornou evidente que a liberdade e a igualdade eram muitas vezes valores
conflitantes. As críticas tornaram-se mais severas com os socialistas. Segundo Marx,
a partir da concepção de propriedade liberal que nasce a contradição capitalista:
A nova organização social baseava-se nesse duplo conceito de
liberdade: liberdade do trabalho –assalariamento– e livre uso
da propriedade dos meios de produção – capital35.
Observando as contradições sociais surgidas Pós-Revolução Francesa, Karl
Marx viu o papel determinante do trabalho e seu valor econômico para a
acumulação da riqueza.
Karl Marx analisava as relações de produção como se fosse a estrutura da
sociedade. Confere às demais instituições sociais a qualidade de superestrutura,
32
Ibidem, p. 42.
FILGUEIRA, op. cit., p. 20.
34
LOPES, op. cit., p. 74.
35
Liberalismo.
Disponível
em:
< http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/
4verb/liberal/index.html>. Acesso em: 04 jul. 2007.
33
entendidas como um produto secundário da estrutura econômica que se modificará
sempre que aquela se modifique36.
A idéia principal das obras de Marx se fundamenta no fato de a história
humana ser caracterizada pela luta de classes. “A história de toda a sociedade é a
história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestre de ofício e companheiro, numa palavra opressores e oprimidos se encontram
sempre em constante oposição, travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora
aberta, que acabava sempre com uma transformação revolucionária de toda a
sociedade, ou pela ruína das diversas classes em luta”37. O motor de
desenvolvimento da sociedade está na luta de classes. Por isso, para Marx, ao
efetuar uma análise da sociedade, dever-se-ia analisar as relações sociais e de
produção, e não o modo de pensar dos homens. O sistema capitalista, para Marx, é
o que melhor demonstra a realidade dialética da sociedade.
Os proprietários dos bens de produção teriam adquirido o capital necessário
para ter a propriedade por meio da exploração da mão-de-obra assalariada. O
enriquecimento e aumento de poder da classe burguesa se deram pela mais-valia,
isto é, da apropriação de parcela da mão-de-obra, O trabalhador transfere ao
capitalista parte dos frutos do seu labor, que foi empregado na forma e no ritmo
exigido dentro do chão de fábrica. Assim, o capital provém de uma força coletiva, por
isso, deveria ser coletivo. O trabalho alheio, portanto, contribuiu grandemente para a
origem da propriedade dos meios de produção, na acumulação primitiva do capital.
Com a apropriação da produtividade dos trabalhadores houve o desenvolvimento da
propriedade privada, que não era só a de bens de consumo, mas também a de
produção, e o aumento das desigualdades sociais.38
A propriedade liberal era um direito natural, uno, indivisível e individual,
sagrado perpétuo e indisponível, sendo um fim em si mesma39. Por isso, os frutos
apropriados no processo de produção só poderiam pertencer ao capitalista. Os
socialistas criticaram fortemente a propriedade liberal, principalmente pela
concepção materialista de Friedrich Engels e Karl Marx. Para Engels, a origem da
36
LOPES, op. cit., p. 90.
MARX, Karl. Manifesto..., p. 161.
38
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In: ____. Manuscritos econômicos filosóficos
e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 50 e ss.
39
MARX, Karl. O Capital. v.1 e 2.
37
propriedade estaria no desenvolvimento da sociedade e do trabalho. “A
produtividade aumenta sem cessar, proporcionando o desenvolvimento da
propriedade privada, das trocas, das diferenças e das riquezas, do emprego da força
de trabalho alheio gerado com base no antagonismo de classe”40.
Marx percebeu que o capitalismo transformava o trabalhador em uma
mercadoria qualquer, cujas necessidades se limitariam às de subsistência. O salário
recebido pelo trabalhador não era equivalente ao que ele havia produzido; haveria
um excedente que seria apropriado pelo dono do capital. O enriquecimento e
aumento de poder da classe burguesa se deram pela mais-valia, isto é, da
apropriação de parcela da mão-de-obra. O trabalhador transfere ao capitalista parte
dos frutos do seu labor, que foi empregado na forma e no ritmo exigido dentro do
chão de fábrica. Assim, o capital provém de uma força coletiva, por isso, deveria ser
coletivo41.
Segundo Karl MARX, para subir ao poder, a classe burguesa precisava negar
a exploração dos trabalhadores, a qual seria realizada pelo discurso político e pela
igualdade formal. A exploração é mostrada como natural pelo discurso formulado
pela nova classe dominante42.
Com o advento da Revolução Industrial consolidou-se a força econômica da
burguesia e também se iniciou uma nova classe social, a dos trabalhadores,
desprovida dos meios de produção e dona apenas da própria força de trabalho.
Essa diferenciação de classes entre capitalistas e proletários é que constitui uma
das principais conseqüências do capitalismo, segundo Eric HOBSBAWN:
As transformações levadas a efeito pela Revolução Industrial
inglesa foram muito mais sociais do que técnicas, tendo em
vista que é nessa fase que se consubstancia a diferença
crescente entre ricos e pobres43.
Para Karl MARX, o modo de produção capitalista visa ao aumento da maisvalia relativa, ou seja, diminuir o valor da força de trabalho mediante a redução do
40
ENGELS; Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Tradução
Leandro Konders. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização, 1980. p. 179.
41
MARX, Karl. O Capital. v. I. São Paulo: Civilização Brasileira, 1980. p. 94.
42
LATOUCHE, Serge. Análise Econômica e Materialismo Histórico. Tradução Ana Maria
Kirschner Montenegro. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 43-44.
43
HOBSBAWN, Eric J. As origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global, 1979, p. 31.
tempo necessário para a produção. Fundamentalmente, tem sido isso que visa a
gestão empresarial.
Na obra “O Capital”, Karl MARX analisa o modo de produção capitalista e vê
na cooperação dos trabalhadores a essência da produção44. Aí residiria a
contradição marxista: os bens de produção são apropriados por uma pessoa
(propriedade privada), porém, para produzir frutos, necessita da utilização coletiva
dos meios de produção. O trabalhador aplica sua força na produção, mas não detém
o controle sobre dela. O controle e a direção da produção são exercidos pelo
proprietário dos bens de produção. A primeira contradição estaria nas forças e nas
relações de produção; a segunda na crescente miséria provocada pelo sistema de
produção.
Para Raymond ARON, a contradição marxista estava justamente no “fato de
que o crescimento dos meios de produção, em vez de se traduzir pela elevação do
nível de vida pelos trabalhadores, leva a um duplo processo de proletarização e
pauperização”45.
Nesse sentido, o custo para aquisição de novos equipamentos também
barateará, diminuindo o valor do capital constante. Contudo, tal queda não anula o
aumento na composição orgânica. Deve-se ressaltar que na lucratividade, Marx
incluía a depreciação das máquinas e dos equipamentos, de modo que o tempo de
vida útil da máquina fosse compensado com o aumento da jornada e do ritmo de
trabalho.Os críticos da teoria marxista rebatem justamente este ponto. Para eles, a
composição orgânica não se altera e, conseqüentemente, a taxa de lucro não
decresce. No entanto, em nada alteraria o resultado, pois para os capitalistas, o
importante seria a taxa de retorno do capital investido e não o tempo de substituição
do capital constante.
As crises podem ser desencadeadas dentro da complexidade da produção
por diversos fatores, dentre eles, o choque de petróleo, que decorreu de um abrupto
aumento em uma matéria-prima essencial para o funcionamento do sistema
capitalista. Atualmente, as maiores causas de crises econômicas estão inseridas no
44
Karl MARX define cooperação como “a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de
acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas
conexos”. In: O Capital..., p. 370.
45
ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução Sérgio Bath. 6. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 196.
sistema financeiro, principalmente em razão do abalo do crédito, o qual foi abordado
no volume 3 do Capital. Neste volume, Karl MARX demonstra que a empresa vende
a mercadoria, contudo o dinheiro recebido por esta ou por qualquer cidadão não
necessariamente levará à compra de outra mercadoria. Esta pode ser poupada,
gerando uma crise de superprodução, característica do capitalismo.
Portanto, as crises capitalistas são geradas dentro do próprio sistema de
acumulação. Uma crise força muitas unidades produtivas a serem inutilizadas, ou
ainda, o baixo investimento em novas tecnologias, nesse período, torna muitas
empresas defasadas, menos produtivas em relação a concorrentes. Destarte, é
relevante hoje compreender a necessidade de substituição dos bens de produção
devido à velocidade das modificações tecnológicas:
Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista é reorganizado e
reformulado para restaurar a taxa de lucro a um nível no qual ocorrerão
investimentos. Nem todos os capitalistas se beneficiam igualmente deste
processo. As empresas mais débeis e menos eficientes e aquelas com um
maquinário muito ultrapassado serão levadas à falência. Os capitais mais
fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão da recessão mais fortes.
Eles são capazes de comprar terras e instrumentos de produção a melhores
preços, e a forçar modificações trabalhistas no processo de trabalho que
46
aumentarão a taxa de mais-valia .
A busca incessante pela inovação e tecnologia visava não só à obtenção de
novos mercados, mas também a um aumento da quantidade de capital empregado
por trabalhador. Com o neoliberalismo, houve uma modificação no plano econômico
e social, de modo que o avanço tecnológico globalizou o sistema de produção,
modificando-o profundamente.
Aliados às críticas socialistas, as mutações econômicas, políticas e sociais
durante os séculos XVIII e XIX demonstraram a incapacidade dos métodos liberais
em enfrentar os problemas sociais surgidos, principalmente após a publicação do
Manifesto Comunista, que evidenciou a desigualdade social e as baixas condições
de trabalho e de vida. Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos e a
se utilizar das greves para reivindicar melhores condições de trabalho.
A economia capitalista passou a apresentar crises cíclicas e, para solucionálas, o Estado passa a intervir cada vez mais na economia. Países como EUA,
46
Idem.
Alemanha e França, já no final do século XIX, adotaram políticas protecionistas para
defender suas indústrias dos concorrentes e políticas sociais para garantir condições
mínimas a seus cidadãos.
1.1.4 A Intervenção do Estado na Economia e os Reflexos na regulação do Contrato
e do Direito de Propriedade
A crise dos fundamentos liberais se iniciou, em 1870, principalmente pela
crítica socialista e pelas desigualdades sociais. No entanto, em 1929, com a
superprodução e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, o modelo liberal
clássico deixa de ser adotado até mesmo nos Estados Unidos.
Para diminuir as tensões sociais, houve a necessidade da intervenção do
Estado na economia, que teve como pressuposto teórico o pensamento de John
Maynard Keynes, na obra “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, escrita em
1936. Keynes argumentava que não existiam forças auto-reguladoras na economia,
o que exigia um Estado intervencionista a fim de retirar a economia da recessão e
promover o desenvolvimento.
A partir desse momento, surge um novo Estado, o qual apresenta três
dimensões: a dimensão econômica, representada por um governo intervencionista
ao modo keynesiano; a dimensão social, expressa no Estado do Bem-estar Social,
que visava à adoção de políticas sociais voltadas para as necessidades de consumo
coletivo; e a dimensão administrativa, representada pelo modelo burocrático
weberiano de administração.
O Welfare-state constitui um modelo de Estado que intervém fortemente no
mercado, devido à constatação de grandes diferenças sociais. Por isso, este modelo
de Estado vai interferir fortemente na economia buscando o pleno emprego e a
melhoria das condições sociais, visando reconhecer direitos subjetivos sociais47.
O Estado do Bem-estar Social pretendia a democratização do capitalismo a
partir de quatro pontos: a desmercadorização da força do trabalho, o reforço da
solidariedade, a redistribuição efetiva de renda e o pleno emprego; atuava em todos
47
BARCELLONA, Diritto…, p. 106-107.
os campos da sociedade promovendo políticas econômicas, sociais e setoriais,
buscando alcançar a igualdade material.
No plano econômico, substitui o padrão ouro pelo dólar, permitindo um
aumento da emissão de moeda, sendo a economia controlada preponderantemente
por políticas fiscais. No plano da política social, caberia ao Estado fornecer
educação, saúde, saneamento, previdência social, seguro desemprego. No plano
setorial, o diferencial estaria dado por fortes investimentos em infra-estrutura e pela
criação de serviços públicos estatais.
As políticas keynesianas visavam “estimular o acesso à riqueza através do
crédito dirigido à acumulação produtiva, com o desiderato de manter o pleno
emprego, elevando em termos reais, os salários e demais remunerações do
trabalho. A regulamentação financeira foi a norma entre os países”48. A idéia era a
de que maior investimento do Estado na sociedade e política fiscal ativa garantiriam
a elevação do consumo e de empregos na economia.
Essa atuação econômica demonstrava que o equilíbrio automático da
economia capitalista não existia, ou seja, a “mão invisível” não era a solução para os
desequilíbrios, pois a economia atingia o equilíbrio com muito desemprego.
Sustentou que o nível de emprego em uma economia estava relacionado com a
proporção da renda que é efetivamente gasta no consumo: a demanda efetiva.
Keynes admitiu a existência da poupança ou entesouramento que impossibilitava a
existência da auto-regulação do mercado. Ao deixar de adquirir imediatamente uma
mercadoria, o número de atividades cai e, conseqüentemente, também a renda. O
fator responsável pela alteração no volume de emprego é a procura por mão-deobra.
A demanda insuficiente de bens e serviços causa o desemprego. Para
diminuí-lo deve haver um grande investimento na economia, e a única forma de
fazer isso efetivamente é pela intervenção do governo. Somente por uma
intervenção governamental se alcançaria o pleno emprego e se elevaria a demanda.
As crises na economia capitalista resultaram de aumentos ou reduções na
propensão a investir e a consumir e ao nível de entesouramento ou liquidez. O
governo pode então intervir na economia mediante aumento dos gastos públicos,
48
BELLUZZO, Luis Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. In: FIORI, José Luiz. Estados
e Moedas no desenvolvimento das nações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 87 – 118. p. 101.
seja produzindo diretamente certos bens e serviços, seja incentivando o setor
privado a produzi-los.
A teoria keynesiana visava desencorajar o entesouramento e incentivar
despesas produtivas, mediante a redução das taxas de juros e o aumento dos
investimentos públicos. As políticas sociais passaram a ser financiadas pelo Estado,
a partir das receitas tributárias, que visavam garantir a produção e o consumo de
massa. Na visão keynesiana, a geração da demanda é o problema central na
economia. Todos os cidadãos teriam direito ao conjunto de bens e serviços
ofertados direta ou indiretamente pelo Estado, garantindo um padrão mínimo de
existência.
Ao Estado caberia também a intervenção no mercado para prevenir e reprimir
o abuso de poder econômico, o qual se deu com a criação das primeiras legislações
de defesa da concorrência. Portanto, o Estado deveria tutelar outros interesses que
não só os direitos subjetivos.
As modificações no Estado e na política econômica refletiram no Direito,
impondo modificações no direito de propriedade, nos contratos e na empresa.
Nesse sentido escreve Paulo NALIN:
O caos do contrato é retrato fiel da saturação do sistema fechado do código,
tendo aquele instituto desbordado de seus limites restritos para atingir
segmentos mais particulares e comprometidos com a atual ordem
constitucional.
Assim, Ricardo Luis Lorenzetti, após discorrer sobre a necessidade social
de dogmatização dos fundamentos sociais, por meio dos códigos, de leis,
precedentes, leis divinas, ou qualquer outro meio legitimo de convencimento
que ostente certa magnitude de poder e sanção, afirma que o processo da
resistematização passa pela eleição de um novo patamar, sugerindo um
sistema lastrado em ‘normas fundamentas’, que seriam encontradas nas
49
fontes superiores[...].
Em verdade, a crise se refere ao momento de transformação, crise ou morte
ou decadência de uma concepção de direito. Nasce a concepção social de contrato
e de propriedade. A crise contratual decorre da intensificação e massificação da
produção, permitindo a elaboração de contratos de massa e a despersonalização
das relações. Há uma nova teoria dos contratos fundados na busca da igualdade
material e uma forte intervenção estatal nas relações privadas.
49
NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno- em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 88.
“O rápido desenvolvimento da sociedade industrial logo mostrou as
limitações da autonomia da vontade como princípio de recondução imprescindível no
direito dos contratos”50. No Estado Social há maior interferência nas relações
econômicas, o que limitou a incidência de algumas cláusulas contratuais, alargou a
responsabilidade e modificou profundamente a autonomia privada. Quanto às
modificações sofridas pelo contrato desde o Estado do Bem-estar Social, Daniel
CUNHA faz a seguinte síntese:
Na sociedade contemporânea o contrato admite feições que
outrora não possuía; adaptou-se, pois, às exigências de uma
era informatizada, marcada pelo fluxo intensivo de
informações, rapidez e massificação das relações econômicas,
uma era de incertezas que produziu uma série de reações no
direito, caracterizado pela ampliação da atuação estatal
(dirigismo contratual), pela maior ingerência às limitações de
vontade enquanto conformadora do conteúdo contratual e pela
proteção das partes mais fracas das relações contratuais51.
Diante dos abusos identificados nos contratos, há uma redefinição das
características contratuais. A igualdade passa a ser não só formal, mas também
material, defende-se a máxima “tratar desigualmente os desiguais na medida de sua
desigualdade”. Constata-se que em algumas relações contratuais pode existir um
pólo mais fraco. A autonomia da vontade foi a primeira a ser modificada,
principalmente quanto ao princípio da pacta sunt servanda, que passa a ser revista
pelo princípio rebus sic stantibus, possibilitando a revisão dos contratos. Há também
a limitação da exteriorização da vontade contratual devendo o indivíduo ser
plenamente capaz e sua vontade ser livre. Admite-se a incapacidade para firmar
contratos, erros e vícios de vontade. Diante de insuficiências subjetivas tem-se a
cláusula geral da boa-fé. Ainda, quanto à vontade das partes, há limites, não só
quanto à liberdade de contratar, mas também quanto à liberdade contratual. Antes
bastava que as cláusulas contratuais não fossem contrárias à lei e aos bons
costumes, agora o direito passa a trazer novas restrições, como a proibição de
50
KUHN, op. cit., p. 467.
CUNHA, Daniel Cica. A nova força obrigatória dos contratos. In: MARQUES, Claudia Lima
(Coord.). Crise nos Contratos e a Nova Teoria Contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 247 – 284. p. 259260.
51
cláusulas abusivas. Tal restrição veio principalmente com a massificação dos
contratos, típica dos contratos de consumo.
Assim como os contratos, a propriedade liberal tornou-se incompatível diante
da complexidade das relações sociais. A ausência de limites aos direitos subjetivos
era incompatível com a coexistência social e com a sociabilidade. Então, no século
XIX, passou a inserir-se no ordenamento jurídico uma série de exceções aos direitos
subjetivos: “A inserção de limitações no direito de propriedade e livre iniciativa em
nome do interesse púbico, o reconhecimento gradual da teoria do abuso de direitos,
principalmente pelo uso de um direito para prejudicar alguém”52. A propriedade,
portanto, passa a ser funcionalizada.
Como conseqüência das desigualdades sociais presentes no início dos anos
1920, há uma forte tendência mundial de relativização dos direitos de propriedade.
Inicia-se a incidência da solidarização do exercício dos direitos de propriedade. O
direito subjetivo deixa de ser visto como absoluto e passa a também estar
condicionado e limitado. As primeiras formas a sancionar uma má utilização dos
direitos subjetivos foram fundadas na teoria do abuso de direito, além de outras
sanções legais, como multas, ou até mesmo a desapropriação, trazidas pelo próprio
ordenamento jurídico.
Assim, o exercício do direito de propriedade deve atender a função social, ou
seja, ser harmonizado com o interesse social do instituto. Porém, o direito de
propriedade ainda estava preso aos dogmas liberais, ainda que passasse a admitir
algumas limitações legais ao direito de propriedade.
O Estado social continua pautado em leis, mas agora são leis que identificam
um sujeito de direito concreto. Verificou-se que as codificações não conseguiam
mais atender a todas as modificações e complexidades sociais do século XX. Ao
Estado coube a edição de inúmeras leis esparsas para regrar as novas relações
jurídicas surgidas. Contudo, para garantir a unidade no sistema jurídico foram
elaboradas as Constituições sociais. Estas trouxeram ao ordenamento jurídico os
direitos de segunda geração, ou seja, a possibilidade de inúmeras intervenções
estatais e garantias aos cidadãos.
52
LOPES, op. cit., p. 82.
O desenvolvimento da economia capitalista e a formação de inúmeros
monopólios e concentrações empresariais, no final do século XIX, constituíram outro
fundamento para o questionamento dos princípios liberais, pois freqüentemente se
mostravam contraditórios. A realidade econômica apresentava a propriedade e a
renda altamente concentradas, em que poucos detinham condições para adquirir
bens, conforme expõe Francisco U. HOLANDA:
As indústrias monopolistas produziam em grande escala, e
logo atingiram uma produção maior do que a capacidade de
consumo. Por outro lado, o controle dos preços, de forma que
lhes proporcionassem grandes lucros, se deparavam com
incapacidade de consumo por parte da população, devido ao
seu baixo poder aquisitivo53.
A economia mercantil, na qual predominava o agente econômico individual,
passa a ser formada pela empresa de regulação monopolista54. As empresas
sofreram grandes modificações na sua estrutura, principalmente em decorrência das
inovações tecnológicas, proporcionadas pelo final da Segunda Revolução Industrial.
Inicia-se o desenvolvimento de uma administração científica e do modelo de gestão
democrática, que proporcionou maior eficiência no processo de produção.
As diferenças sociais foram aumentando, requisitou-se, então, a intervenção
do Estado para assegurar aos cidadãos condições mínimas de existência. O uso da
propriedade empresarial, dos bens de produção, passou a ser o principal alvo de
críticas. De modo que a exploração excessiva da mão-de-obra e o trabalho infantil
passaram a ser proibidos. A atividade empresarial, assim como a propriedade, deixa
de ser absoluta, os empreendedores não vão mais poder exercer de maneira
egoísta a atividade empresarial, de forma que se inicia a discussão da função social.
A partir da relevância que a empresa veio assumindo perante a sociedade
passou a ser submetida à função social. A empresa possui a função de produzir e
circular riqueza, bens e serviços, numa economia de mercado massificada, de forma
que, hoje, se deslocou do titular do âmbito estrito de direitos subjetivos para um
poder-dever, “fazendo presente a sua responsabilidade para os que se relacionam
com a empresa, no que se tentou dar conteúdo as formulações mais genéricas da
53
54
HOLANDA, op. cit., p. 39.
FILGUEIRA, op. cit., p. 23.
função social”55. A função social da empresa compreende que a atividade econômica
a ser explorada pela empresa se harmonize com o fim que a sociedade espera.
O Estado do Bem-estar Social admitiu a noção de função social da empresa,
a qual foi positivada primeiramente nas Constituições Alemã e Mexicana. No Brasil
trouxe reflexos desde a Constituição de 1934, porém o termo só integrou a
Constituição de 1967.
Para Ricardo Luiz LORENZETTI, o Estado do Bem-estar Social via as normas
jurídicas e os institutos jurídicos do contrato e do direito de propriedade como um
meio para desenvolver os objetivos e as direções políticas.56Por isso, a ingerência
do Estado na economia passou a ser vista como excessiva. O excesso de regulação
e intervenção advindo do Estado Social trazia ineficiências econômicas.
Na gestão empresarial, os seguintes fatores impulsionaram o fim do modelo
do Estado do Bem-estar Social e representam a Terceira Revolução Industrial: o
esgotamento do padrão fordista de produção, modificando a reestruturação industrial
para o toyotismo; o enfraquecimento dos sindicatos; e a diminuição do número de
trabalhadores nas empresas, que passam a ser cada vez maiores57.
Na gestão da administração pública, o modelo burocrático mostra-se
ineficiente para administrar um Estado grande e complexo em um cenário de
intensas transformações decorrentes do rápido desenvolvimento tecnológico, do
processo de globalização e do fenômeno da democratização das sociedades, que
refletirá na inserção de novos atores políticos e sociais.
Na dimensão econômico-social, as maiores objeções tinham como alvo o
assistencialismo aos pobres, sob o fundamento de que tais políticas inibiriam
qualquer medida econômica para modificar tal situação; além disso, o Estado se
tornara incapaz de atender às pressões sociais expressas pelas demandas por
melhores serviços em educação, saúde, segurança, lazer, dentre outros. A alta
carga tributária, conjugada com inflação, diminuição do nível de crescimento
econômico e as crises do choque do petróleo da década de 1970, constituem fatores
que também levaram à queda do modelo do Estado do Bem-estar Social.
55
BULGARELLI, Tratado..., p. 68.
LORENZETTI, Ricardo Luiz. Tratado de los contratos: parte geral. Buenos Aires: RubinzalCulzone, 2004, p. 27.
57
BARCELLONA, Diritto..., p. 148 – 152.
56
Como conseqüência desses fatores, surge o Estado Neoliberal e, com ele, a
Administração Gerencial, que teve maior impulso na Inglaterra e nos EUA, nos
governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, respectivamente. O modelo
Neoliberal reflete o esgotamento do Estado nas suas dimensões econômica, social e
administrativa.
1. 2 O MODELO NEOLIBERAL: fundamentos e difusão.
1.2.1 Os Fundamentos do Modelo Econômico Neoliberal
Com a ampliação da expectativa de vida, os custos do Estado social
aumentaram, as empresas já estavam no limite da carga tributária, de forma que
alguns benefícios sociais passaram a ser contestados pela sociedade. A sociedade
tinha a sensação de que pagava impostos para manter uma classe de funcionários
ociosos que aproveitaram as vantagens recebidas para organizar a subversão social
e assistência aos pobres. O perigo de déficits fiscais fez com que o modelo de
Estado fosse criticado. Somado às pressões sociais, o Estado do Bem-estar Social
encontrava-se desgastado pelos defeitos da burocratização e a desestabilização
econômica ocasionada pelos choques do petróleo em 1973 e 1979, que provocaram
uma inflação prolongada e um baixo crescimento mundial. O modelo de natureza
neoliberal, também chamado de monetarista, aparece como remédio para a crise
desencadeada.
A principal causa atribuída à crise do Estado Social para os neoliberais teria
sido o excesso de intervencionismo Estatal e, principalmente, o intervencionismo
sindical. Os sindicatos retiram a liberdade do mercado, elevam o preço da mão-deobra e estimulam maiores gastos sociais. Essas intervenções diminuíram a
possibilidade de lucros das empresas e desencadearam a inflação.
O neoliberalismo constitui uma reação política e teórica contra qualquer tipo
de Estado intervencionista, pois o intervencionismo, segundo José COBLIN, consiste
em “um mal absoluto”58. Os principais expoentes da teoria foram Ludwig von Mises e
Friedrich Hayek, este da Escola Austríaca, aquele da Escola de Chicago. Os
defensores do neoliberalismo sustentam que este é o único modelo econômico que
58
COBLIN, José. O neoliberalismo: ideologia dominante na virada do século. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 19.
possibilita o desenvolvimento econômico e social de um país, pois permite maior
competitividade, incentiva o desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, o
fim da inflação.
Perry ANDERSON demonstra que a proposta neoliberal, já no seu início,
visava “manter o Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos
sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas
intervenções econômicas. A estabilidade monetária [e o equilíbrio fiscal] deveriam
ser as metas supremas de qualquer governo”
59
. Como solução, era necessário
restabelecer a taxa natural de desemprego e a contenção de gastos sociais,
voltando a ter um equilíbrio nas contas governamentais, além de efetuar reformas
fiscais para incentivar a atividade econômica, ou seja, diminuir impostos sobre
rendas mais altas.
O neoliberalismo propõe uma retirada do Estado da economia, pois parte da
mesma premissa do liberalismo: a liberdade de mercado. Porém, não adota
integralmente o modelo liberal, por isso o prefixo “neo”. Defende um mercado livre e
competitivo, mas aceita um controle e regulação do Estado na economia. Conforme
Luciana DOUDEMENT:
O Neoliberalismo difere do Liberalismo no que se refere à
participação do Estado que entende dever ser de forma indireta
na economia, através da execução de políticas econômicas
que garantam estabilidade do sistema econômico. Mas no
geral a corrente neoliberal afirma que é possível adaptar o
pensamento liberal às novas necessidades do capitalismo por
defender o livre mercado, a livre concorrência e a manutenção
das liberdades individuais. Em contrapartida o neoliberalismo
defende que os governos não devam ser assistencialistas, a
sociedade é que deve ser suficientemente capaz de resolver
seus próprios problemas, aos governos cabem garantir a lei
comum, equilibrar e incentivar iniciativas da sociedade60.
59
ANDERSON, Perry. O Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (org.). Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p.9
– 23. p. 11.
60
DOUDEMENT, Luciana. O neoliberalismo e a globalização e seus reflexos sobre o direito
constitucional.
Disponível
em:
<http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/uniceuma/
lucianadoudement/neoliberalismo.htm>. Acesso em: 14 abr. 2008
O modelo reconhece que o mercado não se auto-regula, mas as falhas
criadas pelo intervencionismo estatal no Estado Social foram excessivas. Cabe ao
Estado regular o mercado e corrigir as suas falhas, as quais causarão a iniqüidade
na distribuição dos lucros e na incidência de custos maiores sobre os setores mais
necessitados. O papel do governo deve ser limitado, exercendo poderes e funções
que, segundo FRIEDMAN:
mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedade;
sirva de meios para a modificação dos direitos de propriedade
e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a
interpretação das regras; reforce contratos; promova a
competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em
atividades para evitar o monopólio técnico e evite os efeitos
laterais considerados como suficientemente importantes para
justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade
privada e a familiar na autoridade do irresponsável, quer se
trate de um insano ou de uma criança; em tal governo teria,
evidentemente, importantes funções a desempenhar61.
A ciência econômica, na teoria neoliberal, é baseada na praxiologia. Observase a ação humana em todas as suas relações com o mundo exterior62. Todos os
dias os indivíduos fazem escolhas, cada indivíduo possui uma escala de valores
para realizá-las, sendo que esta pode ser modificada ao longo da vida. Desse modo,
não há uma absolutividade para avaliar as atitudes. As ações são tomadas com
base no subjetivo individual.
A economia para os neoliberais é uma ciência das ações humanas. Os
neoliberais defendem que o único sistema capaz de organiza-se com a divisão do
trabalho é o capitalismo, assim como a existência da democracia. O ser humano, na
visão neoliberal, é um ser provido de necessidades e desejos, que se manifesta pelo
desconforto pelas escolhas. Para agir, ele deve estar submetido a pelo menos uma
das três condições: “desconforto; capacidade de imaginar uma situação melhor; e a
crença de que sua ação possa resolver ou amenizar o desconforto”63.Pode-se dizer
que a ação humana é consciente, pois é dotada de propósitos específicos64.
61
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo, Abril Cultural, 1984. p. 39.
HOLANDA, op. cit., p. 56.
63
Ibidem, p. 52.
64
Ibidem, p. 53.
62
O neoliberalismo também está fundado no indivíduo, inserido em sociedade,
sendo esta um mero somatório de indivíduos. A sociedade para os neoliberais é
“resultado do comportamento consciente e dotado de propósitos que possibilitam a
cooperação social e a cooperação para alcançar objetivos específicos e
individuais”65. Nenhum contrato foi realizado entre os indivíduos, a cooperação social
ocorre pela consciência humana de que a divisão do trabalho e a combinação de
esforços para uma qualidade de vida melhor são meios de alcançar seus interesses.
Nesse sentido escreve Francisco U. HOLANDA:
O indivíduo vive e age em sociedade. No entanto, a sociedade em si não
existe, a não ser através das ações individuais somente no sentido de que o
ser humano nasce em um ambiente organizado é que, para os neoliberais,
se pode aceitar de forma lógica e histórica a concepção de que a sociedade
antecede o indivíduo. A sociedade é o grande meio para atingir todos os
66
fins .
No entanto, a concepção de indivíduo não é apenas de seres humanos, mas
também de diversas organizações que compõem a sociedade: empresas, entidade
de classe, Estado, bancos etc.
Por isso, José Eduardo FARIA entende que a sociedade neoliberal é “formada
de múltiplos grupos, organismos e coletividades com seus interesses específicos,(...)
sob a forma de bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão,
companhias seguradoras, conglomerados empresariais, centrais sindicais (...) etc”67.
O autor ressalta que até mesmo:
a vida familiar, tende a ser dar, cada vez mais, no âmbito das organizações;
entre outros motivos porque, com o fenômeno da globalização os novos
processos de gestão, racionalização e atuação adotados de pelas
empresas, não resultam necessariamente na geração de tempo livre de
trabalho, como possibilidades concretas para lazer e para expansão das
capacidades intelectuais e espirituais dos indivíduos. Pelo contrário, na
medida em que as grandes corporações dispõem de uma rede de micro e
pequenas empresas familiares em sua volta, ou seja, de um conjunto de
unidades produtivas que não podem funcionar isoladamente e que estão em
relações tanto horizontais quanto verticais a uma matriz industrial, esses
processos abriram caminho para a generalização do trabalho em domicílio,
o que transformou o espaço doméstico em um enorme contingente de
famílias num verdadeiro campo de trabalho onde a produção econômica e a
65
Ibidem, p. 54.
Ibidem, p. 54-55.
67
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p.
66
167.
reprodução social se cruzam e intercruzam até a ponto de se tornarem
indiferenciadas. Acarretando, como, progressiva descentralização das
atividades produtivas, esse fenômeno vai tornando mais complexa e
68
intrincada a distinção entre tempo vital e tempo de trabalho .
Friedrich Hayek e Robert Nozick defendem que não há justiça social69, nem
solidariedade social, o que pode haver é apenas “um diálogo construtivo entre os
indivíduos desde que houvesse um fim comum e motivados por um interesse
próprio”70.
Os neoliberais consideram que o foco da economia estaria na conciliação da
interdependência das organizações. O mercado é a forma de conciliar as ações
organizacionais, pois é o local para onde convergem todas as ações. O mercado é o
eixo de poder da sociedade neoliberal, assim como Estado no modelo
intervencionista71. Se todas as vontades forem livres, o mercado ordenará por si só o
sistema social72. A liberdade é compatibilizada com a propriedade privada dos meios
de produção e com a divisão do trabalho.
O neoliberalismo se apóia na existência de um Estado de Direito, pois este
garante a ordem na sociedade e no mercado. O Estado deve impor claramente
quais serão as hipóteses de utilização de coerção para que os indivíduos se
adaptem às regras estabelecidas73. “Os neoliberais reconhecem que o Estado de
Direito produz desigualdade econômica. Todavia, tal desigualdade não é criada
intencionalmente
com
objetivo
de
atingir
este
ou
aquele
indivíduo
em
74
particular” .Por isso, os neoliberais apóiam a existência de políticas sociais para
amenizar as desigualdades, garantindo a todos meios mínimos de subsistência75,
desde que não interfira na liberdade econômica. Em geral, políticas assistencialistas
são bem vistas por esta doutrina. Para não recair nas mesmas críticas do Estado
Social, este auxílio estatal deve ser provido de leis formais, para que a sociedade
saiba quem são os indivíduos a serem beneficiados. No entanto, caso o governo
68
Ibidem, p. 171.
Outra intervenção a ser feita era na própria sociedade o sentido de garantir o mínimo necessário
aos indivíduos, mas ressalta que este mínimo essencial nada tem a ver com justiça social. Assim, revelase que defender as liberdades individuais de maneira intransigente não é viável diante das distorções que
podem aparecer. In: LOPES, op. cit., p. 219.
70
Idem.
71
FARIA, José Eduardo. O Direito...., p. 178.
72
HOLANDA, op. cit., p. 58.
73
Ibidem, p. 63.
74
Ibidem, p. 64.
75
Nesse sentido é a política da renda mínima de Milton FRIEDMAN.
69
faça uma interferência no mercado poderá abranger a liberdade deste e,
conseqüentemente, assumindo o fracasso de protegê-lo. Ainda que privilegiem o
livre mercado, os neoliberais apóiam certo grau de regulação do mercado, para
garantir a sobrevivência do modelo, pois não seguem a visão liberal de autoregulação. O Estado pode intervir desde que seja para garantir a concorrência. O
problema reside na definição das formas autorizadas de intervenção. Friedrich
Hayek escreve apenas que a intervenção deveria produzir mais benefícios ao
mercado que prejuízos. Hayek não define exatamente intervenções a favor e contra
a concorrência; ainda, vai contra a idéia da concorrência como um sistema em que o
mérito individual sempre deveria prevalecer.76
O Estado neoliberal deve reduzir os gastos sociais. A aposentadoria, os
serviços de saúde, a educação e a previdência social precisam ser assumidos por
empresas privadas. No Chile o setor privado já assumiu grande parte dos serviços
sociais, imitando o sistema americano, abandonando o Estado do Bem-estar
Social77.
O objetivo da política econômica deve ser a defesa da moeda, assegurando
estabilidade de preços, o cumprimento dos contratos que cumpram a função social e
a livre concorrência, que será alcançada pela desregulamentação do mercado de
trabalho, principalmente pela flexibilização de direitos. Internacionalmente se dá pela
liberalização do mercado financeiro e do livre fluxo de capitais.
A expansão das comunicações trouxe uma maior agilidade da movimentação
do capital, de forma que o capital financeiro passou a preponderar neste período,
apoiado pelos Estados que diminuíram as barreiras à movimentação financeira.
Dessa maneira, cabe definir a principal forma preponderante de riqueza no modelo
neoliberal. A microeconomia entende por capital financeiro, “todas as parcelas de
capital de uma empresa que se encontram em estado de liquidez, isto é, podem ser
transformados
em
qualquer
ativo
físico
de
maneira
imediata”78.
Para
a
macroeconomia, “é todo capital empregado nos mercado de títulos e todo aquele
movimentado pelos bancos e instituições financeiras em geral”79.
76
HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Liberal, 1990. p. 110.
COUBLIN, op. cit., p. 60.
78
CAPITAL FINANCEIRO. In: SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. São
Paulo: Best Seller, 1999. p. 80.
79
Idem.
77
Na economia de mercado é o sistema de preço que revela as modificações na
oferta e procura de um determinado produto, informando aos produtores o que
produzir e quanto produzir. O controle do mercado e os respectivos assuntos
econômicos estão nas mãos dos empresários, que são obrigados a seguir as
preferências dos consumidores, as quais se refletirão nos preços das mercadorias. A
empresa deve ficar atenta às tendências do mercado, pois se não estiver,
certamente entrará em falência. O mercado regulado pelos consumidores buscará a
qualidade, a eficiência e o menor preço80. O que produz insegurança na economia
de mercado é o fato de os consumidores preferirem as mercadorias com qualidade e
as mais baratas, aproveitando as oportunidades que aparecem. Portanto, a
insegurança é também um dos fatores que incentiva a melhoria do bem-estar
material.
No entanto, no neoliberalismo, o mercado não fica somente na regulação dos
preços, por meio das preferências dos consumidores, reconhece a existência de
grandes empresas, com forte poder de mercado, o que inibe a crença da autoregulação do mercado liberal. Tanto que impõe como tarefa do Estado disciplinar o
mercado, não para asfixiá-lo, mas para garantir a sua sobrevivência. Tal controle se
dará por meio do combate ao abuso da livre concorrência, seja por legislações
antitrustes, seja por incentivos a pequenas empresas, ou seja, ainda, pelo controle
dos preços, que são mecanismos de equilíbrio do mercado. O Estado deve garantir
a estabilidade financeira e monetária para obter o ajuste natural de preços.
Na economia neoliberal reconhece-se que a livre competição não pode
ocorrer nos setores cujos recursos são escassos. Nestes, toda concorrência é
limitada, pois os indivíduos não conseguem atuar em todos os setores do mercado.
No entanto, mesmo com a regulação pública da atividade econômica,
constata-se o surgimento de monopólios e oligopólios privados, organizados em
trustes e cartéis, “o poder de mercado de cada empresa já não tem como
fundamento sua eventual eficiência técnica ou gerencial, mas o poder econômico
que acumulou anteriormente”81. Assim, na prática, o mercado não é mais um local
de concorrência e alocação eficiente de recursos, mas um local de domínio das
empresas de maior poder econômico.
80
81
HOLANDA, op. cit., p. 60.
SOUZA, Nilson Araújo de. O colapso do Neoliberalismo. São Paulo: Global, 1995. p. 21.
O Estado, para os neoliberais, seria um instrumento de coerção, devendo
apenas utilizar da intervenção para evitar que as pessoas excedam seus direitos e
lesionem o bom funcionamento da economia de mercado. Ao mesmo tempo em que
deve o Estado proteger a vida e a propriedade dos indivíduos, pois estes são a base
do funcionamento do mercado82. Por isso, o modelo neoliberal envolve a concepção
de um Estado Democrático de Direito.
A propriedade no neoliberalismo, assim como ocorria no liberalismo, é um dos
pilares do modelo. Porém, o neoliberalismo procura evitar os abusos e as
conseqüências ocorridas devido às concepções liberais. A função social no
neoliberalismo ganha maior ênfase e efetividade, pois há uma preocupação com o
bem-estar social, dada a descrença na “mão invisível”. A propriedade permanece
funcionalizada e apresenta inúmeras limitações legais ao seu uso, que no período
liberal não eram admitidos. A propriedade deixa de ser conceituada a partir de
direitos subjetivos para ser conceituada como uma situação jurídica.
O neoliberalismo modificou sim a propriedade, mas a modificação está
também na forma de propriedade predominante. No período liberal, predominava a
propriedade imobiliária. No Estado do Bem-estar Social, a propriedade predominante
era a móvel, materializada em bens de consumo. Já no neoliberalismo, a
propriedade que resguarda maior valor é a propriedade móvel imaterial, ou seja, a
propriedade intelectual e financeira.
O contrato apresenta como características a autonomia privada, a liberdade
de contratar, a boa-fé e igualdade material. O contrato passa a ser visto como “um
processo dinâmico, complexo, de cooperação e confiança, sem as quais o comércio
não se desenvolve”83. Cabe ao contrato seguir os ditames constitucionais, conferir
justiça e utilidade, não só para as partes envolvidas, mas também para toda a
sociedade. Há uma visão socializada do contrato, no sentido de que este deve
atender ao interesse social, isto é, deve cumprir a função social esperada. Há um
forte predomínio da busca do equilíbrio contratual e seus efeitos perante as partes e
terceiros.
A crise das instituições permanece. Especificamente sobre a crise do
contrato, assevera Claudia Lima MARQUES, que o fundamento da nova crise
82
83
HOLANDA, op. cit., p. 63.
CUNHA, Daniel, Op. Cit., p. 263.
contratual na França está na multiplicação das cláusulas gerais “no direito privado e
no que denomina hipertrofia da cláusula geral da boa-fé, em face das decisões
contraditórias dos magistrados naquele país, no que se refere aos contratos”84.
Claudia Lima MARQUES explica bem o novo ambiente contratual:
Em outras palavras, o uso de um meio virtual, ou a entrada em uma cultura
visual leva a uma perda de significado ou de eficiência da boa-fé, que guiou
o direito privado e, em especial, o consumidor no século XX. Para alcançar
a mesma eficácia nos tempos pós-modernos, pareceu-me necessário
evoluir para o uso de um paradigma mais visual (de aparência), de menos
fidelidades (fides), de menos eticidade (valoração-bona) e sim de mais
socialidade (qualquer forma de declaração vincula o profissional
organizador da cadeia de fornecimento) e de coletiva repersonalização
(realizar expectativas legitimas de todo um grupo difuso de consumidores
virtuais), a confiança, o modelo mãe da boa-fé. Esta tese pode ser
defendida em matéria de contratos, civis, comerciais e de consumo, hoje,
após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e suas noções basilares
de função social dos contratos, boa-fé objetiva, bons costumes e combate
ao abuso dos contratos paritários.[...]85
A autora entende que deve ser revisada a noção de confiança e esta deve
passar a ser mais valorizada, pois a pós-modernidade está pautada na desconfiança
entre as partes. Esta pós-modernidade, segundo Carlos Adalberto GHESI, seria o
direito a ser diferente, a busca pela igualdade material reconstruída por ações
positivas pelo Estado86. Isso porque a primeira crise contratual, após o fim da
modernidade, foi solucionada pelo princípio da confiança. Trata-se de um “princípio
repersonalizante (boa-fé objetiva é visualizar o alter, o outro, seus direitos e
expectativas legítimas do contrato)”87. A segunda crise veio com as modificações da
sociedade contemporânea, após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, na pósmodernidade, a riqueza passou a ser bens móveis imateriais, produção em larga
escala e grande informatização, caracterizada pelo Estado neoliberal, com a
globalização e a privatização de serviços públicos, a qual foi aprofundada
principalmente após o atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque, que
84
MARQUES, Claudia Lima. A chamada crise do contrato e o modelo de direito privado brasileiro:
crise de confiança ou de conhecimento do contrato? In: __ (Coord.). A nova crise do contrato: estudos
sobre uma nova teoria contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 17 – 86. p. 19.
85
Ibidem, p. 21.
86
GHESI, Carlo Alberto. La pos modernidad jurídica. Buenos Aires: Gowa, 1995, p. 33 apud
MARQUES, Contratos..., p. 57.
87
MARQUES, A chamada..., p. 23.
afetou a confiança e, por conseqüência, o direito e os contratos88. Erik JAYME,
citado por Claudia Lima MARQUES, aponta quatro fatores da pós-modernidade que
a influenciou diretamente:
O pluralismo (de agentes, sujeitos de direito, de fontes e de vínculos no
mesmo contrato, a criar a necessária nova visão complexa e plural de um
dialogo das fontes e de um conjunto contratual e de feixe de deveres em
cada relação de consumo), a comunicação (a destacar a importância dos
deveres de informação, de transparência ou disclousure perante o
consumidor e a nova visão do contrato como informação, como perenização
dos direitos e deveres acertados, como formalidade informativa), a narração
(a procura de uma nova legitimação na própria forma de legislar, narrando
objetivos na própria lei [...], revalorizando a interpretação teleológica,
revelando os objetivos do legislador e abrindo espaços, a conceitos
indeterminados e cláusulas gerais, para a concretização pelo interprete,
cada vez mais com uma posição ativa na criação da resposta justa e útil) e,
por fim, o retorno dos sentimentos (o lado negativo, irracional, emotivo e
subjetivista do direito pós-moderno, que traz insegurança e uma
complexidade ímpar de teorias, métodos, caminhos e opiniões a seguir e
que resume o imponderável - para alguns, inaceitável-subjetivismo
89
fragmentário de nossos tempos) .
A crise é mais do social e cultural que do próprio direito. Portanto, para
Claudia Lima MARQUES a nova concepção de contrato é social, não basta apenas
o momento da manifestação da vontade, mas os efeitos do contrato perante a
sociedade; também as condições econômicas e sociais dos agentes envolvidos
ganham relevância90.
O desafio na conceituação do contrato pós-moderno está justamente em
conciliar os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana com o livre
mercado91.
O reflexo da globalização dos contratos resultou na mundialização das regras
contratuais. Os instrumentos contratuais devem servir para facilitar e agilizar as
trocas internacionais. As regras que favoreçam as trocas devem ser incentivadas,
principalmente
pelos
maiores
blocos
econômicos
firmados
sem
eliminar
particularidades nacionais nem questões culturais92.
Há uma crise também no sistema produtivo. A lógica produtiva de um sistema
que privilegia o mercado certamente defende a venda dos produtos aos
88
Ibidem, p. 25.
JAYME, Erik apud MARQUES, A chamada..., p. 28.
90
Ibidem, p. 28-29.
91
Ibidem, p. 253.
92
LORENZETTI, Tratado ..., p. 28.
89
compradores que pagarem mais, independente da satisfação do mercado interno. A
motivação da produção está no lucro, conforme assevera José COBLIN:
O que interessa é produzir para fazer dinheiro, não para
satisfazer as necessidades do povo. [...]
Toda a economia deve se submeter à política das exportações.
Assim a primeira exigência é ser competitivo. Para ser
competitivo precisa vender mais barato. As empresas
pressionam o governo e os trabalhadores para que aceitem
salários mais baixos e redução de impostos. Quem vai pagar
os impostos são os consumidores93.
Essa crise vem sendo enfrentada a partir de constantes reestruturações das
empresas, na busca de tornar a produção mais flexível para se adaptar às novas
exigências do mercado. No liberalismo, adotava-se o modelo fordista de produção,
que não se preocupava com exigências do mercado. No entanto, como hoje não
pode mais ser realizada dessa forma, busca-se o enxugamento do processo
produtivo, maior valorização e exploração do capital humano, assim como a
qualidade e a venda simultânea dos produtos. Ao invés de uma produção integral do
produto, utiliza-se a terceirização, diminuindo a estrutura produtiva e de pessoal.
Hoje os trabalhadores não se restringem a realizar uma única atividade em um
determinado tempo, controlado pelo cartão ponto, devem buscar sempre maior
conhecimento e aprimoramento do produto e do mercado em que trabalham, e isso,
somado ao desempenho de múltiplas funções.
A diferenciação dos produtos em um mercado mundial, provocada pela onda
do neoliberalismo e da globalização, fez com que as marcas e demais propriedades
industriais passassem a ter uma maior importância na sociedade. Há emprego mais
pesado de maquinaria de alta tecnologia, de modo que se exigem trabalhadores
mais instruídos, que possam reprogramá-las a qualquer modificação do produto.
O modelo possui hegemonia mundial viabilizada, principalmente, pelas
sucessivas
transformações
tecnológicas
dos
países
de
Primeiro
Mundo,
“responsáveis pelo deslocamento do eixo de competição que girava em torno das
93
COBLIN, op.cit., p. 23.
matérias primas estratégicas; hoje, todavia, concentra-se em torno de novos
processos e escalas mundiais de produção”94.
O neoliberalismo é considerado uma doutrina econômica que visa adaptar os
princípios do liberalismo clássico às condições do mundo moderno. Isto é, continua
a ter como valor máximo a subordinação de toda a economia ao mercado.
Evaristo MORAES FILHO e outros doutrinadores sustentam que jamais
existiu neoliberalismo e sim um retorno do liberalismo clássico do século XVIII95. Em
certa medida estão corretos, pois a visão doutrinária do neoliberalismo jamais foi
implementada na sua totalidade.96 Justamente por isso, há grande dificuldade de
definir o neoliberalismo, pois cada país adotou algumas premissas do modelo.
1.2.2 A Ascensão do Neoliberalismo no Mundo
Apesar de todos os pressupostos teóricos encontrados em Ludwig Von Mises,
Milton Friedman e Friedrich Hayek, o neoliberalismo foi adotado parcialmente, de
diversas formas em todo o mundo. Segundo Ana Frazão LOPES, o avanço da
globalização constituiu o principal fator para que o neoliberalismo fosse difundido97.
O neoliberalismo foi aplicado primeiramente na América do Sul, no Chile, no
início da década de 1970. Contudo, o modelo mais próximo ao idealizado pela
doutrina de Hayek e Friedman concretizou-se na Inglaterra, em 1979, no governo de
Margaret Thatcher. Posteriormente, em 1981, for adotado pelos Estados Unidos, no
governo de Ronald Reagan. Em seguida, por Helmut Kohl na Alemanha e outros
países do norte europeu.
O modelo inglês, adotado por Margareth Thatcher, propôs a contração da
emissão de divisas, a elevação das taxas de juros, a diminuição de impostos das
faixas de maior rentabilidade, a abolição dos controles sobre fluxos financeiros, a
repressão às greves, a redução dos gastos públicos, a elevação da taxa de
94
ANDERSON, op. cit., p. 100.
Nesse sentido: CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e seqüela. São Paulo: LTr, 1997. p.
23; SODRÉ, Nélson Werneck. A Farsa do Neoliberalismo. p. 21 a 27; MORAES FILHO, Evaristo de.
Introdução ao Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 1995, prefácio.
96
FERNANDES, Luis. Neoliberalismo e reestruturação capitalista. In: SADER, Emir; GENTILI,
Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2000, p. 54 – 63. p. 54.
95
97
LOPES, op. cit., p. 214.
desemprego e a realização de privatizações98. A privatização no modelo inglês
iniciou com habitação pública, seguida pelas indústrias básicas (petróleo, água, luz,
aço e gás); trouxe para o final dos anos 90, grandes índices de desemprego,
aumentando o número de pobres no país; tanto que o sucessor, Tony Blair, em
1997, implementou políticas de cunho keynesiano, chamadas de Terceira Via.
Nos Estados Unidos a implantação do modelo econômico se deu para fazer
frente ao modelo econômico da URSS, principalmente pela via da competição
militar-armamentista. Houve uma reforma interna sem a preocupação com uma
política orçamentária, já que esta deveria servir aos interesses da política antisoviética, que redundou em vultosos gastos militares, implicando brutal aumento do
déficit público.
Cada país adotou alguns princípios do modelo; por exemplo, os Estados
Unidos continuaram a defender as pequenas empresas e os subsídios agrícolas e
impuseram forte combate aos monopólios. O neoliberalismo na Europa ocidental
não cortou abruptamente os gastos sociais. Na proposta do modelo foi dada maior
ênfase à reforma tributária e à disciplina orçamentária.
A América Latina adotou o neoliberalismo seguindo a cartilha do Consenso
de Washington, com exceção do Chile que já o havia implantado, no início da
década de 1970, com o governo de Augusto Pinochet. Nesse país, segundo Perry
ANDERSON99, se deu o primeiro ciclo neoliberal do mundo, por meio da
“desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em
favor dos ricos e privatização de bens públicos.”100 Nos demais países latinoamericanos, o modelo se implementou a partir de meados da década de 1980; o
modelo foi seguido pela Bolívia, México, Argentina, Venezuela e Peru.
Até a década de 1980 a América Latina vinha adotando o controle de
importações e incentivo às exportações a partir de políticas cambiais, as quais
aumentaram as exportações. Porém essa política gerou forte inflação e estagnação
econômica. A recessão ainda foi agravada com a crise da dívida pública, devido a
98
CREMONESE, Dejalma. Neoliberalismo: o capitalismo globalizado. Ijuí/RS, 2001, p. 9.
Disponível em: <http://ipd.unijui.tche.br/ipdcidadania/artigo5.html>. Acesso em: 23 out. 2004.
99
ANDERSON, op. cit., p. 19.
100
Idem.
sucessivos déficits públicos, os quais eram cobertos principalmente com divisas
externas. 101
Os países em desenvolvimento passaram a ter forte pressão de que o seu
crescimento dependia da conciliação de suas políticas com as políticas adotadas
pelo Primeiro Mundo. Para isso precisariam implementar toda a cartilha trazida pelo
Consenso de Washington.
As propostas denominadas Consenso de Washington, segundo José Luis
FIORI, consistiram em um “conjunto de políticas e reformas propostas pelos
organismos multilaterais na renegociação da dívida externa dos países em
desenvolvimento”102; segundo Nilson Araújo de SOUZA, “foi uma tentativa de
responder a dupla necessidade do capitalismo moderno: ter uma ideologia positiva,
legitimadora do sistema, e ao mesmo tempo justificadora da nova ação de seus
monopólios no conjunto do mundo”103. O Consenso de Washington consistiu,
segundo Maria Conceição TAVARES e José Luis FIORI, em uma “seqüência de
ações recomendáveis no âmbito de políticas de estabilização e de ajuste”.104
Para os países que viessem a adotar o modelo neoliberal, o Consenso
propunha uma agenda com as seguintes providências: elaborar maior disciplina
fiscal, realizar uma reforma tributária, priorizar o pagamento da dívida externa,
adotar um regime cambial fixo, proceder à abertura dos mercados, autorizar o
investimento direto estrangeiro, realizar a privatização dos serviços públicos e
empresas públicas, desregulamentar as relações de trabalho e conferir maior
proteção à propriedade intelectual.
Juntamente estariam como objetivos a
manutenção de uma economia estável, que garantisse os direitos de propriedade e
as leis, reconhecesse incentivos privados em relação às ações sociais e aos
benefícios, adotasse políticas macroeconômicas e financeiras que tornem o débito
sustentável.105
101
SERRANO, Franklin; MEDEIROS, Carlos A. Padrões Monetários Internacionais e Crescimento.
In: FIORI, José Luis (org.). Estados e Moedas: no desenvolvimento das nações. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2000, p.119 – 153. p. 145.
102
FIORI, José Luis. De volta a questão da riqueza das nações. In: ___. (org.) Estados e Moedas
no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 11 – 48. p. 36.
103
SOUZA, op. cit., p. 18.
104
TAVARES, Maria Conceição; FIORI, José Luis. (Des)Ajuste Global e Modernização
Conservadora. São Paulo: Paz e Terra, 1993. p. 75.
105
Idem.
Tais políticas visavam à estabilização da economia, que seria alcançada
“quando o padrão de financiamento e de gestão do setor público ganhasse
autonomia suficiente para absorver as flutuações do balanço de pagamentos sem
solapar o equilíbrio fiscal”106, o que implica não desvalorizar a moeda e não
aumentar o endividamento público.
Assim há princípios universais de uma boa administração econômica que
devem ser aplicados nos países que seguem o Consenso de Washington. O
Consenso impunha fortemente uma “política de estabilização, com reformas
estruturais enfocadas na desregulamentação dos mercados, nas privatizações do
setor púbico e na redução do Estado”107.
Em síntese, segundo José Luis FIORI, o modelo transmitia a seguinte
mensagem aos mercados emergentes: “O crescimento das regiões atrasadas exigia
adesão ao livre comércio, estabilização e homogeneização dos preços, pela via dos
mercados desregulados, globalizados e competitivos”108.
Como condição prévia para as reformas neoliberais estavam a estabilização
econômica e os ajustes ficais109. Por isso, foram adotadas as mais diversas políticas
econômicas. Alguns adotaram mais fortemente a política monetária, outros deram
mais ênfase à política fiscal110. A maioria dos países adotou uma política monetária
ativa na tentativa de combater a inflação e realizar o ajuste do balanço de
pagamentos com taxas de câmbio flutuante.111
Na prática foram implementados quatro vertentes de ajustes na América
Latina, segundo Wilson CANO:
1) Política fiscal: cortes radicais nos gastos correntes
(notadamente em salários, gastos sociais e subsídios diversos)
e no investimento público houve poucas alterações na parte
tributária;
2) Política monetária: contenção drástica da expansão dos
meios de pagamento, do crédito interno, e elevação das taxas
de juros reais:
106
Ibidem, p. 77.
Ibidem, p. 133.
108
FIORI, op. cit., p. 37.
109
TAVARES; FIORI, op. cit., p.77.
110
Ibidem, p. 135.
111
Ibidem, p. 25.
107
3) Política salarial: contenção dos reajustamentos e queda
do salário.
4) Política cambial e de comércio exterior: desvalorização do
câmbio, incentivo as exportações e restrições as importações.
Não é difícil entender o sentido de cada política: a 1ª, 2ª e 3ª
atuariam na redução do consumo e do investimento (público e
privado), o que significa também redução de parte da demanda
por importações; a 2ª e a 3ª teriam efeitos sobre a contenção
inflacionária; a 3ª geraria efeito específico de redução de
custos e de melhoria da relação câmbio/salários; e a 4ª atuaria
na reversão do déficit comercial112.
A partir de 1990 a maior parte dos países latinos-americanos empregou os
ajustes estipulados. O receituário trazia a promessa não só de estabilidade, como
também de crescimento. Visava igualmente restringir créditos e salários e ajuste
fiscal para diminuir o déficit público.
A reforma tributária buscou a simplificação da cobrança de tributos e também
da diminuição das tarifas de importação e exportação. No entanto, houve uma
elevação considerável das alíquotas e na arrecadação tributária.
A reforma do Estado implicou fim dos monopólios públicos, descentralização
fiscal e de serviços, desregulamentações, eliminação de órgãos públicos etc.
A abertura comercial, principalmente do mercado financeiro, apontada ponto
central do Consenso, era inevitável diante da globalização, que impõe uma produção
mais eficiente, competitiva e produtiva.
O neoliberalismo, com a premissa de um mercado livre, juntamente com o
avanço tecnológico, acentuou ainda mais a globalização, isto é, a mundialização do
comércio. Esse processo, que segundo a maioria das doutrinas já havia sido iniciado
com as conquistas ibéricas, hoje influencia e é influenciada pelo modelo econômico
neoliberal. De acordo com Maria Conceição TAVARES e José Luiz FIORI,“a vitória
desse projeto expressou, ao mesmo tempo em que estimulou, um processo de
trans-nacionalização dos grandes grupos econômicos nacionais e seu fortalecimento
no interior do bloco dominante, além de exprimir, também, a fragilidade financeira do
112
CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (Des)ordem Internacional. 3. ed.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1994. p. 298.
Estado e a subordinação crescente da economia brasileira aos fluxos internacionais
de capitais”113.
Em contrapartida a esse comércio mundial, desde o final dos anos 80,
consolidaram-se os blocos econômicos como mecanismo de proteção às empresas
pertencentes aos países integrantes, abrindo apenas suas fronteiras aos membros
regionais; a maioria manteve restrições alfandegárias e protecionismo em relação
aos demais países. O que demonstra uma não-aplicabilidade mundial da abertura
irrestrita do comércio mundial. Wilson CANO argumenta que a saída para as crises
do modelo são sempre medidas de desaceleração da economia que causam
agravamento das questões sociais114.
A política cambial, nos países latino-americanos, em geral era fundada nas
âncoras cambiais, além de altas taxas de juros, que atraíram apenas capital
estrangeiro de curto prazo. Ao mesmo tempo os governos emitiam inúmeros títulos
da dívida púbica mobiliária para regular os mercados financeiros e cambiais
abertos115. Na verdade, a política cambial estava voltada à valorização da moeda e
não objetivava alavancar as exportações. A liberalização do mercado permitiria uma
maior concorrência com os produtos nacionais, evitando o aumento de preços. O
aumento dos juros privado não teve por objetivo conter a moeda, mas atrair capital
estrangeiro. Porém, alguns países mantiveram algumas proteções, principalmente
nos setores agrícolas116.
Os países da América Latina, pressionados pelos bancos internacionais, que
detinham boa parte do crédito de sua dívida pública, tiveram que adotar fortes
políticas de ajuste do balanço de pagamentos, como políticas macroeconômicas
recessivas e políticas cambiais ativas, além de obter elevados superávits para pagar
os juros da dívida externa; como contrapartida disso, está a necessidade de adotar
políticas fiscais constantemente117.
Houve grande pressão pela modernização do setor financeiro, mediante a
reformulação das instituições financeiras internas, suas funções e procedimentos,
113
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 76.
CANO, op. cit., p. 316.
115
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 78.
116
CANO, op. cit., p. 300 - 301.
117
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 76.
114
para agilizar as transações. Permitiu-se a entrada de bancos internacionais e maior
fiscalização e controle das bolsas de valores e de mercados.
No entanto, a entrada de capital financeiro mundial só ocorreu na segunda
onda de expansão dos mercados financeiros globalizados, no início dos anos 90, a
qual se inicia quando os capitais financeiros buscam maior rentabilidade, ainda que
assumam maior risco118. Conforme expõe BELLUZZO, “a internacionalização
financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isso sim, à
valorização das moedas locais, à especulação com ativos reais e financeiros, à
aquisição de empresas já existentes, ao sobreinvestimento”.119 A América Latina na
década de 1990 vai buscar financiamento no fluxo de capitais externos, aumentando
ainda mais a dívida externa.
Com a facilidade das transações mundiais, há a criação de uma nova classe
controladora da sociedade, cuja formação se deu com a consolidação dos grandes
grupos econômicos nacionais, produtivos e financeiros. Hoje o capitalismo está na
fase do capital financeiro, que possibilitou uma dinâmica maior do modo de
produção, de modo que aqueles que comandam concretamente esse processo são
os que dominam, controlam e são proprietários de multinacionais e de instituições
financeiras.
O chão de fábrica foi demolido pelo neoliberalismo, isto é, se tornaram
obsoletos, tanto o paradigma fordista como o taylorista de produção, ou seja, a
fabricação de produtos homogêneos e em etapas isoladas foi substituída por outro,
baseado na velocidade do desenvolvimento da informática e das técnicas industriais,
que propiciou estruturas produtivas flexíveis, diferenciadas e integras e introduziu
novos padrões de eficiência, em termos de organização, administração e
qualificação de recursos humanos120. O Japão foi o pioneiro a propor o modelo
Toyota de produção, que minimizou o tempo de estoque e priorizou a qualidade dos
produtos, permitindo um aumento no comércio internacional do país121. Com estes
modelos, segundo TAVARES e FIORI, o “trabalho deixou de ser considerado um
118
BELLUZZO, op. cit., p. 109.
Idem.
120
FARIA, José Eduardo. Democracia e governabilidade: os direitos humanos à luz da
globalização econômica. In: PINHEIRO, José Ernane; et al, (org.). Ética, justiça e direito: Reflexões sobre
a reforma do judiciário. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 5 – 39. p. 31 e 32.
121
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 29.
119
simples fator de produção para tornar-se a principal força organizadora de produção
no interior do planeta” 122.
Com as modificações realizadas na produção japonesa e o crescimento dos
Tigres Asiáticos, os Estados Unidos e a Europa se viram obrigados a modificar a sua
forma de produção. Os Estados Unidos passaram a adotar um sistema semelhante
de gestão empresarial conhecido como Just in time. Na Itália, as empresas
construíram grandes alianças e procuraram não perder o dinamismo da pequena
empresa.
Ao contrário dos países latino-americanos, países como Inglaterra, Estados
Unidos e Japão investiram expressivamente em inovação tecnológica. Tanto que a
aposta desses países deu certo, a propriedade predominante hoje é a propriedade
intelectual, é ela que hoje gera lucros. Por isso, a gestão empresarial está voltada à
gestão do conhecimento.
Hoje, na terceira Revolução Industrial, as empresas se caracterizam pela
grande velocidade nas modificações tecnológicas, menor estrutura física e maior
flexibilidade. Como resultado desse processo estabeleceu-se uma expressiva
quantidade de empresas informais e de serviços com grande flexibilidade e
dinamismo.
O mercado financeiro é o ambiente de maior concorrência mundial, a disputa
pela atração de capital internacional levou muitos países a elevarem a suas taxas de
juros, inibindo investimos internos privados. Investimentos rentáveis e com grande
liquidez é o que procura o capitalista atual. Tal modificação criou uma “classe
financeira” (bancos). Essa preponderância apenas demonstra a autonomização do
capital a juros, referido por Marx123.
Os bancos a partir da década de 1980 passam a atuar de forma globalizada e
incentivados pelas altas taxas de juros praticadas pelos países, principalmente os
Estados Unidos. Em contrapartida, retira-se deles a possibilidade de regulação e
operação consensual dos países capitalistas. No entanto, os bancos se tornaram
necessários para conferir o suporte financeiro para a reestruturação tecnológica e
financeira das empresas.
122
123
Ibidem, p. 44.
BELLUZZO, op.cit., p. 91.
Para obter lucros especulativos, os bancos apóiam os ajustes do balanço de
pagamento pela taxa de câmbio flutuante adotados pelo governo, pois só assim no
médio e longo prazo se estabilizaria o balanço de pagamento, inclusive com uma
distribuição equitativa entre devedores e credores.
O efeito de todas essas medidas causou elevação nos juros para atração do
capital externo e o câmbio valorizado estimulou as importações, ancorando os
preços internos, o que ocasionou um déficit no balanço das transações correntes, as
exportações cresceram muito menos que as importações. 124
Para Wilson CANO, é impossível que a sustentabilidade do modelo tenha
como principal determinante o fluxo de capital externo, que é influenciado por um
crescimento permanente e crescente.125 O crescimento da economia também
possibilita um aumento nas importações, a que inviabiliza a continuidade de
crescimento em médio prazo. A política de juros elevados para conter a inflação
aumenta os custos financeiros, que irão inibir investimentos produtivos, o que altera
os preços na economia e fortalece a especulação126. A tendência será o aumento
inflacionário ou a diminuição da acumulação privada.
Assim, as políticas de combate à inflação tiveram resultados opostos ao
esperado. Os juros elevados e a desvalorização cambial aumentaram os custos dos
produtos e os preços, o abrupto aumento da dívida pública superou os efeitos da
contenção monetária, a correção monetária apenas trazia expectativas de inflação
futura. Houve um grande débito fiscal pela tomada de empréstimos para
investimento no setor público e oferecimento de subsídios. Por isso, era necessária
uma reordenação financeira dos países junto aos devedores, que conferiam a
diminuição do Estado no setor privado, privatizações, desregulamentação e abertura
comercial.127
A adoção do modelo de mercado está se convertendo hoje em decepção e
desencanto, ao se constatar, na prática, as enormes limitações, não somente para
distribuir equitativamente os lucros que geram, mas também para produzi-los. A
fidelidade ao modelo não garante os melhores êxitos econômicos na conjuntura
atual.
124
CANO, op. cit., p. 304 - 305.
Ibidem, p. 318.
126
Ibidem, p. 319.
127
Ibidem, p. 299.
125
Os
neoliberais
não
previram
que
a
desregulamentação
financeira
proporcionou condições mais propícias às especulações do que a produção. A partir
dos anos 80, o comércio de mercadorias reais diminuiu e aumentou o comércio
especulativo128.
A situação paradoxal, na qual se produz cada vez mais e se lucra cada vez
mais, enquanto o desemprego daqueles que não produzem e a pobreza daqueles
que não consomem aumenta, resulta desta combinação de políticas neoliberais. “O
capitalismo, como o símbolo mais proeminente da modernidade contemporânea,
acumula miséria e pobreza.”
129
Por conta disso, elevaram-se os gastos sociais
devido ao aumento do desemprego e ao aumento dos aposentados, que
proporcionou um aumento dos gastos com pensões130. Os gastos sociais em 1993,
nos países da OCDE, eram mais altos que os de 1979131, no Estado do Bem-estar
Social.
Com um quadro social que apresenta cada vez mais desigualdades sociais e
altas taxas de desemprego, alguns estudiosos entendem que em breve iniciará o
pós-neoliberalismo.
A crítica à economia neoliberal reside na pobreza e na desigualdade que ela
gera. Aliás, estas recaem inclusive nas metas do modelo, pois o aumento da taxa de
desemprego anularia o poder dos sindicatos que interferiam artificialmente no
mercado. No entanto, foi justamente o contrário que ocorreu. Houve a estagnação
dos salários e o aumento do desemprego, assim como as desigualdades sociais
tiveram grande aumento.
Os neoliberais rebatem tais críticas fundamentando que a pobreza afeta
apenas as pessoas que não conseguem cuidar de si, pois não há desemprego
involuntário. Nesse sentido, Atílio A. BORON constata que: “o mercado demonstrou
128
ANDERSON, op. cit., p. 16.
HIRANO, Sedi & CHOI, Dae Won. Globalização e Regionalização: América Latina e a Nova
Ordem Mundial. In MOROSIN, Marília Costa (org.) Universidade no Mercosul. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1998. p. 79 apud SIMÃO, Hebert Covre Lino. Globalização, Neoliberalismo e Direito. Agora Jurídica.
Disponível: <http://www.fes.br/revistas/agora_juridica/ojs/files/2005/AGJ-2005-2.pdf>. Acesso em: 30 abr.
2008.
130
ANDERSON, op. cit., p. 16.
131
THERBORN, Goran. A Crise do Futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo
(Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000, p. 39 – 62, p. 46.
129
ser completamente inútil para resolver estes problemas e não porque funcione mal,
mas porque sua missão não é de fazer justiça, mas a de produzir lucros.” 132
Por isso, a justiça social é desacreditada pelos teóricos, qualquer tentativa
torna-se inócua porque novas desigualdades fatalmente ressurgirão. A desigualdade
é um estimulante que faz com que os mais talentosos desejem destacar-se e
ascender, ajudando dessa forma o progresso geral da sociedade. Tornar iguais os
desiguais é contraproducente e conduz à estagnação.
Como êxito do modelo aponta-se o combate às hiperinflações dos anos 70, o
enfraquecimento dos sindicatos, a estagnação dos salários, o aumento da massa
trabalhadora ociosa, que possibilitou a recuperação dos lucros empresariais.
Entretanto, os países cresceram a taxas menores que as esperadas, não
alcançando as taxas da década de 1950 e 1960.
No entanto, com as constantes ameaças da inflação, há uma crise de
legitimidade do neoliberalismo no plano internacional e um esgotamento de suas
políticas.
Os governos estão percebendo que apenas manter uma política econômica
que torne os países economicamente estáveis para um maior investimento privado
não está sendo suficiente. O mercado, mais uma vez, não está conseguindo por si
só oferecer boas condições de vida a população. Ao contrário, ainda que o nível de
produção de riqueza tenha crescido no último século, a distribuição desta riqueza foi
mantida se não concentrada a menos de 5% da população mundial. Nesse sentido
escreveu Philip BLOND, na obra “o fracasso do neoliberalismo”:
Mas, a verdadeira história do sucesso do neoliberalismo não é
a disseminação dos bens para todos, mas sim a enorme e
desproporcional parcela de prosperidade obtida pelos muito
ricos. Nos Estados Unidos, entre 1979 e 2004, o grupo formado
por 1% dos mais ricos da população experimentou uma
elevação de 78% da sua fatia da renda nacional, enquanto
80% da população amargou uma redução média da sua
parcela de renda da ordem de 15%. Isto representa uma
transferência de riqueza da grande maioria para uma
minúscula minoria de cerca de US$ 664 bilhões.
132
BÓRON, Atílio A. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina. São Paulo: Paz e
Terra, 1994, p. 204.
[...]
Os índices de crescimento na América Latina e na África, que
costumavam ser maiores do que os das outras nações em
desenvolvimento, caíram mais de 60% depois que os países
dessas regiões abraçaram o neoliberalismo patrocinado pelo
Fundo Monetário Internacional na década de 1980. Atualmente
essas economias encontram-se praticamente paralisadas133.
Os Estados já estão passando a adotar um maior número de políticas sociais.
Não se preocupam apenas em manter a economia estável. A população já não
apóia mais a privatização das empresas, mas, ao contrário, que estas tenham
investimentos governamentais. Nessa linha é o pensamento de SOUZA: “os
excedentes gerados na empresa pública objetivam não o enriquecimento individual,
mas o investimento em mais progresso econômico e mais bem-estar social”134.
Discute-se a possibilidade de estar iniciando o pós-neoliberalismo há algum
tempo: vive-se a contradição entre a força das transformações regressivas
produzidas por ele e suas conseqüências sociais negativas, com claros reflexos
numa crise ideológica de legitimidade135.
Emir SADER defende a possibilidade implementar um modelo alternativo ao
neoliberalismo. O neoliberalismo seria muito mais um ideal teórico do que uma
implantação concreta. "Estas [dialéticas teóricas], sem aquela [experiência prática],
se resumem ao acúmulo de circunstâncias, que se esgotam em si mesmas. A
prática teórica, sem desembocar em experiências concretas, se esgota na
impotência"136.
No entanto, como ressalta SADER137, os mecanismos de mercado propostos
pelo modelo estão bastante sólidos nos discursos e nas políticas dos países, porém
há
um
133
esgotamento
ideológico.
A
economia
de
mercado
mundial
vem
Tradução livre de: “But the real story of neo-liberal success is not the extension of assets to all,
but the huge and disproportionate share of wealth attained by the very rich. In the United States, between
1979 and 2004 the wealthiest 1 percent saw an increase in their share of national income of 78 percent,
whereas 80 percent of the population saw an overall decrease in their income share by 15 percent. That's a
wealth transfer from the large majority to a tiny minority of some $664 billion. (…) the growth rates of Latin
America and Africa, which had been higher than other developing nations, dropped by over 60 percent after
they embraced IMF-sponsored neo-liberalism in the 1980's, and have now ground to a halt. In: BLOND,
Philip. The Failure of Neoliberalism. Herald Tribune. Lancaster, England, 22/01/2008. Disponível em:
<http://www.iht.com/articles/2008/01/22/opinion/edblond.php>. Acesso em: 02 mar. 2008.
134
SOUZA, op. cit., p. 73.
135
FERNANDES, op. cit., p. 55.
136
SADER, Emir. Perspectivas. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.102.
137
Ibidem, p. 103.
“condicionando e cooptando governos”, forças sociais e intelectuais. No entanto,
Emir Sader não se arrisca, assim como fez Atílio Bóron, a propor um modelo
econômico sucessor, apenas sugere medidas de transição. A alternativa ainda está
em aberto.
Essa, no entanto, não é a visão de pensadores como Anthony GIDDENS, que
sustentam que há países que não estão adotando nem um socialismo, nem o
neoliberalismo puro, mas uma “terceira via”. Para alguns, a terceira via seria apenas
uma “construção ideológica-marqueteira para designar um caminho intermediário
entre as tendências estatizantes da velha social-democracia e o liberalismo puro e
duro” 138.
Tal sistema teria sido adotado pelo governo de Tony Blair, na Inglaterra, e que
obteve como resultado a saída de três milhões de pessoas da pobreza ao longo de
dez anos de prosperidade, com uma taxa de desemprego de 25%, estabeleceu um
salário mínimo, não permitindo mais que o mercado fixe livremente os salários,
assim como o governo volta a investir em serviços públicos139.
Para Luiz FERNANDES, a mudança ocorrerá sob a forma de duas grandes
tendências divergentes:
Uma tendência que pode ser definida como alguma coisa na
direção interna dos ethos comunitário-finalístico. As grandes
transformações nas estruturas produtivas, tanto no plano
nacional quanto internacional; a crise econômica, entendida em
termos de paralisação dos crescimentos, abertura política e a
crise interna do Estado, incluída aí a ineficiência do
funcionamento dos seus aparelhos. Tudo isso tem levado a
arena dos interesses que já não podem ser resolvidas pelo uso
da força, legitimada como se o objeto fosse outro, nem pela
conciliação. Em que os negociadores entram em acordo para
expulsar as perdas para terceiros. Se por um lado estas
disputas deslegitimam a ordem social anterior, por outro lado
elas legitimam a transformação. Nessa direção pode ser que
estamos caminhando para formação de um ethos pluralistas,
que venha a alterar o padrão básico de integração social, sem
ameaçar a coesividade da sociedade brasileira e reduzindo a
138
GIDDENS, Anthony; BORGES, Maria Luiza X. de A. A terceira via: reflexões sobre o impasse
político atual e o futuro da social-democracia. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 15.
139
FERNANDES, op. cit., p. 55.
desigualdade e a exclusão, que tende a ser cada vez menos
socialmente toleradas140.
Atílio BÓRON entende ser: “prematuro dizer que já entramos numa fase pósneoliberal, creio, sim, que é importante não perder de vista os sintomas de
esgotamento que apresenta a experiência neoliberal e os obstáculos objetivos com
que ela tem tropeçado no mundo desenvolvido e nos países de periferia”. 141
Demonstra o citado autor, que pensar que o capitalismo é eterno é uma idéia
maliciosa, que visa principalmente à conformação da sociedade. Entende que o
capitalismo, por ser um modo de produção, um dia também estará fadado à
superveniência de outro.142 Atílio BÓRON afirma que “o que a classe financeira
dominante procura é uma nova legitimação do capitalismo, fazendo como se fosse o
último modo de produção da história”.143
Por isso, com o fim do neoliberalismo, Atílio BÓRON vê a volta das idéias
socialistas, ou, pelo menos, um retorno da preocupação social, e não mais um
Estado que se preocupa em manter as condições para o bom funcionamento do
mercado. “Hoje, mais do que nunca, é importante desenhar uma estratégia de longa
duração pela luta do socialismo”.144
O pós-neoliberalismo não será necessariamente o socialismo, nem uma nova
etapa do capitalismo. Pode-se dizer que o pós-neoliberalismo, segundo Goran
THERNBORN:
será uma situação política e social em que os desafios e as tarefas da
justiça social, os direitos sociais e econômicos de todos os seres humanos,
os problemas planetários do meio ambiente e a questão da arquitetura do
ambiente social estarão no centro do discurso político. Dado que o
neoliberalismo como tal é uma superestrutura do capitalismo, o pós145
neoliberalismo deverá ser outra nova situação política e ideológica.
Ao contrário de Bóron, Emir SADER146 não vê como alternativa ao
neoliberalismo, o socialismo. Para fundamentar seu posicionamento, escreve que
"[...] diante da maior crise social que o capitalismo viveu desde a década de 1930,
140
Idem.
BÓRON, op. cit., p. 185.
142
Idem.
143
Ibidem, p. 186.
144
Ibidem, p.189.
145
THERBORN, op. cit., p. 182.
146
SADER, Perspectivas…, p. 110.
141
nunca a esquerda foi tão fraca.[...] Tanto os sindicatos quanto os partidos de
esquerda ou se descaracterizaram ou se enfraqueceram substancialmente. Assim,
existe um abismo entre o que o marxismo chama de 'condições objetivas' e
'subjetivas'". Por isso, para ele há um período de transição, a que denominou pósneoliberalismo. Emir SADER define o pós-neoliberalismo como um período de
transição, mas admite que este possa ter uma duração longa; afirma o autor:
Nesse período se desenvolveriam novas formas de socialização na
reorganização da economia, de cooperação social, na construção de
múltiplas formas de afirmação das identidades culturais, na multiplicação
das formas de integração e de solidariedade internacionais. Este período se
daria como transição entre o capitalismo, na sua forma neoliberal, e as
sociedades pós-capitalistas. Ao longo desse período se construiriam as
novas formas de subjetividade, os novos sujeitos sociais, que dirigiriam
essas novas sociedades pós-capitalistas. Formas de relações mercantis
seriam combinadas com formas socializadas de relações econômicas,
sociais e culturais, gerando assim um período contraditório, de disputa entre
as forças favoráveis à restauração da hegemonia capitalista e aquelas que
147
lutam por sociedades socialistas .
Como medidas para caracterizar o ambiente de transição, Emir SADER
sugere o cancelamento da dívida dos países periféricos, já que o pagamento da
mesma impossibilita qualquer investimento social e estrutural na economia do país
devedor. Outras medidas sugeridas seriam o imposto sobre grandes fortunas e
maiores tarifas e controle sobre grandes transações financeiras, este último inibiria o
capital especulativo. Também aconselha a inibir gastos militares excessivos. Além
disso, sugere um melhor controle do comércio mundial, impondo um maior equilíbrio
nas transações entre países. Para o plano político, requer uma efetiva implantação
da Democracia, sem que esta seja apenas uma fachada e arena de combate para
diferenças sociais148.
No entanto, para ser possível a concretização do pós-neoliberalismo o
imperialismo americano deve enfraquecer-se. Afirma-se que o imperialismo
econômico continua em vigor; porém, economicamente pode-se dizer que ele
perdeu bastante espaço, principalmente para a China. A sociedade civil, bem como
o chamado terceiro setor, deve ser capaz de perceber a sua força e propor
mudanças ao modelo neoliberal, defende que o pensamento de esquerda não têm
147
148
Ibidem, p. 89.
Ibidem, p. 45.
força para impor uma nova ideologia, principalmente com a desilusão que a
população já teve com essa via149. Entende que, assim como o mercado está
globalizado, a luta por valores sociais, democracia e justiça social reclama também
uma mobilização mundial.
Emir SADER sustenta que "numa economia mais internacionalizada do que
antes, com os mecanismos de dependência externa mais fortes, dificilmente seria
possível sair da 'financeirização' de sua economia e construir um modelo pósneoliberal, sem mecanismos consolidados de integração regional. Assim, devem
correr juntos um refortalecimento dos Estados nacionais e a construção de
processos de integração supranacional".150
O neoliberalismo ainda para a maioria dos autores permanece forte, mas para
Atílio BÓRON, “o pós-neoliberalismo já tem mostras de surgimento em alguns
países”151, e exemplifica que nos países do sudeste asiático pode-se ver claramente
que a adoção da agenda do Consenso de Washington foi menor, no entanto, são
bem mais dinâmicas no capitalismo do que aquelas mais fortemente influenciadas
pela ortodoxia do Consenso de Washington,152 principalmente, a China, Índia e
Vietnã.
Desde o fracasso, a principal conseqüência está na agenda reformista
elaborada pelo Consenso de Washington. A crítica ao Consenso de Washington é
se trata de medidas gerais, sem considerar as particularidades dos países, como se
fosse um remédio milagroso em que aqueles que o seguissem se tornariam países
desenvolvidos. O contexto dos países e suas necessidades não foram levadas em
consideração. Portanto, não corresponde à realidade empírica de como o
desenvolvimento realmente ocorre. Apenas descreve como o avanço econômico
apareceria, mais do que prescrevendo como chegar lá na prática. Em resumo, a
agenda do Consenso de Washington é inatingível e inapropriada.
1.2.3 A Ascensão do Neoliberalismo no Brasil
149
Ibidem, p. 47.
Idem.
151
BÓRON, op. cit., p.187.
152
Idem.
150
A política econômica neoliberal começou a ser amplamente adotada no
governo de Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990, sendo
intensificada no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Luis FILGUEIRAS entende que o “processo, de implantação e evolução do
projeto neoliberal, passou por, pelo menos, três momentos distintos”: 1) iniciado na
da década de 1990, bastante turbulento, de ruptura com o Modelo de Substituição
de Importações e a implantação das primeiras ações concretas de natureza
neoliberal (Governo Collor); 2) a fase de ampliação e consolidação da nova ordem
econômico-social neoliberal (primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC);
e, 3) a fase de aperfeiçoamento e ajuste do novo modelo, na qual se amplia e
consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula)153.
Até meados da década de 1980 predominaram políticas desenvolvimentistas,
isto é, a substituição das importações. Esta política resultou em grande crescimento
na dívida externa e uma alta taxa de inflação; o Estado se apresentava
financeiramente “falido”154. A dificuldade do ajuste monetário e financeiro e a
complexidade da transição brasileira, do modelo de substituição de importações
para uma economia de mercado, decorriam da força política da indústria nacional e
da heterogeneidade pela qual estava fundada155.
De 1985 a 1990 programaram-se políticas econômicas para tentar estabilizar
a inflação, acabar com o regime autoritário, e também se iniciou a reforma estatal.
No final da década de 1980 formou-se um grande consenso sobre as políticas de
ajuste e as reformas propugnadas no Consenso de Washington. Inúmeros planos
econômicos (Cruzado - 1986; Bresser-1987 e Verão-1989) tentaram em vão
combater a inflação galopante. A partir de 1988 o governo retoma a renegociação da
dívida externa e passa a implementar algumas reformas liberalizantes internas, que
se aproximam das recomendações do Banco Mundial e do FMI156.
153
FILGUEIRAS, Luiz. Projeto político e modelo econômico neoliberal no Brasil: implantação,
evolução, estrutura e dinâmica. Disponível em: < http://www.desempregozero.org.br/ensaios/
projeto_politico _e_modelo_economico_neoliberal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.
154
TAVARES; FIORI, op.cit., p. 149.
155
Ibidem, p. 145.
156
Ibidem, p. 150-152.
No entanto, as políticas implementadas não contiveram o aumento da
inflação, porém, serviram para criar um consenso entre as elites políticas, de que o
Brasil não vivia apenas uma crise econômica conjuntural. O Brasil estava
extremamente atrasado tecnologicamente; o mundo vivia a Terceira Revolução
Industrial, enquanto o país estava na segunda.
Com essas justificativas, o Brasil começou a adotar as medidas propostas
pelo Consenso de Washington. O país abriu amplamente o seu comércio,
desregulamentou o fluxo financeiro, privatizou serviços públicos, realizou uma ampla
reforma administrativa, econômica e previdenciária. Segundo Maria Conceição
TAVARES e José Luis FIORI, a agenda do Consenso adotado pelo Brasil consistiu:
A Reforma administrativa, patrimonial e fiscal do Estado;
renegociação da dívida externa; abertura comercial; liberação
de preços; desregulamentação salarial; e, sobretudo, prioridade
absoluta para o mercado como orientação e caminho para
nova integração econômica internacional e modernidade
institucional157.
A Reforma do Estado foi iniciada com a promulgação da Constituição de
1988. No campo administrativo procurou-se realizar a transição de um modelo
burocrático passou-se a adotar o modelo gerencial. No campo patrimonial foi
concretizada pelas privatizações dos serviços públicos, intensificadas no governo de
Fernando Henrique. A reforma fiscal foi iniciada com Fernando Collor, mediante
inúmeros cortes nos gastos públicos e reestruturação da dívida. A reforma fiscal do
Estado teve por marco a Lei Complementar n.º 101/2001, que impôs planejamento e
limite aos gastos e endividamento do setor público.
O governo Fernando Collor já havia se preparado politicamente para receber
as reformas neoliberais. Nesse governo, o Brasil passou a adotar o cronograma
completo do Consenso de Washington de estabilização e reformas institucionais.
Collor iniciou o programa de diminuição da dívida interna, corte de gastos
públicos e aumento da receita fiscal, deu um importante passo abrindo a economia
brasileira, retirando boa parte do protecionismo sobre as indústrias nacionais.
157
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 153.
Houve, portanto, uma ruptura com o modelo econômico e político da década
de 1980. No plano político econômico deixou-se de ter uma preocupação somente
de estabilização, mas também uma preocupação de longo prazo. Trata-se de uma
política econômica que não visava apenas estagnar a inflação, mas também
promover reformas estruturais na economia.
Inicia-se em 1991 um processo de ajuste fiscal e de estabilização,
necessitando uma desvalorização da taxa cambial, para possibilitar um superávit
comercial, constituição de reservas internacionais e a renegociação da dívida
externa158. Para diminuir o crédito interno e permitir a apropriação do superávit
primário e entrada de capitais, foram emitidos títulos da dívida púbica com juros
elevados. Para a aquisição desses títulos, os bancos exigiram a indexação ao dólar,
que estava fortemente valorizado pela âncora cambial e juros elevados159.
Aumentou grandemente a dívida púbica e a privada e continuou a ser alto o gasto
público.
A abertura comercial concretizou-se pela diminuição de barreiras tarifárias, e
de um controle quantitativo e administrativo sobre as importações, bem como o
esgotamento da política de substituição das importações. A barreira tarifária média
em 1989 era de 30,5%, em 1990 a barreira era de 32,2%, chegando em 1995, a
13%160. O maior passo foi a abolição da reserva de mercado de informática.
As modificações políticas realizadas durante o governo Collor sofreram
grande resistência populacional, sendo uma das principais causas que levaram ao
processo de impeachment do então presidente. Havia descontentamento em todos
os setores da sociedade; as empresas, pelo fim da política de substituição das
importações, a classe trabalhadora, porque se encontrava temerosa com a
diminuição de políticas sociais. Esta situação é bem exposta por Luiz FILGUEIRAS:
A demora do projeto neoliberal se impor, no interior das classes
dominantes, foi devido à complexidade da estrutura produtiva do país.
Nesse âmbito, a contradição fundamental se referia, sobretudo, ao processo
de abertura comercial - que atingia de forma bastante diferenciada os
diversos ramos de produção industrial e agro-industrial-, em particular, a
158
Ibidem, p. 100.
TAVARES, Maria Conceição. Império, Território e Dinheiro. In: FIORI, José Luis. Estados e
Moedas. Petrópolis; Vozes, 2000, p. 479.
160
GENNARI, Adilson. Globalização, neoliberalismo e superpopulação no Brasil nos anos
1990. 11p, p. 4-5. Disponível em: < http://www.fclar.unesp.br/eco/amg-pesq.pdf> Acesso em: 02 abr. 2008.
159
disputa se dava em torno do ritmo e amplitude que a abertura deveria
assumir. Essa contradição se expressou, conjunturalmente, na seguinte
disjuntiva: a abertura deveria ser utilizada como instrumento de combate à
inflação (como de fato ocorreu) ou, alternativamente, deveria se constituir,
através de uma política industrial ativa, num instrumento de modernização e
aumento da competitividade da estrutura produtiva do país (como pleiteava,
161
majoritariamente, o empresariado industrial) .
Com o impeachment assumiu a chefia do Poder Executivo o vice-presidente
Itamar Franco que continuou a adotar a agenda neoliberal, preparando inicialmente
o terreno econômico, sob a justificativa de acabar com a inflação; foram realizados
cortes de subsídios e revistas inúmeras isenções fiscais; cortes nos gastos públicos;
houve maior êxito na renegociação da dívida externa com os bancos privados e
ampliação da liberalização financeira.
Fernando Henrique Cardoso, como Ministro da Fazenda no governo de Itamar
Franco, promoveu um novo plano econômico, buscando estabilizar a moeda. O
plano real até o presente momento tem tido êxito nesta meta. Desse modo,
conquistou a confiança e o apoio popular para adotar as reformas do Estado, de
burocrática para gerencial, a reforma previdenciária, tributária, trabalhista,
orçamentária etc.
Para respaldar as políticas econômicas foi elaborado um rigoroso ajuste no
balanço de pagamentos e executadas as reformas institucionais recomendadas pelo
Consenso de Washington. No governo de Itamar Franco foi realizada uma reforma
tributária emergencial, ampliou-se o controle de emissão de novas dívidas públicas
por parte dos Estados-membros e se renegociaram as dívidas vencidas destes, bem
como se renegociou a dívida externa brasileira com FMI. Itamar Franco continuou
com a abertura comercial e aprovou a lei de propriedade intelectual.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o processo de liberalização da
economia intensificou-se. A política econômica era voltada ao mercado externo, e
com câmbio fixo, também indexado ao salário. Assim, a economia dependia
fundamentalmente do fluxo de capital financeiro internacional.
161
FILGUEIRAS, Luis. Projeto político e modelo econômico neoliberal no Brasil: implantação,
evolução, estrutura e dinâmica. Disponível em: < http://www.desempregozero.org.br/ensaios/
projeto_politico _e_modelo_economico_neoliberal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.
A política monetária continuou a ser marcada pela restrição da emissão do
papel moeda, a elevação das taxas de juros, a privatização dos bancos estatais e a
entrada de bancos internacionais no mercado financeiro.
A idéia de que os serviços públicos estariam defasados e a impossibilidade do
Estado de mantê-los, devido aos constantes cortes nos gastos públicos, possibilitou
a legitimação das privatizações perante a sociedade. A desestatização dos serviços
públicos de telecomunicação, energia elétrica, minério e águas, nada mais são do
que concretização do neoliberalismo. A privatização desses serviços públicos
determina a retirada do Estado da execução dessas atividades econômicas que
podem ser desempenhadas de maneira mais eficiente pelo setor privado, cabendo
ao Estado apenas a sua regulação.
Dessa forma, na perspectiva política, cabe ao Estado apenas o papel de
coordenador estratégico de um grande esforço de compatibilização do mercado para
manter a competitividade e a inserção no mercado mundial, ao mesmo tempo em
que deve se preocupar com a justiça social e a democracia.
As crises de 1991-1992 fizeram com que, em 1997, surgissem novas
diretrizes do Consenso, motivadas principalmente da inefetividade da política fiscal e
monetária aplicadas em um ambiente de recessão e inflação.
162
As críticas ao
Consenso de Washington começaram a surgir em 1993, pelo próprio BIRD, mas as
principais críticas foram realizadas pelo Banco Mundial em 1996 e 1997, por meio
dos documentos de Revisão do Consenso de Washington e o Pós-consenso de
Washington.
Essas instituições internacionais chegaram à conclusão de que as
reformas macroeconômicas do modelo eram “necessárias mas não suficientes”163
para que os países se desenvolvessem.
Um adendo ao consenso foi elaborado sobre quatro pilares: 1) reformas
liberais não garantem crescimento em longo prazo; 2) o Estado, ainda com a
globalização, continua a ser a peça-chave para a estabilização da economia; 3) o
Estado deve ser o coordenador do desenvolvimento estratégico; 4) a democracia é
objetivo ético-político a ser alcançado, para obter um crescimento mais equitativo164.
Esse novo consenso, segundo Maria Conceição TAVARES e José Luis FIORI:
162
TAVARES; FIORI, op. cit., p. 162.
FIORI, op. cit., p. 39.
164
TAVARES ; FIORI, op. cit., p. 167-168.
163
reconhece na intervenção estatal um elemento decisivo de sua
estratégia e quando vê na reforma do Estado um processo
indiscutível de acumulação, encarada como capacidade técnica
e política de coordenar a construção, juntamente com o setor
privado, do novo modelo de desenvolvimento. [...] Sabem que é
indispensável reduzir a sua atividade empresarial e sanear
financeiramente o universo produtivo restante, a ser
administrado na eficiência e em seus próprios recursos.
“Sabem da necessidade de eliminar o gigantismo do Estado e
concentrar a ação do Estado em núcleo de funções
estratégicas”.165
A crise mundial de 1998/1999 testou a confiabilidade do modelo. O temor de
que o Brasil entrasse em profunda crise econômica e financeira, como ocorreu com
os países do Sudeste Asiático e a Rússia, poderia acabar com toda a estabilidade
financeira da América Latina. Somente com a crise muito próxima de trazer seus
efeitos ao país que o FMI emprestou 41 bilhões de dólares para respaldar o país
com reservas em moeda americana e controlar a crise que estava por vir. Não se
deve esquecer que o Congresso americano contribuiu com 20 bilhões de dólares166.
Mesmo com a quantia emprestada, o Brasil teve que adotar outras medidas, como a
flexibilização cambial, tendo vista que já não possuía mais reservas para manter a
paridade da moeda. O arrocho cambial teve grande contribuição na elevação da
dívida pública brasileira, porém era o meio de estabilidade da inflação.
A política cambial foi interrompida abruptamente em 1999, com uma forte
desvalorização cambial. A desvalorização acarretou em um grande crescimento da
dívida pública privada nesse período, decorrente da desindexação do dólar. A dívida
externa teve que ser renegociada, o que travou o processo de crescimento,
bloqueando grande parte da capacidade de investimentos do setor público, para
pagamento da dívida pública. Assim, para possibilitar mínimos investimentos e o
pagamento da dívida, foram progressivamente aumentando os impostos167.
165
TAVARES, FIORI, op. cit, p. 173.
COUBLIN, op. cit., p. 60.
167
Nesse sentido Luiz FILGUEIRAS, op. cit., p. 26: “A carga tributária cresceu, sistematicamente,
a partir do segundo Governo FHC (1999-2002), passando de 25% para 37%, como contra-face necessária
da política fiscal adotada após a crise cambial de janeiro de 1999, de obtenção de elevados superávits
fiscais primários para o pagamento da dívida pública. Do total da arrecadação, 27% do seu valor vem dos
salários, 49% do consumo e apenas 16% dos rendimentos do capital e outras rendas e 3% de impostos
sobre a propriedade e herança”.
166
A grande dependência de investimento estrangeiro causada pela abertura
comercial é o que caracteriza o sistema de mercado brasileiro. O problema é que
este modelo gera competitividade entre países por investidores e, para atraí-los, o
Brasil impôs a segunda maior taxa de juros do mundo. O capital estrangeiro vai a
busca de aplicações com maior rentabilidade possível e com liquidez de curto
prazo168. Há uma concorrência “intercapitalista” entre os blocos de capitais,
internacionalizando a competição por novos mercados.
As empresas nacionais também modificaram as suas estratégias, tenderam à
especialização produtiva e a adotar medidas mais conservadoras, reduzindo os
investimentos. As empresas nacionais, para se protegerem da concorrência externa,
passaram a reduzir custos e terceirizar serviços. Abandonaram linhas de produtos
que não eram tão rentáveis, racionalizaram a produção por meio da reengenharia,
com o baixo preço do dólar importaram maquinarias e equipamentos, procuraram
parcerias, fusões e aquisições com outras companhias.
O governo Lula prosseguiu com as reformas liberais. Inclusive continuou com
a mesma política econômica: reduzidas metas de inflação junto a taxas de juros
elevadas, câmbio flutuante e metas de superávit primário.
Já no segundo ano de governo, em 2004, foi realizada a reforma da
Previdência Social. Esta não tenha sido privatizada, como a chilena, porém se
passou a estimular a previdência privada. A reforma da seguridade social brasileira
manteve o sistema público compulsório, porém com um teto de dez salários mínimos
ao invés de 20 salários mínimos. Possibilitou que o trabalhador que queira ganhar
mais na aposentadoria, faça um plano de previdência privada. Este é facultativo, faz
apenas quem quer complementar renda na aposentadoria.169 Assim, buscou-se
enfraquecer o sistema previdenciário, tanto como um instrumento de distribuição de
renda quanto instrumento lucrativo do poderoso lobby do capital financeiro.
As aposentadorias dos servidores, ainda que não financiadas pelo INSS, mas
pelo Tesouro Nacional de cada ente federativo, também passou por alterações. No
entanto, ainda há a previsão constitucional de um plano de previdência
complementar para os servidores públicos, contudo ainda não foi regulamentado.
168
FIORI, Moedas..., p. 82.
AMARO, Meirane Nunes. O Processo de Reformulação da Previdência Brasileira. Revista
Informação legislativa. Brasília, a. 37, n. 148, p. 54, out/dez. 2000.
169
A próxima reforma é a reforma trabalhista. No entanto, o governo vem
perdendo apoio popular para realizar tal reforma. Verifica-se que ao mesmo tempo
tramitam no Congresso projetos que ampliam e projetos que reduzem direitos
trabalhistas. Toma-se como exemplo o que aconteceu com a licença gestante. Havia
um projeto de lei que tentava diminuir ou até mesmo suprimir o direito, enquanto
outro ampliava a licença maternidade para seis meses. Por fim, venceu o projeto
que possibilitava a ampliação da licença gestante.170
Assim, como a reforma previdenciária foi justificada por questões de ordem
financeira, a reforma trabalhista tenta se justificar pelo Mercosul. Para que este
bloco econômico progrida e se torne efetivamente um mercado comum, necessita
que as empresas nele atuantes se mantenham competitivas, ou seja, a legislação
dos países integrantes deve ser equivalentes171. O principal vértice da proposta de
reforma trabalhista consiste na possibilidade da negociabilidade dos direitos dos
trabalhadores, que hoje são inegociáveis se em prejuízo para o trabalhador.
Cabe ainda mencionar que a força sindical do país está bastante fragilizada.
Essa a pouco passou por uma reforma, que ainda está em discussão no Congresso
Nacional. A proposta implica enrijecer a estrutura, pulverizar a criação de novas
unidades e inclusive de retirar a contribuição compulsória (imposto sindical). A
retirada do imposto sindical não foi aprovada pelo senadores e deputados.
O Estado brasileiro não se pode dizer de todo liberal, pois paralelamente às
privatizações e reformas nas instituições, permaneceram os investimentos e
programas sociais. Nesse aspecto, no governo Fernando Henrique surgem os
programas sociais como bolsa escola, que visava incentivar e possibilitar a
freqüência de crianças carentes nas escolas, e auxilio gás, que possibilitava a cada
família adquirir um bujão de gás por mês. Saúde, educação e segurança
continuaram com o poder público. Com o governo Lula o programa foi ampliado para
o bolsa família. Também teve início o programa fome zero. Tais programas são
criticados por serem assistencialistas, ou seja, apenas “dá o peixe, mas não ensina
a pescar”. 172
170
FILGUEIRAS, Projeto..., p. 49.
Ibidem, p. 41.
172
Ibidem, p. 21.
171
Ainda, foi implementado o polêmico programa de cotas sociais que visa
possibilitar que as minorias étnicas do povo brasileiro tenham acesso à
universidade, bem como a reserva de vagas em concursos públicos.
Outra reforma em discussão é a reforma tributária. Esta visa principalmente à
simplificação dos tributos e o fim da “guerra fiscal” entre os entes federativos. As
contribuições sociais tenderão a ser unificadas e serão desvinculadas, em parte, de
programas sociais. As propostas até hoje presentes no Congresso Nacional visam
acabar com a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, o repasse do
seguro de acidentes de trabalho para as empresas privadas, o fim do PIS-PASEP e
o enfraquecimento do Fundo de Amparo ao Trabalhador, dentre outras medidas.
Visa atingir ganhos do trabalhador e não do governo propriamente173.
Por fim, uma reforma que já foi iniciada, mas que terá ainda outras fases é a
reforma política, que, até então, visa estender a fidelidade partidária de todos os
níveis federais, bem como um forte controle aos gastos e às contribuições de
campanha. Está ainda em discussão o tipo de financiamento das campanhas,
inclusive tramita uma proposta de o poder público passar a financiá-las. Tentou-se
estabelecer barreiras à criação partidária, no entanto tal tópico da reforma foi
declarado inconstitucional. Em 2006, passou a ser proibido a troca de partidos de
agentes políticos eleitos. Em 2008, tem sido discutida a vedação de candidaturas de
pessoas que estejam respondendo por crimes contra a administração pública.
O governo Lula instituiu as Parcerias Público-Privadas, que possibilitam ainda
maior acesso da iniciativa privada na execução de serviços públicos antes inviáveis
pelos contratos de concessão comum, em que a concessionária apenas podia
contar com as tarifas pagas pelo usuário. Nas Parcerias Público-Privadas, além
dessas tarifas, a concessionária pode contar com contraprestações públicas.174
O Estado brasileiro está longe de ser um Estado liberal puro, porém, pode-se
afirmar que vem adotando políticas de cunho muito mais liberal que social. As
políticas sociais visam mais ao assistencialismo do que à resolução de questões
crônicas como distribuição de renda e acesso às oportunidades.
173
FRIEDMANN, Renato. Reforma Tributária: Meio Caminho Andado. Interlegis. Publicado
29/10/2004. Disponível em: <http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/20020208060029/200401
23095453/20040127164655/20040116095046/>. Acesso: 12 abr. 2008.
174
FILGUEIRAS, op. cit., p. 49.
O Estado brasileiro está se voltando mais à abertura de mercados à iniciativa
privada, ao controle dos gastos públicos, à arrecadação de impostos, à segurança
pública e à regulamentação de determinados setores, ao mesmo tempo em que
promove políticas públicas sociais. Contudo, os gastos com políticas sociais pouco
ultrapassam da casa dos 15% do PIB. Esta era uma das promessas da privatização,
que o país se centralizaria apenas em investir em infra-estrutura, educação e saúde,
promessa esta que não foi alcançada. A falta de investimentos em infra-estrutura
estrangula o crescimento da atividade econômica, não é sem razão que está
presente a ameaça de novos apagões ou filas intermináveis nos portos e aeroportos
do país.
Soma-se, ainda, uma falta de política para incentivo à pesquisas de
tecnologia de ponta, de modo a tornar o Brasil novamente competitivo com os
setores financeiramente mais rentáveis no mundo. Cabe citar o exemplo de Marcio
POCHMANN:
Entre 1990 e 2006, por exemplo, o peso da empresa privada nacional no
interior das grandes empresas em operação no país caiu 15%. Se aliada à
participação do Estado na economia, constata-se que o capital
transnacional, que era representado por menos de uma empresa a cada
grupo de três grandes empresas no Brasil em 1990, aproximou-se de quase
175
a metade na primeira metade da década de 2000 .
A vinda de empresas estrangeiras ao Brasil, com o fim da política de
substituição das importações, não trouxe grande crescimento ao país. A vinda do
capital estrangeiro não é de todo prejudicial; porém, deve-se reconhecer a
necessidade de um retorno do Estado para diminuir as mazelas da política
neoliberal. Esta não está trazendo resultados positivos ao setor produtivo, apenas ao
capital financeiro, e empobrecendo cada vez mais a sociedade.
Por isso, Marcio POCHMAN entende que se deve “preparar o país para a
reorganização de sua economia nesse período pós-neoliberal. A prevalência de uma
economia mista pressupõe a reinvenção do mercado, capaz de possibilitar a
175
POCHMANN, Marcio. Economia Pós-neoliberal. Valor econômico. São Paulo, 04/10/2007.
Disponível em: <http://ces.fgvsp.br/index.cfm?fuseaction=noticia&IDnoticia=93671&IDidioma=1>. Acesso
em: 12 abr. 2008.
ampliação do setor privado (nacional e transnacional) com a revisão do papel do
Estado”176.
E, ainda, ressalta que o “país precisa contar com a implantação de uma nova
rodada de geração de empresas estatais. Nas décadas de 1950 e 1960, o país
demonstrou maturidade política, tanto para privatizar o que seria função do setor
privado (setor automobilístico), como para fortalecer com recursos públicos o que
deveria ser estratégico ao desenvolvimento nacional (elétrico, petróleo, telefonia,
entre outros)177.
O Estado deve então voltar a desenvolver setores produtivos, não
diretamente, mas indiretamente, principalmente, por meio de investimentos nos
setores de infra-estrutura nacional, para que possa continuar a crescer e incentivar a
atividade econômica dentro do país.
Demonstração recente de que o Estado caminha nesse sentido é o Programa
de Aceleração do Crescimento, que teve início em 2007 e conta com cinco pilares:
1) investimento em infra-estrutura, organizado em logística, energia e infra-estrutura
social e urbana; 2) estímulo ao crédito e ao financiamento, principalmente o de longo
prazo, pela Caixa Econômica Federal e BNDES; 3) melhoria do ambiente de
investimento, mediante o aperfeiçoamento do marco regulatório; 4) desoneração e
aperfeiçoamento do sistema tributário, por meio de uma série de medidas de
desoneração tributária, combinadas com ações de modernização e agilização da
administração tributária; e, 5) medidas fiscais de longo prazo, via contenção do
crescimento do gasto com pessoal do governo e aperfeiçoamento na gestão do
orçamento fiscal e na administração da previdência social.
O Brasil deve incentivar a competitividade empresarial. As empresas
precisam acompanhar os novos modelos de gestão e aproveitar os incentivos à
exportação, além de uma política de produção e proteção social que serão
alcançadas por uma reforma estatal. O paradigma tecnológico requer uma melhor
formação do ser humano; não bastam políticas de caráter assistencial.
Ao Brasil cabe não só apresentar políticas assistenciais, mas também
políticas que desenvolvam a capacidade humana, ou seja, iniciando pela educação
e terminando pelo incentivo ao empreendedorismo.
176
177
Ibidem
Ibidem.
2 PARADIGMAS DA GESTÃO EMPRESARIAL
2.1 UM PANORAMA GERAL DAS ONDAS E ERAS DA GESTÃO EMPRESARIAL
O capitalismo possui duas preocupações centrais: o acúmulo de capital e as
condições de legitimidade para esse acúmulo. A gestão empresarial tem um
importante papel tanto na busca da maximização dos lucros quanto na justificação
dos lucros. Cabe à gestão elaborar modelos que ao mesmo tempo aumentem o
lucro, mas que obedeça a um mínimo ético. Deve a gestão mostrar que a obtenção
do lucro é desejável e digna de ser auferida pelos empreendedores. Dessa forma,
não é possível pensar que as formas de gestão são fruto da busca incansável ao
lucro, de exigências sociais e da justificação do próprio capitalismo.
As teorias e práticas gerenciais existem desde 3000 a.C., contudo
começaram a surgir a partir da Primeira Revolução Industrial no século XVIII e XIX.
Desde o século XIX, a administração de empresas busca resolver os
problemas e desafios enfrentados pelas empresas. A mecanização, a automação, a
produção e o consumo em massa forçaram as empresas a crescerem de tal forma
que os padrões tradicionais, em que tudo era controlado pessoalmente, não se
sustentassem mais. O controle passou para as mãos dos especialistas em
administração.
Alfred CHANDLER JUNIOR analisa a estrutura das organizações, ou seja, o
desenho que a organização tomou para integrar seus recursos, com base em
estratégias e modificações da produção178. Dela surgiu a Teoria das Organizações,
a qual é o fundamento da ciência administrativa, “pois dela derivam outros conceitos
178
CHANDLER JUNIOR apud LODI, João Bosco. História da administração. 6. Ed. São Paulo:
Pioneira, 1997. p. 1.
que orientam a estratégia, a estrutura, os processos e as funções gerenciais de
qualquer organização”179.
Assim, o modelo de gestão constitui um “conjunto de conceitos e práticas que,
orientadas por uma filosofia central, permitem a uma organização operacionalizar as
suas atividades no seu âmbito interno ou externo”180.
O principal fator de adaptação estrutural da organização, como bem
demonstrou Marx, é o mercado, mais do que as próprias legislações antitrustes,
trabalhistas, previdenciárias, tributárias e da atuação governamental, seja como
agente interventor ou não181.
A manufatura, modelo de produção que deu origem ao capitalismo, é definida
por Marx como a especialização do trabalhador em realizar uma tarefa específica,
viabilizada pela divisão do trabalho decorrente da segmentação da estrutura
produtiva182. A divisão do trabalho gera uma interdependência entre os
trabalhadores, pois é necessária a cooperação de um conjunto de trabalhadores
especializados em diferentes tarefas para produzir o produto183.
A primeira forma de produção surgida na Revolução Industrial foi denominada
por Marx maquinofatura. Além da cooperação de trabalhadores, utiliza também
grandes maquinários. Os instrumentos de trabalho vão ocupar um lugar central na
produção, pois muitas vezes substituirão algumas tarefas antes exercidas por
trabalhadores. Esta exigiu dos trabalhadores uma menor habilidade, podendo
empregar mão-de-obra com menor qualificação, como crianças e mulheres184. O
trabalho humano passa a ser mero controle e manuseio de máquinas.
A descoberta de novas técnicas de produção utilizada no sistema fabril era
extremamente cara. O alto custo das ferramentas e máquinas levava os capitalistas
a utilizá-las intensamente, a fim de obter um retorno maior e mais rápido do capital.
Tal procedimento era viabilizado pelo emprego de mão-de-obra numerosa e barata,
incluindo mulheres e crianças submetidas a uma jornada de trabalho de mais de 16
179
PEREIRA, Heitor José. Os novos modelos de gestão: análise e algumas práticas em
empresas brasileiras. São Paulo: EAESP-FGV, 1995, 300 f. Tese de doutorado. Tese de Doutorado em
Administração. p. 6.
180
Ibidem, p. 7.
181
LODI, op. cit., p. 2.
182
MARX, Karl. O Capital..., p. 412.
183
Idem.
184
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Scriba, s/d. p. 19.
horas por dia. O uso da maquinaria foi relevante no aumento do exército industrial
de reserva.
A intensa utilização de maquinaria se justifica na busca do aumento da maisvalia absoluta, do sobretrabalho. As máquinas não são aplicadas no intuito de
diminuir os esforços, mas para diminuir o custo de produção das mercadorias e
aumentar o tempo de apropriação do trabalho alheio. A maquinaria é mais uma
forma de apropriação da mais valia.185
O processo de produção, com a maquinaria, transformou o trabalho a partir
de diferentes modos de organização e da gestão empresarial. As mudanças
tecnológicas e o aparecimento de novas formas de produção são ínsitos ao próprio
capitalismo186. A concorrência de empresas que produzem o mesmo produto
possibilitou a ampliação e o desenvolvimento de novos produtos pela inovação
constante. Para MARX:
A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar
incessantemente os instrumentos de produção, por
conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as
relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de
produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de
existência de todas as classes industriais anteriores. Essa
subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo
o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta
de segurança distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. 187
Para Marx é pressuposto da existência da burguesia a transformação
constante dos meios de produção, portanto as relações de produção. É justamente,
essa busca constante de modificação da produção que caracteriza o capitalismo em
relação aos precedentes, que buscavam não alterar o modo de produção188.
MARX já abordava sobre a adoção de novas tecnologias no processo de
produção. O aumento da utilização da maquinaria na produção, Marx constatou que
existe uma tendência geral às empresas desenvolverem taxas de lucro
185
MARX, O Capital..., p. 424.
idem.
187
MARX; ENGELS, op. cit., p. 12.
188
Ibidem, p. 164.
186
decrescentes189. O fundamento de o sistema capitalista obter taxas decrescentes de
lucro estaria no aumento da produtividade do trabalho. Esta seria obtida mediante
um aumento do capital constante, isto é, o capital fixo (máquinas e equipamentos) e
as matérias-primas por proletário em relação ao capital variável. O trabalhador, para
Marx, é a fonte da mais-valia: assim, em regra, quanto maior a composição orgânica
(relação máquina por trabalhador) menor será a taxa de lucro, pois a taxa de
exploração é calculada em relação ao capital variável. No entanto, Marx, no volume
III do Capital, confessa que não é isso que ocorre na realidade, com o aumento do
capital constante não se diminui o lucro. Afirma Marx que a taxa de lucro é calculada
com base no capital total (constante e variável). Pode o lucro ser mantido com um
aumento da produtividade do trabalhador durante a jornada de trabalho. O tempo
necessário de trabalho é diminuído e o tempo de apropriação é elevado, nesse
sentido MARX:
Como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva capitalista, tem
por fim baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia na qual o operário
trabalha para si mesmo e, com isso, prolongar a outra parte da jornada de
190
trabalho que ele dá gratuitamente ao capitalista .
A produtividade do trabalho aumenta devido à utilização da maquinaria.
Possibilita-se a produção de um maior número de produtos em um menor tempo,
porém há a necessidade de um menor número de trabalhadores a ser explorado no
desempenho da função, por isso a taxa de lucro cai.
O trabalho real incorporado na mercadoria constitui o valor individual da
mercadoria, que, conforme Alex CALINICOS, “pode diferir do valor de mercado, o
qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria”191. No
entanto, se um empresário introduz uma nova técnica de produção que leva a um
aumento na produtividade dos trabalhadores, “valor individual de suas mercadorias
ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais
eficientemente do que é normal naquele setor”192. Isso permitirá que o empresário
189
CALINICOS, Alex. Introdução ao Capital de Karl Marx. Revista Espaço Acadêmico, a. IV, n
38, jul. 2004, Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm>. Acesso em:
23 abr. 2008
190
MARX, Karl. O Capital..., p. 427.
191
CALINICOS, op. cit.
192
Idem.
possa diminuir os preços em relação ao valor social e ainda manter um lucro maior.
Assevera-se que “essa situação não permanecerá indefinidamente”193. A tendência
será que outros empresários também venham a adotar a tecnologia, que se tornará
o novo padrão da indústria, o valor social será o mesmo do obtido pelo empresário
que trouxe a inovação.
O capitalista, no entanto, investe em tecnologia, pois em curto prazo detém
resultados positivos194. No curto prazo ocorre uma diminuição no custo da produção,
obtendo maior lucro na venda dos produtos. Entretanto, a verdadeira razão do
decréscimo está no longo prazo, pois, caso o capitalista não modernize suas
instalações, como já afirmado, estará em prejuízo em relação aos seus
concorrentes. Nesse sentido é o que expôs Alex CALINICOS:
nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de
produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa
aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro.
Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto
o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços
de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre
seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias
produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, [...]
porque seu método de produção está acima da média social. Mas a
concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa
de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um
equilíbrio com o resto - o qual ocorre, portanto, totalmente independente da
195
vontade do capitalista .
Assim, os efeitos da inovação no processo produtivo, para Karl MARX, têm
efeitos negativos no longo prazo:
Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um
número menor de trabalhadores pode produzir certa quantidade de
mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos
trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao
introduzir a nova técnica de produção. O resultado é que a acumulação de
capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está
criada o que Marx chama de ‘superpopulação relativa’. Não é, como
Malthus e seus seguidores postulavam, que existem mais pessoas do que
alimentos para mantê-los vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do
que o capitalismo necessita, e então esse excedente é privado dos salários
de que os trabalhadores dependem para a sua existência.
193
Idem.
Idem.
195
Idem.
194
Conseqüentemente a economia capitalista gera um ‘exército industrial de
reserva’ de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial
no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam
somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos
ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os
196
salários aumentem demais .
Segundo Karl MARX, é na utilização das máquinas que estaria à raiz das
crises econômicas, pois a maior produtividade do trabalho é limitada pela própria
forma
de
produção
capitalista.
"A
crescente
incompatibilidade
entre
o
desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até
então, se expressa em contradições mais amargas, crises, espasmos"197.
O exército de reserva evita um aumento dos salários, conseqüentemente,
inibe o aumento dos custos de produção. Como as mercadorias tendem a reduzir
seus preços, a força de trabalho, como mercadoria, também sofrerá esta tendência.
Porém, como o preço das mercadorias também decresce, o poder de compra dos
salários pode permanecer o mesmo. No entanto, a mais-valia cresce, pois o valor
recebido pelo montante criado diminui. Uma maior taxa de mais-valia leva a lucros
decrescentes, assim não há aumento dos salários198, mas o trabalho se torna mais
produtivo, por isso a elevação da taxa.
Heitor PEREIRA entende ser “possível estabelecer, cronologicamente, os
momentos prováveis em que predominaram certas abordagens gerenciais,
caracterizadas como ações de respostas das empresas na busca de um novo
equilíbrio, em face de uma nova realidade externa”199. Embora ressalte que não são
todas as empresas que ajustam a sua forma gerencial de acordo com as mudanças
no contexto ambiental, têm estas grandes chances de se tornarem obsoletas.
Para Alvin TOFFLER200, a teoria administrativa da gestão teria tido três ondas
de transformação ou momentos de evolução da sociedade humana: a Revolução
Agrícola, a Revolução Industrial e a Revolução dos Serviços ou da Informação201.
Para Heitor PEREIRA, é a partir da Revolução Industrial que resulta o
nascimento de grandes corporações industriais, surgindo as Eras Empresariais: da
196
Idem.
Idem.
198
Idem.
199
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 8.
200
TOFFLER, Alvin A. Terceira Onda. Rio de Janeiro: Record,1980. p.15.
201
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.10.
197
produção em massa, da eficiência, da qualidade, da competitividade e do capital
humano202. “Em cada Era Empresarial, as práticas gerenciais predominantes
definiram os respectivos modelos de gestão, cuja evolução determinou três
momentos típicos: modelos tradicionais (Eras da Produção em Massa e da
Eficiência), modelos contemporâneos (Eras da Qualidade e da Competitividade) e
modelos emergentes (transição do Terceiro Milênio)”203.
A primeira onda, conhecida como Revolução Agrícola, iniciou quando não
havia mais solução dos problemas sociais de sobrevivência, cerca de dez mil anos
atrás. Nesse período o homem tirava da própria natureza o seu sustento. Para
superar a falta de recursos o homem passou a se fixar na terra. Em seguida, o
homem já passou a dominar a matemática, a astronomia, a astrologia e a filosofia.
Era sistema de produção feudal. A educação era elitizada e a sociedade patriarcal. A
atividade econômica ainda era local, voltada à produção e o consumo de alimentos.
Para produzi-los, utilizavam-se apenas energia e instrumentos naturais, a produção
era artesanal.
A segunda onda, conhecida como Revolução Industrial, iniciou com o
surgimento das cidades no final da Idade Média, que possibilitou a acumulação de
recursos, com rápido crescimento urbano, decorrente da emigração rural.
A
Revolução Industrial colocou os homens como controladores do próprio destino. O
conhecimento humano é expandido por áreas como a física e química,
principalmente da mecânica, propiciando grandes invenções.
A base da sociedade é a família, com divisão de papéis entre os sexos e as
instituições permanentes que sustentam o sistema. Grande parte da população tem
acesso à educação que se estende até a idade adulta.
A atividade econômica atua não só na cidade, mas passa a ser nacionalizada,
com a produção de bens padronizados, tangíveis e com divisão entre produção e
consumo. O modo de produção passa a ser padronizado e hierarquizado, permitindo
uma maior divisão do trabalho. O método de produção era baseado na linha de
montagem e partes intercambiáveis. O sistema energético já era de combustíveis
fósseis, como o óleo e o carvão, já havia insumos não-renováveis, como metais. Na
produção eram utilizadas máquinas que substituíam em parte a força humana. As
202
203
Idem.
Ibidem, p.53.
inovações tecnológicas começam a se desenvolver mais rapidamente, surge o barco
a motor, carro, a lâmpada, a televisão etc.
Esse período foi tão amplo que muitos historiadores o dividem em três
grandes Revoluções. A Primeira Revolução Industrial teria ocorrido no período de
1820 a 1830, na Inglaterra. Caracterizou-se “por bases técnicas relativamente
simples, com tecnologia não muito complexa, baixa densidade de capital por
trabalhador e baixa relação capital-produto”204. As empresas ainda eram pouco
complexas e com baixa produção. No entanto, esta ocorre em momentos diferentes.
No Brasil, assevera Wilson CANO205, tem início entre as décadas de 1870 e 1880 e
se consolida entre as décadas de 1920 e 1930, com os tumultos entre "ruralistas" e
"industrialistas". Entre os anos 1820 e 1830 houve a implantação da indústria de
bens de consumo leves, voltada a atender à demanda de bens de consumo e à
formação de um mercado de trabalho.
A Segunda Revolução Industrial inicia-se ainda na primeira metade do século
XIX, a qual se desenvolve entre as décadas de 1870 e de 1890 e se prolonga até
1950. Há o aprimoramento da física e da química e importantes inovações, como
motor a combustão, a eletricidade. No mercado, surgem as grandes empresas,
trustes, cartéis e oligopólios; há a necessidade de grandes massas de consumidores
e maiores escalas de produção. Começam a surgir os capitais financeiros e
bancários e um Estado que incentiva a industrialização. No Brasil, a Segunda
Revolução Industrial só ocorreu a partir de entre 1930206; trata-se de um período
com forte investimento estatal na consolidação de uma infra-estrutura mínima, no
incentivo à instalação de indústrias de bens de consumo durável, intermediários e de
capital. Novamente, enquanto o Brasil ainda ingressava na Segunda Revolução
Industrial, o mundo já estava na Terceira Revolução Industrial207.
A Terceira Revolução Industrial se iniciou no fim da Segunda Guerra Mundial,
consolidando o poderio do capital financeiro e das grandes companhias
multinacionais. A nova potência mundial não era mais a Europa, mas os Estados
Unidos.
204
Este terceiro momento caracterizou-se por um grande desenvolvimento
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 26.
CANO, op. cit., p. 16-17.
206
Ibidem, p. 21.
207
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 25.
205
tecnológico, marcado pela microeletrônica, pela informática, pela indústria química e
pela biotecnologia.
É na Terceira Revolução Industrial que se inicia a terceira onda da
administração, ou seja, a Revolução dos Serviços ou da Informação. Há uma
modificação na propriedade predominante, que deixa de ser a imobiliária para ser a
propriedade intelectual. A utilização e geração de conhecimento são de extrema
importância devido à acentuada modificação tecnológica. A competição deixou de
ser nacional ou regional, mas mundial. As empresas tiveram que se tornar mais
flexíveis para poder se manter no mercado.
2.2 A SEGUNDA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL
2.2.1 Era da Produção em Massa
O surgimento do fenômeno empresarial e, em conseqüência, dos modelos de
gestão empresarial, ocorre a partir, sobretudo, da segunda onda, nas últimas
décadas do século XIX. A gestão empresarial vem evoluindo desde então em quatro
eras empresariais marcantes. 208
A escola da administração tradicional é formada pela era da produção em
massa e da eficiência.
A produção em massa é caracterizada pela preocupação das empresas em
produzirem grandes quantidades de bens padronizados, sem um foco na qualidade.
A regra era a produção em escala para diminuir os custos de produção e tornar
acessível o produto a um grande número de pessoas. O processo é altamente
verticalizado. Tal período iniciou nos anos 20 até o final da década de 1940.
Uma segunda fase deste período foi a chamada era da eficiência, iniciada na
década de 1950 e terminada em 1969. Nesse período a empresa passou a focar
mais a produção, tendo maior controle administrativo, característica de sua principal
vertente: a burocracia. Os trabalhadores estão sob constante avaliação e controle,
sendo considerados também fatores de produção.
208
MARANALDO, Dirceu. Estratégias para a competitividade. São Paulo: Produtismo, 1989
apud PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 27.
A produção em massa é composta pela Administração Científica e pela
Escola de Relações Humanas, enquanto a era da eficiência é composta pela teoria
Burocrática.
As principais características dessas escolas são a padronização: a
massificação
dos
produtos
para
atender
às
diversas
necessidades
dos
consumidores; a especialização, decorrente da divisão do trabalho; a sincronização,
a produção linear, contendo um tempo de produção determinado pelas máquinas;
concentração
de
empresas,
formando
grandes
trustes;
a
maximização,
caracterizada pelo aumento do tamanho das fábricas e da quantidade produzida; e a
centralização, principalmente do poder, com o comando centralizado de informações
e decisões dentro da empresa209.
A conseqüência da interação das características das teorias tradicionais de
gestão levou ao inchaço das empresas.
Com a Primeira Revolução Industrial surgiu a máquina a vapor de James
Watt, bem como outras máquinas de grande importância para o desenvolvimento
fabril. Tais invenções tornaram obsoletos os modos de gestão empresarial
anteriores: de uma estrutura manufatureira, a uma estrutura industrial e mecanizada.
A linha de montagem, como inovação, acelerou drasticamente o ritmo de
produção e exigiu o emprego de grandes contingentes de mão-de-obra,
comportando um grande número de trabalhadores para ficar sob a fiscalização dos
gerentes (maior amplitude). Além disso, a especialização passa a ser necessária
para manter os equipamentos de produção e coordenar cargos fabris, mas os
gerentes tinham pouco tempo para desenvolvê-la. Por isso, nasce a engenharia
industrial, ciência que visa melhorar e criar novas máquinas para o local de
trabalho210.
Em 1840 surge a administração científica, que estabelece princípios básicos
para a sobrevivência e rentabilidade de uma empresa. A administração científica se
caracterizou por estabelecer uma análise na estrutura formal da administração e dos
processos de produção. O fluxo de produção é visto de cima para baixo, primeiro
são traçados os objetivos, depois são divididos em tarefas menores.
209
TOFFLER, op. cit, p. 60-72.
WAGNER, John A; HOLLENBECK, John R. Comportamento Organizacional: criando uma
vantagem competitiva. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 8.
210
O fundador da Administração Científica, Frederick Winslow Taylor, era
operário das indústrias de aço. Taylor revolucionou os processos tradicionais de
trabalho mediante a aplicação de métodos científicos em muitas empresas. As idéias
de Taylor influenciaram o mundo inteiro, mas principalmente os Estados Unidos. A
implantação dos métodos de Taylor trouxe prosperidade às indústrias americanas e
uma maior valorização do trabalhador211.
Já entre 1880-1890, surgiram as primeiras empresas integradas e multidepartamentais. Com o crescimento das fusões nos anos de 1890, preços menores
necessitavam de uma utilização racional da fábrica. Verificou-se que os
empreendedores não tinham tempo ou disposição para administrar com eficiência os
recursos reunidos no seu controle, por isso, inúmeras corporações fracassaram
financeiramente na primeira década de 1900. Mesmo Taylor, não tinha nenhum
pensamento por detrás da ação física de trabalhar. Os gestores no máximo se
limitavam a estabelecer uma cota de produção212.
Frederick W. Taylor, consagrado como pai da Administração Cientifica, com a
obra “Princípios da Gestão Cientifica”, em 1911, discorre de maneira organizada
sobre os princípios e a prática da gestão empresarial dentro de uma indústria. Ele foi
o primeiro a se preocupar com o sistema de produção de uma indústria, focando o
seu trabalho no estudo “de tempos e movimentos”213. Visava, a partir disso,
descobrir a melhor maneira de executar uma tarefa de forma a aumentar a
produtividade do trabalhador, seja por meio de uma melhor seleção, seja por meio
de treinamento do mesmo. Para isso, analisou cada etapa da produção de uma
oficina mecânica e passou a cronometrar as atividades, e posteriormente, estudava
uma melhor maneira de o empregado desenvolver aquela determinada tarefa. Este
passou a ser supervisionado por alguém mais especializado, para evitar
desperdícios.
Taylor se preocupou com aspectos ligados ao trabalho nas fábricas: como
racionalização das tarefas, estudos de tempo e movimento de produção. Dessa
p. 118.
39.
211
SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da administração. São Paulo: Pioneira Thompson, 2001.
212
HUSNI, Alexandre. Empresa Socialmente Responsável. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.
213
TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 1970.
forma, visava ao aumento de produtividade e à eficiência.
A Administração
Científica objetivava “incrementar a produtividade do trabalhador por meio de uma
análise científica sistemática de trabalho do empregado, atingindo uma maneira
melhor de realizar o trabalho, assegurando prosperidade para o empregador,
conjugada com a máxima propriedade para os trabalhadores”214.
Além de estudar os tempos e movimentos, redefinindo a forma de trabalho, na
primeira obra, Administração de Oficinas (Shop Management), em 1903, Taylor215
conclui que o objetivo do administrador é pagar bons salários e reduzir os custos de
produção mediante a padronização, para obter maior controle da produção.
Estabelece a necessidade de um gerente ou supervisor para controlar o trabalho dos
operários. Outra tarefa dos gerentes seria selecionar trabalhadores com maior
aptidão para o desempenho do trabalho e lhes proporcionar treinamento.
Para Taylor, os trabalhadores e empregadores deveriam abandonar a
rivalidade pelos salários e unirem-se para produzir maiores ganhos. Todos os que
participam do processo de produção devem ter um objetivo e um plano comum. O
objetivo principal da gerência consiste em garantir a prosperidade da empresa, que
refletiria em ganhos para o trabalhador e para o capitalista: um obteria dividendos
mais altos enquanto o outro, salários mais altos. As causas do antagonismo entre
patrões e operários, para Taylor, se resumiam a três: “falácia de que a eficiência do
trabalho iria reduzir o número de empregos; o comportamento não racional dos
gerentes visando proteger seus interesses e os métodos antiquados de trabalho”. 216
Eram basicamente quatro princípios da administração científica de Taylor: 1)
utilizar métodos científicos para determinar o melhor modo de executar cada tarefa;
2) selecionar a pessoa mais adequada a cada trabalho para a sua execução; 3)
treinar o trabalhador para executar o trabalho corretamente; 4) monitorar o
desempenho do trabalho para garantir que os detalhes nos procedimentos sejam
seguidos corretamente e que sejam alcançados os resultados apropriados. Neste
sistema podem-se retirar algumas características: a responsabilidade pela
214
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 121.
Ibidem, p. 120.
216
LODI, op. cit., p. 31.
215
organização do trabalho fica com os gerentes, assim como a produtividade do
trabalho, com apoio na distribuição do trabalho e eliminação de interrupções217.
Os princípios da administração de Taylor foram importantes para precisão da
engenharia e produção do trabalho das pessoas. Esses princípios ajudariam a
melhorar uma organização, pois a tornava flexível.
A administração para Taylor deveria ser um sistema e deter padrões. Por
isso, propôs princípios gerais amplos, que poderiam ser aplicados de muitos modos.
Um dos mais importantes é o princípio da exceção, pelo qual a administração
deveria se concentrar nas tarefas estratégicas e de grande importância, deixando as
tarefas padronizadas e de rotina para o pessoal operacional.218 Os gerentes
deveriam evitar os detalhes da administração da fábrica, delegando isso para os
subordinados e especialistas e preocupando-se com as exceções.
O sistema de Taylor não era autoritário, anti-sindical ou desonesto, apenas
queria uma maior participação do trabalhador na produção, de forma que aqueles
que fizessem mais que a média fossem melhor remunerados.
As idéias de Taylor foram utilizadas por Henry Ford, quando fundou, em 1902,
a Ford Motors Company, estabelecendo uma produção em série e incrementando as
vendas pelo barateamento do produto. Ford teve grande importância prática para a
Teoria da Administração Científica. Aperfeiçoou a linha de montagem e produziu os
próprios insumos.
O modelo de produção fordista se caracterizava pelas linhas de montagens,
que consistiam em esteiras rolantes, divididas em etapas de produção; na medida
em que o produto passava pela esteira, para cada etapa haveria um trabalhador. O
movimento da esteira impões o ritmo dos trabalhadores. O inconveniente era que as
fábricas deveriam ser amplas e poucos produtos poderiam ser produzidos. O êxito,
no entanto, foi o aumento da produtividade do trabalhador, pois elevava a
intensidade da produção, bem como economizava tempo e material.219 Com o
aumento da produtividade, Ford achava justo pagar altos salários, de modo a
217
WAGNER III; HOLLENBECK, op. cit., p. 9.
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 124.
219
Idem.
218
incentivar os trabalhadores e torná-los consumidores dos produtos que produziam.
Dessa forma, buscava viabilizar um consumo de massa.220
A empresa para Ford e Taylor dividia-se em planejamento e execução. No
planejamento, os técnicos elaboram os métodos de produção e o próprio trabalho;
na execução, os operários só efetuam o trabalho que lhes é levado às mãos. A
padronização do trabalho assegura ritmo e rotina constantes. No sistema de Taylor,
o operário executava o serviço em um determinado tempo, e a partir disso se
planejava a produção. No sistema fordista o operário é que adapta seus movimentos
à velocidade da esteira rolante. Taylor se importava com a economia do trabalho
humano. Ford se preocupava com a economia do material e do tempo221.
A segunda escola que caracteriza esse período foi desenvolvida por Fayol e
é denominada Teoria da Administração. Fayol ficou conhecido pela sua obra
“Administração Geral e Industrial” publicada em 1916. Nesta obra fez uma
abordagem voltada à estrutura hierárquica das empresas, pois nela estaria a
eficiência da produção. Desenvolveu princípios diferenciados dos de Taylor.
O Fayolismo, segundo a teoria da administração, vem completar o taylorismo,
validando e melhorando os enfoques222. A chave do sucesso estava no problema do
pessoal e da administração. Considerou também crucial a clareza das relações
hierárquicas bem expressas na unidade de comando – cada subordinado tem um só
chefe e para cada chefe é inequívoco quem são as pessoas que respondem perante
ele223.
Desenvolveu catorze princípios para uma boa administração: divisão do
trabalho (tarefas e especialização), autoridade (dar ordens e obedecê-las),
disciplina, unidade de comando (um superior hierárquico), unidade de direção (um
só plano), interesses individuais versus interesses gerais (igual respeito),
remuneração do pessoal (deve haver justa e garantida satisfação para os
empregados e para a organização em termos de retribuição), centralização
(gerentes), cadeia escalada (hierarquia), ordem (evita desperdício e esforços),
220
Ibidem, p. 126.
LODI, op. cit., p. 75.
222
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 153.
223
LODI, op. cit., p. 45.
221
eqüidade (respeito e justiça para ganhar a lealdade do pessoal), estabilidade da
ocupação (tempo de aprendizado da função), iniciativa e espírito de equipe224.
Os administradores deveriam utilizar esses princípios com intuição e
habilidade, não haveria um padrão mecânico para a aplicação. Assim, Henry Fayol
definiu as funções universais que todos os administradores desempenham e os
princípios que constituem a boa prática da administração.
A grande crítica aos princípios era que eles dificilmente poderiam ser
confirmados. A vaguiedade impedia que fossem muitas vezes aplicados do modo
certo, com possibilidades de colidirem e se anularem225.
Henry Fayol percebeu que cada trabalhador participa da administração da
sociedade. Para ele, o sucesso de uma empresa estaria mais ligado às habilidades
dos altos executivos do que às habilidades técnicas dos trabalhadores. Por isso,
qualquer organização necessitava de administração.
Os administradores deveriam ter algumas qualidades, conhecimentos e
experiências específicas para melhor desempenho das funções. Apontou como
funções essenciais da administração: planejamento das atividades futuras e
objetivos de desempenhos, organização dos recursos ou da estrutura da empresa
para permitir a execução de planos já definidos, coordenação e comando da mãode-obra na direção dessa implementação e controle dos esforços globais pela
comparação entre os resultados obtidos e objetivos planejados226.
Toda empresa teria seis tipos de atividades: técnicas, comerciais, financeiras,
segurança, contábeis e administrativas. Estas operações eram essenciais a toda
empresa.
O que diferencia o método de Taylor do de Fayol é que aquele começou o
estudo pelos trabalhadores, enquanto este, pelos dirigentes. Por isso, o primeiro
estudou da base para o topo, enquanto o segundo estudou do topo para a base.
Taylor se preocupava com a relação dos trabalhadores com o seu trabalho, já Fayol
se preocupou mais com a organização da empresa. Taylor estudou cientificamente
o trabalho humano e o da máquina. Fayol estudou cientificamente a tarefa do
224
Ibidem, p. 46.
LODI, op. cit., p. 47.
226
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 134.
225
dirigente, do qual são fatores fixos: capital, expedientes, ferramentas ou
instrumentos, processos e valor técnico. O variável é a administração227.
O taylorismo e o fayolismo possibilitaram a otimização da produção a partir da
aplicação do conhecimento ao trabalho.
2.2.2 Era da Eficiência
A Escola Burocrática, tendo como mentor Max Weber, é a última escola que
demarca os modelos tradicionais de gestão, integrando a era da eficiência e não a
era da produção em massa.
A Era da Eficiência demarca o que Fernando MOTTA228 chama de transição
da teoria da administração para a teoria das organizações, isto é, a tentativa de
estudar o sistema social em que a administração se exerce com vistas a sua maior
eficiência em face das determinações estruturais e comportamentais. É a
preocupação com a eficiência do sistema.
A teoria da administração burocrática proveio da necessidade de organizar as
empresas que utilizavam instalações maiores e com uma produção mais complexa.
A organização, para Weber, fazia parte de um contexto social, influenciado pelas
mudanças sociais, econômicas e religiosas. Esta teoria, originada na Europa
ocidental, no início do século XX, buscou uma racionalidade técnica para projetar e
construir um sistema administrativo baseado no estudo exato dos tipos de
relacionamento humano necessários para expandir a produtividade. Trouxe à
administração um estudo institucional229.
A burocracia consiste em “um sistema social organizado por normas escritas,
visando uma racionalidade e igualdade no tratamento de seus públicos, clientes ou
participantes”.230
Weber, apesar de sociólogo, se destacou com o modelo burocrático, pois
analisou a eficiência de cada estrutura gerencial. O modelo burocrático contempla a
227
Ibidem, p. 135.
MOTTA, Fernando C. P. Teorias da Organização: evolução e crítica. São Paulo: Pioneira
Thompson Learning, 2001. p. 13.
229
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 34.
230
LODI, op. cit., p. 93.
228
integração (hierarquias e regulamentos) e a diferenciação (divisão do trabalho e
especialização de tarefas) para melhorar um trabalho específico. Para ele, qualquer
organização com características burocráticas seria eficiente231.
A Escola Burocrática buscou desenvolver um modelo em que as
organizações atingiriam a máxima eficiência. Partiu da premissa do homem
administrativo, ou seja, o comportamento humano é orientado pela racionalidade: o
comportamento humano é previsível232.
Weber apresentou um estudo sistemático, criando a estrutura da autoridade.
Havia sempre uma estrutura hierarquizada, organizada e estável. Cada funcionário
tinha bem definido a sua atividade e a sua relação com os demais.
Tratava-se de uma estrutura hierarquizada baseada na autoridade. A teoria
da autoridade também é conhecida como estrutura do controle social. Cada pessoa
se dirigiria a uma pessoa diretamente superior na hierarquia baseado na autoridade.
Autoridade para Weber é diferente de poder e persuasão. Poder era a probabilidade
de o indivíduo executar sua vontade apesar de resistências opostas233. Já a
persuasão seria a faculdade de o indivíduo influenciar a decisão ou ação de outro
mediante a razão, a argumentação e a lógica234. A autoridade seria exercida por
meio de ordens ou decisões obedecidas voluntariamente, porque a fonte de onde
elas emanam é considerada legítima235. A autoridade é exercida pelo cargo e não
pela pessoa. A autoridade poderia ainda ser tradicional (ordem social sagrada),
carismática (em uma pessoa, contra ordem social) e racional (normas sociais,
administradas pela meritocracia). Esta deveria predominar nas empresas e nas
repartições públicas. A administração burocrática seria “o exercício do controle com
base no conhecimento”.236
As organizações burocráticas teriam como características: a seleção e a
promoção (caráter objetivo), a hierarquia e a autoridade, as regras e os
regulamentos
(orientação
coerente
e
imparcial),
a
divisão
do
trabalho,
documentação escrita (registros conferem consistência e base para avaliação dos
231
Ibidem, p. 94.
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 196.
233
Ibidem, p. 163.
234
Idem.
235
Idem.
236
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 164.
232
procedimentos), a propriedade e a administração eram distintas. Pela primeira vez o
administrador é visto como um profissional.
As vantagens do modelo burocrático seriam a racionalidade, a previsibilidade,
a democracia e a especialização estrutural. A especialização tornaria mais fácil
apurar as responsabilidades, traria rapidez de trâmite, por estar este bem
estabelecido, com uma hierarquia formalizada e regulamentos específicos. Como
desvantagens encontram-se a limitação da espontaneidade, a despersonalização do
relacionamento, a substituição de objetivos por normas e os conflitos entre clientes e
funcionários.
No entanto, as críticas sobre esse modelo residem justamente no excesso de
confiança na disciplina, sem levar em conta que nem sempre serão os mais
qualificados que tomarão as decisões. Tal modelo não previa ineficiências geradas
dentro do próprio sistema. Tratava os indivíduos como máquina, sempre exercendo
as tarefas de forma homogênea. Ademais, o excesso de formalismo e a
despersonalização
levam
à
ineficiência.
Robert
MERTON
apontou
como
conseqüências imprevistas da burocracia: a internalização de diretrizes e normas
(meios passam a ser objetivos), maior despersonalização nos relacionamentos,
hierarquia com base do processo decisorial e formalismo e conformidade às
rotinas237.
A burocracia foi adotada como modelo gerencial por empresas e por Estados
nos anos 1930 e continuam até os dias atuais. Ainda encontram-se empresas e
Estados que em maior ou menor grau adotam o modelo. O modelo foi bem aceito,
como se percebe em Reinaldo SILVA: “Todos os tipos de atividades administrativas
utilizam a burocracia, isto é, o trabalho baseado em papéis e documentos
movimentados em seqüência continua entre as várias unidades componentes da
estrutura organizacional”238.
Na administração pública, a burocracia foi introduzida com o objetivo
primordial de combater os males do patrimonialismo, tais como a corrupção e o
nepotismo. Como se pode perceber a permanência de desvios até os dias atuais,
conclui-se que a burocracia não atingiu seu objetivo.
237
238
MERTON apud SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 196.
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 159.
Os modelos burocráticos acabaram defasados principalmente pelas grandes
modificações tecnológicas, que trouxeram à sociedade alterações rápidas e
inesperadas. Companhias gigantescas criaram inúmeros setores ineficientes,
verdadeiros cabides de emprego. Com a modificação da filosofia organizacional, a
rigidez e os custos estruturais, a tendência a partir da terceira revolução industrial foi
o enxugamento da organização.
2.3 A TERCEIRA ONDA DA GESTÃO EMPRESARIAL
A administração está deixando de ser um instrumento de controle de cima
para baixo, no qual os gerentes detêm todo o poder e os trabalhadores têm pouca
voz ativa naquilo que fazem. A ênfase da terceira onda, no mundo empresarial,
passa da produção em massa, de artigos descartáveis e baratos, à produção de
bens e serviços de elevada qualidade, com produção limitada e visando atender
consumidores individualizados ou a um pequeno grupo. A transformação no modelo
de administração da terceira onda requer uma maior flexibilidade do sistema e exige
uma maior ênfase na qualidade.
Até então os modelos de administração eram vistos como únicos, poderiam
ser adotados por qualquer empresa. No entanto, a partir da década de 1970,
percebe-se que nem sempre um dado modelo de administração é o ideal para uma
empresa. O modelo predominante pode vir a ser adotado com algumas adaptações,
considerando as particularidades de cada empresa. A globalização dos mercados
financeiro e comercial fez com que as empresas se preocupassem mais com a
concorrência do mercado239.
As empresas estão reagindo pela aplicação da administração de qualidade
total, que exige reestruturação dos modos pelos quais o trabalho é dividido em
tarefas e depois coordenado entre os funcionários. As modificações vêm sendo
atribuídas à globalização, que trouxe ao mercado uma competição mundial, que está
influenciando muito a maneira de conduzir a atividade e promete continuar a fazê-lo
239
Idem.
em um ritmo acelerado, pois a empresa que não acompanha as mudanças na forma
de produção está fadada à falência240.
As inovações nas formas de gestão empresarial trazidas pela globalização
são denominadas modelos contemporâneos de gestão, que decorrem da inovação
tecnológica trazida pela terceira Revolução Industrial. Compreende a era da
qualidade (a partir de 1970), a era competitividade (final dos anos 80), a era do
Capital Humano (a partir de meados de 1990)241 e a Era do Capital Humano (2000).
2.3.1 Era da Qualidade
A Era da Qualidade preponderou entre 1970 a 1989. Ao contrário das eras
anteriores que se preocupavam com a produtividade e com a eficiência da empresa,
a Era da Qualidade visa à satisfação do cliente pela melhoria contínua do processo
de produção. A gestão é caracterizada pela formação de equipes, para motivar e
comprometer os trabalhadores com os resultados, ou seja, a satisfação dos clientes.
Há a criação de uma variedade de linhas de produtos242.
A reorganização da empresa provocou maior eficiência na produção e
distribuição. As diferenças de custos foram diminuídas, entretanto, a margem de
lucro também caiu. A saturação dos mercados fez com que as empresas
desenvolvessem novos produtos e priorizassem a qualidade. As organizações
passaram a ter na sua estrutura áreas de pesquisa e desenvolvimento, engenharia
do produto e desenho industrial. Esta estruturação se deu após a Primeira Guerra
Mundial. As indústrias, que antes produziam armamentos e demais arsenais para a
Guerra, deveriam buscar a sua reinserção ao mercado consumidor. A terceira onda
compreendeu uma resposta adaptativa ao mercado243.
Ao longo dessas três eras, o paradigma do poder político e econômico se
desloca da posse da terra para a detenção do capital financeiro; portanto, bancos e
indústrias constituem o símbolo institucional desta Onda (Revolução da Informação).
A base da economia, na Era da produção em massa e da eficiência, era o
mercado nacional, cuja atividade é a produção de bens padronizados, tangíveis e
240
MARX, O Capital..., p. 412.
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 58.
242
Ibidem, p. 59.
243
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 201.
241
com divisão entre produção e consumo. Há uma divisão complexa do trabalho, com
mão-de-obra baseada em habilidades específicas, modo de produção padronizado e
organizações com vários níveis hierárquicos, orientados para o controle das
operações244. A forma da organização deve seguir a função do negócio. O negócio
se revitaliza se a organização se adéqua a ele.
Na terceira era, a era da qualidade, há o aparecimento de grandes empresas
ligadas ao setor de informática e grande quantidade de inovações. A distância e o
isolamento foram diminuídos pela economia global. Houve formação de alianças
estratégicas, permitindo melhor utilização dos recursos externos, minimizando riscos
e compartilhando informações em tempo real. A terceirização também passa a ser
utilizada de maneira generalizada, permitindo que as empresas foquem no seu
principal negócio (core competence).
A gestão japonesa foi a primeira representante da Era da qualidade. Surgiu
após a Segunda Guerra Mundial, baseado na cultura japonesa “pátria-famíliaempresa”.
Esse modelo de gestão tem sua origem nos chãos de fábricas japoneses, que
priorizavam eliminar qualquer tipo de desperdício e promover o melhoramento
contínuo. Possibilitou que os produtos japoneses rapidamente alcançassem o
mercado mundial. As empresas japonesas aplicaram conhecimento e tecnologia de
ponta, sendo ajudadas por incentivos governamentais.
O modelo japonês é um modelo de gestão fortemente embasado na
participação direta dos funcionários, principalmente quanto à produtividade e à
eficiência na realização de uma tarefa. Com tais medidas, a implementação da
gestão japonesa superou o índice de produtividade de qualquer empresa ocidental.
No entanto, o sucesso se deu “principalmente, por causa do perfil cultural dos
cidadãos, obedientes e disciplinados. Foram os primeiros a romper com a
hegemonia americana, principalmente na eletrônica e no automobilismo”245.
A principal característica desse modelo, no entanto, é a presença de um forte
controle da qualidade, com base em métodos estatísticos para produtos e prazo de
entregas. Esse modelo se fundado em uma administração participativa, com
negociação de metas, trabalho em grupo, participação dos funcionários nas
244
245
LODI, op. cit., p. 47.
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 73.
decisões, controle exercido por intermédio de liderança. Há a prevalência do
planejamento estratégico, necessário para diminuir desperdícios e obter flexibilidade
para conquistar os clientes. Para esse modelo, a empresa é um sistema, pois
percebe o inter-relacionamento entre seus diversos componentes246.
Com forte volatilidade do mercado, há a necessidade de se implantar uma
gestão flexível, com redução de estoques, nivelamento e equacionamento da
produção.
Há ênfase no trabalho em grupo, cooperação e aproveitamento da
potencialidade humana. A mão-de-obra deve ser padronizada para possibilitar um
fluxo contínuo e interação entre homem, máquina e processo. Aos trabalhadores
também cabe a manutenção preventiva das máquinas, bem como a limpeza e
arrumação. Há constante terceirização de fornecedores e distribuidores, não sendo
mais funções exercidas diretamente por empregados da empresa. Busca-se a
redução ao mínimo dos custos fixos, o que torna a empresa mais flexível em tempos
de crise247.
Assim como as técnicas da gestão japonesa, têm-se: o Just in time, que
consiste na sincronização do fluxo de produção desde os fornecedores aos clientes,
a entrega da matéria-prima e dos produtos é feita no momento em que são
requeridos, eliminando os estoques; o kanban, sistema de informação visual que
aciona e controla a produção de acordo com a demanda, ou seja, um sistema de
programação e controle de produção que visa "enxugar" atividades-meio que não
agregam valor ao cliente (supervisão, controles administrativos e outros); a muda,
visa à eliminação de desperdícios; o kaizen, consiste no melhoramento contínuo em
todos os aspectos; o keiretzu, que é a forma que as empresas japonesas se intercomplementam, por meio de redes horizontais e verticais que integram toda a cadeia
produtiva; e o Reni, que visa à aprovação da decisão por todos, de modo que gere
um comprometimento individual com o resultado ou a meta estabelecida pelo grupo.
A busca pela Qualidade Total (Total Quality Control) recai também sobre o
processo de produção, não só sobre o produto final. Para efetuar o controle há os
Círculos de Controle de Qualidade (CQC); estes seriam “grupos informais de
246
247
Ibidem, p. 75.
Ibidem, p. 75-89.
trabalhadores que espontaneamente passam a buscar soluções criativas para os
problemas da área ou da empresa”.248
A produção é autogerenciada por cartões ou painéis, permitindo o
encadeamento de todas as atividades do processo, incentivando a produção. O
modelo propõe também uma estrutura de produção bastante flexível, pois “permite a
fabricação simultânea de vários modelos e especificações de produtos, atendendo
demandas individualizadas dos nichos de mercado”249.
Os pontos negativos desse modelo de gestão consistem no fato de que há
necessidade de uma cooperação irrestrita das pessoas envolvidas e é um sistema
praticamente sem folgas. Dessa forma, qualquer erro pode causar enormes
prejuízos. Exige-se uma mão-de-obra qualificada e um aprimoramento constante
dela. Devem ser levados em consideração, como riscos do ambiente econômico da
terceira onda: a diminuição do ciclo de vida dos produtos, a concorrência predatória
e o excesso de consumismo e o aumento do número de produtos produzidos.
Um segundo modelo de gestão da era da qualidade seria a administração
participativa. Esta não possui uma origem definida, até mesmo porque são poucas
as empresas que adotam este modelo250. Acredita-se que com o desenvolvimento
de uma “consciência de classe trabalhista, a elevação do nível educacional, a
complexidade das empresas modernas, a velocidade vertiginosa de mudanças e a
intensificação das comunicações” são razões para incentivar uma maior inclusão
dos funcionários na gestão das empresas.
A filosofia básica do modelo de gestão participativa, assim como a japonesa,
é a busca do comprometimento individual com os resultados ou com a missão da
empresa, por meio de processos decisórios consensuais e de trabalho em equipe.
Valoriza a capacidade de as pessoas tomarem decisões e resolverem problemas,
pretendendo aprimorar a satisfação e a motivação no trabalho, contribui para melhor
desempenho e a competitividade das organizações.251 Dirceu MARANALDO define
a administração participativa como o:
248
Ibidem, p. 93-98.
Ibidem, p. 97.
250
Ibidem, p. 103.
251
Ibidem, p. 107-110.
249
conjunto harmônico de sistemas, condições organizacionais e
comportamentos gerenciais que provocam e incentivam a
participação de todos no processo de administrar os três
recursos gerenciais (Capital, Informação e Recursos
Humanos), obtendo, através dessa participação, o total
comprometimento com os resultados, medidos como eficiência,
eficácia e qualidade252.
A participação consiste na criação de oportunidades para que as pessoas
também influenciem as decisões que as afetarão. Participação é uma hipótese
especial de delegação, na qual o subordinado obtém maior controle e maior
liberdade de escolha em relação as suas próprias responsabilidades.
Para obter sucesso na implantação da administração participativa, a empresa
deve harmonizar o sistema de produção em todos os setores da empresa, de modo
a evitar conflitos de gestão interna; a estrutura organizacional deve ser flexibilizada,
ou seja, diminuir o número de hierarquias e normas; os gerentes devem ter
capacidade de incentivar a participação dos trabalhadores253. Deve, a empresa, ter
claro quais são as metas e os objetivos a serem alcançados.
Esse modelo está condicionado à comparação de todos os trabalhadores e o
compromisso destes com os resultados. Dessa forma nenhum trabalhador deve ser
afastado da administração. O problema está na tomada de decisão, que pode ser
muito morosa.254 Deve a empresa ter apenas trabalhadores comprometidos com os
resultados, harmoniosos e conscientes na tomada da decisão, bem como do papel
que desempenha na empresa.
Esse modelo de gestão visa democratizar a administração, atender e
equilibrar os interesses das várias pessoas envolvidas. São exemplos de
participação indireta: comitês de empresa, função consultiva, cooperativa, que
possuem baixo poder de decisão; negociação coletiva, para esclarecer condições
gerais de emprego e trabalho, mediante negociação entre dirigentes e sindicalistas;
co-gestão, a qual institucionaliza a representação dos funcionários na direção efetiva
da empresa, em órgãos e proporções variáveis; e, autogestão, que consiste no
252
MARAMALDO, Dirceu. Estratégias para a competitividade: Administração para o sucesso.
São Paulo: Produtivismo Artes Gráficas, 1989. p. 30.
253
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.112.
254
SILVA, Reinaldo, Op. Cit., p. 154.
exercício coletivo de poder, por meio da autonomia de grupos de membros da
empresa para decidir acerca dos destinos, processos e resultados do trabalho255.
Há diversos níveis de administração participativa, desde a heterogestão à
autogestão256. O estágio vai desde a informação-reação, consulta facultativa,
consulta obrigatória, elaboração-recomendação, co-gestão, delegação até a
autogestão. Para Maria Tereza LIBONI e Magali PEREIRA, toda a empresa é uma
equipe voltada para o objetivo primário de manter-se competitiva no mercado257.
Na Alemanha, foi desenvolvida sob a forma de co-gestão; na França,
participacionismo; no Japão, pelo controle de qualidade, na participação indireta, em
que os diferentes membros da empresa participam das funções diretivas, estes são
escolhidos pelos trabalhadores para este fim; nos EUA, na participação direta, isto é,
dirigida pela pessoa considerada individualmente258. No Brasil, a autogestão e a cogestão foram vistas como alternativa para evitar a falência e o desemprego.
2.3.2 Era da Competitividade
A era da competitividade teve início a partir de 1990.
Seus métodos de
gestão visam instituir mecanismos que buscam manter a empresa no mercado. Tais
modelos começaram a ser utilizados principalmente pelo avanço da globalização.
Agrega a qualidade de serviço, estratégias para se manter no mercado, como
parcerias com outras empresas e modelos de gestão com variados enfoques como a
reengenharia, a terceirização, gestão de inovação e corporação virtual.
255
Idem.
As características das empresas autogestionárias, segundo Maria Tereza LIBONI e Magali
PEREIRA: “a) o controle é exercido pelos trabalhadores, b) eliminação da hierarquia entre os cargos, da
separação entre a concepção e execução do trabalho, assim como da diferença de retiradas em função do
tempo de trabalho, c) descentralização e participação direta dos associados nas decisões, d) valorização
dos associados, e) lucro como forma de desenvolver o sistema organizacional a serviço dos associados e
da coletividade f) primazia dos associados sobre o capital. Pode-se agregar ainda a preocupação com o
desenvolvimento intelectual dos agentes envolvidos, pois o sistema visa a romper com o sistema de
produção capitalista, o qual reduz o trabalhador apenas à força de trabalho, ignorando suas
potencialidades”. In: LIBONI, Maria Therezinha Loddi; PEREIRA, Magali Cecili Surjus. Entre contradições
e inovações: a pesquisa de uma empresa de autogestão. O risco da naturalização da realidade. In:
ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 2002, Bahia.
Anais. CD-ROM.
256
257
258
Idem.
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 105.
As empresas, nesta era, buscam superar as expectativas do cliente pelo
próprio talento e conhecimento humano de trazer inovações, pelo compartilhamento
de lideranças. Até mesmo adotam parcerias com empresas concorrentes para que
atuem juntas no mercado259.
A administração empreendedora é o primeiro modelo de gestão da era da
competitividade. A competitividade do mercado, nos anos 80, obrigou as empresas a
reagirem.
Segundo Peter DRUCKER, este modelo de gestão possui como
características: a empresa deve receber bem inovações, assim como incentivá-las,
vê-las como uma oportunidade; realizar constantes avaliações da empresa,
reestruturação de cargos e salários260. Visa à inovação interna e externa da empresa
voltada aos clientes. Nesse modelo não se podem misturar os cargos
administrativos
e
empreendedores,
também
não
se
devem
diversificar
demasiadamente os produtos a serem produzidos, ou adquirir pequenas empresas
ou negócios existentes.
Esse modelo de gestão surge do crescimento da competitividade mundial na
década de 1970, principalmente pelo crescimento das empresas japonesas. No
início da década de 1980, o modelo japonês vigorava e trazia grande sucesso às
empresas japonesas, como esta se pautava em características culturais, não seria
passível de ser adotadas em outras culturas261.
Como reação, a Europa e os Estados Unidos adotaram a administração
empreendedora. A administração empreendedora transformou os departamentos em
pequenas empresas, com autonomia operacional. Apenas a administração
financeira estava ligada à administração central. A execução da produção era
organizada por equipes lideradas por um gerente e visavam sempre à busca de
novas oportunidades. Passam a realizar parcerias e estratégias para que
desenvolvam juntos novos produtos e abram novos mercados. Os empregados que
auxiliassem no crescimento da empresa seriam recompensados com ganhos
proporcionais aos resultados262.
259
Ibidem, p. 106.
DRUCKER, Peter. Inovação e Espírito Empreendedor. São Paulo: Pioneira, 1986. p. 20.
261
SANTOS, Antônio Raimundo dos; et. ali. Gestão do conhecimento. Disponível em:
<http://www1.serpro.gov.br/publicacoes/gco_site/m_capitulo01.htm>. Acesso em: 20 mar. 2008.
262
Idem.
260
Outra característica está voltado aos administradores, assim como aos
trabalhadores, cabe a constante busca de oportunidades e novos negócios. Assim, o
funcionário deve também ser empreendedor. A recompensa a estes será individual
ou por equipe pelos resultados globais da empresa, ou seja, participação nos lucros
ou bonificações. Há constante formação de parcerias e alianças estratégicas para
aumentar a competitividade da empresa, possibilitando maiores investimentos no
desenvolvimento de novos produtos e serviços263.
A empresa deve achar um mecanismo de incentivo para os trabalhadores
aproveitarem a criatividade que possuem, tanto com auxílio financeiro como por
satisfação pessoal. Assim, as pessoas devem ter certa autonomia funcional, sendo
mais acompanhadas pelos resultados gerados. Esta gestão não impede a adoção
concomitante de outras formas264.
A vantagem desse modelo é que ele é altamente flexível e adequado às
novas formas de mercado.
As críticas residem em como incentivar o trabalhador por realização pessoal,
não só financeira. Está em buscar meios de incentivá-lo. Outro ponto crítico reside
nas estatísticas de que a cada 10 inovações apenas duas são bem-sucedidas265,
assim a empresa deve aprender a lidar com inovações fracassadas. Um terceiro
aspecto negativo desse modelo de gestão, segundo Antonio SANTOS et alii:
é de que o modelo empreendedor, seja através de idéias
pessoais (‘intrapreneurs’) ou de equipes empreendedoras,
quebra a estrutura organizacional e ‘confunde’ os conceitos de
autoridade e de responsabilidade: é preciso desenvolver uma
nova cultura organizacional que absorva estas novas práticas
de gestão. A independência das equipes ou a ênfase sobre os
resultados
individuais
podem
destruir
os
valores
organizacionais, se a empresa não estiver devidamente
preparada para implantar e conviver com este modelo266.
Um segundo modelo da Era da Competitividade é o modelo holístico. A
palavra de origem grega hólos = todo, significa ver a empresa como um todo. Parte
263
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 130.
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
265
DEGEN, Ronald. O empreendedor: Fundamentos da iniciativa empresarial. São Paulo: Makron
Books, 1989. p. 9.
266
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
264
do princípio de que as ciências “foram construídas com base em paradigmas
mecanicistas, suportados numa visão cartesiano-newtoniana do mundo: todos os
fenômenos eram possíveis de serem divididos em partes e cada uma destas seria
estudada profundamente, constituindo um ramo específico do saber humano”267.
A gestão holística surge entre as décadas de 1960 e 1970. Também dará
maior ênfase ao espírito criativo e empreendedor das pessoas. A globalização impôs
às empresas uma visão diferenciada, estas não podem apenas se ver como partes,
mas como um todo, inseridas em um sistema.
A gestão holística busca adequar a administração aos valores presentes na
sociedade, pois, admite que o ambiente externo influencie a empresa. Os
consumidores e fornecedores passam a integrar a empresa.
A gestão é norteada por valores de individualização, criatividade, flexibilidade,
informação e autonomia.268 O modelo holístico visa à compatibilização dos objetivos
de realização profissional do trabalhador com os da empresa. A estrutura da
empresa é composta por diversas unidades autônomas de produção, mas os
trabalhadores devem manter uma visão sistêmica, pois poderá haver rotatividade de
funções, requerendo do empregado uma maior adaptabilidade. Eliminam-se os
cargos formais, apenas há o cumprimento das metas impostas. Não há, assim, um
departamento mais importante que o outro, pois todos contribuem para o resultado.
A empresa é uma série de atividade e processos interligados.
Como principal conseqüência, tem-se que a empresa deve conviver em
harmonia com todos os seus interessados, isto é, os stakeholders. Criar uma
postura ética com todos os stakeholders é uma das principais metas da
administração holística. Conforme expõe Liliane Cristine S. ALCÂNTARA:
Na prática, ser holístico significa ouvir as opiniões de todos os interessados
a fim de integrar na visão que precede o processo decisório o maior número
possível, se não todos, de aspectos e variáveis de cada situação, além de
desenvolver entre os participantes um espírito de confiança mútua e de
269
profundo entendimento humano e de comunicação.
267
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 157.
FERREIRA, Ademir Antonio; et. al.. Gestão Empresarial: de Taylor aos nossos dias. São
Paulo: Pioneira, 1997. p. 175-186.
269
ALCANTARA, Liliane Cristine S. Holismo no Contexto das Organizações.Revista de
Administração da Faculdade de Administração de Empresas do Estado de São Paulo. n. 2. a. II,
2005. Disponível em: < http://www.faesp.br/web_2005/rafi/art_liliane.aspx> . Acesso em: 25 abr. 2008.
268
A visão holística introduziu a cultura organizacional que visa à maximização
dos esforços da organização e dos trabalhadores para obter resultados satisfatórios
a todos. Por isso, o administrador deve ter conhecimento de todas as forças que
influenciam e são influenciadas pela empresa. Na tomada de decisão deve levar em
consideração todos estes interesses. Não há controle formal sobre as pessoas, cada
membro da organização deve ter o senso de responsabilidade sobre o papel que
desempenha. Por isso, as pessoas são vistas como o maior valor dentro da
organização.
O ponto fraco reside justamente na conciliação de diversos interesses que por
muitas vezes aparecem conflitantes. A questão cultural é evidente. Há a
necessidade
de
contratação
de
pessoas
que
efetivamente
saibam
das
responsabilidades.
2.3.3 Era do Capital Humano
A quarta era da administração se inicia com maior intensificação da
biotecnologia e da nanotecnologia. O bem de maior valor é o conhecimento humano,
isto é, a capacidade de inovar. Por isso, essa era é denominada Capital Humano.
Nesse sentido reforça Heitor PEREIRA:
É evidente que a evolução da gestão empresarial não ficou
estacionada na Era da Competitividade: assim, nos últimos
anos, já se vislumbra uma próxima era emergente, que alguns
autores estão rotulando de Era do Capital Humano
(CRAWFORD, 1994), quando a principal característica das
empresas será a sua sobrevivência através da sua
competência baseada no conhecimento, ou seja, nas pessoas:
assim, ao capital físico e financeiro, deverá se agregar o capital
humano como o mais importante para a competitividade de
uma empresa. A palavra-chave desta Era deverá ser: o
Conhecimento como recurso estratégico da organização270.
270
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 162.
A era do capital humano está inserida nos modelos emergentes de gestão
empresarial, estando as práticas ainda no início de implementação. Já Stan DAVIS e
Bill DAVIDSON denominam este ciclo econômico não como uma continuação da
informação, mas como a era da bioeconomia271. Eles classificam as eras anteriores
como: agrícola, industrial e informação. A bioeconomia está fundada em uma
estrutura tecnológica pronta, apenas deve implementar maiores níveis de
inteligência artificial, miniaturização e engenharia genética.
Os modelos de gestão da Era do Capital Humano seriam a Gestão Virtual, a
Gestão do Conhecimento e da Complexidade Organizacional.
O primeiro modelo emergente é a Gestão Virtual. Percebe-se que as teorias
modernas da gestão procuram diminuir o tamanho das empresas, não só pelos altos
custos da mão-de-obra, mas também pela adoção de novas tecnologias de trabalho,
sobretudo a informática, que vem permitindo a automação de diversos “processos
administrativos, fabris, operacionais e comerciais, reduzindo não só internamente a
necessidade de níveis hierárquicos e de postos de trabalho, como também
viabilizando a interligação com outras empresas que, numa relação de parceria,
passam a fazer parte de um networking organizacional”272.
O modelo de gestão virtual surge da grande concorrência enfrentada pelas
empresas na década de 1990. Com o desenvolvimento da internet, da intranet,
videoconferências etc., a tomada de decisão do administrador se modificou. O
administrador possui inúmeras informações, devendo saber lidar com elas.
Conhecer todas ainda é difícil, porém a quantidade de informações que obtém é
significativa. O administrador deve tomar as decisões de acordo com as informações
que julga mais relevantes para a empresa. Essa nova maneira de administrar é
reflexo direto das inovações da informática e da comunicação e principalmente da
rapidez na troca de informações e de fluxos financeiros.
Com a rapidez das informações e rápidas modificações no mercado de
consumo e de invenções, as empresas tiveram que buscar uma estrutura
flexibilizada. Dessa forma, as empresas tornaram-se mais horizontalizadas
hierarquicamente, com o intuito de viabilizar uma comunicação ágil e informal. A
271
DAVIS, Stan, DAVIDSON, Bill. Visão 2020: administrando a sua empresa hoje para vencer
amanhã. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1993. p. 115.
272
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p. 164.
horizontalização foi viabilizada pela formação de alianças estratégicas, isto é, pela
união de duas ou mais empresas para desempenhar uma determinada tarefa, porém
sem unificar suas instalações. O desenvolver da aliança se dará mediante trocas
constantes de informações. Por isso, a gestão é denominada corporação virtual.
Assim, há maiores chances de aproveitar as oportunidades do mercado.
O termo virtual foi desenvolvido por Willian Davidow e Michael Mallone273, que
contrapõe a idéia de empresas constituídas por estruturas definidas, pois estas têm
se modificado de acordo com as exigências do mercado. A empresa hoje
dificilmente conseguirá trabalhar sozinha, deverá estar conectada em rede com o
mercado. “As empresas serão dependentes umas das outras, devido à interação
virtual. A empresa se volta aos resultados, e não ao processo em si, este estará
enxuto, seja por terceirização, seja por auto-organização”274.
A empresa virtual consiste em uma organização pautada em informações em
tempo real, resultado da interação das telecomunicações e da informática.
Destacam-se como principais características desse modelo, segundo Willian
DAVIDOW e Michel MALLONE:
Com a interface entre empresa, fornecedores e clientes
permeável e mudando continuamente. Do lado de dentro da
empresa, a visão não será menos amorfa, com os tradicionais
escritórios, departamentos e divisões operacionais sendo
constantemente reformados de acordo com as necessidades.
As responsabilidades dos cargos mudarão regularmente, bem
como as linhas de autoridade - até mesmo a própria definição
de funcionário irá mudar, à medida que alguns clientes e
fornecedores começarem a passar mais tempo na empresa do
que alguns dos seus próprios empregados275.
O controle interno será realizado por meio de redes internas conhecidas como
intranet, que monitoram as informações da empresa e gerenciam as funções que
terão acesso a elas, buscando maior interação com os fornecedores e clientes276. O
controle continuará centralizado, porém as decisões serão descentralizadas.
273
DAVIDOW, Willian H.; MALLONE, Michel S. A corporação virtual. São Paulo: Pioneira, 1993.
p. 5.
274
PEREIRA, Heitor José, Op. Cit., p.165.
DAVIDOW; MALLONE, op. cit., p. 5.
276
Ibidem, p. 6.
275
Os funcionários e gerentes deverão ter espírito de equipe, isto é, devem ser
pessoas capazes, dinâmicas, podendo trabalhar a qualquer distância e saber lidar
com suas funções, obtendo resultados positivos. Há uma tendência à autogestão
pessoal, pois o senso de controle pessoal possibilita uma maior flexibilidade
empresarial. Outras características que a corporação virtual deverá desenvolver,
segundo Willian DAVIDOW e Michel MALLONE, são:
capacidade para se entregar, rápida e globalmente, uma
grande variedade de produtos sob medida; serviços ‘incluídos’
nos produtos; envolvimento dos clientes no desenvolvimento
dos produtos (engenharia simultânea); bancos de dados
atualizados sobre os clientes, produtos, fornecedores,
metodologia de projeto e produção, visando atender o cliente
em tempo real; sistemas de informações integradas à rede de
clientes e fornecedores, levando as empresas a operarem em
networkings; cargos desvinculados do poder: funções
gerenciais e operacionais serão intercambiáveis; empresa em
contínua transmutação; acumulação de práticas gerenciais
desenvolvidas em outras abordagens inovadoras de gestão,
como fornecimento Just-in-time, equipes de trabalho,
fabricação flexível, simplificação organizacional, CAD,
qualidade total, entre outros; acordos de cooperação possíveis
com concorrentes, visando compartilhar investimentos em
tecnologia ou de custos operacionais (compras conjuntas, infraestrutura de transporte, armazenagem e comunicação, entre
outros)277.
A produção da empresa virtual é totalmente influenciada pelas necessidades
do cliente. O cliente vê a empresa como fonte de atendimento imediato de suas
necessidades.
A
empresa,
então,
deve
estar
pronta
para
atendê-lo
instantaneamente, para isso deve ter um fluxo rápido de informações.
As empresas virtuais irão se desenvolver a partir de equipes de trabalho, no
qual “os funcionários, a gerência, os clientes, os fornecedores e o governo
trabalharão em conjunto para atingir metas comuns”278.
Para adotar a gestão virtual não basta investir em tecnologia da informação, é
preciso atentar aos cuidados de natureza comportamental. Assim, a transição para o
modelo virtual é um processo evolutivo, baseado na interface "pessoas x
277
278
DAVIDOW ; MALLONE, op. cit., p. 15.
Ibidem, p. 17.
tecnologia"279. A questão central está no processamento das informações recebidas
e na confiança das relações. Por isso, há um controle interno rígido, tanto de
trabalhadores quanto de fornecedores, para que possam atender às exigências
momentâneas. Haverá constante imprevisibilidade e responsabilidade por parte de
todos os envolvidos, de modo que não apenas atuem em uma única tarefa, mas em
diversos papéis para a concretização do resultado. As instalações serão mínimas
para se adequarem à rapidez da tecnologia da informação.
A administração virtual deverá possibilitar uma maior autogestão do trabalho e
ao mesmo tempo impor um espírito de equipe. O importante na empresa virtual são
os resultados obtidos, ainda que sejam efetuados por uma ampla terceirização ou
por alianças estratégicas com empresas.
A dificuldade na implementação está na necessidade de vasta confiança dos
parceiros, que terão maior participação, para obter um melhor relacionamento com o
mercado.
Um segundo modelo que está sendo apresentado é a Gestão do
Conhecimento. A Gestão do Conhecimento é definida como “o processo sistemático
de identificação, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos que são
estratégicos na vida de uma organização. É a administração dos ativos intangíveis,
permitindo à organização saber o que ela sabe e em conseqüência identificar e
definir os dois níveis de competência: organizacional e individual”280.
Este modelo de gestão prioriza o conhecimento humano, pois aquele que o
detiver terá meios de ampliação do mercado. Jaime TEIXEIRA FILHO sustenta que
aquele que detém o “conhecimento adequado tem o poder que antes a terra, os
meios de produção e o capital conferiram as classes dominantes”281. Segundo
Romeu Mendes do CARMO: “até o Papa João Paulo II reconheceu e escreveu: Se
279
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
MACEDO, Claudio Cyde, et. AL. Estratégias de Integração das práticas de gestão do
conhecimento ao modelo de gestão do SERPRO. Disponível em: <http://www1.serpro.gov.br/
publicações/ gco_site/m_capitulo02.htm>. Acesso em: 30 mar. 2008.
281
TEIXEIRA FILHO, Jaime. Gestão do Conhecimento e Comunicação Organizacional. Insight
044. 31/03/2001. Disponível em: < http://www.informal.com.br/pls/portal/docs/PAGE/GESTAODOCO
NHECIMENTOINFORMALINFORMATICA/INSIGHTS/INSIGHTSGESTAODOCONHECIMENTOTI/INSIGH
T_3103.PDF>. Acesso em: 25 abr. 2008.
280
antes a terra, e depois o capital eram os fatores decisivos de produção... hoje o fator
decisivo é cada vez mais, o homem em si, ou seja, seu conhecimento"282.
A gestão o conhecimento tem como objetivo “incentivar os trabalhadores a
identificar, adquirir, selecionar, validar, organizar, armazenar, compartilhar, acessar,
distribuir, aplicar e criar toda forma de conhecimento”283.
A gestão do conhecimento visa à aprendizagem contínua com constante
exercício da inteligência e a competência coletiva para resolver questões como
crises, objetivos, metas a serem alcançados e formular estratégia para ganho de
mercado. Os trabalhadores estão em constante expansão da capacidade de
alcançar as metas pretendidas pela utilização do raciocínio em equipe284. Desta
forma, a empresa alcançará as suas metas.
No entanto, para controlar o atingimento das metas, a gestão do
conhecimento se utiliza de indicadores consistentes, pois adota meios customizados
e flexíveis. Analisa os fatores de tomada de decisão e os respectivos resultados
alcançados, vendo os erros e acertos, aprendendo com eles. O processo de decisão
torna-se mais transparente para os envolvidos na decisão.
“A aprendizagem organizacional é, portanto, o processo contínuo de detectar
e corrigir erros. Errar significa aprender, envolvendo a autocrítica, a avaliação de
riscos, a tolerância ao fracasso e a correção de rumo, até alcançar os objetivos”285.
“É a capacidade das organizações de criar, adquirir e transferir conhecimentos e em
modificar seus comportamentos para refletir estes novos conhecimentos e
insights”286, conforme Peter SENGE. Os trabalhadores contribuirão para o
desempenho da empresa por meio da aplicação do conhecimento e habilidade em
resolver problemas e de inovar constantemente. Cria-se a organização que aprende
e gera conhecimento287.
282
CARMO,
Romeu
Mendes.
Gestão
do
Conhecimento.
Disponível
em:
<http://www.guiarh.com.br/p39.html>. Acesso em: 25 abr. 2008.
283
MACEDO, op. cit.
284
SENGE, Peter M. A quinta disciplina: Arte, teoria e prática da organização de aprendizagem.
São Paulo: Best Seller , 1999, p. 91.
285
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
286
SENGE, op. cit., p. 92.
287
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
A gestão de competências, para Thomas DAVENPORT e Laurence
PRUSAK288, está no conhecimento real, na habilidade, nos julgamentos de valor, na
experiência e na rede social. Deve haver uma ligação entre o conhecimento e a
estratégia da empresa. Competência significa a capacidade de gerar resultados
condizentes com os objetivos traçados. Por isso, é diretamente influenciado pelo
“conjunto de qualificações que a pessoa tem para executar um trabalho com um
nível superior de performance”289. “Competência é, na verdade, colocar em prática o
que se sabe em um determinado contexto”290.
O capital intelectual seria a “soma de conhecimento de todos os
colaboradores em uma organização, o que lhe provoca vantagens competitivas; é a
capacidade mental coletiva, a capacidade de criar continuamente e proporcionar
valor de qualidade superior”291.
Para isso utiliza a inter-relação do capital humano, como uma capacidade
organizacional da empresa de atender às necessidades do mercado, somado ao
capital organizacional, que seriam as máquinas, as propriedades intelectuais,
bancos de dados, tecnologia e a estrutura que possui, tal como capital de clientes, o
relacionamento da empresa e a capacidade de fechar negócios.
A revista de gestão empresarial SKANDIA INSURANCE, em sua edição de
1998, expôs que a gestão do conhecimento:
envolve também: capital organizacional - competência
sistematizada e em pacotes, além de sistemas de
alavancagem dos pontos fortes inovadores da empresa e do
capital organizacional de criar valor; - capital de inovação força de renovação de uma empresa, expressa como
propriedade intelectual, que é protegida por direitos comerciais,
e outros ativos e valores intangíveis, como conhecimentos,
receita e segredos de negócios; e capital de processo processos combinados de criação de valor e de não-criação de
valor292.
288
DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial. Rio de Janeiro:
Campus, 1998. p. 2.
289
SANTOS, Antonio; et. al., Op. Cit.
290
Idem.
291
Idem.
292
SKANDIA INSURENCE apud Idem.
Os funcionários devem apreender entre eles, mediante a troca de
conhecimento e experiências. Ou seja, a aquisição do conhecimento vai além da
busca de cursos individuais, pois realmente é realizada pela discussão de situações
comuns e soluções coletivas. Os gerentes também devem ensinar os funcionários,
assim como o departamento de treinamento.293 A aprendizagem dos cooperados
está estritamente ligada às metas a serem alcançadas. Por isso, os meios para
apreender devem estar disponíveis a todos.
Outro método é o da inteligência empresarial, em que a própria empresa,
quando em funcionamento, gera e usa o conhecimento no momento em que
interage interna e externamente, captando informações e transformando-as em
conhecimento, interagindo com o conhecimento já adquirido, as regras e as
experiências, aplicando-as para traçar estratégias. Assim, agrega valor ao
conhecimento apreendido utilizando-o no alcance de resultado fixados294.
Portanto, “Inteligência Empresarial é o que resulta da combinação entre
estratégia, memória organizacional e inteligência competitiva. É, afinal, o conjunto de
metodologias e ferramentas que permitem identificar, monitorar, tratar e disseminar
as informações estratégicas de uma organização. O mercado conhece e denomina
tal prática de Inteligência Competitiva”295.
A tecnologia também é utilizada para potencializar a troca de conhecimento.
No entanto, a criação e o compartilhamento de conhecimento devem partir dos
trabalhadores. Por isso, têm sido desenvolvidos sistemas (tecnologia) que facilitam a
interação e são classificadas em três grandes áreas, conforme apresenta José
TERRA:
repositório de materiais de referência, conhecimento explícito
que pode ser facilmente acessado e que evita duplicações de
esforços; expertise maps, banco de dados com listas e
descrições das competências de indivíduos de dentro e de fora
da organização, o que facilitaria o compartilhamento de
conhecimento tácito; e o just-in-time knowledge, que são
293
MEISTER, Jeanne C. Educação Corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 67.
SANTOS, Antônio; et. al., Op. Cit.
295
MACEDO, op. cit.
294
ferramentas que reduzem as barreiras de tempo e distância no
acesso a conhecimentos (ex: videoconferência)296.
Pode-se dizer que a grande estratégia para diferenciação das empresas e
conquistas de novos mercados será o uso do conhecimento de seus empregados.
Para isso a empresa deverá desenvolver meios de melhor utilizar as informações e
os conhecimentos gerados dentro da organização. Tal incentivo ocorrerá com a
recompensa, não tanto com penalidades.
O terceiro modelo emergente é a gestão da complexidade organizacional.
Com o avanço da globalização, o mercado tornou-se muito mais competitivo e
sensível a qualquer agitação internacional. A rapidez das transformações
tecnológicas e de inovações faz com que a empresa não seja mais vista como algo
linear, mas complexo. A propriedade deixou de ser a imobiliária, passando a ser
mobiliária e virtual. Isto é, uma empresa hoje vale mais pelas suas marca e patentes
do que seu ativo materializado.
“A complexidade deve ser percebida tendo como facetas constituintes a
comunidade e a solidariedade entre os seres vivos, a natureza e o universo”297.
Helena KNYAZEVA percebe que a gestão empresarial não pode ser analisada como
algo linear, mas como algo complexo298. A gestão não-linear deve incorporar a
noção de que as variáveis iniciais não asseguram o resultado e a trajetória a ser
seguida. Como submétodos, têm-se a autogestão e o autocontrole, que podem
viabilizar um desenvolvimento auto-sustentável.
Um dos precursores na análise desse modelo de gestão foi Amitai
ETZIONI299, na obra Organizações Complexas (Comparative Analysis of Complex
Organizations), em 1961, e, em 1964, continuou a análise no livro “Organizações
Modernas”. Nestas obras Amitai ETZIONI analisa a empresa como um “complexo de
grupos sociais, cujos interesses podem ou não ser conflitantes. Minimizando os
conflitos o trabalho pode se tornar mais suportável, embora não seja fonte de
296
TERRA, José Claudio. Gestão do Conhecimento: o Grande desafio Nacional. Disponível em:
< http://www.gestiondelconocimiento.com/leer.php?id=265&colaborador=jcterra>. Acesso em: 25 abr.2008.
297
KNYAZEVA, Helena. O Pensamento Complexo não linear e sua aplicação nas atividades de
gestão. Tradução José Eduardo R. Moretzsohn. In: CARVALHO, Edgard de Assis; MENDONÇA, Terezinha
(orgs.). Ensaios de Complexidade 2. Porto Alegre: SULINA, 2006, p. 95 – 116. p.101.
298
Ibidem, p. 98.
299
LODI, op. cit., p. 192.
satisfação total do trabalhador”300. A organização é uma unidade social grande e
complexa, onde interagem os grupos sociais, com interesses compatíveis e
incompatíveis. Está mais forte a concepção dos shareholders, grupos que
influenciam a tomada de decisão das empresas.
As organizações vivem em um ambiente bastante competitivo, com alta
inovação tecnológica e inúmeras informações a ser levadas em consideração. Não
raro passam por situações de crise até reencontrar o equilíbrio. Assim, o normal não
é a empresa estar estável, mas buscando-a. Por isso, as estratégias das empresas
podem ser facilmente modificadas. “A organização não tem estratégias; ela está em
estratégia de forma permanente. Essa estratégia permanente é a aprendizagem
contínua” 301.
A instabilidade do cenário econômico-político em que a empresa está inserida
é constante. Dessa forma, é melhor deixar que os empregados aprendam e ajam
livremente do que estabelecer projetos. Por isso, Ralph STACEY302 entende que a
organização necessita de estruturas flexíveis, com definições vagas de função e
papéis sobrepostos, bem como distribuição do poder. A empresa deve estar sempre
pronta para ordenar o caos em que está inserida, procurando sempre tomar
decisões que julgue mais adequadas ao ambiente.
O fundamento da gestão da complexidade reside na constatação de uma
realidade incontrolável: o desafio do gestor está em estabelecer a convivência do
caos com a ordem. Assim, a gestão constitui procedimento imerso a conflitos e
controvérsias.
Nessa gestão a decisão será de todos, de forma a conferirem intervenções
ativas, criativas e equitativas303. A organização dever ser vista e analisada sob três
aspectos, segundo João LODI:
A estrutura envolve hierarquia administrativa, os sistemas de
processos de trabalho interno, fluxo de comunicação e a
definição da missão; a tecnologia, se refere aos sistemas
operacionais adotados, equipamentos, engenharia do processo
300
FERREIRA; et al, op. cit., p. 52.
LODI, op. cit., p. 192.
302
STACEY, Ralph D. A gestão do caos: Estratégias dinâmicas de negócio num mundo
imprevisível. Lisboa: Dom Quixote, 1999. p. 117.
303
HOCK, Dee. Nascimento da Era Caórdica. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 19-40.
301
e do produto, desenvolvimento da pesquisa, métodos de
trabalho etc., e, comportamento está relacionado aos
procedimentos na organização de recursos humanos da
organização, aos conhecimentos, habilidades e atitudes das
pessoas que dela participam e ao seu relacionamento
interpessoal.
Tais elementos são interdependentes e estão em constante
interação e influência de forças comuns, de modo que uma
mudança em qualquer um deles irá afetar os outros. Um bom
programa deve reconhecer a interação e tentar mudar os três
se possível304.
Amitai ETZIONI tem três focos de estudo: o estudo da interação entre
organização e sociedade, o estudo comparativo intercultural das organizações e a
análise das mudanças organizacionais.305 A tensão mais importante na organização
é a imposta pela organização na utilização do conhecimento. Nem sempre os mais
racionais governam os menos racionais, conforme supunha a burocracia.
Para ele, há três tipos de organização: especializada, em que o conhecimento
é criado e aplicado numa organização criada especialmente para este fim, o líder é o
técnico e a estrutura administrativa serve de apoio subsidiário; organizações nãoespecializadas, em que o conhecimento é instrumental e subsidiário para o
cumprimento dos objetivos, a liderança é exercida por um administrador identificado
com os objetivos globais e a estrutura técnica é subsidiária e subalterna, este é o
tipo de organização em que se encontram as empresas; e, por último, as
organizações de serviço, na qual os especialistas recebem instrumentos e recursos
necessários para o seu trabalho, mas não são empregados da organização principal
nem estão subordinados aos seus administradores.306
Com a análise da evolução da gestão empresarial se pode perceber que,
desde a década de 1980, é inadmissível que a organização esteja focada apenas
para dentro. É altamente arriscado para uma empresa tentar atuar sozinha em um
mercado globalizado, devendo, portanto, constituir parceiros para que possam juntos
enfrentar as crises econômicas. As empresas em regra não aplicam um único
modelo de gestão, pois combinam as práticas modernas com as emergentes.
“Assim, é comum encontrar práticas de Gestão da Qualidade Total, parcerias com
304
LODI, op. cit., p. 158.
Ibidem, p. 159.
306
Ibidem, p. 160-161.
305
fornecedores, participação dos empregados nos lucros ou resultados, entre outras
ferramentas inovadoras, convivendo com estruturas burocráticas e centralização de
decisões”307. O gestor deve rever os modelos tradicionais aplicados que não
asseguram a continuidade e a competitividade da empresa. “Ao mesmo tempo, é
importante avaliar até que ponto novas práticas gerenciais originadas em outros
países com culturas bem diferentes se adaptam ao perfil do empresário, do
trabalhador e da organização a que serão aplicadas”308. A implementação
descuidada de novas práticas, além de não levar a resultados desejados, pode
agravar os problemas já existentes.
Cabe ainda à gestão levar em consideração o que a sociedade espera da
empresa. O próprio Amitai ETINOZI afirma que a empresa “pós-moderna precisa
encontrar o domínio dos instrumentos de produção, de modo que eles sejam
utilizados para a valorização do homem e não como senhores. A mudança da
sociedade e da organização depende da capacidade do homem de planejar
controles, de ser o sujeito e não objeto destas mudanças”309.
Não inovar é razão suficiente para o declínio de qualquer organização. Não
saber como gerir é também o fracasso de novas apostas.
Pode-se verificar que na era de produção em massa e da eficiência há uma
grande hierarquização vertical da empresa. Na era da qualidade e da
competitividade há ainda uma hierarquização, porém mais branda, passando a ter
um desenho mais horizontal. Nessas eras, os trabalhadores passam a participar
mais das decisões. Hoje, na era da Informação as organizações estão bastante
horizontalizadas e enxutas, utilizando-se bastante de parcerias e alianças.
Verificou-se que a cada novo modelo de gestão preponderante foram
introduzidos e disseminados novos recursos até então não enfocados, como é o
caso do modelo mais atual da gestão do conhecimento.
Os livros de gestão centram-se na função da gestão dentro das organizações.
Porém, ainda são poucos os que a aceitam como uma função social. Aos poucos
eles vêm percebendo que os objetivos da empresa devem superar a conquista de
mais mercado e geração de lucros, devem ser compatibilizados com a função social.
307
Ibidem, p. 161.
Idem.
309
ETINOZI apud LODI, op. cit., p. 161.
308
Assim a função social opera como um condicionamento também da gestão
empresarial.
De forma análoga, a própria administração está se focando no ser humano,
vendo o ser humano como pilar principal. Deve ela preservar o máximo a dignidade
e demais valores constitucionais. Assim, com um enfoque mais humanista e maior
participação dos trabalhadores na gestão empresarial, a tendência é que a função
social seja sim objeto da gestão empresarial.
Da análise realizada no presente capítulo, pode-se perceber que de uma
administração voltada apenas para aumentar a produtividade interna do trabalhador,
esta evolui no intuito de incorporar a tomada de decisão também aspectos externos,
a satisfação dos consumidores, e hoje também como o bem-estar do trabalhador,
não apenas no ambiente de trabalho, mas com a comunidade em que vive.
A gestão empresarial é o cérebro da empresa. É a gestão que define as
metas e os objetivos empresariais. Os objetivos empresariais devem estar de acordo
com os valores sociais, pois a empresa que se utiliza de escravidão ou não paga
devidamente seus encargos não está atuando de forma leal no mercado. Dessa
maneira, o modelo neoliberal permitirá que se intervenha no mercado para que não
haja falhas ou privilégios no mercado sem que sejam ganhos naturais.
Assim, a empresa que agir ilicitamente não estará atuando de forma leal no
mercado, bem como não estará operando da forma que a sociedade espera que
seja exercida a atividade empresarial, isto é, deve a empresa cumprir a função
social. Cabe à administração respeitar e adequar os encargos e as limitações sociais
que são impostos sobre a atividade empresarial.
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
3.1 HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A palavra função vem do latim functio, do verbo fungor (functus sem, fungi),
cujo significado é “cumprir algo, desempenhar um dever ou tarefa, ou seja, cumprir
uma finalidade, funcionalizar310”. Fábio Konder COMPARATO define função como
“um poder, mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino
determinado, de vinculá-lo a certo objetivo”311.
A palavra social significa relativo à sociedade, o que interessa à sociedade. O
adjetivo social, para Fabio Konder COMPARATO, vincula o interesse coletivo e não
somente ao próprio dominus; o que não significa que não possa haver harmonização
entre um e outro”312.
A função social, na visão jurídica, se constitui por meio de dispositivos que
induzem a pessoa a agir não só de acordo com seus interesses, mas também que
estes se adéqüem aos interesses da coletividade313.
A preocupação com a função social da propriedade não é somente da
contemporaneidade, ela já estava presente na era cristã. A origem da função social
é atribuída ao cristianismo. São Tomás de Aquino defendia que o uso produtivo da
propriedade é que legitimava a sua apropriação, pois a propriedade constituía um
“meio de produção”. Como quase toda a produção provinha da terra, a Igreja
defendia que o excedente produzido deveria ser distribuído entre os necessitados314.
Há “uma preocupação com o bem-estar comum, de modo a conduzir o seu uso às
310
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; ANDRIOTTI, Caroline Dias. Breves notas históricas da
função social no Direito Civil. In: ___(Coord.). Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1
– 17. p. 4.
311
COMPARATO, A função social da propriedade dos bens de produção. Anais do XII
Congresso Nacional de Procuradores do Estado. Salvador: PGE-BA, 1986. p. 32.
312
Idem.
313
SZTAJN, Rachel. Função Social do Contrato e Direito de Empresa. Revista de Direito
Mercantil. São Paulo, v. 44, n. 139, p. 31, jul. 2005.
314
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 21.
melhores formas de justiça social”315. No entanto, a fundamentação mais clara cristã
constam nas encíclicas papais dos Papas Leão XIII, Pio XI, Pio XII e João XXIII.
A Encíclica Rerum Novarum, formulada pelo Papa Leão XIII, descrevia que “o
proprietário que tenha recebido bens em abundância não é possuidor absoluto, mas
simples administrador da Providência Divina, que lhe assegurou bens para o próprio
proveito e também para o benefício dos demais”
316
. A Encíclica reconhece um
direito natural de propriedade. Dessa forma, “a autoridade pública não pode aboli-la,
apenas pode limitar o seu uso e harmonizá-la com o bem comum”317.
O Quadragésimo Anno, Encíclica do Papa Pio XI, “reconheceu a necessidade
de harmonizar a intervenção aos direitos do proprietário de forma a fazer valer a
função social”
318
. Ao exercer o direito de propriedade, os proprietários deveriam
buscar o bem comum ao invés de pautar-se exclusivamente pelos interesses
privados.319
A “La Solemita e Oggi” – do Papa Pio XII - reconheceu “a propriedade privada
como fundamental para que se pudesse obter uma justiça social e previu que a
expropriação deveria ser medida de sanção àqueles que não dessem a propriedade
um uso harmonioso com o interesse comum” 320.
A Encíclica do Papa João XXIII, conhecida como Mater et Magistra,
reconheceu que “a propriedade privada tem, naturalmente, uma intrínseca função
social, de tal forma que quem desfruta de tais direitos deve exercitá-lo em benefício
próprio e para a utilidade de todos os demais, havendo uma espécie de hipoteca
social que incidiria sobre a propriedade”321.
Com a queda do feudalismo, e principalmente com a Revolução Francesa, a
função social da propriedade foi posta de lado. Concomitantemente vieram os
Códigos Modernos que consagraram o modelo liberal de propriedade. A propriedade
315
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Direito Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 120-121.
316
Ibidem, p. 121-123.
317
MARTINEZ, Fernando Rey. La propriedad privada em La constitución española. Madri:
Boletin Oficial del Estado Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 94:”La idea central de la Encíclica
ES que El derecho de propiedad privada no ha sido dado por ley, sino por naturaleza e, por tanto, la
propiedad publica no puede abolirlo, sino solamente moderar su uso y compaginarlo con el bien común”
(tradução própria).
318
TEIZEN JÚNIOR, op. cit., p. 121-123.
319
MARTINEZ, op. cit., p. 94.
320
TEIZEN JÚNIOR, op. cit., p. 121-123.
321
Idem.
liberal prevê o proprietário como um detentor de um direito subjetivo absoluto e
irrestrito sobre a coisa. Posteriormente, esse direito foi reforçado pela Declaração
dos Direitos do Homem e Cidadão, que também consagrou o direito de propriedade
como inviolável e absoluto.
A concepção da propriedade absoluta foi “severamente modificada pela
superveniência das duas grandes Guerras Mundiais”322, por transformações
políticas, sociais e ideológicas. A burguesia não mais representava os anseios
populares, conseqüentemente o domínio ideológico liberal não se sustenta323.
A partir do final do século XIX ganhou relevo no pensamento filosófico e
jurídico a solidariedade social, tema que foi tão negligenciado no Estado liberal. O
desenvolvimento de uma teoria sobre a função social da propriedade é
conseqüência da discussão sobre solidariedade social.324
A primeira Constituição a tratar sobre a nova configuração do instituto foi a
Constituição Mexicana, de 1917, no artigo 27325, que trouxe um novo conceito de
propriedade, negando que esta seja um direito natural. O diploma mexicano parte da
concepção de que a propriedade é da Nação e, portanto, compete a ela conferir o
domínio aos particulares326.
A Constituição Alemã, em 1919, trouxe pela primeira vez a positivação da
função social da propriedade, como um dever, no artigo 154: “A propriedade obriga.
Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o interesse da coletividade”.327 Com esse
dispositivo a Constituição de Weimar dispôs sobre o uso da propriedade em
benefício da coletividade, sendo o cultivo da propriedade ou uso para a moradia um
dever do proprietário perante a comunidade. A norma claramente impõe deveres
positivos ao proprietário. Porém, atenta COMPARATO que ninguém conseguiu
322
GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 7.
MARTINEZ, op. cit., p. 91.
324
LOPES, op. cit., p. 109.
325
Art. 27, "A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações
ditadas pelo interesse público [...]” In: BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Função Social da Propriedade:
análise histórica. Jus Navegandi. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp>. Acesso em:
18 mar. 2008.
326
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; OLIVEIRA, Andréia Leite Ribeiro de. Função social da
propriedade e da posse. In ___. (coord.). Função social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 39 –
67. p. 45.
327
COMPARATO, A Função social..., p. 33.
323
explicar o que seriam os deveres sociais positivos do proprietário em relação à
coletividade328.
Assim, a função social da propriedade decorre de uma necessidade de
redistribuir a riqueza, mediante forte intervencionismo estatal, possibilitado pelo
Estado Social. A função social da propriedade visa legitimar a apropriação privada
perante a sociedade.
No entanto, é no neoliberalismo que a função social ganha força legislativa e
doutrinária. A função social no Estado Social permaneceu ligada à concepção
formalista de direito subjetivo liberal e pelo fato do Estado abarcar todas as questões
sociais, não coube a este efetivar instrumentos para os quais os agentes privados,
dentre
eles
a
empresa,
ser
responsabilizados
por
tais
interesses.329
O
neoliberalismo, ao contrário do liberalismo, admite a regulação do Estado no
mercado. A forma preponderante de riqueza também é modificada; de uma
propriedade imóvel (terras) para móvel (mercadorias), e desta para a financeira e
intelectual. A atividade empresarial se estabelece dotada de todas estas
propriedades.
3.2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
EMPRESARIAL NO DIREITO BRASILEIRO
3.2.1 A Funcionalização dos Institutos Jurídicos no Direito Privado
A constitucionalização e a despatrimonialização do Direito Privado impuseram
a funcionalização de todos os institutos do Direito Privado. A Constituição Federal,
ao trazer expressamente a função social da propriedade, também tratou sobre a
função social dos demais institutos do Direito Privado. A funcionalização é inerente à
propriedade, à empresa, à família e ao contrato.
A Constitucionalização do Direito Privado decorreu principalmente da
insuficiência da disciplina do Código Civil de 1916 nas relações privadas, bem como
da necessidade de unificar o Direito Privado, fragmentado pelas inúmeras
328
COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais. São
Paulo, a. 85, v. 732, p. 38 - 46, outubro de 1996, p. 41.
329
LOPES, op. cit., p.140.
legislações esparsas existentes. A Constituição Federal passou a ocupar a
centralidade do ordenamento jurídico, unificando o sistema jurídico a partir de
princípios e valores. Assim, a Constituição passa a ser o fundamento do direito
positivo infraconstitucional. Segundo Paulo Luiz Netto LÔBO, a constitucionalização
consistiu “no processo de elevação ao plano constitucional dos princípios
fundamentais do direito civil que passam a condicionar a observância pelos cidadãos
e aplicabilidade pelos tribunais, do legislador infraconstitucional”330.
Há a migração de textos privados para a constituição, conferindo o status
constitucional a algumas regras antes típicas do Direito Privado. Paulo Luiz Netto
LOBO ressalta que a normatização de alguns institutos do direito privado pela
Constituição não implica a publicização propriamente dita dos direitos objeto de
norma constitucional331. A constitucionalização do direito privado visa reforçar a
interpretação das normas civis conforme princípios e regras constitucionais. Assim,
as normas constitucionais influenciarão no conteúdo das normas infraconstitucionais
direta ou indiretamente.
O Código Civil de 2002 trouxe ao ordenamento jurídico infraconstitucional a
repersonalização do direito proposta pela Constituição, que consistiu em colocar a
pessoa humana no centro do ordenamento jurídico, “o ser se sobrepor ao ter”332. Vêse a pessoa concreta, que agiria apenas pela racionalidade para a maximização dos
próprios interesses. O Código Civil de 2002, procura não apenas garantir direitos,
como também possibilitar que os sujeitos tenham acesso aos direitos333.
A despatrimonialização, não implica socialização, constitui, segundo Daniel
SARMENTO334, reconhecimento que os bens e direitos patrimoniais não são um fim
em si mesmo, devendo ser tratados pelo ordenamento jurídico como meio para a
realização da pessoa humana. Há revisão do conteúdo, do fundamento dos direitos
patrimoniais e demais instituições do direito civil (função social da propriedade). A
funcionalização seria, então, a justificação dos direitos patrimoniais que visam
330
LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: ___; LYRA JR; Eduardo Messias Gonçalves
de (Coord.). A teoria do contrato e o novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 9 – 23. p. 12.
331
Ibidem, p. 13.
332
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006. p. 262.
333
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998. p. 88.
334
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006. p. 262.
garantir a autodeterminação e o desenvolvimento direto da personalidade no viés
físico, moral ou psíquico.
Nesse sentido, Paulo NALIN relaciona a função social da propriedade como
meio de alcançar a dignidade da pessoa humana. Para ele, a funcionalização do
direito de propriedade, se for analisada sob “o ponto de vista da finalidade do
instituto da propriedade”, visa “reduzir a pobreza entre os brasileiros e, em última
análise, dignificando os favorecidos pela lei, haja vista que não existe dignidade sem
patrimônio mínimo” 335.
Falar em repersonalização do Direito traz uma valorização do ordenamento
jurídico à dignidade da pessoa humana. Pietro PERLINGIERI relaciona a
funcionalização dos institutos do direito privado à dignidade da pessoa humana336.
Luis Edson FACHIN inclusive defende a idéia de que para garantir a dignidade se
deve oportunizar o acesso ao patrimônio.337 O direito a um patrimônio também
estaria ligado à idéia de um mínimo existencial. Sendo este mínimo existencial,
segundo Samir MARTINS, o “conjunto de bens necessários a uma existência
digna”338.
Em um sentido mais amplo, a pessoa teria então um núcleo essencial de
direitos e bens que asseguraram uma vida digna. Eroulths CORTIANO define o
núcleo essencial como “aquele perímetro abaixo do qual deixamos de ser pessoas e
conduzidos a condição subumana”339.
Em caso de conflito de direitos, Maria Celina Bodin de MORAES sustenta que
deve sempre se privilegiar os valores existenciais quando estes se contrapuserem a
direitos patrimoniais. Critica-se essa posição pelo fato de criar uma máxima de que
os valores existenciais são sempre superiores aos patrimoniais340, pois, apenas
quando não houver ofensa à dignidade da pessoa humana, o patrimônio pode ser
335
NALIN, op. cit., p. 67.
PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problemática della Proprietá. Camerino: Jovene,
1971. p. 21-22.
337
FACHIN, Luis Edson. Estatuto do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 56.
338
MARTINS, Samir José Caetano. Neoconstitucionalismo e Relações Privadas: alguns
parâmetros. Revista CEI, Brasília, n. 36, p. 68, jan./mar. 2007.
339
CORTIANO, Eroulths. Para além das coisas (Breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o
patrimônio mínimo).In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira (org). Diálogos sobre o Direito Civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 155 – 165. p. 161.
340
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de
Direito Civil, São Paulo, n. 65, p. 21a 32, 1993, apud MARTINS, Samir José Caetano, Op. Cit., p. 67.
336
tutelado341.
Samir José Caetano MARTINS propõe outra solução a partir da verificação de
cinco critérios: 1) grau de existencialismo342; 2) grau de essencialidade do bem343; 3)
grau de desequilíbrio entre os sujeitos da relação344; 4) grau de publicismo345; e 5)
grau de ingerência na esfera jurídica346.
Contudo, resta ainda controversa a aplicabilidade das normas e dos princípios
fundamentais sobre o direito privado. Ao examinar as relações entre normas
constitucionais e normas infraconstitucionais que regulam as relações privadas,
Pietro PERLINGIERI faz breve referência à disputa entre as teorias da aplicabilidade
direta e indireta da Constituição, concluindo que a norma constitucional não deve ser
considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como
norma de comportamento ideal que incide sobre o conteúdo das relações entre
situações
subjetivas.
O
importante
é
que
normas
constitucionais
sejam
347
preservadas
.
Pietro PERLINGIERI sustenta que não há mais razões para falar na dicotomia
público/privado348. Esta visão é compartilhada pela doutrina que defende uma
aplicação ou interpretação das normas constitucionais conforme a Constituição.
Portanto, para esta corrente doutrinária a Constituição se irradia sobre todo o
341
MARTINS, Samir José, Op. Cit., p. 67.
Nesse critério elencam- se os direitos fundamentais conforme a dignidade se expressa em
relação de conteúdos existencial. Cf. Ibidem, p. 68.
343
Esse critério se relaciona com a idéia de mínimo existencial - conjunto de bens necessário a
uma existência digna, pois quanto mais essencial o bem, maior a proteção do ordenamento jurídico a que
dele necessita, porque o acesso a bens incluem a tutela da dignidade. A essencialidade explica a
intervenção do Estado na atividade econômica (assistência a sociedade). Cf.: Ibidem, p. 68-70.
344
Esse critério reconhece que há pessoas em condições desiguais em uma relação jurídica, o
que justificaria as ações afirmativas, como as tarifas de energia elétrica cobradas de industrial e de
pessoas físicas. “Sob esta perspectiva é necessário analisa a especifica condição do particular frente ao
outro, passando o objeto da relação jurídica a um plano secundário” 344. Para evitar uma relação de
subordinação é necessário o entendimento de que os direitos fundamentais devam ser aplicados
diretamente nas relações privadas, para diminuir as diferenças nas relações, sem, contudo conceder
vantagens a uma delas. Embora a diferenciação deva ser feita no estrito limite equiparação as partes344.
Cf.: Idem.
345
Este critério pressupõe que o Estado estar mais vinculado aos Direitos Fundamentais. Em
regra nas relações do Estado e o particular há a prevalência do interesse público sobre o particular. No
entanto, para Samir MARTINS, quanto mais privada a relação mais prevalece a autonomia privada345. Cf.:
Idem.
346
Samir José Caetano MARTINS neste critério entende que deverá ser apurado se houve uma
efetiva participação da parte lesada na constituição do vínculo jurídico. O bem lesado está em jogo
juntamente com a autonomia da vontade. Se a parte lesada não participou da constituição do ato, o peso
da autonomia privada será menor. Cf. Idem. e SARMENTO, op. cit., p. 270.
347
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: uma introdução a Constituição. Trad. Maria
Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 11-12.
348
Ibidem, p. 25.
342
ordenamento jurídico, tendo os princípios aplicação imediata.
Uma segunda corrente sustenta a eficácia mediata ou indireta dos princípios
constitucionais sobre o direito privado. A teoria é defendida por Judith Martins-Costa,
Antônio Junqueira de Azevedo, Virgílio Afonso da Silva349. Os princípios
constitucionais incidiriam sobre o ordenamento privado infraconstitucional, por meio
das cláusulas gerais350 inseridas pelo legislador no ordenamento infraconstitucional.
As cláusulas gerais consistem, segundo Judith MARTINS-COSTA:
uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de
tessitura intencionalmente ‘aberta’, fluída ou vaga, caracterizando-se pela
ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo
a conferir-lhe um mandato para que, à vista dos casos concretos, crie,
complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para
351
elementos cuja concretização pode estar fora do sistema .
Ricardo Luiz LORENZETTI, ao abordá-las no direito contratual, as define
como:
mecanismos de regulação dos contratos baseados em conceitos
indeterminados que permitem a flexibilização e adaptação do ordenamento
jurídico a uma realidade social em constante modificação. Os princípios
seriam a base das cláusulas gerais, pois são flexíveis e suscetíveis de ser
352
completadas .
Neste sentido, as cláusulas gerais consistem em meios para a concretização
dos princípios constitucionais; por elas os princípios incidirão sobre a legislação
infraconstitucional. As cláusulas gerais têm função oxigenar o direito, isto é, manter
o direito conectado com a realidade social. Isso será possível pela imprecisão que
as caracterizam, se amoldando de acordo com a realidade social.
349
DA SILVA, Virgilio Afonso. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas
relações particulares. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 24.
350
Judith MARTINS-COSTA define clausula geral como: “As cláusulas gerais, mais do que um
"caso" da teoria do direito – pois, revolucionam a tradicional teoria das fontes - constituem as janelas,
pontes e avenidas dos modernos Códigos Civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para
permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos
legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de
deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não
advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico,
de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos,
viabilizando a sua sistematização e permanente resistematização no ordenamento positivo”. In: O direito
privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. In: Jus
Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000.
351
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2000. p. 303.
352
LORENZETTI, Tratado..., p. 121.
Dessa forma, as cláusulas gerais constituiriam um mecanismo de abertura do
sistema, pois elas não contêm os critérios necessários para a sua concretização,
sendo apenas determinável diante do caso concreto.353 Deve-se ter em mente que o
sistema aberto não se esgota em si ou nos elementos componentes, mas sim na
força jurisprudencial, depreendendo-se dele, sobretudo, uma finalidade evidenciada
na conformação da funcionalização dos institutos354.
A doutrina adepta à mediatividade da aplicação dos princípios constitucionais
afirma que uma interpretação diversa (imediatividade) propiciaria que o julgador
extrapolasse na interpretação dos princípios e decidisse de maneira contrária às
normas infraconstitucionais355. Ao julgar em sentido contrário ao texto infralegal
estar-se-ia mitigando a segurança jurídica.
A Constituição se irradia sobre todo ordenamento jurídico, pois expressa os
princípios fundamentais do sistema jurídico. Assim, a função social, como princípio
constitucional, deve incidir sobre todo o ordenamento jurídico, ainda que no plano
infraconstitucional seja uma cláusula geral. Dessa forma, independentemente da
postura a ser tomada, a função social possui previsão e aplicação no ordenamento
infraconstitucional, o que possibilita a aplicação sobre os institutos privados.
Assim, todos os institutos privados foram funcionalizados. No entanto, apenas
a propriedade possui previsão expressa na Constituição. Isto não significa que a
atividade empresarial não seja funcionalizada. A função social da empresa, como
atividade empresarial organizada, se fundamenta não só na funcionalização da
propriedade, mas também na funcionalização do contrato.
3.2.2 A Função Social da Propriedade
3.2.2.1 Fundamentos teóricos da função social da propriedade
A positivação da função social da propriedade está vinculada às Constituições
do Estado Social. Inclusive tem a função social estrita conexão com o princípio da
353
CANARIS, Claus Wilhem. Pensamentos Sistemáticos e Conceito de Sistema na Ciência do
Direito. Introdução e Tradução A. Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
p.141-142.
354
NALIN, op. cit., p. 67.
355
MARTINS, op. cit., p. 64.
solidariedade: “É também com fundamento na solidariedade que, em vários
sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o dever fundamental de se dar à
propriedade privada uma função social”. 356
As primeiras inserções da função social nos textos constitucionais brasileiros
ocorreu na Carta de 1934, que expôs clara preocupação com a socialidade do direito
da propriedade, porém a expressão função social só foi inserida com a emenda
Constitucional 1969. Hoje, a função social está prevista nos artigos 5º, XXIII e 170,
III da Constituição Federal de 1988, ora como direito fundamental, ora como
princípio da atividade econômica.
Santo Tomás de Aquino357 e Augusto Comte são considerados os primeiros
defensores de um viés mais social do instituto da propriedade. Tais pensadores não
defenderam a socialização do instituto, mas defendiam uma certa adequação no
exercício dos direitos subjetivos às finalidades sociais do instituto. Augusto Comte358
já escrevia, em 1850, que ninguém tem mais direitos do que cumprir com o seu
dever. Todo direito estaria limitado a um dever, de exercê-lo de modo adequado à
sociedade.
Entretanto, a terminologia da função social dos direitos só foi incorporada e
difundida por Karl RENNER, que no início do século XX, já defendia que a
propriedade sempre teve uma função social ainda que esta tenha variado conforme
o contexto histórico.359
Karl Renner trata da essencialidade dos institutos privados para a vida em
sociedade. Renner analisa a função social a partir da correspondente função
econômica inerente a cada instituto jurídico, uma vez alterada a configuração
356
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Função Social da Propriedade na Constituição
Federal de 1988. Disponível em:<http://www.juspodivm.com.br/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em:
18 mar. 2008.
357
“Mas, Santo Tomás entendia que uma coisa é o direito de apropriar, outra coisa é a gestão da
coisa apropriada. Assim, é lícito serem própria as coisas. A utilização, porém, deve ser feita como se as
coisas fossem comuns(cf. Suma Teológica, II-II, q. 66, a. 2)”. In: GOMES, Orlando, Direitos..., p. 98.
358
COMTE, Augusto. Systeme de politique positive. 1850 apud MORAES, José Diniz. A função
social da propriedade e a Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 34: “em todo o estado
normal da humanidade, todo o cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário público,
cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinaram ao mesmo tempo obrigações e pretensões. Este
princípio universal deve se estender até a propriedade, na qual o positivismo vê, sobretudo, uma
indispensável função social destinada a formar e administrar os capitais com os quais cada geração
prepara os trabalhos da seguinte”.
359
RENNER, Karl. Gli Instituti Del diritto privato e La loro funzione sociale. Bologna: il Mulino,
1981. p. 79.
econômica da sociedade, implicaria também uma configuração diferenciada do
instituto.
Assim, a propriedade, para Karl Renner, sempre teve uma função social, no
entanto a concepção dela foi modificada no decorrer da história. A propriedade, para
o referido autor, não pode ser tratada apenas como um direito abstrato,
principalmente a propriedade dos bens de produção; deve ser vista como um bem
concreto que é e visar à satisfação das necessidades do proprietário e da
coletividade.
Para justificar esse entendimento de função social, o autor parte do
pressuposto de que o homem como ser social é regido por leis naturais que
preservam o funcionamento da sociedade. Existiria uma vontade comum da
sociedade, sem a necessidade de uma regulação de poder. A sociedade não poderá
abdicar do poder de dispor dos bens necessários para a sua continuidade. É nesse
sentido que Renner defenderá a função social das instituições jurídicas baseado na
função econômica que um determinado bem ou que a instituição desempenha na
sociedade. A função social seria a função econômica do instituto, conforme ele
afirma:
A função de um direito in rem não é revelada apenas por uma
persona ou res, nem pelo poder legal da persona sobre a res,
que é meramente liberdade de ação concedida pela lei. Sua
função é revelada pelo uso ativo do direito, na maneira do
exercício - que na maioria dos casos fica fora da esfera da lei.
[...] O exercício do direito, entretanto, não é apenas de
relevância social, ele próprio é determinado pela sociedade. O
camponês isolado decide, a seu prazer, como utilizar sua terra,
mas o produtor capitalista é motivado pela posição do
mercado, pela sociedade. Legalmente livre, ele é
economicamente preso, e seus liames são formados pela
relação entre ele próprio e todos os demais objetospropriedades. Desde que o exercício de um direito não é
determinado pela lei, mas por fatos fora da esfera legal, a lei
perde controle da matéria360.
360
RENNER, Karl. Instituições Legais e Estrutura Econômica. 1980. In: FALCÃO, Joaquim;
SOUTO, Cláudio (orgs.). Sociologia e Direito. 2. ed. São Paulo: Thompson Pioneira, 2002, p. 147 – 157.
p. 150.
Guilherme GAMA e Bruno Paiva BARTHOLO fazem referência à concepção
adotada por Renner: “a função social não teria um papel promocional, sendo tão
somente o reconhecimento jurídico da realidade tal qual se apresenta”361. Karl
Renner estaria equivocado ao confundir a função social com o papel econômico
desempenhado pelo instituto na sociedade.
Por isso, atribui-se a DUGUIT o título de primeiro doutrinador a desenvolver a
idéia de função social, legitimar os institutos jurídicos pelo interesse social que
exercem.362 Ele concebe a função social como uma negação do direito subjetivo do
proprietário e elemento inerente ao próprio instituto, trazendo “uma visão realista de
função social”363.
A propriedade, para León DUGUIT, é para o uso de todos. “A propriedade
deve ser compreendida como uma contingência, resultante da evolução social; e o
direito de propriedade como justo e concomitantemente limitado pela missão social
que se lhe incumbe em virtude da situação particular em que se encontra”364. O
possuidor de uma riqueza tem o dever, a obrigação, de ordem objetiva, de empregar
a riqueza que possui, manter e aumentar a interdependência social365. A
propriedade não é apenas o direito subjetivo do proprietário, mas também uma
função do detentor da riqueza, uma situação subjetiva366. Cabe transcrever o texto
do autor:
A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se
tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a
propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de
empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência
social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode
aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de
modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua
361
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social da empresa.
In:___. (coord.). Função social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90 – 111. p. 97.
362
MACHADO, Hermano Augusto. A Função Social e a Tipificação no Direito de Propriedade.
Estudos em Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 237.
363
DUGUIT, León. Las Transformaciones Del derecho (publico y privado). Trad. de Aldolfo G.
Posada e Carlos G Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975, p.175 apud. GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 9.
364
DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. Tradução Marcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1996.
p. 29.
365
MACHADO, op. cit., p. 238.
366
DUGUIT utiliza a expressão situação subjetiva para indicar a “situação de um bem determinado
a um fim determinado, individual ou coletivo, tutelado pelo direito mediante um sistema de sanções” apud
NALIN, op. cit., p. 207.
mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais
367
deve responder .
León DUGUIT conceitua o direito subjetivo com “um poder do indivíduo que
integra a sociedade. esse poder capacita o individuo a obter o reconhecimento social
na esfera do objeto pretendido, desde que o seu ato de vontade possa ser
considerado deliberadamente legitimo pelo direito objetivo”368. O direito subjetivo,
para DUGUIT, é um poder-dever, ou seja, “o poder de impor a todos o respeito de
sua vontade”, embora não se possa dizer qual é a natureza dessa vontade, ou qual
a vontade é superior a outra. Essa noção do direito subjetivo não seria realista, mas
metafísica369. Desse modo, DUGUIT justifica seu posicionamento sobre a função da
propriedade: “A propriedade é protegida pelo direito, mas ela não é um direito, é
uma coisa. Uma realidade econômica e não uma realidade jurídica.”
370
Cabe ao
detentor da riqueza aumentar a riqueza geral fazendo valer o capital que possui, sob
pena de não ser merecedor da tutela jurídica371. Nesse sentido, Pietro
BARCELLONA assevera que, para DUGUIT, “o direito se resolve não no fato social
que dá origem a norma jurídica e nem no fato que representa a atuação. A função
tem o caráter de regulação da conduta concreta, a sociedade constrói o direito
quando define instituto”372.
A propriedade como realidade deve estar afeta a uma finalidade. O direito
deve proteger antes de tudo o fim que se determina. Duguit também já fazia uma
correlação à atividade produtiva, pois entendia que a função social da propriedade
produtiva seria a afetação dos bens a uma finalidade produtiva. Afirma que apesar
de no início dos anos 1900 não haver leis que obrigassem a produzir, o próprio
mercado imporia tal condição. Ainda, sustentava que é em decorrência da divisão
social do trabalho que se pode atribuir diferentes funções aos indivíduos e às
367
DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionel. Tome I. 3. ed. Paris: Ancienne Librarie Fontemoig
e Cia., 1927. p.128 apud FONTENELLE, Miriam. Direito a Moradia em Região Urbana. In: CONPENDI.
Anais...
Manaus:
2006,
p.
12.
Disponível
em:
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/campos/miriam_fontenelle.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2008.
368
DUGUIT, Fundamentos..., p. 7- 8.
369
GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 9.
370
DUGUIT apud ABREU CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho de. A Doutrina da Função Social da
Propriedade. Disponível em:<http://www.factum.com.br/artigos/102.htm>. Acesso em: 18 mar. 08.
371
MACHADO, op. cit., p. 238.
372
BARCELLONA, Diritto..., p. 211.
propriedades. Por isso, cada uma delas deve desempenhar uma necessidade
econômica373.
A qualificação de função social para ele não é privativa da propriedade e se
aplica a outros institutos jurídicos, como a pessoa jurídica. Atribui a função social até
mesmo à pessoa física, e defende que cada uma exerce uma função social,
portanto, também possui o dever de melhor desempenhar sua individualidade
perante a sociedade.
DUGUIT entende que o direito subjetivo como um direito individual absoluto
de uma pessoa sobre um bem seria incompatível com a função social, pois esta
impõe a observância deste poder conferido ao interesse social374. Por isso, Duguit
nega a existência de qualquer direito subjetivo do proprietário. Hermano MACHADO
explica que nessa concepção a propriedade exerce uma função na sociedade,
sendo esta:
determinada pela situação que de fato ocupa na coletividade.
Não tem direitos subjetivos. Não pode tê-los, porque um direito
é uma abstração sem realidade. Porém, pelo fato de ser
membro de uma sociedade tem a obrigação de fato de cumprir
uma certa função social, e os atos que realiza para este fim
tem um valor social e serão socialmente protegidos375.
Desse modo, pela inexistência de direitos subjetivos se justifica a intervenção
do Estado no sujeito inativo, para impô-lo o labor. Estaria assim restringida a
liberdade de não fazer nada. A função social como um poder-dever integra a própria
concepção de propriedade e não constitui uma limitação.
É neste ponto que reside a crítica à concepção da função social de DUGUIT,
é que a funcionalização da propriedade não aniquila os direitos subjetivos do
proprietário, pois permanece a definição liberal da propriedade, só que condicionada
ao atendimento da função social.376
373
MACHADO, op. cit., p. 235-237.
DUGUIT, Fundamentos…, p. 8.
375
Ibidem, p. 235.
376
FERRAZ, Henrique de Mello. Função Social da Propriedade e registro de Imóveis. In: NERY,
Rosamaria de Andrade (coord.). Função do Direito Privado: no atual momento histórico. São Paulo:
Revista dos Tribunais, p. 307 - 361, 2006. p. 307.
374
Ana PRATA explica bem a confusão; em um primeiro momento os direitos
subjetivos, juntamente com a liberdade negocial, constituem os principais
mecanismos de expressão da liberdade377. Nesse sentido, um “direito subjetivo
privado, seja qual for, tem como fonte a norma que protege o interesse privado
(finalidade imediata) para a realização daquele interesse público (finalidade mediata)
que se encontra na base da própria protecção, e é a razão última pela qual a
protecção é concedida”378. Hoje o negócio jurídico deixa de ser visto como
instrumento de realização da liberdade e passa a representar a realização dos
interesses privados. A autonomia privada e os direitos subjetivos passam a
desempenhar uma função, aptidão a produzir determinados efeitos, uma concepção
individualista. A limitação à autonomia da vontade era externa, não intrínseca à
autonomia, como o é hoje379. O exercício da autonomia da vontade será legítimo de
acordo com o exercício das faculdades e do modo de como é exercido.
Na decadência do modelo liberal tiveram início as discussões das teorias da
função social e do abuso de direito. Desde o final do século XIX há uma tentativa de
compatibilizar o individualismo com a solidariedade. A concepção de direito subjetivo
deixou de ser absoluto para estar limitado ao interesse social. É sobre o direito
subjetivo liberal, que se desenvolve a teoria do abuso de direito. Na perspectiva
liberal “o direito subjetivo revestia-se de um caráter absoluto ao encontrar-se
entregue ao livre arbítrio do titular”380. Segundo Pietro BARCELLONA, a teoria do
abuso de direito é um instrumento de coexistência dos poderes de diversos
proprietários, não um índice de socialização do direito de propriedade381.
Hoje, segundo Rosalice Fidalgo PINHEIRO, o direito subjetivo encontra-se
relativizado, “deixando de estar tão-somente a serviço de interesses de seu titular,
passando a servir os interesses da coletividade. Trata-se de um processo de
funcionalização dos direitos subjetivos, para o qual a nova teoria mostrou-se como
seu principal representante”382. A relativização do direito subjetivo não foi
377
PRATA, Ana. A Tutela Constitucional da Autonomia Privada. Lisboa: Almedina, 2001. p. 15.
Ibidem, p. 21.
379
Ibidem, p. 81.
380
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo, Op. Cit., p. 4.
381
BARCELLONA, Pietro. Diritto e processo econômico. p. 166 e 167 apud PRATA, op. cit., p.
378
155.
382
Ibidem, p. 5.
interpretada como uma forma de diminuir a autonomia privada, mas uma forma de
eliminar privilégios383.
Do mesmo modo, a afirmação de que existiria uma contradição entre o direito
de propriedade e seu condicionamento a função social é apenas aparente. Reforça
Carlos Ari SUNDFELD ao afirmar que esta contradição seria apenas ideológica e
histórica, não jurídica384. No ordenamento jurídico brasileiro não há incompatibilidade
entre a função social e o direito de propriedade.
O direito subjetivo permanece, em uma concepção estática, pois é o “que
legitima o proprietário a manter o que lhe pertence imune a pretensões alheias”, na
concepção dinâmica, a função impõe “ao proprietário o dever de destinar o objeto de
seu direito aos fins sociais, determinados pelo ordenamento jurídico”385.
Assim, não se nega a existência dos direitos de usar, gozar e dispor, mas a
extensão destes direitos na nova concepção de propriedade “é medida através da
relação concreta entre proprietários e não proprietários”. A função social
concretizará a superação a relação proprietário e coisa. 386
Nesse sentido também é o posicionamento de Eros Roberto GRAU, que
atribui duas concepções de propriedade. A propriedade como estática constitui o
direito subjetivo de usar, gozar e dispor, um poder. Na concepção dinâmica de
propriedade, que a propriedade é a função, pois está atrelada ao fim que
socialmente se destina, um dever387. Já José Afonso da SILVA sustenta que tanto a
propriedade dinâmica quanto a propriedade estática possuem função social, pois a
propriedade é uma função social388.
Carlos Frederico MARÉS critica a visão de Leon Duguit por outro viés,
entende que a função social está no bem e não no direito de propriedade ou no
proprietário: “quando a propriedade não cumpre uma função social, é porque a terra
383
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1994. p. 23.
384
SUNDFELD, Carlos Ari. Função social da propriedade. In: DALLARI, Adilson Abreu e
FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 122, 1987. p. 12.
385
BARROSO FILHO, José. Propriedade: A quem serves? Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52,
nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em:
20 fev.
2008.
386
OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 243.
387
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 241-242.
388
SILVA, José Afonso da, Curso..., p. 280.
que lhe é objeto não está cumprindo, e aqui reside a injustiça. Isto significa que a
função social está no bem e não no direito ou no seu titular”389.
Já Giselda HIRONAKA entende que a propriedade não é a própria função
social, como concebeu Leon Duguit, mas contém uma função social390. A
propriedade “tem uma função social que lhe é inerente, significando que se
encontrará o proprietário obrigado a dar uma determinada destinação social aos
seus bens, concorrendo, assim, para a harmonização do uso da propriedade privada
ao interesse social” e ressalva que a funcionalização não implica a “coletivização
dos bens, modus próprio de outro regime ou sistema político-econômico, de
natureza socialista” 391.
Pietro PERLINGIERI também levanta a questão se a propriedade é uma
função social ou tem uma função social392. Pietro PERLINGIERI defende que a
propriedade tem uma função social, pois esta permite que a propriedade seja
conceituada como uma situação subjetiva, imposta eventualmente uma função
social. Já se for adotada a concepção de que a propriedade é uma função social é
atribuída uma noção de propriedade coletiva, que o proprietário deve exercer em
favor da coletividade e não do seu próprio interesse393. Aquele posicionamento não
implica retirar a função social como elemento da propriedade, pois há a concessão
da titularidade e esta deverá ser exercida de acordo com interesse do proprietário
em consonância com os valores coletivos.
A conseqüência está no dever de o proprietário, ao utilizar a propriedade, dar
uma destinação esperada pela sociedade. Deveria o proprietário harmonizar com o
interesse social, o seu direito subjetivo de propriedade. Este também é o
entendimento de Eros Roberto GRAU ao afirmar que cabe ao proprietário cumprir ou
não a função social, o objeto não tem função social394.
389
MARÉS, op. cit., p. 91.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes de. Tendências do Direito Civil no Século XXI.
Conferência de encerramento proferida em 21.09.01, no Seminário Internacional de Direito Civil, promovido
pelo NAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG. Palestra
proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC), em 25.10.2002. p. 14.
391
Idem.
392
PERLINGIERI, Introduzione..., p. 77-78.
393
Idem.
394
GRAU, A ordem..., p. 244.
390
Contudo, prevalece na doutrina o entendimento de que a função social
compõe o próprio conceito de propriedade e que, portanto, a efetividade também
refletirá no exercício dos direitos, conforme expõe Teori A. ZAVASKI:
Por função social da propriedade há de se entender o princípio
que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade
jurídica, a significar que sua força normativa ocorre
independentemente da específica consideração de quem
detenha o título jurídico de proprietário. Os bens, no seu
sentido mais amplo, as propriedades, genericamente
consideradas, é que estão submetidas a uma destinação
social, e não o direito de propriedade em si mesmo. Bens,
propriedades são fenômenos da realidade. Direito – e,
portanto, direito da propriedade – é fenômeno do mundo dos
pensamentos. Utilizar bens, ou não utilizá-los, dar-lhes ou não
uma destinação que atenda aos interesses sociais, representa
atuar no plano real, e não no campo puramente jurídico. A
função social da propriedade (que seria melhor entendida no
plural, ‘função social das propriedades’), realiza-se ou não,
mediante atos concretos, de parte de quem efetivamente tem a
disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, assim
considerado no mais amplo sentido, seja ele titular do direito de
propriedade ou não, seja ele detentor ou não de título jurídico a
justificar sua posse395.
A funcionalização integra o direito à propriedade. A funcionalização incide
sobre os bens e não propriamente sobre o direito. Os bens são funcionalizados, no
entanto, não se pode negar que o direito que incide sobre o bem também será
afetado. Dessa forma, conforme afirma Francisco Cardozo OLIVEIRA:
Reconhecer na função social da propriedade a condição de encargo externo
ao direito de propriedade que, em tese, não obrigaria o proprietário equivale
a ignorar toda a construção teórica que, ao longo do século XX, tentou
preservar a propriedade ao introduzir no seu conceito elementos de caráter
humanístico para reorientar o alcance dos poderes conferidos ao
proprietário desde o direito romano. A função social integra a essência da
propriedade de modo que, na modernidade, passou a constituir-se em
garantia da tutela jurídica da propriedade. A propriedade não é o prius a que
se conecta o posterius da função social. A propriedade contém a função
social sem que o fato de contê-la venha reduzi-la à mera propriedade396
função, em que são diluídos os poderes dos proprietários .
395
ZAVASCKI, Teori Albino. A tutela da posse na Constituição e no projeto do novo Código Civil.
Revista Brasileira de Direito Constitucional, Brasília, n. 5, p. 50, jan./jul. 2005.
396
OLIVEIRA, Francisco Cardoso, Op. Cit., p. 243.
O princípio da função social da propriedade altera a estrutura do direito de
propriedade397. Pietro PERLINGIERI afirma que o proprietário passa a ter não
apenas limites ao exercício do direito, mas obrigações positivas em favor da
sociedade, visa orientar o exercício para o benefício público. “Há a imposição do
proprietário em exercer uma atividade em consonância com interesse social. Não
basta que a propriedade não seja utilizada de forma anti-social; mas deve ser
utilizado em benefício do interesse comum”398. A função social da propriedade
permitiu que o direito subjetivo fosse exercido com liberdade não só pelo titular, mas
também pelos demais membros da sociedade.
Acrescenta José Afonso da SILVA acertadamente que a função social não
consiste em uma limitação ao direito de propriedade, conforme entendeu Renner; se
assim o fosse recairia sobre o exercício do direito de propriedade. A função social é
inerente à própria propriedade399.
Guilherme GAMA e Caroline ANDRIOTTI alertam que a função social não
pode se restringir à concepção de um limite ao direito subjetivo, mas deve estenderse à própria legitimidade de reconhecer o direito de propriedade. Haveria uma dupla
concepção da função social, uma positiva e outra negativa. A positiva consistiria nos
instrumentos jurídicos coativos para a utilização do objeto. A negativa seria realizada
por meio de sanção decorrentes do não-aproveitamento, como ocorre com a perda
da marca, desapropriação de imóveis, incorporação de domínio da obra
intelectual.400 A esse respeito, escreve José Castán TOBEÑAS:
A propriedade é um direito subjetivo vinculado aos fins naturais
e pessoais do homem, mas ao qual está ligado não
circunstancialmente, mas necessariamente a uma função
social de conteúdo muito complexo, porém constituído em
essência pelos deveres, negativos e positivos, que a vivência
social e o bem impõem ao proprietário em benefício da
comunidade.401
397
Ibidem, p. 69 - 71.
LOPES, op. cit., p. 290.
399
SILVA, José Afonso da. Curso..., p. 254.
400
GAMA; ANDREOTTI, op. cit., p. 11.
401
“La propiedad es un derecho subjectivo vinculado a los fines naturales y personales del
hombre, pero al cual va ligado no circunstancial, sino necesariamente, una función social de contenido muy
complejo, pero constituida en esencia por los deberes, negativos e positivos, que el vivir social y el bien
398
Pietro PERLINGIERI compreende a função social como uma qualidade do
direito de propriedade e não nega o direito do proprietário como um direito
subjetivo402. Stefano RODOTÀ adota o mesmo posicionamento de Perlingieri.403
Francisco Cardozo OLIVEIRA defende que “está implícito, na função social a
valorização do exercício efetivo dos poderes proprietários em detrimento da outorga
formal do título de propriedade para o proprietário, sem compromisso, neste caso,
com a exploração socioeconômica efetiva da coisa objeto da propriedade”
404
. O
conceito de função social, nas palavras de J. J. Calmon de PASSOS:
Função social, conseqüentemente, pode ser entendida como o
resultado que se pretende obter com determinada atividade do
homem ou de suas organizações, tendo em vista interesses
que ultrapassam os do agente. Pouco importa traduza essa
atividade exercício de direito, dever, poder ou competência.
Relevantes serão, para o conceito de função, as
conseqüências que ela acarreta para a convivência social. O
modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-a.405
A função social não visa aniquilar o direito de propriedade, mas condicionar a
utilização segundo os interesses sociais. O bem deve respeitar os interesses
coletivos, ou seja, apresentar uma função social.406 O direito subjetivo permanece
existente, ainda que condicionado a uma atuação esperada socialmente. O interesse
da sociedade acaba por condicionar o exercício dos poderes do proprietário “e assim
imponen al propietario en benefício de la comunidad.”.TOBEÑAS, José Castan. Apud BARROSO FILHO,
José. Propriedade: A quem serves? Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em:
20 fev. 2008.
402
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale. Napoli: Scientifiche
Italiane, 2001. p. 200.
403
“A função social, segundo Stefano RODOTÀ, pensador italiano, une-se intimamente como
elemento integrante da estrutura da propriedade, ao lado dos poderes de usar, fruir, dispor e reivindicar. A
função social é elemento componente, mas que condiciona os demais elementos, tornando-os legítimos,
apenas se em acordo com ele. Ou seja, o uso, a fruição, a disposição e a reivindicação somente serão
legítimos, enquanto harmonizados com a função social”.RODOTÀ, Stefano apud GUIMARÃES, Karine de
Carvalho. A função social da propriedade e a vedação de usucapião sobre bens públicos. Disponível
em:<http://www.contratosonline.com.br/biblioteca/ artigos/aaartigointegra.asp.>. Acesso em: 18 mar. 2008.
404
OLIVEIRA, Francisco Cardoso, Op. Cit., p. 245.
405
PASSOS,
J.
J.
Calmon
de.
Função
social
do
processo.
Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.>. Acesso em: 17 mar. 2008.
406
GAMA, Guilherme Calmo Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no
Direito Privado e Constituição. In. ____.(coord.). Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007,
p.18 – 38. p. 22.
se afirma uma vez mais o caráter essencialmente social, tanto em sua origem como
em sua finalidade”407.
A função social, para Pietro BARCELLONA, caracteriza o conteúdo da
propriedade, que se exprime como condicionamento da autonomia privada do
proprietário408. A função social, para esse autor, consiste na concretização do bemestar social, que no direito de propriedade se materializa na maximização da
utilidade social do bem. A utilidade social seria no máximo benefício econômico
coletivo, ou seja, no aumento da produção, da riqueza e na concretização de
relações sociais mais justas409. Dessa forma, a utilidade social só poderá ser
auferida no caso concreto. Por isso, segundo o autor, a função social é uma cláusula
geral e vai mais além, como expressão da solidariedade social, impõe sobre o
proprietário a necessidade de adequar os diversos interesses em conflito410. O
interesse social não seria o interesse do proprietário, nem do invasor, mas da
coletividade globalmente.
Pietro BARCELLONA entende que “se o proprietário não cumpre e não se
realiza a função social da propriedade, ele deixa de ser merecedor da tutela por
parte do ordenamento jurídico, desaparece o direito de propriedade”411. O que
implica dizer que a função social não pode ser externa à estrutura da propriedade.412
Nesse sentido também é a doutrina de Pietro PERLINGIERI, para ele o
ordenamento jurídico apenas reconhece o direito de propriedade se as obrigações,
os deveres, os ônus que recaem sobre a propriedade são cumpridos de forma a
efetivar a função social413.
A propriedade desempenhará sua função social, segundo Miguel Reale,
quando se “volta à realização de um fim economicamente útil, produtivo, em
benefício do proprietário e de terceiros, especialmente quando se dá a interação
entre o trabalho” e meios de produção414.
407
MACHADO, op. cit., p. 247.
BARCELLONA, Diritto…, p. 300.
409
Ibidem, p. 301.
410
Ibidem, p. 302.
411
Ibidem, p. 181.
412
Idem.
413
PERLINGIERI, Pietro. Introduzione..., p. 71.
414
REALE,
Miguel.
Visão
geral
do
<http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 01 nov. 07.
408
novo
Código
Civil.
Disponível
em:
Assim, a função social é compatível com os direitos subjetivos do proprietário,
que diferentemente do período liberal, estes direitos passam a estar condicionados
ao cumprimento da função social. O conceito jurídico de propriedade também sofre
modificações com a funcionalização do instituto.
3.2.2.2 A mutação no conceito de propriedade
No liberalismo a propriedade era definida a partir dos direitos subjetivo, ou
seja, como um conjunto de direito absolutos do proprietário. A propriedade consiste
no direito absoluto do proprietário em usar, gozar e dispor da coisa. Via-se o direito
como natural, possuindo raras limitações.
No aspecto externo, segundo Ana PRATA, a propriedade tem sido definida
“pelo poder que aquele [proprietário] tem de excluir todos os outros de qualquer
ingerência na esfera do seu domínio sobre a coisa”415. No aspecto interno seria o
direito de o proprietário exercer os direitos subjetivos, sendo que o exercício deste
no “interior do domínio o sujeito tem um poder soberano de decisão”416.
A Constitucionalização do Direito Privado trouxe à propriedade a função
social, modificando a estrutura e o conteúdo dos direitos reais. O conceito atual de
propriedade vive uma transformação contínua justamente para legitimar uma forma
solidária de exercício, o que proporciona um justo equilíbrio entre o individual e o
social, sem a predominância de um sobre o outro.
A nova legitimação da propriedade se dá com a função social. A função social
confere à propriedade um dever, o que modifica o conteúdo. Conforme expõe Judith
MARTINS-COSTA, a funcionalização deriva “da atribuição de um poder tendo em
vista certa finalidade ou atribuição de um poder que desdobra em um dever, posto
concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais,
podendo atingir a esfera de interesses alheios”.417 A funcionalização dos direito visa
reconstruí-los para equilibrar interesses meramente individuais e sociais.
A funcionalização da propriedade exige uma atuação positiva do proprietário
em consonância com o que a sociedade espera. Por isso, pode-se afirmar que é a
415
PRATA, op. cit., p.148.
Ibidem, p. 150.
417
MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes Teóricas do novo Código Civil Brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 148.
416
função social que legitima ao Estado conferir poderes a um determinado sujeito.
Como poder conferido, o próprio ordenamento atribui obrigações a serem
observadas pelo proprietário418.
O fundamento da propriedade está no seu uso. Como expõe Alcides
TOMASETI, “é o proprietário o sujeito ativo da relação jurídica de propriedade. Mas,
o sujeito passivo da relação jurídica de propriedade privada são todas as demais
pessoas não proprietárias do objeto sobre o qual incide o poder jurídico do
proprietário. Por isso, diz-se que o poder jurídico, o ‘direito’ do proprietário, afeta
imediatamente o objeto de direito do proprietário, e afeta mediatamente, por
exclusão, todas as demais pessoas que não são titulares do direito. ”419
A propriedade deixa de ser definida como um direito subjetivo absoluto, e
passa a ser vista como uma situação jurídica subjetiva, conforme expõe Pietro
PERLINGIERI. A propriedade seria uma situação subjetiva complexa, envolvendo
faculdades em prol do proprietário e limites420. A propriedade configura uma situação
jurídica subjetiva com natureza de um poder que contém direitos e deveres.
Por situação jurídica PERLINGIERI entende como um conceito geral que
mede a relação de fatos e efeitos. Os efeitos delimitam a estrutura da situação
jurídica, pois consistem em modificações, constituições ou extinção de situações
jurídicas421. Pois, para o autor, não há diferenciação entre o momento descritivo e a
incidência da norma, pois toda incidência da norma precisará de fatos concretos.
Assim, após ocorrência do fato há a produção dos efeitos, configurando uma
situação jurídica422. Ressalta-se que o sujeito não faz parte da situação jurídica, pois
não são todas as relações que possuem dois sujeitos423. A relação jurídica seria
então a ligação entre duas relações subjetivas e não mais entre dois sujeitos424. A
418
Neste sentido PERLINGIERI: “(...) ha una disciplina inderogabile al di fouri dei poteri del titolare,
al di fouri dell´autonomia privata, e in questa disciplina vi sono determinati obbliggi di comportamento da
parte del proprietario” PERLINGIERI, Introdizione..., p. 71.
419
TOMASETTI JUNIOR, Alcides. A propriedade privada entre o direito civil e a constituição. RDM,
a. XLI, n. 126, p. 125, abr/jun. 2002.
420
PERLINGIERI, Introduzione..., p. 69.
421
PERLINGIERI, Perfis..., p. 105.
422
Idem.
423
PERLINGIERI explica que há situações jurídica em que não há o sujeito envolvido e exemplifica
com os direitos do de cujus, que tem direito a honra; assim como os vínculos familiares que persistem, não
há em um dos pólos um sujeito concreto. PERLINGIERI, Perfis..., p. 107.
424
Nesse sentido, para PERLINGIERI, tanto o sujeito como a sua capacidade são relevantes para
o exercício da situação subjetiva, mas não para sua existência: “La veritá é che occorre liberarsi da certi
individualismi, che hanno fatto il loro tempo, e concepire la situazione giuridica soggetiva come centro di
relação jurídica é formada por dois ou mais centros de interesses. Confere-se,
assim, direitos e obrigações a ambos os pólos.
Há uma relevância dos fatos, sendo este a causa do direito, não objeto. Como
as situações subjetivas são efeitos, necessitam de uma causa. Os fatos só se
tornam fatos jurídicos se constarem no mundo jurídico425. Ocorrido o fato, ele entra
para o mundo dos fatos jurídicos e ao produzir efeitos torna-se uma situação
jurídica. Como efeito que é, a situação jurídica será uma obrigação, um dever, um
ônus etc. Esses múltiplos efeitos que podem ser gerados configuram um centro de
interesses.
A situação jurídica, ao ser conceituada como centro de interesses, implica
afirmar que esta não se resume ao exercício dos direitos subjetivos. A situação
jurídica complexa é constituída por diversos elementos, isto é, direitos, deveres,
obrigações, ônus, faculdades, proteções, exceções etc.; dentre estas o poder-dever,
que consiste num agir, aproveitar o bem, seja como faculdade ou obrigatoriedade,
sempre observando determinados limites e condições.
A propriedade não pode ser vista apenas como exercício de direitos
subjetivos pelo proprietário e de abster terceiros que impeçam o exercício de tais
direitos. Há uma pluralidade de vínculos que incide sobre o centro de interesses. O
direito de propriedade é uma situação subjetiva de ordem complexa426.
Para PERLINGIERI, entre o proprietário e os demais interessados (Estados,
vizinhos, terceiros) há uma relação de cooperação e coordenação e não de
subordinação, como impunha a doutrina liberal. Dependendo do fato concreto o
ordenamento jurídico favorecerá um determinado interessado427. O interesse do
proprietário é apenas um dos interesses a ser protegido pelo ordenamento jurídico.
O caso concreto é que aferirá qual o interesse a ser protegido, para verificar a
extensão dos direitos, deveres, ônus etc. que cada envolvido detém. Caberá ao
interesse, in sé e per sé considerato, oggetivamente rivelante per l´ordinamento; solo cosi ci si renderá
conto che la volontà del soggeto, l´esistenza del soggeto, la sua capacita sono rilevante solo ai fini
dell´esercizio di questa situazione giuridica soggetiva, ma non per l´esistenza stessa della situazione
giuridica che va rispettata e garantita da parte dell´ordinamento anche se il soggetto non c´é” In:
PERLINGIERI, Introduzione..., p. 98.
425
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. t. 1. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1954. p. 3 - 35.
426
“In sostanza, quindi, la proprietá non è piú soltanto un potere della volontà, un diritto soggettivo
che spetta tout-court ad un soggeto, ma è ancor piú di una situazione giuridica soggetiva complessa”
In:PERLINGIERI, Introduzione..., p. 101.
427
Idem.
magistrado avaliar diante dos dados do fato concreto a essencialidade do bem ao
titular.
A propriedade é, portanto, uma situação jurídica complexa, ou seja, um centro
de interesses que congrega deveres, poderes, obrigações, ônus, faculdades etc., e
cujo conteúdo depende de interesses extraproprietários, apurados no caso concreto.
Ressalta-se que teoria da situação jurídica permite esclarecer porque a
função social também só poderá ser verificada no caso concreto. Ora, a função
social integra a própria estrutura, o conceito de direito de propriedade, se o conceito
impõe a verificação da legitimidade de interesse no caso concreto, a efetividade da
função social ou não só poderá ser apurada no fato concreto.
José Afonso da SILVA afirma que o Código Civil de 2002 concorda com o
posicionamento acima exposto de que a propriedade passa a ser vista como uma
“situação jurídica subjetiva complexa, compreensiva de poderes, faculdades,
deveres jurídicos, obrigações, encargos e limitações”.428
Há a modificação do núcleo do conceito de direito subjetivo para situação
subjetiva. A propriedade, além de conferir direitos ao proprietário, também lhe impõe
ele obrigações e deveres. Assim, a situação subjetiva é mais ampla, tendo em vista
que abarca os direitos subjetivos e evidencia os deveres. Neste ponto está a
dificuldade de definir a propriedade funcionalizada. A questão está justamente na
compatibilização dos direitos e deveres que recaem sobre o proprietário.
Por isso, a concepção adotada por Pietro BARCELLONA, que a função social
possa ser estabelecida por critérios legislativos, que vai em última análise limitar o
direito de propriedade429. No entanto, não é esta a concepção adotada pela doutrina
brasileira, cujo entendimento é que somente no caso concreto e analisado todos os
demais interesses que será apreciada a função social.
Por isso, o ordenamento jurídico deve continuar a conceituar a propriedade de
forma abstrata e a condicioná-la à função social que o bem desempenha. Conectase o direito de propriedade à função social, bem como à dignidade da pessoa
humana, pois dependerá da destinação conferida ao bem que o direito protegerá um
determinado interesse em detrimento de outro.
428
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p.
64.
429
BARCELLONA, Pietro. Gli Instituti Fondamentali Del Diritto Privato. Napole: Jovene, 1978, p.
148 apud GOMES, Orlando, Direitos..., p.111.
O conceito jurídico de propriedade está presente no artigo 1228430 do Código
Civil. O caput baseia-se no conceito liberal, pois define a propriedade a partir da
atribuição normativa de poderes - usar, fruir, dispor e reivindicar - sobre um bem ao
titular do direito de propriedade. Ao proprietário continuam resguardadas as
faculdades subjetivas, porém devem ser observadas as limitações e o conteúdo
funcional, previstos nos parágrafos. Os parágrafos do artigo 1228 do Código Civil
harmonizam o instituto aos princípios constitucionais, bem como aos princípios
diretrizes do Código Civil, em especial o princípio da socialidade, que tem como
finalidade a eliminação do individualismo, substituindo-o pela personalização.431
A empresa como propriedade, no perfil objetivo, está definida pelo Código
Civil no artigo 1.142432. Adota aqui o perfil objetivo na concepção da empresa, ou
seja, dos bens de produção, identificando a noção de estabelecimento empresarial.
O estabelecimento consiste no conjunto de bens necessários ao exercício da
atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços. A
natureza jurídica constitui uma universalidade de fato. A propriedade dos bens de
produção é da empresa, tendo esta o direito de usá-los e deles gozar e dispor.
Portanto, a empresa analisada sob o viés do estabelecimento empresarial, pode ser
perfeitamente aplicada à função social da propriedade, até mesmo por constituir
parcela do patrimônio da sociedade.433 Há o pressuposto que a tutela do
430
Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. §
2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam
animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de
desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em
caso de perigo público iminente. §4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistirem extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de
considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras
e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo
antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como
título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. In: BRASIL. Lei n. º 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan.
2002. Disponível em:<http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002?L10406.htm>. Diversos acessos.
431
PINTO. Carlos A. O Princípio da Função Social dos Contratos no Direito Societário.
Disponível em:<http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos.>. Acesso em: 08 nov. 07.
432
Art. 1142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício
da empresa, por empresa ou sociedade empresaria. In. BRASIL. Lei n. º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
Disponível em:<http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002?L10406.htm> Diversos acessos.
433
TOKARS, Fabio Leandro. Sociedades Limitadas. São Paulo: LTr, 2007, p. 83.
estabelecimento se dará se o “titular dos bens empresariais dar-lhes destino ativo,
há ainda, outro fato, que a isso se adiciona, para o cumprimento da função social da
propriedade empresarial: os limites da lei”434. Assim, a função social estará atendida
quando a atividade empresária é exercida de acordo com o ordenamento jurídico.
A propriedade é vista como uma instituição múltipla. Há a propriedade
imobiliária, literária, artística, industrial etc. Dentre as diversas propriedades
identificadas, existe a propriedade dos bens de produção, em que “converge um
feixe de outros interesses que concorre com aqueles do proprietário e, de modo
diverso, condicionam e são condicionados”435.
Deve-se ter em mente que o princípio da função social da propriedade incide
de forma geral nos bens patrimoniais, os quais deverão ser destinados a um
aproveitamento satisfatório para a coletividade, conforme sua própria natureza. A
diferenciação, segundo Fernando Armando RIBEIRO, estaria no fato dos:
bens de consumo, tais como roupas e alimentos, por exemplo, como bem
anota A . SILVA, cumprem a função social com a “sua aplicação imediata e
direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que justifica
até a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição” (SILVA, 1997:
682).
Os bens de produção, por sua vez, suscetíveis de apropriação
privada, aliás, característica básica do regime adotado na
ordem constitucional, devem ser fortemente atingidos pelo
princípio econômico da função social no que tange à sua
destinação normal: produção de bens e riquezas436.
Essa visão não é pacífica, Eros Roberto GRAU entende que apenas a
propriedade dos meios de produção é funcionalizada. Para ele, a propriedade
privada difere da propriedade funcionalizada, por aquela se tratar de um direito
individual que visa “garantir a subsistência individual e familiar- a dignidade da
pessoa humana”437, enquanto esta é garantida tanto pelas constituições socialistas
quanto
por
constituições
capitalistas.
Esta
não
seria,
segundo
o
autor,
funcionalizada, apenas passível de limite pelo poder de polícia estatal.
434
BRUSCATO, op. cit., p. 66.
GRAU, A ordem ..., p. 236.
436
RIBEIRO, Fernando Armando. O principio da Função social da propriedade e a
compreensão constitucionalmente adequada do conceito de propriedade. 37p, p 22. Disponível em:
<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/O%20principio%20da%20%20funcao.pdf>. Acesso em: 20
fev. 2008.
437
GRAU, A ordem..., p. 235.
435
Nesse mesmo sentido, justifica Alcides TOMASETTI JUNIOR que a atual
visão do direito de propriedade permite que muitos doutrinadores entendam que é
somente sobre os bens de produção que incide a função social, pois o “direito de
propriedade se exercita de modo particularizado”438. Porém, a função social da
propriedade deve ser obedecida por todos os tipos de propriedade, não só a dos
meios de produção. Rogério ANJOS FILHOS afirma que a “Constituição, no título
dos Direitos e Garantias Fundamentais, dispõe que a propriedade atenderá à sua
função social de forma genérica, sem restrições, pelo que a norma incide em todas
as espécies de propriedades previstas pela Carta, e não apenas naquelas
relacionadas à ordem econômica e aos bens de produção”439.
Ana PRATA também comenta o equívoco, descrevendo que esta vem de uma
concepção errônea da função social “enquanto utilização produtiva dos bens”440.
Esta concepção vincula a função social apenas à propriedade dos bens de
produção. Para chegar a esta conclusão, os adeptos deste posicionamento se
fundamentam em uma concepção errada de função social. O surgimento de outras
formas de riqueza, que não só a dos bens de produção em relação à sociedade fez
com que esta concepção fosse revista441. Deve ser vista como uma cláusula geral
que serve como instrumento “de aferição e adequação judicial dos instrumentos dos
proprietários”442.
A função social é o que justifica e legitima a propriedade empresarial. A
fundamentação da função social da empresa estaria justificada “pelos seus fins,
seus serviços, sua função”.443 Já a fundamentação do direito de propriedade
individual funcionalizada estaria na “dignidade da pessoa humana, apenas incidindo
sobre os excessos”444, “instrumento judicial de apreciação das condutas dos
proprietários in concreto”445.
438
TOMASETTI JUNIOR, op. cit., p. 125.
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Função Social da Propriedade na Constituição Federal de
1988. PODIVM. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BA3A7E2E6-99EC-43C7-82A9D07E3160D9B0%7D_roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em 20 fev. 2008.
440
PRATA, op. cit., p. 166.
441
Ibidem, p. 168.
442
Ibidem, p. 174.
443
GRAU, A ordem..., p. 238.
444
Ibidem, p. 247.
445
Idem.
439
A funcionalização visa dar uma utilidade e produtividade, atendendo, dessa
forma, aos princípios do desenvolvimento social, pleno emprego, justiça social.446
Deve o proprietário exercer suas faculdades conciliando seus interesses com os da
sociedade e do Estado. Cabe ao direito, como regulador das relações sociais,
repudiar o uso abusivo. É o cumprimento da função social que legitima o direito de
propriedade, inclusive o empresarial447.
Ana Frazão LOPES diferencia a função social do abuso de direito. A função
social suscita a imposição de deveres positivos sobre o titular. Já o abuso de direito
preocupou-se com a utilização das prerrogativas inerentes ao direito, procurando
estipular critérios a partir dos quais o titular deixaria de agir regularmente e passaria
conter abusos448. A confusão da função social e do abuso de direito pode se dar
com as teorias finalísticas do abuso de direito, que entendem por abusivo o exercício
do direito contrário à finalidade legal. Assim, o descumprimento da função social
pode vir a ser sancionado por meio da teoria do abuso de direito.
A propriedade funcionalizada passa a ser compreendida como situação
jurídica complexa, não mais como exercício de direito subjetivo. Como situação
jurídica, é tomada como relevante a destinação que o proprietário confere ao bem
dentro da sociedade. Observa-se que, ainda que o Código Civil traga uma definição
compatível com a definição doutrinaria, o principal fundamento jurídico da função
social da propriedade encontra-se na Constituição Federal.
3.2.2.3 A função social da propriedade na Constituição Brasileira
A primeira Constituição brasileira a mencionar a função social da propriedade
foi a de 1934. Essa Constituição conteve forte influência das Constituições Mexicana
(1917) e Alemã (1919). Na Constituição de 1934, a propriedade não poderia ser
exercida contra o interesse coletivo ou social.
A Constituição de 1934 trouxe alguma preocupação social com a propriedade,
no artigo 113, parágrafo 17: “a propriedade não pode ser exercida contra o interesse
social”. Esta visão foi mantida no texto constitucional de 1946, no artigo 147. Este
446
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 732.
CAMBI, Eduardo. Propriedade no Novo Código Civil: Aspectos inovadores. Revista Trimestral
de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 16. p. 38, out./dez. 2003.
448
LOPES, op. cit., p. 218.
447
dispositivo condicionava o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social.
Explicitamente, queria assim possibilitar uma justa distribuição da propriedade.
Entretanto, o enfoque doutrinário sobre o instituto só ocorreu com as
previsões da função social na Constituição de 1967 e sua Emenda em 1969. As
Constituições do período de ditadura elegeram a função social como um princípio da
ordem econômica e social; entretanto, não foi consagrada como um direito
fundamental e garantia individual, como o fez a Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 previu o direito de propriedade e a função
social da propriedade nos artigos 5º, XXII e XXIII449 e 170, II e III450, ora como direito
e garantia fundamental, ora como princípio basilar da ordem econômica.
A função social visa equilibrar os interesses individuais e os interesses
sociais, de forma que os institutos jurídicos devem ser aplicados de acordo com os
fins sociais esperados. Por isso, o principal fundamento da função social da
propriedade é o princípio da solidariedade. Daniel SARMENTO afirma que este
princípio implica o:
reconhecimento de que, embora cada um de nós componha
uma individualidade, irredutível ao todo estamos também todos
juntos, de alguma forma irmanados por um destino comum. Ela
significa que a sociedade não deve ser o locus da concorrência
entre indivíduos isolados, perseguindo projetos pessoais
antagônicos, mas sim um espaço de diálogo cooperação e
colaboração entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam
como tais451.
Dessa forma, revela-se “perfeitamente possível afirmar que a diretriz
constitucional da solidariedade social, contida no inciso III, do artigo 3º, do texto
449
Cf. Constituição Federal do Brasil 1988: Art 5º. (...)XXII - é garantido o direito de
propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;(...)” In: BRASIL. Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out.
1988. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Diversos
acessos.
450
Cf. Constituição Federal do Brasil 1988: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:(...) II - propriedade privada; III - função social
da propriedade;(...)” In: BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial
[da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:<
http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Diversos acessos.
451
GAMA; CIDAD, op. cit., p. 24.
constitucional de 1988, é o grande alicerce e fundamento da função social(...)”452.
Até mesmo porque “o Direito tem de servir à promoção de uma sociedade mais
digna e justa, à valorização da ética453, à prevalência da solidariedade social sobre o
individualismo, segundo os segmentos concernentes que norteiam todo o sistema
jurídico”454.
A inclusão da função social na ordem econômica constituiu um novo regime
jurídico da propriedade455. Diante disso, “a função social da propriedade impõe ao
proprietário- ou a quem detém o controle da empresa – o dever de exercê-lo em
benefício de outrem e não, apenas, de não fazer em prejuízo de outrem”456.
A grande conseqüência é que o conceito constitucional de propriedade,
conforme afirma Fábio Konder COMPARATO457, é bem mais amplo do que o
tradicional do Direito Civil. O princípio da função social passa a integrar o conceito
jurídico de propriedade. Tanto que José Afonso da SILVA conceitua a função social
da propriedade não como uma limitação ao direito de propriedade, mas inerente ao
seu conceito, pois está diretamente relacionado ao exercício do direito de
propriedade.458 A propriedade constitucionalizada garante os direitos subjetivos do
proprietário, porém condiciona seu exercício ao interesse social, sob pena de
intervenção do Estado.
Celso Ribeiro BASTOS define a função social da propriedade como um
“conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de
grande gravidade jurídica recolocar a propriedade na sua trilha normal”459. Define a
propriedade a partir de um viés constitucional, e não como mera repetição ao
previsto na legislação infraconstitucional.
452
GAMA; ANDRIOTTI, op. cit., p. 16.
MACEDO, Ubiratan B. de. Liberalismo Versus Comunitarismo Em La Cuestión De La
Universalidad Ética. Disponível em: <www.bu.edu/wcp/section/TheoEthi.html>. Acesso em: 21 jun. 2006.
454
COSTALONGA JUNIOR, Ademar João. Função Social da Propriedade: Liberalismo, Teoria
Comunitarista e a Constituição de 1988. Dissertação de Mestrado em Relações Privadas e Constituição.
Rio
de
Janeiro,
Campos
dos
Goytazes,
2006,
125
p,
p.114.
Disponível
em:<
http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Dissertacoes/Integra/AdemirJoaoCostalongaJunior.pdf>. Acesso em:
27 fev. 2008.
455
BRUSCATO, Wilges. Os princípios do Código Civil e o Direito de Empresa. Revista de Direito
Mercantil, São Paulo, v. 44, n. 139, jul. 2005, p. 50 a 75. p. 65.
456
GRAU, A ordem..., p. 245.
457
COMPARATO, Fabio Konder. A Reforma da Empresa. In: ____. Direito Empresarial: Estudos
e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 3 – 25. p. 18.
458
SILVA, José Afonso. Curso ..., p. 280 - 281.
459
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 210.
453
Para Maiana PESSOA, “a função social da propriedade é uma forma de
compatibilizar a fruição individual do bem e o atendimento da sua função social
visando que o titular da propriedade não abuse do seu direito. (...) Na verdade, a
função social é um poder-dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade
determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo.”460.
A Constituição Federal, ao situar o direito de propriedade e sua função social
no capítulo da ordem econômica (artigo 170, III), também a coloca como foco central
da ordem econômica, subordinando a empresa não só à funcionalização da
propriedade, como à solidariedade, ao direito consumidor, ao direito ao meio
ambiente etc.
Desse modo, a função social visa assegurar o direito de propriedade de
acordo com os outros ditames legais, por exemplo, a proibição de implementação de
trabalho escravo ou ainda poluir o solo e o ar, pois se assim fizer estaria negando a
função social.
Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade
instrumentalizam a função social. Dessa forma, a funcionalização está ligada ao
princípio da solidariedade, em consonância com o artigo 3º, inciso I, da Constituição
Federal, que estabelece como objetivos “construir uma sociedade livre, justa e
solidária” e no inciso III, a “erradicação da pobreza e a redução das desigualdades
sociais e regionais”.
A funcionalização da propriedade segue a vertente central do direito
constitucional, a dignidade da pessoa humana, realizada pela concepção valorativa
do direito461. “A funcionalização valoriza a utilidade individual e coletiva
proporcionada pelo uso do bem, direcionado para o objetivo finalístico traçado pelo
ordenamento jurídico”462, pois, hoje, o “que confere a validade à propriedade é a
utilidade social propiciada pelo uso do bem objeto da propriedade”.463
O direito liberal tinha como um dos pilares o direito de propriedade, assim o
direito de propriedade nesse período era visto como um direito individual. Todavia,
essa concepção não pode perdurar, com o Estado social há a solidariedade, o que
460
PESSOA, Maiana Alves. A função social da empresa no direito civil constitucional.
Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_53.html>. Acesso em: 11 jun. 2007.
461
OLIVEIRA, Francisco Cardozo, Op. Cit., p. 283.
462
Ibidem, p. 36.
463
Ibidem, p. 271.
torna a propriedade também um direito social. Nesse sentido, a Constituição, ao
estabelecer que a “propriedade atenderá a sua função social”, rompeu com o
paradigma liberal deste instituto. Como direito fundamental, a propriedade é
garantida, mas de forma funcionalizada, e não há hierarquia entre solidariedade e
propriedade, visto que ambos devem ser harmonizados.
A Constituição, no artigo 5º, parágrafo 1º, declara que os direitos e garantias
individuais possuem aplicabilidade imediata. Afirma Fernando RIBEIRO, que:
Não há que se reconhecer, entretanto, seja alguém possuidor
de deveres constitucionais, sem simultaneamente postular a
existência de um titular de direitos constitucionais
correspondentes. E, dessa forma, ao reconhecer aplicação
imediata às normas definidoras de direitos fundamentais, está
a Constituição, implicitamente, reconhecendo a situação
inversa, vale dizer, que a exigibilidade dos deveres
fundamentais é também imediata, dispensando intervenção
legislativa464.
Portanto, o princípio da função social é uma norma de incidência e
aplicabilidade imediata465, cujo objetivo é a garantia de uma maior harmonização do
ordenamento jurídico e econômico, complementando o próprio princípio da
propriedade privada.
A função social é um princípio constitucional que, segundo Túlio CAVALAZZI
FILHO, efetivamente “ordena a propriedade privada e transforma-lhe o conteúdo,
caracterizando não só como um de seus fundamentos, mas também como uma de
suas garantias”466.
Apesar
de
reconhecido
majoritariamente
pelos
constitucionalistas,
a
aplicabilidade mediata do princípio da função social da propriedade deve ser
sopesada a cada caso concreto. Fernando Armando RIBEIRO entende que essa
seria “a única via constitucionalmente adequada para se garantir tanto a efetividade
do sistema quanto a concreção da justiça que lhe é inerente”, e complementa que,
uma “aplicação irrestrita da função social da propriedade, desfiguraria sua
verdadeira natureza de princípio, convertendo-a em regra, o que ocasionaria solução
464
RIBEIRO, op. cit., p. 24.
SILVA, José Afonso da, Curso ..., p. 281.
466
CAVALLAZZI JUNIOR, op. cit., p. 112.
465
injusta para inúmeros casos concretos e terminaria por desvelar um conflito na
própria Constituição”467.
Diferente é a efetividade da função social concebida por José BARROSO
FILHO, que entende que, uma vez não atendida a função social da propriedade,
“deve o direito de propriedade extinguir-se, passando das mãos do seu titular, ou
para o Estado, ou para quem lhe dê a função almejada”468.
No sistema jurídico atual a propriedade deverá cumprir uma função social;
caso isso não seja observado, possibilitará que o Poder Público imponha medidas
coercitivas, inclusive a expropriação por interesse social. “Ao fazê-lo, estará o
Estado brasileiro não apenas contribuindo para a concretização de princípios
fundamentais de nosso sistema, como também para assegurar a aura de
supremacia de que se deve revestir a Constituição para que seja capaz de legitimar
tanto o Estado quanto todo o demais direitos que nela se assentam”469.
Heloísa CARPENA aponta que a inobservância da função social, como
princípio do ordenamento jurídico, implicaria desvio no exercício do direito
concernente, recaindo-se em uma das modalidades de abuso de direito470.
O problema na aplicação decorre da amplitude do conceito da função social e
a respectiva conseqüência pelo seu descumprimento. A Constituição Federal de
1988 apenas estabeleceu parâmetros gerais do que venha a ser a função social,
pois como princípio constitucional que é deverá ser analisado perante o caso
concreto.
A Constituição Federal, ao expressar na ordem econômica a função social,
atribui à atividade econômica a sua observância. Ao mesmo tempo em que constitui
como fundamento constitucional para a função social do contrato.
3.2.3 Função Social do Contrato
A teoria contratual nasce com Grotius, no surgimento do sistema capitalista e
467
RIBEIRO, op. cit., p. 28.
BARROSO FILHO, José. Propriedade: A quem serves?. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52,
nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2453>. Acesso em:
20 fev.
2008.
469
RIBEIRO, op. cit., p. 33.
470
CARPENA, Heloisa. Abuso de Direito nos Contrato de Consumo. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p. 53.
468
amadurece na Revolução Industrial. Nasce a regulação jurídica do contrato com os
códigos liberais. A necessidade de um mecanismo seguro de transferência de
propriedade, de realizar operações econômicas, possibilitou a regulamentação legal
dos contratos.
Classicamente o contrato era definido, conforme bem sintetizou João de
Matos Antunes VARELLA, como sendo “o acordo vinculativo resultante da fusão de
duas ou mais declarações de vontade compostas, mas harmonizáveis entre si,
destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre partes”471. Nesta
definição é nitidamente liberal, pois a vontade é a fonte geradora do contrato. O
encontro das vontades gera obrigações. Nesse sentido, a vontade das partes era
livre, havia o dogma da autonomia da vontade, a liberdade contratual e de contratar,
segurança jurídica e pacta sunt servanda.
O elemento central do conceito de Antunes VARELLA está no mútuo
consentimento. Este consiste no encontro de vontades, ou seja, quando duas
vontades contrapostas entre si, em um determinado momento convergem,
harmonizam. Por isso, é no encontro de vontades que ocorre a conclusão de
contratos. É necessário um consenso, a concordância das partes472 em todos os
elementos essenciais do contrato. O dogma sobre autonomia da vontade se
fundamenta no fato de o próprio direito dotar os particulares de liberdade e
igualdade. Antunes VARELLA conceitua a autonomia da vontade como “a faculdade
reconhecida aos particulares de fixarem livremente segundo o seu critério a
disciplina vinculativa de seus interesses, nas relações com as demais criaturas”473.
Outro princípio central do contrato liberal é a liberdade contratual.
Este
princípio pode ser definido em três perspectivas: 1) a liberdade de escolher entre
contratar ou não, ninguém poderia ser obrigado a realizar um contrato; 2) a liberdade
de escolher o outro contratante, ninguém poderia ser obrigado a realizar um contrato
sobre determinada pessoa; e 3) a liberdade de escolha do conteúdo, ou seja, quais
são as cláusulas do contrato.
471
VARELLA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 10. ed. v. I, Coimbra: Almedina,
1996. p. 212.
472
Cabe ressaltar que para o direito contratual parte é diferente de pessoas. Pode ter varias
pessoas representando no lugar de uma única parte. Orlando Gomes define partes como um centro de
interesses. Haverá duas partes se tiver interesses opostos. Deve-se saber quantos pólos de interesse,
para saber quantas partes têm.
473
VARELLA, op.cit, p. 30.
A liberdade contratual liberal decorre do dogma da autonomia da vontade,
tendencialmente ilimitada. Não se admite limitação a liberdade contratual, a não ser
de caráter negativo, ou seja, limites excepcionais. O Estado era liberal, intervenção
mínima na esfera privada. O Estado poderia traçar os limites externos da liberdade
contratual, mas sua liberdade não seria limitada. Determinada cláusula não poderia
existir no contrato, limite para que a liberdade contratual existisse.
Há presente, então, a idéia de intangibilidade do contrato, não admitindo nem
mesmo a intervenção do juiz nas cláusulas contratuais. Ademais, os efeitos do
contrato era restrito às partes (“res inter allios”) que dele participaram, não atingem
terceiros à relação. A lógica era que se os terceiros têm vontade livre, como este
pode ser obrigado se não consentiu com o acordo.
No final do século XIX, começou-se a verificar uma contradição entre os
direitos das obrigações e a sociedade. Nesse período ocorreram grandes
transformações econômicas e sociais que vão abalar toda a estrutura.
Nessa
perspectiva escreve Paulo NALIN:
O caos do contrato é retrato fiel da saturação do sistema fechado do código,
tendo aquele instituto desbordado de seus limites restritos para atingir
segmentos mais particulares e comprometidos com a atual ordem
474
constitucional .
A aceleração da produção industrial e a necessidade de trocas mais rápidas
fizeram com que os princípios clássicos fossem revistos e fossem inseridos novos
princípios contratuais. Nasce a concepção social de contrato. Por isso, afirma Paulo
NALIN que se quiser manter uma visão ahistórica do contrato não haverá como
resolver a crise contratual475.
Na verdade, a crise se refere ao momento de transformação, crise, caos476 ou
morte ou decadência de uma concepção de contrato. As crises contratuais foram
propiciadas por uma modificação da concepção de Estado e das relações sociais e
econômicas. A crise do contrato adveio da incoerência da concepção clássica do
contrato, com a massificação da produção.
474
NALIN, op. cit., p. 111.
VARELLA, op. cit., p. 122.
476
NALIN, op. cit., p. 111.
475
O mesmo se deu no âmbito dos contratos, Claudia Lima MARQUES lembra
que “Como novo paradigma para as relações contratuais de consumo de nossa
sociedade massificada, despersonalizada e cada vez mais complexa (...)”477. Para
isso, a política legislativa procura atingir igualdade material, fundada no interesse
social, trazendo um equilíbrio na relação dos contratantes.
Há a necessidade de o Estado intervir no contrato. O “dirigismo contratual
consiste em regular o conteúdo do contrato por disposições legais imperativas de
modo que as partes são obrigadas a aceitar o que está pré disposto na lei, não
possam suscitar efeitos jurídicos diversos, em conseqüência a vontade deixa de ser
autônoma, e a liberdade de contratar se retrai”478. O Estado, então, irá regulamentar
e propiciar a igualdade material entre os contratantes, mediante a proteção do ente
vulnerável.
Enzo ROPPO define o contrato como “a realização de uma operação
econômica reconhecida e tutelada pelo direito”.479 O autor atrela o contrato à
realização de uma operação econômica que possui como principal efeito a
transferência de riqueza. Nessa mesma linha, Enzo ROPPO entende que é
necessário considerar na definição do contrato a realidade econômica-social que
subjaz às relações jurídicas.480 O contrato muda a sua disciplina, função e estrutura
segundo o contexto econômico e social que em está envolvido481.
Deve o direito se moldar à realidade econômica do contrato, regulamentando
os contratos de maneira a proporcionar maior agilidade e fluidez nas relações civis.
O principal fator para transformar a teoria contratual foi a massificação das relações
contratuais. O contrato recebe novas teorias e princípios aplicáveis aos contratos
tais como: teoria da lesão, teoria da imprevisão, teoria do abuso do direito o princípio
da boa-fé, o princípio dos bons costumes, o princípio da equidade etc.. A
possibilidade de revisão dos contratos, relativizando a pacta sunt servanda e no
dirigismo contratual. Há a liberdade de contratar e não liberdade contratual482.
477
MARQUES, Contratos..., p. 105 - 106.
SCHROEDER, Fernanda Stein. As Clausulas Abusivas e o Contrato de Adesão: A proteção
contratual do Código de Defesa do Consumidor. Monografia do Curso de Direito da UFSC. Departamento
de
Direito
Privado
e
Social.
1996,
p.
90.
Disponível
em:
<
http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Fernanda%20Steiner%20Schroeder.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008.
479
ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1998. p. 211.
480
Ibidem, p. 7 - 8.
481
Ibidem, p. 24.
482
MARQUES, A chamada..., p. 19.
478
O atual ordenamento jurídico busca a equidade contratual, a solidariedade, a
confiança, a segurança e a justiça contratual. A despatrimonialização do Direito
trouxe um contrato visto não só como instrumento de circulação de riquezas, mas
por meio do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, “presta-se ao
livre desenvolvimento da pessoa contratante, sem que dela possa excluir um
conteúdo patrimonial mínimo”483. A revalorização do ser humano é o principal foco
da nova teoria contratual. “A ética, a confiança, a moral objetiva, o respeito a palavra
dada, enfim, a boa-fé objetiva voltam a ser valores relevantes”484na consecução do
contrato.
O direito pós-moderno fez com que os princípios liberais fossem
remodelados, principalmente trazendo maior vertente a funcionalização e de
solidarização485.
O Código Civil de 2002 não abandona os princípios modernos contratuais,
entretanto, dá-lhes uma nova roupagem, mais branda, sendo analisados sob viés da
dignidade da pessoa humana, da socialidade e eticidade. Contudo, “não se pode
mais afirmar com precisão, ser o contrato, na descrição moderna de acordo de
vontades, um instrumento simples, de uso universal e ahistórico, sem o prejuízo de
serem remetidas a um vácuo jurídico inúmeras figuras abrangidas pelos demais
segmentos”486. Por isso, Paulo NALIN afirma que não se pode ter um conceito de
contrato “que identifique a experiência jurídica contemporânea”487.
O desafio na conceituação do contrato pós-moderno, segundo o autor, está
justamente em conciliar os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana
com o livre mercado, da solidariedade e o mercado, que em um primeiro momento
apresentam-se divergentes e totalmente inconciliáveis se adotados na concepção
liberal. Paulo NALIN então apresenta o contrato pós-moderno como:
o contrato interprivado a relação jurídica subjetiva, nucleada na
solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos
jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares
483
NALIN, op. cit., p. 248.
POPP, Carlyle. Considerações sobre a boa-fé objetiva no direito civil vigente – efetividade,
relações empresariais e pós-modernidade. In: TONIN, Marta Marília; GEVAERD, Jair. (coord.) Direito
Empresarial e Cidadania. Curitiba,: Juruá, 2004, p.17 - 43, p. 21.
485
Ibidem, p. 22 - 24.
486
NALIN, op. cit., p. 121.
487
Idem.
484
subjetivos da relação, como também perante terceiros. A
perspectiva constitucional do contrato é determinante para se
declarar insuficiente qualquer conceito que o reduz a formula
do acordo de vontades, destinado a produção de efeitos
jurídicos constitutivos, modificativos e extintivos da relação
jurídica488.
Paulo NALIN, ao conceituar o contrato pós-moderno, analisa-o integrado a um
sistema econômico, o considera como uma relação complexa, na qual cada parte é
detentora de inúmeros direitos e deveres489. Não apenas no axioma subjetivo de
crédito e débito, deve ser olhado pela funcionalização, eticidade, destinado à
realização de valores não apenas patrimoniais.
A solidariedade é um dos vértices do contrato pós-moderno.490O princípio da
solidariedade irá definitivamente romper com toda a visão egoística e individualista
clássica. Este princípio entende que deve prevalecer nas relações sociais não só um
interesse interprivado, mas também o coletivo.
Assim, a solidariedade irá condicionar a livre iniciativa constitucional, que nas
relações contratuais se expressam na autonomia privada491. A livre iniciativa só será
legítima se for exercida de acordo com o interesse social e se promover os valores
da ordem econômica. A solidariedade seria o mecanismo de equilibrar a
individualidade do mercado e a justiça social. A relação contratual, segundo Paulo
NALIN, deve ser vista como uma relação de cooperação entre sujeitos, em razão do
interesse social e da população492.
Com o modelo pós-liberal há um esvaziamento do papel da autonomia da
vontade, esta deixa de ser o núcleo, para dar lugar a um contrato já escrito,
denominado contrato de adesão493. Hoje há uma autonomia privada, que “constituise na possibilidade legal de auto-regulamentação de interesses jurídicos, enquanto
espaço livre, destinado aos operadores”494. Esta apenas exige uma iniciativa e um
impulso de iniciativa da pessoa que quer contratar495.
488
Ibidem, p. 255.
Idem.
490
Ibidem, p. 211.
491
BARCELLONA, op. cit., p. 325.
492
NALIN, op. cit., p. 203.
493
Ibidem, p. 119.
494
Ibidem, p. 169.
495
PERLINGIERI, Perfis ..., p. 43.
489
A autonomia da vontade passa a estar fortemente limitada, não somente
pelos bons costumes e por normas jurídicas específicas, mas também a outro
princípio, expresso no artigo 421 do Código Civil, a função social do contrato. Tendo
em vista que segundo BARCELLONA, a autonomia da vontade no momento estático
se refere ao exercício da propriedade; no momento dinâmico, a circulação de bens,
portanto, ao contrato496. No art. 421 do Código Civil de 2002 constitui em uma
atenuação ao princípio da res alios inter acta, ou seja, que o contrato apenas opera
seus efeitos entre as partes. Com a funcionalização do contrato, admite-se que ele
possa gerar efeitos à sociedade em geral, pois mesmo que não participe
diretamente da relação contratual, poderá ter que suportar seus efeitos.497 Giselda
HIRONAKA - primeira doutrinadora brasileira a mencionar a função social do
contrato - expõe que:
A função social emerge, assim, como uma dessas matrizes, importando em
limitar institutos de conformação nitidamente individualista, de modo a
atender os ditames do interesse coletivo, acima do interesse particular, e,
importando, ainda, em igualar os sujeitos de direito, de modo que a
498
liberdade que cada um deles, seja igual para todos .
A doutrina majoritária concorda que a função social do contrato vem interferir
no princípio da relatividade dos contratos e da autonomia da vontade. Isso porque,
se a “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
dos contratos”, como preceitua literalmente o art. 421 do Código Civil, não há duvida
de que tal dispositivo venha a impor restrições ao princípio da relatividade contratual.
Se o contrato não vem a exercer sua função perante a sociedade, é dado à
sociedade interesse em intervir neste negócio jurídico.499
Constitucionalmente, o princípio da função social do contrato estaria
fundamentado na função social da propriedade500, pois o contrato tem por principal
função a transmissão da propriedade.
496
BARCELLONA, op. cit., p. 325.
MÜLLER,
Luciano
Scherer.
Função
Social
dos
Contratos.
Disponível
em:<http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060612luciano_scherer_muller.php>. Acesso em: 31 out. 07
498
HIRONAKA, Giselda M. Fernandes de Moraes. A função social do contrato. Revista de Direito
Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, v. 45, p.141,1988.
499
SOARES, Renzo Gama, op.cit., p. 453.
500
Segundo Miguel REALE, “o reconhecimento da função social do contrato é mero corolário dos
imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e a justiça que deve presidir a ordem
497
Fernando de NORONHA501 entende que o contrato sempre esteve
funcionalizado, até mesmo durante a vigência da concepção liberal. Só que no
período liberal a função do contrato era econômica, somente após a crise do
contrato é que se tem a função social do contrato. E escreve que “decorrente da
inviabilidade da mão-invisível a função social teve que ser repensada”502.
Paulo NALIN compreende que antes da Constituição Federal de 1988, o
contrato apenas tinha uma função econômica503. Funcionalizar, para Paulo NALIN,
significa atribuir uma “utilidade ou impor um papel social”, implica “oxigenar as bases
fundamentais do Direito com elementos externos à ciência”504. Há o rompimento
com o tecnicismo jurídico e busca-se atender aos anseios sociais.
Ainda para Paulo NALIN, a função social pode ser analisada sob dois vieses:
intrínseca e extrínseca. A intrínseca é referente à observância dos princípios da
igualdade material, eqüidade, boa-fé objetiva pelos contratantes, decorrentes do
princípio constitucional da solidariedade. A extrínseca é destinada a ressalvar as
conseqüências do contrato no âmbito das relações sociais, observando os
desdobramentos do contrato aos diferentes titulares que serão não somente aqueles
envolvidos na relação de crédito e débito.505
Suaviza-se a obrigatoriedade dos contratos com o fim de afastar a ilicitude e o
abuso de direito. Conforme expõe Humberto THEODORO JÚNIOR, “não seria
mesmo possível consentir que a liberdade de contratar redundasse em prejuízos
injustos para a sociedade e terceiros, que sofreriam os efeitos externos das
obrigações sem que a elas tivessem aderido.”
506
Dessa mesma forma pode-se
acrescentar este pensamento de Caio Mário PEREIRA:
A função social do contrato serve de instrumento para limitar a autonomia
da vontade, quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse
social e este deva prevalecer, ainda que esta limitação possa atingir a
econômica” In: O projeto do código civil: situação atual e seus problemas fundamentais. p. 32 apud
NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 83.
501
NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 85.
502
Idem.
503
NALIN, op. cit., p. 232.
504
Ibidem, p. 217.
505
Ibidem, p. 226.
506
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 40.
própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato
obrigatório. Tal princípio desafia a concepção clássica de que os
contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da
vontade. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo,
possibilitar que terceiros, que não são propriamente parte do contrato,
possam nele influir em razão de serem direta ou indiretamente por ele
507
atingidos.
Para Ricardo LORENZETTI, a função pode possuir três concepções: como
adequação do vínculo privado à justiça social, pois constitui uma forma de dirigismo
estatal; como utilidade social, que visa reforçar a força obrigatória dos contratos
úteis; a função econômica e social, no sentido de causa objetiva, função típica com
finalidades classificatórias508. A função, segundo o autor, é um standard de
julgamento da socialidade do contrato509.
A função social consiste no atendimento aos interesses individuais
harmonizados com o interesse coletivo. A liberdade contratual será exercida em
razão dos limites contratuais. A função social do contrato demonstra a
imprescindível harmonização dos interesses privativos dos contraentes com os
interesses de toda a coletividade510.
Conforme Eduardo Sens dos SANTOS, para concretizar a função social do
contrato é necessário cumprir dois elementos: um interno e outro externo. O interno
compreende a adequada ponderação entre três princípios fundamentais do direito
contratual: a boa-fé objetiva, a autonomia privada e o equilíbrio contratual. Estes três
princípios dizem respeito ao conteúdo contratual, por isso consistem na parte interna
do acordo de vontades511. Já o elemento externo da função social do contrato é a
concretização do bem comum, que, para SANTOS, deve ser visto na concepção
mista, isto é, no bem de todos e no bem do indivíduo.512
A operatividade e a eficácia da função social do contrato devem ser
consideradas interpretativas, assim “serão analisados nos casos que serão
507
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 13-14.
508
LORENZETTI, Tratado..., p. 102.
509
Ibidem, p. 103.
510
TALAVERA, Glauber Moreno. A Função Social do Contrato no Novo Código Civil. Disponível
em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero19/artigo11.pdf>. Acesso em: 30 out. 07.
511
SANTOS, Eduardo Sens dos. O novo Código Civil e as cláusulas gerais: exame da função
social do contrato. Revista de Direito Privado. São Paulo, n. 10, p. 24, abr./jun. 2002.
512
Ibidem, p. 109.
examinados do princípio da conservação ao controle do merecimento da tutela dos
contratos”513.
A aplicabilidade da função social, como instrumento do controle do conteúdo
dos contratos, pauta-se no fato de a “liberdade contratual não” ser “legítima se
persistir a iniqüidades atentatórias de valores de justiça, que igualmente tem peso
social. O problema está na determinação do ponto em que liberdade e justiça se
equilibrem”514.
Por isso, o descumprimento da função social do contrato implica a invalidade
do negócio jurídico. Nesse sentido Marcos Bernardes de MELLO salienta:
Uma nova interpretação se dá para adoção, pelo Código Civil
de 2002, da chamada nulidade virtual. Na medida em que o art.
421 do Código Civil é norma jurídica cogente que não define
uma determinada sanção para sua violação, pode-se dizer que
uma das sanções possíveis é a nulidade, nos termos do art.
166, inc. VII.515
O descumprimento da função social resultaria de um descumprimento do
papel regular do contrato de forma esperada pelos contratantes. A desobediência à
função social, portanto, seria causa de nulidade virtual516 do negócio jurídico por
contrariar um dos princípios do ordenamento jurídico. Contraria uma disposição
social de ordem pública, que é a função social do contrato. Os efeitos produzidos por
este contrato são nocivos às partes ou até mesmo a terceiro, sendo enquadrados no
campo da invalidade do negócio jurídico517.
Ao contrário é a doutrina de Enzo ROPPO, o descumprimento da função
social do contrato não é passível de declará-lo nulo, mas poderá ensejar “sanções
ou remédios (anulação, rescisão, resolução)”518. Por ser um princípio, a função
social:
513
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
155.
514
NORONHA, op. cit., p. 82.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: plano da validade. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 93.
516
NALIN, op. cit., p. 234.
517
Ibidem, p. 237.
518
ROPPO, op. cit., p. 222.
515
tutela o interesse de um contraente contra o interesse de outro
contraente, inspirando-se na exigência de não alterar o
originário equilíbrio econômico, ou então, de respeitar o sentido
que a operação devia ter razoavelmente para as partes – e por
isso, numa lógica não de conflito, mas de substancial garantia
da autonomia privada.519
Enzo ROPPO compreende que a funcionalização não visa garantir a
equidade das prestações, o respeito aos princípios da justiça contratual, as partes
são livres, o ordenamento apenas pode intervir para controlar o quadro externo da
economia e perturbaram a capacidade de avaliação das partes ou fatos
supervenientes que privam a execução do contrato. Não pode o Estado intervir em
relações que uma das partes julga ter feito um mal negócio; aliás, o ordenamento
jurídico deve autorizar o lucro.
Fernando NORONHA entende que o descumprimento da função social seria
“o exercício de um direito contrário ao interesse geral é antijurídico, caracterizando
abuso de direito[...]”520.
Segundo Alexandre GODOY: “A função social do contrato representa uma
maneira quando externada pelo exercício da atividade jurisdicional de interpretação
e de controle do exercício da liberdade contratual, corolário, do conceito que lhe
integra da autonomia privada”521. O contrato deve ostentar uma determinada função
e esta consonância estará sob o controle da juridicidade. “Os diversos tipos de
contrato continuam a ter uma função determinada e de acentuada índole social, por
vezes de o legislador regrar-lhes a disciplina”522.
Por isso, há um novo posicionamento do magistrado perante as cláusulas
gerais. “O juiz interpreta, integra, readapta e modifica o conteúdo contratual, tudo
para garantir a eficiência da operação econômica e a concretização dos valores de
ordem publica que conformam o útil e justo contratual. É ele quem reconhece a força
obrigatória dos contratos”523.
519
Idem.
NORONHA, op. cit., p. 84.
521
GODOY, op. cit., p.153.
522
Ibidem, p. 154.
523
CUNHA, Daniel. Op. Cit., p. 280.
520
No modelo neoliberal, qualquer das concepções de função social estão sendo
criticadas devido à intervenção na autonomia privada gerada. Há grande medo de
que a funcionalização do contrato cause prejuízos à atividade econômica.
O contrato não é um instituto meramente jurídico, assim como a empresa,
também é um fenômeno econômico. Por isso, não cabe à ciência jurídica afastar a
função de instrumento de circulação de riqueza. Não pode os contratos se
submeterem a um controle a ponto de socializá-los, não é isso que busca a cláusula
geral da função social do contrato. A função social e a função econômica do contrato
devem subsistir harmoniosamente.
524
Arnold WALD525 já se manifestou sobre a
importância do bom funcionamento do mercado para a sociedade, que por sua vez
necessita de um bom instrumento de circulação de riqueza e de segurança jurídica,
de forma a garantir a permanência das relações contratuais consideradas
equilibradas e eficientes. “O contrato não deixa de ser instrumento de liberdade e de
eficiência econômica, contudo, trata-se de uma liberdade qualificada pelo
comprometimento social e a eficiência econômica consiste agora na adaptação às
necessidades do mercado.”526
Dessa forma, é necessário ter em foco que a função social do contrato, como
função que é, deve ser ponderada antes de se formar o vínculo contratual.
LORENZETTI afirma que a função social só pode ser utilizada em situações
extremas, isto é, quando o contrato for contrário à ordem pública.
527
Não haverá
uma redefinição total do contrato, mas uma adequação à finalidade social. Portanto,
a análise da função social só ocorrerá quando as partes levarem ao judiciário a
revisão do negócio jurídico. Em regra ocorrerá a revisão pelo inadimplemento da
obrigação de uma das partes.528
O contrato como instrumento por excelência de trocas na sociedade e como
meio de constituição das sociedades constitui também fundamento para a função
social da empresa. A atividade empresarial precisa dos contratos para ser exercida.
3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL
524
THEODORO JÚNIOR, op.cit., p. 102.
WALD, Arnold. A Dupla Função Econômica e Social do Contrato. Revista Trimestral de
Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, a. 5, v. 17, p. 5, jan./mar. 2004.
526
Idem.
527
LORENZETTI, Tratado..., p. 103.
528
Ibidem, p. 456.
525
3.4.1 O Conceito de Empresa
A teoria da empresa, apesar de já adotada pela jurisprudência na década de
1980, somente foi positivada no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação
do Código Civil de 2002.
A teoria da empresa nasceu com a promulgação do Código Civil Italiano, em
1942, que unificou a regulamentação da atividade privada, trazendo como objeto do
direito empresarial a organização empresarial e não mais os atos de comércio.
A palavra empresa vem do latim prehensus, phrehendere, que significa
empreender ou cometer intentado para a realização de um objetivo529.
A empresa é uma criação recente, advinda da Primeira Revolução Industrial.
É vista, antes de tudo, como um fenômeno econômico, oriundo do capitalismo. Até
então a empresa era vista como um agente do comércio, o capitalista; a produção
era realizada em casa ou em pequenas oficinas. No século XIX, ainda,
preponderava a estrutura familiar ou de menor porte de atividade, não havendo
separação de responsabilidades entre proprietários e administradores. Por isso, a
teoria econômica clássica a identifica com o capitalista, e define como seu objetivo a
acumulação de capital em um ambiente competitivo representado por um sistema
capitalista em expansão.
A visão neoclássica tem por expoente Alfred MARSHALL, que define a
empresa como:
um agente que toma decisões de produção e de escolha do
tamanho da planta, incluindo entrada ou saída de mercados
onde os lucros estejam abaixo ou acima dos lucros normais, de
forma que as decisões do conjunto de empresas de uma
economia conduzem as escolha da aplicação dos recursos da
sociedade – o que, como, quanto e para quem produzir530.
529
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 178 apud
CAVALLAZI FILHO, Tulio. A Função Social da empresa e seu fundamento constitucional.
Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 49.
530
MARSHALL apud CHANDLER JUNIOR, 1992, p. 483 apud KUPFER, David; HASENCLEVER;
Lia.(orgs.) Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.
p. 24.
Por isso tradicionalmente a empresa tem sido definida pela economia pelo
local onde se combinam os fatores de produção de maneira a gerar os produtos,
sendo a produção sujeita às leis dos rendimentos, que são discutidas
primordialmente no interior de cada unidade de produção isolada. Nesse sentido, por
terem as ciências econômicas se preocupado antes com a definição desta nova
instituição, a definição jurídica de empresa acabou atrelada à conceituação
econômica, que neste período concebia a empresa como a organização dos fatores
de produção com o intuito de lucro. Empresa, segundo Waldírio BULGARRELLI, na
definição econômica é a organização dos fatores de produção531.
No
século
XX,
com
a
expansão
das
sociedades
anônimas
e
a
profissionalização dos administradores há a separação da propriedade e do controle
da gestão empresarial. Devido a uma modificação na estrutura e no ambiente das
empresas, estas passam a necessitar de dirigentes aptos a administrarem de acordo
com as modificações de mercado.
A empresa como instituição do mercado é vista como uma entidade
administrativa e financeira cujo objetivo predominante é o crescimento e a
acumulação interna de capital.
Para COASE, um dos principais expoentes da Law and economics, a
empresa é uma hierarquia que economiza custos de transação532. Ao empregar
recursos deve ser feita uma análise da alocação ótima, de forma a maximizar os
lucros.
Armian ALCHIAN e Harold DEMETZ533, em 1972, a partir da visão de
COASE, redefiniram o conceito de empresa. Estes não viram a empresa como uma
unidade decisória ou uma unidade produtiva cujas principais fronteiras estariam na
tecnologia em uso. Para os autores, a empresa é uma ficção legal que serve como
um nexo para um conjunto de relações contratuais entre os indivíduos. Houve uma
redefinição da empresa em termos contratuais, bem como o relaxamento da
hipótese de perfeita informação e a admissão da hipótese de que os agentes estão
propensos ao oportunismo pós-contratual:
531
BULGARELLI, Waldírio. O direito da Empresa. São Paulo: RT, 1980. p. 23.
Custos de transação são os custos que o agente detém todas as vezes que recorrem ao
mercado. Negociar, redigir, e garantir o cumprimento de um contrato.
533
ALCHIAN, Demetz apud KUPFER, David; HASENCLEVER; Lia.(orgs.). Economia industrial:
fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. p. 289.
532
a empresa nada mais é do que uma rede de contratos entre os
proprietários dos recursos produtivos utilizados nos seus
processos produtivos, sendo que a entidade jurídica
correspondente a esta consiste apenas em um artifício criado
para centralizar as relações contratuais em torno de uma parte
contratante , ao invés de organizá-la em um agregado de
relações bilaterais534.
Com essa visão apresentada primeiramente pelos teóricos da Law and
economics, seguidos por Armian ALCHIAN e Harold DEMETZ, a empresa passa a
ser conceituada como um “um conjunto articulado de contratos, que especifica o
direito de propriedade vigentes para as condutas e interação dos agentes que desta
participam”535. Segundo Chandler, “uma empresa é uma entidade legal que
estabelece
contratos
com
fornecedores,
distribuidores,
empregadores
e,
freqüentemente, com clientes”, ao mesmo tempo se apresenta como “uma entidade
administrativa, já que havendo divisão do trabalho em seu interior, ou
desenvolvimento de uma atividade, uma equipe de administradores se faz
necessária para coordenar e monitorar diferentes atividades”536. Pode ser entendida
também como “um conjunto articulado de qualificações, instalações e capital
líquido”537.
No entanto, a doutrina aponta dois efeitos para a conceituação de empresa
como uma rede de contratos: a primeira consiste no perigo de estabelecer que todas
as relações da empresa dentro e fora do mercado são passíveis de livre negociação;
e a segunda torna a empresa equiparada aos demais agentes que atuam no
mercado, bem como iguala o contrato da conceituação de empresa a todos os
demais. A empresa passa a ser o centro de equilíbrio de uma complexa relação de
mercado. Dessa forma, esclarecer a organização da empresa seria o mesmo que
explicar o equilíbrio particular observado em um nexo de contratos. Ou seja, para a
teoria da law and economics o equilíbrio ideal seria o paretiano, este estaria no
ponto ótimo, que se dará pela renegociação dos termos do contrato sempre que
534
Ibidem, p. 290.
Idem.
536
CHANDLER JUNIOR, 1992, p. 483 apud KUPFER, David; HASENCLEVER; Lia.(orgs.)
Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. p. 24.
537
Idem.
535
sejam auferidos ganhos líquidos, isto é, pelo menos um agente possa auferir ganhos
sem trazer prejuízos aos demais.
Há ainda uma terceira visão da empresa que a entende como uma
acumulação de conhecimentos produtivos, sendo capaz de ampliar estes
conhecimentos e produzir inovações, adotada por Edith PENROSE538. A corrente
generalista retira do foco da empresa a produção dos lucros. A geração de lucros
não é mais o único fator a ser levado em consideração para a tomada de decisão da
empresa. Tal fato decorre do advento da existência de um gerente profissional, que
possui objetivos próprios não necessariamente coincidentes com os interesses dos
acionistas majoritários539.
Uma empresa, segundo Edith PENROSE, não é um objeto observável de
maneira fisicamente separada de outros objetos, e é difícil de definir a não ser com
referência ao que faz ou que é feito em seu interior540. Conseqüentemente, cada
analista é livre para escolher quaisquer características das empresas nas quais seja
interessado, definir empresa em termos destas características e proceder de forma a
chamar a sua construção de empresa.
Para Edith PENROSE, a empresa reúne e combina recursos. Essa função
contrasta com a empresa neoclássica porque não há relação biunívoca entre um
recurso e os serviços que dele podem obter. Estes dependem do ambiente em que
os recursos são utilizados, com especial importância para os conhecimentos
utilizados quando do seu emprego. As empresas, então, encerram conhecimento e
experiência acumulada ao longo da existência. A elaboração da estratégia da
empresa depende da avaliação dos membros da empresa e de sua experiência
passada e conjunta.
Os neoschumpeterianos, então, vêem a empresa como um agente que
acumula capacidade organizacional. São expoentes Richard NELSON e Sidney
WINTER, que compreendem que as empresas se comportam de acordo com a sua
rotina conquistada pela experiência541. As rotinas encerram o conhecimento da
empresa e incluem produção, transmissão e interpretação de informações
provenientes do ambiente externo e geradas no interior da empresa. Esta definição
538
PENROSE, 1929, p. 10 apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit, p. 31.
KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 30.
540
PENROSE, 1929, p. 10 apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit, p. 31.
541
NELSON, Richard; WINTER, SIDNEY apud KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 31.
539
vai ao encontro da Terceira onda de gestão, especificamente na Era do Capital
Humano. O conhecimento tácito é valorizado, não somente o formal; passa a ser
relevante o conhecimento adquirido na participação da atividade rotineira. No
entanto, deve-se lembrar que o reconhecimento de rotinas na empresa não implica
um comportamento imutável por esta. Dentro da rotina pode se encontrar soluções
de problemas ou ainda pode-se demandar alterações nas rotinas.
Dessa forma, KUPFER e HASENCLEVER542 vêem a empresa como
formadora de conhecimento, como um aprendizado contínuo, que consegue se
associar melhor com a teoria dos custos de transação de Ronald Coase, e trazer
melhor a respeito dos custos da inovação, tendo em vista que a constante inovação
é que impõe modificações dentro da estrutura da empresa.
Assim, a empresa, antes de uma abstração jurídica, é um fenômeno
econômico
e
MENDONÇA
543
social.
Por
isso,
muitos
doutrinadores,
como
Carvalho
de
, afirmam que não existe um conceito jurídico puro de empresa, pois
sempre haverá uma influência econômica. Para o referido autor:
Empresa é a organização técnico econômica que se propõe a
produzir, mediante a combinação dos diversos elementos,
natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à
troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo o
risco por conta do empresário, isto é, daquele que reúne,
coordena
e
dirige
esses
elementos
sob
sua
responsabilidade”544.
Essa definição aproxima-se do conceito trazido por Alberto Asquini.
ASQUINI545 via a empresa como um fenômeno econômico possuidor de diversos
aspectos, ou seja, elementos que para ele concorrem. A esses elementos
denominou de perfis. O primeiro perfil seria o subjetivo, que corresponde àquele que
exerce a atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e
serviços, ou seja, o empresário. O segundo perfil seria o funcional, que significa a
atividade econômica a ser explorada, ou seja, dirigida a um determinado fim
542
KUPFER; HASENCLEVER, op. cit., p. 31.
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. v. II, t. III.
Campinas: Bookseller, 2001. p. 493.
544
Ibidem, p. 492.
545
ASQUINI, Alberto. Perfis da Empresa. Tradução: Fábio Konder Comparato. Revista de Direito
Mercantil. São Paulo, n. 104, p. 109 - 112, a. XXXV, out./dez. 1996.
543
produtivo. O perfil objetivo ou patrimonial expressa o conjunto de bens necessário à
consecução da atividade econômica organizada, o estabelecimento empresarial. O
quarto perfil, denominado corporativo, implica a noção de que a empresa é uma
instituição, e como tal o empresário e seus auxiliares empregam seus esforços em
um objetivo comum.
Em regra os conceitos jurídicos, como o conceito de Carvalho de Mendonça,
comungam com a concepção econômica, uma vez que, se fundamenta na
organização dos bens de produção. Porém, não se adéqua ao atual conceito
econômico, pois não insere na definição de empresa como um local onde se agrega
conhecimento.
O Código Civil de 2002, ao trazer para si a regulamentação do direito
empresarial, no Livro II, trouxe um conceito de empresário e não de empresa, assim
como o fez o direito italiano. A partir do conceito disposto de empresário pode-se
retirar, pela via reversa, o conceito de empresa, para a legislação civil. Empresa,
referida preponderantemente pelo legislador civil, como a atividade econômica
organizada de produção e circulação de bens e serviços.
No entanto, o Código admite que tanto o “empresário, singular ou coletivo,
para desenvolver sua atividade, titulariza bens, é proprietário”
546
. No artigo 1.142
define estabelecimento como conjunto de bens necessários para a execução da
atividade econômica organizada. Não há atividade empresarial que não necessite de
bens para ser desenvolvida. “Deve, portanto, na visão ideológica neoliberalista da
atualidade atender a função social de sua propriedade”547. É, principalmente, a partir
do perfil objetivo, que se atrela a função social. Fabio Konder COMPARATO define
bens de produção como:
Os bens de produção são móveis e imóveis indiferentemente.
Não só a terra, mas também o dinheiro, sob a forma de moeda
ou de crédito, podem ser empregados como capital produtivo.
De igual modo, os bens destinados aos mercado, isto é, as
mercadorias, pois a atividade produtiva é reconhecida, na
análise econômica, não pela criação de coisas materiais, mas
pela criação de valor. Mas as mercadorias somente se
consideram bens de produção enquanto englobadas na
546
547
BRUSCATO, op. cit., p. 65.
Idem.
universalidade do fundo de comércio: uma vez destacadas
dele, no final do ciclo distributivo, ou elas se incorporam a uma
atividade industrial, tornando-se insumos de produção, ou
passam a categoria de bens de consumo.
Nesse último conceito incluem-se tanto os bens cuja utilidade é
obtida pela sua concomitante extinção, quanto aqueles que se
destinam ao uso sem a destruição necessária.548
Nesse sentido, Orlando GOMES entende que é importante diferenciar bens
de produção de bens de consumo. Para ele, a empresa deve cumprir o seu papel
social não pelo poder que a sociedade lhe dá, mas porque é a forma de exercer o
direito de propriedade de certos bens. Quando se trata de função social, há que se
distinguir os bens de consumo dos de produção, pois acredita que aqueles são de
uso pessoal e livres de qualquer restrição, enquanto estes – exercidos atualmente
sob forma de empresa - devem sujeitar-se às disposições e intimações legais, para
evitar que ocorram abusos.549
A respeito da natureza jurídica da empresa, esta ainda é controvertida. Há
teorias que apontam a empresa como um sujeito de direito, outras como objeto de
direito, outras como um exercício do direito de propriedade, outras como uma
abstração.
Orlando GOMES analisa a empresa como mero exercício do direito de
propriedade. Para justificar este posicionamento, ele rebate o porquê não se pode
adotar as outras teorias: “A empresa não pode ser objeto, porque atividade não é
objeto de direito, e não pode ser sujeito, porque é o modo de atividade do titular. A
empresa seria, um dos modos do direito de propriedade”550. Os elementos materiais
e imateriais que integram o fundo de comércio, desenvolvidos pelo empresário ao
longo do exercício da atividade que caracteriza a empresa. Somente pelos meios de
produção que se desenvolve a atividade empresarial.
Entretanto, a empresa não pode ser vista apenas como um exercício do
direito de propriedade para atingir o seu fim, ou seja, o lucro. A funcionalização da
propriedade e da empresa modifica esse entendimento liberal; hoje, a empresa não
548
COMPARATO, Fabio Konder. Função social dos bens de produção. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro São Paulo, n. 63, p. 71 - 79, 1986, p. 72.
549
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 75.
550
GOMES, Introdução..., p. 214.
pode apenas buscar o lucro, mas ao explorar a atividade econômica deve atender
também à função social e aos demais princípios constitucionais.
A propriedade, no direito empresarial, tem sentido diverso do consagrado pelo
Direito Civil. O próprio direito constitucional difere a propriedade individual da
econômica, nesta a propriedade é vista de modo dinâmico, pois consiste nos
instrumentos de produção e geração de riquezas. “Para o direito empresarial a
propriedade é um meio, um instrumento, de geração de riquezas, e não uma
finalidade em si mesma, para os detentores”551.
Às empresas é garantida a posse de qualquer tipo de bens. Assim como
contrair obrigações e entrar com ações civis e criminais, conforme as leis e regras da
constituição. Por isso, também são titulares do direito fundamental. A propriedade
das pessoas jurídicas, principalmente as empresariais, obriga a uma séria
reformulação do significado do conceito civil tradicional de faculdade de gozar e
desfrutar.
Por fim, Fabio TOKARS e Rubens REQUIÃO defendem a natureza jurídica da
empresa como “uma mera abstração na qual o empresário, mediante o exercício da
atividade econômica, impulsiona-a para buscar resultados para os quais foi
concebida”552. A empresa é o exercício da atividade produtiva, e o exercício da
atividade é uma abstração. Ao conceber a empresa como uma abstração, o conceito
traz a idéia de exercício de atividade produtiva, cujos elementos são o
estabelecimento e o empresário. Tem-se que a empresa é um fenômeno poliédrico.
Esta parece ter sido a visão adotada pelo Código Civil.
A empresa deixa de ser identificada pelos sócios que a possui, passando a
ser identificada pelo serviço que presta ou produto produzido553. Ao produzir,
absorve uma série de interesses, o Estado, os consumidores, os fornecedores, os
funcionários, os administradores, os sócios etc. Nesse sentido, afirma-se que a
empresa deixa de ser propriedade exclusiva do empresário. O interesse social sobre
a empresa deve estar em consonância com o interesse dos sócios, não podendo
estes se manterem na concepção individualista. Arnold WALD a conceitua como
551
BRUSCATO, op. cit., p. 61.
OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. A Empresa: uma realidade fática e jurídica. Brasília,
a. 36, n. 144, p. 116, out./dez. 1999.
553
CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Preservação da empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá,
2007. p. 96.
552
“organização com fins lucrativos, mas com estrutura e espírito de parceria entre
todos aqueles que dela participam sob as formas mais diversas”554.
Assim, a empresa como atividade econômica organizada deve ser exercida
não somente para atender aos interesses dos sócios ou acionistas, mas também de
acordo com os interesses da sociedade.
3.4.2 A Função Social da Empresa
A empresa como principal centro econômico moderno é o feixe das relações
sociais. Fabio Konder COMPARATO, no início dos anos 90, já escrevia neste
sentido: “Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência,
dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da
civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa”555.
O Brasil, assim como boa parte dos países mundiais, trabalha em uma
economia de mercado. A partir da década de 1990, o Brasil obteve a abertura
econômica e, conseqüentemente, aderiu à globalização e ao neoliberalismo. A
economia de mercado apenas legitima a intervenção do Estado na economia
somente no desempenho das suas funções essenciais.
A Constituição Federal autorizou a intervenção do Estado na economia
somente nos casos de atividades econômicas inerentes à segurança nacional e de
relevante interesse público. Dessa forma, assegurou aos agentes privados a livre
iniciativa e a livre concorrência.
Apesar de a Constituição trazer traços de apoio à economia neoliberal, cabe
ao Direito não apenas se curvar aos desejos econômicos, mas também impor os
limites para que os seus cidadãos sejam tutelados.
A doutrina da Law and economics possui como premissa que o Direito e a
Economia não são ciências antagônicas, mas que analisam um mesmo fenômeno
de maneira distinta. A Economia visa obter alternativas que promovam o
desenvolvimento econômico, e ao Direito caberá tutelar as condições e limites para
esta busca. No entanto, o direito não pode ignorar o ambiente econômico. A
empresa “como organização dos fatores de produção, não apenas situa-se no centro
554
WALD, Arnold. Comentários ao novo Código Civil: Livro II- Direito de Empresa. v. XIX.
Coord. Salvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.14.
555
COMPARATO, A Reforma..., p. 3.
desse relacionamento entre direito e economia, como também exige especial
atenção, de modo que essa observação possibilite a construção do instrumental
jurídico necessário para a tutela de conflitos envolvendo consumidores, empresários,
trabalhadores, dentre outros556. O direito deve buscar incentivar o desenvolvimento
econômico, pois este propicia maior dignidade a nação. A economia também deve
se pautar em uma atuação ética e moral.
No novo panorama social, econômico e jurídico do terceiro milênio, Arnold
WALD analisa o papel do Direito, afirmando que cabe ao “direito o dever de
submeter a economia à ética, ou seja, não só fortalecer a empresa, mas também
conciliar a sua função social e econômica, considerando-a como uma verdadeira
parceria”557.
Rubens REQUIÃO argumenta que há uma diferenciação entre a visão de
comerciante e empresário, decorrente principalmente da absorção da função social
que desempenha a empresa:
Não há dúvida de que o empresário comercial, na linguagem
do direito moderno, é o antigo comerciante. Neste aspecto,
portanto, as expressões são sinônimas. Mas é preciso
compreender, por outro lado, que a figura do comerciante se
impregnou de um profundo ressaibo exclusivista, egocêntrico,
resultante do individualismo que marcou historicamente o
direito comercial, cujas regras eram expressão dos interesses
do sistema capitalista de produção. Mas hoje o conceito social
de empresa, como o exercício de uma atividade organizada,
destinada á produção ou circulação de bens ou serviços na
qual se refletem expressivos interesses coletivos, faz com que
o empresário comercial não seja mais o empreendedor egoísta,
divorciado daqueles interesses gerais, mas um produtor
impulsionado pela persecução de lucro é verdade, mas
consciente de que constitui uma peça importante no
mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um
homem isolado, divorciado dos anseios gerais da sociedade
em que vive558.
556
CASTRO, op. cit., p. 168.
WALD, Arnold. A Empresa no Terceiro Milênio. In: ____; FONSECA, Rodrigo Garcia(orgs). A
Empresa no Terceiro Milênio. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 3 – 38. p. 38.
558
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 74.
557
A ordem econômica possui no exercício da atividade empresarial o seu
principal objeto. A atividade empresarial deve ajustar-se a todo o arcabouço
estatuído na Lei Fundamental.
O fundamento da função social da empresa está no artigo 170, inciso III da
Constituição Federal, inserido na ordem econômica, que prevê a função social da
propriedade. Conforme expõe Eros Roberto GRAU, é clara a concepção referida no
artigo 170, III da Constituição que dispõe sobre a função social da empresa559. Em
uma interpretação conjugada com o artigo 5º, o artigo 170 o ordenamento jurídico
primeiro garante o direito de propriedade – um dos pilares do capitalismo – e
posteriormente impõe a este a observância da função social.
O princípio da função social tanto é legitimador e justificador moderno do
direito a propriedade, sendo indispensável à realização do fim da ordem econômica,
principalmente
560
no neoliberalismo. A Carta Fundamental apenas estabelece
sanções e parâmetros da função social na propriedade urbana e na propriedade
rural. Já para as empresas apenas traz no capítulo da Ordem Econômica e
Financeira (art. 170, III) o dever de atender à função social da propriedade.
A
empresa como proprietária de bens e desenvolvedora de uma atividade econômica
terá atrelada a função social, que, segundo Fabio Konder COMPARATO, constitui
em um poder-dever:
O desenvolvimento da atividade é, portanto, um dever, mais exatamente,
um poder-dever; e isto, não no sentido negativo, de respeito a certos limites
estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas na concepção
561
positiva, de algo que deve ser feito ou cumprido .
A função social não se confunde com as restrições de uso e
gozo dos bens próprios, em se tratando de bens de produção,
o poder dever do proprietário de dar à coisa uma destinação
compatível com o interesse da coletividade transmuda-se,
quando tais bens são incorporados a uma exploração
empresarial, em poder–dever do titular do controle de dirigir
uma empresa para a realização dos interesses coletivos. A
ênfase da função social desloca da propriedade para o poder
de organização e controle que a empresa exerce sobre
pessoas e sobre bens de produção562.
559
GRAU, A ordem..., p. 237.
PESSOA, op. cit., p. 2.
561
COMPARATO, Empresa,...., p. 41.
562
COMPARATO, A Função... , p. 30.
560
A função social da empresa seria um poder-dever de organizar, explorar e
563
dispor
. Há uma imposição de comportamentos positivos pelo empreendedor. Tem
por objeto não só a fruição do bem, como ocorreria com a propriedade individual,
mas também a produção de outros bens para a satisfação das necessidades dos
indivíduos.
A função da empresa, segundo Frederico Augusto SIMONIATO, “seria
certamente o desenvolvimento da sociedade em que ela atua, promovendo o
crescimento econômico, empregando pessoas, pagando tributos”564. A empresa
constitui um “centro de interesses convergentes que comanda a economia moderna
e seria ilógico que esse centro fosse criado para desrespeitar os ditames da função
social”565.
A empresa não é uma organização de fatores de interesses meramente
privados, mas de interesse público, na medida em que produz e distribui riqueza. A
própria lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), especificamente nos textos dos
artigos 154 e 116 parágrafo único566, reconhece que no “exercício da atividade
empresarial, há interesses internos e externos, que devem ser respeitados: não só
os das pessoas que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa,
como capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em
que atua”.
As leis infraconstitucionais não definem a função social, pois se trata de uma
cláusula geral. No entanto, pode o ordenamento infraconstitucional impor a
563
DUGUIT apud SILVA, Orlan Fábio da. IPTU progressivo, aplicabilidade e emenda constitucional
nº
29
.
Jus
Navigandi,
Teresina,
a.
5,
n.
48,
dez.
2000.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1394>. Acesso em:
28 fev. 2008.
564
SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A função social e o controle do poder de controle nas
Companhias. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v 135, p. 100, jul./set. 2004.
565
Idem.
566
O artigo 116 parágrafo único, como já visto, determina que o acionista controlador deve usar o
poder com o fim de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social. E tem deveres e
responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, para com os que nela trabalham e para
com o comunidade em que atua, cujos direitos deve lealmente respeitar e atender; o desrespeito a esse
dever , no entanto, não gera responsabilidade por abuso de poder, conforme artigo 117 §1°, da Lei n.º
6.404/ 76. O artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas, estabelece que o administrador deve exercer as
atribuições que lhe forem conferidas pela lei e pelo estatuto para lograr os fins e visar o interesse da
companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa, e pelo art. 165 da
mencionada lei, os mesmos deveres competem aos membros do conselho fiscal; mas, no artigo 156, em
caso de conflito de interesses, o da companhia deve prevalecer. O artigo 154§4° faculta à sociedade po r
ações, ainda, a prática de atos de responsabilidade social autorizados pelo Conselho de Administração ou
Diretoria, em benefício de empregados e comunidade. In BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976.
Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF,
17 dez. 1976. Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>.
observância da função social pelo acionista controlador, administrador e membros
do conselho fiscal.567 Isso porque, a função social consiste no poder dever do
administrador e do empreendedor de harmonizarem as atividades da empresa com
os interesses sociais, com obediência deveres positivos e negativos que são
impostos.568
A jornada de Direito Civil promovida pela Justiça Federal, no enunciado 53,
estabeleceu que embora o Código Civil não mencione a função social das
empresas, isso não significa que esta não exista.
A empresa como atividade econômica perpassa a função social dos contratos
e da propriedade. Ainda que Código Civil de 2002 não tenha recepcionado
expressamente a função social da empresa, para Guilherme GAMA e Bruno
BARTHOLO:
parece lógico que o atual ordenamento civilístico acolheu essa modalidade
de função social, seja em razão do expresso reconhecimento da função
social de outros dois institutos intimamente vinculados ao exercício da
empresa, que são o contrato (art 422, CC) e a propriedade (artigo 1228,
parágrafo 1º do CC), de cujo cumprimento não pode o empresário se
569
escusar .
Assim, o direito de propriedade empresarial deve ser utilizado de maneira
coerente com o interesse social, inclusive beneficiando a empresa pelo princípio da
preservação da empresa, pois, “não basta que o empresário desenvolva a sua
atividade; é preciso que a prática empresarial se dê de forma a respeitar os direitos
dos trabalhadores a seu serviço, dos consumidores, dos concorrentes, sem agredir o
meio ambiente e recolhendo os impostos e taxas que lhe couberem”570.
A função social da propriedade, juntamente com a função social dos
contratos, pode ser o fundamento civil e constitucional para a funcionalização da
empresa.
567
568
SIMIONATO, op. cit., p. 286.
TOMASEVICIUS FILHO. A função social da empresa. Revista dos tribunais. São Paulo, p. 40,
2003.
569
570
GAMA; BARTHOLO, op. cit., p.112.
BRUSCATO, op. cit., p. 66.
No que tange à aplicação da função social do contrato à empresa, defendem
alguns doutrinadores571 que quase572 todas as empresas são constituídas por um
contrato, salvo o empresário individual que a faz pela declaração de firma individual
e as sociedades de institucionais, que ainda é discutida a natureza do ato
constitutivo, portanto, já na sua constituição possui o dever de cumprir a função
social a qual foi criada. Paulo VELTEN entende que mesmo para as sociedades
institucionais, como os empresários individuais, a função social deve ser aplicada,
pois a função social é uma cláusula geral. 573
O contrato constitui no meio por excelência de transferência de propriedade.
Rachel SZTAJN entende que não haveria outra forma tão segura e regular para
circular bens em uma dada sociedade574. Por isso, doutrinadores como Ronald
COASE e Raquel SZTAJN definem a empresa como um feixe de contratos575. A
empresa como um feixe de relações contratuais pode ter sua função social atrelada
não somente pela função social da propriedade, como também pela função social
dos contratos:
Reconhece-se que a função social da empresa, se estende a função da
propriedade, juntamente com a função dos contratos, pois as empresas são
constituídas por um contrato e neste no ato de sua criação, de sua
constituição está previsto um dever de cumprir com sua função social
mesmo que esta seja a de geração de empregos, responsabilidade
trabalhistas, tributárias e ambientais. Mas não quer dizer que com isso o
contrato deixa de servir de um instrumento de circulação de riquezas ou que
a empresa deixará de refletir no seu lucro. Afinal, ninguém exerce ou
contrata uma atividade empresária com o fim de atender uma função
576
social .
A funcionalização do contrato, assim como a funcionalização da propriedade,
não visa acabar com a autonomia privada, mas tornar o instituto em consonância
com a socialidade:
571
Nesse sentido, Fernando BOITEUX NETTO: “Todas as sociedade nascem como contratos,
ainda que anônimas sejam tratadas, a partir de sua constituição, como instituições”.In: A função social da
empresa e o novo código civil. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 125, p. 55, jan./mar. 2002.
572
Para as sociedades anônimas predomina que o estatuto não é um contrato, mas dá origem a
uma instituição. Assim como o empresário individual que é feito, mediante a declaração de firma individual.
573
VELTEN, op. cit., p. 424.
574
SZTAJN, op. cit., p. 27.
575
Idem.
576
Idem.
A função social deve ter o papel de equilíbrio entre as relações
econômicas e a preservação do interesse social. Não se quer
com isso afirmar que o contrato deixará de servir como
instrumento de circulação das riquezas ou que a empresa não
mais visara o lucro primordialmente. Afinal ninguém exerce a
atividade com a finalidade de atender a função social. Hoje
tudo o que esta no âmbito da autonomia privada está permitido,
desde que atendida a função social. É nulo o negócio jurídico
que não atender a nova clausula geral (função social)577.
A contradição na admissibilidade ou não da função social está no
antagonismo da livre iniciativa com a função social. Carlos Ari SUNDFELD define a
função social como um conceito que se opõe à autonomia da vontade578, pois o
proprietário quando usufruísse dos seus direitos de proprietário deveria exercê-los
de maneira qualificada, isto é, harmonizados aos interesses da comunidade de que
faz parte. Esta seria uma visão de que a função social seria uma limitação ao direito
de propriedade, e não inerente ao seu conceito moderno.
Lembra Fabio Konder COMPARATO579 que reconhecer a função social da
empresa não significa reconhecê-la como órgão público; deve-se dizer que a
liberdade de iniciativa não implica em absoluto o direito ao lucro, colocando-o acima
do cumprimento dos grandes deveres da ordem econômica e social, igualmente
expressos na Constituição.
Ademais, a função social não nega que a empresa deva visar ao lucro, mas a
busca deste deve ser compatibilizada com o atendimento da função social. O STF já
se manifestou que a livre iniciativa só será legitimada se não visar apenas ao lucro e
à realização desta, mas quando propiciar a justiça social, inclusive no aspecto
distributivo.580
Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Paulo NALIN que entende que
a “Carta Constitucional somente autoriza a livre iniciativa enquanto funcionalizada
pela justiça social”581.
577
Idem.
SUNDFELD, op. cit., p.5.
579
COMPARATO, Fabio Konder. Abuso de controle na sociedade de fato: remédio jurídico cabível.
In: ____. Direito de Empresa: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 292 – 319. p. 301.
580
Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 319-QO,
Diário de Justiça 30 abr. 1993. Julgada 01 ago. 1994 apud LOPES, op. cit., p. 281.
581
NALIN, op. cit., p. 95.
578
Ana Paula de Azevedo Frazão LOPES entende que a finalidade precípua da
função social é a de resgatar de forma geral e ampla, a intersubjetividade da
liberdade de livre iniciativa e do direito de propriedade, mostrando que ambos estão
relacionados à emancipação do homem e, portanto, à dignidade da pessoa humana.
A função social não aniquila as liberdades e os direitos dos empresários, nem em
tornar a empresa um simples meio para os fins da sociedade, até porque violaria a
dignidade dos empresários582.
Ao contrário, “a função social da propriedade visa conciliar propriedade
privada e livre iniciativa formados no Estado liberal com o conceito de função social
que é do Estado Social. Se partir que estes são valores opostos, a ponderação entre
eles acaba resultando em um juízo de preferência sobre o valor que deve ser
flexibilizado em maior ou menor grau”583.
Estabeleceu-se, portanto, uma grande polêmica, que persiste até hoje, sobre
como administrar a tensão entre as dimensões funcional e individual inerentes à
propriedade privada e ao exercício de direitos e liberdades de forma geral, questão
que tangencia igualmente a coexistência entre a igualdade e a liberdade584.
Inclusive o principal objetivo da função social como cláusula geral é a
realização dos valores fundamentais para “impedir abusos e limitar excessos de
vantagens econômicas que encapsula as relações jurídicas entre dois sujeitos e
desprezam o interesse geral que o direito tem de servir, conforme a teoria da função
de Bobbio”585.
Ricardo Luiz LORENZETTI coloca inclusive que a atividade empresária pode
ser limitada pela função social. Por meio da função social ambiental que impõe o
dever dos contratantes de preservar o meio ambiente, não poluir, recompor o meio
ambiente a gerações futuras586. Na proibição de contratos precipitados587,
vinculados588, exclusivos589 ou discriminador590. No entanto, os abusos liberais não
582
LOPES, op. cit., p. 120.
Ibidem, p. 22.
584
Idem.
585
VELTEN, op. cit., p. 432.
586
LORENZETTI, Tratado..., p. 108.
587
Contrato que limita a competência, ou seja, contrato de conluio, cartel que limita o livre
funcionamento do mercado. In: Ibidem, p. 105-106.
588
Contratos vinculados impõe que na compra de um produto há a aquisição de outro produto
complementar. Causa uma distorção no consumo, que impõe a pessoas adquirir produtos que não
necessitam. In: Ibidem, p. 107.
583
trouxeram grande resultados sociais, o neoliberalismo aceita certa intervenção do
Estado no mercado para evitar abusos. Assim, a liberdade contratual e a autonomia
privada são constitucionalmente disciplinadas estando sujeitas à limitação de outros
princípios constitucionais. Dessa forma, a livre iniciativa, materializada infraconstitucionalmente pela autonomia privada, também condiciona a atuação da
empresa ao exercício de uma atividade conforme o ordenamento jurídico e não
abusiva.
Ressalte-se que esse intervencionismo do Estado, por intermédio de lei, no
que concerne ao uso da propriedade e nos contratos, condiciona-o ao bem-estar
social e ao interesse público da coletividade, jamais fere o conteúdo do direito de
propriedade, na liberdade de contratar ou na livre iniciativa, visto que, como se viu,
assentado está em postulados da ordem jurídica constitucional591. A função social
visa maximizar o bem-estar coletivo592.
Ademais, não estão as empresas, ora entendidas como propriedade privada,
acima da fiscalização do controle estatal, este prevê limites e condições para a
exploração da atividade econômica, dentre estes está à função social da empresa.
Dessa forma Carla OSMO limita o poder da função social:
Em outras palavras, em um Estado de Direito, nenhum tipo de
poder é ilimitado. O poder absoluto é incompatível com a idéia
de submissão do Estado a um ordenamento jurídico, porque a
lei justamente aparece com a função de regulamentar a ordem
social, submetendo, controlando e, portanto, limitando a
liberdade dos sujeitos que a integram.593
Conforme Rubens REQUIÃO, tanto o interesse lucrativo quanto os interesses
externos ao capital se revelam harmônicos, e devem ser atendidos de forma
equitativa pelos empresários, ou administradores de sociedades.594
589
Contratos com cláusulas exclusivas constituem a impossibilidade de outros agentes oferecerem
o mesmo produto no mercado, e o agente que detém a exclusividade de oferecer variados produtos no
mercado. Esta clausula limita a concorrência, podendo ser considerada abusiva. In: idem, p. 107.
590
Contrato não-discriminatório que irá contra as garantias fundamentais, principalmente a
igualdade material.In: LORENZETTI, Tratado..., p. 108-110.
591
RIBEIRO, op. cit., p. 34.
592
BARCELLONA, op. cit, p. 300.
593
OSMO, Carla. Função do Direito Privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p. 261.
594
REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos do Direito Comercial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva. 1980. p. 71.
Assim, a relação da função social com o papel da empresa é vista como uma
relação de organização econômica. Isto é, Fabiane PESSOA defende que a
organização ou o empresário quando atinge um alto grau de dominação de mercado
demanda a ordenação de suas relações com a sociedade, assim como das relações
no seu interior: entre investidores, empresários e trabalhadores. O poder de controle
sobre os bens de produção não pertence ao capitalismo e sim ao empresário.595
Nesse sentido escreve Eduardo Teixeira FARAH:
o principal dever da empresa face ao princípio da função social
é permanecer no mercado e atuando, ou seja, manter-se
econômica e financeiramente estável.
Assim, deverá se
empenhar para gerar o maior lucro justo – aquele não obtido
por meios escusos, sonegação de impostos etc- possível. Nos
meios para alcançar os lucros deve incidir o princípio da
solidariedade social, deve respeitar pelo menos os
fundamentos constitucionais da ordem econômica596.
A função social da empresa compreende, além da geração do lucro justo, a
geração de riquezas, a oferta de empregos, desenvolvimento tecnológico, o
recolhimento de tributos, a circulação de riquezas. O ordenamento jurídico não
condena o lucro, porém pela funcionalização da empresa há o condicionamento da
obtenção deste a partir de atos socialmente aceitáveis. Por isso, aquele que pratica
a concorrência desleal, que degrada o meio ambiente, não observa a segurança e
legislação trabalhista, sonega impostos etc. estará descumprindo a função social.
Para Maiana PESSOA, a função social “não significa uma condição limitativa
para o exercício da atividade empresarial, esta tende a proteger a empresa do
mercado”.597 Fábio Konder COMPARATO compartilha dessa visão e afirma que
seria uma visão desatualizada entender que a empresa tem e deve ter como único
propósito a obtenção de lucros e que a função social não poderia ser aceita. “A
empresa permanece com sua essência de produção e circulação de riquezas, mas
595
PESSOA, op. cit., p.5.
FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o principio da solidariedade social. In:
MARTINS-COSTA, Judith (org.). A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos Princípios, Diretrizes
e Direitos Fundamentais Constitucionais no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
675.
597
PESSOA, op. cit., p. 3.
596
suas atividades devem estar comprometidas com a busca de maior justiça social em
nosso país”. 598
No entanto, pode-se dizer que a empresa está condicionada à função social,
que pode ser um condicionamento endógeno e exógeno à atividade. “O primeiro tem
relação com agentes internos da empresa; o segundo com interesses externos a
estrutura da empresa”599.
Para o cumprimento do caráter endógeno da função social há forte
predominância trabalhista, essencialmente previsto nos artigos 7º e 170, III da
Constituição Federal. Ainda que a ordem econômica condicione a livre iniciativa à
busca do pleno emprego, esta não redunda na impossibilidade de reduzir os postos
de trabalho da “empresa, a exemplo de quando há absorção de novas tecnologias
na atividade empresarial, até porque pode ser medidas para preservar a empresa no
mercado”600. Outro aspecto considerado endógeno seria os interesses dos sócios
com relação aos administrados, assim como do controlador em relação aos
minoritários. “Quanto a estes, o Código Civil de 2002 tendeu a forçar a consideração
de seus interesses através de medidas como o próprio aumento do quorum para
aprovação de certas matérias mais relevantes, assim como a submissão de
determinadas matérias a deliberação que, antes da legislação referida, eram
deliberadas pelos próprios administradores”601.
Sobre as limitações exógenas “há três grupos de interesses distintos: os
concorrentes, dos consumidores e do meio ambiente”602 que devem ser atendidos.
O descumprimento da função social da empresa implicaria uma ilegitimidade
da sua atuação. No entanto, não se entende que deva a empresa ser declarada
nula, mas deve responder pelo descumprimento da função social, que poderá ser
desde a aplicação de sanções como multas a uma dissolução plena.
Para Waldírio BULGARELLI, “a função social significa o respeito aos direitos
e interesses dos que se situam em torno da empresa. Há, assim, interesses
legítimos que podem estar acima de certos direitos, faculdades e créditos”.603 No
598
COMPARATO, Estado..., p. 43.
GAMA; BARTHOLO, op. cit., p. 109.
600
Idem.
601
Ibidem.
602
Idem.
603
BULGARELLI, Tratado…, p. 284.
599
entanto, a função social não consiste na empresa desempenhar projetos
filantrópicos. Não cabe à empresa promover ações sociais fora do seu objeto de
atuação. As empresas que desempenham atividades para a melhoria da sociedade
a que está inserida, a fazem pelo modelo de gestão denominado Responsabilidade
Social, que via de regra se traduz em uma estratégia de marketing para a
valorização da empresa no mercado. Não estão assim deixando de cumprir a função
social, mas vão além do seu papel social para qual efetivamente foram criadas.
A função social da empresa também não limita ou impõe deveres de
filantropia às empresas. O fomento da justiça social ainda é dever do Estado,
mesma que necessite da colaboração de toda a sociedade. Por isso, entende-se
que a função social da empresa é efetivada quando obedece aos ditames legais e
cumpre o objeto social para a qual foi constituída, isto é, produzir ou circular bens e
(ou) serviços em conformidade com a lei.
Segundo Ana PRATA, a função social vai além do sentido econômico, isto é,
do aumento da produção e da produtividade dos bens de produção, este aumento
deve se traduzir em uma expansão “ quantitativa e qualitativa da satisfação das
necessidades individuais e sociais (...) consubstancia em uma meio de obter uma
ordem social mais equilibrada e menos desigual”604.
Os elementos da função social, assim como a propriedade e a empresa,
estão vinculados à realidade social e histórica, qualquer tentativa de conceituar a
função social da empresa, sem levar em conta a realidade é inócua. Neste sentido
escreve Francisco Cardoso OLIVEIRA:
A idéia de função social contempla uma atividade por parte do
proprietário tendente a concretizar, na realidade social e
histórica, determinado objetivo homogenizador, integrado à
ordem jurídica, que qualifica o modo de apropriação de bens
notadamente os de produção605.
Por isso, estabelecer legislativamente os parâmetros que a empresa deve
adotar para alcançar a sua função social seria desastroso, devido à dificuldade de
captar as diversas vertentes da realidade da atividade empresarial. Desse modo,
somente no momento da avaliação do juiz a respeito de algum problema no tocante
604
605
PRATA, op. cit., p. 204.
OLIVEIRA, Francisco Cardozo, Op. Cit., p. 243-244.
à empresa é que se pode perquirir qual a decisão seria mais adequada para a
manutenção ou atendimento da função social da empresa606.
A função social da empresa consiste na conformação jurídica para a
legitimação da atividade empresarial. A empresa, no neoliberalismo, passou a ser o
centro do sistema econômico e da sociedade. Principal ator social para o
desenvolvimento social e a construção de uma sociedade digna e solidária. No
entanto, não compete às empresas desenvolver as funções do Estado. Porém,
indiretamente acaba por contribuir em muitas das funções. Como agente
empregador, auxilia na distribuição de renda. Como agente produtor, produz
mercadorias que atendem às necessidades sociais. Como atividade, paga tributos.
Por isso, não pode o administrador desviar a empresa de uma dessas funções sob
pena de estar descumprindo um princípio constitucional. Deve então a gestão, como
diretriz de execução da atividade, adequar a busca do lucro a uma
atuação
coerente com a função social.
4
A FUNCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO EMPRESARIAL NA ECONOMIA
NEOLIBERAL
4.1 A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO EMPRESARIAL E A ADMINISTRAÇÃO
4.1.1 O Administrador ou Órgão Administração
A empresa como instituto jurídico também se apresenta funcionalizada. A
função social, ainda que inerente ao conceito de empresa, terá reflexos no exercício
da atividade, que exteriorizará a realização ou não a função social. Por isso, de
acordo com Carlos Alberto Farracha de CASTRO, a concretização da função social
da
empresa
606
“depende
MELO, op. cit., p. 282.
das
orientações
e
atribuições
realizadas
pelos
administradores em consonância com as obrigações dos demais envolvidos, como
conselheiros, trabalhadores, fornecedores e, também, agentes púbicos no exercício
da fiscalização [...]” 607.
Em última análise serão os administradores, sócios e acionistas que ao
decidir e executar a vontade social conformarão a função social da empresa. Assim,
a gestão da empresa na concretização da função social. Alexandre HUSNI define a
gestão da organização como a “submissão da empresa e de seus órgãos sociais a
um sistema de regras impositivas de conduta que abrange determinadas práticas de
fundo moral e ético, que se refletem na sua administração”.608
Antes
também
denominados
gerentes,
os
administradores
são
os
encarregados de representar e gerir a sociedade. Sabe-se que as decisões de maior
importância para a companhia serão tomadas pelos próprios sócios em assembléia
ou reunião. Por isso, Fabio TOKARS escreve que nas sociedades empresarias, em
regra, “o administrador é executor das decisões tomadas em assembléia. Sua
reduzida discricionariedade limita-se materialmente as decisões assembleares. Pode
o administrador optar, no máximo, pelo modo de realização de uma deliberação,
mas não pode tomá-la individualmente”609
A representação consiste na capacidade de praticar atos jurídicos em nome
da sociedade. A segunda função, a gestão dos negócios, consiste na “tomada de
decisões inerentes ao desenvolvimento do objeto social”610. Porém, se não forem
sócios, os administradores não possuem a possibilidade de deliberar, de votar em
assembléia. Especificamente nas limitadas ficam impedidos de tomar decisões
referentes às matérias do 1.071, 1.066, §1º e 1.068 do Código Civil, as quais
expressamente necessitam de deliberação social. Fabio TOKARS considera como
decisões deliberativas “as decisões que alterem a estrutura contratual ou econômica
da sociedade, quanto a alienação de bens em operações não vinculadas ao normal
desenvolvimento da atividade empresarial”611.
A administração das sociedades em geral pode ser realizada por uma ou mais
pessoas.
607
A Sociedade Anônima pode ser fechada ou aberta; se fechada,
CASTRO, op. cit., p. 126.
HUSNI, op. cit., p. 90.
609
TOKARS, op.cit., p. 248.
610
Ibidem, p. 269.
611
Ibidem, p. 273.
608
necessariamente terá a Assembléia e a diretoria. Se for uma companhia aberta,
essencialmente será composta pela Assembléia, pelos Conselhos de Administração
e pela Diretoria.
A Assembléia é o órgão máximo da sociedade, “reunião dos acionistas
regularmente convocados para discutirem e deliberarem sobre os negócios sociais.
Ela é o poder administrativo por excelência; resolve todos esses negócios, toma
quaisquer decisões, delibera, aprova ou ratifica todos os atos que interessam à
sociedade; modifica e altera os estatutos do contrato social” 612. A lei das sociedades
anônimas fixa algumas matérias que só podem ser deliberadas em Assembléia,
referidos no artigo 122613 da Lei n.º 6.404/76. Segundo Arnaldo RIZZARDO, pode-se
afirmar que a assembléia geral constitui-se no mais importante órgão de
administração, ou no órgão supremo da sociedade, na qual se efetiva a presença
dos sócios que, pelos estatutos e classe de ações representa o momento culminante
de manifestação do exercício de propriedade ou de emanação do poder”.614
Em geral, nas sociedades anônimas, há a presença de dois órgãos
administrativos: o Conselho de Administração e a Diretoria.
O Conselho de Administração consiste no “órgão colegiado, de caráter
deliberativo, encarregado de dirigir e traçar a política da administração da
companhia e sua ordenação interna, orientarem os negócios da empresa, ou de
formular a sua estratégia de ação, sendo sua existência própria e obrigatória nas
sociedades abertas e aquelas de capital autorizado”
615
. É composto por no mínimo
três acionistas, pois cabe a este órgão fiscalizar e deliberar qualquer matéria de
interesse social, salvo as matérias privativas da Assembléia Geral.
612
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de, Op. Cit., p. 15.
Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral: I - reformar o estatuto social; II - eleger
ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso
II do art. 142;III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações
financeiras por eles apresentadas; IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1o
do art. 59; V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);VI - deliberar sobre a avaliação de
bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; VII - autorizar a emissão de partes
beneficiárias; VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua
dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e IX - autorizar os
administradores a confessar falência e pedir concordata. Parágrafo único. Em caso de urgência, a
confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a
concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente a assembléia-geral, para
manifestar-se sobre a matéria. BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as
Sociedades por Ações. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 dez. 1976.
Disponível em:< http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. Acesso em: 12 mai. 2008.
614
RIZZARDO, op. cit., p. 450.
615
Ibidem, p. 515.
613
Já à Diretoria compete a representação da sociedade e restrita competência
decisória. A Diretoria constitui o “órgão executivo da sociedade, composto por no
mínimo duas pessoas, eleitas pelo Conselho de Administração, ou se este não
existir, pela assembléia geral. Compete, aos seus membros, internamente gerir a
empresa e, no âmbito externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica, na
generalidade dos atos e negócios que ela pratica”
616
. Não necessariamente seus
membros precisam ser acionistas. Compete a eles representar a sociedade e
executar os atos deliberados em Assembléia ou pelo Conselho de Administração.
Nas sociedades anônimas fechadas são necessários no mínimo duas
pessoas, isto é, dois diretores; e nas abertas, três administradores. Para os demais
tipos societários, em regra todos os sócios serão administradores; salvo disposição
em contrário no contrato social, cabe inclusive a administração da sociedade a uma
única pessoa.
Contudo, nem todas as pessoas podem ser administradores de uma
sociedade; há impedimentos genéricos como às pessoas não dotadas de
capacidade civil e os legalmente impedidos, como, por exemplo, funcionários
públicos, membros do Ministério Publico e magistrados. Estes inclusive somente
podem ser sócios com responsabilidade limitada. Também os condenados (com
sentença transitada em julgado) nos crimes descritos no artigo 1011, § 1º do Código
Civil, também não podem exercer a função de administrador. A sociedade limitada e
demais sociedades contratuais restringem a administração a pessoas físicas,
permitindo que seja exercida por pessoa estranha do quadro societário. Outras,
como a sociedade comanditas simples e em nome coletivo, que além de ser apenas
pessoas físicas é restrita ao quadro societário.
Quanto à responsabilidade dos administradores devidamente nomeados, isto
é, eleitos em conformidade com o quórum deliberativo e levado a registro no órgão
competente, podem responder solidariamente, diretamente ou via ação de regresso
por seus atos. Assim, será analisada a responsabilidade quanto aos débitos sociais,
responsabilidade pessoal por atos violadores da lei ou contrato social, por atos ultra
vires, por danos ambientais, tributária e previdenciária, com intuito de elucidar que
616
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. v II. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 229.
os atos dos administradores têm reflexos não só para a companhia, mas também
para a própria pessoa do administrador.
A responsabilidade por dívidas sociais, se regularmente constituídas, não
recairá sobre o patrimônio pessoal dos administradores. Caso seja também sócio da
empresa, será responsabilizado pelas obrigações comuns como sócio, não por
exercer o cargo de administrador. Entretanto, pode-se encontrar jurisprudência,
principalmente
no
direito
falimentar,
interpretações
equivocadas
dessa
responsabilidade, pois executam o patrimônio pessoal do administrador pelas
dívidas constituídas em decorrência do exercício regular da atividade empresarial. O
administrador tem, por conseqüência, os seus bens arrecadados com a massa falida
e, ainda, o administrador fica impedido de exercer a função enquanto não for extinto
as obrigações impostas pela falência617.
Entretanto, se o administrador agir de forma indevida, seja “violando
determinação legal ou os termos contrato social, terá responsabilidade pessoal pelos
prejuízos impostos à sociedade e aos terceiros atingidos”.618Trata-se do corolário
geral da responsabilidade civil, que todo aquele que causar dano a outrem, por dolo
ou por culpa, fica obrigado à indenizá-los, inclusive é o que dispõe o artigo 1016 e
1013, § 2º do Código Civil. Nesse sentido, resume Arnaldo RIZZARDO:
Em quaisquer situações decorre a obrigação de ressarcir se o prejuízo é
conseqüência de culpa de quem executou a obra ou o serviço. Há o
pressuposto de culpa para que os sócios gestores e os administradores que
praticaram atos de má gestão, ou ilícitos, respondam solidaria e
ilimitadamente, e fiquem vinculados ao ressarcimento de perdas e danos. O
sentido de culpa envolve o dolo e a culpa em sentido estrito, que se
expressa pela imprudência, imperícia e negligência.
Mesmo que resultem danos, se atuarem os administradores de acordo com
a lei ou contrato social, não se lhes imputará a responsabilidade pessoal.
619
Todavia, se não cumprirem as obrigações da lei, sujeitam-se à obrigação .
O referido artigo permite que a sociedade entre com uma ação regressiva
contra o administrador, impondo-lhe a responsabilidade pessoal pelos débitos
decorrentes de atos contrários ao contrato social, à lei ou à deliberação social,
desde que comprovado dolo ou culpa do administrador.
617
TOKARS, op. cit., p. 277.
Ibidem, p. 279.
619
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 141.
618
Nas sociedades anônimas, diferentemente das sociedades reguladas pela
legislação
civil,
há
decisões
consagrando
que
a
responsabilidade
dos
administradores por ato ilícito é objetiva, fundado no artigo 158, II da Lei n.º
6.404/76, porém a doutrina majoritária entende que consiste na responsabilidade
subjetiva do tipo clássico, conforme propõe o Código Civil:
As hipóteses de responsabilidade civil dos administradores de sociedade
anônima – não obstante distinguidas pelo art. 158 da LSA – são redutíveis,
em síntese, a uma apenas: a decorrente de descumprimento de dever legal.
620
[...]
Desse modo, a sociedade anônima, seu substituto processual, ou quem
quer que demande administrador, por danos derivados do modo como ele
exerce ou exerceu suas funções na companhia de provar: a) o
descumprimento de dever imputado por lei ou pelo estatuto; b) a existência
e a extensão dos danos sofridos; c) o liame de causalidade entre o
descumprimento do dever e o prejuízo. [...]
A responsabilidade do administrador de sociedade anônima é subjetiva do
tipo clássico, tendo em vista duas razoes: a) inexistência do dispositivo legal
que excepcione a regra geral do art. 927 do Código Civil; b) inexistência de
fundamento axiológico racional para a imputação de responsabilidade
621
objetiva .
Do mesmo modo, quando o administrador causar danos a terceiro, decorrente
de ato não amparado por deliberação social, caberá à sociedade indenizar os
prejuízos, e posteriormente ingressar com ação de regresso em face do
administrador que praticou o ato, conforme dispõe o artigo 1013, § 2º do Código
Civil. Diferentemente ocorre se o ato for praticado com prévia autorização ou
posteriormente
ratificado
pelos
sócios,
não
poderá
o
valor
ser
cobrado
regressivamente do administrador.
A responsabilidade por atos ultra vires é direta e pessoal dos administradores
podendo inclusive a sociedade opor exceção para terceiros. Os atos ultra vires
consistem nos atos praticados pelos administradores estranhas ao objeto social.
“Assim, se uma dívida surge em razão do desenvolvimento de uma atividade que
não diz respeito, mediata ou imediatamente, à atividade contratualmente descrita
como objeto social, tem-se um débito decorrente de um ato ultra vires”
622
. Este tipo
de responsabilidade contraria todo o sentido jurisprudencial e doutrinário que
buscava resguardar a boa-fé dos credores e fundada na responsabilidade in
620
COELHO, Curso..., p. 261.
Ibidem, p. 262.
622
TOKARS, op. cit., p. 282.
621
eligendo, impondo que a sociedade juntamente com o administrador respondesse
pelos prejuízos causados a terceiros, não podendo opor nenhuma exceção623.
Contrário a esse entendimento, o Código Civil no artigo 1.015, parágrafo único,
possibilitou a oposição a terceiros o excesso dos administradores por operações
estranhas ao objeto social ou a suas competências. Para os administradores da
sociedade anônima não há aplicação desta teoria, pois a sociedade vincula-se a
todos os atos praticados por seus administradores. Para Arnaldo RIZZARDO, a
teoria ultra vires não se aplica às sociedades anônimas por apresentarem regra
específica.624
Quanto à responsabilidade por débitos previdenciários acumulados pela
sociedade, o administrador é pessoalmente responsável. A legislação Previdenciária
(Lei n.º 8.620/93), no artigo 13, parágrafo único, impõe não só aos administradores,
mas também aos acionistas controladores, os diretores e os gerentes, sendo todos
solidariamente responsáveis entre si, e subsidiariamente em relação à sociedade,
pelos débitos com a Seguridade Social, por dolo ou culpa. Pode então a autoridade
previdenciária requisitar bens do patrimônio do administrador para saldar os débitos
da sociedade.
O artigo 13 da Lei n.º 8.620/93 ainda que imponha a
responsabilização objetiva do administrador, ou seja, se deixar de recolher com dolo
ou culpa o tributo previdenciário deverá ser responsabilizado. Contudo, a
jurisprudência do STJ tem requisitado a comprovação de uma atuação indevida, ou
seja, a comprovação da culpa, para responsabilizar administradores ou sócios625.
A respeito dos débitos tributários, o artigo 135, III do Código Tributário
Nacional impõe a responsabilidade pessoal dos administradores, desde que
caracterizada a fraude, exemplificado por atos praticados contrários à lei, ao contrato
social ou estatuto ou ainda com excesso de poderes. Segundo Fabio TOKARS, o
Superior Tribunal de Justiça tem entendido que só pode responsabilizar os
administradores por dívidas tributárias se “praticarem ato com excesso de poderes
623
“Prevalece na jurisdição o entendimento segundo o qual as restrições contratuais sobre
poderes de gerência não podem ser opostas a terceiros de boa-fé. Assim, escapa a ineficácia do contrato
firmado por pessoa jurídica por quem não tinha, socinho, poderes para contratar em seu nome uma vez
praticado o ato por titular aparente do direito, eis que, além de sumamente nocivo à rapidez, com que
devem realizar-se os negócios comerciais, é de fato impraticável exigir-se, em cada caso de terceiros que
examinem, nas Juntas Comerciais, os contratos ou estatutos das sociedade com que tratam” RT 643⁄95
apus nota de rodapé TOKARS, op. cit., p. 283.
624
RIZZARDO, op. cit., p. 132.
625
TOKARS, op. cit., p. 290.
ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, II CTN)
626
”. Entretanto, vê-
se presente na jurisprudência em favor do fisco, quando não logrado bens da
sociedade, a responsabilidade dos administradores de forma direta independente de
excesso de poder ou fraude.
4.1.2 A Administração e a Função Social
A Lei n.º 6.404/76 foi pioneira em reconhecer função social da empresa. A
legislação impõe determinados deveres aos administradores da sociedade anônima,
dentre eles está, no artigo 154, a função social da empresa, afirmando que na
atuação o administrador deve respeitá-la:
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto
lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
627
exigências do bem público e da função social da empresa.(...)
O artigo 116, parágrafo único, da Lei da S.A. também menciona a função
social, mas se refere ao atendimento do controlador, no exercício da atividade
empresa:
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica,
ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle
comum, que: [...]
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de
fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e têm
deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e
628
interesses deve lealmente respeitar e atender .
Fabio Konder COMPARATO629, ao comentar os artigos, escreve: “Como se
vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, há interesses
626
RSTJ 166⁄92 apud TOKARS, op. cit., p. 286.
BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de
Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil,
http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>.
628
BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de
Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil,
http://planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>.
629
COMPARATO, Estado..., p. 45.
627
1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:<
1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em:<
internos e externos, os quais devem ser respeitados: não só o das pessoas que
contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como capitalistas e
trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que ela atua” 630.
Portanto, na lei, o atendimento à função social é voltado principalmente aos
empreendedores e administradores. Estes devem harmonizar a busca do lucro com
o atendimento deste princípio constitucional. Até porque é o lucro a mola mestra da
atividade econômica, sem ele a empresa não permanece no mercado. Para Modesto
CARVALHOSA, a lei estabeleceu três tipos de função social:
Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os
empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio
Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se
principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira
refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados [...]
a segunda volta-se ao interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao
interesse dos concorrentes [...]. E ainda mais atual é a preocupação com os
interesses de preservação ecológica, urbana e ambiental da comunidade
631
em que a empresa atua .
Para controlar se as sociedades estariam atendendo aos preceitos éticos da
gestão e principalmente atendendo à função social, segundo Frederico SIMONIATO,
deveria haver uma maior presença dos trabalhadores e dos sócios na administração,
de forma a possibilitar maior controle632, já que, conforme o autor, o proposto pela
Lei das S.A é inefetivo. Sustenta que apenas uma reforma completa da lei é que
poderia conferir uma maior efetividade. A referida reforma deveria levar em
consideração a importância e o porte de cada empresa na sociedade, o que a
tornaria irrealizável. Para Frederico SIMONIATO, somente as grandes empresas
teriam condições de arcar com as atividades de assistência social633.
A inefetividade estaria na contradição, pois a empresa capitalista é uma
organização produtora de lucros, conforme assevera o artigo 2º, da Lei da S.A.
Jamais a empresa poderá desistir do lucro sob pena de descaracterizá-la. Tanto que
há na jurisprudência decisões que entendem que a companhia pode ser dissolvida
caso não atenda a sua finalidade, ou seja, a distribuição de lucros.
630
Ibidem, p. 44.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. v. 3. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 237.
632
SIMIONATO, op. cit., p. 96.
633
Ibidem, p. 98.
631
A doutrina neoliberal não reconhece que a empresa deva atender a interesses
externos aos sociais. Nesse sentido se posiciona Milton FRIEDMAN ao afirmar que a
preocupação dos proprietários com interesses alheios ao seu interesse de
proprietário é abusiva.634 Para o referido autor, a administração deve atender aos
interesses dos sócios da empresa, na condição de proprietários que são635. Cabe ao
administrador gerenciar os interesses da empresa.
Waldírio BULGARELLI636 também vê os interesses da administração e da
função social como conflitantes, exteriorizando a indecisão do legislador. Já para
Rubens REQUIÃO637 e Egberdo Lacerda TEIXEIRA
638
, os interesses externos aos
sócios e os interesses lucrativos podem se revelar harmônicos, devendo ser
atendidos de forma equitativa pelos administradores e sócios.
Assim, em caso de conflito entre interesse da empresa e interesse social a
doutrina diverge sobre qual deva prevalecer. Tentando achar uma solução para
resolver o impasse, Fran MARTINS639 entende que poderia ter a legislação colocado
claramente que a função social seria uma condição a ser observada pelos
administradores. Melhor seria que o controlador, exercendo “direta ou indiretamente,
o seu poder na sociedade, não deverá exercitar esse poder em detrimento dos
interesses sociais nem dos interesses dos que participam da companhia”640.
A Lei das Sociedades Anônimas pretendeu fixar um limite na atuação da
empresa, impondo o atendimento da função social aos administradores e sócios
controladores. No entanto, a prática empresarial tem constatado uma sociedade que
a cada dia vêm valorizando empresas que melhor atendam a este princípio
constitucional. Portanto, dizer que é inefetivo, não mais condiz com a realidade
atual.
As modificações sociais após a segunda metade do século XX “justificam a
inclusão de outras forças nas estratégias organizacionais. Também está ganhando
634
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo..., p. 23.
Idem.
636
BULGARELLI, Waldirio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o direito das empresas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 98.
637
REQUIÃO, Aspectos..., p. 71.
638
SALOMÃO NETO, Eduardo. O trust e o direito brasileiro. São Paulo: Ltr, 1996, p. 158.
639
MARTINS, Fran. Comentários à lei de sociedades anônimas. v. 2, t.1. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 34.
640
Ibidem, p. 36.
635
terreno a premissa de que as relações entre a organização e o ambiente externo
devem ser tanto cooperativas quanto competitivas”641.
Aqueles que compreendem que a função social é incompatível com o lucro,
em
geral,
adotam
uma
definição
inadequada
do
princípio.
Geralmente,
compreendem que a empresa funcionalizada possui o dever de assumir as funções
estatais de distribuição de renda e prestar serviço ou auxílio social. À empresa
funcionalizada não se estará a agregar um novo papel na sociedade. Dessa
maneira, está correta tal linha de definição de função social.
A função social não acarreta em novos encargos a empresa, mas requer que
a atuação empresarial seja prestada de forma coerente com os valores e anseios
sociais. É o poder dever, fundado no direito de propriedade e na livre iniciativa, de
explorar uma atividade de acordo com os interesses da sociedade.
É claro que o atendimento da função social por parte dos administradores não
implica a exclusão do lucro. A questão está na busca da maximização de lucros que
faz parecer o ato de gerar lucros um mito. O lucro é crucial, quer para a empresa,
quer para a sociedade. Para a empresa, pois é a causa, a razão de desenvolver
uma determinada atividade econômica por uma pessoa ou um grupo de pessoas.
Para a sociedade, é necessária a oferta de produtos para a satisfação das
necessidades, bem como gerar empregos e pagar tributos, que contribuem para a
erradicação da pobreza e na construção de uma sociedade mais justa.
O lucro deve ser buscado de forma a adequar a função social. De nada
adianta explorar uma atividade, mas que esta se realize sem o pagamento dos
encargos, com emprego de mão-de-obra escrava ou que polua excessivamente o
meio ambiente. Por isso, fala-se em um lucro justo642.
Em decorrência de abusos na obtenção da maximização dos lucros
empresariais, o direito, bem como a sociedade, e a administração de empresas vêm
refletindo os anseios de condicionar o atendimento dos interesses dos sócios aos
interesses sociais, referidos como stakeholders, sob pena de este estar
descumprindo a função social que a empresa exerce. Ao descumprir tal princípio,
641
GHEMAWAT, Pankaj. A Estratégia e o Cenário dos Negócios. Porto Alegre: Bookman, 2000,
p. 59 - 61.
642
FARAH, op. cit., p. 675.
estará certamente descumprindo algum outro dever infraconstitucional, passível de
imposição de penalidades.
4.1.3 A Atuação dos Stakeholders
As empresas sofreram grandes transformações na estrutura e na forma de
gestão. Há novas abordagens da gestão empresarial que não só visam ao lucro dos
acionistas, mas também à produção e circulação de bens e serviços. Dentre estas
novas abordagens existe a teoria dos stakeholders. Esta teoria é entendida como
um objetivo estratégico da empresa, para longo prazo, gerenciar os interesses de
todos os agentes influenciantes e influenciados pela empresa.
A tradução literal do termo stakeholder significa o detentor de uma aposta, de
forma a ser alguém que tenha interesse na prosperidade da empresa. O termo
stakeholder foi primeiramente utilizado na década de 1960, com a obra The Politics
of Stakeholder Theory: Some Future Directions. O estudo publicado afirmava que a
empresa deveria harmonizar os seus fins aos interesses do grupo de pessoas que
influencia e é influenciado por determinados agentes.
Essas vias alternativas surgiram em decorrência das inúmeras complexidades
do ambiente atual, ocorridas pelas inovações tecnológicas e a globalização. As
empresas sozinhas hoje dificilmente conseguiriam se manter no mercado. Há a
necessidade de formar alianças estratégicas e parcerias com outras empresas e
atender às exigências do público com quem se relaciona.
Os defensores da teoria dos stakeholders entendem que conceituar a
empresa apenas como uma instituição socioeconômica que se desenvolve por meio
dos sócios ou acionistas para executar uma atividade econômica não está correta.
Há na empresa um conjunto de pessoas que se interessam pelo sucesso da
organização.
Essa teoria visa tanto descrever como as organizações funcionam e se
comportam como também realizar um prognóstico da atuação da empresa. Outro
objetivo da teoria é o instrumental, ela procura identificar as relações entre os
interesses dos stakeholders e os objetivos próprios da empresa. Principalmente, no
aspecto normativo da teoria, essa pretende explicar a função da empresa, isto é,
identificar os valores e fundamentos que levam à tomada de decisão. 643
Robert FREEMAN e Jack MCVEA644 definem a teoria do stakeholders como a
elaboração e a aplicação, por parte dos administradores, de processos que atendam
a todos os grupos que apresentem interessem relacionados à empresa. Aos
administradores caberia o gerenciamento e a integração dos relacionamentos e dos
interesses dos stakeholders, que possibilite a permanência da empresa no mercado
em longo prazo. Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. resumem a teoria: “trata-se
de uma abordagem administrativa que enfatiza o gerenciamento ativo do ambiente
do negócio, dos relacionamentos entre os participantes, e a conseqüente promoção
dos diferentes interesses”645.
Há diversas definições de stakeholders, a diferença está no grupo de pessoas
que se consideram como influentes nas decisões empresariais. Predomina um
conceito restrito, que entende ser stakeholders, os atores portadores de expectativas
e interesses em relação à empresa, e sem os quais ela não seria viável.
Assim, os stakeholders consistem nos agentes internos e externos que
interagem com a empresa, sejam eles empregados, fornecedores, poder público,
consumidores, distribuidores, concorrentes, sociedade, acionistas ou sócios. Seria
todo grupo de pessoas que influencia a corporação e é por ela influenciado.
Percebeu-se que a forma de atuação da empresa pode abalar toda a
comunidade. Ocorre tanto no meio ambiente quanto na exploração indevida do
trabalho humano, seja infantil ou escravo, ou ainda, quando os produtos tragam
risco à saúde dos trabalhadores.
Deve-se ter em mente que as empresas detêm uma dinâmica com o ambiente
ao qual estão inseridas, e esta interação deve ser harmônica. As empresas inclusive
dependem direta ou indiretamente destes outros agentes para se desenvolver,
643
DONALDSON, Thomas; PRESTON, Lee E. The Stakeholder Theory of the Corporation:
Concepts, Evidence, and Implications. Academy of Management Review, Mississipi, v. 20, p. 67 a 84,
jan. 1995.
644
FREEMAN, Robert Edward.; MCVEA, Jack. A stakeholder approach to strategic management.
In: HITT, Michael; FREEMAN, Robert Edward; HARRISON, Jeff. Handbook of strategic management.
Oxford: Blackwell Publishing, 2000, p. 189 – 207. p. 191.
645
SILVEIRA, Alexandre di Miceli da; et. al. Critica à Teoria dos Stakeholders como função
objetivo corporativa. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 37, jan./mar.
2005. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/v12n1art3.pdf>. Acesso em: 07 abr.
2008.
assim como estes outros agentes dependem dela. A empresa, para Robert
FREEMAN e Jack MCVEA , deve formular estratégias que sejam satisfatórias com
os stakeholders, para viabilizar a sobrevivência da empresa, até porque a empresa
hoje está inserida em um cenário complexo e instável646. Assim, ao inserir os
stakeholders
na
gestão
empresarial,
Robert
FREEMAN
colocou
como
características:
a) promove a criação de uma estrutura gerencial com
estratégias flexíveis o bastante para que a empresa não
precise adotar regularmente novos paradigmas; b) desenvolve
novos rumos para a empresa a partir da predição da futura
ambiência; c) interessasse principalmente pela sobrevivência
da firma, e para realizar esse objetivo o gerenciamento deve
ser apoiado por todos que influenciam ou são influenciados
pela firma; d) tem os valores como elementos chave para o
processo de gerenciamento estratégico, considerando que
diversos grupos de stakeholders só podem cooperar ao longo
do tempo se eles compartilharem com a empresa um conjunto
de valores; e, e) o sucesso das estratégias integra as
perspectivas de todos os stakeholders647.
Dentro da gestão empresarial a teoria vem-se desenvolvendo a partir de
quatro vértices: o planejamento corporativo, teoria de sistemas, responsabilidade
social corporativa e teoria organizacional648. A primeira incorporou a teoria dos
stakeholders, quando concebeu que uma estratégia seria bem-sucedida se
incorporadas nas decisões os interesses dos stakeholders ao invés de simplesmente
tomá-las levando em consideração apenas um grupo. A teoria dos stakeholders
inserida no modelo organizacional, possibilitou a compreensão da empresa como
um sistema aberto, que a permanência em longo prazo deve levar em consideração
não só as relações internas, mas também as relações externas. Pode-se concluir
que tal modelo de gestão atende à função social da empresa, uma vez que visa não
só ao interesse dos acionistas e sócios, mas também ao interesse social.
No terceiro vértice, da responsabilidade social corporativa, e hoje a mais
adotada, busca na importância dos inter-relacionamentos e na melhora da relação
646
FREEMAN; MCVEA, op. cit., p. 5.
Idem.
648
Idem.
647
da empresa com os agentes externo como forma de sucesso para permanência da
empresa649 no mercado.
Como contraposto à teoria dos stakeholders, há a Teoria da Maximização da
Riqueza dos Acionistas, que tem como pressuposto a maximização dos resultados
pelas empresas aos acionistas, antes de atender a qualquer outro stakeholder.
Michael JENSEN, adepto da teoria, demonstra que “duzentos anos de pesquisa em
economia e finanças tem mostrado que o bem-estar social é maximizado quando
cada empresa em uma determinada economia maximiza seu valor de mercado” 650.
Nesse sentido, a empresa até então vinha sendo analisada pela maximização da
riqueza dos acionistas, pois a maximização de interesses só pode ser feita em uma
única direção, assim a empresa até então só poderia ter um único objetivo, o lucro.
Pela teoria da maximização da riqueza devem os executivos tomar as
decisões visando aumentar a riqueza dos acionistas e sócios. Conferindo a
satisfação dos acionistas, estar-se-ia também mantendo os interesses da sociedade,
em decorrência de maior probabilidade da sobrevivência da empresa em longo
prazo651.
Elaine STERNBERG critica a teoria dos stakeholders por esta se chocar com
o direito de propriedade, pois negaria aos proprietários o direito de determinar o fim
a que eles destinarão à propriedade. No entanto, com a empresa funcionalizada,
esta salvaguarda dos interesses deve também atender aos interesses dos
stakeholders. A teoria do stakeholders é contrária ao conceito de propriedade liberal,
porém está em harmonia com o conceito constitucional atual de propriedade
funcionalizada652.
Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. criticam a teoria dos stakeholders, pois
fundamentam de que o lucro seria o interesse da riqueza dos acionistas, pois “como
é matematicamente impossível maximizar em mais de uma direção, um
comportamento com propósito lógico requer uma única função-objetivo, e não
649
SILVEIRA, Alexandre; et. al, Op. Cit., p. 37.
JENSEN, Michael C. Value Maximization, Stakeholder Theory, and the Corporate Objective
Function. Journal of Applied Corporate Finance, [S.l], v. 14, n. 3, p. 8 a 21, out. 2001, p.11. apud SILVEIRA,
Alexandre; et al. Op. Cit., p. 36.
651
SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 35.
652
STERNBERG, Elaine. The stakeholders concept: a mistaken doctrine. Foundation for
Business Responsibilities, Issue Paper n. 4, nov. 1999. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/
papers.cfm?abstract_id=263144>. Acesso em: 25 jun. 2008.
650
múltiplos objetivos conforme apregoado pela teoria dos stakeholders”653. A falha na
origem da teoria está na explicação em como harmonizar os diversos interesses
presentes na empresa para tomar decisão e avaliar o desempenho.
Alexandre di Miceli da SILVEIRA et al. levantam a questão do sopesamento
na tomada de decisões desses múltiplos interesses na empresa, os quais muitas
vezes podem ser conflitantes.
Uma primeira corrente afirma que é possível a harmonização; outra, em
posição intermediária, entende que a tomada de uma decisão sempre terá alguém
perdendo e outros ganhando, e outra defende que o administrador deve apenas
levar em consideração os interesses dos proprietários. A primeira é adota pelos
adeptos da teoria do equilíbrio dos stakeholders. A terceira diz respeito à visão mais
conservadora do papel do administrador, este como contratado pela empresa ou
ainda sócio da empresa tem apenas o dever de tomar decisões com base na
maximização da riqueza da empresa, pois uma vez atendida estariam todos os
demais agentes colhendo os frutos da prosperidade da empresa.
Nessa perspectiva é a concepção adotada pela teoria da firma, que defende
que os acionistas teriam um direito residual654. Estes seriam os shareholders que
suportam os riscos da atividade econômica, e, por isso, deveriam ser em favor deles
a tomada de decisões. Os demais stakeholders detêm um contrato que pode ser
executado ou rescindido em face da organização, caso ela não cumpra com a
remuneração estabelecida. Já os acionistas não podem tomar tal atitude. Ao
conceder a tomada de decisões em favor de um grupo que não seja o sócio ou
acionista, obter-se-ia uma administração ineficiente.
A questão está em até quando a empresa poderá suportar o atendimento dos
interesses dos stakeholders. Para solucionar tal questão, Alexandre di Miceli da
SILVEIRA et al. trazem o seguinte exemplo:
653
SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 35.
Nesse sentido, de acordo com SUNDARAM e INKPEN, os stakeholders possuiriam proteção
contratual e legal de seus interesses, diferentemente dos acionistas, que apenas possuiriam direitos
residuais, ou seja, teriam direito aos fluxos de caixa somente depois que todos os compromissos com
outros envolvidos, como credores, funcionários, fornecedores e Estado, fossem resolvidos e pagos. In:
SUNDARAM, Anant; INKPEN, Andrew. The Corporate Objective Revisited. Thunderbird School of
Management Working Paper, Out. 2001. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=293219> Acesso em: 21
jan. 2005 apud SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 41.
654
Como exemplo, imagine-se que uma empresa deseje tanto
aumentar os seus lucros quanto a sua participação de
mercado. Dentro de uma faixa de aumento de participação de
mercado, a empresa também obterá crescimento nos lucros.
Entretanto, a partir de determinado ponto, o aumento na
participação de mercado somente será proporcionado
mediante a redução dos lucros da empresa no período
corrente, seja por aumento nos investimentos em pesquisa e
desenvolvimento, seja por aumento de despesas com
propaganda ou promoções para promover crescimento de
vendas. Neste caso, será logicamente impossível maximizar
ambas as variáveis, o que leva a uma situação em que o
administrador precisará de um trade-off entre lucros e
participação de mercado. Em uma situação de múltiplos
objetivos, na qual a empresa visasse maximizar os lucros
correntes e a participação de mercado, o administrador não
teria critérios claros para definir os trade-offs e, portanto, para
tomar decisões. Nesta situação de múltiplos objetivos, a
decisão seria tomada com base em critérios subjetivos do
gestor, podendo levar a ineficiências decorrentes de limitações
técnicas ou do problema de agência. No caso da definição de
um único objetivo (lucro máximo ou participação de mercado),
o gestor teria um critério lógico para a tomada de decisão e
para a avaliação do seu desempenho655.
Colocado o problema, Alexandre M. SILVEIRA traz a solução traçada por
JENSEN:
Com base nos argumentos apresentados no exemplo acima,
JENSEN (2001: 10) afirma que é impossível a empresa obter
sucesso perseguindo múltiplos objetivos, pois fatalmente
acabará não os alcançando. Segundo o autor, a tentativa de
maximizar diversos objetivos causará problemas ao gestor na
definição dos trade-offs para a tomada de decisões, o que, por
fim, deixará a empresa sem objetivo algum. Em resumo, o
autor afirma que ‘múltiplos objetivos significa não ter objetivos’.
Como conseqüência, uma maneira de a empresa resolver esse
impasse seria a especificação de uma única função-objetivo
que englobasse os efeitos das decisões sobre todas as
variáveis. A alta administração deve decidir que objetivo global,
ou variável principal, será perseguido: lucros, empregos,
vendas, crescimento, valor, etc. Apesar de não se poder
assegurar que a função definida será maximizada, ou mesmo
que a maximização resultará em melhor desempenho da
655
Ibidem, p. 36.
empresa, poder-se-á ao menos garantir que as decisões serão
tomadas nesse sentido, minimizando a existência de conflitos e
fornecendo critérios lógicos para a tomada de decisão e uma
melhor avaliação dos executivos656.
Charles HILL e Thomas JONES657 foram os idealizadores da teoria de
agência dos stakeholders. Para eles, “os administradores seriam os agentes de
todos os stakeholders, e estes difeririam entre si de acordo com seu poder e grau de
interesse na empresa, o que acarretaria um constante desequilíbrio entre as forças
envolvidas”658.
Assim, na teoria dos stakeholders as organizações devem atuar de forma
ética, enfocando os impactos das decisões em relação aos interessados, assim
como os resultados das atividades devem levar em conta a otimização dos
interesses dos stakeholders e não somente dos acionistas e dos proprietários. Os
anseios sociais, assim como o ordenamento jurídico, visam, antes de tudo, uma
sociedade sustentável.
4.2 A SUSTENTABILIDADE DA EMPRESA: a efetividade da função social
4.2.1 A Função Social da Empresa e o Conceito de Sustentabilidade
O neoliberalismo, conjugado com a globalização dos mercados, impôs uma
concorrência mundial entre empresas. São unânimes as pesquisas a respeito de
que nos último 50 anos a produção mundial aumentou bruscamente; no entanto, tal
aumento de produção não implicou uma melhor distribuição de renda, mas sim uma
maior concentração de renda659.
656
Idem.
HILL, Charles W. L.; JONES, Thomas Morgan. Stakeholder-agency Theory. Journal of
Management Studies, Oxford, v. 9, p. 131 - 154, 1992 , apud SILVEIRA, Alexandre; et. al., Op. Cit., p. 36.
658
Idem.
659
Nesse sentido: Políticos e executivos corporativos insistem nas vantagens da concorrência em
um mercado global. Todos esses discursos ou modelos não explicam os paradoxos que caracterizam a
atual situação mundial: o PMB (Produto Mundial Bruto) passou da marca de US$ 25 trilhões, ao passo que
nunca existiram tantas pessoas pobres. O conhecimento e as inovações científicas e tecnológicas
ultrapassam nossa imaginação, enquanto nunca existiram tanta ignorância e superstição. Existem comida
e bens materiais em abundância para os quase 6 bilhões de habitantes da terra. Entretanto, pessoas e
657
O neoliberalismo atribuiu às empresas660 as características de principais
agentes sociais661. O alto grau de competição no mercado requer planejamento,
estratégia e gestão diferenciada. Há inúmeros produtos no mercado que são
considerados substitutos perfeitos um dos outros, e nestes ramos de atuação a
empresa pode conquistar mercados mediante a divulgação de uma boa imagem ao
mercado. Hoje apenas a qualidade do produto não é suficiente para conquistar
novos clientes. A diferenciação de uma empresa em relação à outra poderia ser feita
pela sustentabilidade da atividade empresarial ou, ainda, pela responsabilidade
social, que hoje estão tão em voga.
A discussão de um desenvolvimento econômico sustentável teve início em
1927, em Estocolmo, contudo foi nos anos 90, especificamente na ECO 92, que
ganhou maior repercussão, quando se estabeleceram as primeiras medidas a serem
tomadas para alcançar a sustentabilidade.
Foi na World Commission on
Environment and Development (WCED), em 1997, que se concretizou a definição de
desenvolvimento sustentável como aquele desenvolvimento que atende às
necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras suprirem suas próprias necessidades.
Porém, a idéia de apenas sustentar, no sentido de se manter igual, não
compete à sociedade humana. Tanto o meio ambiente quanto a sociedade estão em
constante mutação. Essa modificação deve ser feita para que a sociedade
permaneça viável. Para Hartmut BOSSEL662, o conceito de desenvolvimento
sustentável deve ser dinâmico. Há continua modificação na sociedade e no meio
ambiente, as culturas, as tecnologias, os valores e os anseios se alteram
constantemente, e uma sociedade sustentável deve permitir e amparar estas
alterações.
animais perecem devido à fome e à desnutrição. In: RATTNER, Henrique. Sustentabilidade - uma visão
humanista. Ambiente & sociedade, Campinas, v.2, n. 5, p. 235, jul./dez. 1999.
660
Comentando sobre o atual papel das empresas, KORTEN (1997) ensina que “das 100 maiores
economias mundiais, 51 são de corporações transnacionais e 49 de países. Em termos econômicos, a
Mitsubishi é maior do que a Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo. Também é ilustrativo o fato
de que a soma da receita das 200 maiores corporações equivale a quase 30% do produto bruto
mundial.”KORTEN, David C. A market-based approach to corporate responsibility: perspectives on
business and global change. World Business Academy, San Francisco, v. 11, n. 2, p. 45 - 55, jun. 1997.
apud VERGARA, Sylvia Constant; BRANCO, Paulo Durval. Empresa Humanizada: organização necessária
e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 02, p. 26, abr./jun. 2001.
661
WALD, A Empresa..., p. 6.
662
BOSSEL, Hartmut. Indicators for Sustainable Development: Theory, Method, Applications.
Winnipeg (Canada): International Institute for Sustainable Development, 1999. p. 14.
Nesse sentido a sustentabilidade econômica abrange alocação e distribuição
eficientes dos recursos naturais dentro de uma escala apropriada. O conceito de
desenvolvimento sustentável, observado a partir da perspectiva econômica, segundo
Samuel RUTHERFORD, “vê o mundo em termos de estoques e fluxo de capital.
Esta visão não se restringe apenas ao capital monetário ou econômico, mas
considera diferentes tipos de capitais, inclusive o meio ambiente, o humano e o
social”.663
A menção ao desenvolvimento sustentável na Constituição Federal estaria
presente em pelo menos quatro dispositivos arts 1º; 3º; 170; e, 225. A teoria
constitucional entende que não podem haver conflitos dentro da Constituição, por
isso eventuais colidências entre estes devem ser ponderados no caso concreto.
A ordem econômica visa, em última análise, ao desenvolvimento sustentável,
a partir do crescimento econômico, da qualidade de vida e da justiça social. Os
empresários devem primar pela função social. Hoje quem exerce a atividade
econômica de maneira sustentável, também estará atendendo aos interesses
sociais, portanto poderá estar cumprindo a função social, bem como assegurando a
permanência da empresa no mercado “de maneira mais humanizada, menos
patrimonializada e de forma equilibrada”664.
Conforme Michael PORTER, a empresa buscará se diferenciar da
“concorrência
se
puder
ser
singular em
alguma
coisa valiosa
para
os
compradores”665. No entanto, para conquistar mercado perante os consumidores,
elas precisam demonstrar esta diferenciação. Os resultados desta estratégia serão
de médio e longo prazo.
Especificamente para a gestão empresarial, a sustentabilidade normalmente
está voltada ao aspecto econômico, em particular nos projetos e na dimensão
663
RUTHERFORD, I. Use of Models to link Indicators of Sustainable Development. In: Moldan,B.;
Bilharz, S. (Eds.) Sustainability indicators: Report of the Project on Indicators of Sustainable Development.
Chichester: John Wiley & Sons Ltd., 1997. apud BELLEN, Hans van. Indicadores de Sustentabilidade:
uma análise comparativa. Florianópolis, novembro de 2002. Tese de Doutorado apresentado ao curso de
Pós Graduação em Engenharia de Produção da UFSC. p. 37.
664
FERREIRA, Jussara S. A. B. Nasser. Função social e ética na empresa. In: Argumentum
Revista de Direito Universidade de Marília, v. 4, Marília: Unimar, 2004, p. 50 apud PAIANO, Daiana
Braga; ROCHA, Maurem. Sustentabilidade e desenvolvimento: o justo meio a partir da concepção de
Aristóteles, 18p, p.13. Disponível em: <www.diritto.it/archivio/1/21471.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2008.
665
PORTER, Michael. Vantagem Competitiva: criando e sustentando um desempenho superior.
Rio de Janeiro: Campos, 1989. p.111.
financeira da empresa. Por muito tempo, a idéia de sustentabilidade estava
fortemente relacionada à eficiência econômica.
A tomada de recursos para investimento é o foco do conceito de
sustentabilidade dentro da gestão empresarial. Toda organização necessita de
recursos para funcionar, esta dificilmente contará com uma única fonte de obtenção.
De regra, serão sete as fontes de onde a empresa poderá captar os recursos
necessários, segundo Célia CRUZ e Marcelo ESTRAVIZ: governo, empresas,
indivíduos, fundações, eventos especiais, instituições religiosas e geração de lucros
próprios666. Para Andrés FALCOMER667, a sustentabilidade de uma empresa está na
capacidade de adquirir recursos, não só financeiros, mas também humanos e
matéria-prima, conferindo lhes uma destinação eficiente e duradoura, para que a
empresa possa cumprir o seu fim em longo prazo.
No entanto, Domingos ARMANI668 entende que hoje o conceito de
sustentabilidade vai além da sustentação financeira; há uma série de fatores de
desenvolvimento institucional que influenciam no longo prazo a posição da empresa
no mercado. A sustentabilidade depende da proposta de crescimento da empresa,
bem como do acesso ao crédito. A sustentabilidade, para Osia MAGALHÃES et al.,
é definida como “a capacidade institucional de se relacionar criativamente com
ambientes instáveis, visando à credibilidade da sua imagem perante a sociedade”669.
Há a compreensão de uma sustentabilidade empresarial, também ligada à
gestão. A gestão sustentável seria uma reestruturação da empresa para que possa
ter maiores condições de atuar nos mercados. Domingos ARMANI apresenta uma
definição de sustentabilidade da gestão:
no nível micro, a sustentabilidade pode ser entendida como a
capacidade das organizações se relacionarem com ambientes
mutáveis, de forma duradoura; no nível macro, ela pode ser
666
CRUZ, Célia; ESTRAVIZ, Marcelo. Captação de diferentes recursos para organizações da
sociedade civil. São Paulo: Global, 2000. p. 15.
667
FALCONER, Andrés Pablo. A promessa do terceiro setor: um estudo sobre a construção
do papel das organizações sem fins lucrativos e do seu campo de gestão. São Paulo: Centro de
Estudos em Administração do Terceiro Setor/USP, 1999. p. 98.
668
ARMANI, Domingos. Sustentabilidade: do que se trata, afinal? Rio Grande do Sul: Unisinos,
2002 apud MAGALHÃES, Osia Alexandrina V; et. ali. (Re)Definindo a Sustentabilidade no âmbito da
Gestão Social: Reflexões a partir de duas Práticas Sociais. 15 p., p. 7. Disponível em: <
http://www.adm.ufba.br/milani/Enanpad_2005_Gestao_social.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2008.
669
MAGALHÃES, op. cit., p. 7.
concebida como o grau de legitimidade da instituição no
tocante ao combate de problemas sociais perante o Estado, a
sociedade e os agentes financiadores670.
Para atender a esse tipo de sustentabilidade, as empresas, principalmente
pela reengenharia, têm buscado a permanência no mercado via reorganização. Isso,
tanto para obter uma estrutura flexível, que proporcionará uma modificação mais
rápida para atender às novas demandas do consumo, quanto para as necessidades
da sociedade em que está envolvida, fornecendo produtos de qualidade, pagando
corretamente seus empregados etc.
A sustentabilidade, fora do viés da gestão empresarial, está fortemente
relacionada
à
sustentabilidade
ambiental.
O
conceito
de
desenvolvimento
sustentável “surge no contexto do enfrentamento da crise ambiental, configurada na
degradação sistemática de recursos naturais e nos impactos negativos desta
degradação sobre a saúde humana”671. O desenvolvimento sustentável visa a um
desenvolvimento que esteja em harmonia com os objetivos sociais, ambientais e
econômicos.
No entanto, a sustentabilidade não se resume a esse aspecto. Inclusive a
idéia de sustentabilidade deve estar na própria sociedade que precisa também
alcançar economicamente um equilíbrio, ou seja, eqüitatividade. Se a ênfase da
empresa está “na produtividade, concorrência e consumo individual (impulsionado
pela imperativa redução do espaço de tempo necessário para produzir um retorno
sobre o investimento), então as dimensões sociais e culturais de identidade pessoal,
responsabilidade e solidariedade serão negligenciadas”672. Caso as negligencie,
haverá grandes dificuldades quanto à continuidade e harmonia social. “As atividades
econômicas são governadas por mecanismos impessoais – o mercado e o Estado.
Baseados na evidência da história contemporânea, devemos presumir que ambos
falharam em produzir um equilíbrio aceitável entre eficiência econômica e justiça
social”673. Hoje majorado pelos prejuízos ambientais. A sociedade civil então passou
670
ARMANI, Domingos. Sustentabilidade: do que se trata, afinal? Rio Grande do Sul: Unisinos,
2002 apud MAGALHÃES, op. cit., p.7.
671
JACOBI, Pedro. Educação Ambiental e o Desafio da Sustentabilidade Sócio Ambiental. Mundo
da Saúde. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 526, 2006.
672
RATTNER, op. cit., p. 237.
673
Idem.
a ir contra a externalização dos custos sociais da atividade econômica, e passou a
requerer da empresa a internalização destes custos. A atenção é mais evidente nas
atividades que consomem materiais não-renováveis que produzem um custo
ambiental ainda muito maior. 674
Hoje há grande número de pesquisadores estudando alternativas para o uso
eficiente das matérias-primas, seja em função do esgotamento de recursos, seja em
função do impacto ambiental. A empresa vem procurando agir em parcerias e
adotando um padrão corporativo de conduta, que se fundamente na ética e na
transparência675.
As indústrias, o comércio e os serviços estão procurando se modernizar e
utilizar maquinarias de baixa entropia e no uso eficiente das matérias-primas e
concedem preferência as recicláveis. Para dar maior visibilidade ao cuidado da
empresa com seus produtos, com o meio ambiente, com os trabalhadores e com a
sociedade, foram criadas marcas de certificações, para que a empresa, mediante
esse selo, divulgue ao consumidor a conduta que vem adotando.
A preocupação com a sustentabilidade está presente em todos os setores da
economia. A modificação foi bastante ampla na busca da sustentabilidade, segundo
Henrique RATTNER:
Práticas fordistas usadas em grandes fábricas com milhares de
empregados trabalhando em linhas de montagem,
condicionados por estudos de “tempo e movimento, [...] estão
desaparecendo gradual mais irreversivelmente. As empresas,
antes estruturadas burocrática e hierarquicamente, estão
sendo substituídas não apenas por instalações e lay-outs de
menor escala, mas também por organizações mais flexíveis e
sistemicamente mais integradas. A integração sistêmica,
baseada em informações altamente interativas e serviços de
comunicação, introduz mudanças no layout, fluxo de bens e
materiais e, mais do que tudo, no prevalecente sistema de
relacionamento humano interno à organização. Novos
conceitos e esforços para introduzir o trabalho em grupo, a
participação ativa e a eficiência coletiva são os princípios
norteadores que estão substituindo os princípios e práticas da
administração taylorista no nível da fábrica. Gerentes e líderes
de grupo são treinados para se tornar formadores de equipes,
674
675
Idem.
HUSNI, op. cit., p. 36.
cujo papel primário é motivar antes de controlar ou penalizar
pessoas com recompensas simbólicas por idéias criativas,
melhorias de qualidade e inovações incrementais secundárias.
Estas inovações podem representar os primeiros passos na
busca de um novo paradigma econômico e, também, de um
novo estilo de vida e valores que rejeitem a acumulação
ilimitada e o consumo conspícuo.676
A sustentabilidade da atividade econômica vai além do viés ambiental, deve
permanecer economicamente viável e promover a justiça social. Há hoje um forte
discurso de conscientização das empresas, estas se convenceram de que o foco
para a captação da clientela não permanecerá somente na qualidade do produto ou
do serviço. A empresa deve demonstrar a sociedade que é sustentável e que adota
a análise do impacto da sua atividade perante todos os stakeholders677. Portanto, a
sustentabilidade deve estar em diversos aspectos da vida em sociedade.
Assim, com tal idéia requer-se um novo modelo de gestão, que deverá ser
ambientalmente, socialmente, culturalmente, economicamente e politicamente
sustentável.
É ambientalmente sustentável quando opera adequadamente os recursos
naturais e preserva a biodiversidade. RUTHERFORD afirma que neste aspecto o
foco está nos efeitos das atividades humanas sobre o meio ambiente678. Na visão
econômica equivale ao capital natural, que na produção primária é o fundamento
para a sobrevivência humana. Sustentabilidade ecológica visa ampliar a capacidade
do planeta mediante uma melhor utilização dos recursos naturais disponíveis.
A empresa é socialmente sustentável quando busca a diminuição das
desigualdades sociais e promove a justiça social. A ênfase é o “bem-estar humano,
a condição humana e os meios utilizados para aumentar a qualidade de vida desta
condição”679. SACHS citado por Eduardo Saldanha afirma que “a sustentabilidade
social refere-se a um processo de desenvolvimento que leve a um crescimento
estável com distribuição equitativa de renda, gerando, com isto, a diminuição das
676
RATTNER, op. cit., p. 239.
ODILON, Ern. Sustentabilidade é uma prática. Gazeta Mercantil, São Paulo, 18.06.2007.
678
RUTHERFORD, 1997 apud SALDANHA, Eduardo Ercolani. Modelo de Avaliação da
Sustentabilidade sócio –ambiental. Florianópolis, 2007. 112 f. Tese de doutorado(Engenharia da
Produção da UFSC). Centro de Tecnológico. Departamento de Engenharia da Produção, p. 26. Disponível
em: <http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/10995.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2008.
679
SALDANHA, op. cit., p. 26.
677
atuais diferenças entre os diversos níveis na sociedade e a melhoria das condições
de vida das populações”680.
É culturalmente sustentável quando mantém um espírito de nação ao longo
do tempo. Segundo SACHS681, a sustentabilidade cultural consiste na modernização
da economia e da globalização sem haver o rompimento com a identidade cultural
dos países.
Será politicamente sustentável quando privilegiar a democracia e o acesso à
participação de todos nas decisões políticas.
A Constituição Federal, na ordem econômica e financeira, deixa claro que o
crescimento econômico deverá ser sustentável. Com o desenvolvimento sustentável,
o modelo econômico terá que se subordinar ao direito, principalmente à dignidade
da pessoa humana, à promoção de uma sociedade mais justa e a função social.
Os paradigmas estão mudando para a instalação de uma empresa, esta
necessita de licenças ambientais, de um bom planejamento econômico e atender à
função social.
A idéia de sustentabilidade já exerce influência até mesmo sobre o capital
financeiro. Neste campo a BOVESPA - Bolsa de Valores do Estado de São Paulocriou o ISE\Bovespa (Índice de Sustentabilidade Empresarial de Responsabilidade
da Bolsa de Valores de São Paulo), que engloba as empresas de responsabilidade
social. Este índice visa refletir uma carteira de ações composta por empresas que
atuem responsavelmente em todos os âmbitos. Tais âmbitos seriam o cumprimento
e a conformidade da atuação de acordo com a lei, respeito ao meio ambiente,
gestão com metas e programas, a relação da empresa com fornecedores, clientes e
trabalhadores, que adotem a governança corporativa e transparência na gestão e o
balanço social682. A Bolsa visa incentivar que as empresas adotem como norte a
sustentabilidade empresarial e a responsabilidade social.
680
Idem.
SACHS apud SALDANHA, op. cit, p. 28.
682
Um instrumento formal que permite externar a responsabilidade social de uma entidade por
meio de suas ações empreendidas em determinado tempo, de forma isolada ou em parceria, vinculada ou
não aos objetivos institucionais para os quais foi construída, na expectativa de contribuir para a construção
de uma sociedade sustentável, justa e digna para todos. COSTA FILHO, Adalberto Vieira. Um estudo dos
balanços sociais dos bancos no Brasil. In: Instituto Ethos. Responsabilidade Social das Empresas: A
contribuição das Universidades. v. 3. São Paulo: Petrópolis, 2004. p. 281.
681
Não se pode generalizar, mas existem muitas organizações que procuram
resgatar o lado social de empresa cidadã, comprometida com a sociedade e o meio
em que vivem, conseguindo melhorar sua imagem perante seus concorrentes,
fazendo da ação social e ecológica um diferencial competitivo que lhes pode ser
muito lucrativo, tendo em vista a mudança no hábito dos consumidores,
principalmente nos países desenvolvidos, onde o fator eco-social é levado em
consideração na escolha de um produto ou outro. Esta prática é realizada
principalmente pela Responsabilidade social.
4.2.2 Responsabilidade Social: uma fuga da função social.
Como tendência na gestão empresarial há o contínuo enfraquecimento dos
sindicatos e associações de classe, processos de enxugamento da estrutura
empresarial,
para
alcançar
maior
produtividade
com
menores
custos,
proporcionando trabalhos exaustivos e de constante dedicação aos interesses da
empresa, somados à constante ameaça de desemprego. No neoliberalismo e na
globalização, o desemprego passou a ser crônico em todo o mundo; a pobreza tem
aumentado e a classe média vem perdendo qualidade de vida683.
Atualmente, o capitalismo vem sofrendo fortes críticas e, como núcleo do
modelo neoliberal, as empresas são o alvo maior. Há, entretanto, a tentativa de um
reposicionamento das empresas diante da sociedade para continuar a justificar a
acumulação do capital. O meio escolhido foi o modelo de gestão empresarial, a
responsabilidade social; nesta as empresas continuam a justificar a condição de
acumuladoras de capital.
A globalização, para Carlos Alberto Farracha de CASTRO, é um fenômeno
sem volta, “sendo que a barbárie imposta por esse fenômeno implica a necessidade
de desenvolver um sentido comunitário e solidário na população, ainda que possa
parecer paradoxal”684. Ressalta o autor que “os empresários, ainda que
involuntariamente ou mesmo contrariados, se preocupem – atualmente - com a
imagem de seus negócios procurando enfatizar uma preocupação social, inclusive
683
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência universal.
6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 19 - 20.
684
CASTRO, op.cit., p. 186.
invadindo obrigações ao Estado Social”685. Há sempre um conflito entre o social e o
econômico, principalmente pelo mercado não ter cumprido a promessa de solucionar
os problemas sociais.
Entre os mecanismos apresentados pela gestão empresarial para exteriorizar
o cumprimento da função social e da legitimação da apropriação dos meios de
produção é a responsabilidade social. A responsabilidade social visa diminuir os
conflitos entre o social e o econômico, propondo trazer maior efetividade à função
social da empresa. A responsabilidade tem também como substrato, além da função
social, a idéia de desenvolvimento sustentável, uma vez que pode ser analisada na
perspectiva econômica, ambiental e social.
A responsabilidade social, para alguns autores, seria um “alívio para a
consciência pesada das empresas” e foi incorporada pelas empresas nas suas
estratégias e valores organizacionais, pois seria uma forma de “sobrevivência do
capitalismo em sua versão contemporânea”686, o neoliberalismo.
Contudo, não é nova a responsabilidade social da empresa, nos Estados
Unidos desde a década de 1950 já vem sendo debatida, e até hoje vem recebendo
crescente importância, identificada pelo aparecimento de padrões e normas de
certificação, tais como ISO 14000, AA 1000 e AS 8000, bem como pelas bolsas de
valores.
Como marco considera-se o ano de 1919, quando nos Estados Unidos, a
responsabilidade e a discricionariedade dos controladores e administradores de
empresas foram discutidas no caso Dodge versus Ford. Henry Ford controlador e
administrador da FORD Co. Muitas vezes tomava decisões que contradiziam aos
interesses de um grupo de acionistas da Ford, principalmente John e Horace Dodge.
Estes sócios ajuizaram uma ação contra Henry Ford, por este ter em 1916,
diminuído a distribuição dos lucros fundamentado em reinvestimento na sociedade,
aumento de salários e como fundo de reserva para eventuais diminuições de
receitas decorrentes de corte nos preços dos carros. Os Dodges ganharam perante
a Suprema Corte do Estado de Michigan, que fundamentou o julgado de que a
corporação existe para o benefício dos acionistas e que a direção tem
685
Idem.
ROMAN, Artur. Responsabilidade Social da Empresas: um pouco de história e algumas
reflexões. Revista FAE Business School, Curitiba, n. 9, p. 36, set. 2004.
686
discricionariedade apenas no que diz respeito aos meios de se alcançar tal fim, não
podendo usar os lucros para outros fins.
Após a Segunda Guerra Mundial, esse fundamento utilizado pela Corte
começou a ser questionado pela doutrina, os pioneiros foram Berle e Means, com a
obra “A Moderna Corporação e a Propriedade Privada” (The Modern Corporation
and the Private Property), publicada em 1932.687 Nessa obra, Berle e Means
fundamentam que os outros acionistas eram proprietários passivos, que passavam
amplos poderes para a administração da sociedade agir em seu nome. Com o
Welfare State, o cenário econômico passou a ser de ampla propriedade havendo
uma reversão das decisões judiciais, para admitirem ações filantrópicas por parte
das empresas688.
Até mesmo o posicionamento da Corte Americana foi modificado. No caso A.
P Smith Manufacturing Company versus Barlow, o tribunal de Nova Jersey decidiu
pela manutenção da doação da empresa à Universidade de Princeton, entendendo
que a empresa pode visar promover o desenvolvimento social. 689
Alexandre HUSNI afirma que “a gestão socialmente responsável ganha força
com o advento do neoliberalismo, aparentemente, como um contraponto”690.
Assim, com o avanço do neoliberalismo – o aumento da diferenciação de
rendas e a exclusão social –, a empresa passou a implantar a responsabilidade
social, seja como uma forma de gestão, seja como uma forma de marketing, para
garantir a sobrevivência e evitar a revolução social.
Os neoliberais, dentre eles Milton FRIEDMAN, compreendem que a
responsabilidade social já estará sendo cumprida quando a empresa gera “novos
empregos, paga salários justos e melhora condições de trabalho, além de contribuir
687
FREDERIKK, William C. From CSR1 to CSR2. Business and Society. v. 33, n. 2, p. 150 a 164,
agosto1994 apud ASHLEY, Patricia Almeida; et. al. Responsabilidade Social Corporativa e Cidadania
Empresarial: Uma Análise Conceitual Comparativa. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de PósGraduação em Administração (ENANPAD), 24, 2000, Campinas. Anais..., Florianópolis: ENAMPAD, 2000.
688
Idem.
689
CAMPBELL, Margaret C. (1999) Perceptions of Price Unfairness: Antecedents and
Consequences. Journal of Marketing Research, V. 36, Issue 2, p. 187 a 199 apud SERPA, Daniela
Abrantes Ferreira; AVILA, Marcos Gonçalves. Efeitos da Responsabilidade Social Corporativa na
Percepção do Consumidor sobre Preço e Valor: Um Estudo Experimental . In: Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD), 30, 23 a 17 de setembro de 2006,
Salvador. Anais..., Salvador: ENAMPAD, 2006. 1 CD Room.
690
HUSNI, op. cit, p. 46.
para o bem-estar público ao pagar seus impostos”691. No entanto, para o autor, os
principais objetivos da empresa continuam a ser de natureza econômica, cabendo a
empresa no máximo satisfazer deveres sociais mínimos designados em lei. O
benefício à própria sociedade e o cumprimento das obrigações legais resultaria na
empresa socialmente responsável.
Ressalta-se que ainda hoje não há como impor que uma empresa pratique a
responsabilidade social. Não há meios jurídicos para tal imposição, até porque, em
regra, a adoção desta prática implica despesas e não aumento de produção; daí
porque muitas vezes é tomada pelos gestores como política ineficaz.692 Por isso,
Oded GRAJEW defende que “a responsabilidade social deve ser vista como ações
de livre e espontânea vontade. É uma decisão voluntária, calcada não na legislação,
mas na ética, nos princípios e nos valores”693.
Para Lilian ALIGLERI e Benílson BORINELLI, a responsabilidade social pode
ser definida como “a atuação legítima e voluntária das empresas com a comunidade
externa e interna na qual ela está inserida, ou seja, o envolvimento das empresas
com atividades e ações que possam contribuir para manter ou aumentar o bem-estar
social”694.
A responsabilidade social empresarial consiste em “um modelo de gestão que
atende ou supera as expectativas éticas, legais, comerciais, ambientais e sociais
que o público tem em relação ao mundo dos negócios e das organizações”695.
A responsabilidade social não se confunde com a função social, ela vai além
desta, uma vez que a empresa não só cumpre com os deveres legais no
desenvolvimento da atividade empresarial, mas também busca melhorar a qualidade
de vida da sociedade. No cumprimento da função social, não se aprecia
propriamente a qualidade intrínseca das ações da empresa, mas o maior ou menor
691
FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits. New York
Times
Magazine,
13
setembro
de
1970.
Disponível
em:
<
http://www.colorado.edu/studentgroups/libertarians/issues/friedman-soc-resp-business.html>. Acesso em:
10 de junho de 2008.
692
HUSNI, op. cit., p. 54.
693
GRAJEW, Oded. O que é responsabilidade social. Mercado Global, São Paulo, a. 27, n. 07,
jun. 2000. p. 45.
694
ALIGLERI, Lilian Mara e BORINELLI, Bemílson. Responsabilidade social nas grandes
empresas da região de Londrina. Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em
Administração (ENANPAD), 25, 2001, Campinas. Anais..., Campinas: ENAMPAD, 2001. p.3.
695
Business for social responsability. Disponível em: www.bsr.org.
concurso para atingir o fim da organização. Alexandre HUSNI delimita quando a
empresa é socialmente responsável:
A idéia de que a empresa é socialmente responsável quando gera novos
empregos, paga salários justos e melhora as condições de trabalho,
contribuindo para o bem-estar público ao pagar seus impostos. (...) as
empresas que agem nessa linha esta a cumprir a sua função social e não a
696
operar como empresa socialmente responsável .
Por isso, a responsabilidade social consiste em um modelo de gestão
empresarial com a tomada de decisão ligada à ética e ao bem-estar da coletividade,
além de satisfazer às exigências legais, preservar o meio ambiente e atender aos
interesses da população697.
A empresa socialmente responsável busca valores que ultrapassam a sua
própria atividade empresarial e o seu objeto social, pois interagem com um
desenvolvimento
sustentável
e
com
políticas
públicas
para
diminuir
as
desigualdades sociais.
Alexandre HUSNI aponta dois tipos de responsabilidades sociais. A
responsabilidade social interna, quando a empresa envolve o estímulo à ética e a
valorização do trabalho do empregado, a responsabilidade social externa, que diz
respeito à atuação ética e harmônica com os agentes influenciados pelas atividades
da empresa698.
A respeito da valorização do trabalho a ser empregado, as empresas têm
adotado a co-gestão empresarial e a governança corporativa. A primeira visa admitir
no conselho de administração representante de trabalhadores, para que estes
coíbam abusos e permitam maior transparência nas decisões. Já a governança
corporativa consiste na obediência da empresa e dos órgãos sociais a normas
impositivas de condutas éticas e morais, que influenciarão principalmente nas
decisões administrativas699. A sociedade deve então exercer o objeto social dentro
de uma razoabilidade.
696
HUSNI, op. cit., p. 88.
Idem.
698
Idem.
699
SIMIONATO, op. cit., p. 105.
697
Tais formas de gestão repercutem nos stakeholders, no sentido de contribuir
para uma melhor relação entre empresas e Estado, controlando para que as
empresas cumpram com o objeto social com função e responsabilidade social.
Mas, apenas melhorar as condições de trabalho e a participação dos
trabalhadores nas decisões nem sempre se pode significar que a empresa já é
socialmente responsável. Isso porque, está atendendo a um grupo de stakeholder, e
a responsabilidade social é a adoção de políticas éticas pela empresa em favor de
todos os stakeholders.700
Assim, como a função social a responsabilidade social da empresa está
fortemente ligada à idéia de sustentabilidade, por isso também tem como viés mais
forte o ambiental. Esse impõe que a empresa desenvolva e adote processos de
produção que otimizem o uso de recursos escassos, bem como procure produzir
produto biodegradáveis ou recicláveis. São exemplos de ações o reflorestamento de
áreas degradadas, uma administração racional dos recursos hídricos ou restaurar
prédios e propriedades publicas.
O consumidor tem preferido produtos de empresas que não têm envolvimento
em corrupção, que priorizam a transparência nos negócios, que cuidam do meio
ambiente e da comunidade. Do ponto de vista dos trabalhadores, os profissionais
mais qualificados têm preferido trabalhar em empresas que valorizem a qualidade de
vida dos funcionários e respeitem os direitos. Assim, à gestão empresarial está
sendo agregada mais uma preocupação. 701
De resto, foi o foco ambiental que trouxe à tona que o mundo empresarial não
pode apenas se utilizar dos recursos sociais sem conferir nada em troca à
sociedade. A conseqüência de uma utilização irresponsável dos recursos naturais
afeta a vida de todos. A preocupação da empresa deverá ser muito mais que
produzir e gerar lucros. As empresas passam a ser agentes de transformação social,
pois deve se preocupar com o meio em que estão inseridas.
A globalização trouxe maiores oportunidades de negócios, mas trouxe
igualmente maiores responsabilidades. A sociedade tem reivindicado três tipos de
700
HUSNI, op. cit., p. 89.
MENDONÇA, J. Ricardo C. de; GONÇAVES, Julio Cesar de Santana. Responsabilidade Social
nas Empresas: uma questão de imagem ou de substância? In: Encontro Nacional da Associação Nacional
de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD) a. 26, 22 a 25 de setembro 2002, Salvador. Anais...,
Salvador: ENANPAD, 2002. 1 CD ROOM.
701
resultado das empresas: que elas produzam lucro, respeitem o meio ambiente e
contribuam para o desenvolvimento social. Neste sentido, Mats ALVESSON alerta:
o fato de que as corporações têm que sobreviver em ambientes
crescentemente complexos e politizados, significa que os gerentes devem
considerar aspectos de legitimidade da percepção da sociedade sobre a
corporação em um nível mais elevado. Obedecer às leis e produzir lucros
não é suficiente. Várias demandas relativas à ecologia, tratamento
igualitário de gêneros e minorias, empregados etc., devem também ser
702
satisfeitos.
As empresas são também dependentes do ambiente social na qual estão
inseridas703. Dessa forma, elas devem legitimar a sua atuação e principalmente a
acumulação de capital. Para Jefrey PFEFFER e Gerald SALANCIK, “a legitimidade
é um status conferido à organização quando os stakeholders endossam e dão
suporte aos seus objetivos e às suas atividades”704.
A teoria institucional foi pioneira na discussão da necessidade de legitimar a
atuação das empresas. A teoria institucional defende que há uma dependência
recíproca das organizações com o ambiente e vice-versa. O meio ambiente se
relaciona principalmente por meio de imposição de normas e valores, que acabam
sendo inseridas na empresa para obterem a sua legitimidade. O ambiente é a fonte
e o destino da produção, bem como local de reconhecimento e legitimação. Para
obter a legitimidade a empresa gera impressões por meio de mensagens que
retratem ações reais ou fictícias. Faz se um gerenciamento de imagem para obter
atratividade perante os vários públicos com as quais a empresa interage.705
Em uma sociedade de conhecimento, o administrador toma suas decisões
baseado nas informações que possui e que julga mais relevantes a serem levadas
em consideração. Toda decisão deve ser pensada e verificada se é o meio mais
ético de se alcançar o resultado. Nesse sentido observam Maria José Bretas
PEREIRA e João Gabriel FONSECA, “por trás das escolhas individuais, há
702
ALVESSON, Mats. Organization: from substance to image. Organization Studies. v. 11 (3),
1990. p. 373 - 394, p. 384 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit.
703
BROWN, Andrew D. Politics, symbolic action and mith making in pursuit of legitimacy.
Organization Studies. Berlin, 1994 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit.
704
PFEFFER, Jefrey.; SALANCIK, Gerald. The external control of organizations: A Resource
Dependence Perspective. New York: Harpes & Row, 1978 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit.
705
ALVELSSON, op. cit, p. 378 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit.
conjuntos de valores específicos e próprios de cada indivíduo, ligados às suas
experiências e à sua visão de mundo”706.
Assim, como crítica à visão instrumental há um receio quanto à real finalidade
das decisões tomadas pelas empresas. Como todo ambiente de alta competitividade
tende as empresas a utilizar a responsabilidade social como mera estratégia de
marketing do que efetivamente à promoção de valores éticos.
Outros mais radicais continuam analisar o administrador na visão da empresa
liberal, isto é, o administrador não teria competência técnica e jurídica para realizar
ações sociais, pois diminuiria o lucro da empresa. Ademais, os administradores não
foram eleitos pela população para agir em favor da sociedade. Dessa forma, a
empresa só poderia realizar ações sociais, conforme Paul OSTERGARD, desde que
fossem compatíveis com a estratégia empresarial. Haveria investimento social
discricionário pelas empresas desde que fosse possível maximizar o retorno do
investimento com investidores, consumidores e a comunidade707. No entanto, podese dizer que se a empresa apenas investe no social para obter maior retorno a sua
atividade, ela estará realizando filantropia estratégica e não responsabilidade social.
Cabe à administração organizar as formas pelas quais a empresa alcançará
os resultados pretendidos. “É o órgão que faz com que a instituição – empresa,
universidade, hospital, abrigo para mulheres vitimas da violência – seja capaz de
produzir resultados fora dela própria.”708
A empresa é responsável socialmente quando prevê as ações e a realiza da
melhor maneira, prevendo os principais efeitos, para o benefício de todos os
stakeholders. O ponto contrário à teoria institucional, isto é, a responsabilidade
social a ser exercida pela empresa, encontra-se no fato de existirem outras
instituições sociais, tais como o governo, as igrejas, as organizações nãogovernamentais, instituições sem fins lucrativos que visam atuar no cumprimento
das responsabilidades sociais. Portanto, não cabe à empresa, uma instituição que
visa ao lucro, exercer o papel destas instituições.
Mesmo com a existência de tais instituições sociais, muitas empresas têm
realizado parcerias com elas para auxiliá-las no seu propósito de constituição. A
706
PEREIRA; FONSECA, op. cit, p. 205.
OSTERGARD, Paul M. Promoting corporate citizenship. UN Chronicle, v. 36, n. 4, p. 68 , 1999.
708
DRUCKER, Peter. O melhor de Peter Drucker: a administração. São Paulo: Nobel, 2002. p.
707
116.
responsabilidade social, realizada seja pelo auxilio de outros entes sem fins
lucrativos, seja diretamente pela empresa, pode ser uma opção para os empresários
investirem estrategicamente no ambiente social709. “As organizações buscam na
responsabilidade social benefícios como o reforço de sua imagem”710.
Nesses termos, o principal motivo que tem levado as empresas a se dizerem
socialmente responsável é a melhora da sua imagem corporativa. José MENDONÇA
e Jackeline AMANTINO-DE-ANDRADE “defendem que as organizações, no sentido
de controlar as impressões de públicos-chaves e obter o seu endosso e suporte,
empreendem estratégias e táticas de gerenciamento de impressões”711. Kay DEAUX
e Lawrence WRIGHTSMAN conceituam o gerenciamento de impressões como “o
processo geral pelo qual as pessoas se comportam de modos específicos para criar
uma imagem social desejada”712.
Há forte crença de que as empresas que praticam a responsabilidade social
agregam uma influência positiva na sua imagem, isto é, na sua marca. Aliás, é a
propriedade industrial que possui maior valor e importância no atual estágio do
capitalismo. Assim, há uma crença indireta que tais ações irão também atrair
consumidores por seus produtos ou serviços. Ademais, as empresas também
conseguem obter mais facilmente recursos e incentivos fiscais e apoio de
representantes da sociedade civil.
A empresa manifesta a intenção e a consciência de suas ações por meio dos
administradores, e por suas ações poderá ser responsabilizada713. A decisão a ser
tomada pelos sócios ou pelo administrador que será exteriorizada por este, sendo,
709
GRAJEW, op. cit., p.7
LEVEK, Andrea R.H.C.; BENAZZI, Ana Cristina M.; ARNONE, Janaína R.F.; SEGUIN, Janaína;
GERHARDT, Tatiana M. A responsabilidade social e sua interface com o marketing social. Revista da
FAE, v.5, n.2, p.15 - 25, mai./ago. 2002, p. 23.
711
MENDONÇA, José Ricardo Costa de e AMANTINO-DE-ANDRADE, Jackeline. Teoria
Institucional e Gerenciamento de Impressões: em busca de legitimidade organizacional através do
gerenciamento da imagem corporativa. II Encontro nacional de Estudos Organizacionais (II ENEO), Recife,
2002, Anais ENEO apud NOGUEIRA, Carlos Eduardo de Araújo; CHAUVEL, Marie Agnes.
Responsabilidade Social: um Estudo Exploratório Sobre o Processo de Decisão das Instituições Mantidas
por Empresas. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração
(ENANPAD), a. 27, 2003. Atibaia: Anais..., 2003.
712
DEAUX, Kay e WRIGHTSMAN, Lawrence S. Social Psychology. 5. ed. Estados Unidos:
Brooks/Cole, 1988, p. 81 apud MENDONÇA; GONÇALVES, op. cit.
713
FRENCH, P. Corporate moral agency. In: HOFFMAN, W. M. e FREDERIK, R. E. Business
Ethics: readings and cases in corporate morality. (3a. ed.) New York: MacGraw-Hill, 1995 apud PEREIRA,
Wolney Afonso; CAMPOS FILHO, Luis Alberto Nascimento. Investigação sobre as Semelhanças entre os
Modelos Conceituais da Responsabilidade Social Corporativa. Revista de Gestão Social e Ambiental,
São Tiago da Compostela v.1, n1, p. 5, jan./abr. 2007.
710
em última análise a execução individual714. A(s) pessoa(s) que decide(m) em nome
da empresa será(ao) o(s) julgador(es) e quem assumirá os riscos da escolha. No
entanto, para que uma pessoa possa tomar uma decisão sozinha dentro de uma
corporação, o conteúdo da decisão deve estar inserida dentro da estratégia
empresarial. A estratégia seria determinada por meio de metas e objetivos a serem
alcançados no longo prazo e os meios para alcançá-los. “Conseguinte adoção de
cursos de ação e alocação de recursos necessários para atingir as metas
propostas”715. Cabe aos administradores enxergar as oportunidades de mercado que
dêem maior vantagem competitiva à empresa. A responsabilidade social pode ser
uma grande estratégia empresarial de no longo prazo, podendo proporcionar ganhos
de eficiência com a imagem de socialmente responsável. A empresa ganhará tanto
com maior dedicação dos funcionários, quanto com a satisfação dos consumidores,
assegurando maior perenidade da organização perante a sociedade716.
Assim, a responsabilidade social não está separada do negócio da empresa.
Trata-se de uma nova forma de gestão empresarial, ligada à formulação de
estratégias voltada a valores éticos, harmonia com os stakeholders e geração de
valor. Como conseqüência, para Oded GRAJEW, há a “valorização da imagem
institucional e da marca, maior lealdade de todos os públicos, principalmente dos
consumidores, maior capacidade de recrutar e reter talentos, flexibilidade e
capacidade de adaptação e longevidade”717.
A informação na sociedade de conhecimento é instantânea. Os negócios
devem ser realizados com bastante transparência. A ética empresarial tem sido cada
dia mais valorizada. Os investidores estão cada vez mais se recusando a participar
de companhias que desrespeitam os direitos humanos e o meio ambiente. Inclusive
multiplicam-se investimentos em empresas que conseguiram ganhar a fama de
serem politicamente corretas. Desse modo, adotar a responsabilidade social pode
ser uma boa estratégia para aumentar as vendas e os investimentos. A adoção da
714
PEREIRA, Maria José Lara BRETAS; FONSECA, João Gabriel. Faces da decisão. São Paulo:
Makron Books, 1997, p. 35.
715
CHANDLER, Alfred. Strategy and Structure: Chapters in the Story of the
American Industrial Enterprise. Cambridge: the M.I.T Press, 1962. p. 13.
716
PAGLIANO, Adriana Grelle Antunes; FARIA, Ana Cláudia L.; LAGO, Lisleine U.; CRUZ, Lucia
Maria Santa; SILVA, Maurício Paiva da. Marketing social: o novo mandamento para as organizações.
1999. Monografia de MBA Executivo em Marketing, IBMEC. São Paulo: 1999. p. 20.
717
GRAJEW, op. cit., p. 1-2.
responsabilidade social não visa abandonar o objetivo lucrativo da empresa, mas
agrega valores sociais a ela. A empresa deve agir eticamente nos seus negócios.
A nova gestão empresarial incumbe o dever de a empresa analisar o seu
relacionamento com os diversos públicos de interesse e efetuar ações que
melhorem o relacionamento, oferecendo ganhos às empresas. Cabe à empresa
decidir qual tipo de ação social tomará.
A responsabilidade social trouxe novas formas de gestão para trazer como
elementos relevantes na tomada de decisão a ética, visando com esta atitude
transformar uma maior consciência empresarial em vantagem competitiva. Dessa
forma, o que é bom para a sociedade também será bom para a empresa, no longo
prazo. Sendo que a proposição inversa também é verdadeira, isto é, o que é bom
para a empresa é bom para a sociedade.
Segundo o Instituto Ethos de Responsabilidade Social, a empresa é
socialmente responsável quando “vai além da obrigação de respeitar as leis, pagar
impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde para os
trabalhadores, e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará
contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”718.
Hoje, os conceitos de empresa cidadã e socialmente responsável são objeto
de utilização freqüente na mídia, no governo, nas entidades de classes, empresários
e trabalhadores que, “recebendo pressão da sociedade por ações sociais que
resultem em impactos à comunidade, procuram relacionar sua imagem a ações
positivas”719.
Nesse sentido, Joel MAKOWER720 afirma que a empresa não pode ser
conceituada apenas como organização dos fatores de produção, mas deve também
analisar o aspecto externo.
empresa
geram
Há a compreensão de que todas as atividades da
externalidades
positivas
e
negativas,
abrangendo
desde
consumidores e empregados até a comunidade e o meio ambiente.
718
Institutos
Ethos
de
Responsabilidade
Social.
Disponível
em:
<http://www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/indicadores/responsabilidade/etica.asp>.
Diversos
acessos.
719
BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas: Praticas
Sociais e Regulação Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Jures, 2006. p. 78.
720
MAKOWER, Joel. Business for Social Responsibility: Beyond the Botton Line – Putting
Social Responsibility to Work for your Business and the World. New York: SIMON & SCHUSTER,
1994 apud PEREIRA; CAMPOS FILHO, op. cit., p. 6.
As externalidades consistem nos efeitos positivos e negativos, das atividades
de produção ou de consumo. As externalidades negativas são também
denominadas deseconomias externas. Como principal exemplo desta tem-se a
poluição ambiental, como exemplo da externalidade positiva há a geração de
empregos e distribuição de renda.
Na economia, as externalidades são consideradas falhas de mercado. A
análise econômica das externalidades se faz pelo custo da produção em relação aos
benefícios por elas gerados. No entanto, no campo jurídico há doutrinadores, como
Ana Frazão LOPES721, que entendem que a função social não pode ser analisada
sob esse viés de custo e benefício. O que implica que a avaliação do cumprimento
da função social não pode se restringir ao fato da empresa trazer mais benefícios ou
não a sociedade.
Como solução as externalidades geradas pela atividade produtiva a doutrina
aponta a regulamentação de limites que podem ser gerados de poluição por uma
determinada empresa; aumentar ou diminuir impostos de determinadas atividades
ou formas de produção; e, autorizações ambientais e de exploração.
A responsabilidade social não se confunde com as externalidades, pois estas
são inerentes à própria atividade econômica, e não um projeto a parte desenvolvido
pela empresa, assim como a função social não pode ser analisada sob este ponto
de vista. Contudo, a ação socialmente responsável praticada pela empresa pode sim
gerar externalidades, geralmente positivas.
No Brasil a responsabilidade social está mais ligada a uma ação empresarial,
que visará aumentar os lucros da empresa, podendo abranger ou não a
filantropia722.
Cabe aqui reafirmar que responsabilidade social não se confunde com
filantropia. A filantropia é uma ação espontânea e esporádica da empresa. A
responsabilidade social já reflete uma ação mais comprometida da empresa, visa à
uma ação projetada para desenvolver a comunidade.
No Brasil é indispensável investir no desenvolvimento social, principalmente
para viabilizar a atuação da empresa no futuro. O Brasil é um país de inúmeras
721
LOPES, op. cit., p. 213.
SCHOMMER, Paula Chies; FISCHER, Tânia. Cidadania empresarial no Brasil: os dilemas
conceituais e a ação de três organizações baianas. Organizações & Sociedade, v. 6, n. 15, p. 105
mai./ago. 1999.
722
carências sociais, que afetam direta ou indiretamente as atividades econômicas que
serão e são realizadas. A falta de trabalhadores qualificados, segurança, saúde
refletem diretamente na empresa. As empresas devem então contribuir para obter
um ambiente mais propício a sua atividade.
Conforme exposto, há organizações que realizam responsabilidade social por
refletir os valores éticos da empresa e outras que visam melhorar a imagem via
responsabilidade social, assim a vê como uma estratégia mercadológica, mas que
não corresponde aos valores e às práticas da organização.
Para verificar qual é a posição da empresa, basta analisar se ela leva em
conta as aspirações dos stakeholders, e age de forma ética; se a empresa realiza a
gestão responsável por questões de valores. Isso pode ser verificado pela
transparência das ações empresariais ou por projetos que visem desenvolver a
comunidade. A incorporação e difusão desses princípios éticos qualificam a
organização como uma empresa socialmente responsável. Isso porque, o conceito
de responsabilidade social propõe, de certa forma, uma regra moral: a de que a
empresa tem o dever de zelar pelo bem-estar dos públicos com os quais se
relaciona. Ele defende, também, a idéia de que essa opção é, em termos de
lucratividade em longo prazo, vantajosa.
A empresa que adota a responsabilidade social assimila em sua cultura novos
valores a serem observados e praticados interna e externamente. Já a empresa que
apenas difunde a responsabilidade social, apenas pratica ações que visam a
resultados visíveis perante a comunidade e tragam melhoria na imagem da
empresa. Mas é na transferência de valores éticos – sustentabilidade e efetividade
das ações praticadas – não só internamente a empresa, mas também externamente
que se vê a responsabilidade social de forma mais ampla723. A empresa pode
adotar, difundir ou transferir valores à sociedade.
Do ponto de vista econômico, escreve Antonio Carlos MARTINELLI724:
a correta prática da responsabilidade social pode melhorar o desempenho e
a sustentabilidade a médio e longo prazo da empresa, proporcionando:
723
MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, César. Gestão da responsabilidade social
corporativa: o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. p. 73.
724
MARTINELLI, Antonio Carlos. Empresa-cidadã: uma visão inovadora para uma ação
transformadora. In: IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º Setor: Desenvolvimento Social Sustentado. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997 apud NOGUEIRA; CHAUVEL, op. cit.
valor agregado à imagem corporativa da empresa; motivação do público
interno; vantagem competitiva; facilidade no acesso ao capital e
financiamento; reconhecimento dos dirigentes como líderes empresariais;
melhoria do clima organizacional; dentre outros. No entanto, se as ações de
responsabilidade social não refletirem os valores e cultura corporativas, a
adoção de tais ações poderá ser percebida apenas como ferramenta de
promoção e publicidade.
A empresa que efetivamente pratica a responsabilidade social não visa ao
marketing, mas ao desenvolvimento local. Nesse sentido, Francisco MELO NETO e
César FROES tentam trazer a realidade brasileira:
há, atualmente, predominância de ações sociais externas (voltadas para a
sociedade ou para a comunidade local) sobre as de caráter interno (cujo
alvo são os funcionários e seus familiares); que grandes organizações
criaram suas fundações e atuam socialmente na área de educação, como é
o caso da Fundação Bradesco; e que prevalece em nosso país o padrão
assistencialista em ações sociais, em especial junto a empresas de
pequeno e médio porte, apesar de as grandes empresas já terem
725
identificado a importância de ações sociais sustentáveis .
Em 1970, com a proliferação do neoliberalismo, inicia-se a proeminência da
empresa na sociedade. A empresa deve buscar muito mais que a lucratividade, mas
também o bem-estar social em nome da própria sobrevivência em longo prazo.
Explica Cláudia PFEIFFER: “a empresa necessita do desenvolvimento da sociedade
para se desenvolver”726. Por isso, pode-se afirmar, segundo Patrícia ASHLEY, que o
“mundo empresarial vê, na responsabilidade social, uma nova estratégia para
aumentar seu lucro e potencializar seu desenvolvimento.”
727
Se a sociedade não se
desenvolver, não há como a sociedade alcançar maior clientela.
Com a responsabilidade social, as empresas investem em ações sociais e
divulgam seus valores, legitimando à sociedade de que está atendendo aos seus
anseios.
São poucas as empresas que hoje desconsideram a responsabilidade social.
Os problemas sociais deixaram de ser apenas uma questão do Estado, para ser
institucionalizada. As empresas tiveram que atender aos princípios da solidariedade
e participarem mais ativamente com a sociedade sob o fundamento de não perder
725
MELO NETO; FROES, op. cit., p. 74.
PFEIFFER, Cláudia. Por que as empresas privadas investem em projetos sociais e
urbanos no Rio de Janeiro? Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2001. p. 95.
727
ASHLEY, Patrícia A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva,
2002. p.3.
726
mercado. Assim, com o avanço da globalização, a competitividade do mercado
aumenta, aumentando a necessidade de as empresas se destacarem via sua
responsabilidade social.
A responsabilidade social consiste num modelo de gestão empresarial
adotado que visa demonstrar à sociedade que, além de cumprir com as obrigações
sociais,
a
empresa
está
também
motivada
a
desenvolver
a
sociedade,
principalmente, por meio de projetos educacionais.
No entanto, por trás deste modelo de gestão há também os benefícios
estratégicos que diante da similaridade dos produtos e alta concorrência do
mercado, as organizações tem buscado obter novos mercados e clientes mediante a
melhoria da imagem. Uma empresa socialmente responsável atrai mais clientes, por
ser uma instituição que não só produz riqueza, renda e tributos, mas também
melhora as condições de vida da população.
A responsabilidade social agrega uma nova função à empresa, que é o
desenvolvimento da sociedade, papel tradicionalmente exercido pelo Estado. Nesse
particular a responsabilidade social contraria o modelo neoliberal. Porém, em geral
os ganhos que a empresa tem tido por se intitular socialmente responsável são
superiores que os gastos nos projetos: em regra, trabalham no projeto, como
voluntários, os próprios trabalhadores da empresa.
A função social é compatível sim com o neoliberalismo, pois não impõe mais
nenhuma função à empresa. Contudo, a gestão empresarial da responsabilidade
social adiciona uma nova responsabilidade da empresa perante a sociedade, por
isso, não se pode confundir a responsabilidade social com a função social. A
responsabilidade social seria, portanto, um marketing pelo qual a empresa tem se
utilizado para justificar à sociedade de que vai além do cumprimento dos seus
deveres legais. No entanto, muitas vezes não os cumpre integralmente, mas por ter
um projeto social perante a comunidade se denominam empresas preocupadas com
a sociedade. A responsabilidade social pode ser utilizada como uma fuga da função
social, desviando a atenção para uma filantropia ou projeto social, em relação à má
exploração da atividade econômica.
CONCLUSÃO
Esta dissertação não teve a pretensão de apontar soluções para os
antagonismos existentes no sistema capitalista, especificamente a respeito das leis
de mercado e o dever de solidariedade a que as empresas estão submetidas.
A crise mundial vivenciada nos anos 70 propiciou um ambiente favorável
para que se instalasse o modelo neoliberal. A crise financeira do Estado Social e a
expansão tecnológica e da globalização aceleraram ainda mais a adoção deste
modelo econômico pelos países.
O modelo de natureza neoliberal, baseado no Estado Democrático de Direito,
prevê um Estado regulador, isto é, permite a intervenção do Estado na economia
toda vez que o mercado apresentar alguma falha, inclusive atuar de forma a
restringir fusões, incorporações e proibir cartéis.
O modelo monetarista propõe a diminuição do Estado no âmbito econômico.
O Estado deixa de oferecer diretamente bens e serviços que passam a ser
oferecidos pelo setor privado. As atividades de telefonia, distribuição de luz e água
foram transferidas ao setor privado mediante as privatizações.
Foi mediante as privatizações que o Estado diminuiu sua intervenção direta
na economia, porém a existência de abusos e falhas de mercado exige ainda certa
dose de intervenção para que seus efeitos sejam diminuídos, para a própria
manutenção da concorrência e livre iniciativa.
Assim,
em um ambiente
econômico
de
constantes
transformações,
principalmente pela grande velocidade das inovações tecnológicas, é importante que
as empresas possuam uma estrutura flexível para que rapidamente se adaptem às
modificações do mercado.
Marx já previa a tendência de que com o desenvolvimento tecnológico haveria
um aumento da exploração do trabalho humano, no sentido de que diminuiria o
número de trabalhadores na empresa, porém a intensidade do trabalho empregado
seria elevada. Explica a dificuldade de a empresa manter a taxa de lucro por meio
da lei das taxas de lucro decrescentes, pois esta sintetiza a contradição das
transformações da produção capitalista. A exploração do trabalho possui um limite
diário, o número de operários, em geral, diminui à medida que aumenta o capital
constante, já a busca pela acumulação não possui limites. Quanto maior o emprego
da maquinaria, em geral, menor será o número de mão-de-obra aplicada, estando
poucas pessoas sujeitas à máxima exploração.
Assim, um menor número de
trabalhadores será empregado com uma proporção maior de capital constante, o
que necessitará de uma maior exploração do trabalhador para manter a acumulação
de capital.
A ciência administrativa passou a se preocupar com o tempo dedicado pelo
trabalhador à produção, buscando sempre o máximo aproveitamento da mão-deobra alocada, viabilizando a manutenção da taxa de lucro. Do modelo clássico da
administração à gestão do conhecimento há uma constante busca de meios de
incentivar o trabalhador a produzir cada vez mais. A gestão de empresas visa
proporcionar às empresas alguma vantagem no mercado ao qual estão inseridas, na
busca de adaptar às empresas as modificações no ambiente externo.
A empresa, hoje, para conseguir competir no mercado e cumprir com suas
obrigações legais, reduz a sua estrutura e investe cada vez mais em um trabalho
humano qualificado, pois, diferentemente do período marxista, a empresa não pode
ser vista pela luta de capital e trabalho. O ser humano, pelas novas formas de
gestão, está sendo considerado como a peça-chave para a inovação e as
conquistas de novos mercados.
As empresas sempre traçaram estratégias para alcançar um maior
desempenho no mercado em que atuam. Os resultados obtidos com a adoção de
um ou outro modelo de gestão, uma ou outra estratégia, comprovam a constante
dependência da organização com o ambiente externo e interno, surgindo a teoria
dos stakeholders, comprovando a interdependência com o ambiente.
Assim, com essa teoria, a própria ciência administrativa passa a reconhecer a
existência das externalidades na atividade econômica. As empresas, ao exercer a
sua atividade social, podem gerar economias externas ou deseconomias externas
perante a sociedade. Quando geradas, são consideradas falhas de mercado, pois o
ideal seria que o custo marginal social fosse equivalente ao benefício social
marginal. Principalmente, na predominância das externalidades negativas, pode o
Estado interferir para tentar diminuir tais efeitos negativos. Por outro lado, os
particulares, detentores de direito de propriedade, podem negociar. Segundo Coase,
esta negociação não deve ter custos de transação e deve gerar benefícios mútuos,
pois a parte que se sentir prejudicada pode ser compensada por uma indenização.
Para diminuir tais externalidades o Direito impõe limites e condicionamentos
ao exercício da atividade econômica. Um dos condicionamentos é justamente a
função social da atividade econômica. Sendo a empresa concebida juridicamente
como a atividade econômica e organizada, portanto uma abstração, deve atender à
função social. A função social condiciona a atuação da empresa a uma atuação em
consonância ao que se espera desta, por exemplo: dentro de um limite de poluição
aceitável
e
respeitando
previdenciárias,
condicionamento
técnicas
e
a
legislações
etc).
limites
à
O
incidentes
próprio
atividade
(tributárias,
ordenamento
econômica
trabalhistas,
jurídico
garantiria
ao
a
impor
idéia
de
sustentabilidade.
A riqueza e os benefícios gerados pela atividade econômica devem ser
partilhados em toda a sociedade, os stakeholders. Doutrinadores, como Ana Frazão
de Azevedo LOPES, entendem que a atividade econômica que não distribui riqueza
ou gera benefícios à sociedade é abusiva728. A atividade empresarial deve
juridicamente contribuir para uma sociedade mais justa, solidária e digna, e no viés
econômico deve contribuir para o desenvolvimento econômico sustentável.
A função social não implica uma nova responsabilidade da empresa. A
empresa, ainda que seja o núcleo da sociedade, não pode ser encarregada de
assumir funções do Estado.
728
LOPES, op. cit., p. 316.
A função social da empresa impõe que a livre iniciativa seja exercida
conforme os parâmetros legais, sob pena de estar violando um princípio
fundamental, portanto, exercendo uma atividade ilegal.
A função social da empresa deve ser corretamente interpretada a fim de não
produzir ineficiência econômica no longo prazo. A função social da propriedade
deve ser vista como o poder-dever do empresário no exercício da atividade
econômica, realize-a de maneira compatível com o interesse social, tendo em vista
que este é manifestado pelas leis. Assim, o empresário que desenvolve a sua
atividade conforme o ordenamento jurídico estará ao mesmo tempo cumprindo a
função social da empresa.
A Constituição Federal na ordem econômica consagra a sustentabilidade da
atividade econômica. Assim, a legislação e a função em última análise visam à
sustentabilidade da atividade empresarial. Isto é, que esta se aproprie dos recursos
coletivos de maneira que não comprometa as futuras gerações, na utilização destes
mesmos recursos. A sociedade espera que a empresa seja exercida de maneira
sustentável, por isso pode-se dizer que um dos modos pelo qual a função social se
exterioriza é pela sustentabilidade.
A função social da empresa é vista pelos economistas como a busca do bemestar. O bem-estar geral para os liberais poderia ser alcançado pelo somatório do
bem-estar individual, sendo este artifício denominado por Adam Smith de “mão
invisível”. No entanto, os neoliberais não tomaram como base do modelo esta autoregulação do mercado, tanto que admitem certa intervenção, regulação do Estado,
justamente para evitar abusos. Neste sentido, a função social, se for para adequar o
bem-estar social, é compatível com o neoliberalismo, ainda que seja uma forma de
intervenção do Estado na atividade econômica.
Para os adeptos do sistema de mercado, a propriedade exerce a sua função
social quando contribui para incentivar o investimento e gera emprego e renda numa
economia competitiva, fundada em instituições. Para os socialistas, a função social
da propriedade é redistribuir riqueza sob comando do Estado.
Com a desigualdade social levantada pelo neoliberalismo, as empresas vêm
tentando cada vez mais encontrar meios para justificar a apropriação dos meios de
produção e, principalmente, do lucro. O mecanismo encontrado na gestão
empresarial foi a responsabilidade social, a qual não consiste no cumprimento da
função social, pois muitas empresas que se intitulam socialmente responsáveis, não
cumprem com todas as obrigações sociais sobre elas impostas. Ao mesmo tempo
em que promovem a melhoria da qualidade de vida da sociedade em que estão
inseridas, muitas vezes deixam de pagar direitos trabalhistas aos seus empregados.
Uma empresa intitulada socialmente responsável nem sempre estará
cumprindo sua função social, ainda que seja esta a mensagem que a
responsabilidade social pretenda transparecer. Uma empresa que cumpre com as
obrigações legais, atua de forma ética e promove atividades perante a comunidade,
seria efetivamente uma empresa que cumpre sua função social e responsável
socialmente. A responsabilidade social vai além da função social, pois requer uma
ação positiva da empresa, planejada e constante, para melhorar as condições de
vida do trabalhador e da comunidade vizinha. A função social se resume ao
cumprimento das obrigações legais.
A função social, se corretamente entendida, é sim compatível com o
neoliberalismo, pois não impõe uma nova obrigação às empresas, mas um dever de
ao exercer a atividade, esta deve ser compatível com o interesse social.
A função social tem sido observada pela gestão empresarial, tendo em vista
que os administradores, que não cumprirem um dever legal, estariam também
descumprindo a função social, e para estes, assim como para as empresas, a lei
impõe inúmeras responsabilidades.
A administração, então, tem procurado enquadrar a função social na gestão,
principalmente, na responsabilidade social. No modelo da responsabilidade social,
toda empresa que assim fosse enquadrada, certificada por ISOs, estaria indo além
da função social. As empresas já estão buscando ir além do cumprimento dos seus
deveres legais e agindo diretamente na comunidade. Em um futuro próximo, a
empresa que não cumpra nem mesmo deveres legais, estará fadada a ser rejeitada
pelos consumidores.
Conclui-se que a gestão empresarial está sim preocupada com a função
social da atividade empresarial, ainda que inserida no modelo econômico neoliberal.
Há uma modificação do papel do Estado na sociedade, após a década de 70, de
forma que o Estado repassa a função social aos agentes privados, como mecanismo
compensatório de apropriação de recursos naturais que pertencem a toda a
sociedade. Bem como, a sociedade tem apoiado esta transferência, pois cada vez
mais, o consumidor tem valorizado as empresas que cumprem com todas as
obrigações legais, em detrimento daquelas que não as cumprem.
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Agendamento de data de defesa perante Banca Examinadora
Curitiba, ________/________/________
Horário:____________
Indicação dos professores membros titulares e suplente:
Membro Externo: Walter Tadahiro Shima_______________
Membro Interno: Rosalice Fidalgo Pinheiro_____________
Suplente (Interno):___________________________________
Deposite-se na Secretaria do Mestrado.
Curitiba, ________/________/________
___________________________________
Professor Orientador Francisco Cardoso Oliveira
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Luiza Loyola - Domínio Público