14ª Conferência Internacional da LARES
Edifício Manchete, Rio de Janeiro - Brasil
18, 19 e 20 de Setembro de 2014
Políticas Públicas Sustentáveis Aplicadas no Porto Maravilha
Fernando C. P. Ferrarini1, Alex K. Abiko2, Rogério Santovito3
1
Escola Politécnica da USP, Av. Prof. Almeida Prado, travessa 2, n. 83 CEP 05508-900, São
Paulo, Brasil; [email protected]
2
Escola Politécnica da USP; [email protected]
3
Escola Politécnica da USP; [email protected]
RESUMO
As grandes cidades, junto com o setor da construção civil, são os maiores causadores de impactos no
meio ambiente. A revitalização de áreas urbanas degradadas, segundo os princípios do urbanismo e
construção sustentáveis, representa uma oportunidade de desenvolvimento sustentável e crescimento para
o setor imobiliário. Na cidade do Rio de Janeiro, em virtude das Olimpíadas e dos megaeventos que
possuem a cidade como palco principal, a Prefeitura aproveitou o momento oportuno para alavancar
grandes projetos e instituir, por meio de leis e decretos, políticas públicas em prol da sustentabilidade.
Atualmente, está em execução o Porto Maravilha, uma operação urbana consorciada de grande escala,
formada por uma parceria público-privada, que visa requalificar o antigo distrito portuário como uma
zona de uso misto, segundo as premissas de urbanismo sustentável, revitalizando o local em preparação
para as Olimpíadas de 2016 e visando criar uma nova centralidade para a cidade. O objetivo deste artigo é
analisar de forma sistêmica as políticas públicas adotadas no Porto Maravilha sob a ótica da
sustentabilidade, segundo os critérios ambiental, econômico e social, focando em seus impactos e
perspectivas para o mercado imobiliário. A ação regulatória do poder público é fundamental para
fomentar práticas sustentáveis em projetos de revitalização urbana e estes oferecem oportunidades, assim
como riscos para os empreendedores imobiliários. Os processos participativos de tomadas de decisões, a
implantação de incentivos fiscais e edilícios para construções sustentáveis, assim como a imposição de
mecanismos de regulação e fiscalização eficazes por parte do poder público, são fundamentais para que o
projeto Porto Maravilha possa atender aos seus objetivos de sustentabilidade e inclusão, de modo que não
seja relegado apenas em favor de interesses especulativos e possa beneficiar diversas camadas da
sociedade, criando um novo paradigma de sustentabilidade urbana no Brasil.
Palavras-chave: políticas públicas, sustentabilidade, real estate, Porto Maravilha.
14ª Conferência Internacional da LARES
Edifício Manchete, Rio de Janeiro - Brasil
18, 19 e 20 de Setembro de 2014
Sustainable Public Policies Applied in Porto Maravilha
ABSTRACT
The sprawling process of large cities, alongside the construction industry, are the major sources of
impacts on the environment. The revitalization of degraded urban areas, according to the principles of
sustainable urbanism and construction, represents an opportunity for sustainable development and growth
for the real estate industry. The city of Rio de Janeiro, Brazil, due to the 2016 Olympics Games and the
major events as the World Cup, the municipality took the opportune time to launch large projects and
establish public policies for sustainability, through laws and decrees. Currently ongoing, Porto Maravilha
is an urban joint operation formed by a large-scale public-private partnership that aims to rebuild the
city’s former harbor district into a mixed use zone, revitalizing the site in preparation for the 2016
Olympics and seeking to create a new centrality for the city. This paper has the objective to analyze, in a
systematic approach, the public policies adopted in Porto Maravilha from the sustainability perspective,
according to the environmental, economic and social criteria, focusing on its impacts and prospects for
the real estate market. The local government regulatory action is a crucial factor to foster sustainable
practices, through decision-making participatory processes, tax and construction benefits for sustainable
buildings, as well as the imposition of regulatory tools and effective supervision by of public power.
Those actions are fundamental for Porto Maravilha to achieve its sustainability and inclusion goals, in a
way that it acts not only in favor of speculative interests, being able to benefit different society and
forging a paradigm shift in urban sustainability in Brasil.
Key-words: public policies, sustainability, real estate, Porto Maravilha.
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1.
INTRODUÇÃO
A relação enigmática entre controlar a expansão territorial e promover a densificação urbana é
crítica para a formulação de políticas públicas adequadas em busca de um ambiente urbano mais
sustentável, que atenda a questões fundamentais como redução de impactos ambientais,
regularização fundiária, preservação de centros históricos e competitividade das cidades Para
Lungo, (2001), de modo geral, os sistemas de planejamento urbano na América Latina não têm
respondido adequadamente a estas questões. Devido ao crescimento rápido, muitas cidades
latino-americanas demonstram pouca coesão entre planejamento, arquitetura, clima e hábitos
culturais, afetando diretamente a qualidade ambiental urbana.
No Brasil o processo não foi diferente, a ocupação das periferias das grandes cidades ocorre de
forma desordenada e sem planejamento, enquanto os centros antigos são sistematicamente
abandonados pela população e poder público. A expansão urbana na maioria das regiões
metropolitanas apresenta uma paisagem de pobreza, padrões informais e ilegais de uso da terra e
ausência de infraestrutura. Os equipamentos públicos e serviços básicos, como abastecimento de
água municipal, redes de drenagem e esgoto, transporte coletivo e vias de acesso adequadas são
frequentemente, indisponíveis para assentamentos de menor renda.
Contrapondo esta situação, o Rio de Janeiro passa por um momento histórico, por conta da
escolha como sede das Olimpíadas de 2016 e dos vultosos investimentos decorrentes. A
Prefeitura Municipal está aproveitando este momento econômico propício para alavancar
grandes projetos em preparação para o megaevento. Atualmente, está em desenvolvimento na
cidade o projeto Porto Maravilha, que visa requalificar a área do antigo distrito portuário carioca,
uma vasta área subutilizada, praticamente desabitada que possui grande potencial a ser
explorado. Este grande projeto apresenta-se como uma alternativa de desenvolvimento urbano
sustentável e oportunidade de negócios para o mercado imobiliário.
O projeto Porto Maravilha foi desenvolvido pela Prefeitura em parceria com a iniciativa privada
e apresenta como uma de suas diretrizes a sustentabilidade, fomentado por uma série de decretos
e políticas públicas. Em sintonia com o novo paradigma da sustentabilidade, o poder público tem
investido esforços em tornar a cidade mais sustentável por meio de políticas públicas e ações em
parceria com o setor privado, o que indica, pelo menos nas intenções, um novo direcionamento
em relação ao desenvolvimento da cidade.
Este artigo possui como objetivo realizar uma análise sistêmica das políticas públicas adotadas
no Porto Maravilha sob a ótica da sustentabilidade, de acordo com seus três pilares
fundamentais, ambiental, econômico e social, evidenciando o teor das alterações provocadas
pelas políticas públicas no mercado imobiliário local. As conclusões a respeito da trajetória do
desenvolvimento resultante do Porto Maravilha buscam responder se as políticas públicas ditas
“sustentáveis” se materializam do plano abstrato para o concreto, trazendo resultados efetivos ou
seriam apenas obra de marketing político-ambiental.
O Porto Maravilha foi escolhido como objeto de estudo deste trabalho pela sua
representatividade, escopo abrangente e escala urbana. Considerando o histórico de apenas 30
anos de recuperação de portos, a base referencial sobre o tema é ainda bastante recente, portanto,
o estudo do Porto Maravilha é importante neste momento para fomentar a discussão quanto à sua
viabilidade e sustentabilidade. Este artigo constitui parte do escopo de uma pesquisa mais
abrangente e detalhada, para a formulação de uma dissertação de mestrado em curso no
programa de Pós-Graduação de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP.
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2.
METODOLOGIA
Este artigo constitui uma pesquisa de caráter exploratório, cujos fundamentos teóricos foram
extraídos, principalmente, a partir de trabalhos publicados em periódicos científicos e anais de
eventos, relacionados a políticas públicas, sustentabilidade urbana, parcerias público-privadas e
mercado imobiliário, assim como decretos e leis municipais da cidade do Rio de Janeiro. A
construção de um quadro teórico da problemática urbana em qual o Porto Maravilha se situa, e a
contextualização do tema diante de novos conceitos e práticas de urbanismo adotados na
atualidade visam constituir um embasamento para o entendimento dos objetivos macros do
projeto. Assim como, relacionar o seu processo de planejamento e execução com o contexto de
transformações sócio espaciais e econômicas em que a cidade do Rio de Janeiro está inserida.
A análise sistêmica das políticas públicas adotadas no Porto Maravilha foi dividida de acordo
com os três pilares da sustentabilidade, abordando-os de maneira individual e como estão interrelacionados. O confronto dos termos e compromissos estabelecidos nas leis, decretos e políticas
públicas, com o que está sendo realmente executado no projeto determinam a natureza
fundamental do problema analisado. A metodologia adota uma abordagem sistêmica ao analisar
como elementos individuais se inter-relacionam na construção do sistema urbano. A análise visa
fornecer um embasamento real para a tomada de decisões por parte do poder público, que seja
abrangente para permitir a compreensão do problema, além de dinâmica e flexível, de modo que
novos desenvolvimentos na ciência de planejamento urbano possam ser incluídos na pesquisa.
A análise social, pelo seu caráter subjetivo, deve considerar os significados que a população
local emprega em relação ao ambiente em que vive e as atividades que realiza, de forma que seja
factível uma abordagem qualitativa. As análises dos aspectos econômico e ambiental adotam um
caráter mais objetivo, na tentativa de construção de modelos conceituais dos sistemas
empregados, relacionados nas definições básicas das políticas públicas, que descrevem as ações
mínimas exigidas pelos envolvidos no projeto como padrão de referência para comparação das
estratégias adotadas e verificação de sua efetividade.
3.
REVISÃO TEÓRICA
Existe hoje muito debate sobre o que a palavra "sustentabilidade" realmente significa. A
definição mais amplamente aceita é a proferida no Relatório Brundtland de 1987, que afirma:
"O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente
sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias
necessidades".
De acordo com Phillips apud Warren (2009), Esta definição simples e resumida retirada de um
relatório abrangente, segundo alguns autores tem sido inútil, levando à imprecisão sobre o
conceito de desenvolvimento sustentável. O caráter abrangente da palavra a tornou praticamente
ineficaz, com o seu significado, aparentemente expandido para incluir virtualmente quase tudo.
Para Williams (2010), no âmbito da engenharia urbana, a cidade sustentável é definida quando
os recursos são utilizados de forma mais eficiente, sistemas são mapeados, perdas e incertezas
identificados. Nas ciências sociais, cidades sustentáveis são frequentemente descritas em termos
de "sustentabilidade social", o 'ideal' desejado é realizado somente quando uma conceptualização
particular de equidade social ou justiça é evidente em um ambiente espacial. Dentro do debate
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sobre a "forma urbana sustentável", a ideia de "cidade compacta" tem sido favorecida acima de
outros padrões de urbanismo, como mais amigável ao meio-ambiente.
No Brasil, o padrão de crescimento imobiliário formal está concentrado no entorno das áreas
centrais, enquanto o crescimento das periferias ocorre na forma de assentamentos ilegais, fora
dos limites dos padrões e leis urbanísticas, em grande parte ignoradas pelo poder público e
investimento privado. Entretanto, as mudanças demográficas e econômicas nas últimas décadas
estão influenciando a expansão de diversos novos tipos de empreendimentos residenciais nas
regiões metropolitanas. De grandes conjuntos habitacionais para população de renda média e
baixa, à proliferação de condomínios fechados, exclusivos para grupos de alta renda em busca de
segurança e qualidade de vida, que coexistem com grandes shopping-centers situados ao lado de
rodovias, replicando o modelo de “espalhamento urbano” norte-americano ou “urban spraw”1.
De acordo com Silva e Romero (2011), o “espalhamento urbano” em áreas não urbanizadas ou
greenfields 2 , consome grandes quantidades de terras agriculturáveis, elimina florestas, se
apropria de habitats e recursos naturais, exige vultosos investimentos públicos em infraestrutura,
aumenta a demanda por consumo e energia, promove o uso intensivo de veículos para transporte
de mercadorias e pessoas, o que acarreta contaminação do ar e congestionamentos, além da
pavimentação excessiva que impermeabiliza o solo, gerando danos ao ciclo hidrológico como
fator causador de enchentes e alteração do microclima local pelo efeito ilha de calor, deste modo,
este padrão de expansão urbana ilimitada é constitui um modelo altamente insustentável.
A busca por soluções para o crescimento dentro do perímetro urbano, invertendo a lógica da
expansão horizontal indefinida, encontra correntes como o “urbanismo sustentável”, que busca
reestabelecer a qualidade ambiental urbana sob a ótica da compacidade e diversidade, ao
promover diversos usos sobrepostos em um tecido urbano denso e compacto. Esta morfologia
otimiza a infraestrutura urbana e facilita a ordenação da cidade pela maior regularidade formal,
respeitando as condicionantes geográficas e ambientais, locais e regionais, bem como as escalas
de apropriação do espaço.
A compacidade e diversidade de usos reduzem as distâncias de deslocamentos entre moradia,
trabalho e serviços, incentivando a caminhada e o ciclismo como meios de deslocamento diário.
A prioridade ao transporte público diminui a demanda por veículos, reduz o tráfego nas vias e a
consequente poluição do ar e sonora. A otimização do uso e ocupação do espaço urbano pela
densificação construtiva promovem a eficiência no consumo de materiais, energia e água, assim
como o aumento da complexidade dos sistemas e coesão social (SILVA;ROMERO, 2011).
A ocupação de vazios urbanos e recuperação de áreas degradadas, utilizando estas premissas,
constitui uma oportunidade de desenvolvimento urbano sustentável, trazendo novos usos a áreas
urbanizadas subutilizadas com potencial de revitalização. Como exemplo desta prática, o retrofit
urbano busca a recuperação de áreas urbanas providas de infraestrutura, porém degradadas e que
poderiam possuir novos usos, como centros antigos e zonas industriais e portuárias, chamados
brownfields 3 , ao invés de buscar novas áreas naturais afastadas para o desenvolvimento
imobiliário, ou greenfields2.
1
Urban sprawl: difusão de uma cidade e seus subúrbios com ocupação do solo de baixa densidade, que demandam expansão dos
sistemas urbanos. Caracterizado por rígida segregação entre usos e dependência de automóveis como único meio de transporte.
2
Greenfields: terras pouco desenvolvidas em uma cidade ou área rural, usadas para a agricultura ou áreas verdes intocadas. Estas
áreas são geralmente propriedades agrícolas consideradas para o desenvolvimento urbano.
3
Brownfield: terreno previamente utilizado para fins industriais, cujo solo pode estar contaminado por baixas concentrações
de poluentes e que possui potencial para ser reutilizado, desde que seja realizada sua descontaminação.
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No caso específico de zonas portuárias e waterfronts4, sua revitalização têm se tornado uma
alternativa viável para o desenvolvimento imobiliário e uma realidade concreta no mundo,
constituindo uma das últimas fronteiras urbanas a serem exploradas. Alguns dos exemplos
paradigmáticos de revitalização de waterfronts no mundo incluem o Inner Harbor de Baltimore,
Port Vell de Barcelona e Puerto Madero de Buenos Aires. Segundo Amsler (2011), a experiência
destas cidades demostra que a requalificação de waterfronts, quando bem planejada e executada,
é uma intervenção urbana capaz de produzir impactos positivos na vida econômica, sociocultural
e ambiental de toda a cidade.
De acordo com Sánchez e Broudehoux (2013), megaeventos como Olimpíadas, Exposições
Internacionais e Copas do Mundo, constituem uma das políticas públicas dominantes utilizadas
para reestruturar e reconstruir áreas urbanas ao redor do mundo, ao permitirem a coligação de
diferentes agentes políticos e econômicos para galvanizar grandes projetos e facilitar a adoção de
políticas públicas. Recentemente, tais eventos foram caracterizados como mais do que
catalisadores para o desenvolvimento imobiliário, mas sim como poderosos agentes indutores no
processo de reconfiguração da cidade, promovendo a implementação de políticas públicas
orientadas para atender a interesses econômicos específicos.
Por meio de sua capacidade de gerar uma sensação de urgência, os megaeventos criam condições
únicas e excepcionais que facilitam e aceleram a realização de projetos urbanos de larga escala.
Um projeto olímpico em especial encarna as complexas dinâmicas de reconfiguração urbana
impulsionadas por tais eventos, trata-se do projeto de revitalização do distrito portuário do Rio
de Janeiro, chamado Porto Maravilha. O processo de revitalização foi facilitado por intervenções
políticas extraordinárias, inovações financeiras e decretos legais que passaram em circunstâncias
excepcionais, justificadas pela necessidade de cumprir com as promessas feitas ao COI 5 na
proposta original apresentada de cidade candidata, que tornou-se obrigatório após a escolha da
cidade como sede das Olimpíadas de 2016 (SÁNCHEZ; BROUDEHOUX, 2013).
3.1. Contextualização
Estabelecido em um grande aterro formado em uma enseada na costa ocidental da Baía da
Guanabara pelo prefeito Pereira Passos em 1906, o porto do Rio de Janeiro se desenvolveu como
um porto de mercadorias e cargas. Caracterizado pela presença de muitos armazéns, galpões e
silos para estocagem de produtos agrícolas, ao início do século XX era o principal entreposto
comercial do país (CRUZ, 1999).
Situado no coração da região metropolitana e ao norte do centro, este vasto distrito foi de grande
importância econômica, cultural e política na história carioca. O porto foi o local de início da
colonização da cidade e a partir de onde ela se expandiu e se desenvolveu, sendo particularmente
relevante historicamente, possuindo grande simbolismo social e cultural. Sua origem está
intrinsicamente relacionada à história do Rio de Janeiro e guarda exemplos marcantes da
evolução econômica da cidade e do país. A região do entorno é bastante diversa, com bairros que
possuem vida própria, marcados pela dinâmica social, econômica e política, berço de elementos
símbolos de nossa cultura e palco de importantes lutas por direitos sociais e liberdade
(GOULART, 2011).
A história do porto do Rio se confunde com a da cidade e a importância e significado de sua
revitalização são melhores compreendidos quando situados dentro do contexto de
4
Waterfront: optou-se por adotar no texto esta denominação no idioma original em inglês, por ser um termo genérico que
abrange terras urbanizadas limítrofes a um corpo d´água e que não encontra correspondente em português.
5
Comitê Olímpico Internacional.
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desenvolvimento do Rio de Janeiro. Os períodos de crescimento, auge e decadência, assim como
o atual momento de redescoberta e renascimento estão intrinsicamente relacionados. As
dinâmicas urbanas, econômicas e políticas que ocorreram na segunda metade do século XX nos
cenários local, nacional e mundial, refletiram na ocupação e composição urbanística da cidade.
A busca pela vida frente ao mar impulsionou o fluxo das classes superiores do centro em direção
às praias da Zona Sul, deixando-o carente de residentes abastados, o que impactou
profundamente o comércio local. Em 1960, o Rio de Janeiro perdeu seu status como capital do
país e a transferência de funções do governo para Brasília afetou profundamente a atividade
econômica da cidade, deixando para trás um grande número de edifícios federais vagos.
A partir da década de 1970, a modernização na indústria naval e o advento dos containers
tornaram as antigas instalações do porto de mercadorias obsoletas. A conteinerização transferiu o
restante das atividades industriais e portuárias para instalações mais modernas situadas mais
adentro da Baía e para o porto de Sepetiba. O distrito portuário, antes próspero e movimentado,
passou por um acelerado processo de deterioração e sofreu grave declínio econômico e
despovoamento. Com algumas exceções, os antigos armazéns e edifícios ao longo do porto
foram abandonados e encontram-se hoje ociosos, desocupados e em vários estágios de
deterioração e ruína. As ruas e construções deterioradas apresentam um ar característico de
abandono e decadência, cenário propício para a ocorrência de diversas mazelas sociais.
Ao longo das décadas seguintes, a falta de investimento público e uma atitude de tolerância ou
descaso, exacerbaram a degradação urbana e o aumento da marginalidade e violência, e o
despovoamento da área abriu espaço para invasões (ACIOLY, 2001). Ao longo de sua história,
os níveis de renda média da zona portuária, educação e emprego eram substancialmente mais
baixos do que no restante da cidade. Ainda hoje, ele possui uma das mais altas concentrações de
invasões e moradores sem-teto do Rio de Janeiro (SÁNCHEZ; BROUDEHOUX, 2014).
De acordo com Amsler (2011), ao identificar o potencial de desenvolvimento da área, diversas
gestões municipais buscaram revitalizar o porto, sem sucesso. Porém, a escolha da cidade como
sede das Olimpíadas de 2016, criou uma situação de excepcionalidade e urgência, com um
alinhamento das três esferas de poder, gerando uma oportunidade única para um projeto de
revitalização finalmente ser lançado no local.
3.2. Porto Maravilha
O Porto Maravilha é um projeto sem precedentes na história da cidade do Rio de Janeiro, tanto
pelo seu escopo e escala, afetando cinco bairros do centro da cidade, quanto pelo seu custo,
estimado em cerca de R$ 8 bilhões em obras de infraestrutura e reurbanização. Pretende-se
transformar 5 milhões de metros quadrados de habitações desvalorizadas e edifícios industriais
abandonados em torres residenciais e de escritórios de alto-padrão. A zona portuária seria um
distrito de classe mundial, com uso misto de moradia, trabalho e entretenimento, configurando o
maior projeto de revitalização urbana já realizado na América Latina (AMSLER, 2011).
O projeto de revitalização incorpora características comumente vistas nos paradigmas de
revitalização de waterfronts no mundo. Museus de arte e ciências e um novo terminal de navios
de cruzeiro irão ancorar o projeto, enquanto docas e armazéns serão convertidos para fins de
entretenimento e consumo. O projeto pretende quadruplicar população atual da região de 25.000
habitantes e aumentar a capacidade do porto de 50.000 para 2 milhões de passageiros anuais. A
criação de um novo centro de entretenimento com instalações turísticas modernas e serviços
culturais visa formar a nova face internacional do Rio de Janeiro (CDURP, 2014).
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A área está situada junto à baia de Guanabara e delimitada pelas Avenidas Presidente Vargas,
Rodrigues Alves, Rio Branco e Francisco Bicalho, cujo perímetro compreende quatro bairros:
Caju, Gamboa, Saúde e Santo Cristo e setores de outros bairros do entorno. A região foi dividida
internamente em 14 setores e 30 subsetores com regulações urbanísticas específicas, como
densidade, padrões de ocupação, gabarito e coeficiente de aproveitamento do terreno. No total, a
operação urbana abrange uma área superior a 500 hectares.
Figura 1 – Mapa de localização dos bairros e limites da área de intervenção urbana. Fonte: CDURP, 2014.
O plano diretor do Porto Maravilha trata-se uma legislação prescritiva, que define os parâmetros
urbanísticos, construtivos, técnicos, premissas de utilização do solo e outros para a área da OUC
e inclui algumas inovações do ponto de vista do planejamento urbano e construções sustentáveis.
O programa básico de ocupação da área, também chamado de “projeto estrutural”, compreende
grandes obras de infraestrutura viária, mobilidade, reconstrução de redes de saneamento e
enterramento da fiação elétrica. O programa prevê alterações expressivas no tecido urbano, com
a alteração do uso do solo para zonas de uso misto, normas construtivas específicas, reconstrução
da infraestrutura urbana, novos equipamentos públicos, recomposição e aumento de áreas verdes.
As obras viárias representam a maior parte dos investimentos em infraestrutura, destacando-se a
demolição do viaduto da Perimetral e sua substituição por um túnel e pela nova via Binário do
Porto, a transformação da atual Avenida Rodrigues Alves em via expressa e construção de mais
4 km de túneis. Entre demais obras de mobilidade urbana, estão previstas a construção de 30 km
de vias para Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e novos corredores de ônibus (BRT). Estas
alternativas aos automóveis são fundamentais para suprir a demanda por transporte público e
reconectar a região aos demais bairros do entorno, criando uma nova centralidade para a cidade.
3.3. Políticas Públicas
O Estatuto da Cidade, criado pela Lei Federal nº 10.257/2001, institucionalizou diversas políticas
públicas e instrumentos voltados ao desenvolvimento urbano, como Operações Urbanas
Consorciadas (OUC), Parcerias Público-Privadas (PPP) e Certificados de Potencial Adicional de
Construção (CEPAC), entre outros. O desenvolvimento de uma operação urbana, comparado
com as condições básicas de zoneamento, apresenta a premissa de permitir a utilização do
potencial adicional de construção e proporcionar benefícios indiretos aos empreendedores e à
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população em geral, pela infraestrutura executada com recursos provenientes de outorga onerosa.
Em seu Artigo 32, o Estatuto das Cidades define Operação Urbana Consorciada como:
“Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação
dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores
privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.”
O marco inicial do projeto Porto Maravilha foi a aprovação em novembro de 2009, pela Câmara
do Vereadores, da Lei Municipal Complementar nº 101, que instituiu a Operação Urbana
Consorciada – OUC6, e delimita a Área de Especial Interesse Urbanístico da Região do Porto do
Rio de Janeiro – AEIU. A Lei que criou o Porto Maravilha, sucintamente, altera drasticamente as
disposições do Plano Diretor Municipal e suas diretrizes urbanísticas e construtivas dentro da
zona da OUC. Segundo o Art. 2° da referida Lei, seu escopo compreende um conjunto de
intervenções urbanísticas estruturais com o objetivo de:
“[...] promover a reestruturação urbana da AEIU, por meio da
ampliação, articulação e requalificação dos espaços livres de uso público
da região do Porto, visando à melhoria da qualidade de vida de seus
atuais e futuros moradores, e à sustentabilidade ambiental e
socioeconômica da região.”
Em complemento à legislação que criou o Porto Maravilha, a Lei Complementar nº 102/2009,
instituiu a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro –
CDURP. Empresa de sociedade mista, controlada pelo Município e responsável pela gestão do
projeto. Entre outras disposições, seus objetivos específicos são “coordenar, colaborar, viabilizar
ou executar, a implantação de concessões ou outras formas de associação, parcerias, ações e
regimes legais que promovam o desenvolvimento da AEIU”.
De acordo com Carvalho apud Czimmermann (2013), a OUC do Porto Maravilha é estruturada
como uma parceria público-privada (PPP) entre o poder público (Município) e a iniciativa
privada, os quais “aliam condutas e esforços em busca de um objetivo comum, de acordo às
diretrizes previstas pela Lei Federal e em prol do interesse da coletividade”. Esta constitui a
maior parceria público-privada na história brasileira (MARCHESIN; MONETTI, 2013).
A CDURP (2014) é encarregada da gestão do projeto e grande parte da execução das obras foi
contratada à Concessionária Porto Novo, empresa de sociedade mista formada pelas empreiteiras
OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia, que venceu a licitação do projeto no valor de 7,6 bilhões
de Reais por 15 anos de concessão. O escopo de responsabilidades do consórcio inclui a
engenharia e construção da infraestrutura, melhoria da paisagem urbana e execução de serviços
como limpeza e iluminação. A OUC será considerada finalizada quando forem concluídas todas
as intervenções previstas no programa básico de intervenções, no prazo máximo de trinta anos a
partir da publicação da Lei 101/2009.
A legislação municipal que criou o Plano Diretor do Porto Maravilha 7, entre outras disposições,
autorizou o aumento do potencial construtivo, mediante pagamento de contrapartida por meio da
6
Art. 233-A. Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de
alcançarem transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.
7
Artigos 233-B, 233-C e 233-D da Lei Complementar 101/2009.
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Outorga Onerosa do Direito de Construir, assim como, admissão de usos não permitidos para o
local, pela Outorga Onerosa de Alteração de Uso. A contrapartida em ambos os casos, será a
compra de CEPACs, ou Certificados de Potencial Adicional de Construção.
Os CEPACs surgiram como parte do Estatuto da Cidade e têm sido usados em várias operações
urbanas, especialmente na cidade de São Paulo. CEPACs são títulos públicos que outorgam
direitos de construção acima dos limites estabelecidos por legislação dentro do distrito de
intervenção designado. Estes títulos públicos são emitidos pelo município, negociados
livremente no mercado de ações e submetido à especulação. A valorização e comercialização
destes títulos constitui a principal fonte de recursos para as obras de infraestrutura.
Incorporadores privados deverão comprar os títulos para obterem direitos de construção dentro
do distrito de intervenção urbana designado. Cada CEPAC equivale a uma quantidade definida
de área construída, que varia de acordo com o tipo de uso e local da edificação.
4.
ANÁLISE E DISCUSSÃO
Neste capítulo serão discutidas e analisadas as políticas públicas adotadas na AEIU, sob a ótica
da sustentabilidade que envolve os aspectos social, econômico e ambiental, com o objetivo de
dimensionar os impactos gerados pela OUC na área de intervenção com foco no mercado
imobiliário local. Para efeito de delimitação do tema, o estudo irá se concentrar principalmente
nas áreas de intervenção direta da OUC, que possuem comercialização de CEPACs e onde
haverão significativas modificações da configuração urbana. Estas áreas serão as primeiras do
Porto Maravilha a serem desenvolvidas e estão destacadas na Figura 2, conforme abaixo:
Figura 2 – Áreas de comercialização de CEPAC e nova configuração urbanística. Fonte: CDURP, 2014.
4.1. Ambiental
Após a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 em 2009, uma série de
políticas públicas e leis municipais começaram a tomar forma na cidade, no sentido de incentivar
a sustentabilidade. Foi criada a Política Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento
Sustentável, que busca atender aos Princípios de Desenvolvimento Sustentável, baseado nos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, na legislação estadual sobre o tema e na
Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei Federal nº 12.187/ 2009).
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Prevendo o grande número de novas construções no local, o Plano Diretor do Porto Maravilha
(Lei 101/2009), adotou uma série de premissas de sustentabilidade. O Programa Básico de
Ocupação, em sua Seção III do Capítulo III da Lei 101/2009, aborda o tema da “Sustentabilidade
Ambiental e Energética” e estabelece exigências e padrões construtivos específicos, uso e
ocupação do solo e tipologias de acordo com os subsetores dentro do perímetro da OUC, com
exigências distintas do restante da cidade. Este item da Lei, na busca de redução de e/ou
neutralização da emissão de Gases de Efeito Estufa e sustentabilidade, determina algumas
estratégias macro que deverão ser adotadas nas novas construções, tais como:
– Redução no consumo de água potável e reaproveitamento de águas pluviais e servidas;
– Eficiência energética e/ou geração local de energias renováveis;
– Aquecimento solar de água;
– Uso de telhados verdes e/ou reflexivos;
– Maximização da ventilação e iluminação natural;
– Uso de materiais com certificação ambiental;
– Facilidade de acesso e incentivo ao uso de bicicletas.
Segundo o § 1.°, o primeiro princípio a nortear o planejamento da OUC seria a priorização do
transporte coletivo sobre o individual. A reestruturação da rede viária e a reconfiguração do
tecido urbano deverão permitir melhor e mais intensa mobilidade, por meio de sistemas de
transporte público e “alternativos” como bicicletas. Em relação ao urbanismo, a referida Lei
aborda algumas premissas em prol da qualidade e sustentabilidade urbana, em consonância com
o modelo de “cidade compacta”. As diretrizes preveem o aumento da densidade de ocupação,
verticalização de áreas específicas, prioridade ao uso residencial, uso misto de atividades,
criação de vias exclusivas para pedestres e ciclovias, instalação de bicicletários, valorização de
espaços públicos e aumento de áreas verdes, entre outros.
A relação das edificações com o entorno é contemplada pela presença de comércio e serviços no
térreo, que visam criar “fachadas ativas”, proporcionando diferentes usos no mesmo edifício. A
redução de vagas de estacionamento por área construída, limitação da área útil por unidade de
apartamento a 80 m² e restauração e reconversão de imóveis de valor histórico, criam padrões e
exigências de modo a dinamizar a diversidade social, desestimular o uso de automóveis e
promover a reconversão do patrimônio histórico.
A exigência de recuos frontais e laterais mínimos, de modo a propiciar ventilação e iluminação
naturais, e distribuição gradativa de gabaritos máximos para preservar as vistas aos morros do
entorno estabelecem uma relação mais amigável com o entorno e menos impacto na paisagem.
Destaca-se a ausência de referências quanto ao percentual mínimo exigido de áreas permeáveis
no terreno, índice que fica a cargo do órgão municipal de drenagem de águas pluviais.
Segundo o Art. 17 da Lei 101/2009, buscando a promover a diversidade de tipologias, o uso
misto de atividades, comercial/residencial, é permitido em uma mesma edificação ou lote, desde
que possuam acessos independentes. Não há limitação para transformação de usos e atividades,
podendo ser alterada a destinação de qualquer tipo de edificação, desde que atendidas as
condições estabelecidas em legislação, prevê inclusive, a modificação irrestrita de uso das
edificações existentes. Esta flexibilidade poderia propiciar a renovação de imóveis antigos que já
não teriam o mesmo uso. Caberá ao Poder Executivo regulamentar as atividades permitidas, bem
como as restrições específicas para cada tipo de atividade.
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4.1.1. Qualiverde
Em outra Política Pública em prol da sustentabilidade do ambiente construído, a Prefeitura do
Rio, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), instituiu uma certificação própria
para construções sustentáveis, denominada “Qualiverde”. Formulada com o objetivo de
“incentivar empreendimentos que contemplem ações e práticas sustentáveis destinadas à redução
dos impactos ambientais”. As ações visam principalmente a redução das emissões de GEE, ao
otimizar a eficiência energética das construções por meio de soluções passivas.
Instituído pelo Decreto nº 35.745/20128 e tendo como principal fundamento a Lei da Política
Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável 9, é a primeira certificação
ambiental criada e concedida pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O decreto determina os critérios
ou práticas para a obtenção do selo, cujas exigências possuem escopo abrangente e contemplam
desde a etapa de planejamento, execução da obra até a operação do edifício. O programa é
complementado por um conjunto de leis que incluem benefícios fiscais e edilícios para os
empreendimentos qualificados. A prefeitura foi pioneira no país ao criar uma certificação própria
para construções sustentáveis e estabelecer critérios de qualificação, indo além da prática de
isenção de impostos para ações específicas.
Cabe ressaltar que o selo Qualiverde não é obrigatório no distrito do Porto Maravilha e abrange
toda a área do município. A qualificação é opcional e aplica-se a projetos de edificações novas e
existentes, de uso residencial, comercial, misto ou institucional. Trata-se de uma forma
simplificada de certificação ambiental para edificações, com a metodologia baseada no selo
norte-americano LEED – Leadership in Energy and Environmental Design. Cada ação específica
equivale a uma pontuação pré-estabelecida, cuja soma classifica o edifício na categoria
Qualiverde (70 pontos) ou Qualiverde Total (100 pontos).
Como incentivo, a Prefeitura oferece benefícios fiscais, como descontos em tributos como o
Imposto Sobre Serviços (ISS) para a construtora durante a obra, desconto do Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para o
proprietário final. A Prefeitura determina também a tramitação prioritária no licenciamento de
projetos que obtiverem a qualificação.
A avaliação dos projetos e obras, vistoria e emissão do certificado ficarão a cargo de um Grupo
de Trabalho previsto no Art. 6°, do referido Decreto, formado por representantes das Secretarias
de Urbanismo e Meio Ambiente. Se aprovado, o projeto recebe o licenciamento para execução
junto com as exigências do selo a serem cumpridas, e após finalizada a obra, as ações de
sustentabilidade seriam verificadas e a certificação concedida. O proprietário teria que renovar o
selo a cada três anos, comprovando que as características originais permanecem (ROLIM, 2012).
No caso de edifícios existentes, as estratégias devem incorporar toda a edificação e o lote em que
está inserido. Muitos autores consideram que o projeto mais sustentável é a renovação de um
edifício existente, ainda mais se este estiver bem conectado aos transportes e serviços públicos
existentes, trazendo novos usos à uma construção que poderia ter chegado ao fim de sua vida
útil. Os projetos que optarem pelo retrofit receberão uma bonificação de 15 Pontos, no entanto,
dadas as condições particulares do Porto Maravilha como patrimônio histórico e solos instáveis,
nem todos os projetos seriam adequados para reutilização em tal contexto.
8
9
Decreto nº 35.745, de 06 de junho de 2012, cria a qualificação QUALIVERDE e estabelece critérios para sua obtenção.
Lei nº 5.248 de 27 de janeiro de 2011, institui a Política Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável.
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Em alguns critérios, a adoção de práticas obrigatórias presentes no Código de Obras Municipal,
representam bonificação para o empreendimento. Como exemplo, o uso de medidores
individuais de consumo de água, previsto na Lei Complementar nº 112/2011 e Decreto nº
34.771/2011; sistema de reuso de águas servidas, segundo a Lei nº 5.279/2011 e aproveitamento
de águas pluviais, em cumprimento da Lei nº 5.279/2011. Nos casos em que a legislação já é
atuante, trata-se apenas do cumprimento da legislação, sem apresentar qualquer inovação em
relação à outra edificação aprovada pela Prefeitura. A certificação deveria determinar como
mandatória a observação destas, ao invés de pontuar ações que são obrigações do construtor.
Por outro lado, alguns critérios sobrepõem-se à legislação municipal, reconhecendo a
necessidade de complementa-la, adotando requisitos mais rígidos em relação às demais
edificações. Dentre estes itens, pode-se ressaltar a ampliação de áreas permeáveis além do
exigido por lei; estudos de orientação solar prevendo sombreamento e ventilação natural e
afastamento das divisas e embasamento, mesmo que a legislação vigente permita o não
afastamento. A adoção dessas estratégias de projeto e soluções passivas poderia provocar
impacto significativo na morfologia do ambiente construído e qualidade urbana.
A intenção do Poder Público ao criar um selo de sustentabilidade é obter um embasamento
técnico e jurídico que justifique a concessão de incentivos e benefícios que possam, de fato,
promover uma política ambiental e alcançar seus objetivos. Porém, seu principal atrativo perante
os empreendedores privados, os benefícios fiscais e edilícios por possuir a certificação, ainda não
estão atuantes. Dois anos após sua instituição em junho de 2012, o selo Qualiverde ainda espera
por medidas que lhe deem efetividade. Enquanto o Decreto que criou a certificação está valendo
plenamente desde sua instituição, o pacote de incentivos composto por um Projeto de Lei (PL n.
1.415/2012) que trata dos benefícios fiscais e um Projeto de Lei Complementar (PLC n.
88/2012) que cuida dos benefícios edilícios estão em tramitação há dois anos na Câmara dos
Vereadores, impossibilitando aos interessados obterem os benefícios fiscais decorrentes do selo.
De acordo com Guimarães (2013), outra questão em relação à efetividade do selo é o controle
efetivo sobre a real aplicabilidade das técnicas previstas no projeto e a execução da obra. As
propostas legislativas referidas acima abordam de maneira superficial e tecnicamente inadequada
a previsão de auditorias de concessão e renovação periódica do selo, tratando-se de uma falha em
termos de controle de qualidade e de processos, o que poderia comprometer seriamente a
credibilidade da certificação. A observação do cumprimento destas medidas tem se tornado
objeto de estudos e até o momento não se tem notícia ou não é divulgado, sobre os resultados
efetivamente comprovados da aplicação dos itens determinados na legislação. O que leva à
criação de mais leis e decretos que não possuem aplicação prática, por falta de corpo
administrativo do poder público para exigir e fiscalizar a aplicação dos critérios mandatórios.
O devido suporte técnico-jurídico oferecido ao Poder Público revelou-se ausente ou insuficiente
para a elaboração do Decreto. Portanto, torna-se premente a necessidade de recorrer a
profissionais devidamente qualificados, de modo que a criação de um selo de sustentabilidade
não ocorra sem o devido suporte e embasamento técnico e jurídico, em relação ao quesito de
controle de sua validade, tornando-a inócua (GUIMARÃES, 2013). Embora esta qualificação
seja um passo do governo na direção correta em alinhamento com as novas necessidade da
sociedade e do mercado, a adoção de mais um sistema de certificação poderá criar novas
demandas e custos que a prefeitura poderá não ter condições de arcar devidamente. A validade e
credibilidade do selo terá que ser comprovada com o tempo, ou poderá tornar-se apenas mais um
instrumento burocrático sem grande resultado prático e efetivo na obtenção de seus objetivos.
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4.2. Econômico
A sustentabilidade econômica do projeto Porto Maravilha é um fator fundamental para a
viabilidade e a própria existência do projeto, cujo financiamento depende diretamente dos
recursos obtidos pela venda de CEPACs emitidos pela prefeitura. Um dos principais objetivos do
CEPAC é capturar antecipadamente a valorização imobiliária criada pela revitalização e com
estes recursos, financiar grande parte das obras de infraestrutura e serviços, estimados em 8
bilhões de Reais. Os objetivos do projeto deverão ser atendidos em toda a AEIS, independentes
se são áreas de comercialização de CEPACs ou não, estes serão negociados livremente até que
seus direitos sejam vinculados a um projeto de edificação para um lote específico.
O conceito financeiro do projeto Porto Maravilha foi estruturado com a venda de 100% dos
CEPACs em um único lote, ao custo de 3,5 bilhões de Reais para o FGTS, fundo administrado
pela Caixa Econômica Federal, que serão posteriormente revendidos em uma série de leilões na
BOVESPA durante os próximos anos. Os recursos obtidos, após a esperada valorização, serão
empregados no pagamento dos custos da OUC, como intervenções previstas no programa básico
de ocupação, aquisição de terrenos, atendimento socioeconomico da população afetada,
pagamento de empréstimos ou valores garantidos, custódia e administração (CDURP, 2014).
Segundo Smolka (2001), este método de “Captura de Valor” refere-se ao processo pelo qual a
totalidade ou parte da valorização dos terrenos atribuída às melhorias, são recuperadas pelo
poder público. A valorização pode ser capturada indiretamente por meio da conversão em
receitas públicas como impostos, taxas ou outros meios fiscais, ou diretamente por meio de
investimentos no local. Este instrumento de captura de valor não é recente e possui diversos
exemplos no Brasil e no mundo, porém é inédito no Rio de Janeiro e destaca-se pela sua escala,
abrangência e prováveis impactos, assim como pelos riscos envolvidos.
Os CEPACs também podem ajudar a aumentar a confiança e o interesse de potenciais
investidores ao reduzir os riscos financeiros. De posse destes títulos, empreendedores privados
poderão construir além dos limites estabelecidos e maximizar o uso da terra para aumentar sua
margem de lucro. O aproveitamento do potencial construtivo adicional pelo projeto arquitetônico
é fundamental para a realização de um imóvel com valor final compatível, compensando o
empreendedor pelo custo da outorga onerosa.
A conversão dos CEPAC em direito de construir será diferenciada segundo faixas de
equivalência, delimitadas previamente no projeto de acordo com subsetores da AEIU. O total do
estoque de potencial construtivo adicional está limitado a 4.089.500 m 2 (§6.°, Art. 36, Lei
101/2009). No Porto Maravilha, os CEPACs representam o direito de construir acima de seis
pavimentos (18 m ou limite legal de altura) e poderão ser construídas edificações até o
Coeficiente de Aproveitamento Máximo do terreno, que chega a até 12. Os setores de maior
densidade construtiva e gabarito serão ao longo da Avenida Francisco Bicalho e no entorno da
Praça Mauá, chegando a 50 pavimentos ou 150 metros.
De acordo com Magalhães (2011), os direitos de construção são considerados excessivos,
ampliando as receitas municipais ao custo de intensa verticalização e transformação radical da
fisionomia local. Os recursos da comercialização dos CEPACs são advindos da concessão de um
bem público, ou seja, o direito de construir. Segundo esta interpretação, os recursos na verdade
são públicos e como tal devem ser rigorosamente aplicados, evitando-se o desperdício e visando
atender aos interesses da população e não somente a um setor específico, no caso o imobiliário.
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Entretanto, para Smolka (2013), ferramentas de captura de valor como os CEPACs constituem
um instrumento legal para a obtenção de recursos para grandes intervenções urbanas e permitem
a obtenção de financiamento imediato, antes da implantação das referidas melhorias.
Representam também uma oportunidade para os governos municipais captarem uma fatia maior
de retorno, capitalizado em valorização da propriedade privada como resultado das melhorias
adjacentes, do que com os impostos de propriedade ou taxas convencionais.
No processo de captação de recursos, os beneficiários diretos (proprietários e investidores)
seriam também os financiadores do projeto, cabendo à sociedade como um todo usufruir dos
espaços públicos resultantes da revitalização. Segundo Amsler (2011), esta estratégia constitui
uma alternativa viável, pois a base de receitas do governo municipal é insuficiente para cobrir os
altos custos da intervenção, e os valores imobiliários são altamente sensíveis a investimentos em
infraestrutura e crescimento econômico. Projetos de obras públicas, como construção de ruas ou
linhas de transporte de massa, produzem benefícios que são imediatamente capitalizados na
valorização de terrenos e imóveis próximos.
Toda a estruturação e planejamento financeiro do projeto residem no otimismo acerca da
valorização e comercialização dos CEPACs, decorrentes do interesse do mercado imobiliário em
investir na região. Entretanto, externalidades muito mais complexas e de difícil previsão também
devem ser consideradas. A expectativa dominante à época do lançamento do projeto em 2009 era
que o crescimento da economia e a chegada de novas empresas multiplicariam a demanda por
edifícios corporativos no local, porém, a dinâmica econômica nacional tomou rumos distintos.
O mercado imobiliário é um reflexo direto da situação econômica do país e altamente volátil a
condições adversas e pressões externas. O segmento de imóveis comerciais, em particular,
depende de grandes empresas realizando investimentos e confiança no futuro da economia, e
neste caso, correspondem à maior fatia de compra de CEPACs. A desaceleração da economia e a
piora das perspectivas futuras tiveram reflexo direto no setor imobiliário comercial, o maior
financiador do projeto (EXAME, 2014). A situação atual pode ter reflexos imediatos na captação
de recursos que afetem a execução das obras de infraestrutura, entretanto, por este ser um projeto
de longo prazo (30 anos), as circunstâncias econômicas atuais não podem ser consideradas como
fatores determinantes para o fracasso do projeto, pois podem ser alteradas num futuro próximo.
4.3. Social
No Brasil, após a criação do Ministério das Cidades em 2003, as políticas urbanas e
habitacionais passam a ser planejadas de forma descentralizada. A prática do urbanismo é dever
legal e responsabilidade do poder municipal, ao qual cabe o papel de detentor das decisões de
planejamento, estratégias e do projeto de cidade. Com o objetivo de combater as desigualdades
sociais e melhorar a qualidade de vida, o Ministério das Cidades foca suas políticas em promover
o acesso à moradia para a grande parcela da população “excluída da cidade formal” (SILVA;
ROMERO, 2011).
Porém, segundo Bugs (2004), as ações raramente são executadas conforme suas concepções de
criação e promoção pelos órgãos públicos de planejamento urbano. O Município possui
capacidade de ação limitada frente aos atores que possuem interesses vinculados ao território e
muitas vezes, atuam somente de forma reativa, como resposta às demandas do setor imobiliário e
às ocupações irregulares.
Sob esta perspectiva histórica de desenvolvimento urbano, o projeto do Porto Maravilha se
contrapõe à realidade dominante pela abordagem distinta deste padrão, pelo menos dentro de seu
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arcabouço jurídico. Conforme determinado pela Lei 101/2009, existe o compromisso de
transparência do processo decisório e controle com representação da sociedade civil, por meio de
processos participativos, com a cooperação dos proprietários, moradores, usuários e investidores
privados, segundo termos do Estatuto da Cidade e observando os princípios da Agenda 21, com
o objetivo de elaborar planos de desenvolvimento sustentáveis locais (Art.31, Lei 101/2009).
Entretanto, a efetividade da participação popular no processo de tomada de decisões é fragilizada
pela discrepância entre os poderes e interesses do setor privado e a população local. Existe o
risco de a população local tomar o papel de coadjuvante no processo decisório de transformação
urbana. Como exemplo, sobre a implosão do Elevado da Perimetral, não se obteve um consenso
acerca da participação popular sobre sua demolição10 (CZIMMERMANN, 2013).
Independente da condução legal deste processo decisório, pode-se assumir que a população local
não é suficientemente informada da magnitude dos problemas acarretados pelos grandes
elevados urbanos, focando somente nos transtornos transitórios decorrentes da sua demolição.
Porém, as inúmeras possibilidades e oportunidades de melhoria da qualidade de vida e
valorização do ambiente urbano justificam sua remoção, como permitir novamente o acesso da
população à Baia da Guanabara e o grande impacto ambiental positivo gerado no entorno.
Em relação ao patrimônio, segundo o § 4.° da Lei 101/2009, o entorno dos bens tombados e
protegidos deverá ser priorizado quanto à realização de investimentos, visando sua recuperação,
melhoria de acesso e valorização como patrimônio histórico e turístico. A paisagem e ambiente
urbano e os patrimônios culturais material e imaterial seriam valorizados, de modo a evitar a
descaracterização de setores e imóveis cultural e historicamente relevantes, incentivando a
restauração e reconversão para usos compatíveis com seus objetivos 11.
Entre as intenções neste sentido previstas na Lei Complementar 101/2009, o Artigo 36 § 7º
determina investir 3% dos recursos auferidos da venda de CEPACs na valorização e recuperação
do patrimônio histórico e cultural dentro da área da OUC. Segundo o § 3.°, as áreas atualmente
habitadas seriam restauradas e preservadas de novas construções e atividades econômicas que
possam alterar suas características originais. Os edifícios históricos ou arquitetonicamente
relevantes, mesmo que não sejam tombados, poderiam ser incorporados às novas construções ou
adaptados a novos usos. Nas áreas predominantemente residenciais, serão vetadas quaisquer
atividades geradoras de poluentes, ruído ou circulação excessiva, de modo a preservar as
características tradicionais e o modo de viver da população “autóctone”.
A construção de unidades de HIS está autorizada em todos os setores dentro dos limites da OUC
(art. 29, § 1º). A delimitação de Áreas de Especial Interesse Social 12 (AEIS) visa a inclusão de
programas de urbanização e produção de moradias para a população de baixa renda. A execução
de projetos de Habitação de Interesse Social (HIS) dentro da área da OUC será realizada com a
destinação de 10% das receitas arrecadadas com a venda de CEPACs (Art. 36, Lei 101/2009).
A prioridade é o atendimento à população desapropriada em AEIS, que seriam objeto de
melhorias com implantação de infraestrutura e regularização fundiária. A meta é a construção de
10
O termo está disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BxSgcH3QIaqxa3NQQmhINkI5d0E/edit>.
Palacete D. João VI, edifício “A Noite”, sede do Touring Club, Estação Marítima de Passageiros, armazéns de 1 a 6 do Cais do
Porto, edifício da Imprensa Nacional, Terminal Mariano Procópio, depósito da Biblioteca Nacional entre outros.
12
De acordo com o plano diretor carioca - Art. 70, parágrafo único, inciso II: “Área de Especial Interesse Social - AEIS é aquela
destinada a Programas Habitacionais de Interesse Social – HIS, destinados prioritariamente a famílias de renda igual ou inferior a
seis salários mínimos, de promoção pública ou a ela vinculada, admitindo-se usos de caráter local complementares ao residencial,
tais como comércio, equipamentos comunitários de educação e saúde e áreas de esporte e lazer (...)”. Os artigos 205 a 209
regulamentam as AEIS.
11
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2.200 unidades de HIS em conjuntos de no máximo 200 unidades, distribuídas por toda a área de
intervenção. As HIS preveem diversas “soluções habitacionais”, cujas estratégias seriam a
desapropriação e readequação de imóveis em situação fundiária irregular, degradados ou
abandonados, assim como utilização de edifícios públicos para esta finalidade (CDURP, 2014).
Segundo Galiza (2011), os planos originais prometiam a construção de 20.000 unidades de HIS
na área, no entanto, os planos subsequentes reduziram a quantidade planejada de HIS para
apenas 500 unidades, que deverão ser localizadas na periferia ocidental do projeto, perto da
estação ferroviária Central do Brasil, onde a terra é mais barata e é menos provável que a
habitação social venha a desvalorizar os principais locais onde haverá comercialização de
CEPACs. Em agosto de 2013, a prefeitura admitiu que os CEPACs seriam privilegiados para o
uso comercial sobre o uso residencial, portanto, permanece incerta a quantidade de habitações de
alta ou baixa renda serão realmente construídas (SÁNCHEZ; BROUDEHOUX, 2014).
5.
CONCLUSÃO
O padrão de expansão horizontal ilimitado das cidades não pode mais ser sustentado, assim
como, o predomínio do pensamento único de rentabilidade a curto prazo por parte de empresas e
da indústria da construção civil, com uma abordagem de crescimento às custas do meio
ambiente, já não pode ser justificado. Os governos não podem mais manter uma atitude passiva e
devem intervir no mercado para promover práticas de urbanismo e construção sustentáveis.
O processo de urbanização no Brasil está comumente associado a uma forte pressão de interesses
privados para o fornecimento, por parte do poder público, de terrenos urbanizados em setores
bem localizados. A urbanização resulta em valorização significativa dos terrenos, que então é
distribuída de forma desigual entre os proprietários e demais interessados. As políticas públicas e
outros instrumentos fiscais convencionais, em grande parte, promovem a socialização dos custos
da infraestrutura e serviços urbanos e a privatização de seus benefícios.
No Rio de Janeiro, as leis e políticas ambientais da Prefeitura Municipal indicam que a cidade
está atenta às demandas e necessidades da sociedade pós-industrial e constituem grandes passos
na direção de assumir a responsabilidade e os riscos decorrentes das ações antrópicas e a tomar
atitudes no sentido de mitigar ou remediar os efeitos adversos da mudança climática, além de
prever a inclusão social e participação popular no processo de tomada de decisões. Entretanto, ao
não estabelecer mecanismos eficazes de fiscalização ou itens mandatórios, as políticas públicas
tratam-se apenas de uma série de cartas de intenções, tornando a realização dessas metas algo
improvável de acontecer simplesmente pela publicação de leis ou pela livre iniciativa do
mercado, ainda que pressionados pelas demandas da sociedade.
As políticas públicas que determinam a redução dos gases de efeito estufa e a proposta do selo
Qualiverde, possuem potencial para reduzir os impactos gerados pelo setor da construção civil e
promover técnicas de construções sustentáveis e infraestrutura verde no Porto Maravilha,
consequentemente, auxiliando no desenvolvimento sustentável da cidade. Os itens de
sustentabilidade mandatórios previstos na Lei 101/2009 deverão ser rigorosamente observados
pelos empreendedores e devidamente fiscalizados pelo poder público para serem efetivos.
No caso do selo Qualiverde, embora seja um sistema visionário, simples e inovador, na ausência
de incentivos fiscais, o selo não possui grande apelo e atratividade para o setor privado. A
aprovação dos projetos de lei de incentivos é fundamental para torná-lo realmente efetivo e que
assim, possa cumprir seu objetivo de incentivar empreendimentos que contemplem ações e
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práticas sustentáveis destinadas à redução dos impactos ambientais. Portanto, é necessário tornalo mais atrativo e consistente por meio da aprovação de incentivos fiscais e edilícios, assim como
o desenvolvimento de meios eficazes de fiscalização e auditorias, o que serviria como exemplo a
outras Prefeituras que busquem iniciativas no mesmo sentido.
No cenário futuro, as perspectivas econômicas não são muito otimistas e as dinâmicas externas
terão um papel determinante no andamento do Porto Maravilha a curto e médio prazo. A gestão
transparente do projeto e a execução das obras previstas podem não ser suficientes para atrair o
investidor privado e moradores para a região, pela alto custo para aquisição dos terrenos e
CEPACs. Independentemente da qualidade projetual e de gestão, a execução do projeto somente
é viabilizada pelo investimento direto do setor privado na compra de CEPACs, o que dá margem
para oscilações e riscos inerentes ao mercado de ações e imobiliário, reflexos diretos do cenário
macroeconômico.
A celeridade na aprovação dos processos propiciada pelos megaeventos deve ser vista como uma
oportunidade rara de desenvolvimento, porém não deve justificar a imposição de leis e decretos
que possam estabelecer e reforçar privilégios. A inclusão na Lei da participação de entes da
sociedade civil é um passo importante no reconhecimento de que os atores envolvidos são
discrepantes em interesses e poderio econômico. Existe o risco de focar em atender unicamente
aos interesses da minoria de maior poderio econômico, os investidores privados, relegando a
população local ao papel de coadjuvantes no processo decisório de transformação urbanística.
Portanto, a participação do governo e demais atores da sociedade é fundamental para que o Porto
Maravilha não atenda somente aos interesses da especulação imobiliária e restrinjam os ganhos
para uma pequena parcela da população que possa pagar pelos benefícios da revitalização às
custas da expulsão dos moradores residentes menos favorecidos. Apesar das boas intenções
previstas na lei que criou o Porto Maravilha, a efetividade de sua execução somente poderá ser
comprovada com o acompanhamento próximo da sociedade durante e após a finalização das
intervenções. O projeto de urbanização deve conter elementos atuantes de participação pública e
serem amplamente discutidos com a sociedade para que seus ganhos e benefícios sejam
multiplicados e compartilhados, criando um novo paradigma de sustentabilidade e inclusão.
Página 17 de 20
6.
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RIO DE JANEIRO (Município). Lei Complementar n° 102: Cria a Companhia de
Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro – CDURP e dá outras
providências. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2009.
RIO DE JANEIRO (Município). Lei nº 5.248 de 27 de janeiro de 2011: Institui a Política
Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável, dispõe sobre o
estabelecimento de metas de redução de emissões antrópicas de gases de efeito estufa para o
Município do Rio de Janeiro e dá outras providências.
RIO DE JANEIRO (Município). Lei Complementar nº 112 de 17 de março de 2011: dispõe
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Políticas Públicas Sustentáveis Aplicadas no Porto