UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA COMPARADA
OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO DE CONSTANTINO I (306-326)
DIOGO PEREIRA DA SILVA
Rio de Janeiro
2010
OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO POLÍTICA DE
CONSTANTINO I (306-325)
Diogo Pereira da Silva
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHC/UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em História Comparada.
Avaliada por:
____________________________________________
Profa. Dra. Norma Musco Mendes – Orientadora (PPGHC-UFRJ)
____________________________________________
Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes (PPGHIS-UFRJ)
____________________________________________
Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PPGHC-UFRJ)
Rio de Janeiro
2010
2
SILVA, Diogo Pereira da
Os mecanismos de legitimação de Constantino I (306-325) / Diogo
Pereira da Silva – Rio de Janeiro, 2010. 152(ff.), 31(il.).
Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, Programa de
Pós-Graduação em História Comparada – PPGHC, 2010.
Orientadora: Profª Drª Norma Musco Mendes.
I. 1. História Antiga. 2. História de Roma. 3. Baixo Império. 4. Antiguidade
Tardia. 5. Constantino. 6. Legitimidade do poder imperial. 7. Cristianismo. 8.
Micro-análise. 9. História – Dissertação. II. Mendes, Norma Musco (Orientadora).
III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. IV. Título.
3
"Nenhum homem é bom o bastante
para governar os outros sem seu
consentimento."
Abraham Lincoln (1809-1865)
4
AGRADECIMENTOS
Eis que chega ao fim mais um trabalho acadêmico, ao olhar ao meu redor, apenas vejo
livros, folhas e rabiscos empilhados que me sufocam, dando a impressão de que este caminho
foi trilhado sozinho. Entretanto, constato que em poucos momentos estive só, pois muitos
foram os que de forma direta ou indireta, me auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa.
Em primeiro lugar, e de forma muito especial, agradeço à minha orientadora, Profa.
Dra. Norma Musco Mendes que com amizade, carinho, dedicação e sabedoria me auxilia, há
mais de cinco anos, nessa empreitada intelectual.
Muitos agradecimentos devo, também, ao Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes, que
desde a época de minha graduação me ajuda com suas críticas, com seus comentários
pertinentes, e, certamente, sempre nos brindando com seu conhecimento enciclopédico.
À Profa. Dra. Andréia Cristiana Lopes Frazão da Silva, pelas críticas e sugestões no
sentido de aprimorar a qualidade do trabalho, que foram dadas por ocasião da disciplina
teórica e da Qualificação.
Espero ter correspondido às expectativas de ambos.
Agradeço à minha família pelo apoio e pela paciência em aceitar minhas longas
temporadas noturnas, longe do convívio deles, nas quais me dedicava apenas ao estudo.
À Paula, minha querida companheira, dedico um lugar especial. Sem seu apoio e
constante estímulo, nada faria sentido. Agradeço seu auxílio, sua admiração – que, aliás, é
recíproca – e sua paciência em aceitar os dias nos quais tive que me dedicar mais ao trabalho
de pesquisa.
Agradeço a Márcia e Leniza, que sempre foram extremamente agradáveis quando
precisei resolver alguns probleminhas de documentação no PPGHC.
Por fim, agradeço à CAPES o auxílio financeiro entre Agosto de 2008 e Fevereiro de
2009, o qual permitiu que me dedicasse exclusivamente à pesquisa naquele período.
5
RESUMO
Nesta dissertação pretendemos examinar os mecanismos que legitimavam o poder
imperial romano no Baixo Império Romano e como eles se relacionavam ao ideário e mística
imperiais que se desenvolveram a partir do século III. Para tal, partindo dos pressupostos da
micro-análise, analisamos a trajetória do imperador Flávio Valério Constantino, que governou
entre os anos 306 e 337, examinando suas ações sociais estratégicas, e inserindo-as num
contexto mais amplo, que permite reconstruir os principais mecanismos de legitimação no
Baixo Império Romano.
Inicialmente, apresentamos as principais transformações que o mundo romano sofreu
no século III, e durante a Tetrarquia. Em seguida, centralizamos nossa análise em situaçõeschave nas quais Constantino foi obrigado a escolher perante um feixe de possibilidades que
poderiam determinar sucessos ou fracassos. Por fim, concluímos como este enfoque permitiu
outro tipo de visualização da questão constantiniana.
6
ABSTRACT
The main purpose of this dissertation is to analyze the mechanisms that legitimized the
political system in the Later Roman Empire and how they were connected with imperials
ideas and mystic developed in the III century A.D. We will consider, mainly, the
microanalysis’ assumptions, to analyze the trajectory of the Roman emperor Flavius Valerius
Constantine (306-337), examining his strategic social actions, and inserting them in the
macro-developments which permits to reconstruct the main legitimation mechanisms in the
Later Roman Empire.
Formerly, we present the main transformations of the Roman empire in the II Century
A.D., and in the Tetrarchy regime. Then, we analyze the key situations in which Constantine
was obliged to choose before a bundle of possibilities the could determine success and
failures. Finally, we conclude how this approach has allowed other view of the Constantinian
question.
7
Sumário
Introdução ...................................................................................................................... 11
Metodologia e documentação......................................................................................... 19
1. Metodologia ............................................................................................................ 19
2. Documentação ........................................................................................................ 19
Documentação escrita ................................................................................................ 21
Documentação de cultura material............................................................................ 25
Capítulo I – Discussão historiográfica........................................................................... 28
1. Antiguidade Tardia ................................................................................................ 28
2. Constantino: um dissenso historiográfico.............................................................. 31
Capítulo II – As transformações do século III .............................................................. 46
1. O legado de Augusto............................................................................................... 47
2. As transformações militares................................................................................... 53
3. Transformações sócio-políticas e culturais............................................................ 58
4. A retórica do declínio ............................................................................................. 62
Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia ..................................................................... 64
1. Desenvolvimento de novas lógicas político-administrativas.................................. 64
2. O Sistema Político da Tetrarquia........................................................................... 66
3. Atributos místicos e o caráter do poder imperial.................................................. 72
4. A “Grande Perseguição” e o fim da Primeira Tetrarquia .................................... 75
Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise ........................................ 80
1. A retomada da centralização do poder imperial (c.270-306) ................................ 80
2. Aclamação de Constantino, e seu casamento com Fausta (306-307)..................... 84
3. Conferência de Carnuntum e a morte de Maximiano (308-310) ........................... 93
4. A campanha itálica (311-312)............................................................................... 103
5. Imperador do Ocidente (313-315)........................................................................ 111
6. As Guerras contra Licínio (315-324).................................................................... 120
7. As mortes de Crispo e Fausta............................................................................... 129
Conclusão ..................................................................................................................... 135
Anexos ............................................................................... Erro! Indicador não definido.
8
Graus de Raridade das Moedas
R5
Único exemplar conhecido
R4
2 - 3 exemplares conhecidos
R3
4 - 6 exemplares conhecidos
R2
7 - 10 exemplares conhecidos
1
R ou R
11 - 15 exemplares conhecidos
S
16 - 21 exemplares conhecidos
1
22 - 30 exemplares conhecidos
C2
31 - 40 exemplares conhecidos
C3
Mais de 41 exemplares conhecidos
C
9
Lista de Abreviaturas
Anon.Vales.
Anônimo Valesiano. Origo Constantini Imperatoris
Aur.Vict. De Caes.
Aurélio Victor. De Caesaribus
CIL
Corpus Inscriptionum Latinarum
CT
Código Teodosiano
Dião Cássio
Dião Cássio. História de Roma
Epit.
Pseudo-Aurélio Victor. Epitome de Caesaribus
Eus. HE
Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica
Eus. VC
Eusébio de Cesaréia. Vida de Constantino
Eutr.
Flávio Eutrópio. Breviário
Festus
Festo. Breviário.
Filost. HE
Filostórgio. História Eclesiástica.
Foc. Bibliotheca
Fócio. Biblioteca.
Herod.
Herodiano. História do Império Romano depois de Marco Aurélio
ILS
Inscriptiones Latinae Selectae
Jer. Chron.
Jerônimo. Cronografia
Jer. Vir. Illus.
Jerônimo. Sobre os Homens Ilustres
Jul. Or.
Juliano. Orações.
Lact. DMP
Lactâncio. Sobre a morte dos perseguidores
Lact. Inst. Div.
Lactâncio. Instituições Divinas
Op. Mil.
Optatus de Milevis. Contra os Donatistas
Oros.
Paulo Orósio. História contra os pagãos
Pan. Lat.
Panegíricos Latinos
PLRE
The Prosopography of the Later Roman Empire
RIC
The Roman Imperial Coinage
Soc. HE
Sócrates Escolástico. História Eclesiástica
Soz. HE
Sozomeno. História Eclesiástica
SHA
Scriptores Historiae Augustae
Suet.
Suetônio. Os doze Césares
Zós. HN
Zósimo. História Nova
10
Introdução
A sociedade romana na passagem do século III para o século IV viveu transformações
estruturais de grande alcance: as inovações administrativas e o advento do cristianismo são os
dois domínios nos quais, talvez, os fenômenos tenham sido mais evidentes, por estarem
freqüentemente associados a rupturas repentinas. Entretanto, as estruturas jurídicas, o poder
imperial, os comportamentos individuais, os relacionamentos interpessoais, as estruturas
econômicas também sofreram mudanças que nos parecem de enorme importância durante este
longo período.
Em relação a isto, a opinião corrente é a de que este mundo sofreu uma mudança tão
abrupta que se configuraria numa ruptura sem igual na História do Império Romano, algo
como o fim da “Civilização Clássica”, cujas raízes remontam à Grécia do século VI a.C., e o
surgimento de um novo sistema imperial usualmente denominado “Império Cristão”.
Ruptura1, entretanto, não nos parece um conceito que favoreça a inteligibilidade da
dinâmica das mudanças sofridas pela sociedade romana. Sua definição como “ato ou efeito de
romper(-se)” acaba por enfraquecer a importância dos modelos interpretativos que nele se
baseiam, tornando monocromático o processo de transformação ocorrido nestes dois séculos
de História Romana.
Certamente, as comunidades camponesas e urbanas, o exército romano, a ordem
eqüestre, a ordem dos decuriões, a ordem senatorial, e a própria domus imperial apresentavam
em seus interiores processos matizados de divisão, desarmonia e redefinição dos papéis
sociais e simbólicos de seus membros: neste contexto dinâmico, não podemos analisar esta
sociedade através de imagens paradas – como numa série de quadros que observamos em uma
exposição –, mas devemos partir das posições sociais ocupadas por membros destas
figurações sociais, observando a heterogeneidade das estratégias, e como estas moldam as
trajetórias individuais de seus membros.
Antes de um modelo fechado, de um quadro, temos um conjunto de ações sociais
individuais de membros da rede social, que se orientam de forma mais ou menos lógica, e que
desenham não um, mas múltiplos quadros, simultâneos, concorrentes e interrelacionados.
Assim sendo, se nossa preocupação é com os mecanismos que legitimavam o poder
imperial romano neste período, qual melhor posição analítica poderíamos tomar além da
trajetória de alguém que se encontrava no centro da figuração social da corte? Seguindo este
1
CARRIÉ, Jean-Michel. ROUSSELLE, Aline. La rupture constantinienne. In. _______. L’Empire romain en
mutation. Paris, 1999. pp.217-270.
fio condutor, nossa reconstrução histórica propõe que retomemos a posição social de Flávio
Valério Constantino, imperador romano entre os anos 306 e 337, analisando suas ações
sociais estratégicas, e inserindo-as num contexto mais amplo, o qual nos permita reconstruir
os principais mecanismos de legitimação no Baixo Império Romano.
Esta perspectiva individual, por seu lado, é uma ferramenta metodológica que nos
permite, a partir de uma pequena escala, divisar as lutas pelo poder imperial, nas quais
Constantino e os outros pretendentes estavam imersos. Em um segundo passo, é necessário
que esta escala seja aumentada, permitindo-nos não apenas analisar o governo de Constantino,
e suas estratégias individuais, mas inseri-lo no contexto das transformações estruturais que se
operavam na sociedade romana desde meados do século III. Por conseguinte, não temos como
objeto Constantino, mas partimos dele para estudar o poder imperial, tal qual se configurou no
período do Baixo Império Romano.
O escopo deste trabalho nos permite desenvolver um modelo interpretativo que não
parte da ideia de uma ruptura profunda com a tradição romana pagã, ocasionada após a
conversão de Constantino à religião cristã em 312, a qual teria engendrado uma nova forma
de comportamento com o poder imperial, em uma curtíssima duração. Este, por seu lado, é o
estudo de uma fase – talvez a primeira – do conflito do qual saíram transformados tanto a
sociedade romana quanto o poder imperial – que progressivamente se cristianizaram a partir
do século IV, formando a chamada Cristandade Constantiniana2.
Deste modo, tentamos estudar um governante romano do século IV, partindo de uma
análise que privilegia os vestígios documentais produzidos entre 306 e 326, uma vez que estes
estão relacionados àquilo que poderíamos denominar propaganda imperial, e se encontram
imersos em um contexto retórico no qual a mensagem visava a afirmar o poder de
Constantino. Em especial, analisamos os discursos laudatórios, os monumentos, as moedas e
os medalhões deste período.
Assim sendo, se faz necessária uma apresentação analítica de nosso corpus
documental, a qual se encontra na seção introdutória Metodologia e documentação; sua
importância reside no caráter introdutório e elucidativo para os leitores pouco familiarizados
com a multiplicidade de fontes – textuais e materiais – que podem ser utilizadas para o estudo
deste período, além de elucidar a operacionalização da documentação da pesquisa.
2
GOMES, Francisco José Silva. A Igreja e o Poder: Representações e discursos. In. RIBEIRO, Maria Eurydice.
(Org.) A vida na Idade Média. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p.33-60; Cristandade e
Cristianismo Antigo. Phoînix. v. 6. Rio de Janeiro, 2000. pp.178-186; MEYENDORFF, Jean. Unité de
l`Empire et divisions des chrétiens; L`’Eglise de 450 à 680. Paris, 1993. p.20.
12
Os inúmeros conflitos e contradições, e as apropriações de temas similares entre os
imperadores evidenciam a existência de uma contínua formação de níveis de equilíbrio,
instavelmente sujeitos a novas remodelações, e apropriações. A historiografia está
acostumada a observar este recorte de história romana de uma forma teleológica, estando mais
atenta aos resultados finais que, por regra, escapam ao controle das pessoas que se encontram
engolfadas na trama de acontecimentos. Assim são, por exemplo, os estudos sobre
Constantino que analisam o início de seu governo já pensando numa dimensão cristã
assumida por ele após 324.
Há, como certamente existe em qualquer tema historiográfico que já fez correr rios de
tinta, dissensões historiográficas que podemos agrupar em torno de duas perspectivas
principais: o primeiro representado pelo historiador suíço Jacob Burckhardt (1818-1897), que
via em Constantino um representante de uma Realpolitik no Império Romano; e o segundo
que deriva das posições do inglês Norman Hepburn Baynes (1877-1961), que construiu uma
análise que gira em torno de um retrato religioso de Constantino.
Certamente, estes caminhos historiográficos opostos apresentam entre si pequenas
estradas e atalhos, alguns dos quais se propõem novos caminhos. Neste sentido, a análise
historiográfica sobre este tema se faz necessária, e ocupa uma parte substancial de nossa
Discussão Historiográfica.
Por nosso lado, desenvolvemos uma análise de Constantino não apenas na perspectiva
de seu reinado, mas inserindo-o na longa duração do processo de conformação da figuração
social própria do período tardo-antigo.
Neste sentido, partimos da seguinte hipótese de trabalho: no governo de Constantino I,
observamos o poder imperial considerado legítimo quando possuía, simultaneamente, certos
mecanismos de legitimação – o poder militar, a herança dinástica e a aprovação do Deus
Supremo. Por conseguinte, os discursos oficiais – sejam pagãos, cristãos ou materiais –
apresentavam os mesmos temas de representação de Constantino, o qual era visto como um
ser escolhido pela providência divina, e que tinha a missão vitoriosa de combater o mal, e
trazer uma era de paz e prosperidade ao Império Romano.
Neste sentido, fazemos convergir a análise das estratégias individuais – baseadas na
assunção de uma racionalidade seletiva na qual os indivíduos agem em relação a um feixe de
possibilidades sociais, que varia em relação à posição social de cada individuo na rede social
– à análise estrutural.
Por exemplo, as possibilidades de ações sociais estratégicas abertas a um escravo
romano condenado às minas – uma damnatio ad metalla –, se comparadas a um escravo que
13
administra os bens de seu senhor, são muito mais restritas. Por seu lado, as possibilidades
abertas a um imperador são mais diversificadas que aquelas dos demais membros da figuração
social – entretanto, não são infinitas.
É neste sentido que usamos a noção de estratégia, a qual se desenvolve no
intercruzamento das análises sociológicas desenvolvidas por Norbert Elias – acerca das
figurações sociais e dos papéis sociais dos membros destas redes – com os estudos de MicroHistória, em especial, os textos dos historiadores Giovanni Levi3, Jacques Revel4, e outros
micro-historiadores5. Nestes autores, percebemos a preocupação com uma análise que visa a
relacionar o singular e o todo, tal qual nos propomos no presente trabalho.
Entretanto, esta dissertação não se trata de um trabalho de Micro-História, o qual seria
impossível em virtude do estado da documentação: fragmentária e parca, que impossibilita
uma descrição densa seja da vida de Constantino, seja dos meandros da figuração social da
corte tardo-antiga. Por outro lado, trata-se de um trabalho que busca analisar estruturas
complexas a partir das estratégias individuais em torno da afirmação do poder imperial, e qual
a relação destas estratégias com os mecanismos de legitimação.
Neste limite das ações sociais é que devemos colocar nossa objetiva. Afinal, muito se
escreveu sobre aquele que converteu o Império Romano ao Cristianismo, entretanto pouco se
perguntou sobre as situações nas quais Constantino figurava enquanto agente social –
situações estas que independiam de sua vontade individual – e que exigiam suas respostas
estratégicas.
Exemplos destas situações-chave são esmiuçadas neste trabalho, buscando sempre
inseri-las na narrativa de média duração dos governos Diocleciano e de Constantino. Dentre
elas destacamos: (1) a aclamação e o casamento com Fausta (306-307); (2) da Conferência de
Carnuntum à morte de Maximiano Hercúleo (308-310); (3) a campanha itálica (311-312); (4)
imperador do Ocidente (313-315); (5) as Guerras contra Licínio (315-324); (6) Vicennalia e a
morte de Fausta e Crispo, em 326.
É nos meandros destes vestígios de vida, que encontramos os acontecimentos pessoais
interligados a situações políticas e religiosas que escapam totalmente ao controle direto das
3
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; Sobre a micro-história. In. BURKE, Peter (Org.). A escrita da História:
novas perspectivas. São Paulo, 1992. pp. 133-161; Les usages de la biographie. Annales ESC. Paris. v. 44. n.
6. pp. 1325-1336, Novembre-Décembre 1989.
4
REVEL, Jacques. Prefácio. In. LEVI, Giovanni. Op. cit. 2000. pp. 7-37; Microanálise e construção social. In.
_______. Op. cit. 1998. pp. 15-38; Entrevista. Topoi. v.4. Rio de Janeiro, 2001. pp.197-215.
5
GRIBAUDI, Maurizio. Escala, pertinência, configuração. In. REVEL, J. Op. cit. 1998. pp. 121-150;
LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In. REVEL, J. Op. cit. 1998. pp. 77-102.
14
pessoas envolvidas, e que, neste sentido, nos apresentam questionamentos interessantes sobre
as motivações e as estratégias de ação social.
Nestas situações, pretendemos mostrar que havia uma grande dinâmica social, um
diálogo entre inovações e tradições – com constantes reapropriações –, uma relação existente
entre os mecanismos de legitimação de Constantino e as práticas de representação própria do
Baixo Império Romano, e acima de tudo, um conjunto de ações sociais orientadas por um
feixe de possibilidades, nas quais os indivíduos escolhem e se movimentam.
A trajetória percorrida pela pesquisa é a de partir da história de Constantino com o
objetivo de perscrutar as figurações sociais nas quais estava imerso, e analisar as
representações simbólicas que legitimavam o poder imperial romano no Baixo Império. Neste
caminho privilegiamos os vestígios numismáticos para periodizar e estabelecer os recortes
principais da pesquisa, fazendo-os dialogar com a documentação escrita.
Neste ponto, a contextualização da documentação, e sua ligação ao sistema simbólico
de regras e comportamentos individuais, são primordiais para analisarmos a relação entre
Constantino e os caracteres específicos do Baixo Império Romano, no que se refere à
legitimação do poder imperial. A partir desta pequena escala somos capazes de pôr à prova a
hipótese proposta pela pesquisa.
A trajetória de Constantino é a primeira linha da pesquisa, a partir dela observamos as
práticas sociais estratégicas em funcionamento: desde sua ascensão ao poder, passando pela
constante busca pela legitimação, durante a Segunda Tetrarquia (306-311) até o seu governo
único após a vitória sobre Licínio, em 324.
Por nosso lado, desenvolvemos uma análise de Constantino não apenas na perspectiva
de seu reinado, mas inserindo-o no processo de conformação da figuração social própria do
período tardo-antigo.
Neste sentido, nossa problemática se vincula ao estudo do macroprocesso de
transformação social ocorrida no Baixo Império Romano, a partir da análise do microprocesso
das disputas em torno da legitimação de Constantino.
O processo social estudado neste trabalho nos permite desenvolver um modelo
interpretativo que não parte da ideia de uma ruptura profunda com a tradição romana pagã,
ocasionada após a conversão de Constantino à religião cristã em 312, a qual engendrou uma
nova forma de comportamento com o poder imperial, em uma curtíssima duração.
No limite das ações sociais estratégicas é onde colocamos nossa objetiva. Não
podemos estudar a sociedade sem indivíduos, nem, pelo contrário, estudar indivíduos sem
sociedade. Nas Ciências Humanas, o excesso de abstração teórica leva a hipertrofia de uma
15
destas variáveis – o predomínio da estrutura, ou os estudos circunscritos a uma curta duração,
por exemplo –, esta não é a postura da qual partimos.
Salientamos a existência de três mecanismos de legitimação principais de Constantino:
o poder militar, a herança dinástica e o apoio de um acompanhante divino. Certamente, o
poder militar é um fator lógico, que não demanda grandes explicações para seu entendimento
enquanto um mecanismo de legitimação de um sistema político, e de um governante.
Entretanto, precisamos ter maior cuidado quando tratamos os outros dois.
Como conformar a existência e a perpetuação de uma estrutura política imperial que
mantém um corpo institucional que se arroga republicano? Esta é uma pergunta central para o
entendimento da dinâmica do poder político na Roma imperial.
Otávio Augusto (27 a.C.-14 d.C.) o fundador de fato do Império Romano não
conseguiu ultrapassar a ambiguidade presente na existência de um governo imperial
justaposto à estrutura da Res publica. Neste sentido, e em virtude do fim trágico de seu paiadotivo Caio Júlio César (100-44 a.C), Augusto não tinha condições políticas para formar um
sistema político baseado na existência de uma dinastia reinante.
Conforme analisaremos mais à frente nesta dissertação, as transformações
desenvolvidas durante o século III tiveram como resultado o desenvolvimento de novas
lógicas de representação da imagem do poder imperial, enfatizando-se a fundamentação
dinástica para a legitimação do poder imperial.
Quanto à afirmação da anuência de um acompanhante divino, também devemos seguir
os rastros no processo de transformação do século III, o que facilita o entendimento das
associações da imagem de Constantino com vários deuses desde o início de seu reinado, e que
se dissociou para se relacionar a outras representações divinas.
Os mecanismos de legitimação são centrais para o entendimento das ações sociais de
Constantino, e para a análise das representações deste imperador nos discursos pagãos,
cristãos e, principalmente, na documentação numismática. Sendo este o ponto principal de
nossa análise sobre este imperador e a época de transformações na qual estava inscrito.
A presente dissertação integra-se ao campo de experimentação da pesquisa coletiva
sob a orientação da Profa. Dra. Norma Musco Mendes, intitulada “Império: teoria e prática
imperialista romana”, cujo objetivo é a construção de hipóteses de trabalho e a obtenção de
argumentos explicativos que permitam observar a diversidade, a pluralidade e a singularidade
dos processos ou práticas imperiais para se investigar como e porque os Impérios se
constroem, se expandem, se legitimam, se consolidam e se desagregam.
16
Esta pesquisa coletiva estimula, desta forma, a construção de problemáticas
relacionadas aos contextos culturais imperiais e à criação de complexas estruturas autosustentadas e auto-reproduzidas que asseguram a existência dos Impérios.
Em busca de categorias analíticas para a construção de um modelo para o estudo
comparativo de impérios, o antropólogo Thomas J. Barfield6 estabelece que dentre as
condições para que um Estado se transforme num Império é imprescindível criar um sistema
de valores compartilhados, formado com base nos padrões culturais do centro imperial, como
uma forma de sobrepujar as diversidades locais. Isto se reflete em todas as variáveis que
marcam a presença imperial – formas de organização do espaço, arte, cosmologia, estilo
arquitetônico, práticas sociais, rituais e sistemas de representação da legitimidade imperial.
Portanto, a nossa problemática de pesquisa permite a construção de argumentos
explicativos para se observar comparativamente que a manutenção e reprodução dos Impérios
não se esgotam nas análises dos instrumentos de controle e exercício de poder, os quais
devem ser complementados pela análise dos mecanismos que garantam que a autoridade seja
exercida persuasivamente. Assim, o controle e a capacidade de acesso dos governantes sobre
os mais significativos métodos, através dos quais as crenças e expectativas culturalmente
compartilhadas são apropriadas para forjar a forma como a posição dos governantes deve ser
concebida pelos seus súditos.
Tal pesquisa coletiva estimula a construção de problemáticas relacionadas à criação de
complexas estruturas político-administrativas auto-sustentadas e auto-reproduzidas que
asseguravam a integração e a exploração da diversidade, perante a heterogeneidade, diferença
e competição, seja econômica, política, religiosa, cultural ou étnica existentes no território
imperial.
Em nosso caso específico, ao analisarmos os mecanismos de afirmação política a
partir das representações de Constantino I, temos por objetivo verificar como estas
representações legitimavam o poder imperial através da conexão entre cultura e estrutura
imperial. Esta imagem da figura imperial se relacionava à forma como indivíduos e grupos,
concebiam e percebiam a figura do imperador7, visando a atingir a totalidade da sociedade nos
limites de determinado território, no caso o Império Romano, se enquadrando como um
objeto político8.
6
BARFIELD. Thomas J. The shadow empires: imperial state formation along the Chinese-Nomad frontier. In.
ALCOCK, S. E. D’ALTROY, T.E. et al. (Org.). Empires. Cambridge, 2001. pp. 11-41.
7
ELSNER, Jaś. Imperial Rome and Christian Triumph. Oxford/ New York, 1998.
8
RÉMOND, René. Do político. In. ________. Por uma História Política. Rio de Janeiro, 1996. p. 444.
17
Quanto à estrutura do texto da dissertação, esta se encontra dividida em quatro
capítulos. O Capítulo I – Discussão Historiográfica já foi explicitado, e não requer mais
adições. No Capítulo II – As transformações do século III, examinamos o processo de
transformação que o sistema imperial romano do Principado sofreu, em especial, durante o
século III, e que acabaram por lançar bases para novas formas de representação do poder
imperial, e de sua legitimação.
Já no Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia buscamos analisar mais detidamente
as representações do poder imperial no período anterior à aclamação de Constantino, em
especial a conformação desse sistema político tetrárquico, e o exame de seus mecanismos de
legitimação.
No Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise, a partir da trajetória de
Constantino, analisamos as situações-chave supracitadas inseridas numa perspectiva de
processo, que sustenta a nossa análise de curta duração, ao nível das ações sociais.
Por fim, temos uma conclusão avaliativa cujo objetivo é sintetizar os nossos principais
argumentos interpretativos sobre o sistema de representações do poder imperial na época de
Constantino I, e, deste modo, demonstrar a validação de nossa hipótese de trabalho.
18
Metodologia e documentação
1. Metodologia
Na presente dissertação, buscamos identificar os discursos em relação às nossas
categorias de análise semântica, que apresentam importantes funções no processo de
comunicação política. Neste sentido, optamos por analisar nossa documentação escrita e,
especialmente, a documentação material como um transcrito público.
Segundo James C. Scott1, transcrito público são todos os tipos de linguagens e
representações simbólicas e materiais que os grupos dominantes utilizam no processo
lingüístico de auto-representação. Os transcritos públicos, deste modo, podem ser tanto uma
moeda, um monumento ou um panegírico, como uma cerimônia, na qual são apresentados os
símbolos de poder e distinção entre os indivíduos de uma sociedade.
Em nosso caso, analisamos as expressões públicas de Constantino como transcritos
públicos, como discursos que possuíam funções no processo de comunicação e legitimação,
tais como afirmar uma hierarquia, eufemizar a imagem do imperador, estigmatizar
adversários, gerar unanimidade.
Neste sentido, o transcrito público é uma importante ferramenta metodológica que nos
facilita a apreensão dos mecanismos de legitimação política e das ações sociais estratégicas de
Constantino ao nos permitir uma melhor operacionalização da documentação escrita e
material. Além disso, tal tratamento da documentação nos leva a uma análise intensiva que é
de suma importância para a nossa proposta de micro-análise.
2. Documentação
Qualquer análise histórica se desenvolve em torno de uma problemática que deve ser
aposta a uma documentação, que aponta limites e possibilidades para plausibilidade das
hipóteses aventadas. Buscamos empreender uma pesquisa histórica que relacione a trajetória
de Constantino, com a lógica de desenvolvimento do sistema político imperial romano
conhecido pelo nome de Dominato.
1
SCOTT, James C. Domination and the Arts of Resistence; Hidden Transcripts. New Haven/London: Yale
University Press, 1990, pp. 45-70.
Os documentos são suportes de possíveis informações. Os dados que podemos extrair
deles encontram-se relacionados ao objeto da pesquisa, sendo, por sua vez, os elementos para
reconstrução do fenômeno que se deseja explicar.
Cada informação só tem significado se houver correspondência entre o fenômeno que
se quer interpretar, o universo teórico adotado e a problemática proposta. Deve-se ressaltar
que em nenhum momento da pesquisa o documento e as informações correspondem
exatamente ao objeto da pesquisa: este é uma construção interpretativa do pesquisador.
Na presente dissertação, trabalharemos com a documentação produzida entre 306 e
339. Optamos por um estudo baseado na documentação textual e de cultura material que
correspondam aos seguintes critérios:
1. produzidas por personagens ligadas diretamente a Constantino, ou pelo próprio, e que
evidenciavam a relação entre o político e o religioso;
2. contemporaneidade com Constantino.
Desta forma, de nosso corpus principal de documentação escrita, excluímos os
breviários de meados do século IV – Aurélio Victor e Flávio Eutrópio –, as Histórias
Eclesiásticas compostas a partir de fins do século IV – Sozomeno, Sócrates, Teodoreto,
Filostórgio –, a obra tradicionalmente reconhecida sob o nome de Anônimo Valesiano,
também de fins do século IV, e a obra História Nova de Zósimo (de fins do século V). Estes
critérios nos levaram, pois, a quatro grupos de documentação escrita:
1. Lactâncio: Sobre a morte dos perseguidores, Instituições Divinas;
2. Eusébio de Cesaréia: História Eclesiástica;
3. Panegíricos Latinos: os cinco panegíricos que se dirigem a Constantino;
Simultaneamente, trabalharemos com um corpus de documentação de cultura material,
especialmente um corpus numismático. Examinamos todas as moedas de Constantino
catalogadas no The Roman Imperial Coinage entre os anos de 306 e 337.
Os dados extraídos da análise das moedas foram sistematizados e cotejados com
aqueles provenientes da análise da documentação textual. A interpretação das informações
obtidas pela pesquisa documental, portanto, nos possibilitou construir argumentos
explicativos sobre a trajetória de Constantino inserindo-a nos processos de formação e
consolidação do Dominato, visando a validar a nossa hipótese de trabalho relacionada aos
mecanismos de legitimação política do Império Romano Tardo-Antigo.
20
Documentação escrita
Eusébio de Cesaréia
A documentação escrita da Antiguidade Greco-Romana que sobreviveu até nós
encontra-se em uma ampla profusão de gêneros diferentes, tendo sido, em geral, composta em
grego ou latim – com suas traduções intercambiáveis –, as duas línguas principais das partes
oriental e ocidental do Império Romano, respectivamente. Sobre a vida de Constantino, nos
restam duas obras biográficas produzidas no século IV – uma escrita em grego e numa
perspectiva cristã, e outra, em latim, escrita por um autor cuja perspectiva era, digamos, laica.
Em primeiro lugar, tratemos do relato mais antigo, e que serve de linha mestre para a
maior parte das análises sobre Constantino, devido à sua riqueza de detalhes, e relativa
proximidade com os fatos narrados; a obra conhecida convencionalmente como Vita
Constantini, sendo mais acurado o título original A vida do Abençoado Imperador
Constantino (composta entre 336-339).
Esta obra foi escrita por Eusébio de Cesaréia (c.265-339), um teólogo cristão, e o
primeiro autor de uma História da Igreja, que foi eleito bispo de Cesaréira Marítima – e, por
sua vez, metropolita da Palestina –, em 313. Proveniente da escola de Orígenes (185-253),
Eusébio testemunhou duas situações que exerceram forte influencia sobre seu trabalho: o
sofrimento dos cristãos durante a “Grande Perseguição” (303-311; 313) empreendida pelos
tetrarcas; e o patronato da Igreja exercido pelo poder imperial romano, principalmente, após a
unificação do Império Romano nas mãos de Constantino, em 3242.
Além disso, conheceu o próprio imperador no Concílio de Nicéia, em 325, ocasião na
qual, para Barnes, ouviu a sua confissão pessoal sobre sua experiência sagrada às vésperas da
campanha da Itália. Durante o concílio, cooperou com os esforços imperiais para estabelecer a
unidade da Grande Igreja em torno de um credo comum, da data da celebração da Páscoa, e
outras questões doutrinárias3.
Eusébio de Cesaréia se encontrou e se correspondeu com Constantino em várias
ocasiões durante os últimos doze anos de seu reinado, e, possivelmente, auxiliou a imperatrizmãe Helena em sua peregrinação pela Terra Santa (entre 326 e 328)4. Além disso, recebeu
uma concessão imperial para inspecionar a confecção de belas cópias de bíblias para as
igrejas da nova capital imperial, Constantinopla.
2
Sobre Eusébio de Cesaréia, ver: BARNES, Timothy David. Constantine and Eusebius. Cambridge, 1981. pp.
81-189.
3
BARNES, Ibidem. 1981. pp. 208-244; DRAKE, Harold Allen. Constantine and the Bishops; the politics of
intolerance. Baltimore/London, 1999.
4
ODAHL, Ch. Constantine and the Christian Empire. London, 2004. pp. 211-220
21
Além desta obra biográfica, Eusébio pronunciou dois panegíricos ao imperador: um
nas festividades de inauguração da Igreja do Santo Sepulcro (em Jerusalém), e outro no
festival da Tricennalia (em Constantinopla), ambos em 3365.
Nos dois anos que Eusébio sobreviveu a Constantino, ele se dedicou à finalização dos
quatro livros sobre a vida do primeiro “imperador cristão” – a Vida de Constantino. Esta obra
não é uma biografia completa nem no sentido antigo, nem no moderno, mas uma junção de
dois gêneros literários – o biográfico e o laudatório6.
O Livro I se inicia em formato de panegírico fúnebre, elogiando as virtudes e
realizações do imperador recém-falecido; em seguida, há sua expansão em “uma história
documentada de natureza hagiográfica”7, a qual se concentra na religiosidade do imperador.
Este trabalho nos fornece o relato mais detalhado sobre a experiência de conversão de
Constantino, além de sumarizar seu subseqüente apoio à Igreja ocidental, desde suas
primeiras páginas.
Eusébio então descreveu sua vitória sobre o último imperador pagão – Licínio (311324) –, e fez uma crônica do patronato público de Constantino às Igrejas orientais, durante as
seções centrais do texto. Ele nos informa a respeito das tentativas do imperador em resolver as
disputas doutrinais e hierárquicas entre os líderes da Igreja. Afora isto, no curso de sua
narrativa, oferece numerosos exemplos da piedade pessoal de Constantino, e de seu apoio ao
Cristianismo a expensas do paganismo, nas últimas seções do texto.
Como na História Eclesiástica, Eusébio incorporou vários documentos em sua Vida de
Constantino, incluindo cartas imperiais, editos, leis, e, inclusive, descreveu uma moeda.
Contudo, ele pouco se preocupou com questões militares e políticas, deixando lacunas
importantes, como, por exemplo, sobre a morte da esposa e do filho do imperador, de Fausta e
Crispo, das quais nada diz a respeito. Neste sentido devemos ter em mente a escusa do próprio
Eusébio, de que tinha por objetivo falar e escrever apenas as circunstâncias religiosas da vida
de Constantino, conforme já salientamos.
5
BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 253-4; DRAKE, Harold. A. In Praise of Constantine. Berkeley, 1975. pp.
30-45; The impact of Constantine on Christianity.In. LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006.
pp.111-136.
6
CRANZ, Edward. Kingdom and Polity in Eusebius of Caesarea. Harvard Theological Review. v. 45, n. 1,
Jan. 1952. pp. 47-66; DRAKE, H.A. What Eusebius Knew: The Genesis of the Vita Constantini. Classical
Philology. v. 83, n. 1, Jan. 1988. pp. 20-38; GURRUCHAGA, Martín. Introducción. In. EUSÉBIO DE
CESARÉIA. Vida de Constantino. Madrid, 1994. p.7; NICHOLSON, Oliver. Constantine's Vision of the Cross.
Vigiliae Christianae. v. 54, n. 3, 2000. pp. 309-323.
7
ODAHL, Ch. Op. cit. 2004. p. 3.
22
Panegíricos Latinos
Além dessas biografias tradicionais e narrativas históricas, há um número substancial
de trabalhos de outros gêneros narrativos que oferecem detalhadas informações sobre fases
específicas da carreira de Constantino, ou sobre aspectos particulares de suas políticas, que
podem nos ajudar a construir um quadro amplo sobre seu reinado. Há peças oratórias
contemporâneas (panegíricos), tratados apologéticos, e composições de natureza imperial.
Em primeiro lugar, temos os panegíricos, peças oratórias de natureza epidíctica
usualmente recitadas na presença do imperador em ocasiões festivas, tais qual uma visita
imperial a uma cidade (aduentus), ou durante um aniversário de governo em uma cidadecapital. Eles eram pronunciados por oradores experientes, em consonância com a corte, e
celebravam as virtudes pessoais e as recentes ações dos governantes sob uma luz
completamente positiva.
Um códice de XII Panegyrici Latini, recitados – em sua maioria – por oradores
gauleses, nos resta do século IV. Quatro desses foram oferecidos em honra a governantes
anteriores a Constantino (289, 291, 297 e 298 – Panegíricos II (10), III (11), IV (8), e V (9),
respectivamente), e cinco deles em honra a Constantino, nos primeiros anos de seu governo
(307, 310, 311, 313 e 321 – Panegíricos VI (7), VII (6), VIII (5), IX (12), e X (4),
respectivamente) 8.
A primeira parte do corpus celebrava as realizações da Tetrarquia de Diocleciano –
especialmente os governantes ocidentais, Maximiano e Constâncio –, os quais trouxeram a
ordem de volta ao Império Romano, que sofreu com o caos da Anarquia Militar. A segunda
parte do corpus, por sua vez, apresenta os conturbados anos da Segunda Tetrarquia, e da
elevação de Constantino ao poder em diante.
Estes textos apresentam informações detalhadas sobre suas primeiras campanhas
militares e oferecem uma perspectiva pagã sobre sua crença religiosa, não encontrada em
outros documentos escritos. Por exemplo, o panegírico de 313 é particularmente interessante,
8
A coleção original foi reunida em diversos estágios desde o início até fins do século IV na Gália, onde havia
famosas escolas de retórica em Trier, Autun e Bordeaux. Entretanto, nesta coleção os panegíricos não estavam
em ordem cronológica no manuscrito. Edouard Galletier, em Panégyriques Latins. 3 vols. Paris, 1949-55, fez
uma tradução comentada do texto latino para o francês, ordenou e numerou-os na seqüência correta de
pronunciamento, com o número de seqüência do manuscrito entre parêntesis – assim, o Panegírico de 313, Trier,
que foi o nono a ser proferido, mas que era o último do corpus, passou a ser listado como Panégyrique IX (12),
na edição francesa. R.A.B. Mynors, em XII Panegyrici Latini. Oxford, 1964, ofereceu uma edição crítica do
texto latino, colocando-os também na ordem cronológica, em sua notação mantinha o número do manuscrito
entre parêntesis, assim, o mesmo panegírico foi listado como Panegyric XII (9), na edição britânica.
Recentemente, na edição americana C.E.V. Nixon e Bárbara Saylor Rodgers, em In Praise of Later Roman
Emperors: The Panegyrici Latini. Berkeley, 1994, traduziram e comentaram onze dos panegíricos, seguindo a
disposição de Galletier. O mesmo procedimento pode ser encontrado na tradução comentada espanhola
organizada por Victor-Jose Herrero Llorente (Madrid, s/d).
23
pois apresenta em detalhes a análise de um pagão sobre a questão místico-religiosa que
envolveu a campanha de Constantino na Itália.
Lactâncio
Havia também vários tratados polêmicos escritos por cristãos no século IV, seja contra
pagãos fora da Igreja, seja contra inimigos dentro da própria Igreja, os quais provêm um
material profícuo para estudo. Um dos expoentes deste gênero narrativo foi o retor e
apologista cristão Lúcio Cecílio Firmiano Lactâncio (c.270-c.325)9. Nascido e educado no
Norte da África em fins do século III, Lactâncio trabalhou como professor de Retórica Latina,
a pedido de Diocleciano, em Nicomédia, desde finais do século IV.
Nesta cidade, se converteu ao cristianismo. Após o início da “Grande Perseguição”,
entretanto, ele perdeu seu cargo, e não sabemos bem qual foi seu destino – se ficou no Oriente
ou voltou para o ocidente romano. Neste período escreveu uma obra em sete livros em defesa
da fé e ética cristãs contra as crenças e práticas pagãs, intitulado Diuinae Institutiones (c. 303313).
Constantino deve tê-lo conhecido em sua juventude, quando era membro da corte de
Diocleciano, e possivelmente ofereceu-lhe refúgio após ter se tornado imperador em 306.
Embora pareça que Lactâncio não tenha retornado do leste por esta época, é-nos reportado por
Jerônimo 10 que em avançada idade se tornou tutor do primogênito de Constantino, Crispo na
corte de Trier. Ele provavelmente residiu em Trier por vários anos após 313 enquanto a
cidade era a capital regular de Constantino, e local onde passava mais tempo.
O idoso retor adicionou efusivas dedicatórias a Constantino pelos capita dos livros que
compõem as Diuinae Institutiones; e o imperador ouviu uma recitação desta obra, e, muito
possivelmente, leu-a atentamente como prova muitos dos pronunciamentos posteriores sobre a
verdade do Cristianismo como oposta a falácia do paganismo, ou então sobre a ira de Deus, e
a providência divina.
Durante estes anos, Lactâncio também escreveu seu famoso Liber ad Donatum
confessorem de Mortibus Persecutorum (c.313-315), cujo tema era a vingança divina infligida
contra os imperadores que perseguiram os cristãos. Embora inicie seu relato com breves
9
Para a vida, obra e relacionamento entre Lactâncio e o poder político, ver: BARNES, T. D. Lactantius and
Constantine. Journal of Roman Studies. v. 63, 1971. pp. 29-43; DIGESER, Elizabeth. The making of a
Christian Empire: Lactantius and Rome. Ithaca, 2000; HEIM, François. L’influence exercée par Constantin
sur Lactance: sa théologie de la victoire. Lactance et son temps. Paris, 1978; PICHON, Rene. Lactance. Paris,
1901; STEVENSON, John. The life and Literary activity of Lactantius. Studia Patristica. v. 1, n. 1, 1957. pp.
661-677; SILVA, Diogo. P. Lactâncio contra a Tetrarquia. Rio de Janeiro, 2007 (Monografia de conclusão do
Bacharelado em História, UFRJ).
10
JERONIMO. De Vir.Ill. LXXX.
24
sumários sobre a morte dos perseguidores de Nero a Aureliano, ele concentrou sua narrativa
sobre a morte miserável dos tetrarcas que levaram a cabo a “Grande Perseguição”, da qual,
assim como Eusébio de Cesaréia, foi testemunha.
Lactâncio nos proporciona uma perspectiva negativa sobre as reformas imperiais de
Diocleciano, e um detalhado relato sobre o início e os cerca de dez anos de perseguição contra
os cristãos. Os primeiros serviços de Constantino no Oriente, sua ascensão ao poder no
ocidente, e sua experiência de conversão na Itália são episódios centrais de sua obra. Para
Charles Odahl11 o próprio imperador deve ter provido as anedotas históricas para este
trabalho, e mais tarde empregou temas dele em seus próprios escritos. Ao lado dos
Panegíricos Latinos, o De Mortibus Persecutorum oferece importantes informações para os
primeiros sete anos de reinado de Constantino.
Documentação de cultura material
Da época de Constantino há uma grande profusão de documentação de cultura
material, que testemunha a materialidade da infra-estrutura de poder, nos remetendo aos
interesses e prioridades que nortearam a atuação política de Constantino, Referimo-nos às
construções monumentais, e vestígios arqueológicos que são encontrados desde a Britânia e
Gália até a Trácia e Judéia.
As vitórias dos governantes eram geralmente celebradas com monumentos triunfais, e
suas faces eram costumeiramente retratadas em esculturas imperiais. Um número substancial
de monumentos e esculturas da época de Constantino ainda permanece inteiro.
Um exemplo desta arquitetura monumental é o arco triunfal dedicado pelo Senado e o
Povo de Roma por sua vitória sobre Maxêncio, que se encontra próximo ao Anfiteatro
Flaviano, no centro da cidade de Roma (312-315). Outro exemplo de monumento é uma
coluna triunfal em pórfiro erigida em Constantinopla (entre 326-330), para comemorar a
vitória de Constantino sobre Licínio.
Várias esculturas de Constantino sobreviveram em vários pontos do antigo Império
Romano. A cabeça e várias partes do corpo de uma estátua colossal do imperador, situada
originalmente numa basílica do Fórum Romano, e que está agora no átrio do Musei del
Palazzo dei Conservatori, no Capitólio. Uma estátua completa do imperador de uma terma de
11
ODAHL, Ch. Op. cit. 2004, p.9. BARNES, T.D. Athanasius and Constantius: theology and politics in the
Constantinian Empire. Cambridge, Massachussets/Londres, 1993.
25
Roma, e agora situada na Basílica de São João Latrão. Bustos de Constantino podem ser
encontrados em museus de York, Belgrado, Istambul e Nova York.
Na presente dissertação optamos por analisar as imagens presentes no Arco de
Constantino e suas inscrições, tendo em vista a importância de sua construção e o volume de
informações que o mesmo possui, que facilita o tratamento metodológico que buscamos na
presente pesquisa.
Mais ubíquas que as estruturas monumentais e estátuas eram as moedas e medalhas
oficiais do Império Romano. Através de um processo de cunhagem regulado – em especial
após as Reformas Monetárias de Aureliano e Diocleciano – os imperadores facilmente
puderam utilizar as emissões monetárias imperiais como uma forma de difusão do transcrito
público.
Os anversos das moedas retratavam os bustos dos imperadores e seus títulos, enquanto
as freqüentes mudanças dos reversos anunciavam as vitórias militares, os programas civis, e
as crenças religiosas. Artisticamente desenhadas e estampadas em alto relevo, as moedas
romanas e medalhões foram difundidas através do Império, com a intenção de que a
população notasse as imagens e lessem as inscrições presentes – não apenas como meio de
troca nas transações econômicas.
Em termos religiosos, as moedas dos tetrarcas anteriores a Constantino representavam
um estreito arco de algumas divindades-chave do panteão Olímpico, enquanto que as moedas
de Constantino revelam várias nuances que apenas uma análise detalhada permite perscrutar –
como, por exemplo, o progressivo desaparecimento dos deuses pagãos, e o surgimento tímido
de motivos cristãos12.
Na presente pesquisa, optamos por estabelecer um corpus numismático com moedas
cunhadas entre 306 e 330, enfocando, especialmente, o período compreendido entre a
ascensão de Constantino ao poder, em 306, e a morte de Fausta e Crispo, em 326.
As moedas analisadas detidamente na dissertação encontram-se no Anexo II, e são
referenciadas nas notas de rodapé. Todas que se remetem ao corpus numismático são seriadas
12
MAURICE, J. Numismatique constantinienne, 3 vols. Paris, 1908-1912; ofereceu o primeiro estudo
detalhado das moedas e medalhas constantinianas, mas este trabalho foi superado por SUTHERLAND, C.H.V.
Roman Imperial Coinage, vol. VI: from Diocletian’s Reform to the Death of Maximinus, AD. 294-313.
London, 1973; BRUUN, P. Roman Imperial Coinage, vol. VII: Constantine and Licinius, AD 313-337.
London, 1966; e TOYNBEE, J. Roman Medallions, New York, 1944. Sobre o uso de símbolos cristãos nas
moedas constantinianas, consultar: BRUUN, P. The christian signs on the coins of Constantine. Arctos, Series 2,
vol. 3, 1962, pp. 5-35; BASTIEN, M. P. Le chrisme dans la numismathique de la dynastie constantinienne.
Collectionneurs et collections numismatiques. Paris, 1968, pp. 111-119; ODAHL, Ch. Christian symbols in
military motifs on Constantine’s coinage. Journal of Society for Ancient Numismatics. Vol. 13 (4), 1983, pp.
64-72; ODAHL, Ch. Constantinian coin motifs in Ancient Literary Sources. Journal of the Rocky Mountain
Medieval and Renaissance Association, vol. 7, 1986, pp. 1-15.
26
tal qual estão disposta no catálogo The Roman Imperial Coinage, e apresentam a seguinte
forma, por exemplo: RIC VI Trier 870(C²), o que significar dizer que se trata da 870ª moeda,
catalogada no RIC volume VI, como sendo proveniente da Casa de Cunhagem de Trier.
Quanto aos algarismos presentes entre parêntesis, estes se referem ao grau de raridade das
moedas, o qual varia entre C3 e R5.13
As moedas que compõem o Anexo II foram escolhidas por se tratarem de exemplares
de grande relevância para o entendimento das escolhas estratégicas de Constantino, e a forma
como ele buscava se apresentar perante a população, o seu transcrito público. Neste sentido,
são indicadoras da tomadas de decisão do imperador e dos mecanismos de legitimação
política.
13
Ver tabela na página 9.
27
Capítulo I – Discussão historiográfica
1. Antiguidade Tardia
As abordagens históricas sobre os últimos séculos da Antiguidade têm sido variadas.
As diferenças entre elas estão implícitas nos vários nomes aplicados a este período pela
historiografia moderna: Baixo Império Romano, Antiguidade Tardia ou Início do Período
Bizantino. Estas variações onomásticas revelam diferenças reais sobre perspectivas e
modalidades de escritas da história.
Em nossa pesquisa, nos relacionamos ao enfoque teórico que analisa este período sob
a denominação Antiguidade Tardia. À primeira vista, este é um termo menos tendencioso ao
abarcar toda a extensão geográfica da bacia mediterrânica romana e pós-romana. Os
historiadores deste viés estão mais preocupados com as regiões do Mediterrâneo oriental, e
com o Oriente Próximo, concentrando-se em temas sociais, culturais e religiosos, a expensas
da história política e institucional.
Os estudiosos da Antiguidade Tardia analisaram para além das preocupações do
governo do Império Romano, e lançaram suas atenções para outras condições fundamentais
que conferiram unidade ao período. Inevitavelmente, eles atribuíram maior relevância à
história religiosa e, acima de tudo, às transformações do paganismo polimórfico da
Antiguidade Clássica (séc. VI a.C.-III d.C.) para os sistemas religiosos predominantemente
monoteístas do início da época medieval, e da expansão árabe: o Judaísmo, o Cristianismo e o
Islamismo.
Este enfoque historiográfico também envolveu uma distensão dos limites cronológicos
do período. Enquanto a maior parte dos estudos sobre o Baixo Império Romano como o
período entre Diocleciano (284-305) e Justiniano (527-565), limites que são explicáveis
principalmente em termos dos acontecimentos e processos políticos. Os estudiosos da
Antiguidade Tardia usualmente são favoráveis à longuíssima duração que se iniciou em c.200
até c.800, algumas vezes referida como a “Longa Antiguidade Tardia”14.
Este período cobriu duas grandes transformações religiosas e suas conseqüências
sociais: a conversão do mundo Romano ao Cristianismo, e a emergência e rápida expansão do
Islamismo no Oriente Próximo, até o início do período do califado Abássida – do século VII
ao VIII.
14
CAMERON, Averil. The long Late Antiquity. In. WISEMAN, T.P. (Ed.). Classics in progress: essays on
Ancient Greece and Rome. Oxford, 2002. pp. 165-191.
28
Os grupos sociais educados do Oriente de língua grega, e seus menos numerosos
colegas latinos do ocidente também preservaram vários elementos da cultura clássica do
mundo Greco-Romano. Estudiosos da Antiguidade Tardia estão preocupados com a
manutenção desta cultura, e com o impacto do monoteísmo Cristão, Islâmico e Judaico.
A principal inspiração para tal abordagem pode ser atribuída à influência do
pesquisador irlandês Peter Robert Lamont Brown (1935-). Em seu pequeno livro, The World
of Late Antiquity, de 197115, o qual foi imprecisamente definido cronologicamente como
cobrindo o período de Marco Aurélio a Maomé, efetivamente alavanca o projeto de estudo da
Antiguidade Tardia, e redefine o período como um objeto de estudo – principalmente em
língua inglesa.
A grande produção de Peter Brown, e das várias gerações de historiadores inspirados
nele, explorou áreas e aspectos da história da Antiguidade Tardia que eram dificilmente
noticiadas pelo comportamento predominante da tradição dos estudos sobre Baixo Império.
Da abundante literatura cristã, Brown e seus seguidores estudaram e expuseram uma
imagem extraordinariamente diversificada da sociedade e da cultura em toda a sua
diversidade regional. Aquilo que fundamenta este projeto é uma impregnante preocupação em
explorar os efeitos das transformações religiosas sobre mentalidades individuais e coletivas16.
O impacto desta nova abordagem sobre a Antiguidade Tardia foi enorme, mas
irregular. Sem duvida, trouxe um novo ímpeto e vitalidade ao estudo deste período,
especialmente no mundo anglo-saxão – e na França a partir dos trabalhos tardios de HenriIrénée Marrou17. Além disso, transferiu a atenção dos temas tradicionais da historiografia –
imperadores, generais, impérios, Estados e exércitos –, para questões religiosas, acima de tudo
para os autores cristãos, para as comunidades unidas pela fé, e para o papel dos homens e
mulheres comuns, que viveram numa época de extraordinária transição.
Certamente, é difícil extrair padrões generalizantes das influências desses estudos
desta forma. Episódios individuais e biografias sobressaem de grande rede de eventos, alguns
tão cheios de vitalidade quanto a destruição do Serapeum de Alexandria, em 39218.
Entretanto, muitas vezes não é fácil localizá-los em um amplo contexto, e é ainda mais difícil
transformar estes contextos em uma acurada representação de um sistema de pensamento e
15
BROWN, Peter. O fim do Mundo Clássico: de Marco Aurélio a Maomé. Lisboa, 1972.
CAMERON, A. Op.cit. 2002. pp. 170-191. LIEBESCHUETZ, J. H. W. The birth of Late Antiquity. Antiquité
Tardive. 12, 2004. pp. 253-261.
17
MARROU, Henri-Irénée. Decadência romana ou Antiguidade Tardia? Lisboa, 1979.
18
BROWN, Peter. Authority and the Sacred. Londres, 1997. p.5.
16
29
símbolos culturais e sociais. Historiadores que têm seus objetos na Antiguidade ou no
Medievo são cativos destes estudos, mas não estão convencidos totalmente por eles.
Ninguém que estuda a Antiguidade Tardia hoje pode deixar de ser influenciado pelos
trabalhos de Peter Brown e de sua escola, e muito da produção historiográfica contemporânea
sobre este período, especialmente no mundo de língua inglesa – mas não somente –, tende a
ser eclética.
Os interesses historiográficos acabam por levar os pesquisadores a dispor de
abordagens contemporâneas para o mundo pós-clássico. Desde o desenvolvimento da
Nouvelle Histoire, na década de 1970, os historiadores – em especial, aqueles ligados à
historiografia francesa produzida pelos Annales – alargaram seus horizontes temáticos,
assumindo definições mais amplas acerca das abordagens, dos objetos e dos problemas19 –
aquilo que François Dosse denominou “História em migalhas” 20.
Há uma maior tendência ao estudo das ações sociais que das estruturas sociais, de uma
“cultura popular” em preferência da cultura de elite, das mentalidades ao invés dos níveis de
cultura, questões de identidade pessoal ou comunal que questões relativas às estruturas
políticas – e partindo disto, uma história de gênero, do corpo, entre outros objetos antes
impensáveis21.
Um ponto em comum destas abordagens tem sido o de subestimar a relevância dos
eventos individuais e específicos, e olhar, ao invés disso, para padrões fundamentais,
influências inconscientes sobre o comportamento humano, e, na história social e econômica,
sobrevalorizar a importância da longue durée22. Neste sentido, a análise braudeliana tem tido
uma grande influência sobre os historiadores da Antiguidade Tardia.
19
LE GOFF, Jacques. NORA, Pierre (Org.). História: novos objetos. Rio de Janeiro, 1988; História: novos
problemas. Rio de Janeiro, 1988; História: novas abordagens. Rio de Janeiro, 1988. LE GOFF, Jacques. A
história nova. São Paulo, 2005.
20
DOSSE, François. A História em migalhas. São Paulo, 1994.
21
Sobre as abordagens atuais na historiografia ocidental contemporânea, ver a coletânea: BURKE, Peter (Org.).
A Escrita da História. São Paulo, 1992.
22
BRAUDEL, Fernand. A longa duração [1958]. In. História e Ciências Sociais. Lisboa, 1972. pp. 7-70.
30
2. Constantino: um dissenso historiográfico
Qualquer pesquisador, que tenha seu tema circunscrito à época de Constantino, tem
que lidar com duas grandes tradições historiográficas que remontam a meados do século XIX,
e início do século XX.
A partir de um exame sumário, é simples observar que os pesquisadores concentraram
suas atenções principalmente sobre a campanha italiana de 312, nas palavras de Paul Veyne23
“um dos acontecimentos decisivos da história ocidental, e mesmo mundial, se produziu em
312, no imenso Império Romano”.
A campanha contra Maxêncio não é vista somente como o clímax de um drama
histórico individual e global, e uma intricada discussão historiográfica, mas também se
encontra circunscrita em um processo linear, num curso de eventos singulares que sugerem a
associação cada vez mais forte de Constantino com o Cristianismo a partir de 312.
Descortina-se, então, algo sem precedentes na história romana: a intervenção do
imperador na política eclesiástica, e seu correlato, o envolvimento dos bispos nas decisões do
Império Romano. “(...) em 312, o mais imprevisível dos acontecimentos estoura (...)” 24, dada
a sua significação para o futuro da história do Império Romano - e, porque não, do Ocidente -,
apenas uma experiência religiosa, e “imprevisivelmente” dramática, parece o bastante para
explicá-la.
Nas primeiras décadas do século XX, um dos principais proponentes deste viés
historiográfico foi o bizantinista inglês Norman Hepburn Baynes (1877–1961). Em uma
resenha publicada no Journal of Roman Studies25, ele observou a existência de um “crescente
consenso” entre os estudiosos sobre a importância dos acontecimentos ocorridos na campanha
contra Maxêncio, e sua importância para o desenvolvimento da política religiosa de
Constantino pós-312.
O próprio Baynes tomou parte deste “consenso” em sua Raleigh Lecture, que deu
origem ao estudo Constantine and the Christian Church (1929) – o qual se manteve como o
23
VEYNE, Paul. Quand notre monde est devenu chrétien (312-394). Paris, 2007. p.9: un des événements
décisifs de l’histoire occidentale et même mondiale s’est produit en 312, dans l’immense Empire romain”
24
Idem. “en 312, le plus imprévisible des événemets éclat”
25
BAYNES, Norman H. Review of Kenneth Setton. Journal of Roman Studies. v. 34, 1944. pp. 135-140;
Constantine the Great and the Christian Church [1929]. Londres, 1972. pp. 341-342; BAYNES, Norman.
MOSS, H. St. L. B. Byzantion. Londres, 1948.
31
principal estudo sobre Constantino até a publicação dos dois livros de Timothy David Barnes,
na década de 198026.
Enfastiado com a tendência historiográfica então dominante entre os pesquisadores do
período, os quais, segundo Baynes, analisavam Constantino a partir de preconceitos
ideológicos e teológicos; este pesquisador propunha uma remodelação dos estudos sobre
Constantino, a qual foi fortemente influenciada pelos trabalhos do historiador alemão Otto
Seeck (1850-1921), um dos primeiros a propor este redimensionamento da questão.
Como ponto de partida, Baynes propunha os documentos do próprio imperador – suas
cartas, editos e discursos –, de forma a melhor analisarmos a atmosfera de sua época. Nestes
documentos, Baynes detectou um espírito de religiosidade supersticiosa, concluindo que
Constantino se converteu ao Cristianismo em 312, por nenhuma razão além de uma simples
experiência de combate, o sucesso desta campanha conquistou sua fidelidade religiosa ao
Deus Cristão.
Fundamentado nesta experiência, Baynes – assim como Otto Seeck27 – concluiu que
Constantino desenvolveu um verdadeiro “sentido de missão”, o qual guiou sua política
religiosa pós-312 – especialmente em relação à Igreja. O principal objetivo desta política não
era outro além do “triunfo do Cristianismo e a união do Estado Romano com a Igreja
Cristã”28.
Neste sentido, Baynes, em adição à sua astuciosa argumentação e à maciça evidência
sobre a qual se apóia, tem por objetivo estabelecer uma análise histórica que interprete o
período sem gerar anacronismos interpretativos, nem que trabalhe apenas a partir das
categorias de pensamento da época em análise.
Uma interpretação de Constantino a partir das categorias de sua própria época iria
pouco além da tradicional narrativa de um fenômeno milagroso. Uma época em que todos
concordavam com a existência de uma intervenção ativa das forças divinas nos assuntos
humanos, a época de Constantino foi analisada como um momento no qual a ação da
providência divina era uma explicação satisfatória para uma mudança tão inesperada29.
O esvaziamento destas explicações, que repousam na assunção da existência de
poderes supra-humanos, é um fenômeno moderno. Nossa época não acha sentido nas
26
BARNES, T.D. Constantine and Eusebius. Cambridge, 1981; The New Empire of Diocletian and
Constantine. Cambridge, MA, 1982.
27
SEECK, Otto. Decline of the Ancient World. 6. vols. Londres, 1895-1921. Apud COLEMAN, Christopher.
Constantine the Great and the Christianity. New York, 1914. pp. 21-22.
28
BAYNES, op. cit. 1972, p.83: “the triumph of Christianity and the union of the Roman state with the Christian
Church”.
29
PIGANIOL, André. L’Empire Chrétien. [1944]. Paris, 1972. p. 29.
32
explicações históricas baseadas em milagres, de onde provêm os questionamentos levantados
pelos pesquisadores. De forma similar, deveríamos nos perguntar se estão certos em rejeitar o
aspecto religioso, se concentrando apenas em fatos políticos e sociais, repudiando um fator
fundamental e estruturante para a época e, por sua vez, distorcendo a questão para o extremo
oposto.
A arguta análise de Baynes sobre a conversão de Constantino como resultante de uma
simples experiência divina, lida bem com estas variáveis. Como uma explicação psicológica,
ela vai além da compreensão do tempo de Constantino, mas ela é, não obstante, uma
explicação que faz jus à motivação baseada em sentimentos religiosos “supersticiosos” do
Baixo Império Romano30.
Entretanto, as teses Otto Seeck e de Norman Baynes possuem alguns pontos frágeis,
que diminuem sua consistência interpretativa. O principal é a assunção de uma linearidade
acumulativa, ou seja, um crescente relacionamento de Constantino com o Cristianismo pós312. Este relacionamento, não obstante, é devido à ênfase unilateral dos pesquisadores com
este aspecto específico de sua trajetória, e, especialmente, se remetendo à documentação
escrita cristã, e às cartas do imperador.
Caso nosso foco seja lançado sobre a documentação material, por exemplo, as moedas
de Constantino continuaram a proclamar seu relacionamento especial com o deus Sol Inuictus,
de forma ainda mais acentuada no pós-312, enquanto, no mínimo, faziam referências
ambíguas a quaisquer interesses do imperador em relação a sua “nova religião”31, conforme
veremos mais adiante..
Quase uma década após o ano de 312, Constantino especificamente prescreveu a
consulta de livros sagrados “pagãos”, quando um raio atingiu o teto do Capitólio em Roma32,
e uma inscrição achada no Egito que mostra que mesmo em 327, o imperador ainda
subsidiava os cultos tradicionais e as viagens de seus sacerdotes33.
No final de seu governo – entre 333 e 335 –, Constantino aprovou uma petição dos
cidadãos de Hispellum na Úmbria para a dedicação de um templo Greco-Romano tradicional
30
Uma boa perspectiva psicológica sobre a conversão é oferecida por MacMULLEN, Ramsay. Constantine and
the Miraculous. Greek, Roman, and Byzantine Studies. v. 9, 1968. pp. 81-96.
31
BRUUN, Patrick. The Roman Imperial Coinage. v. VII. Londres, 1966. pp. 61-64.
32
CT XVI.10.1pr. (320/1 dec. 17): “Imp. Constantinus A. ad Maximum. si quid de palatio nostro aut ceteris
operibus publicis degustatum fulgore esse constiterit, retento more veteris observantiae quid portendat, ab
haruspicibus requiratur et diligentissime scriptura collecta ad nostram scientiam referatur, ceteris etiam
usurpandae huius consuetudinis licentia tribuenda, dummodo sacrificiis domesticis abstineant, quae specialiter
prohibita sunt”.
33
MILLAR, Fergus. P. Herennius Dexippus: the Greek World and the Third-Century Invasions. Journal of
Roman Studies. v. 59. 1969. p.17.
33
à gens Flávia34. Além disso, ele erigiu em Constantinopla uma estátua de si mesmo,
representado como o Sol Inuictus para a qual, segundo o historiador Filostórgio35, honras
divinas eram prestadas pelos cidadãos após sua morte36.
Outrossim, do próprio Eusébio de Cesaréia temos evidências implícitas que
Constantino manteve filósofos pagãos em seu círculo íntimo de corte em seus últimos anos37.
Para um imperador tão firmemente ligado ao Cristianismo como Baynes supôs, estas ações
são indecisas de um modo perturbador.
Não obstante, o próprio Baynes estava ciente dos problemas de sua tese. Para explicálos, argumentou que Constantino precisava se mover lentamente em face à oposição pagã,
especialmente enquanto continuava existindo um imperador pagão como seu colega, no
Oriente. Até a derrota de Licínio em 324, de acordo com esta interpretação, Constantino
necessariamente moveu-se cuidadosamente, mas a partir do momento em que se tornou o
único governante ele pode ser visto agindo mais abertamente e diretamente. Deste modo,
Baynes admitiu que devem ter havido mudanças nos meios que Constantino empregou. Mas,
sustentava, o imperador foi sempre consistente nos fins que ele buscava38.
Outro pesquisador que desenvolveu esta posição foi o historiador e numismata
húngaro Andreas Alföldy (1895-1981), o qual estudou o poder contínuo do sentimento pagão,
particularmente aquele da aristocracia, mesmo após 324. Os atos pagãos de Constantino,
concluiu Alföldy, deveriam ser vistos mais como concessões necessárias do que como atos
voluntários, sendo menos surpreendentes que sua coragem em afirmar a causa cristã, e buscar
sua expansão, tal como fez39.
Esta argumentação é interessante, contudo, continua possuindo certas inconsistências.
Em primeiro lugar, um homem convertido por um milagre faria tais cálculos políticos sobre o
paganismo? Se os fez, então porque não fez o mesmo com o Cristianismo? E o que devemos
fazer com os eloqüentes pronunciamentos feitos por Constantino sobre um comportamento de
tolerância religiosa e liberdade de culto – devem ser reduzidos a um plano político? Como
34
Hispellum: CIL XI2:5265. Foram propostas várias datações para esta inscrição, usualmente variando entre 333
e 335. J. Gascou, por sua vez, propôs que a inscrição data de um período após 9 de setembro de 337: Le rescrit
d’Hispellum. Mélanges d’Archeologie et d’Histoire. École Française de Rome. v. 79. 1967. pp. 617-623.
35
Filost.. HE. II. 17.
36
Sobre a coluna com o Sol Inuictus, em Constantinopla, ver: FOWDEN, Garth. Constantine’s porphyry
column: earliest literary allusion.. Journal of Roman Studies. v. 81. 1991. p.119-131.
37
Eus. VC. IV. 55. O nome de pelo menos um desses filósofos nos é conhecido: Sopater de Apamea, um
filósofo Neoplatônico que foi conselheiro de Constantino, e acabou sendo executado por denúncia de
conspiração (Zós. HN. II, 40; PLRE I, 846)
38
BAYNES, op. cit. 1972. pp. 19, 29-30 passim.
39
ALFÖLDY, Andreas. The conversion of Constantine and Pagan Rome. Oxford, 1948. pp. 30, 56-81. A
mesma hipótese surge no artigo: The helmet of Constantine with the Christian Monogram. The Journal of
Roman Studies. v. 22. pp. 9-23, 1932.
34
podemos explicar o tratamento favorável que Constantino estendeu ao Cristianismo antes de
312? Se seu relacionamento com a Igreja dependia de seu comprometimento pessoal a partir
daquele ano, então estas ações anteriores devem ser repudiadas ou ignoradas.
Entretanto, a despeito destes problemas, Norman Baynes sustentava firmemente sua
posição, a qual era obviamente uma estratégia de combate dentro do campo historiográfico.
Desde meados do século XIX, o viés historiográfico que dominava os estudos sobre
Constantino tinha maculado seu relacionamento com a Igreja Cristã ao negar a sinceridade de
sua conversão.
O grande nome desta tradição historiográfica é o do historiador suíço Jacob
Burckhardt, o qual desenvolveu ideias outrora esboçadas nas palestras de seu professor
Bartold Georg Niebuhr (1776-1831)40, em sua obra Die Zeit Constantins des Groβen, cuja
primeira edição data de 185341.
Assumindo como orientação que todos os homens no poder são velhacos e
maquiavélicos, Burckhardt combatia a imagem medieval42 de um Constantino santificado, e
do milagre sobre o qual esta visão se fundamentava. Ao invés disso, Burckhardt retratou um
imperador que era, como os “grandes homens” de seu tempo, “essencialmente não-religioso”,
alguém que simplesmente usou a Igreja como um instrumento para realizar suas pretensões
pelo poder supremo43.
Constantino era um político calculista que, astuciosamente, empregou todos os meios
necessários para assegurar e manter o poder. Como uma pessoa descrente que nunca se
colocou do lado de uma única facção – cristãos, politeístas, soldados, senadores, bispos,
servidores palacianos –, preferiu estar sempre perto de todos44.
O trabalho de Jacob Burckhardt apontou um caminho para uma compreensão
fundamentalmente não-cristã da trajetória de Constantino, mas, o fez à custa da própria
sinceridade e religiosidade do imperador. Seguindo esta direção, um autor da época de Baynes
40
NIEBUHR, Bartold G. Lectures on History of Rome. 3ª Ed. Londres, 1853. p. 318: “His religion must have
been a strange compound indeed, something like the amulet which I described to you some time ago. The man
who had on his coins the inscription Sol Inuictus, who worshipped pagan divinities, consulted the haruspices,
indulged in a number of pagan superstitions, and, on the other hand, built churches, shut up pagan temples, and
presided at the Council of Nicaea, must have been a repulsive phenomenon, and was certainly not a Christian”.
41
BURCKHARDT, Jacob. La época de Constantino el Grande [1853]. México, 1945.
42
Sobre as representações de Constantino na literatura durante a Idade Média e a Época Moderna, ver:
COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. pp. 175 et seq; LIEU, Samuel. Constantine in Legendary Literature. In.
LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp. 298-324; SILVA, Diogo Pereira da. SANTOS, Paula
Braga Guedes dos. Relatos da Batalha de Ourique em Portugal do século XVI: Uma análise comparativa com a
narrativa eusebiana da Batalha da Ponte Mílvio. In: Anais Virtuais do XVII Ciclo de Debates em História
Antiga. 2007.
43
BURCKHARDT, J. Op. cit. 1945. p. 331.
44
Ibidem. pp.331-380.
35
retratou Constantino como completamente desviado, indivíduo inescrupuloso que amava seu
“zickzackkurs” (caminho em ziguezague)45.
Após o sucesso da tese de Burckhardt, grande parte dos historiadores alemães aceitou
a visão de que Constantino adotou o Cristianismo por motivos políticos, utilizando-o para
propósitos políticos, não se comprometendo, nem o Império, com a religião.
Este viés teve como um de seus expoentes o historiador belga Henri Grégoire que em
1930 rejeitou a autenticidade não apenas da conversão de Constantino ao Cristianismo, como
também da autoria da Vida de Constantino, por Eusébio de Cesaréia e, de fato, de toda a
tradição pró-imagem religiosa de Constantino 46.
Para Theodor Heim47, embora Constantino tenha sido de algum modo afetado pelo
Cristianismo, e tenha sido batizado no leito de morte, suas ações oficiais tendiam entre o
paganismo e o cristianismo. Theodor Zahn48 retratou Constantino como o campeão de um
vago monoteísmo, não especificamente cristão, até sua vitória sobre Licínio, após a qual foi
definitivamente um cristão.
Joachim Marquandt49 afirmou que Constantino construiu templos pagãos em
Constantinopla, e que nunca rompeu com as tradições religiosas romanas, sendo incerto
afirmarmos que ele fosse cristão. Brieger50 analisando as emissões monetárias, e outros
vestígios materiais, inferiu que embora Constantino tivesse uma grande variedade de
superstições cristãs, estas não suplantaram suas ideias pagãs originais.
Neste sentido, a tese de Baynes tinha como objetivo refutar estas análises
historiográficas, e reorientar as pesquisas sobre Constantino – e o conseguiu com maior
sucesso que Otto Seeck. Não obstante, a historiografia moveu-se para além de suas premissas.
O ano de 312 foi certamente central para a trajetória de Constantino, mas sua política a
partir desta época parece ter refletido um gradual desenvolvimento de tendências anteriores,
mais do que um recomeço. A repressão ativa do paganismo, uma conseqüência necessária da
interpretação de Baynes, é bastante questionável: há evidências que seus contemporâneos
45
GARDTHAUSEN, V. Das Alte Monogramm. Leipzig, 1924. pp. 75. Apud DRAKE, Harold Allen. In Praise
of Constantine. Berkeley, 1976. p.28.
46
GRÉGOIRE, Henri. La ‘conversion’ de Constantin. Revue Universitaire de Bruxelles. v. 36, 1930. pp. 231272; Eusèbe n’est pás l’auteur de La ‘Vita Constantini’. Byzantion. v. 13, 1938. pp. 561-583; La vision de
Constantin ‘liquidée’. Byzantion. v. 14, 1939. pp. 341-351.
47
HEIM, Theodor. Der Uebertritt Constantins des Grossen zum Christenthum. Zurique, 1862. Apud.
COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. pp. 20-21.
48
ZAHN Theodor. Constantin der Grosse und die Kirche, 1876. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. p. 21.
49
MARQUANDT. Joachim. Romische Staatsverwaltung. v. III, 1878. p. 113. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit.
1914. p. 21.
50
BRIEGER, Theodor. Constantin der Grosse als Religionspolitiker. Zeitschrift fur Kirchengeschichte. v. IV,
1880. p. 163. Apud. COLEMAN, Ch. Op. cit. 1914. p. 21.
36
pagãos viam as relações de Constantino com o Cristianismo, como um mal suportável. Mais e
mais, a conclusão que todos os gestos religiosos de Constantino devem ser entendidos como
exclusivamente dirigido em relação ao estabelecimento da Igreja Cristã parece inadequado.
No decorrer do século XX, surgiram vários trabalhos que, de uma forma geral, podem
ser relacionados a estas duas tradições historiográficas – em especial à proposta de Norman
Baynes.
A despeito destas duas perspectivas, desenvolveu-se na historiografia francesa uma
análise baseada na ideia de sincretismo filosófico em torno da existência do Deus Supremo,
do qual Constantino era fiel.
Nas décadas de 1930 e 1940, o historiador e arqueólogo francês André Piganiol (18831968) publicou dois estudos sobre Constantino e a formação do Império Cristão51. Nestes
estudos, Piganiol se preocupou em refutar como falsas as premissas dos estudos que
enxergam Constantino a partir de um realismo político52; concluindo que Constantino buscava
o culto do Deus Supremo, a qual já era, por si só, uma evolução do sincretismo filosóficoreligioso do século III. Posição também defendida por Jacques Moreau53.
Neste sentido, Constantino não foi o causador da conversão do Ocidente, pois não
tinha objetivos prosélitos, mas de tolerância religiosa; sendo a afirmação das políticas
religiosas propostas por Lactâncio em sua obra Instituições Divinas54.
O recente trabalho de Jean-Michel Carrié e Aline Rousselle55 apresenta os mesmos
questionamentos sobre o caráter religiosamente sincrético de Constantino. Analisando as
manutenções de signos politeístas de poder, como o culto imperial, a consecratio e o
aduentus; e seu diálogo com os símbolos cristãos, permeado por múltiplas ambigüidades,
como no caso da cidade de Constantinopla.
Sendo assim, para os autores, Constantino, até 312, era um crente da Suprema
Deidade, e que progressivamente substitui o aspecto público do politeísta pelo cristianismo.
Sendo o sinal principal desta mudança a presença proeminente dos bispos, conseqüentemente,
o cristianismo se tornou a forma de justificação política preferida do poder imperial.
Um importante historiador que seguiu abertamente Norman Baynes foi o inglês Arthur
Hugh Martin Jones (1904-1970), que em 1948 publicou Constantine and the conversion of
51
PIGANIOL, André. L’empereur Constantin. Paris, 1933; L’Empire Chrétien. [1944] Paris, 1972.
PIGANIOL, A. Op. cit. 1972. pp.78: “Chacun de ces portraits si différents renferme assuréments des traits
exacts. Le seul qui nous paraisse tout à fait faux est celui de l’homme d’État réaliste”.
53
MOREAU, Jacques. Introduction. In. LACTANCE. De la mort des persécuteurs. Tr. Jacques Moreau. Paris,
1954 (Les Belles Letres).
54
Ibidem. pp. 75-78.
55
CARRIÉ & ROUSSELLE, Op. cit. 1999. p. 251
52
37
Europe56. Para Jones, Constantino já cultuava o Deus Supremo – na forma do deus Sol
Inuictus –, sendo o Deus Cristão visto como o mesmo Deus Supremo que anteriormente
cultuava. Após ter se tornado imperador das Gálias, e, em especial, após sua visão mística de
312, Constantino desenvolve uma política claramente pró-cristã; através de restituições e
patrocínio 57.
Os cristãos, então, de um grupo ínfimo, principalmente na aristocracia senatorial, se
tornaram, ao cabo de cinqüenta anos, a maioria da população. A conversão de Constantino
redefiniu a relação entre Estado e Igreja, que acabou por ser utilizada pelo imperador como
forma de legitimação, principalmente após o Concílio de Nicéia 58.
Ramsay MacMullen (1928-), autor com uma prolífica produção sobre o tema do
Cristianismo e do paganismo no mundo antigo59, interpreta a conversão de Constantino como
um evento que mudou radical e rapidamente a situação religiosa do Império Romano60. Da
mesma forma que Piganiol, MacMullen afirma que Constantino não tinha um objetivo
prosélito, embora seu patrocinium imperial à sua nova religião tenha permitido sua grande
expansão pelo século IV.
Inserindo a expansão do Cristianismo na longa duração, MacMullen busca os
determinantes sociais para sua difusão, e encontra no governo de Constantino – “a Friend of
the Church” – um momento de rápida e importante expansão do cristianismo pelos
intelectuais, e pelos grupos dominantes da população61.
Embora não tenha escrito nenhum trabalho especificamente sobre Constantino, os
estudos de Peter Brown possuem as vantagens de inserir a conversão deste imperador na
trama histórica da Antiguidade Tardia. Em The Rise of Western Christendom: Triumph and
Diversity – AD 200-100062, o autor aprofundou as ideias outrora apresentadas em seu
importante manual The World of the Late Antiquity63, livro de 1971.
56
JONES, A. H. M. Constantine and the conversion of Europe. [1948] Toronto, 2003.
Ibidem. pp. 73-90; JONES, A. H. M. Le decline du monde antique 284-610. Paris, 1970. pp. 39-49.
58
JONES, A.H.M. Op. cit. 2003. p. 201 et seq; postura muito próxima é defendida pelo francês de ascendência
russa Jean Meyendorff (1926-1992) In. Unité de l’Empire et divisions des chrétiens; L’Église de 450 à 680.
[1989] Paris, 1993. p. 19.
59
MacMULLEN, Ramsay. Constantine. New York, 1969; Paganism in the Roman Empire. New
Haven/London, 1981; Christianizing the Roman Empire (A.D. 100-400). New Haven/London, 1984;
Christianity and Paganism in the Fourth to Eight centuries. New Haven/London, 1997.
60
MacMULLEN, R. Op. cit. 1984. pp. 43 et seq.
61
Ibidem. pp. 59 et seq.
62
BROWN, Peter. El primer milenio de la cristandad occidental. Barcelona, 1997.
63
BROWN, Peter. O fim do Mundo Clássico: de Marco Aurélio a Maomé. [1971] Lisboa, 1972.
57
38
Também seguindo a orientação metodológica de Norman Baynes, Brown interpreta
que as leis e cartas pessoais emitidas por Constantino após 312, “decorreram mais de um
desenvolvimento em curso desde o século III, que do aparente milagre da Ponte Mílvio”64.
Constantino e seus sucessores trouxeram às igrejas cristãs paz, riqueza e, acima de
tudo, a habilidade de se organizarem e se enraizarem a nível local, com as vultosas
contribuições que os imperadores a partir de Constantino lhes ofereceram, tendo como
retribuição a legitimação de seu poder.
Em vista disto, sob o patrocinium imperial, as igrejas formaram uma malha pelo
Império Romano, que se manteve após a derrocada da parte Ocidente, patente desde a tomada
de Roma por Alarico, o Visigodo, em 410. Eram os tempora christiana, no qual as igrejas
ocidentais não precisaram mais do Império para se manter65.
Na atualidade, nenhum estudo sobre Constantino pode se furtar em mencionar as
importantes contribuições do inglês Timothy David Barnes (1942-). Seguidor das teses de
Baynes, Barnes em seus livros Constantine and Eusebius (1981), e The New Empire of
Diocletian and Constantine (1982)66 retratou um Constantino mais humano e com todas as
limitações, o qual experimentou uma conversão radical e, em seguida, objetivou expandir sua
fé pelo Império Romano67.
Sua relação com o Cristianismo que se conformou desde o início de seu reinado, se
tornou mais forte ainda no pós-312; sendo o coroamento desta conversão o patrocínio à
construção de igrejas, e à institucionalização da Igreja, através de concílios.
Neste sentido, Constantino não é tão enigmático e supersticioso quanto nas páginas de
Norman Baynes, sendo, por outro lado:
Após 312, Constantino considerou que sua principal responsabilidade como imperador
era inculcar a virtude em seus súditos e persuadi-los a cultuar Deus. O caráter de
Constantino não é completamente enigmático; com todas as suas falhas e a despeito de
sua intensa ambição pelo poder pessoal, ele, não obstante, acreditava sinceramente
que Deus lhe conferiu uma missão especial de converter o Império Romano ao
68
Cristianismo .
64
BROWN, P. Op. cit. 1997. p. 33.
Ibidem. pp. 27-55.
66
BARNES, Timothy David. Op. cit. 1981; The New Empire of Diocletian and Constantine. Cambridge, MA,
1982.
67
BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 275.
68
Idem: “After 312 Constantine considered that his main duty as emperor was to inculcate virtue in his subjects
and to persuade them to worship God. Constantine’s character is not whooly enigmatic; with all his faults and
despite an intense ambition for personal power, he nevertheless believed sincerely that God had given him a
special mission to convert the Roman Empire to Christianity”.
65
39
Esta postura de Barnes apresenta muitos pontos de contato com as análises de longa
duração desenvolvidas por Robin Lane Fox69 em Pagans and Christians, de 1986. Este
trabalho tinha por objetivo fazer um exame amplo, e profundo, das mudanças ocorridas no
mundo romano, principalmente nos séculos III e IV, quando o paganismo foi superado em
favor do cristianismo.
Na obra de Lane Fox, Constantino é novamente visto como um personagem central ao
favorecer a expansão da Igreja, e a conformação do seu dogma, ao patrocinar concílios, e
promulgar leis que favoreciam os membros de sua nova religião 70
Dos últimos estudos monográficos que tem por objeto Constantino, desenvolveram
argumentações totalmente favoráveis a um Constantino cristão, sendo o auge desta tendência
as obras de T.G. Elliot, The Christianity of Constantine the Great (1996) 71, e de Charles
Matson Odahl, Constantine and the Christian Empire (2004)72.
Para T.G. Elliot, Constantino já estava comprometido com o cristianismo desde o
início de sua vida, pois seus pais – Constâncio Cloro e Helena – já eram cristãos. Quando
Constantino se tornou imperador mostrou a todos sua persona christiana, daí as suas
políticas, e a de seu pai, favoráveis aos membros desta religião.
Já Charles Odahl apresenta um retrato histórico-biográfico de Constantino baseado
numa extensa documentação, o que não o impede de fazer uma leitura linear do
desenvolvimento religioso de Constantino, do paganismo ao cristianismo, de uma forma
teleológica.
Para Odahl, Constantino era um fiel seguidor do Cristianismo, entretanto isto não
inviabilizou um governo de tolerância religiosa para com os seus súditos. Constantino possuía
um forte sentido de missão, e usou seus poderes para promover e proteger a Igreja Cristã73.
Recentemente, o clérigo anglicano, e reputado historiador inglês, Henry Chadwick
(1920-2008) – em seu The Church in Ancient Society: from Galilee to Gregory the Great, de
200174 – analisou que as relações entre Constantino e o cristianismo se desenvolveram desde
o início de seu governo em 306. Deste modo, é difícil saber se sua aliança com o Deus cristão
data de 312, ou se relaciona a algum elemento cristão presente em sua família.
Chadwick problematizou o relacionamento com o divino como um dos aspectos
principais da legitimação de Constantino, desde os momentos iniciais de seu governo na Gália
69
LANE FOX, Robin. Pagans and Christians. New York, 1986.
Ibidem. pp. 609-662.
71
ELLIOT, T.G. The Christianity of Constantine the Great. New York, 1996. pp. 17-72.
72
ODAHL, Ch. Op. cit. 2004.
73
Ibidem. pp. 283-4.
74
CHADWICK, Henry. The Church in Ancient Society: from Galilee to Gregory the Great. Oxford, 2001.
70
40
e Britânia. Neste ponto, Chadwick também assumiu a existência de um sincretismo religioso
em torno das divindades solares – Apolo, Sol Inuictus e o Deus Cristão (o sol da justiça).
Por fim, a última obra lançada sobre Constantino, que chegou até nosso conhecimento,
e o desenvolvimento do Cristianismo no ocidente, a qual foi escrita pelo historiador francês
Paul Veyne (1930-) – Quand notre monde est devenu chrétien (312-394), de 200775. Para este
autor, o grande papel histórico de Constantino foi o de fazer do Cristianismo, sua religião
pessoal, uma religião favorecida pelo poder imperial, ao contrário do paganismo.
Segundo Veyne, Constantino foi um homem pragmático, que evitou o conflito direto
que seria causado caso forçasse os pagãos à conversão, mas tampouco deve ser visto como
um político que objetiva inculcar uma “ideologia” em seus súditos76.
Sua interpretação de Constantino termina com a seguinte explicação sobre as causas
de sua conversão:
O motivo da conversão de Constantino é simples, me disse Hélène Monsacré: àquele
que desejava ser um grande imperador, era necessário um grande deus. Um Deus
gigantesco e amante, que se apaixona pela humanidade, suscitava sentimentos mais
fortes que a multidão de deuses do paganismo, que viviam para si mesmos; este Deus
desenrolava um plano não menos gigantesco para a salvação eterna da humanidade;
77
ele se imiscuía na vida de seus fiéis exigindo-lhes uma moral estrita .
O Constantino de Paul Veyne se torna então um indivíduo cuja importância é central
para a história da Humanidade78, uma vez que sua conversão lançou bases para a
cristianização do Império Romano, fundamentando a civilização ocidental79
Em fins do século XX, os estudos sobre Constantino tenderam a enfatizar menos o
conflito entre o viés que o analisa pelo prisma de sua religiosidade mística – Baynes, Seeck, e
outros –, ou como um político realista – Burckhardt, Grégoire, e outros. Por seu lado, os
estudos contemporâneos têm por objetivo inserir Constantino na relação entre cristianismo e
paganismo a partir de um viés que relacione aspectos políticos e religiosos.
75
VEYNE P. Op. cit. 2007.
Ibidem. p. 19: “Encore moins le christianisme étail-il à ses yeux une ‘idéologie’ à inculquer aux peoples par
calcul politique”.
77
Ibidem. p. 33: “Le motif de la conversion de Constantin est simple, me dit Hélène Monsacré: à celui qui
voulait être un grand empereur, il fallait un dieu grand. Un Dieu gigantesque et aimant qui se passionnait pour
l’humanité, éveillait des sentiments plus forts que le peuple des dieux du paganisme, qui vivaient pour euxmêmes; ce Dieu déroulait un plan non moins gigantesque pour le salut éternel de l’humanité; il s’immisçait dans
la vie de ses fidèles en exigeant d’eux une morale stricte”.
78
Ibidem. p. 99 et seq.
79
Ibidem. p. 9.
76
41
Os principais exemplos desta tendência, que se desenvolveu, principalmente, no
mundo Anglo-Saxão, e fortemente influenciados pelos estudos de Peter Brown, são os estudos
de Harold Drake80, de Elizabeth Digeser81 e Averil Cameron82.
Estes três autores apresentam a preocupação em trabalhar com o contexto de
Constantino, e com a questão da afirmação do poder imperial, buscando inferir o
relacionamento entre o imperador, cristianismo e paganismo na passagem do século III para o
século IV, e na formação do mundo tardo-antigo.
Em seus trabalhos sobre Constantino, a historiadora inglesa Averil Cameron (1940-)
buscou inserí-lo em um contexto histórico permeado por transformações e continuidades, que
levaram ao desenvolvimento de um “novo Império”. Em todos os aspectos – políticos,
administrativos, religiosos, e outros –, Constantino seguiu as tendências de seus
antecessores83.
Outra grande vantagem do estudo de Averil Cameron é ser uma das primeiras a dar
relevo à importância que Constantino atribuía à sua imagem pública 84, e sua difusão através
de moedas, e monumentos.
Em seus estudos, os americanos Elizabeth DePalma Digeser (1959-) e Harold Allen
Drake (1942-) trabalharam com a questão da fundamentação religiosa do poder imperial na
Antiguidade Tardia. Elizabeth Digeser fez um estudo das políticas religiosas de Constantino
no pós-312, e como elas se relacionavam com as proposições do rétor Lactâncio expostas em
sua obra Instituições Divinas.
Para a autora85, Constantino pôs em prática certas ideias de Lactâncio, principalmente
a tolerância religiosa, e a concórdia em torno da liberdade religiosa, sendo a legitimidade do
80
DRAKE, Harold Allen. Constantine and Consensus. Church History. v. 64. pp. 1-15, Mar. 1995;
Constantine and the Bishops; the politics of intolerance. Baltimore/London, 1999; The impact of Constantine
on Christianity. In. LENSKI, Noel. Age of Constantine. Cambridge, 2006. pp.111-136 (The Cambridge
Companion); Lambs into Lions: explaining early Christian intolerance. Past and Present. v. 153. pp. 3-36,
Nov. 1996. Suggestions of date in Constantine’s Oration to the Saints. The American Journal of Philology. v.
106. pp. 335-349, Autumn. 1985; What Eusebius knew: the genesis of the “Vita Constantini”. Classical
Philology. v. 83. pp. 20-38, Jan. 1988.
81
DIGESER, Elizabeth DePalma. The Making of a Christian Empire; Lactantius and Rome. Ithaca/London,,
2001 ; Lactantius, Porphyry and the debate over religious toleration. Journal of Roman Studies. v. 88, 1998.
pp. 129-146.
82
CAMERON, Averil. Constantine and the ‘peace of the Church’. In. MITCHELL, Margaret. YOUNG,
Frances. The Cambridge History of Christianity. v.I: Origins to Constantine. Cambridge, 2006. pp.538-551;
El Bajo Imperio, Madrid, 2001 [Original de 1993]; The Mediterranean World in Late Antiquity (395-600).
Londres, 1993b; The Reign of Constantine (306-337). In. BOWMAN, Alan K. GARNSEY, Peter. CAMERON,
Averil. The Cambridge Ancient History II. v. XII: The Crisis of Empire (193-337). Cambridge, 2005. pp.
90-109.
83
CAMERON, A. Op. Cit. 2001. pp. 34 et seq.
84
Ibidem. p. 44.
85
DIGESER, E. Op cit. 2001, p.121-143
42
sistema político baseada na escolha da Deidade Suprema, identificada com o Deus cristão,
desta forma, o providencialismo subjazia a justificação de direito divino do imperador.
Harold Drake86, por seu lado, sugere que Constantino buscava não somente um deus
para crer, como também uma política religiosa que pudesse adotar, tendo em vista a crença
que os fundamentos do poder imperial derivam do sagrado. As medidas deste imperador,
deste modo, foram constituídas para assegurar a estabilidade do Império e o cumprimento das
obrigações imperiais de Constantino, assegurando o favor das potestades sobrenaturais.
Para Drake, esta política de Constantino se baseava em um consenso entre pagãos e
cristãos, e na tolerância religiosa. Suas políticas enfatizavam a diversidade e uma ortodoxia
vagamente definida, o que indicaria que Constantino enxerga o Cristianismo como uma
“umbrella organization”, na qual diferentes grupos estariam reunidos sob uma “big tent” de
interesses mútuos, baseados nos campos simbólicos comuns entre os membros da sociedade –
o que assegurava a legitimidade sagrada deste imperador87.
Neste sentido, o autor88 afirma a necessidade de estudos que analisem o contexto de
Constantino de forma mais ampla, não apenas a questão do cristianismo, como também a
relação entre a figura do Imperador e o politeísmo, as heranças filosóficas helenísticas
comuns a cristãos e politeístas. Principalmente, Drake afirma a necessidade de trabalhos que
examinem a relação entre os discursos e a afirmação do poder imperial.
Embora o debate historiográfico sobre Constantino seja de longa data, e apresente
múltiplas teses, concordamos com H. A. Drake, para o qual uma questão central tem sido
negligenciada pela historiografia. Para este autor89, devido aos efeitos de cisão de quase uma
década de perseguição e o insucesso das medidas persecutórias, deveríamos nos perguntar
pelas opções políticas abertas àquele que se tornasse imperador em 312, pouco importando
sua crença religiosa.
A nosso ver, a explicação para a não proposição desta questão subjaz no interesse
exagerado dos estudiosos desde Niebuhr e Burckhardt em estabelecer, ou menosprezar, a
sinceridade da conversão de Constantino, e a força de seu comprometimento com o
cristianismo. Por esta razão, eles assumem não somente que tudo aquilo que Constantino fez
era planejado, como também que apenas um cristão poderia lidar com a “questão cristã”.
86
DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. p.116
DRAKE, H.A. Op. cit. 1995. p.4: “This emphasis on diversity and a broad, vaguely defined standard of
orthodoxy indicates very clearly the type of organization Constantine envisioned. He thought of Christianity as
an "umbrella" organization, able to hold a number of different wings or factions together under a "big tent" of
overarching mutual interest”.
88
DRAKE, Op. cit. 1999. p.185
89
Ibidem. p.182
87
43
As premissas sobre as quais se fundamentam não são, contudo, justificáveis. Embora
central para os debates acerca da ortodoxia da Grande Igreja que Constantino fortaleceu, a
sinceridade de sua fé tem pouco a acrescentar numa análise política de seu governo,
especialmente em análises de longa duração.
Deste modo, o Edito de Milão promulgado por Constantino pode ou não atestar sua
sincera conversão, o mesmo no caso de Licínio, o co-signatário da lei. A questão se coloca
principalmente porque os autores se preocupam refutar, ou então seguem a argumentação de
Eusébio acerca da visão mística de 312, baseados num olhar cristão sobre este evento, o que
encorajou tais questionamentos em torno da religiosidade de Constantino.
Outro ponto de partida, a nosso ver, pode ser proposto para o entendimento dos
discursos cristãos e politeístas, inserindo-os no contexto das ideias sobre o governo, sobre o
relacionamento entre o governante e o divino, que eram parte do sistema de representações
imperiais desde antes do século IV90.
Como bem analisou François Paschoud91, a historiografia trata o tema a partir da
divisão em dois campos estanques, os pagãos e os cristãos. Entretanto, devemos tratá-los não
como adversários com posturas opostas, mas como irmãos que tinham a mesma educação,
mesma sensibilidade estética, viviam no mesmo mundo, falavam a mesma língua.
Desta perspectiva, podemos observar temas comuns em muitos dos discursos que,
devido a seu conteúdo religioso, têm sido artificialmente separados em categorias como pagão
e cristão. Inseridos na figuração social específica que se desenvolveu no Império Romano
entre os séculos III-IV havia incentivos políticos e filosóficos para a apresentação do
governante romano como apoiado por um divino comes/philos, ou seja, um acompanhante
divino.
Por esta razão, a existência de certos temas comuns nas representações da carreira de
Constantino – como os que celebravam os vínculos de Constantino com o sagrado, seu
sentido de missão providencial, a expressão de que era um governante sem paralelos, os seus
laços de parentesco – eram comuns a oradores cristãos e politeístas, e nas expressões públicas
do próprio Constantino.
90
CHESNUT, Glenn. The Ruler and the Logos in Neopythagorean, Middle Platonic, and Late Stoic political
philosophy. In. TEMPORINI, Hildegard. HAASE, Wolfgang (Hrsg.) Aufstieg und Niedergang der römischen
Welt. Berlim & New York: Walter de Gruyter, 1978; DRAKE, H.A. Op. cit. 2000; HIDALGO DE LA VEGA,
Maria José. El intellectual, la realeza y el poder político en el Imperio Romano. Salamanca: Ediciones
Universidad de Salamanca, 1995; PASCHOUD, François. Les Étapes d’une perte d´identité: les défenseurs du
paganisme officiel face au naufrage de leur monde (312-410) In. BARZANO, Alberto et alii Identità e valori
fattori di aggregazione e fattori di crisi nell´esperienza política antica. Roma: L´Erma di Bretschneider,
2001, p.227-240
91
PASCHOUD, François. Op. Cit. 2001. pp. 229.
44
Neste sentido, a presente análise se desenvolve a partir desta abordagem do
relacionamento de Constantino com o paganismo e o cristianismo, tendo em vista as relações
guardadas entre os discursos, e as representações da figura imperial, o que nos conduz ao
cerne de nossos questionamentos – quais os mecanismos de legitimação do poder imperial no
Baixo Império Romano.
45
Capítulo II – As transformações do século III
O período da “crise do século III” tem sido comparado a um túnel mal iluminado que
separa dois mundos bem conhecidos: de um lado, a Época Severiana (193-235), e do outro a
Época de Diocleciano e Constantino (284-337)1. Isto se deve, em geral, a ausência de
informações textuais confiáveis sobre esta fase da história romana, o que teve dois efeitos
historiográficos importantes.
Em primeiro lugar, desencorajou, até recentemente, o desenvolvimento de pesquisas
acadêmicas, sendo um período que foi, efetivamente, saltado, ou tratado apenas de forma
resumida, reiterando-se o profundo contraste entre as duas pontas do “túnel”. Em segundo
lugar, a representação do século III como uma “Idade das Trevas Romana” encorajou a
atribuição das mudanças observáveis entre o Principado e o Dominato a este curto período
que, de fato, pouco se sabe.
Sobre estas duas consequências historiográficas desenvolveram-se as abordagens que
analisam o século III a partir do sentido de “catástrofe” e “declínio”, o que permitiu que os
desenvolvimentos graduais e as transformações de longa duração fossem ignorados, e vistos
como rupturas.
Entretanto, esta etiqueta de “crise” é enganadora. Na tentativa de fazer sentido a este
período central da história romana é vital retermos um sentido de proporção. Em primeiro
lugar, é difícil defender a aplicação do termo “crise” a um período de cerca de meio século.
Em segundo, é usual aplicar este termo genericamente, e indiscriminadamente, a diferentes
transformações nas esferas econômica, militar, política e social, que não são totalmente
coincidentes.
Uma abordagem mais discriminada é necessária; uma que interrelacione os diferentes
elementos mapeados, inserindo-os no contexto dos desenvolvimentos subjacentes no Império
Romano. Devemos nos desvencilhar de conceitos como “crise”, “anarquia militar”, e mesmo
de “decadência romana” para entender este século em suas especificidades.
1
JONES, A.H.M. The Later Roman Empire, AD 284-602. v.1. Oxford, 1964. p. 23; MacMULLEN, Ramsay.
Declin de Rome et corruption du pouvoir. Paris, 1991. p. 111; WATSON, Alaric. Aurelian and the Third
Century. London & New York, 1999. p. 2.
1. O legado de Augusto
As obras historiográficas, em geral, analisam este período apondo-lhe a etiqueta “crise
do século III”, cujo aspecto principal foi a “Anarquia Militar” – a profunda instabilidade
política do poder central. Esta, tradicionalmente, teve início com o assassinato do último dos
Severos – Alexandre Severo (222-235) – e terminou exatamente meio século depois, com a
morte de Carino (283-285), que abriu caminho para Diocleciano tomar o timão do Império
Romano.
Durante este meio século, mais de cinqüenta indivíduos foram aclamados imperadores,
destes apenas Claudio II, o Gótico (268-270) e Caro (282-283) não morreram pela espada. De
uma forma geral, estes imperadores foram alçados ao poder pelos oficiais de suas legiões,
estacionadas nas mais variadas regiões do Império, e contavam, geralmente, com a oposição
de outro imperador aclamado de forma semelhante em outra parte do Império. Enquanto a
rápida rotatividade dos imperadores é um fato indisputável, suas causas e seus significados
são um debate aberto aos pesquisadores.
Para melhor abordar este problema, é necessário entender a extensão da instabilidade
política que era parte inerente do sistema político do Principado que Otávio Augusto (27 a.C.14) legou ao Império Romano.
Nas convulsões das guerras civis que se seguiram ao assassinato de Júlio César (10044 a.C.), Otaviano (63 a.C-14) – o sobrinho-neto do falecido ditador e seu filho adotivo –,
habilmente se moveu entre as facções da nobilitas romana e, ao cabo de longas guerras civis,
se assenhoreou do domínio político da Res publica, tornando-se, de fato, o fundador do
Principado.
Entretanto, alguns dos membros da nobilitas tardo-republicana ainda nutriam
sentimentos pró-republicanos, e dos caminhos para o prestígio e poder pessoal que este
sistema abria; embora muitos dos antigos senadores tivessem morrido no decorrer das guerras
civis vencidas por Otaviano, primeiro contra Cássio e Bruto, e então contra Marco Antonio e
Cleópatra. Além disso, o populus ainda via o Senado como uma instituição de grande
prestígio. Para Otaviano, então, preservar esta instituição e ser o princeps Senatus era mais
vantajoso que acabar com ela, e basear seu poder apenas nos exércitos.
Após o assassinato de César, o Senado concedeu a Otaviano e Marco Antonio poderes
legais para acabar com seus assassinos. Mesmo após a morte de Antonio, Otaviano utilizou
estes poderes – em especial, o poder de censor – para purgar o Senado de membros
47
indesejáveis e promover aqueles que lhe haviam sido leais à ordem senatorial – uma
atribuição que se tornou exclusiva do imperador2.
Deste modo, ele não apenas ganhou a lealdade dos administradores, como também
preservou as instituições tradicionais como forma de contrabalançar o poder dos exércitos.
Claramente, Otaviano era capaz de reorganizar o Senado como queria, não apenas porque ele
havia sido apontado como censor, mas também porque ele era o comandante dos exércitos, o
imperator das legiões. Os soldados que ele havia herdado de César transferiram sua lealdade
para o herdeiro de seu general, e lutaram a seu lado contra seus oponentes. Entretanto, caso
suas demandas não fossem satisfeitas eles poderiam se tornar descontentes com seu general, e
apoiar tentativas de outros líderes dispostos a satisfazê-los.
Em 27 a.C., Otaviano executou uma brilhante atuação. Esta começou quando ele
ofereceu sua resignação ao Senado, alegando que uma vez restaurada a Res publica, ele podia
então gozar de seu descanso enquanto que o Senado governaria em seu lugar. Os senadores,
entretanto, protestaram sonoramente que Roma continuava a requerer seus serviços como
princeps, o primeiro varão do Senado. Eles então lhe ofereceram o novo título de Augusto
mostrando-lhe o respeito quase religioso com o qual o viam 3.
Desta forma, o controle de Augusto sobre os assuntos de Roma estava confirmado por
uma fonte legal de autoridade completamente diferente do exército. Assim, a forma de
governo romano conhecida pela historiografia como Principado passou a existir, um sistema
no qual o imperador usava a auctoritas conferida pelo Senado para contrabalançar as
ambições do exército, e utilizava sua potestas como imperator para pressionar o Senado
conforme sua vontade.
A opção de Augusto não escolher uma estratégia mais tradicional – aquela de se
colocar acima de seus soldados ao glorificar suas conexões com uma divindade – é um
testemunho eloqüente da persistência dos mores maiorum romanos. Tais escrúpulos não
tiveram Alexandre, o Grande, ou os monarcas helenísticos que se apresentavam ligados a
divindades4. Este estilo Helenístico de governo persistiu no Oriente nas dinastias fundadas
pelos sucessores de Alexandre, até que durante sua expansão Roma fosse incorporando cada
um desses reinos. Marco Antonio apropriou-se de algumas dessas tradições, quando propôs ao
Senado que deificasse o falecido Júlio César.
2
Dião Cássio I. II, 42.
Dião Cássio I. III, 1-17.
4
WALBANK, F.W. Monarchies and monarchic ideas. In. WALBANK, F.W. ASTIN, A.E. The Cambridge
Ancient History. v. VII-1: The Hellenistic World. Cambridge, 1928. pp. 62-100.
3
48
Para Augusto, entretanto, mesmo permitindo que seus súditos observassem suas
qualidades divinas – o que o ajudava em suas ambições gerais –, isto deslocaria o equilíbrio
que mantinha com o Senado – a Res publica era governada por homens, não deuses. Assim,
Augusto era cuidadoso em não ultrapassar as fronteiras entre homem e deus, pelo menos na
cidade de Roma5. Ele, não obstante, promoveu o culto dos deuses da gens Julia e de seu
genius em Roma. Além disso, se declarou um protegido de Apolo e dedicou um templo a
César em 29 a.C. Mas na capital, Augusto permitiu somente ao falecido, e deificado, César as
honras e o culto que os monarcas helenísticos estimularam para si.
Pelos próximos dois séculos, aproximadamente, os residentes da cidade de Roma
viam, certamente, o seu imperador como um ser mais que um simples humano. Entretanto,
apenas após sua morte o Senado podia deificá-lo e arrolá-lo entre os diui que compartilhavam
honras e sacrifícios do culto imperial. Um imperador que ignorasse esta etiqueta colocava sua
cabeça e memória post mortem em risco.
Por exemplo, tendo permitido chamar-se de dominus et deus, Domiciano (81-96)
obteve a hostilidade do Senado e acabou caindo assassinado6. Não obstante, templos para os
imperadores ainda vivos e familiares floresceram fora de Roma, especialmente entre os
provinciais do Oriente, que estavam acostumados a demonstrar sua lealdade deste modo7.
Reinventando o austero Senado como um contraponto a um potencialmente perigoso
exército em seus esforços para se equilibrar entre as duas instituições, Augusto também
limitou suas opções para sucessão. As lealdades pessoais que ligavam um exército a seu
comandante eram facilmente transferidas para um descendente direto do general. Não apenas
Augusto, como também Sexto Pompeu haviam herdado o exército de seus pais, e a obediência
dos soldados.
Dada sua dependência no exército, porque Augusto não instituiu uma verdadeira
dinastia? Da mesma forma em que desencorajavam o estilo helenístico de governo, os mores
maiorum também eram contrários à monarquia, e a uma linha dinástica. Pela co-regência com
um herdeiro, Augusto não poderia mais usar a máscara de princeps Senatus, pois tal honra
não era hereditária, mas um reconhecimento aos serviços e a autoridade de um varão ilustre.
A forma encontrada por Augusto foi escolher um membro de sua família – o filho de
sua esposa, Tibério –, o qual era um reconhecido comandante militar, o que colocaria o
exército a seu lado. Além disso, para assegurar o apoio dos senadores, Tibério percorreu o
5
Suet. Vita Augusti, 52-53.
Suet. Vita Domitiani. 13
7
RIVES, James B. Religion in the Roman Empire. London: Routledge, 2007. pp. 132 passim.
6
49
cursus honorum. Desta forma, após a morte de Augusto, o Senado investiu Tibério com os
mesmos poderes republicanos que seu pai adotivo possuía – o poder de censor, imperium
maius sobre as legiões, que vieram a se somar ao poder tribunício que já possuía.
A solução de Augusto posicionou-o entre as tradições do passado e as necessidades do
presente. Ao desenvolver um estilo de governo que o apresentava como sendo mais que um
senador, mas menos que um rei, como mais que um homem, mas menos que um deus; além
de desenvolver uma sucessão a um homem que além de soldado era senador, Augusto criou
um sistema que definiu o papel imperial pelos próximos dois séculos.
Entretanto, na prática, a subsequente invocação do paradigma Augustano
constantemente reforçou o fato que o imperator adquiriu sua ascendência pessoal através de
vitórias militares numa sucessão de guerras civis e consolidou-a através de um programa de
expansão das conquistas, juntamente com o apoio do Senado.
Já no reinado de Tibério, a saudação militar imperator, pela qual os legionários de
Roma tradicionalmente cumprimentavam seus generais vitoriosos, se tornou um monopólio
imperial, e cada novo imperador datava o início oficial de seu reinado (dies natalis imperii) a
partir do momento de sua aclamação pelas tropas, não de quando o Senado ratificava seus
poderes.
Para dar vida ao paradigma, os imperadores constantemente representavam-se como
vitoriosos, sobrevalorizando a importância de suas vitórias. Estruturalmente, o legado de
Augusto perpetuou a violência e a guerra civil com a qual o Principado teve início. A morte
pacífica de um imperador em seu leito foi mais a exceção que a regra, mesmo na dinastia
Júlio-Claudiana.
Durante a dinastia dos Flávios (68-98), a legitimação do poder se desenvolvia a partir
da autoridade do Senado e do exército. Ambos, pelo poder das legiões e pela Lei de Império
de Vespasiano conferiram ao princeps o direito e o poder para exercer seu cargo servindo a
Res publica. Neste ponto, observamos a progressiva acumulação de poderes nas mãos do
imperador – então Imperator Caesar Augustus –, embora se mantivesse a estrutura legal que
Paul Veyne chamou de monarquia republicana8.
A este respeito, o século II – mais que o século III – deve ser visto como anômalo.
Esta anomalia se deve ao desenvolvimento de um sistema imperial que permitiu a perpetuação
das elites locais, as quais estabeleciam o elo entre o domínio romano e a população local, e a
supremacia romana sobre a periferia germânica e pártica.
8
VEYNE, Paul. O que um imperador romano? In. O Império Greco-Romano. São Paulo: Campus, 2008.
50
Nesta situação, o papel e o poder dos imperadores aumentavam enquanto a utilidade e
a autoridade das instituições republicanas diminuíam. Simultaneamente, os reinos clientes se
converteram em províncias – e estas foram progressivamente romanizadas – e a cidadania
romana foi sendo estendida a largas parcelas da população do Império.
Entretanto, já no principado de Marco Aurélio (161-180) mudanças dramáticas e
irreversíveis se desenvolveram no relacionamento de Roma com os povos germânicos,
mostrava-se claro o crescimento da periferia germânica, e a partir daquele momento os
conflitos no limes Reno-Danubiano se tornaram, praticamente, intermitentes.
Durante os primeiros dois séculos de Império, era excepcional o imperador assumir o
controle pessoal da condução das campanhas militares. Com o crescimento das pressões
externas sobre o limes, e as incursões cada vez mais frequentes, profundas e devastadoras,
esperava-se do imperador não apenas prover as vitórias, como conduzir os soldados no campo
de batalha. Mesmo antes do final do século II, o imperador-filósofo Marco Aurélio foi
obrigado a despender cerca de metade do seu reinado em campanhas na região do Danúbio,
em dois grandes conflitos contra Quados e Marcomanos (em 166-172, e 177-180).
As qualidades militares e de liderança do imperador se tornaram mais importantes, e o
relacionamento mais próximo que mantinha com os oficiais do exército, a nível pessoal e
simbólico, assumiram uma grande significância. A esta época, sob a crescente pressão
externa, os alto-oficiais abertamente açambarcaram o direito de determinar quem era ou não
capaz de assumir esta responsabilidade. Neste novo ethos militar, a inexorável lógica do
legado Augustano propiciou séries de conflitos civis.
O fundamento da instabilidade política emergiu quando Cômodo (180-192) – filho de
Marco Aurélio – caiu assassinado em 192. Em poucos meses seu sucessor imediato, Pértinax,
foi assassinado pelos pretorianos. Estes, conscientes do alto preço que sua lealdade possuía,
leiloaram o cargo de imperador – o qual foi adquirido por um rico senador, Dídio Juliano. As
legiões das fronteiras rejeitaram o comprador, e as tropas da Britânia, do Danúbio, e do
Oriente aclamaram seus generais como imperador – Clódio Albino, Septímio Severo, e
Pescênio Níger, respectivamente.
Estes eventos demonstraram que (1) a lealdade das tropas podia ser comprada com um
abono no soldo; (2) o crescente sectarismo e rivalidade regionais entre as legiões do Império;
(3) o total enfraquecimento do Senado.
Após quatro anos de guerra civil, o vencedor foi Septímio Severo (193-211), o
candidato danubiano. Neste sentido, observa-se o desenvolvimento da influência do exército,
51
e a progressiva militarização do cargo imperial, embora, conforme analisa Ana Teresa
Gonçalves9, o imperador também buscasse outras instâncias para legitimar seu poder.
“Um círculo vicioso”
Neste ambiente militarizado, a presença do imperador era requerida em qualquer lugar
que a situação militar exigisse, seja por inimigos internos ou externos. Contudo, ele não podia
estar em todos os lugares ao mesmo tempo. A grande dimensão do Império, e a crescente
fragmentação causada pela deterioração das condições militares e políticas, limitavam as
comunicações militares e dificultavam a movimentação das tropas e a logística militar.
Com a intensificação das pressões militares, o peso da dimensão geográfica do
Império aumentou a autonomia dos generais estacionados nas fronteiras. Em qualquer lugar
que o imperador não assumisse pessoalmente o papel de comandante, havia a chance de que
um general, que obtivesse sucesso ao repelir os invasores, pudesse ser encorajado por seus
oficiais a assumir as prerrogativas de imperador.
O usurpador então marcharia com seu exército ao encontro de seu rival, deixando para
trás uma pequena guarnição para proteger o limes contra os povos fronteiriços. Estes se
aproveitariam para efetuar incursões e razias. Se o comandante local obtivesse êxito poderia
ser, por sua vez, aclamado imperador. Assim desenvolvia-se um ciclo de guerras civis e
invasões estrangeiras.
Sexto Aurélio Victor, ao analisar a instabilidade política do século IV, nos diz que:
Doravante, enquanto... [os imperadores] preferiam lutar entre si, eles lançaram o
Estado (statum) romano como se estivesse em um precipício, e bons e maus homens,
nobres e ignóbeis, e mesmo muitos dos bárbaros foram colocados no poder
10
indiscriminadamente .
Neste contexto, é ininteligível e equivocado tentarmos dividir aqueles que reclamaram
o poder imperial no século III entre “imperadores legítimos” e “usurpadores” baseados
somente no acidente histórico de que este ou aquele aspirante tenha recebido o
reconhecimento do Senado de Roma. Os argumentos que fundamentam tal distinção são
anacrônicos e desviantes. O reconhecimento pelo Senado nunca foi mais do que um dos
9
GONÇALVES, Ana Teresa. Propaganda no Período Severiano: A Construção da Imagem Imperial. São
Paulo, 2002. (Tese em História Social, USP); A Noção de Monarquia Militar e o Governo Severiano. Phoinix,
v. 10, 2004. pp. 41-62; Septímio Severo e a Consecratio de Pertinax: Rituais de Morte e Poder. História. v. 26,
2007. pp. 20-35; Os Severos e a Anarquia Militar. In: SILVA, Gilvan Ventura; MENDES, Norma Musco (Org.).
Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e social. Rio de Janeiro/Vitória, 2006.
pp. 175-192.
10
Aur. Vict. De Caes. 24, 9.
52
mecanismos no complexo processo de legitimação imperial. Além disso, desde o século II,
sua significância decaiu de forma apreciável.
No século III, o Império simplesmente se tornou impossível de governar por apenas
um único homem que devia lidar com vários problemas, em um espaço geograficamente
extenso e plural. O dilema da necessidade da onipresença imperial resultou no
desenvolvimento da ideia de uma gestão dividida. A elevação de filhos como co-imperadores
se tornou a norma.
Embora um importante argumento desta co-gestão era designar a linha de sucessão,
também permitiu ao colégio imperial estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Outras
tentativas vãs foram feitas buscando-se uma solução mais sistemática: notavelmente durante o
reinado de Valeriano (253-260), e a Tetrarquia (293-311). O problema permaneceu sem
solução durante o século IV, até a completa divisão do império após a morte de Teodósio I,
em 395.
2. As transformações militares
A mudança no relacionamento entre Roma e a periferia germânica alterou de forma
significativa o balanço de poder estratégico, e o próprio contexto do poder imperial. Em
meados do século III, evidências arqueológicas testemunham um aumento da violência
provando que não apenas a região do limes, como também cidades e uillae mais ao interior do
território romano, iniciaram a construção de citas murarias; além da prática de enterrar
tesouros – muitos dos quais nunca foram recuperados. De forma crucial para o Império, esta
intensificação das pressões externas se deu simultaneamente em várias frentes.
O Império Persa
A mudança mais importante teve lugar no Oriente, onde, ironicamente, os sucessos
militares romanos acabaram por gerar o problema. As guerras de expansão de Septímio
Severo e de seu filho Caracala (211-217) humilharam o Império Parta, estendendo a soberania
romana sobre grande parte da Mesopotâmia.
Entretanto, a anexação da Osroena e do norte da Mesopotâmia acabou por estender
demais as linhas romanas de defesa e comunicação, dificultando a logística militar. Além
disso, criou um clima de tensão entre Roma e seus vizinhos orientais, que em breve foi
desastroso para o Império Romano.
53
A consequência mais imediata destas campanhas foi a derrocada do regime pártico,
enfraquecendo o domínio central sobre os vice-reis regionais. Um destes, Ardashir (r. 226241), sátrapa de Fars (parte do atual Irã), aproveitou-se desta fraqueza do poder central para
fortalecer sua base local de poder. Ainda como consequência das campanhas de Caracala,
Ardashir sobrepujou completamente o antigo regime pártico, que foi substituído por sua
dinastia sassânida, fundando assim o novo Império Persa (226-651).
O surgimento desta nova e formidável força no Oriente logo gerou uma tensão
intolerável sobre os recursos econômicos e militares romanos. Desde a época de Augusto,
Roma achou no Império Parta um vizinho relativamente pacífico, e alvo de algumas
campanhas. Embora não necessariamente mais belicosos, os persas sassânidas eram
certamente mais implacáveis, melhor organizados e mais inclinados a tomar medidas que
assegurassem sua segurança e seus interesses. A defesa das províncias orientais do Império
Romano se tornou um exercício custoso, alterando o balanço do poder e drenando recursos
necessários em outros locais.
A falência do poder romano no Oriente estimulou a insegurança política interna do
Império. A guerra civil de 238 proveu a oportunidade para várias incursões externas,
incluindo uma invasão persa. A contra-ofensiva de Gordiano III (238-244) acabou por
encontrar a derrota nas mãos de Sapor I, filho de Ardashir. Em 244, Gordiano foi assassinado
e sucedido pelo seu prefeito do pretório Filipe.
O reinado de Sapor I (241-272) foram os anos mais difíceis do século III para o
Império Romano. Dotado de uma ideologia militarista, de base religiosa – zoroastrismo –,
Sapor tinha por objetivo recuperar a glória e o território do Império Aquemênida (c.550-331
a.C.).
O limes do Danúbio e a ameaça dos Godos
O Império Romano teria estado em melhor situação para lidar com estes problemas no
Oriente, se estes não coincidissem com uma apreciável intensificação das pressões externas
sobre o limes Reno-Danubiano, desde o mar Negro até a zona do Canal da Mancha. As
possibilidades de saque das regiões agrícolas provinciais e as cidades mal defendidas da
região do limes sempre representaram um forte atrativo para razias oportunistas.
As incursões esporádicas do século II deram lugar, durante o século III, a uma pressão
implacável de um novo tipo, geralmente exercida sobre várias frentes simultaneamente. Os
fatores mais importantes por detrás desta transformação eram as grandes migrações de povos
54
do norte e leste europeu, e o desenvolvimento da periferia germânica, com a formação de
confederações de povos.
Desde finais do século II, e intensificando-se no século III, um grande contingente
populacional, em sua maioria formada por povos de origem germânica, que haviam migrado
anteriormente para o sul e para o oeste se chocaram com o limes romano, e eventualmente
penetrando no território romano. Esta maciça Völkerwanderung pressionou os povos que já
habitavam a região do limes romano. Os detalhes precisos sobre os motivos destas migrações,
as rotas que elas seguiram, a identidade dos migrantes não são ainda perfeitamente
conhecidas. Mas seu impacto sobre o Império Romano gerou uma da marcas mais
características da história da Antiguidade Tardia11.
Dentre estes povos, um dos mais significativos foram os Godos. Esta larga
confederação de povos germânicos chegou ao sul da atual Ucrânia em cerca de 230. Durante a
próxima década, uma grande seção destes se moveu da costa do mar Negro e ocupou o norte
do baixo Danúbio. Esta migração expulsou os antigos habitantes da área, e levou os Godos ao
conflito direto com os Romanos.
Após uma década de razias intermitentes, os godos e seus aliados lançaram uma
grande ofensiva sobre a região balcânica, a qual resultou na virtual aniquilação das legiões
romanas, e do imperador Décio (249-251). Esta vitória assinalou o início de um conflito que
durou séculos, e que terminou com a entrada dos godos no território romano, sob o regime de
federados, no século V. Enquanto isso, os godos orientais e seus aliados, que ocupavam a
Criméia, se lançaram aos mares e infligiram devastadoras razias nas regiões costeiras dos
mares Egeu e Negro.
Comprimidos entre o avanço dos godos e a província romana da Dácia estavam os
Carpos, um povo dácio que causou sérios problemas na década de 240. Filipe o Árabe (244249) os derrotou em 247, mas não foi capaz de restaurar o limes dácio completamente, e este
continuou a enfraquecer até o reinado de Aureliano (270-275), que evacuou definitivamente a
jóia da expansão do imperador Trajano (98-117).
Mais a oeste, a chegada dos vândalos aumentou a pressão sobre o médio Danúbio.
Durante o século III, este povo e seus vizinhos, os Sármatas, Quados e Marcomanos – entre
outros – repetidamente lançaram-se em incursões sobre o limes danubiano.
11
HEATHER, Peter. The Huns and the End of the Roman Empire in Western Europe. English Historical
Review. v. 110, n. 435, Feb. 1995. pp. 4-41; WATSON, Alaric. Op. cit. pp.7-8.
55
O limes do Reno
O limes renano sofreu de modo semelhante. Embora a pressão sobre o alto Reno tenha
iniciado no início do século III, as incursões de grande impacto se deram tardiamente na
região renana, quando comparada ao limes danubiano. Não obstante, quando esta
intensificação chegou, em meados da década de 250, foi devastadora. A Britânia, em
contraste, parece ter escapado levemente a esta época, permanecendo relativamente próspera e
sem grandes problemas até a morte de Aureliano.
Parcialmente sob o impacto das pressões internas, muitos dos povos que habitavam ao
longo das bordas romanas se uniram formando confederações. Embora permanecessem
politicamente livres, estas novas confederações provaram ser altamente efetivas a nível
militar, e sua presença na região do rio Reno representou um papel-chave no Baixo Império
Romano12.
Os alamanos, uma confederação de tribos que viviam na atual Baviera, apareceram
pela primeira vez em 213, quando o imperador Caracala lutou contra eles no alto Reno. A
situação se deteriorou drasticamente em meados do século, e em finais da década de 250 os
Alamanos representavam um perigo real à península itálica.
Ao norte, nesta mesma época, formou-se outra poderosa confederação de tribos no
baixo Reno: os Francos. A data mais segura que atesta a confederação dos francos é
controversa, embora se sustente sua existência já na década de 250. A ação dos francos se
dava através de pirataria e de razias, e se intensificaram no início do século IV.
A resposta romana
Assim, do deserto da Arábia até o mar do Norte, o Império Romano encarou uma
intensificação das hostilidades militares que atingiram seu pico nas décadas de 250 e 260. Os
recursos militares do Império eram escassamente adequados para defender a vastidão
territorial que demandava defesa.
A máquina militar romana foi desenhada para, primariamente, apresentar poderosas
ofensivas contra alvos específicos. Mesmo no século III as grandes ofensivas permaneciam
como a principal opção militar sempre que possível. Mas, inevitavelmente, a resposta do
Império a este aumento das pressões se tornou reativa e defensiva, e a contenção era, em
geral, o melhor que se poderia esperar.
12
MENDES, Norma Musco. Sistema Político do Império Romano do Ocidente: um modelo de colapso. Rio
de Janeiro, 2002. PP. 117-134.
56
O exército romano foi forçado a se adaptar a estas novas condições. E assim o fez
através de uma série de respostas pragmáticas a problemas individuais, que se sucediam para
evitar a iminente catástrofe no século III. Mas tais respostas não devem ser vistas como um
programa de reformas conscientemente implementado e premeditado.
Uma área na qual o império respondeu mudando a situação foi a reforma gradual do
próprio exército. Um aspecto significativo foi a profissionalização do comando do exército. O
monopólio virtual que a elite senatorial exerceu, tradicionalmente, sobre a estrutura de
comando deixou de existir durante o reinado de Galieno (253-268). Um exemplo é a carreira
do imperador Aureliano, oriundo de uma rede de soldados profissionais, e durante a década de
260 alcançou o topo da hierarquia, se aproveitando do divórcio entre as carreiras civil e
militar13.
Aurélio Vitor alega que esta situação resultou de um decreto imperial imposto pelo
imperador Galieno. Para o epitomista, este foi um ato infame de um imperador infame.
Nenhuma outra evidência atesta o chamado “edito de Galieno”14.
Outro aspecto importante foi a redução no tamanho das unidades táticas básicas.
Destacamentos, ou uexillationes, compostos de legionários e de tropas auxiliares, eram usados
há muito tempo. No contexto militar do século III, que requeria rápidos reforços de unidades
militares nas zonas fronteiriças, estes destacamentos, ao contrário de toda uma legião, se
tornaram a formação militar típica.
Duas outras transformações militares fundamentais se deram a partir da década de
260, ambas eram respostas naturais ao novo tipo de combate de marchas forçadas e conflitos
em muitos pontos do império. Um, foi o aumento da importância da cavalaria na estrutura do
exército romano foi refletido no número de comandantes de cavalaria.
O segundo desenvolvimento evolui a partir do primeiro. Nas décadas de 250 e 260, o
imperador Galieno criou uma força móvel de reserva baseada na cavalaria dálmata, e um
corpo de infantaria. Esta reserva estratégica, que foi originalmente baseada em Milão e que
prefigurou os desenvolvimentos do século IV, foi um elemento decisivo na manutenção do
Império frente às repetidas investidas bárbaras.
13
14
ALFÖLDY, Geza. A História Social de Roma. Lisboa, 1990. pp. 180 et seq.
Aur. Vict. De Caes. 33, 34
57
3. Transformações sócio-políticas e culturais
A mudança no sentido de Romanidade
Desde o final do século II, o centro de poder no Império se tornou progressivamente
itinerante, uma vez que o imperador passava mais tempo em campanha nas fronteiras. Roma,
como a capital do Império, se separou da cidade do Lácio; nas palavras de Herodiano, Roma
estava em qualquer lugar que o imperador estivesse15.
Com a presença do imperador exigida nos Bálcãs e no Oriente, o centro estratégico do
Império se moveu progressivamente para o leste. Sua presença nas campanhas, em geral,
levava a elevação de seus acampamentos regionais como “capitais de fato”: cidades muradas
ligadas a uma rede de vias, com uma casa de cunhagem. Este processo culminou no final do
século III com o estabelecimento de uma série de capitais regionais sob a Tetrarquia, e,
finalmente, com a fundação de Constantinopla – a “Nova Roma” no Bósforo.
O aumento do significado estratégico e político destes centros regionais acabou
provendo sustentação para que imperadores rivais pudessem facilmente se lançar como
pretendentes ao poder imperial. Além disso, o aumento das bases regionais de poder, a
expensas do centro, permitiu que indivíduos mantivessem o poder político numa região
particular sem controlar o resto do Império. Esta descentralização política teve um profundo
impacto na estabilidade e mesmo na integridade do Império Romano no século III.
O declínio de Roma como o centro administrativo foi, ao mesmo tempo, um sintoma e
uma importante causa do declínio do poder do Senado. Embora os senadores continuassem a
ser os indivíduos mais poderosos e ricos, além de muitos serem membros do comitatus
imperial, o acesso ao imperador se tornava cada vez mais restrito.
Os papéis administrativo e consultivo do Senado não podiam ser representados, uma
vez que o centro decisório encontrava-se a quilômetros de distância do Capitólio. Como uma
inevitável consequência da prolongada ausência do imperador da cidade de Roma, as funções
do Senado como um órgão central do governo simplesmente perderam sua razão de existir.
Ao mesmo tempo, durante os séculos II e III, as oportunidades para o avanço pessoal
através das redes sociais que permeavam a administração imperial foram abertas para os
homens da ordem eqüestre. Por razão de sua virtual exclusão do poder militar, os senadores
logo foram retirados do centro do poder político, e sucessivamente imperadores-soldados
foram aclamados pelas legiões.
15
Herod. 1. 6,5
58
A transformação na composição social do Senado reflete desenvolvimentos
fundamentais que tiveram lugar na estrutura social do Império Romano no século III. O
próprio termo romanus passou por uma mudança semântica, posto que o Império Romano
deixou de ser meramente um império governado por Roma, e se desenvolveu numa
comunidade mundial com a qual a população provincial poderia se identificar, ou não.
A isto denominamos o surgimento de uma Nova Romanidade – algo pouco estudado
pela historiografia – que permitiu ao Império Romano permanecer como um conceito político
seja para o Império Bizantino, seja para a Idade Média.
Um fator fundamental para esta mudança de perspectiva foi a difusão da cidadania
romana. Comparada com outras cidades-Estado da Antiguidade, ou mesmo para qualquer
período da História, Roma generosamente expandiu os direitos de cidadania aos povos que ela
conquistou. Este processo se iniciou com a incorporação dos povos itálicos durante a
República, e continuou durante a época imperial com a inclusão de contingentes de
provinciais.
Em 212, o imperador Caracala concluiu este processo ao estender a cidadania a todos
os habitantes livres do Império. Documentações textuais hostis a Caracala atribuem a este
gesto imperial o desejo de aumentar a receita taxando todos os cidadãos do Império. Se esta
foi, ou não, a motivação de Caracala, a constitutio Antoniniana – como este decreto ficou
conhecido – deve ser vista como uma culminação de um processo de longa duração.
A composição étnica do Senado também sofreu uma transformação paralela. Em
meados do século I, o Senado passou a admitir a elite provincial das regiões ocidentais.
Durante os séculos II e III, foram gradualmente incorporados ao Senado crescentes
proporções de elementos da elite norte-africana e das regiões de língua grega.
Este realinhamento do Senado é significativo, uma vez que reflete um realinhamento
mais profundo do Império como um todo. Não apenas estrategicamente, como econômica e
culturalmente, o centro de gravidade do Império estava se dirigindo para o leste.
Desenvolvimentos culturais e religiosos
A época da “Anarquia Militar” é, geralmente, retratada como uma “Idade das Trevas”
das artes, anunciando o fim da cultura clássica. Isto é muito simplista, como nos provam os
estudos de Henri-Irenéé Marrou16 e Jaś Elsner 17. Largamente, devido às mudanças na situação
16
17
MARROU, Henri-Irénée. Decadência romana ou Antiguidade Tardia? Lisboa, 1979.
ELSNER, Jaś. Imperial Rome and Christian Triumph. Oxford/ New York, 1998.
59
econômica, as grandes construções a nível local patrocinada pela ordem dos decuriões, ou
pelo poder imperial, que foram erigidas até a época Severiana, se tornam menos abundantes.
Inversamente, algumas outras expressões artísticas atingiram seu auge de produção
neste período: os mosaicos são extremamente refinados, e as artes do fabrico das moedas
(desenho, corte) foram aperfeiçoadas.
A retórica e a filosofia também floresceram. Um dos grandes sistemas de pensamento
da Antiguidade surgiu no século III, o Neoplatonismo, filosofia religiosa que foi exposta pelo
filósofo grego Plotino (c.204-270) em Roma, em meados daquele século. Promovida por seu
discípulo, Porfírio de Tiro (232-304), e contando dentre seus seguidores, no século IV, o
imperador Juliano (331-363), o Neoplatonismo exerceu uma influencia profunda no
desenvolvimento subsequente do pensamento pagão na Antiguidade Tardia18.
A religião no mundo romano abarcava uma ampla variedade de crenças e práticas
cultuais, e tinha dimensões sociais, políticas e culturais19. O culto de Dea Roma, a
personificação da cidade de Roma, e o culto imperial adquiriram, durante o século III, uma
ampla difusão pelo mundo romano, e adquiriu um forte significado social e político, e seus
sacerdotes gozavam de um prestígio considerável nas comunidades locais. Estes dois cultos
agiam como forças coesivas, provendo um lócus concreto de lealdade e identidade das
diferentes comunidades do Império em relação a Roma e ao imperador.
O culto das deidades locais persistiu, e mesmo se expandiu, em geral, parcialmente
assimilado ao panteão Greco-Romano. Em meados do século III, algumas religiões orientais
haviam adquirido um número considerável de seguidores pelo Império, incluindo a própria
Roma. Entre estas estavam os cultos egípcios a Ísis e Serápis, o culto anatólio de Cibele – a
Grande-Mãe –, e o Mitraísmo, um culto de origem indo-iraniana20.
18
Para uma análise ampla sobre Plotino e o Neoplatonismo, ver: GERSON, Lloyd P (Org.). Plotinus.
Cambridge, 1996 (The Cambridge Companion).
19
Para uma introdução à religião no mundo romano, ver: BEARD, Mary. NORTH, John. PRICE, Simon.
Religions of Rome. 2v. Cambridge, 1998; RIVES, James B. Op. cit. 2007.
20
Para uma análise geral sobre os cultos orientais no mundo romano, ver: TURCAN, Robert. Les cultes
orientaux dans le monde romain. Paris, 1989. Sobre Ísis e Serápis, ver: TAKACS, Sarolta A. Isis and Sarapis
in the Roman World. Leiden, 1995; MAGNESS, Jodi. The Cults of Isis and Kore at Samaria-Sebaste in the
Hellenistic and Roman Periods. The Harvard Theological Review. v. 94, n. 2. Apr. 2001. pp. 157-177;
NORRIS, Frederick W. Isis, Sarapis and Demeter in Antioch of Syria. The Harvard Theological Review. v. 75,
n. 2. Apr. 1982. pp. 189-207. Sobre as Grandes-Mães, ver o esclarecedor: CORRINGTON, Gail Paterson. The
Milk of Salvation: Redemption by the Mother in Late Antiquity and Early Christianity. The Harvard
Theological Review. v. 82, n. 4. Oct. 1989. pp. 393-420. Sobre o mitraísmo, ver: BECK, Roger. The Mysteries
of Mithras: A New Account of Their Genesis. Journal of Roman Studies. v. 88, 1998. pp. 115-128; Ritual,
Myth, Doctrine, and Initiation in the Mysteries of Mithras: New Evidence from a Cult Vessel. Journal of
Roman Studies. v. 90, 2000. pp. 145-180; KANTOROWICZ, Ernst H. Oriens Augusti. Lever du Roi.
Dumbarton Oaks Papers. v. 17, 1963. pp. 117-177; MARTIN, Luther H. Roman Mithraism and Christianity.
Numen. v. 36, Fasc. 1. Jun., 1989. pp. 2-15; NOCK, Arthur Darby. The Genius of Mithraism. The Journal of
Roman Studies. v. 27, 1937. pp. 108-113.
60
Este último, em particular, foi difundido em uma larga parcela da sociedade, em
especial os estratos militares. Mitra tinha uma forte filiação solar, sendo algumas vezes
denominado como Sol Inuictus Mitra, o “Sol Inconquistável” ou “Invencível”. Este nome
também estava associado a uma variedade de outras divindades que apresentavam elementos
solares, tais quais os cultos orientais e balcânicos.
Nenhuma destas religiões se arrogava como única e verdadeira. Elas coexistiam dentro
da estrutura religiosa do politeísmo Greco-Romano. Um pequeno número de religiões no
Império era, entretanto, monoteísta. Destas, o Judaísmo era a mais antiga e, a despeito das
duas guerras judaicas, respeitada.
Em relação aos cristãos, suas crenças religiosas eram incompatíveis com quaisquer
outras atividades religiosas, incluindo, por exemplo, aquelas do culto imperial. Devido à
integração das crenças e práticas religiosas com o mundo sócio-político imperial, este
afastamento voluntário tinha um profundo impacto na vida cotidiana destas comunidades.
De uma perspectiva pagã, a novidade cristã, seu forte proselitismo e sua grande
expansão pelo mundo romano, sua exclusividade e sua auto-segregação eram extremamente
suspeitas. Para as autoridades romanas, a recusa em participar das expressões religiosas de
lealdade ao Império, era uma questão grave. Os crescentes problemas que o mundo romano
confrontou no século III aumentaram a insegurança. Neste contexto, um sério confronto entre
os cristãos e o Império era quase inevitável.
As perseguições oficiais de meados do século III, e novamente na época da Tetrarquia,
foram marcadas por um grande grau de violência. O primeiro “perseguidor”, o imperador
Décio era um homem profundamente religioso, que atribuía o declínio da fortuna romana à
falta de observância religiosa dos cultos tradicionais.
Em 249, Décio exigiu que todos os cidadãos oferecessem sacrifícios e orações aos
deuses, para o bem do Império. Aqueles que se recusassem seriam obrigados pela força. Esta
perseguição cessou quando da morte de Décio, em 251; para ser retomada por Valeriano
poucos anos depois, às vésperas de sua campanha contra Sapor I.
Neste caso, ao contrário do de Décio, o edito foi dirigido aos cristãos. Em certo
sentido, as perseguições tiveram resultado inverso ao pretendido pelas autoridades. Ao invés
de suprimir o cristianismo, acabou por facilitar sua expansão devido aos autos de fé dos
mártires, o que contribuiu para sua grande expansão. Após a derrota de Valeriano frente ao
61
exército persa, Galieno suspendeu as medidas persecutórias, iniciando o período conhecido
pela historiografia da Igreja como “Pequena Paz da Igreja”21.
4. A retórica do declínio
O mundo romano no século III era um lugar no qual as antigas certezas
desmoronavam ante o impacto de forças novas e inesperadas. Era acima de tudo um mundo
dominado por questões militares e, portanto, pelos exércitos. Os imperadores, aclamados
pelas legiões, eram quase exclusivamente homens de origem humilde promovidos mais pelo
mérito que pelo pertencimento a determinada ordem. Neste contexto, a elite senatorial perdeu
seus privilégios de acesso ao poder político, que progressivamente passava para as mãos dos
grandes soldados do período, homens como Aureliano, Diocleciano e Constantino.
Durante o século IV, quando a tradição literária sobre a qual o nosso conhecimento
deste período se baseia foi formada, as transformações políticas, econômicas e sociais do
século anterior foram vistas em termos de um drástico e lamentável declínio. Os autores e o
público leitor de suas obras pertenciam aos grupos educados dos uiri clarissimi e dos uiri
illustribus, que se identificavam com o ideário senatorial. Para tais escritores, na esteira da
tradição de Salústio e Tácito, era natural atribuir os males de seu próprio século à erosão da
dignidade e do poder senatorial, que passou para as mãos de rudes imperadores soldados.
De acordo com a perspectiva altamente conservadora, o século III foi representado
como um momento desastroso de despotismo arbitrário. Tais noções faziam parte de uma
ampla retórica do declínio que foi logo apropriada por autores pagãos e cristãos em suas obras
de polêmica.
Até recentemente, os historiadores preocupados com este período compartilhavam das
mesmas opiniões que os antigos, sendo a retórica do declínio pouco questionada. Este fator,
combinado com a falta de documentação escrita da época, permitiu o desenvolvimento de
análises que viam as transformações políticas, sociais, econômicas e culturais do século III,
sob o prisma de uma crise.
Nesta visão tradicional, a aparente estabilidade do século II soçobrou juntamente com
o modelo urbano de organização, preponderante na época do Principado. Após este período de
ruínas, surge o Dominato, com seu governo autocrático. Embora esta visão tenha passado
recentemente por várias críticas, persiste a caracterização dicotômica entre o “Alto Império” e
o “Baixo Império”, em cuja cesura estaria a “Crise do século III”.
21
Eus. HE. VII, 13.
62
A crescente consciência desta retórica subjacente à documentação textual, junto a uma
análise sistemática de outros tipos de documentação, encorajou novas abordagens.
Atualmente, devemos observar que as complexas transformações sociais e políticas do
período, incluindo a diminuição da significação política do Senado, só podem ser entendidas
numa perspectiva de longa duração. O aumento das pressões externas e o seu efeito
desestabilizador
sobre o sistema
político não
produziram,
mas aceleraram
tais
desenvolvimentos estruturais.
A tese convencional de uma catastrófica “Crise do século III” deveria ser abandonada.
Ao mesmo tempo, é vital não minimizarmos a gravidade da situação política e militar. Nas
décadas de 250 e 260 as incursões germânicas começaram a penetrar cada vez mais
profundamente no coração do mundo mediterrânico, e desde a ameaça de Aníbal – durante a
Segunda Guerra Púnica – Roma se encontrava numa posição vulnerável. Aparentemente, o
caráter implacável da ameaça germânica ao longo do limes Reno-Danubiano, e o surgimento
do Império Persa Sassânida, e posteriormente de Palmira no Oriente levaram a um ciclo de
devastação das defesas militares, invasões estrangeiras e guerra civil.
Na época em que Aureliano ascendeu ao poder, em 270, o efeito acumulado desta
situação de deterioração havia precipitado uma profunda, embora de curta duração,
fragmentação do Império Romano que ameaçou a sua integridade política e territorial. Neste
sentido mais restrito nos parece significativo falarmos de crise.
Entretanto, há algo que os historiadores parecem esquecer, a história do século III não
é a história do colapso do Império Romano, pelo contrário é um período no qual o mundo
romano se adaptou, se transformou, e lançou base para a estruturação de uma nova identidade
imperial, e um novo sistema político que duraria ainda mais dois séculos no ocidente, e que só
se reformaria no século VIII, no Oriente.
As questões do século III devem ser, deste modo, analisadas sob o prisma do
agravamento das tensões latentes na sociedade imperial romana. Principalmente, diante do
rompimento dos parâmetros inerentes ao sistema de domínio imperial: o parâmetro
tecnológico que impedia um grande crescimento da produção econômica, limites financeiros,
recursos materiais em processo de estagnação diante do final das guerras de conquista; baixa
demográfica – diminuição da mão de obra produtiva, e de soldados disponíveis –, política
externa marcada pelo avanço dos germanos e persas
63
Capítulo III – Diocleciano e a Tetrarquia
1. Desenvolvimento de novas lógicas político-administrativas
Em meio a intrigas e assassínios comuns ao século III, Diocleciano assumiu o poder
imperial, em 284; encarou, por sua vez, os mesmos problemas que acossaram os imperadores
que o haviam recentemente antecedido.
O primeiro problema com que teve que lidar era a existência de outro imperador
legítimo, o filho de Caro (282-283), Carino (283-285), que era o irmão do assassinado
Numeriano (283-284). Certamente, Carino não estava disposto a dividir o poder imperial com
um usurpador, indispondo-se em uma guerra, no decorrer da qual acabou por ser executado
por seus próprios soldados1.
Em seguida, Diocleciano teve de lidar com as invasões germânicas ao longo do limes
Reno-Danubiano – as quais foram facilitadas pelo deslocamento de tropas, em decorrência de
seu conflito com Carino –, e com o recrudescimento da guerra contra os persas – a qual se
encontrava inconclusa desde a morte de Caro.
No caso da Gália, havia uma complicação extra: as revoltas relacionadas à opressão
fiscal, às destruições materiais, e ao desenvolvimento do regime de colonato – o movimento
bagáudico2
Durante os seguintes quinze anos, os exércitos romanos saíram-se vitorioso após séries
de campanhas desde a Britânia – onde o general Caráusio (287-293) se proclamou imperador
–, até o Egito e Mesopotâmia, instaurando um período de relativa estabilidade política no
Império Romano3.
Além das campanhas militares, havia outros problemas estruturais mais graves: o da
crise econômica, o do ordenamento administrativo, e o da legitimidade e estabilização do
poder imperial, de forma similar aos casos de Augusto e Severo que vimos anteriormente.
1
SHA Carus et Carinus et Numerianus X,1
SILVA, Gilvan. MENDES, Norma. Diocleciano e Constantino. In. _____. Repensando o Império Romano.
Rio de Janeiro/Vitória, 2006. p.198 (nota 76). RODRIGUES GERVÁS, Manuel J. Propaganda política y
opinión publica en los Panegíricos Latinos del Bajo Imperio. Salamanca, 1991; VAN DAM, R. Leadership
and Community in Late Antiquity Gaul. Berkeley, 1985.
3
Sobre a Britânia sob Caráusio, ver: CASEY, P.J. Carausius and Allectus – Rulers in Gaul? Britannia. v. 8,
1977. pp. 283-301. Sobre o Egito na época da Tetrarquia, ver os estudos: KALAVREZOU-MAXEINER, Ioli.
The imperial chamber at Luxor. Dumbarton Oaks Papers. v. 29, 1975. pp. 225-251; JOHNSON, Allan
Chester. Roman Egypt to the Reign of Diocletian. Baltimore/Londres, 1936; WALLACE, Sherman LeRoy.
Taxation in Egypt from Augustus to Diocletian. Princeton, 1938.
2
Do ponto de vista administrativo, a ponto central era estabelecer uma ligação entre o
governo central – donde se originava as decisões – e os servidores locais – encarregados de
pô-las em prática –, principalmente no que concerne às ações relativas à manutenção do
Império.
Para tal, Diocleciano inicialmente reduziu o tamanho das províncias e incrementou seu
número, agrupando-as em dioceses sob a jurisdição de um uicarius (originalmente um
representante do prefeito do pretório), e nomeou vários prefeitos pretorianos, cada um deles
responsável por uma grande região do Império4.
Os servidores nesta hierarquia não só tinham acesso a seus superiores imediatos, como
também, em alguns casos, podiam se dirigir aos que ocupavam um escalão superior. Os novos
postos da administração civil foram ocupados em sua maior parte por indivíduos da ordem
eqüestre que haviam servido o exército 5.
Quanto à crise econômica pela qual passava o Império, a inflação e a irregularidade
nos ingressos percebidos com os impostos. Eram estes, todavia, problemas de larga data. A
primeira medida executada por Diocleciano foi uma reforma monetária, instituindo novas
moedas valorizadas: o aureus, o argenteus, e o follis. Implementada em 294, acabou
engendrando uma contrapartida inflacionária notável na primeira parte de seu reinado6.
Uma medida que buscou barrar a onda inflacionária foi a tentativa de congelamento de
todos os preços mediante um edito publicado em 301 – o chamado Edito Máximo 7. Mais êxito
teve a resolução dos problemas dos impostos e ingressos, através de uma pesada tributação
como testemunhou Lactâncio anos depois. Desde muito tempo, o exército satisfazia suas
4
ANDERSON, J.G.C. The Genesis of Diocletian's Provincial Re-Organization. Journal of Roman Studies. v.
22, 1932. pp. 24-32. BAYNES, Norman. Three Notes on the Reforms of Diocletian and Constantine. Journal of
Roman Studies. v. 15, 1925. pp. 195-208; MacMULLEN, Ramsay. Imperial Bureaucrats in the Roman
Provinces. Classical Philology. v. 68, 1964. pp. 305-316.
5
Piganiol, A. Histoire de Rome. Paris, 1949. p. 446; SILVA, G.V. MENDES, N.M. Op. cit. 2006. pp. 203-210.
6
ERIM, Kenan T., REYNOLDS, Joyce, CRAWFORD, Michael. Diocletian's Currency Reform; A New
Inscription. Journal of Roman Studies. v. 61, 1971. pp.171-177; HENDY, Michael. Mint and Fiscal
Administration under Diocletian, His Colleagues, and His Successors A.D. 305-24. Journal of Roman Studies.
v. 62, 1972. pp. 75-82; MATTINGLY, H. The Mints of the Empire: Vespasian to Diocletian. Journal of Roman
Studies. v. 11, 1921. pp. 254-264; SPERBER, Daniel. Denarii et Aurei in the time of Diocletian. Journal of
Roman Studies. v. 56, 1966. pp.190-195; SUTHELAND, C.H.V. Diocletian’s Reform of the Coinage: a
chronological note. Journal of Roman Studies. v. 45, 1955. pp. 116-118; Denarius and Sestertius in
Diocletian’s Coinage Reform. Journal of Roman Studies. v. 51, 1961. pp. 94-97; The Roman Imperial
Coinage. v. VI. Londres, 1967. p.6.
7
JONES, A.H.M. Inflation under the Roman Empire. The Economic History Review (New Series). v. 5, n. 3,
1953. pp. 293-318; MICHELL, H. The Edict of Diocletian: a study of price fixing in the Roman Empire. The
Canadian Journal of Economics and Political Science / Revue canadienne d'Economique et de Science
politique. v. 13, n.1, Feb. 1947. pp. 1-12; WEST, Louis C. Notes on Diocletian’s Edict. Classical Philology. v.
34. n.3, Jul. 1939. pp. 239-245.
65
necessidades recorrendo ao imposto denominado annona militaris, que recaia sobre a
população local. Esta prática se converteu em imposto regular sob Diocleciano8
2. O Sistema Político da Tetrarquia
Do ponto de vista político, sinteticamente, punha-se diante de Diocleciano a seguinte
questão: de que forma a continuidade do poder imperial poderia ser assegurada após a morte
do Augusto reinante, sobre um território imenso como o do Império Romano?
De uma forma bem pragmática, a estratégia posta em ação pelo imperador foi a de
colocar em prática, de forma ordenada, as experiências de governo que vinham sendo
esboçadas desde meados do século III, no Império Romano.
Em curto prazo, a solução desenvolvida por Diocleciano para consolidar sua posição
foi o exercício colegiado do poder imperial – a partir da divisão do imperium, e da
competência administrativa com outros três colegas. Assim sendo, a partir de 293, passaram a
haver dois Augustos e dois Césares. Conforme a vigência deste arranjo, os Césares
sucederiam aos Augustos, em caso de morte ou abdicação.
O ponto fundamental deste sistema eram as ligações familiares estabelecidas entre os
Augustos e seus Césares, através de vínculos matrimoniais e laços de adoção. Criou-se assim
uma Casa Imperial, com todos os membros inscritos na gens Valeria.
Do ponto de vista religioso, ocorre um fenômeno dúbio, a contradição entre o novo e a
tradição. A novidade se relacionava à proteção especial de comites, deuses que eram
considerados, literalmente, os “acompanhantes”, os protetores dos quatro imperadores.
O tom tradicional se referia à escolha destas divindades, as quais advinham do panteão
clássico Greco-Romano, uma vez que figuravam em primeiro plano as divindades Júpiter –
sob cuja proteção especial se encontrava Diocleciano –, e Hércules – a divindade protetora de
Maximiano, também conhecido como Hercúleo –, os quais eram os antepassados míticos da
família imperial.
Neste sentido, observamos um ideário e mística imperiais faziam dialogar os esquemas
clássicos com os sistemas simbólicos que garantiam a aceitação universal e inquestionável do
soberano no Baixo Império Romano, no caso, a proteção divina de um comes.
8
SILVA, G. MENDES, N. Op. cit. 2006. p. 210 et seq.
66
A este sistema político, usualmente, conferiu-se a denominação Tetrarquia. Por sua
vez, não era uma simples solução a priori “maquinada” por Diocleciano, sendo, antes disso,
resultante de um processo catalisado pelas pressões germânicas sobre o território da Gália.
O primeiro passo para este ordenamento foi dado quando Diocleciano elevou seu
colega ilírico Maximiano (286-305; 307-310) – inicialmente à dignidade de César, e, logo em
seguida – à dignidade de Augusto, em 286.
Certamente, conforme dissemos, este processo se baseou em ordenamentos políticos
pré-existentes durante o século III – como o caso do governo de Valeriano e Galieno, ou
mesmo a tripartição do Império entre Galieno, Tétrico e o Valabato9.
Em vista disto, organizou-se a partir do sistema simbólico próprio da época uma
explicação para a relação entre Diocleciano e Maximiano. Embora este possuísse a mesma
dignidade de Diocleciano, sendo seu irmão10 – frater –, sua autoridade era inferior à do
Augusto Sênior.
A simbologia do sistema pode ser estabelecida da seguinte forma: Diocleciano, o filho
de Júpiter, tinha como co-imperador Maximiano, o filho de Hércules, e, assim, descendente
de Júpiter.
Esta distinção apresentava como apanágio a união dos Augustos em torno da
concórdia e da unidade política. Não obstante os papéis estivessem bem delimitados: era
Diocleciano quem dirigia a política e Maximiano Hercúleo quem a levava a cabo.
Por mais que os bens que nos cumulam o céu e a terra nos pareçam devidos à
intervenção de diversas divindades, provêm não obstante das divindades soberanas,
de Júpiter, senhor do céu, e de Hércules, pacificador da terra; da mesma forma, nas
mais nobres empresas, ainda aquelas que se realizam sob o mandato imediato dos
demais, Diocleciano é quem toma as iniciativas e tu [i.e. Maximiano] és quem as
11
leva a cabo .
Nesta passagem, o panegirista – Mamertino – aventou uma similitude existente entre o
mitologema de Hércules, e sua relação com Júpiter – isto é, a vontade deste em gerar o maior
dos heróis, aquele capaz libertar o mundo dos males12.
Representava-se, através da utilização da referência mitológica, a relação entre
Diocleciano e Maximiano. Este foi elevado à dignidade de Augusto para ajudar Diocleciano
em sua tarefa de reordenamento do Império Romano.
9
CIZEK, Eugen. L’Empereur Aurélien et son temps. Paris, 1994. pp. 103-122; WATSON, Alaric. Aurelian
and the third century. London & New York, 1999. pp. 57-100.
10
Pan. Lat. II (10), 1,5; 4,1; 9,1-3; c.f. Lact. DMP VIII,1
11
Pan. Lat. II (10), 11,6. (Tradução nossa).
12
GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Rio de Janeiro, 2005. pp. 206.
67
Segundo os autores da época, Maximiano era um homem com espírito guerreiro, que
executava prontamente os trabalhos imputados por Diocleciano 13. Entretanto, no ano de 290,
inúmeras forças se alvoroçaram sobre o Império Romano, de uma forma que o sistema da
diarquia não podia mais controlá-las de forma efetiva.
A rebelião do general Caráusio na Britânia, em 287, não somente levava perigo à
Gália, como também, através de seus contatos com os povos do Baixo Reno, colocava em
risco o domínio diárquico sobre a região; a defesa do limes danubiano não podia também ser
negligenciada; e a leste o poderoso Império Persa sassânida organizava uma ofensiva.
Este foi o contexto no qual a decisão foi tomada, Diocleciano como imperador sênior,
e fonte última da lei e do imperium, reestruturou o governo imperial estabelecendo uma
tetrarquia, como forma de fazer frente às múltiplas frentes hostis.
Do ponto de vista militar, um dos primeiros reflexos da formação da Tetrarquia foi o
aumento do número soldados, o que exigia cada vez maiores quantidades de suprimentos,
obtidos através da taxação14, o que levou Finley15 a afirmar que:
Para provê-lo [o exército] de alimentos, vestuários, armas e transporte, ampliou
enormemente o sistema de contribuições compulsórias em espécie, que passou a
incidir sobre a maior parte da população do Império.
Para Finley, o exército era a pedra angular da reorganização de Diocleciano, sendo
todos os esforços administrativos voltados a este garantidor da integridade do Império.
Entretanto, a crítica historiográfica atual16 refuta estas afirmações, defendendo a ideia
de que estes números são exagerados, uma vez que os imperadores se encontravam diante de
dificuldades de recrutamento, além da perda de efetivos nas guerras.
Neste sentido, as causas para o aumento da taxação repousariam na complexificação
político-administrativa, cujas variáveis seriam o fortalecimento da rede administrativa, a
corte, as pressões externas e as reformas militares implicaram na ampliação dos custos com a
13
Pan. Lat. II (10),5,3; Lact. DMP VIII,2
Lact. DMP VII,1-2. Para Lactâncio, a formação da Tetrarquia se relacionava ao desejo de Diocleciano em
satisfazer sua avareza natural pela divisão do mundo romano para efeito de taxação. A taxação é conseqüência
da necessidade do aumento de efetivos militares, capazes de fazer frente a tantas frontes de batalha. C.f.
PARKER, H.M.D. The legions of Diocletian and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 23, 1933. pp. 175189; NISCHER, E.C. The Army Reforms of Diocletian and Constantine and Their Modifications up to the Time
of the Notitia Dignitatum. The Journal of Roman Studies. v. 13, 1923. pp. 1-55.
15
FINLEY, M. Op. cit. 1991, p.169.
16
CORCORAN, S. Op. cit. 2006; GOLDSWORTHY, A. The Complete Roman Army. London, 2003;
WILLIAMS, S. Diocletian and the Roman Recovery. London, 1985.
14
68
complexidade político-administrativa e explicam a necessidade da reforma fiscal e
monetária17.
Os novos parceiros eram Constâncio (293-306) e Galério Maximiano (293-311): o
primeiro um general a quem se atribuía uma origem nobre – uma ascendência, possivelmente
forjada, do imperador Cláudio II, o Gótico (268-270)18 –, o segundo, um homem humilde ao
qual Lactâncio atribui uma ascendência bárbara19.
Da mesma forma que Diocleciano e Maximiano Hercúleo eram, como Augustos, filhos
de Júpiter e Hércules, Galério se tornou o filho de Diocleciano, e, por sua vez, Joviano,
enquanto Constâncio se tornou o filho de Maximiano, e Hercúleo.
Não obstante, a partir dos vestígios numismáticos, podemos rastrear que os Césares
não apenas se ligaram aos deuses protetores de seus pais, como também, eles próprios, se
associaram a outras divindades. No caso de Constâncio a Marte, e no caso de Galério ao Sol
Inuictus20.
Ambos os nobilissimi Caesari entraram na gens Valeria, a qual Diocleciano e
Maximiano pertenciam. A Casa Imperial tetrárquica encontrava-se reunida sob a autoridade
estrita do Augusto Joviano, Diocleciano, e pelo compromisso da pietas – o senso de dever
entre deuses e homem.
Como bem sintetizado por Norma Mendes e Gilvan da Silva21:
O sistema tetrárquico, portanto, baseava-se em três princípios: a hierarquia, fixada
pela antiguidade no cargo; a cooptação entre Césares no reconhecimento da
preeminência dos Augustos e os vínculos familiares de adoção e casamento.
A nomenclatura Joviana e Hercúlea, além de invocar um direito divino legitimatório
do sistema político tetrárquico, permitia igualmente a Diocleciano se utilizar de motivos
mitológicos tradicionais, em suas representações, como forma simbólica que explicava a
realeza sagrada e o relacionamento e funções dos Augustos.
De forma esquemática, as relações entre os membros da Tetrarquia se desenvolviam
da seguinte forma:
17
MENDES, N. Op. cit. 2002. pp.135-165.
Pan. Lat. VII (6), 2,1; SHA Diuus Claudius VIII,3
19
Lact. DMP IX,1-3
20
ODAHL, Ch. Op.cit. 2004. p.55.
21
SILVA, G.V. MENDES, N.M. Op.cit. 2006, p.200.
18
69
JOVIANOS
Diocleciano,
Augusto Sênior, “filho” de
Júpiter
Galério,
César, “filho” e genro de
Diocleciano
HERCÚLEOS
Irmãos
Maximiano,
Augusto, “filho” de
Hércules
Constâncio,
César, “filho” e genro de
Maximiano
Esquema 1: O sistema da Tetrarquia22.
Os Panegíricos Latinos, especialmente os dedicados a Maximiano Hercúleo – o
Mamertini panegyricus Maximiano Augusto dictus, e o Genethliacus Maximiano Augusto –,
estabeleceram releituras dos mitos olímpicos, relacionando-os às ações de Maximiano e
Diocleciano.
Por exemplo, um dos temas mais recorrentes refere-se a Iuppiter Optimus Maximus
como o mantenedor do Império Romano, o deus que submeteu a antiga raça dos Titãs e
fundou uma nova raça dos Olímpicos23.
Através da escolha de Júpiter como seu “pai divino”, Diocleciano imputava-se a
responsabilidade pela derrota dos inimigos que se punham diante de si – fossem usurpadores,
bárbaros, ou persas –, afirmando sua legitimidade, e identificando-se como a fonte da
autoridade dos demais imperadores, além de ser o fundador de uma nova “Era de Ouro”24.
Por sua vez, a escolha de Hércules como o antepassado divino de Maximiano,
representava que Diocleciano revestiu seu colega de forma similar ao que Júpiter fez no mito
de Hércules, engendrou um herói para purgar o mundo dos homens25.
Assim, os governantes relacionaram-se diretamente ao panteão greco-romano e à
mitologia, como um modo de representação, propaganda e legitimação do novo sistema
político.
Afora a explicação da divisão de poderes, os epítetos Joviano e Hercúleo também se
relacionavam à afirmação do direito divino dos imperadores, e à reivindicação de que a
Tetrarquia seria o estilo ideal de governo porque refletiria a estrutura do cosmos26.
22
SUTHERLAND, C.H.V. Op. cit. 1966. p. 9
Pan. Lat. III (11), 3,4.
24
Pan. Lat. II (10), 1,5; 3,1; III,15,2-4; V,18,5
25
GRIMAL, P. Op. cit. 2005. pp. 205-221.
26
Ver o exemplo da Moeda 1, constante do Anexo.
23
70
Era ideia comum no pensamento político-religioso greco-romano, desde o período
helenístico, que um governo estável reproduzisse na Terra o governo dos céus. Assim, nada
mais razoável que a explicação dada no panegírico de 289, no qual os poderes de Diocleciano
e Maximiano emanavam de “Júpiter, senhor do céu, e de Hércules, pacificador da terra”27.
Desta forma, a partir da releitura e da apropriação de temas tradicionais, fundamentouse um sistema político que refletia um cosmos no qual Júpiter reinava supremo (embora
auxiliado por outras deidades), que explicava suas relações de poder através de analogias com
a mitologia, e que via o deus Júpiter como a fonte última do poder dos imperadores.
Baseado em seu ideal de romanitas, Diocleciano confiava que seus súditos
continuassem devotados ao tradicional panteão greco-romano. Corolário desta devoção seria
justificação desta dominação carismático-tradicional baseada no apoio das divindades
acompanhantes.
A importância que a Tetrarquia atribuiu ao culto tradicional – em particular ao culto de
Júpiter e Hércules – é evidência de seus esforços em fortalecer o culto dos deuses protetores
da Res publica, como aventa Elizabeth Digeser: “Lealdade à Tetrarquia desta forma exigia
fidelidade ao culto tradicional”28.
Entretanto, a interpretação historiográfica corrente vai pouco além do estudo da
documentação textual, haja vista que um estudo acurado da documentação numismática –
aliás, subutilizada pelos pesquisadores – apresentaria a importância crescente dos cultos não
tradicionais dos romanos, como a vinculação entre os imperadores e o Sol Inuictus – a qual se
aprofundou no período de Aureliano, e encontrou a máxima expressão no período da Segunda
Tetrarquia (306-311).
Além disso, grande parte da historiografia relega a importância atribuída ao Genius
Populi Romani, o qual é o tema mais difundido na moedagem tetrárquica29, e representa o
máximo da valorização da romanitas pelos tetrarcas.
27
Pan. Lat. II (10), 11,6
DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.30. Opinião próxima encontra-se em WILLIAMS, S. Op. cit. 2000. pp.69-70.
29
BERANGER, Jean. Le Genius Populi Romani dans la politique impériale. In. Principatus Études de
notions et d’histoire politiques dans l’Antiquité gréco-romaine. Gèneve, 1973. p. 412; REES, Roger. Images
and Image: A Re-Examination of Tetrarchic Iconography. Greece & Rome. v. 40. n. 2. Oct., 1993. pp. 181-200;
SUTHELAND, C.H.V. Some Political Notions in Coin Types between 294 and 313. Journal of Roman Studies.
v. 53, 1963. pp. 14-20.
28
71
3. Atributos místicos e o caráter do poder imperial
Esta ênfase nos atributos divinos de legitimidade do poder imperial relaciona-se
diretamente com o desenvolvimento de um ideário e mística imperiais em torno de
Diocleciano e Maximiano que, na linguagem pomposa dos panegíricos, apresentavam-se
como co-participes da natureza divina de Júpiter e Hércules.
O exemplo mais interessante desta epifania entre os Augustos e os deuses é-nos
apresentado por Mamertino:
Mas agora, tão logo como em uma e outra montanha dos Alpes luziu vossa
divindade, sobre a Itália se difundiu uma luz mais brilhante e todos os que haviam
levantado os olhos ficaram estupefatos ao mesmo tempo em que se perguntavam que
deuses se alçavam nos cumes desses montes e se eles se utilizavam desses degraus
para baixarem do céu à terra. Mas quando, à medida que ias te aproximando, as
pessoas começaram a reconhecê-los todos os campos se encheram não somente de
homens que haviam acudido correndo, como também rebanhos de animais que
abandonavam seus pastos longínquos e os bosques; os camponeses corriam de uns a
outros e anunciavam em todas as aldeias o que haviam visto: sobre os altares se
acendiam fogueiras, se vertiam sobre elas incenso, se fazia sobre elas libações de
vinho, se imolavam vítimas; em todas as partes havia danças e se ouviam palmas; o
povo cantava aos deuses imortais cantos de louvor e gratidão; o povo invocava a
Júpiter, não ao que nos legou a lenda, mas ao visível e presente; o povo adorava a
30
um Hércules que não era um estrangeiro, mas o imperador .
Quando a Tetrarquia já era uma realidade consumada, um panegirista anônimo expôs
que a relação existente entre os quatro imperadores encontrava-se em perfeita harmonia
cósmica, e desta forma, refletia na Terra o arquétipo celeste:
Ademais, independentemente dos interesses e do cuidado da República, esta
majestade que aparenta com Júpiter e com Hércules aos príncipes joviano e
hercúleo, exigia para eles algo semelhante ao que existe no universo inteiro e no
mundo celeste. Pois este número de quatro, símbolo de vosso poder, é a força e a
alegria de quanto há de maior: assim, os elementos são quatro, quatro as estações,
quatro as partes do mundo divididas pelo duplo oceano, e os qüinqüênios regressam
após uma quádrupla revolução dos céus, e são quatro os cavalos do Sol, e os dois
31
brilhos do céu vêm a se adicionar Vésper e Lúcifer .
Com a adoção deste sistema, Diocleciano esperava evitar um perigoso interregno à
morte de um imperador, como ocorreu anteriormente, e exaltar o prestígio e a autoridade do
cargo imperial.
As reformas de Diocleciano impuseram uma administração muito mais estrita ao
Império, o que ocorreu paralelamente a um projeto de maior homogeneização, como bem
30
31
Pan. Lat. III (11), 10, 4-5. (Tradução nossa).
Pan. Lat. V (8), 4, 1-2. (Tradução nossa).
72
apresentou Elizabeth Digeser: a legitimidade político-religiosa do sistema político repousava
na ideia de que a unidade e a paz dependiam do culto universal das deidades tradicionais32.
Tendo por objetivo estruturar legalmente seu reordenamento do Império Romano,
Diocleciano encarregou seus juristas de compilar as leis romanas, resultando em dois códigos
de leis entre 291-29533.
Os governantes romanos direcionaram, então, seus esforços para formar um governo
baseado na lei e na religião, cada vez mais centralizadas – cujo ideal era o do pius ciuis, o
cidadão piedoso que manteria o relacionamento correto com a lei romana e os deuses de
Roma34.
A pietas tradicional foi a base da tentativa de restituição do Império empreendida por
Diocleciano; reafirmando a relação correta de Roma com suas deidades protetoras, não apenas
para fortalecer a Tetrarquia e revigorar o sistema legal, mas também para mostrar a gratidão
pelos longos anos de reinado dos imperadores, prova contundente da fortuna, e da aprovação
das deidades.
Ao mesmo tempo, as celebrações públicas reuniam todos os cidadãos romanos para
celebrar o fim da desordem civil, render graças pelos privilégios e proteções que os deuses
garantiam, além de reconhecer abertamente as obrigações que a cidadania trazia. A pietas de
Diocleciano remetia-se para a fidelidade às antigas tradições da romanitas.
Neste sentido, as políticas delineadas no período da Tetrarquia desenvolveram as bases
de um sistema político baseado na ordem, na lei, e na pietas tradicional, a partir das quais se
buscou corrigir a realidade35.
No bojo desta preocupação em “ajustar a realidade”, ocorreu a Reforma Monetária de
294, a qual também apresentou disposições em favor do ideal da romanitas: impôs-se a
cunhagem de moedas com legendas exclusivamente em latim, o que obrigou as antigas Casas
de Cunhagem gregas, como a de Alexandria, a disseminar moedas com efígies imperiais e
legendas latinas.
Assim sendo, podemos fazer a seguinte síntese: a legitimidade da Tetrarquia
repousava na tradição romana, na pietas, nos cultos e costumes dos antepassados, na
providência divina, e no reforço do ideal de romanitas.
32
DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.30; a mesma opinião encontra-se presente em: ODAHL, Ch. Op. cit. 2004. pp.
54-55.
33
DIGESER, E. Op. cit. 2000. p.14 passim; PIGANIOL, A. Op. cit. 1949. p. 445
34
DIGESER, E. Op. cit. 2000. pp. 23-28.
35
Conforme as disposições presentes no “Edito de Galério” – conservado por Lactâncio (Lact. DMP XXIV, 15) e por Eusébio de Cesaréia (Eus. HE VIII, 17) –, a partir do qual percebemos a preocupação existente na
política tetrárquica em “amoldar” tudo “às leis antigas e às regras romanas” (Lact. DMP. XXIV, 1) tendo por
objetivo principal a manutenção da ordem da Res publica.
73
Neste sentido, os motivos de dominação – que se encontram vinculados às estratégias
individuais dos membros das elites – estabeleciam-se sobre um equilíbrio instável, logo, havia
a necessidade de se desenvolver uma crença na legitimidade dos imperadores, através da
difusão de uma série de discursos de poder (as cerimônias, os panegíricos, as moedas, as
estátuas...).
Seguindo esta linha de raciocínio, podemos observar as cerimônias e os panegíricos –
que eram pronunciados nestas cerimônias – como relacionados às redes de patronato,
fundamentais à estruturação do Império Romano, e às estratégias individuais para manutenção
e fortalecimento dos poderes na esfera local, e global. Pois, o objetivo de um orador eminente,
chamado a pronunciar um discurso laudatório perante o imperador, era receber benefícios
para si e para a sua cidade.
Seus pronunciamentos eram condizentes com o sistema de representações imperiais,
ou a forma como os imperadores queriam se apresentar, e desejavam ser vistos. Os
panegiristas enunciaram o ideário imperial, numa época em que a base legitimatória,
repousava cada vez mais nos atributos sagrados de poder.
Em torno desta realeza sagrada tetrárquica estabeleceu-se um conjunto de ritos,
cerimônias, atributos místicos e símbolos de poder, dentre os:
Vossas túnicas triunfais, os fasces consulares, as cadeiras curuis, este séqüito
esplendoroso de cortesãos [comitatenses], esta claridade que cinge vossa cabeça
divina com um nimbo resplandecente, são os magníficos e augustíssimos ornamentos
36
que se devem a vossos méritos .
O panegirista se referiu, por um lado, aos símbolos tradicionais romanos que, desde o
período republicano, figuraram entre os atributos de poder: os fasces consulares e a cadeira
curul. Por outro lado, o Mamertino incluiu entre estes atributos de poder o comitatus, e o
nimbo resplandecente, este último símbolo denota a sacralidade do imperador, e sua natureza
superior à dos demais homens, conforme anunciou o próprio Mamertino dois anos depois –
no Mamertini panegyricus genethliacus Maximiano Augusto dictus:
E logo disto, a virtude que está intimamente vinculada ao culto dos deuses, com
quanta piedade vos trateis um ao outro! Que séculos, com efeito, viram nunca uma
concórdia semelhante sobre o mesmo poder? Que irmãos, que gêmeos respeitam a
igualdade de seus direitos sobre o patrimônio indiviso com tanta equidade como vós
o fazeis na administração do mundo romano? Disto se infere com toda evidência
que, se as almas dos demais homens são terrenas e perecíveis, as vossas, ao
contrário, são celestiais e eternas. (...) Vossa alma imortal, ao contrário, está acima
de todo poder, de toda fortuna, acima do próprio império. (...) Deste modo, vossa
36
Pan. Lat. II (10), 3, 2. (Tradução nossa).
74
piedade vos duplica as vantagens e benefícios do poder divino: cada um de vós
37
desfruta a vez de seu império e do de seu associado .
De forma semelhante, as cerimônias apresentam-se como discursos de poder, como o
“transcrito público”38 que pretendia reforçar o caráter sagrado e transcendente do poder
imperial cujos reflexos eram a submissão, principalmente, dos membros das elites – que eram
admitidos nas cerimônias –, como as adorationes39, conforme narradas por Mamertino:
Que momentos aqueles, deuses bondosos! Que espetáculo o que ofereceu vossa
piedade quando, em vosso palácio em Milão, aparecestes os dois aos que haviam
sido admitidos a adorar vossas sagradas faces e quando a inesperada presença de
vossa dupla divindade desconcertou as homenagens que de logo se dirigiam a uma
só. Ninguém observou a hierarquia das divindades de acordo com o protocolo
habitual: todos detiveram o tempo a adorar-vos, tardando em cumprir um duplo
dever de piedade. Este ato de adoração, que havia permanecido de certo modo
dissimulado no interior de um santuário, havia paralisado de estupor somente as
40
almas daqueles cuja posição entre os dignitários dava acesso à vossa presença .
Isolados e exaltados como nunca anteriormente, os imperadores se cercaram de
atributos de um elaborado cerimonial de corte, provido de vestes e pedrarias, sendo uma
figura sagrada. O imperador não era mais o primus inter pares, exaltado pelo autor Flávio
Eutrópio41, mas um rei, alguém que demandava a adoratio. O imperador é destacado como
um dominus, não mais um princeps.
4. A “Grande Perseguição” e o fim da Primeira Tetrarquia
A “Grande Perseguição” é um ponto assaz controverso, e como bem salientou
42
Finley , uma das razões da atribuição de juízos de valor sobre Diocleciano. Apresenta-se, por
sua vez, como a questão fulcral das obras que tratam o período tetrárquico.
37
Pan. Lat. III (11), 6, 3-7. (Tradução nossa).
SCOTT, James C. Domination and the Arts of Resistence; Hidden Transcripts. New Haven/London, 1990.
39
Sobre o ritual da adoratio, ver: STERN, H. Remarks on the "Adoratio" under Diocletian. Journal of the
Warburg and Courtauld Institutes. v. 17, 1954. pp. 184-189.
40
Pan. Lat. III (11), 12,1-2. (Tradução nossa).
41
Eutr. IX, 26: “Diocleciano era de uma astuciosa disposição, com muita sagacidade e perspicaz entendimento.
Ele estava disposto a satisfazer sua própria disposição à crueldade de tal modo que lançou o ódio sobre os
demais; ele foi, porém, um príncipe muito ativo e capaz. Ele foi o primeiro a introduzir no Império Romano uma
cerimônia que servia mais aos usos reais que à liberdade romana, dando ordens que ele deveria ser adorado,
enquanto todos os imperadores antes dele foram apenas saudados. Ele colocou ornamentos de pedras preciosas
em suas roupas e calçados, enquanto a distinção imperial anteriormente era somente o manto púrpura, nos
demais hábitos era como os demais homens”. (Tradução nossa).
42
FINLEY, M. Op. cit. 1991, p. 170.
38
75
Quais os motivos que levaram Diocleciano a iniciar uma perseguição, após décadas
sem mobilização por parte das autoridades imperiais? Pois, como bem salientaram Harold
Drake43 e Moses Finley:
Cristãos ocupavam cargos públicos, e eram leais (ou tão indiferentes) ao Estado com
qualquer outro grupo, não havia nenhuma grande pressão popular no sentido de
eliminá-los, no sentido de torná-los bodes expiatórios da peste e da fome; em suma,
não havia nenhum motivo político ou social visível para que Diocleciano, quase ao
44
final de seu reinado, decidisse esmagar essa religião .
Os motivos aduzidos por Finley se referem à pietas pagã, à qual se somava o orgulho
insultado do autocrata, pois conforme relatado por Lactâncio, servos cristãos ao fazerem o
sinal da cruz atrapalharam a ortopraxis sacrifical, tão cara à ritualística romana. Diocleciano
perdeu a calma e incentivado por Galério proclamou a “Grande Perseguição”45.
Ideias semelhantes foram outrora apresentadas por Piganiol, para o qual a política
religiosa de Diocleciano configurava-se em torno de uma “fidelidade às antigas tradições de
Roma, esta que se fazia dever de todos para com o Estado, o que explica a guerra que ele
declarou ao cristianismo”46.
Na década de 1970, A.H.M. Jones também aventa a questão da pietas de Diocleciano,
baseada em Iuppiter Optimus Maximus, patrono tradicional de Roma, como fonte para a
perseguição47. Todos aduzem à mesma passagem de Lactâncio:
[Diocleciano] Se encontrava naquele tempo no Oriente, e como, por ser escrupuloso,
era aficionado em esquadrinhar o futuro, se entregava a sacrificar animais para
descobrir o porvir em suas vísceras. Com tal objetivo, alguns ministros do culto que
criam no Senhor colocaram na fronte o signo imortal, ainda que assistissem o
sacrifício. Feito isto, os demônios se puseram em fuga e os sacrifícios se viram
perturbados. Começaram a temer os arúspices, pois não viam nas vísceras os sinais
de costume e repetiam uma e outra vez os sacrifícios, como se estes tivessem sido
vãos. Mas as vítimas sacrificadas, uma e outra vez, não davam resultado algum.
Então o mestre dos arúspices, Tages, seja por haver suspeitado, seja por haver
observado, declarou que o motivo dos sacrifícios não surtirem resultados era que
pessoas profanas participavam nas cerimônias divinas. Então, furioso, [Diocleciano]
ordenou que sacrificassem não somente os ministros do culto, como também todos os
que se encontravam no palácio e, caso se negassem, que fossem obrigados a isto por
força de flagelos. Da mesma forma, deu ordens escritas aos chefes das unidades
militares para que se obrigasse também aos soldados a realizar os sacrifícios
nefandos, sob pena de que aqueles que não obedecessem fossem expulsos do exército
48
.
43
DRAKE, H.A. Op. cit. 2000, p. 141.
FINLEY, M. Loc. cit.
45
Ibidem. p. 171.
46
PIGANIOL, A. Op. cit. 1949. pp. 447-448.
47
JONES, A.H.M. Op. cit. 1970. pp. 35-37.
48
Lact. DMP X, 1-4. (Tradução nossa).
44
76
André Aymard e Jeannine Auboyer 49 também propuseram o enfoque sobre a relação
tensa entre os cristãos e o sistema político-religioso da Tetrarquia, pois, os cristãos eram
vistos como súditos não leais.
Esta falta de lealdade ia de encontro ao ideal restaurador de Diocleciano, que exigia a
disciplina dos súditos, a perseguição se justificaria pela insubordinação cristã às leis.
Recentemente, Carrié e Rousselle50 também sustentaram a hipótese concernente ao
desejo de Diocleciano em estabelecer uma coesão em torno dos valores tradicionais romanos,
principalmente no exército romano, o qual seria o locus privilegiado da depuração religiosa
efetuada pelo poder imperial.
Robin Lane Fox51, por sua vez, estabelece três elementos centrais que originaram a
“Grande Perseguição”, seriam eles: “o sucesso militar dos Imperadores; o tom moral e
religioso dos editos e da piedade pública; o apoio de intelectuais gregos (...)”. Neste sentido,
Diocleciano e Galério aproveitando-se da estabilidade política reiniciaram as perseguições.
Para Harold Allen Drake52, o motivo central da “Grande Perseguição” deve ser
procurado na ameaça em que consistiam os cristãos aos fundamentos da legitimidade do
poder imperial, pois a justificação do Dominato, desde finais do século III, tendia a se basear,
por um lado, no poder militar, e por outro, no favor dos deuses.
Partidária de um ponto de vista próximo ao de Lane Fox e de H.A. Drake, Elizabeth
Digeser aprofunda a questão da importância do que Fox denominou “intelectuais gregos”, dos
quais se destacam Porfírio – discípulo de Plotino –, e o governador da Bitínia, Hierócles,
autores de obras anticristãs no período que antecedeu à perseguição.
Para Digeser 53, Hierócles e Porfírio fundamentaram teoricamente seja o arcabouço da
restauração do culto tradicional efetuada por Diocleciano, sejam quaisquer esforços do poder
imperial em eliminar os cristãos. As críticas de Porfírio e Hierócles se basearam na falta de
fundamentos do culto cristão, pois estes não cultuavam apenas o Deus Supremo, como
também, e pior que os politeístas, cultuavam um ser humano.
Embora o neoplatonismo de Porfírio se baseasse no culto do Deus Supremo, havia
espaços para a manutenção dos cultos tradicionais, considerados como menos importantes.
49
AYMARD, André. AUBOYER, Jeannine. Roma e seu Império. v.2. São Paulo: DIFEL, 1956. pp. 277-278.
CARRIÉ, J-M. ROUSSELLE, A. Op. cit. 1999. pp. 179-181.
51
LANE FOX, R. Op. cit. 1988. p. 592.
52
DRAKE, H.A. Op. cit. 2000. p.148.
53
DIGESER, E. Op. cit. 2000. p. 7 passim; Op. cit. 1998. pp. 129-146.
50
77
Em vista disso, a filosofia mística de Porfírio era compatível à política da Tetrarquia,
baseada no culto tradicional, o qual não traria a união com o Deus Supremo transcendente
nesta vida ou exaltasse o lugar no céu após a morte (privilégio dos filósofos e sábios que
tiveram uma vida contemplativa). Mas, estando o Deus Supremo em tudo, o culto tradicional
podia refletir as verdades teológicas e, assim, ser uma forma do povo cultuar o Deus
Supremo.
Nesta visão, os deuses não seriam cultuados por si, mas por serem parte do Deus
Supremo que estava sendo cultuado desta forma. Os deuses cumpriam uma função para o
povo54. O Uno seria cultuado pelo múltiplo, o qual era, por sua vez, emanação do Uno.
Por esta perspectiva da historiografia anglo-saxônica, e caso partamos das disposições
presentes no Edito de Galério55, percebemos a preocupação existente na política tetrárquica
em amoldar tudo “às leis antigas e às regras romanas”56 tendo por objetivo principal a
manutenção da ordem da Res publica.
Os cristãos eram claramente vistos como avessos à conservação do Império Romano,
sobretudo pelo abandono dos cultos tradicionais, subsistindo neles um caráter subversivo,
pois não seguiam todas as leis e os costumes dos antepassados, escolhendo as leis que melhor
lhes apraziam:
Entre as demais disposições que tomamos buscando sempre o bem e o interesse da
República; procuramos, com o objetivo de corrigir e provir às antigas leis e à
disciplina (normas) dos romanos, que também os cristãos que haviam abandonado à
religião de seus pais retornassem aos bons propósitos. Com efeito, por motivos que
desconhecemos se havia apoderado deles [os cristãos] uma obstinação e uma
insensatez tais, que já não seguiam os costumes dos antigos, costumes que talvez seus
mesmos antepassados houvessem estabelecido pela primeira vez, mas que ditavam a
si mesmos, de acordo unicamente com seu próprio arbítrio e seus próprios desejos,
as leis que deviam observar e atraíam pessoas de todo o tipo e dos mais diversos
57
lugares .
Por isso, a perseguição se legitimava sob o ponto de vista da política empreendida por
Diocleciano, a qual se baseou num reforço da romanitas, da identidade romana, frente às
infiltrações de cultos avessos à ordem estabelecida, como o caso do cristianismo, do
maniqueísmo, e outros.
Com apenas dois anos do início da perseguição, Diocleciano e Maximiano abdicam ao
imperium, e à dignidade de Augusto, em favor de seus Césares – Galério e Constâncio. Por
54
DIGESER, E. Op. cit. 2000. pp.6-20.
Lact. DMP XXXIV,1-5.
56
Lact. DMP XXXIV,1; Eus. VC VIII 17,6.
57
Lact. DMP XXXIV,1-2. (Tradução nossa). C.f. Eus. VC VIII 17,7.
55
78
sua vez, novos Césares foram eleitos, Maximino Daia, subordinado diretamente a Galério, e
Severo, subordinado a Constâncio.
Entretanto, conforme vimos, o novo arranjo tetrárquico suscitava problemas
prementes, dos quais os principais foram a exclusão dos filhos de Maximiano e Constâncio –
Maxêncio e Constantino – do novo arranjo; e a vontade de Maximiano em manter-se como
governante.
Em curto prazo, estes problemas acabaram por minar o sistema político proposto da
Tetrarquia. Após a morte do Augusto Sênior, Constâncio, uma nova onda de instabilidade
política, e guerras civis, assolaram o Império Romano, ao término das quais emergiu
Constantino, o filho do César, como único imperador, e como principal patrono da perseguida
religião cristã.
79
Capítulo IV – Constantino, uma proposta de micro-análise
1. A retomada da centralização do poder imperial (c.270-306)
Toda narrativa histórico-biográfica é a construção de uma trajetória a partir de
vestígios documentais. Certamente que não podemos saber tudo sobre determinado indivíduo,
e mesmo os detalhes mais simples como o nascimento e a sua morte, às vezes podem ser mais
enigmáticos que outras porções de fatos nos quais esta pessoa tomou parte. É, pois, como
reconstruir um quebra-cabeça com peças faltando.
O nascimento de Constantino é uma peça faltando. O espaço deixado por esta peça,
entretanto, pode ser preenchido através de hipóteses – construções verossímeis – moldadas a
partir de vestígios documentais.
Sabemos que o local de origem de Constantino foi a cidade de Naisso, na Mésia
Inferior (Niš, na atual Sérvia), e que era o primogênito de Flávio Valério Constâncio (c.250306), um militar de origem ilírica que compunha o grupo dos generais beneficiados pelas
reformas de Galieno – assim como Caro, Diocleciano e Maximiano.
Segundo duas inscrições do período1, a data de nascimento de Constantino era 27 de
fevereiro. Para o ano de seu nascimento, entretanto, não temos a mesma certeza. Podemos
seguir por dois caminhos documentais possíveis para delimitá-lo: (1) partindo da Crônica de
Jerônimo 2, do Breviário de Eutrópio3, e da narrativa de Sócrates Escolástico 4, temos a data 27
de fevereiro de 272, posto que para os três Constantino morreu com 65 ou 66 anos, em 337, o
que nos leva a esta data.
Caso partamos (2) da Vida de Constantino de Eusébio de Cesáreia5 e do De
Caesaribus de Aurélio Victor6, teremos a data 27 de fevereiro de 274 ou 276;
1
CIL I2: 255, 258.
Jer. Chron. 337b: “Enquanto preparava-se para a guerra contra os Persas, Constantino morre em Ancyra
numa Villa Publica próxima a Nicomédia com a idade de sessenta e seis anos; após ele seus três filhos foram
saudados Augustos”. (Tradução nossa).
3
Eutr, X. 8: “Ele estava se preparando para a guerra contra os Partos, que estavam então causando distúrbios
na Mesopotâmia, ele morreu na Villa Publica, em Nicomédia, no trigésimo primeiro ano de seu reinado, e no
sexagésimo sexto de idade”. (Tradução nossa).
4
Soc. HE. I. 39,1: “Um ano se passou, o Imperador Constantino, tendo acabado de entrar em seu sexagésimo
quinto ano de idade, foi acometido com uma doença; ele então partiu de Constantinopla, e se fez uma viagem
até Helenópolis, onde ele buscou o efeito das estâncias de águas medicinais que são encontradas na vizinhança
da cidade”. (Tradução nossa).
5
Eus. VC. I. 8,1: “Mas nosso imperador começou seu reinado no momento da vida no qual o macedônio
[Alexandre] morreu, e ainda dobrou a extensão de sua vida, e triplicou a extensão de seu reinado”. Eus. VC.
IV. 53, 1: “Estendeu seu reinado durante trinta e dois anos menos uns meses e breves dias, e o decurso de sua
vida foi aproximadamente o dobro”. (Tradução nossa).
2
Esta divergência documental provém dos discursos contemporâneos de representação
da imagem de Constantino. De uma forma geral, o imperador era simbolicamente retratado
seja na linguagem artística, seja nos panegíricos e nas obras históricas7 como mais jovem do
que possivelmente era naquele momento.
Outra questão que gera debates sobre as origens de Constantino era a condição de sua
mãe, Helena. Para o autor do Origo Constantini, Helena era uma mulher de origem humilde8,
sem maiores aprofundamentos sobre a questão.
As mesmas ressalvas não tiveram Jerônimo, Eutrópio e Zósimo. Para estes autores,
Helena, que era uma mulher de família humilde, não foi legalmente desposada por
Constâncio, sendo Constantino fruto de uma relação de concubinato9.
Seja qual for o estatuto legal da união entre os pais de Constantino, um ponto é certo:
Helena não provinha de uma linhagem nobre. Este fato, juntamente com a promoção de
casamentos endogâmicos entre os membros da Tetrarquia, fez com que Constâncio a
repudiasse, em favor de Teodora – enteada do imperador Maximiano Hercúleo –, quando era
seu prefeito do pretório em 28910.
Na época em que Constantino nasceu, seu pai estava servindo como protector –
guarda pessoal – do imperador Aureliano (270-275)11, sendo inclusive um dos generais do
Império Romano treinado sob a tutela do futuro imperador Probo – juntamente com os
também imperadores Caro e Diocleciano 12.
A partir de 288, Maximiano, o imperador do ocidente, escolheu Constâncio para servir
como seu prefeito do pretório, e logo em seguida arrumou seu casamento com sua enteada.
Quando Diocleciano desenvolveu o sistema da Tetrarquia, Constâncio foi cooptado como
César de Maximiano, e Galério Maximiano foi elevado à dignidade de César de Diocleciano.
6
Aur. Vict. De Caes. 41,16: “E então, com seus filhos e o de seu irmão, Dalmácio, confirmados como Césares,
ele viveu sessenta e três anos, metade dos quais assim, então os treze últimos eles governou sozinho, [por fim]
ele foi consumido pela doença”. (Tradução nossa).
7
Eus. VC. II. 51,1; IV. 53,1; Pan. Lat. IV(10). 16,4; VI(7). 17,1; VII(6). 5,2-3; Lact. DMP XVIII.10; XXIV.4;
XXIX. 5.
8
Anon. Vales. 2. 2: “Constantino, então, nascido de Helena, uma mulher de origem muito humilde, e criado na
cidade de Naisso”. (Tradução nossa).
9
Jer. Chron. 306: “No décimo sexto ano de reinado Constâncio morreu em York, na Britânia; depois dele, seu
filho Constantino, nascido da concubina Helena, tomou posse do império”; Eutr. X. 2: “Constantino, seu filho
com uma mulher de origem obscura, foi feito imperador na Britânia (...)”; Zós. NH. II. 8,2: “Constantino
nascido pelo imperador Constâncio do trato [carnal] com uma mulher nem legalmente desposada”. (Tradução
nossa).
10
Pan. Lat. II (10). 11,4.
11
PLRE I. Fl. Val. Constantius 12.
12
SHA Vita Probi XXII,3: “Ele [Probo] fez muitas façanhas com suas próprias mãos e treinou os mais ilustres
generais. Pois, do seu treinamento vieram Caro, Diocleciano, Constâncio, Asclepiodoto, Anibaliano, Leônidas,
Cecropio, Pisoniano, Hereniano, Gaudioso, Ursiniano, e todos os outros que nossos pais admiraram e dos quais
muitos príncipes surgiram”. (Tradução nossa).
81
Assim, foi formada em 1º de Março de 293 a Primeira Tetrarquia, um sistema de
governo quadripartido governado por dois Augustos e dois Césares, e cimentado por laços
matrimoniais.
Para a trajetória de Constantino, esta dignidade à qual seu pai foi alçado foi de grande
importância. Com sua mãe repudiada, e seu pai como herdeiro do Império Romano,
Constantino partiu para a corte de Diocleciano estabelecida em Nicomédia, em meados da
década de 290.
Certamente, devemos ter em mente nesta decisão a natureza cautelosa de Diocleciano.
Por um lado, Constantino teve uma educação primorosa – baseada no currículo clássico de
latim, grego e filosofia13 –, e, por outro, era um refém, o que garantia a lealdade incondicional
de Constâncio.
Como o filho de um imperador-soldado, entretanto, as obrigações principais de
Constantino eram nos campos de batalha, e foi desta forma que ele atuou durante a Primeira
Tetrarquia, chegando à posição de tribuno de primeira ordem em 30514.
Neste período, Constantino lutou sob o comando direto de Diocleciano e Galério.
Eusébio de Cesaréia nos relata que viu Constantino pela primeira vez quando este viajou com
Diocleciano através da Palestina, no decurso de sua campanha no Egito. O próprio
Constantino disse que testemunhou as ruínas da Babilônia e de Mênfis15.
Isto nos leva a concluir que Constantino participou da campanha de Galério na
Mesopotâmia em 298, e, também, tomou parte da expedição de Diocleciano ao Egito,
provavelmente em 301-2. Assim sendo, ele possuía a educação própria ao filho de um César,
e uma grande experiência militar, tendo cerca de 30 anos.
Em 1º de maio de 305, Diocleciano abdicou ao poder, e forçou Maximiano Hercúleo a
fazer o mesmo. Este foi o maior teste pelo qual o sistema de Diocleciano passou: com estas
abdicações, os Césares foram elevados à dignidade de Augustos, e novos Césares foram
cooptados.
Constâncio e Galério ascenderam à dignidade de Augustos, Severo e Maximino Daia
foram elevados à posição de Césares. Ambos também eram soldados ilíricos, sendo
13
BARNES, T. D. Op. cit. 1981. pp. 73-75; CORCORAN, Simon. The Empire of the Tetrarchs. Cambridge,
2000. pp. 253-265 passim.
14
Lact. DMP XVIII, 10.
15
Anon. Vales. 2-3 ; OC 16 ; Eus. VC I. 12,1-2, I. 19,1 ; Pan. Lat. VI (7). 3,3 ; VII(6). 5,3 ; Lact. DMP
XVIII, 10. Sobre a carreira de Constantino, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1982. pp. 41-2; DRAKE, H.A. Op. cit.
1976. pp. 15-25; Op. cit. 1999. LENSKI, Noel. The reign of Constantine. In. Age of Constantine. Cambridge,
2006. pp.59-90.
82
Maximino um protector16. Estas escolhas preteriram os filhos de Constâncio e Maximiano
Hercúleo – e, em curto prazo, levou ao colapso da Segunda Tetrarquia17.
Afastado um arranjo dinástico favorável aos imperadores ocidentais, Galério gerou um
forte descontentamento, que foi alimentado pela escolha de seu sobrinho Maximino Daia
como seu César.
Além disso, Galério mantinha Constantino sob seu comando, o que deve ter
aumentado a tensão entre os Augustos. Deste período, a propaganda constantiniana
desenvolveu vários relatos sobre os riscos aos quais Galério expôs Constantino, como
perigosos combates contra os Sármatas, no limes danubiano; ou mesmo um combate
gladiatorial que Galério patrocinou entre Constantino e um leão18.
Em fins de 305, Constâncio pediu a Galério que seu filho fosse enviado para seus
territórios a fim de que lhe ajudasse nas campanhas contra os Pictos, na Britânia. Galério
resistiu muito, entretanto, acabou por permitir, à revelia, a ida de Constantino para junto de
seu pai.
Segundo os relatos, durante a madrugada Constantino efetuou uma fuga alucinada
pelas vias romanas – utilizando os cavalos públicos, que eram sacrificados a cada posto – e,
como os enviados de Galério não conseguiram detê-lo, Constantino seguiu ao encontro de seu
pai19.
Neste ponto, há dois caminhos documentais. Para Lactâncio, (1) Constantino
encontrou seu pai no leito de morte. O que nos levaria a pensar que Constantino se encontrou
com seu pai em York, na Britânia, em julho de 30620.
Caso sigamos, (2) o Origo Constantini e o Panegírico Latino de 310, ambos
confirmam que Constâncio estava em Boulogne (Bononia), no noroeste da Gália, quando se
encontrou com seu filho, e de lá partiram em campanha para a Britânia. Meses depois foi que
Constâncio acabou morrendo em York, com seu filho junto ao leito de morte21.
16
PLRE I Galerius Valerius Maximinus Daia 12 ; Fl. Val. Severus 30.
Para os filhos de Constâncio com Teodora, ver: PLRE I Flavius Dalmatius 6; Iulius Constantius 7; Fl.
Hannibalianus 1. Para Maxêncio, o filho de Maximiano, ver: PLRE I M. Aur. Val. Maxentius 5; CULLHED,
Mats. Conseruator Vrbis Suae. Stockhohm, 1994. Sobre a possibilidade de Constantino e Maxêncio terem sido
originalmente os herdeiros, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 39-43; CULLHED, op cit 1994.
18
Anon. Vales. 3; Pan. Lat. VII (6). 3,3; Lact. DMP XXIV, 4; Eus. VC I. 20,1-2.
19
Anon. Vales. 4; Lact. DMP. XXIV, 3-9; Aur. Vict. Caes. 40. 2-3; Epit. 41. 2; Zos. II. 8,3; Eus. VC I. 21.
20
Lact. DMP XXIV. 8; Eus. VC I. 18,2 ; 21,1-2; Aur. Vict. Caes. 40. 3; Epit. 41. 2.
21
Anon. Vales. 4; Pan. Lat. VII(6). 7,5.
17
83
2. Aclamação de Constantino, e seu casamento com Fausta (306-307)
Constâncio Cloro, pouco antes de sua morte em York a 25 de julho de 306, conferiu
publicamente o imperium a seu filho primogênito Constantino na presença dos oficiais de seu
exército22 – esta data, posteriormente, foi reconhecida como o seu dies natalis imperii.
Esta era uma prática comum através da história romana, o exército dava sua
aquiescência ao novo imperador eleito como sucessor, e era natural para os oficiais
escolherem o filho do imperador, ainda mais um reconhecido soldado como Constantino.
Entretanto, isto não era condizente com o sistema colegiado da Tetrarquia. Da
perspectiva dos demais tetrarcas, e, na realidade, para muitos contemporâneos, Constantino
era um usurpador. Se seguirmos os vestígios documentais, observamos que a sua promoção
gerou um profundo ressentimento da parte de Galério.
Em seu Sobre a morte dos perseguidores, Lactâncio narra uma cena na qual Galério,
irado com a aclamação de Constantino, refletia se aceitava o busto laureado que lhe havia sido
enviado, ou se o lançava às chamas23. Certamente, tal ato caracterizaria uma declaração de
guerra, o que Galério não desejava.
Por um lado, as narrativas construídas por Eusébio de Cesaréia, por Lactâncio e pelos
panegiristas latinos24, nas quais Constantino foge das ameaças de morte de Galério, devem ser
problematizadas, uma vez que advêm de grupos pró-Constantino. Por outro lado, devemos
ponderar o desejo de Galério em estabelecer, ele próprio, um arranjo tetrárquico que lhe
favorecesse ao excluir os filhos de Maximiano Hercúleo – Maxêncio –, e de Constâncio Cloro
– Constantino –, e pressionar Diocleciano a aceitar seu sobrinho Maximino Daia como César.
Era publicamente reconhecido que o estado de saúde de Constâncio não era bom25,
neste sentido, caso Galério consentisse na escolha de Constantino como César da Segunda
Tetrarquia formada em 1º de Maio de 305, teria aberto caminho para que, logo após a morte
de Constâncio, um César favorável a Constantino fosse escolhido – destruindo sua primazia
no novo arranjo político.
22
Lact. DMP XXIV, 8; Pan. Lat. VI(7). 7, 3-4; Sóc. HE. I. 2,1; Sobre a data, ver: CIL I2 268-9. Sobre o rei
Croco: Epit. XLI, 3.
23
Lact. DMP XXV. 1.
24
Lact. DMP XXIV, 4; Eus. VC I. 20,1-2; Pan. Lat. VII (6). 3,3.
25
O próprio Lactâncio expôs que a fragilidade da saúde de Constâncio era conhecida por todos: Lact. DMP.
XX, 1-2.
84
Em favor desta interpretação, Harold Drake26 apresenta uma hipótese bem
interessante. Galério já temia que as tropas de Constâncio transferissem seu apoio ao seu filho
convenientemente presente. Neste sentido, para Drake, Galério se resignou em fazer de
Constantino um César quando permitiu que partisse, pois o caráter agudo da doença de seu
pai não podia ser escondido, e o efeito da presença do filho do imperador – e experiente
soldado – sobre as tropas era bem previsível.
Assim sendo, a ira de Galério é compreensível não pela aclamação, mas pela traição
de Constantino e Constâncio; pois, ao receber a efígie de Constantino laureado, não como
César, mas como Augusto, Galério percebeu que o acordo não havia sido seguido à risca. Não
obstante, para manter a face de legitimidade do sistema, e evitar uma guerra civil, Galério
reconheceu apenas a dignidade de César, reorganizando a Tetrarquia, com ele e Severo como
Augustos, e Constantino e Maximino Daia como Césares.
Este rebaixamento de dignidade foi prontamente aceito por Constantino, que assim se
tornou um legítimo componente da Tetrarquia – posição que ele buscou enfatizar nesta fase
inicial de seu governo27. Desde 25 de julho de 306 até o início do ano de 307, as emissões
monetárias de Constantino se alinham ao tema principal da Tetrarquia – o GENIVS POPVLI
ROMANI (Gênio do Povo de Roma).
Nos três centros de cunhagem situados em seu território – Londres, Trier e Lyon –,
foram cunhadas 28 tipologias diferentes de moedas de bronze – extremamente comuns, uma
vez que o grau de raridade das mesmas varia entre S e R – referentes ao tema do Gênio do
Povo de Roma, com a efígie de Constantino no anverso. Nestas moedas, este imperador foi
representado com a titulatura FLAVIVS VALERIVS CONSTANTINVS NOBILISSIMVS
CAESAR (Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino)28.
No mesmo período, das oficinas de cunhagem de Sérdica (atual Sófia, na Bulgária) e
Heraclea29 – territórios controlados por Galério – advêm dois exemplares desta mesma
tipologia de moeda com a efígie de Constantino, e a mesma fórmula onomástica. Estes
exemplares demonstram a posição legítima que Constantino gozava no interior da Tetrarquia,
uma vez que em todas as emissões do período que foram analisadas, a tipologia do GENIVS
26
DRAKE, H.A. In Praise of Constantine. Berkeley, 1976. p.18.
ILS 657, 682; Lact. DMP XXV. 1-5; Pan. Lat. VII(6). 8,2; VI (7). 5,3.
28
Segundo o RIC as seguintes moedas foram cunhadas entre 25 de julho de 306 e início de 307: RIC VI
Londres 66(S), 67b(R), 71(R), 72(S), 73(R2), 87(R), 88b(C), 89b(C), 92(R), 94(R), 95(R), 97(R), 99(R); Treveri
659(R), 661b(R), 662(R), 663(R), 665c(R), 666(R), 666A(R), 667c(S), 668c(C), 669b(S), 670(R), 679(R3),
680(R3); Lyon 189(S), 190b(S), 191(R), 194b(S), 195(R), 196(R), 198(R), 199c(R); Serdica 20(R4), 26(R3);
Nicomedia 42(R3), 45(R4), 49b(R); Antioquia 87b(R2), 94b(R2); Alexandria 63(R), 85(S). Para um exemplar
desta tipologia, ver a Moeda 2, constante do Anexo.
29
RIC VI Serdica 26(R3); Heraclea 31(S).
27
85
POPVLI ROMANI é compartilhada pelos tetrarcas – Severo, Galério, Maximino Daia e
Constantino.
Estas emissões referendavam a posição de Constantino enquanto Nobilissimus Caesar,
submetido diretamente a Severo e Galério, e igualado a Maximino. Além disso, demonstram a
posição ilegítima de Maxêncio, que em 28 de outubro de 306 havia tomado o poder em Roma,
e estabelecido sua soberania sobre a Itália e o Norte da África.
A ênfase neste tema tetrárquico – o único produzido nos centros de cunhagem de
Londres, Trier e Lyon, neste período –, denota o esforço de Constantino em se representar
como membro da Tetrarquia, afastando a sombra da usurpação, e revestindo-se de
legitimidade, com a anuência do Augusto Sênior Galério.
O aspecto simbólico Gênio do Povo de Roma, e sua importância enquanto símbolo
identitário romano no período da Tetrarquia, é um tema ainda pouco explorado e que requer
um espaço que não dispomos no presente trabalho. Cabe salientar a sua importância enquanto
corporificação da Res publica romana, e do programa de restauração posto em prática por
Diocleciano durante seu governo.
O ano de 307 apresentou um dos primeiros pontos críticos para Constantino, e no qual
foi obrigado a estabelecer escolhas perante um feixe de possibilidades, que poderiam levá-lo
ao sucesso, ou ao fracasso.
Após Galério ter cooptado Constantino, em poucos meses, iniciou-se um problema
ainda maior, que levou a Segunda Tetrarquia a perder o controle sobre a Itália e a África.
Maxêncio – o filho de Maximiano Hercúleo, outro candidato afastado do arranjo político da
Segunda Tetrarquia – aproveitou-se dos distúrbios da nova política fiscal proposta por
Galério 30, e cooptou o corpo de Guardas Pretorianos, que acabaram por aclamá-lo imperador
com o arcaizante título de princeps31, em 28 de outubro de 306.
Ao mesmo tempo, Maxêncio convenceu seu pai, Maximiano Hercúleo, a deixar seu
retiro na Lucânia para reassumir a púrpura imperial, se juntando à sua causa32. Os pretorianos
e as coortes urbanas estavam desgostosos com sua situação desde que Diocleciano e Galério
reduziram-lhes a uma posição meramente cerimonial. Eles acabaram por ver Maxêncio como
o campeão de sua causa.
30
Lact. DMP XXVI. 2-6. Galério propunha que Roma e a Itália Suburbicária pagassem impostos, demonstrando
que a Vrbs não era mais o centro do mundo, e que os privilégios gozados pelos romanos desde a expansão
republicana estavam para acabar.
31
RIC VI 135, 137, 138, 140. Estas moedas foram cunhadas em fins de 306.
32
Lact. DMP XXVI. 2-3, 6-7; Zos. HN. II. 9,3; Anon. Vales. 6; Eutr. X. 2,3; Aur. Vict. De Caes. XL, 5;
Epit. XL,2 ; 10-12; Jer. Chron. 307; Soc. HE. I. 2,1.
86
O povo de Roma também aprovou o “usurpador”, afinal eles viram seus privilégios
tolhidos durante a Tetrarquia, e se iraram contra as disposições de Galério, que acabavam por
liquidar a posição prestigiosa de Roma33. Maxêncio, então, capitalizou a onda de
descontentamento na Itália; no entanto, faltava-lhe um mecanismo central para legitimar seu
poder, um exército.
Conforme o estudo do arqueólogo sueco Mats Cullhed 34, Maxêncio alimentou o apoio
destes aliados ao promover um programa de revitalização da Vrbs: aumentou o tamanho e o
prestígio da Guarda Pretoriana; manteve os privilégios do populus romanus; e investiu num
programa obras públicas, como a restauração e construção de templos, expansão do Circus
Maximus, e a construção da maior Basílica Pública de Roma (Basílica de Maxêncio). Tudo
isto enquanto promovia sua imagem como o Conseruator Vrbis (Conservador de Roma) em
suas moedas, e inclusive dando a seu filho – por sua vez, neto de Galério – o nome de
Rômulo.
Embora este projeto de reviver a glória romana fosse central na afirmação de seu
poder nas áreas que governava, Maxêncio tinha um problema ainda maior, que era garantir a
aprovação dos demais tetrarcas, em especial seu sogro Galério, então Augusto Sênior.
Entretanto, o sistema político era uma Tetrarquia, não uma Pentarquia.
Poucos meses após a elevação de Maxêncio, Galério enviou em campanha o Augusto
do Ocidente, Severo, de Milão para Roma, com o objetivo de acabar com a usurpação de
Maxêncio. Quando Severo se aproximou dos muros de Roma, entretanto, teve uma terrível
supressa ao ver que seus soldados desertaram, dando seu apoio a Maxêncio. Duas explicações
são possíveis para este evento: (1) Maxêncio simplesmente comprou o apoio do exército a
peso de ouro; (2) quando se aproximaram de Roma, os soldados desertaram ao verem que seu
antigo Augusto, Maximiano Hercúleo, estava com Maxêncio.
Em face destas deserções, Severo fugiu para Ravena, no nordeste da península itálica,
uma cidade inexpugnável devido a seus pântanos circundantes. Maximiano seguiu para
negociar com Severo, que foi convencido a deixar a cidade com uma promessa de anistia.
Severo foi capturado, daí temos novamente duas opções a seguir: (1) ele foi enclausurado na
cidade de Tres Tabernae, ao sul de Roma; ou (2) simplesmente foi executado em Ravena 35.
Nesta situação, o primeiro impulso de Maximiano e de Maxêncio foi o de buscar
aliados entre os governantes legítimos, e a escolha recaiu sobre Constantino, que era ligado
33
Lact. DMP XXVI,2-3; Aur. Vict. De Caes. XXXIX, 47.
CULLHED, M. Op. cit. 1994.
35
Pan. Lat. IX (12). 3,4 ; Zos. HN. II. 10, 1-2; Anon. Vales. 9-10; Lact. DMP XXVI. 4-11; Eutr. X. 3,4; Aur.
Vict. De Caes. XL. 6-7; Epit. XL. 3; Jer. Chron. 307.
34
87
por laços familiares com Maximiano. Deste período – entre 28 de outubro de 306 e a
primavera de 307 – as oficinas de cunhagem em Roma emitiram moedas a Constantino
(Nobilissimus Caesar), Maximiano (Senior Pius Felix Augustus) e Maxêncio (Princeps
Inuictus) em ouro, prata e bronze.
Um dos pontos centrais destas cunhagens foi relacionar Constantino à dinastia
Hercúlea – da qual seu pai “descendia” por ser filho adotivo de Maximiano Hercúleo –
através de uma tipologia compartilhada entre Constantino, Maximiano e Maxêncio, com a
legenda HERCVLI COMITI AVGVSTORVM ET CAESARVM NOSTRORVM (Ao
Hércules Acompanhante Divino dos Nossos Augustos e Césares)36.
Por se tratar de uma cunhagem cujo material base é o ouro, podemos argumentar que
estas moedas se destinaram aos grupos dominantes da Itália, como os pretorianos, os oficiais
do exército, e os senadores. Sendo seu objetivo principal apresentar a força da dinastia cujo
deus Hércules era o “acompanhante divino”, e lançava uma proposta de aliança entre os
governantes itálicos e Constantino.
Nas cunhagens de base prata – utilizada principalmente para o pagamento do soldo –
enfatizou-se o tema da VIRTVS MILITVM (Virtude dos soldados), compartilhado
igualmente entre os três imperadores37
Com o desaparecimento do Augusto Severo – na primavera de 307 –, vemos cessar a
produção de suas moedas no território imperial. Simultaneamente, observamos que as Casas
de Cunhagem de Lyon e Trier começaram a cunhar moedas com a efígie de Maximiano
Hercúleo como imperador38, e no verão de 307 a casa de Londres passou também a cunhar
moedas com sua efígie.
Entretanto, este aparecimento de Maximiano nas emissões de Constantino não foi
concomitante a um desaparecimento dos demais tetrarcas. Constantino apresentou uma
posição dúbia: por um lado, continuava a cunhar moedas com as efígies de Galério e
Maximino Daia, por outro cunhava moedas com a efígie de Maximiano. Apenas Maxêncio,
abertamente considerado um usurpador, não foi contemplado pelas emissões de Trier, Lyon e
Londres, neste período inicial.
36
Constantino: RIC VI Roma 139(R5); Maximiano: RIC VI Roma 137(R4), 138(R5); Maxêncio: RIC VI Roma
147(R4).
37
Constantino: RIC VI Roma 154(R), 155(R3); Maximiano: RIC VI Roma 156(R3), 157(R3); Maxêncio: RIC
VI Roma 153(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 3, constante do Anexo.
38
Após abdicarem do poder em 1º de Maio de 305, Diocleciano e Maximiano Hercúleo deixaram de usar o título
imperator e passaram a ser apresentados nas moedas com a legenda DOMINO NOSTRO DIOCLETIANO (ou
MAXIMIANO) BAEATISSIMO (ou FELICISSIMO) SENIORI AVGVSTO. Ao retomar o imperium, em fins
de 306 Maximiano deixou de ser representado desta forma, passando novamente a ser chamado como imperador.
88
No verão de 307, esta aproximação entre Constantino e Maximiano levou à
progressiva diminuição das emissões com o tema tetrárquico do Gênio do Povo de Roma39,
preferindo-se, por outro lado, apresentar o relacionamento entre estes dois imperadores e as
divindades, em especial, o deus Marte40 – para ambos –, e Hércules para Maximiano41.
No que se refere ao deus Marte, há um grande número de exemplares relacionando sua
imagem à efígie de Constantino. Os aspectos enfatizados nestas emissões foram MARS
VICTOR (Marte vitorioso), MARTI PACIFERO (Ao [deus] Marte Pacificador), e MARTI
PATRI CONSERVATORI (Ao [deus] Marte conservador da Pátria).
Devemos ter em vista que a representação do deus Marte se relaciona ao contexto de
guerra contra os bárbaros no qual Constantino estava imerso, em especial a ameaça dos
Francos e Bructeros na Gália42 – simbolizando, por conseguinte, o apoio deste deus que
permitiu a conservação da Pátria através das vitórias de Constantino.
Deste modo, as escolhas operadas por Constantino, no verão de 307, foram em prol do
aprofundamento de suas relações com Maximiano Hercúleo, o que foi formalizado pelo seu
casamento com Fausta. Este matrimônio, inserido no contexto da iminente invasão de Galério
à Itália, deve ser analisado como uma estratégia de Maximiano para fortalecer sua posição
frente à Galério, conformando um novo arranjo sob sua liderança.
Em contrapartida, Constantino era reconhecido em sua dignidade de Augusto43, como
membro da dinastia Hercúlea, possuindo uma natureza duplamente imperial – por ser também
filho de Constâncio –, conforme foi enfatizado no panegírico pronunciado na cerimônia de
casamento44. Constantino, assim, consolidava a sua posição como legítimo governante na
Gália, Península Ibérica e na Britânia.
Não obstante este caráter hercúleo que o panegirista anunciou durante o casamento,
existe nenhum exemplar monetário no qual Constantino apareça com Hércules, oriundo de
39
Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 2, constante do Anexo. As últimas emissões com este tema
datam de 308, nas oficinas de Lyon e Trier; e 316 em Londres. Entretanto, o auge da cunhagem desta tipologia é
entre fins de 306 e 308, com um retorno substancial entre 313 e 315.
40
Constantino: RIC VI Londres 92 (R), 94 (R), 95 (R); RIC VI Trier 724 (R), 725 (C2), 726 (C), 727 (C),
728(R), 729(R), 730 (C2), 731 (R), 732 (R2), 739 (R4), 740(R3), 741(R2), 742(R5); Maximiano RIC VI Londres
93 (R), 96 (R). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 4, constante do Anexo.
41
RIC VI Londres 91 (S).
42
Pan. Lat. VII (6). 10, 1-6; 11, 5; 12, 1.
43
A partir do outono de 307, Constantino passa a ser representado com o título de Augusto nas moedas cunhadas
em seus territórios.
44
Pan. Lat. VI (7). 1, 1-5; 2, 5; 8, 1; 14, 3-7.
89
seus centros de cunhagem. Por outro lado, mantinha-se a primazia de Marte45, e surgia
timidamente um dos principais temas numismáticos constantinianos, o deus Sol Invicto 46.
Simultaneamente, passaram a ser cunhadas moedas com a efígie DIVO
CONSTANTIO PIO (Ao divino Constâncio, o Pio), nas Casas de Cunhagem de Trier,
Londres e Lyon47, demonstrando a preocupação de Constantino em relacionar a sua imagem
com a de seu pai Constâncio, então divinizado. Para o panegirista de 307, esta também foi
uma das saídas encontradas para glorificar o pouco conhecido Constantino, pois, em
contrapartida, havia muito que se louvar de seu pai Constâncio48.
Deste mesmo período, possuímos um exemplar de moeda com a efígie de Fausta. Uma
peça de prata que foi cunhada em Trier com a fórmula onomástica FAVSTAE
NOBILISSIMAE FEMINAE (À Nobilíssima Mulher Fausta), em cujo reverso apresenta-se a
legenda Venus Felix, com a deusa da fertilidade exibindo um orbis terrarum – símbolo de
poder – e uma palma – símbolo da vitória49.
A partir da análise do Panegírico de 307 e das moedas cunhadas no período, podemos
concluir uma posição ambígua de Constantino frente a qual grupo deveria apoiar. Enquanto
no discurso laudatório há uma ausência de menções seja a Maxêncio, seja a Galério – cujo
conflito era uma das causas desta aliança matrimonial –, nas moedas cunhadas em Lyon
observamos a coexistência de ambos os imperadores nas emissões constantinianas durante o
ano de 30750.
Entretanto, Galério desapareceu das emissões de Trier e Londres, o que foi simultâneo
à interrupção das emissões com a imagem de Constantino nos territórios controlados por
Galério e Maximino Daia (regiões do Oriente romano), situação que se manteve até a
Conferência de Carnuntum (em Novembro de 308).
A partir do que foi analisado na documentação de cultura material e na documentação
escrita, podemos interpretar que ao optar pela aliança com Maximiano Hercúleo –
formalizada pelo casamento com Fausta –, e assumir novamente o título de Augusto,
45
Cunhadas entre outono de 307 e fins de 308: RIC VI Londres 107(R), 108(S), 109(S); RIC VI Trier 772a(C),
773(S), 774(S), 775(S), 776(S), 777(S), 778(R), 779(R); RIC VI Lyon 260(S), 263(R).
46
Estas moedas foram cunhadas entre o outono de 307 e fins de 308: RIC VI Londres 101(R), 102(R). Para um
exemplar desta tipologia, ver a Moeda 5, constante do Anexo.
47
RIC VI Londres 110(C); RIC VI Trier 789(C), 790(R); RIC VI Lyon 264(S), 265(R), 266(R), 267(R),
268(R), 269(S). Para exemplares destas tipologias, ver as Moedas 6 e 7, constante do Anexo.
48
Pan. Lat. VI (7) 3, 3; 5, 1-3; 14, 3. Ver: RODGERS, Barbara Saylor. The metamorphosis of Constantine. The
Classical Quarterly. v.39. n.1., 1989. p.236.
49
RIC VI Trier 756(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 8, constante do Anexo.
50
Maxêncio: RIC VI Lyon 256(R), 274(R); Galério: 247(C), 254(R), 272(R2), 277(S), 282(R)..
90
Constantino se colocou contrário a Galério, e, por pouco tempo, favorável às pretensões de
Maxêncio.
Outro dado que corrobora com nossa argumentação foi o reconhecimento de
Constantino e Maximiano Hercúleo como cônsules do ano de 307, nos territórios de
Constantino, enquanto que nas demais regiões do Império, Severo – posteriormente Galério –
e Maximino Daia, haviam sido reconhecidos nessa dignidade.
O texto do panegírico nos deixa entrever a tentativa de reestruturação do governo
imperial a partir de uma aliança entre Constantino e Maximiano, na qual este administraria o
Império Romano, e aquele seria o lugar-tenente contra os germanos. Esta estrutura seria
legitimada pela autoridade do Augusto Sênior Maximiano – sua dinastia Hercúlea –, e pela
apropriação da memória de Constâncio Cloro, cujo exército era o esteio do poder imperial de
Constantino, e contraponto a qualquer investida de Galério contra as pretensões de ambos.
Neste sentido, nossa argumentação nos leva a refutar a visão historiográfica corrente a
qual defende que Constantino e Galério não romperam suas relações políticas. Tal posição foi
defendida, por exemplo, por Charles Matson Odahl51 e Noel Lenski52.
Por nosso lado, percebemos que uma micro-análise desta questão nos leva a inferir o
tipo de relacionamento figuracional que ocorria naquele período. Do lado de Constantino,
inicialmente, um duplo esforço pela manutenção de sua posição legítima no interior do
arranjo político, ao mesmo tempo em que cooptava – e era cooptado por – Maximiano como
aliado, fortalecendo sua posição enquanto governante nas Gálias. Do lado de Galério, a
tentativa de manter o controle do sistema político, evitando novas irrupções contrárias à sua
primazia como Augusto Sênior. Do lado de Maxêncio e Maximiano, a busca de um aliado
para contrabalançar o risco da invasão de Galério, ou, pelos menos, neutralizar um possível
inimigo.
O rompimento entre Constantino e Galério é um claro indício das tensões entre os
governantes da Tetrarquia, ao mesmo tempo em que evidencia as ações de Constantino
relacionadas aos mecanismos de legitimação política, poder militar e herança dinástica
hercúlea, e, secundariamente, o apoio de um deus – uma vez que Marte embora figure em
primeiro plano, não foi apresentado como um acompanhante divino (comes).
Em relação a este período, outro ponto a ser aprofundado é a questão da relação entre
Constantino e o Cristianismo no início de seu governo. Segundo Lactâncio:
51
52
ODAHL, Ch. Op. cit. 2004, pp. 88-89.
LENSKI, N. Op. cit. 2006, pp. 61-64.
91
Uma vez imperador, Constantino Augusto, o primeiro [ato] que fez foi devolver aos
cristãos seus cultos e seu Deus. Esta foi sua primeira medida de restauração da
santa religião 53.
Com muita autoridade, T.D. Barnes54 argumentou que se deve creditar esta informação
de Lactâncio como verdadeira, uma vez que todas as evidências nos levam a afirmar que
Constantino apenas aprofundou a política de seu pai Constâncio55, o qual não perseguiu os
cristãos para além do primeiro edito – que ordenava a destruição das casas de culto.
Entretanto, não podemos afirmar a partir desta medida que Constantino fosse cristão,
visto que Maxêncio também ordenou o fim das perseguições em seus territórios56, sendo
considerado um tirano que só buscou angariar apoio com tal medida.
Neste ponto, a interpretação de H.A. Drake, para o qual Constantino, neste primeiro
momento, buscava cimentar o apoio com vários grupos políticos que pudessem legitimar seu
poder, nos parece ser a mais interessante.
No estágio atual das pesquisas sobre Constantino, não podemos afirmar
categoricamente uma conversão deste imperador antes de assumir o poder em 306. Todas as
evidências numismáticas do período, e o Panegírico de 307, apontam para a manutenção dos
caracteres simbólicos da Tetrarquia – como o Gênio do Povo de Roma, o desenvolvimento de
uma dinastia Hercúlea –, e do paganismo romano – como o deus Marte Conservador da Pátria
ou a deusa Vênus associada à imperatriz Fausta.
Em contrapartida, possuímos apenas os testemunhos tardios de Lactâncio e Eusébio de
Cesaréia, que datam da década seguinte. Isto contribui para manter a incógnita pairando sobre
estas primeiras ações de Constantino, e sobre quais grupos buscou se apoiar nas disputas pela
manutenção de poder entre 306 e 307.
53
Lact. DMP XXIV, 9. (Tradução nossa).
BARNES, T.D. Lactantius and Constantine. Journal of Roman Studies. v. 63, 1971. pp. 43-46.
55
Eus. HE. VIII. 13, 13-14.
56
Eus. HE. VIII. 14, 1: “Seu filho [de Maximiano], Maxêncio, que em Roma governava tiranicamente, no
início fingiu estimar a nossa fé, no intuito de agradar e adular o povo romano e com este fito ordenou aos
subordinados que suspendessem a perseguição contra os cristãos; simulou piedade a fim de aparentar
maior capacidade de acolhimento e brandura que seus predecessores”.
54
92
3. Conferência de Carnuntum e a morte de Maximiano (308-310)
Durante o ano de 307, Constantino continuou servindo como um César, garantindo a
supremacia romana sobre os germanos no limes renano. No início daquele ano, efetuou
operações contra os francos na região do Baixo Reno, as quais levaram à captura dos reis
Ascarico e Merogeso, que, após o triunfo de Constantino em Trier (Augusta Treuerorum),
foram lançados às bestas no anfiteatro da cidade57.
Novamente, em 308, ele efetuou outra campanha no Baixo Reno, contra os francos
bructeros, e construiu uma ponte sobre o rio perto de Colônia (Colônia Agrippinensium), para
facilitar a defesa do território ao permitir o rápido avanço das tropas para além-Reno58.
Entre 307 e 310, reiteradamente Constantino foi obrigado a fazer frente a incursões de
germanos no limes renano. Estas campanhas são refletidas nas emissões monetárias cujo tema
principal são as múltiplas atribuições do deus da guerra Marte nas moedas cunhadas em
Londres, Lyon e Trier59, e nos Panegíricos Latinos que glorificavam seus triunfos militares60.
Além das moedas com a efígie de Marte, outro aspecto enfatizado nas emissões
constantinianas é a figura de Constantino enquanto PRINCEPS IVVENTVTIS (Príncipe da
Juventude)61. Podemos relacionar esta legenda ao papel de campeão contra os germanos que
Constantino assumiu legitimamente após seu casamento com Fausta, conforme foi
apresentado pelo orador de 307. Juntamente com esta legenda, surge em Trier a legenda
VIRTVS MILITVM62, que também denota o aspecto militar e as campanhas contra os
germanos, esta, em geral, encontrava-se inscrita em moedas de prata utilizadas no pagamento
do soldo dos soldados.
Cabe salientar que, nestas emissões, Constantino ordenou a cunhagem de moedas
simultaneamente para os outros tetrarcas (Galério63 e Maximino Daia64) e para os
considerados usurpadores (Maximiano Hercúleo 65 e Maxêncio66). As moedas de Galério são
57
Pan. Lat. VI (7). 10, 2; 11, 6; VII (6). 4,2; X (4). 16,5-6; Eutr. X. 3-2.
Pan. Lat. VI (7). 12, 1-13; X (4). 18, 1-19.
59
RIC VI Londres 107(R), 108(S), 109(S), 118(R), 119(R); Trier 772a(C), 773(S), 774(S), 775(S), 829(R),
830(S), 831(S), 834(S); Lyon 240(S), 241(S), 242(S), 243(S), 260(S), 263(R), 283(S), 294(S), 295(S), 296(S),
304(C). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 4, constante do Anexo.
60
Pan. Lat. VI(7); Pan. Lat. VII(6).
61
Entre 307 e finais de 308: RIC VI Londres 111(S), 112(S); Trier 733b(S), 734(C2), 735(S), 743(R2), 784(R),
785(S), 786(S), 787(S); Lyon 244(S), 245(S), 270(S), 273(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 9,
constante do Anexo.
62
RIC VI Trier 758(R2), 759(R4), 760 (R4), 764(R5), 765(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 3,
constante do Anexo.
63
Galério: RIC VI Trier 757(R3); Lyon 272(R2), 277(S), 282(R).
64
Maximino Daia: RIC VI Lyon 257(S), 261(R), 271(S), 275(S)
65
Maximiano Hercúleo: RIC VI Trier 761(R4). 762(R5); 766(C), 767(C), 768(C), 769(R), 772b(R)
58
93
raríssimas, sendo os últimos exemplares deste imperador cunhados nos territórios de
Constantino.
Após o casamento de Fausta e Constantino, Maximiano retornou a Roma. Entretanto,
sua relação com Maxêncio rapidamente se deteriorou. Assistiu-se, em seguida, uma tentativa
de golpe de Maximiano contra seu filho, o que resultou em fracasso, pois os oficiais e a elite
senatorial de Roma se mantiveram fiéis a Maxêncio, levando o Augusto Sênior a pedir asilo a
seu cunhado Constantino 67.
Este evento também significou o enfraquecimento do poder de Maxêncio,
principalmente no Norte da África, onde Maximiano gozava de muita popularidade, e possuía
muitos aliados. Em 308, após a quebra das relações entre pai e filho, Lucio Domício
Alexandre, vicário da África foi proclamado imperador em Cartago68. Em seguida, ele buscou
o apoio de Constantino conforme atesta uma inscrição do período, no que, entretanto, não
houve reciprocidade69.
Neste mesmo ano, assistiu-se um movimento de reaproximação dos tetrarcas. Um dos
dados que indicam tal tomada de posição foi o reconhecimento de Galério e de Diocleciano
como cônsules, exceto nos territórios controlados por Maxêncio.
Percebe-se que Galério tentou reordenar o governo imperial, apelando para a
autoridade moral de Diocleciano. Em novembro de 308, ele convenceu o Augusto Sênior a
presidir uma conferência na cidade de Carnuntum (atual Petronell, na Áustria), às margens do
rio Danúbio.
Constantino, que estava ocupado lutando contra os germanos na Gália, pessoalmente
não compareceu à conferência, se fazendo representar por Maximiano Hercúleo – que
também buscava manter seu próprio status como governante legítimo. Deste encontro em
Carnuntum decorreram as seguintes disposições70:
(1) Maximiano foi novamente retirado do cenário político – se tornando um
priuatus de Constantino –, e um antigo companheiro de armas de Galério, Licínio
(308-324), foi indicado para a dignidade de Augusto, no lugar deixado vago por
Severo;
66
Maxêncio: RIC VI Trier 772c(R2), Lyon 256(R), 274(R)
Lact. DMP XXVIII,1-4.
68
Zos. HN II. 12, 1-3; Aur. Vict. De Caes. XL. 17-19 ; Epit. XL. 2 ; ILS 674 (= CIL VIII :7004); 8936 (=CIL
VIII: 22183). RIC VI Carthago 62(R4), 63(R5), 64(R4), 65(R4), 66(R5), 67(R5), 68(R4), 69(R5), 70(R4), 71(R4),
72(R3), 73(R4), 74(R5), 75(R4), 76(R5).
69
ILS 8936 (= CIL VIII: 22183).
70
Lact. DMP XXIX,1-2 ; Anon.Vales. 3 ; 6 ; Aur. Vict. De caes. XL. 8-9 ; Eutr. X. 3,3; 4,1 ; Pan. Lat. VI (7).
14,6; 15,1.
67
94
(2) Maxêncio e Domício Alexandre tiveram todas as suas reivindicações
negadas, sendo considerados como inimigos da Res publica;
(3) Constantino foi novamente rebaixado à dignidade de César.
Do encontro de Carnuntum, embora Maximiano Hercúleo reprovasse as disposições
de Galério71, resultaram medidas de ordem e legitimidade à nova Tetrarquia composta em 308
por Constantino, Maximino Daia, Licínio e Galério.
Não obstante a fachada de reordenamento, a situação se manteve instável e as disputas
apenas foram arrefecidas. Formalmente rebaixado a César, Constantino continuou a cunhar
moedas com a titulatura de Augusto, e Maximiano desaparecia progressivamente de suas
emissões monetárias nos anos seguintes, enquanto surgiam as efígies de Licínio72
Entretanto, esta situação não se manteve por muito tempo. Após subjugar novamente
os francos no Baixo Reno, em meados de 309, Constantino foi informado que Maximiano
havia assumido a púrpura e convencido um grupo de oficiais de Autun (Augustodunum) a se
revoltar.
Rapidamente, Constantino partiu de Colônia (Colonia Agrippina) avançando para o
sul, até chegar em Autun; enquanto isso, Maximiano fugiu para Marselha (Massalia), cidade
que foi fortificada pelo imperador. Ao se aproximar de Marselha, Constantino conseguiu
demover os oficiais de seguirem Maximiano, e seu sogro foi-lhe entregue.
Ao invés de executá-lo por traição, Constantino perdoou Maximiano, que se tornou,
novamente, um priuatus em Arles (Arelatum)73. Uma possível explicação para este gesto
repousa no prestígio que Maximiano gozava na Gália, e do qual Constantino ainda tirava
proveito em se associar.
No entanto, num período entre o final do ano de 309, e o início de 310, novamente o
antigo Augusto Sênior tentou outro golpe para assassinar Constantino. Nesta situação, foi
importante o papel de Fausta, filha de Maximiano e esposa de Constantino. Segundo
Lactâncio, Maximiano estava novamente organizando um complô contra Constantino, e desta
vez buscou o apoio de sua filha para eliminá-lo.
Duas opções se puseram diante de Fausta naquele momento, ou ficava ao lado de seu
pai, que se encontrava sem apoio militar na Gália, e que poderia ser massacrado pelo exército
após a conjura. Ou ficava ao lado de Constantino, garantindo sua própria segurança, e a vida
de seu esposo com quem vivia havia três anos em Trier.
71
Lact. DMP XXXII, 1-3; Eus. HE VIII,13,15.
Em 309: RIC VI Trier 799(R5), 800(R4), 813(R4), 817(R2), 825(R3).
73
Lact. DMP. XXIX, 3-8; Pan. Lat. VI (7). 16, 1-2; 18, 2ss; 20, 1; Eutr. X, 3.
72
95
Dentre estas duas escolhas principais, Fausta preferiu alertar seu esposo sobre o
estratagema que havia sido incitada a tomar parte74.
[Maximiano] Chama a sua filha Fausta e, entre súplicas e lisonjas, trata de induzi-la a
trair seu esposo. Promete-lhe casá-la com outra pessoa de maior status, e lhe pede que
faça com que o quarto onde dormem ficasse aberto, e que relaxasse a segurança. Ela
lhe promete fazer deste modo, mas imediatamente comunica a seu esposo. Prepara-se
um estratagema a fim de que o crime fosse descoberto: o imperador se faz substituir
por um desprezível eunuco para que este morresse em vez dele.
Maximiano se levanta à meia noite e vê que tudo está preparado para seu atentado. Os
guardas que havia eram poucos e, ademais, estavam distantes. Disse-lhes que havia
tido um sonho e que queria contá-lo a seu filho. Penetra com armas em punho e, após
matar com uma estocada, começa a dar saltos de alegria orgulhando-se do que havia
feito. De repente surge Constantino na parte oposta do cômodo com um pelotão de
soldados armados. Foi retirado o cadáver da vítima do cômodo. O homicida
capturado em flagrante se mantém imóvel e mudo de estupefação, como se fosse “dura
pederneira ou um bloco de mármore de Marpesia”. Lança-lhe à face seu sacrílego
crime. Por último, lhe concede a faculdade de eleger o tipo de morte, e “de uma alta
viga pende o laço de sua feia morte”75.
Descoberto em flagrante, Constantino ordenou a prisão de Maximiano, e, segundo a
maior parte da documentação escrita, forçou-o a cometer suicídio76.
O complô e a morte de Maximiano eram, naturalmente, assuntos difíceis de serem
tratados publicamente. Ao mesmo tempo em que era do conhecimento de todos, era
necessário o uso dos termos corretos para lidar com a situação, tal como fez o autor anônimo
do Panegírico de 310, que foi dirigido a Constantino em julho daquele ano.
Esta prudência do orador o leva a justificar os atos de Maximiano através do fatum (da
fatalidade), e de sua desenfreada ganância77. Para Rodrigues Gervás78, a explicação para o uso
desta categoria estóica era a existência de partidários de Maximiano entre os ouvintes da
corte, como revela o episódio de Marselha.
Conforme nos lembra Noel Lenski79, a ligação dinástica de Constantino com a casa de
Maximiano Hercúleo – que durou três anos – perdeu todo o seu valor público, e a suspeita de
74
Lact. DMP. XXX, 1-2; Eutr. X, 3; Zos. HN II 11,1
Lact. DMP XXX, 1-2 (Tradução nossa). Zós. HN II 11,1, por seu lado, nos diz que Maximiano não foi levado
ao suicídio, mas morreu em Tarso de uma enfermidade.
76
Pan. Lat. VII (6). 14,1-20,4; Lact. DMP XXIX, 3-8; Aur. Vict. De Caes. Xl. 21-22; Epit. XL; 4; Jer.
Chron 308; Eutr. X. 3,2; Zos. HN II. 10-11; Eus. HE VIII. 13,15; Eus. VC I. 47,1 Oros. Hist. VII. 28.9.
77
Pan. Lat. VII (6). 14, 5.
78
RODRIGUES GERVÁS, Manuel J. Propaganda política y opinión publica en los Panegíricos Latinos del
Bajo Imperio. Salamanca, 1991. p. 37.
79
LENSKI, Noel. Op. cit, 2006. p. 66.
75
96
que Constantino era um bastardo – o que manchava a sua ancestralidade –, era um fato a ser
pensando.
O poder de Constantino que então se legitimava sobre o exército e a ligação com a
dinastia Hercúlea, abertamente seguiu um novo rumo a partir de então. Concordamos com B.
H. Warmington80, quando argumenta que o orador de 310 se concentrou sobre dois temas
principais: (1) a descendência de Cláudio Gótico81, e (2) a visão que Constantino teve de
Apolo82.
Em relação ao primeiro tema, o Panegírico de 310 é o primeiro documento
constantiniano a afirmar que Constantino possuía um parentesco com o imperador romano
Cláudio Gótico (268-270), sendo, por sua vez, o terceiro imperador de sua linhagem. Este
fato, o distinguiria dos demais imperadores, uma vez que ele nasceu imperador83, e seu
reconhecimento pelos demais tetrarcas nada adiciona a seu prestígio.
Embora haja uma clara menção à hereditariedade, Warmington84 não a enxerga de
forma plena neste panegírico, posto que: haja (1) uma clara menção à escolha de Constantino
por seu pai – o Divino Constâncio –, aprovada pelos outros deuses85; (2) se enfatize o papel
80
WARMINGTON, B. H. Aspects of Constantinian propaganda in the Panegyrici Latini. Transactions of
American Philological Association. v. 104. 1974. p. 374.
81
Pan. Lat. VII (6) 2, 1-3: "1Começarei, pois, por este divo que está nas origens de tua família, desconhecido
ainda, talvez, por muitos, mas perfeitamente conhecido pelos que te amam. 2Os laços de sangue te vinculam ao
divino Claudio, teu avô, que foi o primeiro a trazer ao império romano a disciplina, relaxada e arruinada, e
que, tanto na terra, quanto no mar, aniquilou as incontestáveis tropas dos godos, vomitadas pelos estreito do
Ponto e pelas bocas do Danúbio. Oxalá, tivesse trabalhado durante mais tempo na restauração do gênero
humano e não se tivesse convertido tão prontamente em companheiro dos deuses! 3Assim, pois, ainda que este
dia felicíssimo que há muito pouco celebramos piedosamente, seja considerado como o dia de teu advento ao
poder, porque foi o que pela primeira vez te adornou com a vestimenta que levas, é, não obstante, este ilustre
fundador de tua linhagem o que te transmitiu teu domínio imperial” (Tradução nossa).
82
Pan. Lat. VII (6) 21, 3-7: “3No dia seguinte àquele no qual, informado desta agitação [dos germanos], havias
feito dobrar os preparativos, te inteiraste de que todas aquelas turbulências haviam se acalmado e de que havia
voltado à tranqüilidade tal qual a deixaras ao partir; a fortuna o presenteava com tudo, de forma que o feliz
resultado de tuas coisas te fez pensar em levar aos deuses imortais as oferendas que lhes havias prometido no
lugar em que te desviastes para ir ao templo mais belo do mundo, mas ainda ao deus que, como vistes, está
presente ali. 4Pois, imagino, vistes, Constantino, a teu protetor Apolo acompanhado da Vitória, oferecer-te
coroas de louro das quais cada uma te traz o presságio de trinta anos. Este é, com efeito, o número das
gerações humanas que de todas as formas te devem, e que prolongarão tua vida para além da velhice de Nestor.
5
E em verdade, ‘por que digo ‘creio’’? Tu viste o deus e te reconheceste sob os traços daquele a quem os cantos
divinos dos poetas predisseram que estava destinado o império de todo o mundo.6Estimo que este reino chegou
agora, posto que tu és, imperador, igual a ele, jovem, alegre, saudável e belíssimo. 7Com razão, pois, honrastes
tu estes augustos templos com doações tão ricas que estes não sentem falta das antigas oferendas, e todos os
templos parecem já chamar-te com seus votos, em especial o de nosso Apolo, cujas águas ardentes castigam os
perjúrios que tu mais que ninguém deves detestar” (Tradução nossa).
83
Pan. Lat. VII (6) 2, 2- 3,1.
84
WARMINGTON, B. H. Op. cit. 1974. p. 375.
85
Pan. Lat. VII (6) 7, 4.
97
do exército em sua aclamação 86; (3) aceite a existência de um colegiado à frente da Res
publica87.
Antes dele, A.H.M. Jones88 interpretou o aparecimento de Cláudio Gótico como
antepassado de Constantino como uma reclamação de que ele era o único imperador legítimo,
uma vez que tornava pública uma herança dinástica aquém de Diocleciano e de suas
inovações políticas.
Recentemente, Charles M. Odahl89 encampou estes argumentos apresentados por
A.H.M. Jones, analisando que ao reposicionar sua ancestralidade imperial de Constâncio para
Cláudio Gótico, Constantino estava rejeitando o sistema tetrárquico e retornando à tradição
dinástica para determinar a legitimidade política. A aceitação por Galério, ou a elevação por
Maximiano se tornavam irrelevantes, pois Constantino reclamava um direito maior, o da
sucessão dinástica.
Este rompimento de Constantino com a ordem vigente na Tetrarquia, proposto por
Jones, foi refutado por T. D. Barnes90 que não viu nas atitudes de Constantino uma nuance
desrespeitosa para com seus demais colegas. Esta visão de Barnes foi reformulada por H.A.
Drake91, que embora observe que o orador, em seu discurso, não rompeu totalmente com a
Tetrarquia, argumenta que o Panegírico de 310 representa a vitória final do princípio
dinástico de legitimação sobre o sistema da Tetrarquia, reclamando a superioridade de
Constantino através de sua genealogia imperial.
Em relação ao segundo tema do panegírico – a visão de Apolo –, observamos duas
linhas historiográficas principais: a primeira que defende a associação Apolo-Sol Invicto, e a
segunda que nega esta associação
Este segundo ponto de vista é defendido por B. H. Warmington, segundo o qual não
devemos identificar o “novo e oriental Sol Invicto com o Apolo, na Gália acima de tudo um
deus da cura e o patrono das fontes de água”92. Sustenta, pois, que esta identificação é fruto
mais de um pensamento historiográfico pouco atento às peculiaridades do público alvo do
discurso, que uma mudança na atitude religiosa de Constantino.
86
Pan. Lat. VII (6) 8, 2-5.
Pan. Lat. VII (6) 1, 4.
88
JONES, A. H. M. Constantine and the conversion of Europe. [1948] Toronto, 2003. pp. 63-64.
89
ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. pp. 94-95.
90
BARNES, T. D. Op. cit. 1981. pp. 36-37.
91
DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. pp. 175-176.
92
WARMINGTON, B.H. Op. cit.1974. pp. 377-378.
87
98
Outra autora que nega tal associação é Barbara Saylor Rodgers93, que propôs uma
hipótese bem interessante. Como Warmington, Rodgers não concorda que a visão de Apolo
deva ser interpretada como a relação de Constantino com o culto da divindade Sol Invicto,
mas que, por outro lado, o imperador foi representado como um novo Otávio Augusto –
hipótese da imitatio Augusti –, sendo a visão um paralelo com o esquema simbólico presente
na Eneida de Virgílio 94.
Neste sentido, a proposta presente no panegírico reverbera o ideário augustano no qual
o governo do mundo pertence ao imperador – cujo status é semi-divino. Para Rodgers, este
orador anônimo não rompeu com o modelo tetrárquico, apenas retrabalhou-o, garantindo a
preeminência de Constantino.
Nesta mesma linha, Thomas Elliot95, encampando a hipótese da imitatio Augusti de
Rodgers, orientou seu estudo para os aspectos mais retóricos que religiosos do Panegírico de
310. Como em outras obras, Elliot propôs um olhar cristianizador da figura de Constantino,
não vendo traços legitimatórios pagãos neste panegírico – no caso, a associação Apolo-Sol
Invicto.
Inclusive, citando Barnes96, Elliot afirma que as moedas após 312 não refletiam a
devoção do imperador, apenas um vago monoteísmo solar, que era um peso morto da tradição
iconográfica97. Certamente, ao cristianizar excessivamente a figura de Constantino, Elliot se
afasta do aporte documental, e se lança no terreno mais da suposição que da pesquisa
científica.
A outra linha historiográfica defende a associação entre os deuses Apolo e Sol Invicto,
baseando-se, em geral, na análise dos dados da documentação numismática – o aumento
exponencial das emissões monetárias com a efígie do deus Sol Invicto.
Para Timothy Barnes98, este fenômeno demonstrava um realinhamento de Constantino
em relação à própria ideologia da Tetrarquia, uma vez que já Constâncio Cloro era
representado simultaneamente, enquanto César, como Hercúleo e sob a proteção do Sol
Invicto, convencionalmente identificado com Apolo.
Barnes, então, concluiu uma transição na representação da imagem de Constantino: se
nos primeiros anos de reinado as suas moedas apresentavam que seu patrono especial era o
93
RODGERS, B. S. Op. cit. 1989. pp. 238-239.
Virg. En. 6. 791.
95
ELLIOT, Thomas G. The language of Constantine’s Propaganda. Transactions of the American
Philological Association. v. 120. 1990. pp. 349.
96
BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 48.
97
ELLIOT. Th. G. Op. cit. 1990. p. 350.
98
BARNES, T. D. Op. cit. 1981. p. 36.
94
99
deus Marte; em 310, entretanto, as emissões de Constantino trocam Marte pelo Sol – uma
mudança claramente conectada com a tentativa de golpe de Maximiano99.
Na nova situação política, esta mudança tinha claras vantagens. Uma vez que o Sol
Invicto era o deus protetor de seu pai, esta ênfase sobre o Sol Invicto demonstrava a posição
de Constantino como herdeiro de Constâncio. Além disso, para Barnes, a devoção a Apolo, o
patrono da cultura e de Otávio Augusto, apelaria para as partes civilizadas da Gália – e o
monoteísmo solar era menos hostilizado que o panteão pagão para os cristãos, que formavam
um setor influente dos súditos de Constantino100.
Contrariando esta posição de Barnes, Charles Odahl101 argumenta que ao se apresentar
como escolhido de Apolo, Constantino estava rejeitando a teologia política da Tetrarquia, e
orientando-se a um sincretismo solar, para definir seu patronato divino. Uma vez que Apolo
era costumeiramente associado com o Sol Invicto, Constantino reclamou esta fonte divina
suprema de poder para sua legitimação religiosa.
Assim, para Odahl, Hércules e Marte desapareceram das moedas de Constantino após
o ano de 310, sendo substituídos pelo universal deus Sol, que aparecia nos reversos segurando
o orbis terrarum. Ao usar a sucessão dinástica e o sincretismo solar para fortalecer sua
posição, Constantino estava quebrando seus laços com a ideologia tetrárquica e reclamando a
monarquia universal. Posição próxima a de Averil Cameron102.
Esta posição também é compartilhada por Noel Lenski103, para o qual o fato da visão
ter ocorrido próximo ao templo de Apolo, e aparentemente à luz do dia, foi interpretado por
Constantino como um sinal enviado pelo deus sol. Para Lenski não é surpreendente, então,
que, a partir de 310, Constantino começasse a divulgar a ideia de seu relacionamento especial
com Apolo ou com o deus Sol comum aos antigos imperadores, o qual era referido como Sol
Inuictus Comes.
Podemos resumir, então, as duas tendências historiográficas pelo enfoque pelo qual
analisaram esta questão do surgimento de Cláudio Gótico, e da aparição de Apolo a
Constantino, narradas no Panegírico de 310, e seu relacionamento com a morte de
Maximiano Hercúleo.
99
BARNES, T. D. Idem.
BARNES, T. D. Idem.
101
ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. p. 95.
102
CAMERON, Averil. El Bajo Imperio. Madrid, 2001. p. 35.
103
LENSKI, N. Op. cit. 2006. pp. 66-67.
100
100
Em primeiro lugar, há os historiadores que analisaram o panegírico a partir de seu
contexto de produção: uma oração feita por um orador gaulês, construída a partir de
categorias e esquemas simbólicos inteligíveis para sua audiência.
O segundo grupo de historiadores, por sua vez, analisou estas questões em uma
perspectiva mais global relacionando a mensagem do panegírico a outras documentações –
principalmente as moedas ao Sol Invicto –, e às disputas políticas em torno da legitimação de
Constantino.
Embora os autores que analisaram o Panegírico de 310 tenham enfatizado sua raiz
gaulesa – principalmente o aspecto curativo de Apolo, relacionado às fontes de águas –, eles
acabaram por se fechar numa análise do contexto local, desprezando as demais
documentações, o que empobrece a interpretação da dinâmica figuracional que se processava
naquele momento. Pois, ao analisarmos o Panegírico de 310 cotejando-o com a
documentação de cultura material é inegável a associação entre Apolo e o Sol Invicto que foi
aventada pelos autores da segunda tendência historiográfica que apresentamos.
A partir de meados de 310, inicia-se a cunhagem de uma grande quantidade de moedas
com a efígie do Sol Invicto 104 nas três Casas de Cunhagem dos domínios de Constantino
(Trier105, Lyon106 e Londres107), movimento que se seguiu de forma ascendente até o ano de
313, e que foi ininterrupto até finais daquela década. Este movimento é bastante acentuado
nas oficinas localizadas em Londres, e em Trier, sendo de escala mais reduzida em Lyon108.
Este aumento acentuado de emissões monetárias com esta tipologia, juntamente com
as representações da imagem de Constantino apresentadas pelo autor do Panegírico de 310 –
que anuncia a identificação existente entre o imperador e Apolo109 –, nos leva a concluir a
existência de uma associação entre as imagens de Constantino e do Sol Invicto – identificado
no panegírico como o deus Apolo –, o seu “acompanhante divino”, em latim comes.
104
Para um exemplar desta tipologia, ver as Moedas 5 e 10, constantes do Anexo.
RIC VI Trier 865(S), 866a(S), 867(S), 868(S), 869(C), 870(C2), 871(C), 872(C), 873(C2), 874(C), 875(S),
876(S), 886(R), 887(R), 888(R), 889(R), 890(C2), 891(S), 892(S), 893(C2), 894(S), 895(R), 898(S), 899(S),
900(R).
106
RIC VI Lyon 307(C), 308(S), 309(R), 310(C), 311(R).
107
RIC VI Londres 116(R), 120(R), 121a(C2), 122(S), 123(R), 124(C), 125(S), 126(S), 127(R), 128(R2),
132(R2), 150(R), 151(R), 152(R), 153(C2), 154(R), 155(R), 156(R), 157(R), 158(R), 159(R), 160(R), 161(R),
162(R), 163(S), 164(S), 165(R), 165A(R), 166(S), 167(R), 168(R), 169(S), 170(R), 171(R), 172(R), 173(R),
174(S), 175(R), 176(R), 177(S), 178(R), 179(R), 180(R), 181(R), 182(R), 183(S), 184(S), 185(S), 186(S),
187(S), 188(R), 189(R), 190(R), 191(S), 192(R), 193(R2), 234(S), 235(R), 236(R), 237(S), 238(R), 239(R),
240(R).
108
No período entre meados de 310 e fins de 312, as oficinas de cunhagem de Lyon encontravam-se fechadas.
109
Pan. Lat. VII (6) 21, 5-6: “5(...)Tu viste o deus e te reconheceste sob os traços daquele a quem os cantos
divinos dos poetas predisseram que estava destinado o império de todo o mundo.6Estimo que este reino chegou
agora, posto que tu és, imperador, igual a ele, jovem, alegre, saudável e belíssimo”.
105
101
Neste sentido, se apresenta de forma plena a aprovação de um Deus Supremo como
um mecanismo necessário à legitimação do poder imperial de Constantino. Na Antiguidade
Tardia, o prestígio do poder imperial foi redefinido, com a necessidade do imperador de
demonstrar o acesso a um patrono supremo, um “acompanhante divino”, o comes imperatori,
cujo favor, negociado pelo imperador protegia o Império Romano dos inimigos da Res
publica – sejam eles externos ou internos110.
Entretanto, discordamos de Barnes111 quando afirma que já Constâncio Cloro havia
sido representado sob a proteção do Sol Invicto, algo que não podemos afirmar a partir da
documentação escrita e da documentação numismática. Havia, sim, a ligação de Constâncio
com o deus Marte, enquanto o Sol Invicto teve tímidas aparições, antes de 305, apenas em
moedas de Galério cunhadas no Oriente.
Antes da morte de Maximiano, a legitimidade de Constantino estava assentada sobre o
poder militar – seu valoroso exército gaulês –; a ligação dinástica – o casamento com Fausta,
filha do Augusto Sênior –; de forma secundária, o apoio de uma divindade – o deus Marte –; e
a legitimidade enquanto César conferida pela Conferência de Carnuntum.
Após a morte de Maximiano, no entanto, a situação mudou. Embora Constantino
mantivesse o apoio do exército gaulês, os levantes de Maximiano Hercúleo demonstravam a
existência de setores do exército que poderiam se voltar contra o imperador; a ligação
dinástica deixava de existir – uma vez que o falecido imperador atentou contra a vida de
Constantino; e sua situação enquanto Augusto da Tetrarquia era reconhecida apenas em seus
territórios.
Neste contexto é que devemos interpretar o desenvolvimento do ideário e mística
imperiais durante os anos de 309 e 310: a busca por um patrono divino, e o surgimento de
uma herança dinástica, os quais legitimassem seu poder supremo.
Constantino não rompeu com a Tetrarquia, conforme afirmam alguns autores, e nem
seria capaz de tal ação – pois ele mesmo era membro legítimo deste sistema político –,
Constantino, por sua vez, buscou se realinhar dentro do jogo de poder, o que também não
exclui a crença pessoal do imperador neste “acompanhante divino”.
Mesmo o desenvolvimento da ligação com o Sol Invicto, não significou um
rompimento com o deus Marte, como erradamente afirmaram T.D. Barnes, Ch. Odahl e
Averil Cameron, as moedas com a efígie deste deus continuaram a ser amplamente difundidas
110
111
DRAKE, H.A. Op. cit. 1999. p. 61.
BARNES, T.D. Op. cit. 1981. p.36.
102
no período112. Marte não era, contudo, um comes imperatori (“acompanhante divino do
imperador”), mas o conservatori patri (“conservador da pátria”).
Quanto à herança dinástica que se apresenta no Panegírico de 310, ela não deve ser
sobrevalorizada como fizeram alguns autores, pois claramente a imagem pública de
Constantino se manteve associada ao sistema político da Tetrarquia. Embora não emitisse
moedas com a efígie de Galério – o Augusto Sênior –, e de Maxêncio – considerado ilegítimo
pela conferência imperial –, Constantino iniciou um grande movimento de cunhagem de
moedas de bronze (folles) com as efígies de Licínio e Maximino Daia, com o antigo tema
tetrárquico do GENIO POPVLI ROMANI113, e moedas em ouro (solidus) com temas que
denotavam a supremacia tetrárquica114, e representavam o deus Júpiter associado a Licínio115,
nas casa de Trier e Londres.
Nesta situação, podemos concluir que durante o período entre fins de 308 e 310, os
mecanismos que legitimavam o poder imperial de Constantino começaram a se estruturar em
torno da manutenção da legitimidade tetrárquica – não obstante o rompimento com Galério –;
o fim da ligação dinástica com os Hercúleos – com a morte de Maximiano –, e o surgimento
de sua própria dinastia; o poder militar – assentado no vitorioso exército gaulês; e a ênfase no
ideário do acompanhante divino – com a relação entre Constantino e o Sol Invicto/Apolo.
4. A campanha itálica (311-312)
Este frágil equilíbrio da Segunda Tetrarquia, entretanto, se rompeu no ano de 311. No
início deste ano, o Augusto Galério, que sofria de uma doença incurável, emitiu o chamado
“Edito de Galério” que dava fim à “Grande Perseguição” aos cristãos (303-311), a qual havia
fracassado em seu objetivo de fazer os cristãos cultuarem os deuses da Tetrarquia, e prestarem
o culto imperial. Pouco tempo depois, Galério morreu116.
112
Segundo o RIC, para o período entre 310-313, foram cunhadas as seguintes moedas com a imagem do deus
Marte: RIC VI Trier 854(R), 855(S), 856(S), 857(S), 858(C), 859(C2), 860(S), 861(C), 862(C2), 863(C), 864(S),
877(S), 878(S), 879(R), 880(R), 881(C), 882(S), 883(S), 884(C2), 885(R), 896(S), 897(S).
113
Constantino: RIC VI Londres 209a(R2), 212(S), 213(R); Maximino Daia: RIC VI Londres 209b(C2), 211(C);
RIC VI Trier 844a(S), 845a(C), 846a(S), 848(R), 849a(R), 850a(S), 851a(S), 852(S); Licínio: RIC VI Londres
209c(C2), 210(R); RIC VI Trier 844b(R), 845b(C), 846b(S), 847(S), 849b(R), 850b(S), 851b(S), 853(S).
114
VBIQVE VICTORES: Constantino: RIC VI Trier 798(R5), 808(R5), 816(R3), 817a(R5); Licínio: RIC VI
Trier 799(R5), 800(R4), 817c(R2); Maximino Daia: RIC VI Trier 817b(R4).
115
IOVI CONSERVATORI AVGVSTORVM: Licínio: RIC VI Trier 794(R5), 813 (R4).
116
Lact. DMP XXXIII. 1-35; Eus. HE VIII. 16, 1-17; Eus. VC I. 57, 1-3; c.f. Anon. Vales. 8; Aur. Vict. De
Caes. XL. 9-13; Epit. XL. 4; Jer. Chron. 309; Eutr. X. 4,2.
103
No entanto, seu sobrinho Maximino Daia continuou a perseguir os cristãos do Oriente
romano, renovando sua força. Deste período, data o escrito apócrifo Atos de Pilatos117, que foi
publicado por ordem do imperador, e que difamava os cristãos118.
No que se refere a Constantino, o Edito de Galério apenas afirmava a sua posição
frente às perseguições. Seu pai aplicou apenas o primeiro edito de perseguição – que obrigava
a demolição das casas de culto cristãs –; e Constantino, quando foi aclamado imperador,
proclamou a liberdade de profissão religiosa em seus domínios. No entanto, ainda não
podemos afirmar uma relação profunda de Constantino com o cristianismo neste período,
pois, conforme dissemos acima, Maxêncio também havia proclamado a tolerância aos cristãos
em seus territórios119.
A morte de Galério gerou uma profunda instabilidade política, de um lado, mantinhase o isolamento diplomático de Maxêncio – que não era reconhecido como membro da
Tetrarquia –, e, por outro, Licínio e Maximino Daia disputavam o controle dos antigos
territórios do recém-falecido Augusto.
Desde 310, Maxêncio passou a utilizar a morte de Maximiano Hercúleo como
justificativa para iniciar hostilidades contra Constantino. A despeito da ruptura de relações
entre pai e filho ocorrida em fins de 307, Maxêncio redescobriu sua pietas filial após o
falecimento de seu pai, e recomeçou a emitir moedas com a efígie deificada de seu pai, e
proclamando seu objetivo de vingar a sua morte120.
A resposta de Constantino foi a destruição sistemática das imagens de Maximiano – e
das de Diocleciano, pois ambos eram representados, em geral, juntos – e o apagamento de seu
nome das inscrições públicas, uma prática política comum no Império Romano denominada
damnatio memoriae121.
Enquanto isso, em Roma, a situação de Maxêncio estava cada vez mais deteriorada,
com antigos grupos que apoiavam seu governo se rebelando122. O que não o impediu de
iniciar os preparativos para o iminente conflito com Constantino, ciente de que ele,
certamente, poderia pedir o auxílio de Licínio que governava os Bálcãs, numa invasão à
Península Itálica.
117
Sobre os Atos de Pilatos e sua difusão por Maximino Daia, ver: BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 39-40;
DRAKE, H.A. Op. cit.1999. pp. 170-172; JONES, A.H.M. Op. cit. 2003. p.69; ODAHL, Ch. M. Op. cit. 2004. p.
92, 119-120; LENSKI, N. Op. cit. 2006. p. 68.
118
Lact. DMP XXXVI. 3-XXXVII. 2; XLVIII. 4; Eus. HE VIII.16,1-17,11; Eus. VC I. 57, 1-3; CIL III: 12132
119
Lact. DMP XXIV. 9; Lact. Inst. Div. I. 1,13. Sobre Maxêncio: Eus. HE VIII. 14,1; Optat. I. 18.
120
Lact. DMP XLII. 1; ILS 647 (=CIL IX: 4516); CIL X: 5805; RIC VI Roma 243(R), 244(S), 246(R),
247(R), 248(S), 250(R2), 251(R), 253(R2), 254(R2), 255(R); Ostia 24(R3), 25(R2), 26(R), 30(S), 31(S).
121
Lact. DMP XXXIII. 1-4; Eus. HE VIII. 13, 15; Eus. VC I. 47,1.
122
Lact. DMP XLIV. 2; Aur. Vict. De Caes. XL. 18-19; 28; Zos. HN II. 14, 2-4.
104
Neste ponto, Constantino foi obrigado a escolher qual dos dois Augustos do Oriente
ele deveria apoiar. Estrategicamente, a escolha de Licínio era mais cômoda que a de
Maximino Daia, pois: (1) Maximino era sobrinho de Galério, e imperador havia sete anos; (2)
Daia manteve a perseguição contra os cristãos; (3) conforme apresentou Barnes123, ao se
aproximar de Licínio, Constantino neutralizava qualquer aliança entre Licínio e Maxêncio –
que passariam a governar as províncias centrais do Império Romano; (4) e, derivado da
primeira, Licínio, caso governasse ao lado de Constantino, estaria numa posição subordinada,
uma vez que foi aclamado imperador dois anos depois, em Carnuntum.
Para Lactâncio esta aliança ocorreu, com Constantino prometendo em matrimônio sua
irmã Constância a Licínio. Maxêncio, por seu lado, teria aceitado uma aliança com Maximino
Daia, que embora distante geograficamente, buscava um aliado contra Licínio124.
Sobre este ponto, há um consenso historiográfico, tendo havido a formação de dois
blocos antagônicos: a aliança Constantino e Licínio contra a de Maxêncio e Maximino
Daia125. Contudo, estes pesquisadores se apoiaram, quase que exclusivamente, na obra Sobre
a morte dos perseguidores, de Lactâncio – a qual foi escrita entre meados de 313 e 315 – e
que reflete o contexto da Conferência de Milão, nos primeiros meses de 313. Uma análise
mais ampla e que privilegie também a documentação numismática nos leva a problematizar os
limites desta aliança entre Constantino e Licínio.
Para analisar esta questão devemos avançar um pouco no tempo, e considerar o
contexto entre a derrota de Maxêncio e a derrota de Maximino Daia, o período aproximado de
28 de outubro de 312 e 30 de abril de 313.
A despeito de todas as informações provenientes da documentação escrita, e da
interpretação historiográfica, Constantino não rompeu com Maximino Daia quando de sua
aliança com Licínio, novamente o imperador agiu estrategicamente. Neste período
considerado – cerca de seis meses –, Constantino manteve um jogo dúbio, por um lado
manteve um acordo com Licínio, e, por outro, ainda reconhecia Maximino Daia como
governante legítimo do Império Romano.
Este reconhecimento da legitimidade de Daia pode ser inferido a partir da análise das
moedas cunhadas no período, uma vez que entre fins de 312, e início de 313, emissões
123
BARNES, T.D. Op. cit. 1981. p. 41.
Lact. DMP XLIII. 1-4. Ver também: Zos. HN II. 14, 1.
125
BARNES, T.D. Op. cit. 1981. pp. 41; DRAKE, H.A. Op. cit.1999. pp. 177-178; ODAHL, Ch. M. Op. cit.
2004. p. 96; LENSKI, N. Op. cit. 2006. p. 68-69; ALENCAR, R. D. A construção da imagem do governante:
uma análise das representações do Imperador Constantino (306-337 d.C). Goiânia, 2007 p.35;
POHLSANDER, Hans. The Emperor Constantine. London, 2004. pp. 22-26; CAMERON, Averil. Constantine
and the ‘peace of the Church’. In. MITCHELL, Margaret. YOUNG, Frances. The Cambridge History of
Christianity. I: Origins to Constantine. Cambridge, 2006. pp.543.
124
105
monetárias de Constantino com a efígie do Sol Invicto cunhadas em Roma, Aquiléia e
Ticinum apresentem também as efígies de Maximino Daia 126 e Licínio127, além da escolha do
próprio Maximino para dividir o consulado de 313 com Constantino 128.
Tal posição de Constantino só pode ser bem entendida a partir da observação microanalística das relações de força existentes entre os governantes. De um lado, a neutralidade de
Licínio era indispensável para o correto desenvolvimento da campanha da Itália – conforme
veremos adiante –, por outro, Constantino não poderia simplesmente romper com um
governante legítimo da antiga Segunda Tetrarquia como Maximino Daia, cuja situação com
Licínio era incerta.
Deste modo, podemos concluir que Constantino buscou a neutralidade frente aos
litigantes orientais; além disso, conseguiu manter Maxêncio na posição de governante
ilegítimo, o que era imprescindível para justificar a campanha da Itália.
Somente após a Conferência de Milão – com o casamento de Licínio com a irmã de
Constantino –, é que devemos observar o rompimento de relações entre Constantino e
Maximino Daia. No entanto, se tal rompimento só ocorreu após a Conferência de Milão, por
que autores como Lactâncio e Eusébio de Cesaréia remontam tal acontecimento ao período
anterior?
A hipótese principal para o deslocamento temporal deste rompimento diplomático
provém da necessidade de desvincular a imagem de Constantino da imagem de Maximino
Daia – o último perseguidor –, que por sua vez foi colocado ao lado do odiado usurpador
Maxêncio.
Neste esforço de desvinculação da imagem de Constantino deve ser analisada a
passagem de Lactâncio 129, na qual se apresenta a descoberta de uma correspondência secreta
entre Maximino e Maxêncio, além de Maximino Daia ter sido representado como uma pessoa
que agia de forma enganadora.
Certamente, a representação de Constantino como um imperador escolhido por Deus,
desenvolvida por Lactâncio e Eusébio, não se enquadrava com a de um imperador que
manteve uma atitude neutra com aquele que estes autores consideravam o pior de todos os
tiranos.
126
RIC VI Roma 322b(S), 323b(S), 328b(S), 329b(R), 330b(R), 335b(C), 336b(C), 337b(S), 338b(R), 341(R),
344(R), 370(R), 373(R), 375(R); Aquileia 142(S); Ticinum 127(S), 130(C), 131b(R), 134(S).
127
RIC VI Roma 320(R2), 322c(S), 323c(S), 328c(S), 329c(S), 335c(R), 336c(C), 337c(S), 338c(R); Aquileia
143(R); Ticinum 131c(S), 135b(R).
128
SUTHERLAND, C.H.V. General Introduction. In. RIC. v. VI. Londres: Spink & Son, 1967. p. 34.
129
Lact. DMP XLIV. 10. “Uma Vez terminada esta duríssima Guerra, Constantino foi recebido com enorme
satisfação pelo Senado e o Povo de Roma. Depois se inteirou da perfídia de Maximino, ao cair em suas mãos
suas cartas e as efígies de ambos”.
106
Se a relação de Constantino com Licínio e Maximino Daia foi dúbia, o mesmo não
pode ser visto em sua relação com Maxêncio, cujo conflito estourou no outono de 312.
Segundo os testemunhos documentais, Constantino agiu de forma audaciosa e rápida130.
Antes de esperar que suas relações com Maxêncio se deteriorassem completamente, ou que
este o atacasse, Constantino reuniu seus comandantes propondo uma campanha rápida com
um pequeno contingente que atravessou os Alpes131.
Não nos cabe aqui descrever a campanha em detalhes, ressaltamos que Constantino
rapidamente conquistou o norte da Península Itálica – Susa (Segusio), Turim (Augusta
Taurinorum), Milão (Mediolanum), Verona e Aquiléia132. E de lá, partiu para o confronto
final com Maxêncio às portas de Roma.
Inicialmente a tática de Maxêncio foi a mesma que empreendeu contra as invasões de
Severo e Galério: permanecer dentro dos muros de Roma, e esperar pelo cerco. A seu favor,
contava sua vitória sobre Domício Alexandre – que garantiu a normalidade dos suprimentos
que chegavam pelo porto de Óstia –, além disso, mandou destruir as pontes sobre o rio Tibre,
em especial a Ponte Mílvio, na Via Flamínia
Constantino levantou acampamento nesta via, e parecia que ele acabaria como seus
predecessores. Entretanto, diferente do que fez nas outras ocasiões, Maxêncio resolveu
enfrentar Constantino numa batalha campal, ordenando a construção de uma ponte de barcos
no local onde ficava a Ponte Mílvio.
Em 28 de outubro de 312133, no sexto aniversário de sua aclamação, ele deixou os
muros de Roma, encabeçando suas tropas pela Via Flamínia. Para a documentação da época, a
causa deste ato foi um protesto do povo de Roma durante os Jogos, e um oráculo que predizia
que “o inimigo de Roma morreria naquele dia”134.
Os dois exércitos se encontraram em Saxa Rubra135. Constantino conseguiu a vitória, e
pôs em fuga os remanescentes do exército de Maxêncio, que afluíram, junto com seu
comandante para a ponte de barcos, anteriormente construída, a qual não agüentou o peso e a
130
Pan. Lat. IX (12) 6,1-13,5.
Pan. Lat. IX (12). 5, 1-2; Zos. HN II. 15, 1-2. Estima-se que Constantino cruzou os Alpes com pouco mais
de 40.000 soldados.
132
Para os detalhes sobre a campanha de Constantino, ver: Pan. Lat. IX (12). 5, 1-11, 4; X (4) 17, 3; 21, 1-27, 2;
Aur. Vict. De Caes. XL. 20-22; Eus. HE IX. 9, 2-3; VC I. 37, 2.
133
Lact. DMP XLIV. 4; CIL I2: 274.
134
Lact. DMP XLIV. 8; Zos HN II. 16, 1; Pan. Lat. X (4). 27, 5-6.
135
Para Saxa Rubra Aur. Vict. De Caes. XL. 23. Para a margem do Tibre: Pan. Lat. IX (12). 16, 3-4; IV (10).
27, 5-6.
131
107
turbulência e se partiu, lançando muitos, inclusive o próprio Maxêncio para dentro do
Tibre136.
No dia seguinte, o corpo de Maxêncio foi encontrado às margens do Tibre, de onde foi
retirado e degolado, sendo sua cabeça exposta no topo de uma lança que foi levada durante o
aduentus triumphalis de Constantino em Roma137. Prontamente, a propaganda constantiniana,
– panegíricos, histórias, inscrições – seguindo uma série de topoi retóricos retratou Maxêncio
não como um imperador rival vencido numa guerra civil, mas como um tirano cruel do qual a
cidade e o povo de Roma se alegravam por estarem livres138.
Assim como seu pai, Maxêncio também sofreu a damnatio memoriae, tendo suas
imagens e inscrições obliteradas. Outros projetos inacabados, como a “Basílica de Maxêncio”,
foram apropriados e completados por Constantino. Além disso, como medida punitiva,
Constantino acabou com a Guarda Pretoriana, e transferiu seus membros para o serviço no
limes do Reno.
Por fim, Constantino apresentou-se clemente perante muitos dos partidários de
Maxêncio 139; inclusive escolheu o seu antigo prefeito do prefeito do pretório Caio Ceiônio
Rufio Volusiano como prefeito de Roma e como cônsul em 314140.
Talvez o aspecto mais trabalhado sobre a trajetória de Constantino seja o das
implicações religiosas que permeiam a campanha da Itália. Quer analisemos a documentação
cristã, quer analisemos a documentação pagã, e de cultura material, percebe-se um profundo
relacionamento com o plano divino na concretização da vitória de Constantino sobre
Maxêncio.
Cabe salientar que a documentação cristã atribui a esta campanha a conversão de
Constantino ao Cristianismo, através da aparição de um sinal divino ao imperador, o famoso
cristograma, que pela primeira vez foi relatado por Lactâncio e, posteriormente, por Eusébio
de Cesaréia141.
Este sinal se tornou o símbolo pessoal de Constantino, que referendava sua relação
direta com o Deus Supremo. Embora o símbolo tradicionalmente se remeta a Cristo (Χριστος),
pouca relação há entre Jesus e a religião de Constantino neste período. Olhando por este lado,
136
Pan. Lat. IX(12). 15, 1-17,3; X (4). 28, 1-29, 6; Anon. Vales. 12; Lact. DMP XLIV. 1-9; Eus. HE IX. 9, 28; VC I. 38,1-5; Zos. HN II. 15,3-16,4; Epit. XL. 7; Jer. Cron. 312; Eutr. X. 4,3; Aur. Vict. De Caes. XL. 23.
137
CIL I2 : 274; Pan. Lat. IX (12). 16,2; 18,3-19,4; X (4). 30,4-32,5; Lact. DMP XLIV. 10-12; Eus. HE IX.
9,8-11; Eus. VC I. 39, 2-3; Anon. Vales. 12; Zos. II. 17, 1-2; Aur. Vict. De Caes. XL. 24-5.
138
Sobre a representação de Maxêncio como um tirano, ver: CULLHED, M. Op. cit. 1994; ESCRIBANO, Maria
Victoria. Constantino y La rescissio actorum del tirano-usurpador. Gerión. 1998. pp. 307-338.
139
Pan. Lat. IX(12). 20,1-21,3.
140
ILS 692 (=CIL VI: 1140); PLRE C. Ceionius Rufius Volusianus.
141
Lact. DMP XLIV. 5-6; Eus. VC I. 28,1-32,3; Soc. HE I. 2,4-7; Soz HE I. 3,1-3; Philost. I. 6.
108
devemos problematizar a tão falada conversão de Constantino, e nos permitir interrogar qual a
relação entre sua religião e os fundamentos da legitimidade do poder imperial.
Este símbolo, por sua vez, se tornou mais difundido em meados da década de 320,
sendo poucos os vestígios materiais relativos a esta difusão. O principal exemplo é um
medalhão de prata cunhado em Pavia (Ticinum) em 315, no qual o cristograma foi
representado no capacete do imperador142.
Cristão ou não, Constantino tinha que lidar com a questão cristã. Nos três meses após
a derrota de Maxêncio, nos quais Constantino permaneceu em Roma, temos relatos da
construção de igrejas cristãs, inclusive com a doação da casa da imperatriz Fausta, em
Latrão143, além de terminar a Basílica de Maxêncio – que foi guarnecida com uma estátua
colossal de Constantino –, a qual foi dada aos cristãos na década posterior.
Dentro desta política de relação amistosa com os cristãos, Constantino enviou cartas
para Anulino, procônsul da África, nas quais ordenava a restituição das propriedades cristãs
confiscadas durante a perseguição144. Além de manter correspondência com Ceciliano, bispo
de Cartago145.
Logo o imperador teve que lidar com seu primeiro problema com a Igreja Cristã, o
donatismo. Para resolvê-lo, Constantino convocou um concílio que se reuniu em Roma, e
outro em Arles (Arelatum) para julgar o mérito da questão. Em ambos a facção donatista saiu
derrotada.
Em Milão, Licinio selou formalmente sua aliança ao se casar com a meia-irmã de
Constantino, Constância. Além disso, os aliados acordaram em relação a uma política de
restauração das propriedades cristãs e de tolerância religiosa para todos os habitantes do
Império, o que seria conhecido como “Edito de Milão”, de 313.
A conferência de Milão foi breve, Licínio logo foi obrigado a partir para seus
territórios para enfrentar uma invasão de Maximino Daia, a qual foi contida em Andrinopla
(atual Erdine, na Turquia Européia). Neste momento, não foi apenas a Constantino que se
propagandeou a intervenção divina, uma vez que Lactâncio também afirma que Licínio teve a
visão de um anjo a lhe prescrever uma prece que foi recitada por seus soldados antes da
batalha146.
142
RIC VII Ticinum 36.
Opt. Mil. I, 23.
144
Eus. HE X. 5, 15-17.
145
Eus. HE X. 6.
146
Lact. DMP XLVI. 5-6. Esta oração é paralela a uma atribuída a Constantino por Eusébio: In. Eus. VC IV.
19-20.
143
109
Maximino foi posto em fuga, retornando rapidamente a Anatólia. De lá, partiu para a
Cilícia esperando as tropas rivais, sendo novamente posto em fuga para Tarso, onde acabou
por se suicidar. Para evitar problemas dinásticos e legitimatórios, Licínio aniquilou os
remanescentes de sua família – inclusive a viúva de Galério, filha de Diocleciano –, e infligiu
a damnatio memoriae a Maximino Daia147.
147
Lact. DMP XLV.1-XLVII.6; XLIX.1-L.7; Zos. HN II. 17, 2-3; Aur. Vict. De Caes. XLI. 1; Epit. XL. 8;
Jer. Chron. 311; Eutr. X. 4,4; Eus. HE IX. 9,1; X. 13-15; VC I 58,1-59,1.
110
5. Imperador do Ocidente (313-315)
Esta vitória pôs um fim definitivo ao sistema político da Tetrarquia, tal qual
estabelecido por Diocleciano vinte anos antes. Havia, naquele momento, apenas dois
governantes, ainda aliados, mas não tão firmemente presos a uma intrincada rede de governo
como a posta em prática por Diocleciano, o qual morreu por esta época148.
A paz interna reinou por um tempo no Império Romano, com Licínio guerreando
contra Sassânidas e Godos, e Constantino contra os Germanos, em 314. Este clima é bem
referenciado pelas moedas do período, nas quais as duas efígies são cunhadas em todas as
Casas de Cunhagens do Império, e por inscrições, que eram dirigidas a Constantino e Licínio,
os que trouxeram a libertas e a securitas.
No dia seguinte à Batalha da Ponte Mílvio, o vitorioso Constantino e suas tropas
entraram em triunfo em Roma. Através dos testemunhos contemporâneos, por mais próConstantino que sejam, podemos inferir que o governo de Maxêncio produziu
descontentamento em algumas parcelas da sociedade romana – como os senadores, e o povo
de Roma. Por outro lado, a propaganda constantiniana foi prolífica ao proclamar que
Constantino era o vencedor sobre os bárbaros, era o LIberator Vrbis, e o restaurador da antiga
magnificência de Roma.
Ao se assenhorear da Itália, Constantino tratou seus novos súditos com liberalidade e
honrou os senadores com sua presença. Neste encontro, ele prometeu que restauraria muitos
dos privilégios ancestrais, e que membros da aristocracia senatorial de Roma passariam a ser
encorajados a ocupar novamente altos cargos.
Em contrapartida, o Senado concedeu honras a Constantino, dedicando-lhe uma
estátua de uma deidade149, e decretando que ele era o Augusto Sênior do colegiado
imperial150. No estilo de representação da República Romana, “o Senado e o Povo de
Roma”151 adotaram e honraram seu libertador.
Nos anos subsequentes, Constantino retornou a Roma para celebrar importantes
aniversários. Após as campanhas no limes do Reno ele visitou Roma de julho a setembro de
315, para celebrar o início de sua decennalia – seu aniversário de dez anos de aclamação
como imperador. Durante esta visita, o Senado e o Povo de Roma dedicou-lhe um magnífico
arco triunfal que comemorava sua vitória sobre Maxêncio.
148
NAKAMURA, Byron J. When did Diocletian die? New evidence for an old problem. Classical Philology. v.
98, n. 3, Jul. 2003. pp. 283-289.
149
Pan. Lat. IX (12). 25, 9.
150
Lact. DMP XLIV, 11.
151
Pan. Lat. IX (12). 19, 5.
111
Nos seis longos painéis no novo friso que descrevem a campanha de Constantino na
Itália e suas atividades em Roma, através dos muitos painéis, medalhões, e estátuas
reutilizadas de outros monumentos imperiais anteriores, e através de epígrafes dedicatórias,
este arco era um discurso eloqüente sobre Constantino, algo como um “panegírico material”.
Como os panegiristas pronunciando discursos perante o imperador, como peticionários
apresentando petições ao imperador, através deste arco triunfal, o Senado e o Povo de Roma
louvava o imperador e esperava formar seu comportamento em relação à cidade.
O Senado e o Povo estavam, acima de tudo, demonstrando sua gratidão pela
restauração da paz. Pequenas epígrafes inscritas na arcada central do monumento louvavam
Constantino como o LIBERATORI VRBIS (“o libertador de Roma”), e o FVNDATORI
QVIETIS (“o fundador da quietude, ou da paz”)152.
Na parte superior do Arco, havia grandes estátuas de dácios em postura de cativos e
condoídos, com os olhos abaixados – estas esculturas, por sua vez, eram provenientes de
monumentos de Trajano, possivelmente de seu Fórum.
Em adição, os painéis no friso apresentavam diferentes formas de representação de
Constantino, desde o general até o cidadão. No painel do “Cerco de Verona”, Constantino foi
representado entre suas tropas, vestindo armadura e calças gaulesas; no painel da “Batalha da
Ponte Mílvio”, Constantino foi representado na companhia de deidades, trajando armadura e
uma espada na bainha esquerda.
Nos painéis do triunfo de suas tropas em Roma, e seu discurso ao povo no Fórum, ele
foi representado trajando um longo manto militar. Mas, no último painel do conjunto, no qual
foi esculpida a distribuição de moedas aos senadores e ao povo, Constantino foi representado
trajando a toga. Das roupas de guerra às vestes do cidadão; o homem general se tornou um
homem de paz em Roma.
Através da dedicação deste arco, o Senado romano alinhava Constantino com um
apropriado passado romano. Esta inscrição laudatória agradecia ao imperador por ter salvo a
República Romana de “um tirano e sua facção”. O modelo para tal comportamento
distintamente republicano era, certamente, o do primeiro imperador, Augusto, que séculos
antes em seu Res Gestae – o relato de seus feitos – enfatizou seu papel no final das guerras
civis, restaurando a paz, e devolvendo o poder ao Senado e ao Povo de Roma. A inscrição
principal do Arco possuía a função de um pequeno Res Gestae de Constantino, no qual ele era
aclamado como o salvador da Res publica da dominação da facção de Maxêncio.
152
Ver as Imagens 1 e 2 constantes do Anexo de Imagens.
112
Entretanto, sob o aspecto religioso, esta inscrição é notavelmente descompromissada e
atribui a motivação de Constantino ao “impulso de uma divindade e à grandeza de sua
mente”. Em outra dedicatória o Senado e o Povo de Roma saudaram Constantino e Licínio
como libertadores e restauradores da securitas, e agradeceram-lhes pela libertação dos mais
atrozes tiranos.
Este mesmo tom ambíguo do ponto de vista religioso aparece no Panegírico Latino de
313, proferido em Trier para louvar as vitórias de Constantino em Roma e no Reno. Neste
panegírico nos encontramos perante uma divindade – que não tem um nome determinado –, e
cuja intervenção o orador roga para que continue conservando Constantino no poder por toda
a eternidade153. Neste panegírico começa a se traçar um dos mecanismos de legitimação que
se tornou central discurso constantiniano, o tema da providência divina, ou seja, a escolha de
Constantino pelo Deus Supremo para que governasse o Império Romano.
Durante os anos subsequentes, os magistrados de Roma saudaram Constantino como o
restaurador do gênero humano e da liberdade pública, o alargador do Império Romano, e o
fundador da segurança e da paz eternas. O tom conservador destas dedicações sugere que em
Roma, os conceitos políticos tradicionais eram enfatizados acima das filiações religiosas de
Constantino, sendo o papel do imperador o de reviver a antiga glória da Res publica romana.
No que se refere à difusão de suas representações a partir das moedas, podemos
observar pontos convergentes e divergentes em relação às representações de Constantino e de
Licínio.
Com a vitória sobre Maxêncio, Constantino passou a dominar os importantes centros
de cunhagem de Pavia (Ticinum), Aquiléia, Óstia e Roma, que se juntaram a Londres, Lyon,
Trier, e a recém reaberta oficina de Arles. No período compreendido entre finais de 312 e
meados de 315, séries de moedas em ouro e bronze foram cunhadas em homenagem ao seu
êxito militar na campanha italiana.
Neste sentido, dividiremos as moedas, em relação à tipologia de reverso, em dois
grupos: (1) os reversos com mensagens relativas à Constantino; (2) os reversos com imagens
de deuses.
153
Pan. Lat. IX (12) 26, 1;5: “Por isto, é a ti, supremo criador das coisas, que tens tantos nomes quantos são os
povos cujas línguas quiseste que conservassem – de quem não podemos saber com qual nome desejas ser
chamado –, quer sejas um poder e uma inteligência divinos que, dispersada pelo mundo, te mesclas com todos
os elementos e te moves por ti mesmo sem receber o impulso de nenhuma força, quer sejas um poder situado
acima de todos os céus, que contemplas esta obra de tuas mãos a partir dos mais altos cumes da Natureza, é a
ti, repito, a quem rogamos e suplicamos que prolongues a existência de nosso príncipe [i.e. Constantino] até o
fim dos tempos. (...) Faça, pois, que aquilo que foi de melhor dado ao gênero humano permaneça com ele por
toda a eternidade e que Constantino viva na terra por todas as épocas”.
113
Em relação ao primeiro grupo de moedas, observamos os mesmos lugares-comuns
retóricos presentes no Arco de Constantino, isto é, a representação de Constantino como o
libertador ou o restaurador de Roma154, o pacificador155, o ótimo príncipe156, o sábio157, que
trouxe a segurança158, e cuja vitória inaugurou um tempo de felicidade para o Império
Romano159.
Estas moedas foram cunhadas em todas as oficinas de cunhagem em seus territórios,
sendo o principal evento a ser comemorado no período em questão. Constantino era, pois,
representado como o fundador de um novo tempo de paz e prosperidade para a cidade de
Roma, e à Res publica, tal qual anteriormente fora Otávio Augusto.
Neste momento, centralizaremos nossa análise em duas tipologias monetárias que
demonstram as estratégias de propaganda de Constantino que visavam a (1) colocá-lo em pé
de igualdade com Licínio; e (2) colocar Constantino numa posição acima de Licínio.
Em relação ao primeiro ponto, as emissões monetárias que traziam a legenda SPQR
OPTIMO PRINCIPI foram cunhadas para Constantino160, para Licínio 161 e, igualmente, para
Maximino Daia162, demonstrando as estratégias e escolhas de Constantino, em especial, seu
desejo de não se demonstrar favorável a qualquer um dos litigantes do Oriente.
Após a vitória de Licínio sobre Maximino, mantém-se a cunhagem desta tipologia, que
se remete a um voto do Senado e do Povo de Roma aos “ótimos príncipes” que trouxeram a
paz para a Res publica, colocando Constantino e Licínio em pé de igualdade no governo do
Império Romano, demonstrando a escolha diplomática de Constantino em se manter em paz
com seu colega oriental.
Por outro lado, já nas emissões deste período se evidenciam a proposta de Constantino
em se representar como superior a Licínio, e, neste caso, a tomada de Roma foi peça
fundamental para a propaganda constantiniana.
154
RIC VI Londres 269(R), 270(R), 271(R), 272(S), 273(S), 274(R); RIC VII Trier 22(R5), 23(R5), 24((R5),
25(R5). 26(R5); RIC VI Roma 303(R), 304(R), 312(R4); RIC VII Arles 13(R5), 33(R5), 34(R4); RIC VII
Ticinum 31(R5), 32(R5), 39(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 11, constante do Anexo.
155
RIC VI Roma 355(R), 356(C), 357(R), 358(R); RIC VII Roma 12(R2); RIC VII Ticinum 29(R5); RIC VII
Trier 61(R4).
156
RIC VI Roma 345(S), 346(R), 347(R), 348a(C), 349a(C), 350a(C), 351a(R), 352(R2); RIC VI Óstia 69(R4);
94(C), 96(S), 98(S); RIC VI Ticinum 114 (R5); RIC VII Arles 7(R5), 8 (R4), 9(R5). Para um exemplar desta
tipologia, ver a Moeda 12, constante do Anexo.
157
RIC VII Trier 62(R5), 63(R5), 64(R4), 65(R4); RIC VII Arles 1(R3), 3(R5); RIC VII Roma 16(R3)
158
RIC VI Londres 277(S), 278(R); RIC VI Aquileia 129(R5); RIC VII Trier 2(C2);
159
RIC VI Londres 245(R), 246(R), 247(R2), 248(S); RIC VI Roma 285a(R4); 353(R), 354(R); RIC VII
Ticinum 25(R5), 34(R5), 40(R5). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 13, constante do Anexo.
160
RIC VI Roma 345(S), 346(R), 347(R, 348a(C), 349a(C), 350a(C), 351a(R), 352(R2); RIC VI Óstia 69(R4);
94(C), 96(S), 98(S); RIC VII Arles 7(R5), 8 (R4), 9(R5). Ver Moeda 12, constante do Anexo.
161
RIC VI Roma 348c(R), 349c(C), 350c(C), 351c(R); RIC VI Óstia 95b(S), 97b(S); RIC VII Arles 10(R5),
11(R5), 12(R5).
162
RIC VI Roma 348b(C), 349b(S), 350b(S), 351b(R); RIC VI Óstia 95a(C), 97a(S).
114
O diferencial entre Constantino e Licínio são as moedas produzidas nas Casas de
Cunhagem do Ocidente, uma vez que estas oficinas constantinianas foram muito mais
criativas em produzir diferentes tipologias monetárias, em especial as séries nas quais
Constantino foi representado como o restaurador de Roma, como no exemplo da Moeda 11,
que foi cunhada em Londres após a vitória sobre Maxêncio.
Nesta moeda, Constantino aparece como um triunfador no anverso, enquanto que no
reverso foi representada a personificação de Roma entronizada, com um galho na mão direita
e um orbe na mão esquerda. Constantino venceu Maxêncio numa difícil campanha para
restaurar a liberdade aos romanos, e acabar com o tirano e sua facção. Novamente, entramos
no domínio dos conceitos político da Roma Republicana, cujo ideário se mantém como um
importante discurso para legitimar o poder do imperador.
No que se refere ao segundo grupo de moedas – as que possuem representações de
deuses –, observamos a manutenção do movimento de cunhagem de moedas com
representações do deus Marte e a intensificação das emissões de moedas com o Sol Invicto.
No período compreendido entre a vitória sobre Maxêncio e a comemoração da
decennalia, observamos a maior quantidade de emissões monetárias de Constantino nas quais
está representada a efígie do deus Marte163. Assim como nas emissões monetárias anteriores,
o deus Marte não se refere diretamente a Constantino, enquanto seu acompanhante divino,
mas ao caráter pacificador e libertador da campanha de Constantino e de sua vitória sobre
Maxêncio.
O mesmo ocorre em relação aos temas do reverso, a maior recorrência se mantém nas
legendas MARTI CONSERVATORI, o Marte guerreiro que conserva o Império Romano
através da virtus militar.
A novidade presente nestas emissões de Marte são os bustos presentes nos reversos
das moedas de Constantino cunhadas em Trier164, a Casa de Cunhagem que mais emitiu
moedas com representações de Marte. Neste caso, Constantino aparece como triunfador no
anverso, enquanto Marte tem seu busto armado representado no reverso.
163
RIC VI Londres 250(S), 251(S), 252(R), 253(C), 254(C2), 255(R), 256(R2), 257(R), 258(S), 259(R), 260(R),
261(S), 262(R2), RIC VII Londres 4(R4), 24(R4), 25(R3); RIC VI Trier 854(R), 855(S), 856(S), 857(S), 858(C),
859(C2), 860(S), 861(C), 862(C2), 863(C), 864(S), 877(S), 878(S), 879(R), 880(R), 881(C), 882(S), 883(S),
884(C2), 885(R), 896(S), 897(S) RIC VII Trier 15(R5), 49(R4), 50(R4), 51(R4), 52(R4), 53(R3), 54(R5), 55(R5),
61(R4), 68(R5), 69(R5); RIC VII Lyon 10(R2), 11(R4), 12(R3), 13(R4), 14(R5); RIC VI Ticinum 121(R), 122(R),
124a(S), 125(R), 126(R); RIC VII Ticinum 5(R), 6(R5), 11(R4), 12(R4), 18(R4), 19(R4), 23(R4); RIC VI
Aquileia 139(R), 141(R); RIC VI Roma 283(R4), 305(R), 306a(R), 307(R), 308(R), 309(R), 310(R2), 311(R),
364(S), 365(S), 367(S); RIC VII Roma 6(R4), 9(R3), 10(R4), 12(R2), 25(R4); RIC VI Ostia 80(R3); 81(R3); RIC
VI Siscia 216(R5).
164
Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 14, constante do Anexo.
115
Entretanto, neste caso, não nos é possível afirmar uma mimese entre Constantino e
Marte, uma vez que a própria legenda MARTI CONSERVATORI, mantém o lugar comum
da virtus militar, assim como as legenda FVNDATOR PACIS e GAVDIVM
ROMANORVM.
Cabe, por fim, salientar que este foi o período de maior emissão de moedas com a
tipologia de Marte, conforme podemos observar pelo Gráfico I; movimento que terá seu fim
apenas no ano de 317, a partir do qual não se cunha mais moedas com a efígie do deus Marte,
o que se relaciona a um novo direcionamento estratégico de Constantino em relação à
legitimação dinástica.
Gráfico 1
Como vimos anteriormente, após a morte de Maximiano Hercúleo, começou a se
desenvolver um ideário e mística imperiais que relacionavam Constantino com o poder
militar, a herança dinástica de Cláudio Gótico e o apoio do “acompanhante divino” Sol
Invicto. Ao mesmo tempo, a campanha da Itália encontra-se envolta pela questão do
Cristianismo, com a aparição do Chi-Rho a Constantino, e a sua tão falada conversão.
Não obstante os dados da documentação escrita cristã – principalmente Eusébio de
Cesaréia –, os dados da cultura material caminham numa direção contrária a afirmação de
uma conversão incondicional de Constantino em fins de 312. Sobre esta questão, as emissões
monetárias com a efígie do Sol Invicto são fundamentais para questionarmos as formas de
representação do poder imperial, no período posterior à tomada de Roma.
Neste período, aprofunda-se o movimento de emissões de moedas com as tipologias
do Sol Invicto, não apenas as oficinas de cunhagens de Londres, Lyon e Trier, mas também
116
Aquileia, Arles, Óstia, Roma e, principalmente, Ticinum passam a cunhar esses tipos de
moedas, com a legenda já corrente do SOLI INVICTO COMITI165.
Outra questão a ser observada neste período, é que as oficinas constantinianas
cunharam moedas do Sol Invicto com as efígies de Licínio166 – embora estas sejam mais raras
–, relacionando esta divindade com o imperador do Oriente, que em contrapartida também
cunhou moedas nas quais a efígie de Constantino era acompanhada no reverso pela imagem
do patrono da Tetrarquia, o deus Júpiter167.
De uma forma padronizada, o Sol Invicto foi apresentado como o “acompanhante
divino” do imperador, seu comes, sendo representado como um homem nu, vestido com uma
clâmide, segurando um orbe e com a mão direita erguida. Esta representação demonstra que o
acompanhante do imperador era um governante universal, que apoiava Constantino em suas
campanhas, conforme denota a legenda SOLI INVICTO COMITI.
Embora as emissões tenham mantido este padrão, houve alguns exemplares cunhados
em Ticinum que destoaram das demais cunhagens do período, em especial duas moedas de
ouro que apresentam o reverso RESTITVTORI LIBERTATIS (Ao restaurador da
Liberdade)168.
No primeiro exemplar – RIC VII Ticinum 31 (Moeda 16) –, Constantino foi
representado como um triunfador, uma vez que figurava laureado, e no reverso vemos
retratada uma cena na qual o Imperador (o próprio Constantino), em trajes militares, segura
um cetro de comando em sua mão esquerda, e está defronte a uma figura feminina
paramentada de forma militar, que se encontra sentada (a personificação de Roma), entre
165
RIC VI Londres 279(C2), 280(C2), 281(C2), 282(C), 283(R2), 284(S), 285(R2), 286(R), 287(R2); RIC VII
Londres 5(R4), 6(R1), 7(R3), 8(S), 9(R4), 10(C3), 11(R2), 12(R5), 13(R3), 14(R4), 15(R3), 16(R5), 17(R2), 18(R3),
27(C2), 28(R4), 29(R4), 32(C2), 33(R4), 34(R5), 35(R3); RIC VII Lyon 1(S), 2(R1), 3(S), 4(R1), 5(C2), 6(R4),
7(C1), 8(R4), 9(R4), 15(C2), 16(R4), 17(R1), 18(R4), 19(R3), 20(C1), 21(R4), 22(R5), 23(R5), 24(R4), 25(R5),
26(R5), 27(R5); RIC VI Trier 865(S), 866a(S), 867(S), 868(S), 869(C), 870(C2), 871(C), 872(C), 873(C2),
874(C), 875(S), 876(S), 886(R), 887(R), 888(R), 889(R), 890(C2), 891(S), 892(S), 893(C2), 894(S), 895(R),
898(S), 899(S), 900(R); RIC VII Trier 39(R4), 40(R4), 41(R5), 42(R3), 43(R4), 44, 45(R4), 46(R4), 47(R4),
48(R5); RIC VI Aquileia 144(S); RIC VI Roma 316(S), 317(C), 318(C2), 319(S), 321(S), 322a(S), 323a(S),
324(R), 325(S), 326(R), 327a(S), 328a(S), 329a(S), 330a(R), 331(S), 332(C), 333(C), 334(R), 335a(C), 336a(C),
337a(S), 338a(R), 339(S), 340(S), 342(R), 343(C), 368(S), 369(S), 371(S), 372(S), 374(R), 376(S), 377(S); RIC
VII Roma 1(R5), 2(C1), 18(R4), 19(C3), 20(R4). 27(C3), 28(R5), 29(R2), 30(C3), 31(R5), 32(R5), 33(C3), 34(R5);
RIC VI Óstia 83(C), 85(S), 87(C), 89(C), 91(S), 93(R); RIC VI Ticinum 128(S), 129(S), 131a(C), 132(R),
133(S), 135a(R), 136(R); RIC VII Ticinum 1(R4), 2(R4), 3(S), 7(C1), 8(R2), 14(R5), 15(R5), 16(S), 20(R4),
21(R1). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 15, constante do Anexo.
166
RIC VII Londres 19(R5), 20(R5), 35(R3); RIC VI Aquileia 143(R); RIC VI Roma 320(R2), 322c(S), 323c(S),
328c(S), 329c(S), 335c(R), 336c(C), 337c(S), 338c(R); RIC VII Roma 3(R3), 4(S), 21(R5), 22(R3), 23(C3),
24(R5), 29(R2), 30(C3), 32(R5), 36(C1); RIC VI Óstia 84b(S), 86b(S), 90b(S), 92b(S), 95b(C), 97b(S); RIC VI
Ticinum 127(S), 130(C), 131c(S) 135b(R); RIC VII Ticinum 4(R2), 9(S), 10(R4), 17(R2), 22(R4).
167
RIC VI Siscia 213(R5), 214(R4), 227c(S), 228b(R), 229(C), 230b(S), 231(S), 232b(C), 233(S), 234c(C); RIC
VII Siscia 1(R5), 2(R5), 3(R2), 5(S), 6(R4), 7(R2), 12(R5); RIC VII Serdica RIC VI Tessalônica 44c(R3), 45(R3),
47b(C), 50b(C), 52b(R), 58(R), 61(C); RIC VII Tessalônica 1(R5).
168
Para estes exemplares de tipologia, ver as Moedas 16 e 17, constantes do Anexo.
117
ambos há um orbe sobre o qual há duas interpretações: (1) ou está sendo entregue por Roma a
Constantino; ou (2) é entregue por Constantino a Roma.
Preferimos a primeira interpretação, uma vez que, conforme vimos anteriormente,
após campanha de Roma, o Senado referendou a posição de Constantino como Augusto
Sênior, além de saudá-lo como libertador, pacificador e restaurador da Res publica, sendo
mais uma instância a legitimar o poder imperial de Constantino.
O segundo exemplar em questão – proveniente da Bibliothèque Nationale de France
(Moeda 17)–, é um exemplo de efígie geminada, na qual Constantino era retratado conjugado
ao Sol Invicto. Esta moeda possui o mesmo reverso da anterior – da RIC VII Ticinum 31 –,
com Roma e Constantino frente a frente.
Por outro lado, o que chama mais atenção nesta moeda é a relação entre Constantino e
o Sol Invicto presente em seu anverso, Constantino foi retratado como um guerreiro heróico
laureado, empunhando uma lança e um escudo no qual está representado uma quadriga –
atributo de Apolo/Sol Invicto, e que também aparece no Arco de Constantino. Em
contrapartida, ao seu lado se encontra seu acompanhante divino, o Sol Invicto, com qual
Constantino compartilha o epíteto invictus.
As representações de Constantino e do Sol Invicto nesta moeda são um
desenvolvimento das estratégias de representação de sua imagem imperial desde o ano 310,
quando este aspecto solar começou a ser difundido. Neste contexto, o Sol Invicto, mais do que
o Deus cristão assume o papel de legitimar através do apoio divino a posição de Constantino
como imperador romano.
O relacionamento especial com o Sol Invicto foi um dos temas mais comuns das
emissões de Constantino entre 310 e 318, conforme atestam as múltiplas séries emitidas pelas
oficinas de Londres, Lyon, Trier, Aquiléia, Arles, Roma, Óstia e Ticinum.
Por outro lado, neste mesmo período, teríamos a primeira evidência de vinculação
entre Constantino e a religião cristã. Em seu famoso artigo de 1932, Andreas Alföldy169,
estabeleceu uma classificação fundamental destas tipologias, na qual o imperador aparece
com um capacete diferente daqueles do período da Tetrarquia, e mesmo posteriormente, e no
qual Alföldy identifica o monograma de Cristo.
O caráter oficial desta moeda não pode ser posto em dúvida, entretanto, a circulação
restrita deste medalhão comemorativo nos leva a concluir que seu impacto como meio de
propaganda era extremamente limitado. Ademais, o Chi-Rho é quase imperceptível para
169
ALFÖLDY, Andreas. The helmet of Constantine with the Christian Monogram. The Journal of Roman
Studies. v. 22. 1932, pp. 9-23.
118
considerarmos uma potencial conversão e expressão pública da imagem imperial de
Constantino como cristão.
Não obstante, é interessante notarmos que no mesmo ano em que Constantino se
apresenta num busto geminado com o Sol Invicto, o monograma de Cristo teria aparecido em
seu capacete, o que nos leva a problematizar as zonas de conflitos e os campos de contato
entre pagãos e cristãos, e a forma como Constantino trabalhou para o desenvolvimento de
uma política de tolerância, ao mesmo tempo em que sua expressão pública vinculava-o ao
culto do Sol Invicto..
Outra característica das emissões monetárias de Ticinum são os bustos nimbados de
Constantino, em especial uma moeda comemorativa de seu consulado no ano 315, na qual o
imperador aparece no anverso com os atributos de sacralidade de um dominus e no reverso
com os atributos de um magistrado romano – a cadeira curul, e o cetro –, e o orbis terrarum;
demonstrando a própria dualidade do poder imperial romano no Baixo Império, isto é, o
defensor da Res publica, por um lado, e o imperador sacralizado, por outro.
No caso das emissões monetárias em questão, havia duas formas de relacionar a
imagem de Constantino às divindades. No caso de Marte, este deus surge como o conservador
do Império Romano, ligado à virtus guerreira de Constantino e de seu exército gaulês. Já no
caso do deus Sol Invicto, observamos de forma plena a aprovação de um Deus Supremo como
um mecanismo necessário à legitimação do poder imperial de Constantino, em especial nas
moedas de busto geminado, na qual Constantino foi revestido pelos atributos do Sol Invicto.
Por conseguinte, este período posterior à vitória sobre Maxêncio marca, ao invés de
romper, o aprofundamento de vários aspectos da expressão pública de Constantino que
desenvolveu após a morte de Maximiano Hercúleo em 310. Em especial, a relação entre
Constantino e o culto ao Sol Invicto se tornou ainda mais difundida nas emissões monetárias,
ao mesmo tempo em que a tomada de Roma garantiu-lhe um arsenal de conceitos
republicanos e a imagem de libertador e restaurador da ordem.
Em relação a Licínio, este período de paz demonstra que Constantino buscou se
legitimar em seus novos domínios, dissipando o espectro de guerra civil que pairava sobre o
Império Romano, e, especialmente, sobre a Península Itálica desde 306. Não obstante,
Constantino buscou se representar numa posição acima da de Licínio, seja pelo título
honorífico de Augusto Sênior, seja pela ênfase de sua propaganda na libertação de Roma do
jugo dos tiranos.
Por fim, através das emissões monetárias do período não podemos confirmar os dados
colhidos na documentação escrita de origem cristã. A publicização de símbolos cristãos, como
119
o Chi-Rho pintado nos escudos da narrativa de Lactâncio, ou o labarum de Eusébio de
Cesaréia, teria que esperar pelo menos até a década de 320 para surgiram nas moedas de
Constantino. Antes disso, no entanto, as emissões de Constantino passariam por outra
transformação, que marcam as novas escolhas deste imperador na segunda metade da década
de 310.
6. As Guerras contra Licínio (315-324)
Este clima de paz e concórdia entre Constantino e Licínio durou pouco tempo. Em
315, em um incidente pouco documentado, Constantino enviou seu cunhado Bassiano –
casado com sua irmã Anastácia – para ser aprovado por Licínio como César. Longe de
representar uma tentativa de reviver a Tetrarquia, a proposta pode ser vista como a tentativa
de Constantino em fortalecer o seu poder.
No entanto, Licínio, com a ajuda de Senécio, irmão de Bassiano, acabou por encorajar
seu co-cunhado a mudar de lado, voltando-se contra Constantino. Neste momento,
Constantino foi obrigado a confrontar Bassiano, e matá-lo; e exigiu que Licínio fizesse o
mesmo com Senécio. Porém, Licínio se recusou e profanou as estátuas de Constantino em
Emona (atual Liubliana, na Eslovênia), o limite administrativo entre os seus territórios170.
Isto se constituiu na razão para a Primeira Guerra entre os dois Augustos. Como vimos
anteriormente, Constantino passou o verão de 315 em Roma, comemorando sua
decennalia171, em seguida partiu para a Gália, e retornou à Itália no outono de 316,
preparando a campanha contra Licínio.
Em outubro de 316, Constantino avançou sobre a Panônia, tomando a sua capital
Siscia (atual Šišak, na Croácia). Enquanto isso, Licínio tomou posições em Cibalae (atual
Vinkovči, na Eslovênia), onde foi derrotado e posto em fuga para Sirmium (atual Sremska
Mitrovica, na Sérvia e Montenegro), cidade na qual deixou sua esposa, filho e tesouros172.
A esta altura, Licínio elevou à dignidade de Augusto o general Valente, ato que irou
Constantino que exigiu a execução deste terceiro Augusto. Pouco depois, Licínio foi
novamente derrotado nos campos de Andrinopla, fugindo para a cidade de Bizâncio173.
Constantino forçou-o a negociar uma paz desfavorável nos seguintes termos: Valente
foi executado; Constantino anexou a seus domínios parte dos Bálcãs até a Trácia; Crispo e
170
Anon. Vales. 5, 14-15; Zos. HN II. 18,1; Eus. HE X. 8, 5-7; Eus. VC I. 47,2.
Décimo aniversário de ascensão ao poder.
172
Anon. Vales. 16-17; Zos. HN II. 18,1-5; Eutr. X. 5; Aur. Vict. De Caes. XLI. 2,6; Epit. XLI. 5. Para a data
316, ver POHLSANDER, Hans A. The Emperor Constantine. London. 1995, LENSKI, N. Op. cit. 2006.
173
Zos. HN II. 18,5-19,3; Anon. Vales. 17-18; Epit. XL.2. Para Valente como Augusto, ver: RIC VII Cysicus
7; Alexandria 19.
171
120
Constantino II – filhos de Constantino –, junto com Licínio II – filho de Licínio e Constância
– foram elevados à dignidade de César174.
A aclamação destes três Césares demonstra que o modelo instável de gestão colegiada,
como fora a Tetrarquia, foi repelido em favor de um modelo dinástico mais estável,
aprofundando as diretrizes de representação da imagem pública que Constantino seguiu desde
o início de seu reinado, e especialmente após 310, uma vez que os cinco governantes do
Império Romano, quatro descendiam diretamente de Constâncio Cloro.
Neste contexto, observamos o desenvolvimento de algumas formas de representação
de Constantino postas em prática nas emissões monetárias após a vitória na Primeira Guerra
contra Licínio (315-317); além do mais, devemos ressaltar que esta vitória granjeou-lhe o
domínio sobre as Casas de Cunhagem de Siscia e Tessalônica, os últimos centros de
cunhagem europeus que ainda não estavam sob seu domínio.
Sobre as emissões monetárias de Constantino, neste período, observamos dois
movimentos principais, por um lado, a expansão das emissões com a efígie do Sol Invicto; e
por outro, a cunhagem de série comemorativa entre os anos 317 e 318, que revelam os
mecanismos de legitimação política que estavam em jogo nas estratégias de representação da
imagem imperial.
Conforme vimos anteriormente, desde o ano 310, a imagem de Constantino passou a
ser ligada ao deus Sol Invicto, o seu “acompanhante divino”, relação que foi aprofundada
após a seu vitória sobre Maxêncio.
No período entre 316 e 318, as oficinas de cunhagem que faziam parte dos domínios
de Constantino emitiram uma série de moedas nas quais seus filhos, os Césares Crispo e
Constantino foram associados ao deus Sol Invicto. No anverso, ambos foram retratados como
Césares, laureados e no caso de Crispo como um soldado; enquanto que no reverso
reproduziu-se o padrão imagético do Sol Invicto, comum às moedas constantinianas desde
310.
A novidade, por sua vez, ficava por conta da legenda, pois além do padronizado SOLI
INVICTO COMITI, algumas moedas carregavam a legenda CLARITAS REIPVBLICAE, ou
seja, o Brilho da República, associado ao Sol Invicto175.
Uma das implicações destas legendas e efígie é que o Sol Invicto se tornou, neste
período, um deus dinástico de Constantino, uma vez que tanto ele quanto os seus filhos foram
174
Zos. HN II. 20,1-2; Anon. Vales. 18-19; Aur. Vict. De Caes. XLI. 6; Eutr. X. 5; Epit. XLI. 4; Jer. Chron.
317.
175
Ver as Moedas 18 e 19, constantes do Anexo.
121
representados como acompanhados por esta divindade. Deste modo, legitimava-se através do
sagrado a dinastia que Constantino buscava forjar, uma vez que ele e seus filhos possuíam um
relacionamento privilegiado com esta divindade.
Não obstante, este período assistiu a outro movimento estratégico de Constantino, no
que se refere à afirmação de sua dinastia. Nos anos de 317 e 318, Constantino simplesmente
levantou a damnatio que recaia sobre a memória de Maximiano Hercúleo, reabilitando-a.
Numa série comemorativa que foi cunhada nas oficinas de Aquiléia, Arles, Roma,
Siscia, Tessalônica e Trier, Constantino buscou louvar as memórias dos ancestrais divinos de
sua família176. Além de Maximiano Hercúleo, nesta emissão, observamos a cunhagem de
moedas a Constâncio Cloro e a Cláudio Gótico, os três imperadores já falecidos que eram
antepassados de Constantino e de seus filhos.
No que se refere à titulatura dos divinos imperadores, observamos que os três
antepassados foram representados, principalmente, como Optimus Princeps, sendo que
Constâncio ainda foi louvado como Pius Princeps, e Maximiano como Senior Augustus, ou
seja, o título que seu falecido sogro possuía na época da Segunda Tetrarquia.
No que se refere às legendas de reverso das moedas temos dois tipos: (1) a legenda
REQVIES OPTMORVM MERITORVM – e suas variações de escrita –, que foi cunhada em
todas as seis Casas de Cunhagem em questão, e aos três imperadores, entre os anos de 317 e
318. Em segundo lugar, (2) temos a legenda MEMORIAE AETERNAE, cuja cunhagem
ocorreu apenas em Roma, entre os anos de 317 e 318.
Em relação às tipologias de anverso, as moedas possuem o mesmo tipo de efígie, na
qual o imperador em questão – seja Cláudio, Constâncio ou Maximiano – aparece velado e
laureado, voltado para a direita – conforme o exemplo da Moeda 20.
No que se refere às tipologias de reverso, nas séries que possuem a legenda REQVIES
OPTMORVM MERITORVM, sempre está exposta a imagem do imperador velado, sentado
numa cadeira curul com o braço direito levantado e um cetro na mão esquerda.
Diferentemente do contexto do Panegírico de 310, quando a imagem de Constantino
foi atrelada pela primeira vez a de Cláudio, o Gótico, nestas emissões observamos a difusão
desta relação de forma mais ampla, uma vez que o suporte numismático possuía um potencial
de difusão de idéias e propagandas muito mais amplo que o dos panegíricos.
176
Para uma análise pormenorizada desta série, ver: SILVA, Diogo Pereira da. Memória e legitimação: as
tipologias monetárias dos divinos Cláudio Gótico, Constâncio Cloro e Maximiano Hercúleo (317-318). Revista
do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. n. 18, 2008. pp.279-286.
122
Neste caso, Constantino louva Cláudio, o Gótico como OPTIMO IMPERATORI o
que dialoga com a legenda estereotipada do reverso, isto é, REQVIES OPTIMORVM
MERITORVM – “descanso pelos ótimos (grandes) méritos” 177.
Quanto à tipologia de anverso, o imperador aparece velado, o que denota que está
morto, pré-requisito para se tornar um diuus; enquanto a coroa de louros se relaciona aos
triunfos deste imperador. Neste plano, observamos as características próprias de um
imperador do século III, um imperador vitorioso que possui incontestáveis virtudes militares.
No que se refere ao reverso, o imperador aparece como um magistrado romano
(cadeira curul), com a mão direita levantada e o cetro – símbolos do comando –; da mesma
forma que no anverso, o imperador aparece velado.
Estas mesmas tipologias de anverso e reverso, e a mesma legenda de reverso, são
encontradas em moedas do pai de Constantino – Constâncio Cloro178 –, e de seu sogro
Maximiano Hercúleo 179. As diferenças repousam principalmente na onomástica imperatória.
Enquanto para Constâncio predomina as legendas DIVO CONSTANTIO PIO PRINCIPI,
para Maximiano temos as legendas DIVO MAXIMIANO SENIORI FORTISSIMO
IMPERATORI.
Pelas diferentes onomásticas percebemos as diversas formas de apropriação da
imagem dos imperadores falecidos. De um lado, temos Constâncio cuja pietas e o status de
princeps são euforizados; de outro, temos Maximiano do qual se destaca a sua posição como
Senior na hierarquia do sistema político da Tetrarquia – uma vez que quando da’ abdicação de
305, tanto ele quanto Diocleciano assumiram a titulatura SENIOR IMPERATOR. Também
foi destacado o poder militar, através do adjetivo no superlativo Fortissimus.
Referente à outra legenda de reverso – MEMORIAE AETERNAE –, observamos que
este tipo de moeda foi cunhado apenas em Roma, logo, estamos perante a uma série
comemorativa especial que exibe características diferentes das moedas anteriormente
analisadas180. Inicialmente, a legenda MEMORIAE AETERNAE, é uma legenda em
177
RIC VII Trier 203(R4), 207(R4); Arles 173(R4), 176(R5); Roma 106(S), 109(R4); Aquileia 23(R3), 26(R4);
Siscia 43(R3), 45(R5); Tessalônica 26 (R3). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 20, constante do
Anexo.
178
RIC VII Trier 201(R5), 202(R4), 206(r4); Arles 175(R5), 178(R5); Roma 105(R3), 108(R4); Aquileia 22(R4),
25(R5); Siscia 42(R3), 46(R5); Tessalônica 25(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 21, constante
do Anexo.
179
RIC VII Trier 200(R4), 204(R5), 205(R3); Arles 174(R4). 177(R4); Roma 104(R2), 107(R4); Aquileia 21(R4),
24(R5); Siscia 41(R3), 44(R5); Tessalônica 24(R4). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 22, constante
do Anexo.
180
Maximiano Hercúleo: RIC VII Roma 110(R4), 113(R3), 117(R4), 120(R2), 123(R), 126(R4); Constâncio: RIC
VII Roma 111(R), 114(R3), 118(R3), 121(R4), 124(R2), 127(R4); Cláudio Gótico: RIC VII Roma 112(R),
115(R5), 119(R3), 122(R2), 125(R2), 128(R4).
123
nominativo que denota a permanência da memória dos imperadores, isto é, de seus grandes
feitos para o bem da Res publica.
Em segundo lugar, temos nos reversos a representação de dois animais profundamente
ligados ao poder político e militar. O leão cumpria uma função central nas representações do
poder no Oriente Próximo – como podemos observar nos relevos mesopotâmicos, nas
metáforas bíblicas, e outros –; neste caso, também percebemos as vinculações entre esta
imagem e o poder imperial.
Quanto à águia, ela é o atributo de Zeus/Júpiter, e personificação do poder imperial.
Além disso, a águia cumpria um papel central na cerimônia da consecratio pela qual o
imperador falecido se tornava um diuus. Segundo Simon Price181, a águia era responsável por
transportar a alma dos imperadores para o céu, daí sua importância nos relevos funerários, e a
soltura de uma águia após o ritual de cremação.
Consequentemente, as emissões monetárias do período tinham o claro objetivo de
honrar as memórias de Cláudio Gótico, Constâncio e Maximiano e, por conseguinte, glorificar
seus descendentes, e afirmar a legitimidade da sucessão até Constantino e seus filhos.
Neste sentido, esta série de emissões monetárias dos anos 317-318 tinham por objetivo
afirmar a existência de uma herança dinástica da família de Constantino sobre a de Licínio.
Estas séries de moedas de bronze, emitidas pelos principais centros de cunhagem de seus
domínios ocidentais (Trier, Arles, Roma e Aquiléia) e de seus novos domínios nas regiões
orientais (Siscia e Tessalônica), celebravam, assim, uma memória dinástica.
Estas moedas honravam os divinos Cláudio Gótico, Constâncio Cloro e Maximiano
Hercúleo e faziam lembrar aos antigos e novos súditos de Constantino de quais imperadores
descendia sua família – os grandes imperadores ilíricos que através de seus méritos militares
iniciaram uma época de restauração da ordem no Império Romano.
Neste caso, a estratégia discursiva de utilizar a imagem dos imperadores mortos
cumpria o papel de afirmação dinástica de Constantino sobre Licínio com o intuito de
esvaziar a legitimidade deste.
Interessante notarmos, através das emissões monetárias, que Licínio se refugiou nas
imagens de Júpiter, associando-se a este deus, enquanto que, após o período dos anos 317 e
318, observamos um movimento de declínio dos registros numismáticos relativos ao Sol
Invicto, o que nos leva a problematizar como esta cunhagem aos diui simboliza outro tipo de
ênfase nas estratégias legitimatórias de Constantino.
181
PRICE, Simon. From noble funerals to divine Cult: the consecration of Roman Emperors. In. CANNADINE,
David. PRICE, Simon (Eds.). Rituals of Royalty. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. p. 61.
124
Após a vitória sobre Maxêncio, conforme vimos anteriormente, um orador anônimo
louvou os feitos de Constantino nessa campanha, e lançou as bases do discurso da
providência divina, do apoio divino que se manifesta no mundo físico, e que garante a
supremacia e as vitórias de Constantino para todo o sempre.
Do ponto de vista da documentação escrita, este discurso se encontra impregnado nas
obras de Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica) e Lactâncio (Sobre a morte dos
perseguidores), as quais são datadas de meados da década de 310. Do ponto de vista pagão, tal
discurso aparece no Panegírico de Nazário, o qual comemora os quinze anos de reinado de
Constantino, e foi proferido em Roma, no ano de 321.
Nos autores cristãos – Lactâncio e Eusébio de Cesaréia –, observamos a atuação da
providência divina do Deus Supremo, a qual se encontra do lado de Constantino em sua
batalha contra Maxêncio, e foi fundamental para o seu triunfo.
Em Nazário, por outro lado, observamos a ação da providência divina se manifestando
através do apoio de um exército celestial que desce dos céus liderados pelo divino Constâncio,
e que lutaram ao lado de Constantino na campanha contra Maxêncio 182.
Deste modo, em todos os relatos, Constantino não se movia num plano estritamente
humano, pois a mão do Deus Supremo estava sempre com ele.
Esta presença divina e esta intervenção sobrenatural das quais os contemporâneos dos
acontecimentos estavam convencidos, mas que até o momento escaparam a todo o testemunho
visual, se manifestaram, por fim, de forma sensível: uma vez comprovada a inviabilidade das
negociações entre Maxêncio e Constantino, e antes da campanha da Itália, ainda nas Gálias –
lugar no qual se deu a aparição de Apolo-Sol Invicto no ano 310 –, exércitos celestiais, cujos
combatentes eram prodigiosamente fortes e trajavam armas resplandecentes desceram das
nuvens, proclamando que seu destino era combater ao lado de Constantino. Tais tropas,
182
Pan. Lat. X (4) 14, 1-6: “Finalmente, correu de boca em boca por todas as Gálias que se deixaram ver
exércitos que afirmavam terem sido enviados pelos deuses. Por mais que os seres celestiais não se deixem ver
ordinariamente pelos olhos dos homens, porque a substância simples e imaterial de uma natureza sutil escapa a
nossa visão grosseira e cega, entretanto, neste caso teus auxiliares consentiram em se deixar ver e ouvir, e não
evitaram o contato dos olhos de mortais, mas que apenas depois de ter testemunho de seus méritos. Mas que
beleza se diz era a sua! Que vigor o de seu corpo! Que impressionante o volume de seus membros! E que
prontidão de suas resoluções! Flamejava não sei que temível fogo em seus escudos resplandecentes e suas
armas celestiais brilhavam com uma luz aterradora; tinham, com efeito, vindo em tais condições que se poderia
crer bem que eram teus. E estas eram suas palavras e as coisas que diziam a quem os escutava “Buscamos
Constantino e viemos ajudar Constantino”. Certamente, as divindades têm também seu amor próprio e também
os habitantes do céu são acessíveis à vanidade. Estes seres baixados do céu, estes enviados dos deuses estavam
orgulhosos em combater a teu favor. À frente deles marchava, ao que creio, teu pai Constâncio que,
abandonando a um filho maior que ele os triunfos terrestre, elevado já à classe dos deuses, guiava expedições
divinas. E é, ademais, um precioso fruto de tua piedade que Constâncio, apesar de haver sido admitido ao céu,
tenha sentido que, graças a ti, ele mesmo se engrandecia ainda mais”.
125
segundo Nazário, eram comandadas pelo próprio divino Constâncio, e na batalha da Ponte
Mílvio lutaram lado a lado com as tropas de Constantino.
Tudo isto é como o final necessário de uma lenda progressiva, cujas etapas são fáceis
de seguir desde 310. Neste ano, Apolo-Sol Invicto aparece ao imperador, com a promessa de
uma vida longa e um reinado próspero. Em 313, se insistiu no tema das “inspirações divinas”
de Constantino, seja no Panegírico de 313, seja na inscrição do Arco de Constantino, em
Roma. No ano 321, no Panegírico de Nazário, o próprio Constâncio chefia as hostes
celestiais que auxiliam Constantino.
Nazário se vincula às propostas de representação de Constantino que vêm se
desenvolvendo de forma progressiva desde a virada de 310; para além disso, Nazário acaba
por apresentar uma explicação pagã a uma tradição de intervenção divina na campanha da
Itália, que tomou forma também no Sobre a morte dos perseguidores de Lactâncio e, em
menor escala, na História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia.
Entretanto, há divergências entre os relatos de Nazário e dos autores cristãos. Em
primeiro lugar, em Nazário, temos as hostes celestiais, enquanto que em Eusébio e Lactâncio
apenas há o exército de Constantino. Em Nazário, estas manifestações divinas tiveram lugar
nas Gálias, enquanto que em Lactâncio estas ocorreram na véspera da Batalha da Ponte
Mílvio.
Já Eusébio não narrou nenhuma manifestação divina a Constantino em sua História
Eclesiástica, tal qual fez posteriormente na Vida de Constantino, na qual também situou as
manifestações de Deus na Gália183.
Ao cotejarmos com documentação escrita, podemos observar que após a cunhagem de
317-318, há outra virada nas formas de representação da imagem de Constantino, a qual
aprofunda a importância da providência divina como um mecanismo para legitimar seu poder,
Constantino foi um imperador escolhido pelos soldados, que possui uma dinastia que
remonta a Cláudio Gótico e que conta com outros dois gloriosos imperadores na linhagem,
além disso, Constantino foi escolhido pelo Deus Supremo em sua providência para ser o
governante do Império Romano, e isto pode ser entrevisto pelos seus sucessos militares.
De forma exemplar, no ano 321, Nazário quis apresentar que desde sua ascensão ao
poder Constantino havia sido objeto de uma especial eleição divina, e para tal usa termos
ambíguos como deus ou diuinitas, que se referem a um Deus Supremo indeterminado.
183
Eus. VC I. 27-31.
126
Também não podemos perder um ponto fundamental. O ano 321 situa-se após o
primeiro conflito entre Constantino e Licínio, no período que precedeu a definitiva ruptura e
posterior restauração da unidade do Império. Sobre este ponto é que devemos lançar nossa
objetiva, afinal as formas de representação do poder imperial são escolhas estratégicas, e
Constantino estava prestes a lutar sua última batalha pelo poder supremo no Império Romano,
e precisava legitimar sua proposta, e, deste modo, favorecer a posterior consolidação de sua
vitória.
Neste contexto, era de importância fundamental que Constantino fosse representado
como um imperador sobre-humano, que sempre teve a seu lado o Deus Supremo, o qual
interviu em várias situações e, assim como no passado recente, continuaria a ajudá-lo no
futuro. Outro tema fundamental foi a insistência em apresentar os quatro filhos de
Constantino que assegurariam a continuidade de sua dinastia.
O Panegírico de Nazário, assim como as emissões monetárias do período demonstram
as escolhas estratégicas de Constantino frente ao iminente conflito com Licínio, e demonstram
uma defesa de sua dinastia.
Além disso, há de se argumentar a interação com o Cristianismo sobre o transcrito
público de Constantino. Se em 312, as suas representações públicas não demonstram tal
relacionamento posto que, conforme observamos acima, Constantino continuou a emitir
moedas com as efígies do deus Marte e do Sol Invicto até o ano 318, da mesma forma, a partir
de década de 320, nenhum símbolo pagão foi emitido pelas Casas de Cunhagem de
Constantino, o que, por sua vez, é um indício de que devemos datar sua expressão pública
depurada das imagens dos deuses pagãos não no ano 312, como o querem alguns autores184,
mas no período que antecede a Segunda Guerra contra Licínio (323-324).
No entanto, interpretamos que tal fenômeno decorreu mais de um desenvolvimento
interno do ideário e mística imperiais em consonância com os mecanismos de legitimação
política – exército, dinastia e apoio de um Deus Supremo.
Por conseguinte, neste período ocorreu a consolidação destes três mecanismos de
legitimação do poder imperial de Constantino, e que se manteve pelo resto de seu reinado,
seja nos discursos numismáticos185, seja em Eusébio de Cesaréia.
Em 322, no ano seguinte ao do Panegírico de Nazário, Constantino estabeleceu
residência em Serdica (atual, Sófia na Bulgária), deixando ao César Crispo a função de
184
185
Ver Capítulo I – Discussão Historiográfica.
Ver Moeda 23 constante do Anexo.
127
defender a Gália das investidas dos germanos186. Em seguida, Constantino iniciou uma
campanha contra os Sármatas que pilhavam as localidades danubianas, e cujo sucesso foi
propagandeado pelas moedas cunhadas no período187.
Certamente, as relações entre Licínio e Constantino tenderam a se deteriorar pelos
anos seguintes. Segundo a documentação cristã, o motivo para o rompimento das relações se
deu quando Licínio pôs em prática medidas persecutórios contra os cristãos do Oriente –
expulsão do serviço público, proibição de sínodos, execuções188.
No entanto, já em 321, Licínio se recusou a reconhecer um dos cônsules apontados
para o cargo, e em 322 se recusou a distribuir as moedas de Constantino que propagandeavam
as vitórias sobre os Sármatas. Em 323, Constantino avançou sobre os territórios de Licínio
para lutar contra uma invasão dos Godos, ação que levou à declaração de guerra, e a
preparação para o conflito aberto189.
Derrotado por terra190 e por mar191, Licínio – que, neste ínterim, havia nomeado como
co-Augusto Martiniano 192 – iniciou negociações através de sua esposa Constância, que
convenceu o irmão a poupar a vida dele e de seu filho, em troca da abdicação de ambos. Esta
garantia foi logo quebrada por Constantino que em poucos meses o mandou executar e ao seu
filho. À sua irmã Constância restou se tornar uma cristã ardorosa193.
Em resumo, as escolhas estratégicas operadas por Constantino entre os anos 315 e
324, foram em prol do desenvolvimento de sua legitimação dinástica, conseguindo, ao cabo
de duas campanhas, eliminar Licínio e reunificar o Império nas mãos de um único Augusto, e
de uma única família, a qual possuía o apoio do Deus Supremo que por sua providência
permitiu a Constantino a conquista da autoridade máxima sobre o Império Romano.
186
Pan. Lat. X (4) 17. 1-2.
Zos. HN II. 21, 1-2; RIC VII Londres 289; Lyon 209, 212, 214, 219, 222; Trier 429, 435; Arles 257; Sirmium
48. Ver Moeda 24 constante do Anexo.
188
Jer. Chron. 320; Oros. VII. 28,18; Eus. HE X. 8,1-9,3; VC I. 49,2-54,1; II. 1,1-2,3; II. 66,1; Soc. HE I. 3,14; Soz. HE I. 7,1-4; Aur. Vict. De Caes. XLI. 3-5.
189
O único documento que afirma esta campanha é o Anon. Vales. 21-22. Interessante não haver testemunhos
numismáticos ou epigráficos sobre a campanha contra os Godos.
190
Anon. Vales. 24-27; Zos. HN II. 22,3-23,1; II. 24,2-25,1; Aur. Vict. De Caes. XLI. 8; Eus. HE X. 9,4-6;
Eus. VC II. 5.
191
As operações navais foram comandadas pelo César Crispo, ver: Zos. II. 23, 2-25,1; Anon. Vales. 25-27; Aur.
Vict. De Caes. XL. 8; Eus. HE X. 9, 4-6; Eus. VC II. 6,1-18,1.
192
Anon. Vales. 25; Aur. Vict. XLI. 8,9; Epit. XLI. 5-6; Zos. II. 25,2; RIC VII Nicomedia 45-47; Cysicus 16.
193
Anon. Vales. 28-29; Zos. HN II. 18,1-2; II. 28,2; Jer. Chron. 323, 325; Epit. XLI. 7-10; Eutr. X. 6,1-3;
Soc HE I. 4, 3-4; Soz. HE I. 7,5.
187
128
7. As mortes de Crispo e Fausta
Com a morte de Licínio, o Império Romano entrou em uma nova era. Constantino
unificou o poder em suas mãos, e garantiu sua dinastia no poder pelos próximos quarenta
anos. Quase imediatamente ele conduziu as profundas mudanças que deixaram a sua marca na
história Romana pelos próximos séculos.
Com a aquisição dos territórios do Oriente, Constantino entrou em contato direto com
a complicada política eclesiástica desta região, o que teve efeitos profundos nas relações entre
o cristianismo e o Império Romano.
A causa imediata foi a resolução da controvérsia dogmática surgida em Alexandria, no
Egito, e que convulsionava as igrejas do Oriente. Constantino, utilizando a experiência
adquirida quando lidou com o Donatismo, convocou um concílio ecumênico de bispos para
julgarem o mérito da questão da relação entre Pai e Filho na Trindade.
O Concílio de Nicéia I – como ficou conhecido – se colocou contra as idéias propostas
por Ario, e em seu lugar produziu o Credo Niceno, que reafirmou a co-eternidade e igualdade
entre Pai e Filho. O Arianismo foi declarado uma heresia, e Ario e seus bispos seguidores,
que recusaram a assinar o Credo, foram depostos e exilados por Constantino.
Uma das maiores mudanças foi sua escolha de refundar Bizâncio como sua capital
epônima de Constantinopla. Sua proximidade com o limes danubiano, sua defensibilidade, e
sua posição geopoliticamente estratégica tornavam-na o lugar ideal para ser a nova capital do
Império cujo centro de gravidade já se havia, há muito, deslocado para norte e leste.
A atividade de cunhagem de moedas se iniciou já em 326, inclusive com a emissão de
moedas com simbologias cristãs, em especial a Moeda 25 – RIC VII, Constantinopla 19 –, na
qual um labarum empala uma serpente, circundada pela legenda SPES PVBLICAE –
“Esperança Pública”194.
Em 11 de maio de 330, Constantino presidiu a cerimônia de dedicação de sua nova
capital195. Não devemos ver a fundação de Constantinopla como algo novo, também os
tetrarcas já haviam fundado capitais, na década de 290; entretanto, esta cidade representava
algo novo em escala e status – seja por suas construções monumentais, seja pelos privilégios
como distribuição de alimentos, um Senado próprio e uma Casa de Cunhagem.
Constantino ainda construiu e reformou vários templos, e no meio de seu Fórum erigiu
uma coluna de pórfiro com uma estátua sua na qual se especula ter sido representado
194
195
Ver a Moeda 25, constante do Anexo.
Ver a Moeda 26, constante do Anexo.
129
enquanto Sol Inuictus196. Entretanto, de uma forma geral, os pesquisadores observam
Constantinopla com um olhar de triunfalismo cristão, a “Nova Roma” purgada do politeísmo,
e dirigida aos desígnios do Cristianismo.
Nesta época, entretanto, a despeito da tranqüilidade que a vitória sobre Licínio trouxe
para Constantino, além das comemorações de suas vicenais, intrincados problemas
aconteceram na família de Constantino.
Repentinamente, durante a comemoração de sua Vicennalia, seu filho Crispo, e sua
esposa Fausta, foram executados, e sofreram a damnatio memoriae. A razão da morte de
ambos permanece envolta pelos caminhos propostos pela documentação. Por um lado, temos
Eusébio de Cesaréia que nada fala sobre a questão, por outro temos Zósimo – um autor bem
posterior – que nos diz que Constantino matou Crispo ao ser enganado por Fausta, e depois a
matou.
No período entre a vitória de Licínio e sua morte, isto é, entre aproximadamente 324 e
326, Constantino atribuiu à sua mãe Helena e à sua esposa Fausta o título de Augusta, embora
também tenha conferido a Fausta o título Máxima, que lhe granjeava um prestígio maior que
o de Helena, a “rainha-mãe”. Em sua titulatura oficial Fausta assume o nome FLAVIA
MAXIMA FAVSTA AVGVSTA197, enquanto Helena assume o nome FLAVIA HELENA
AVGVSTA198.
Em Antioquia, entre 324 e 325, foi cunhada uma série de moedas comemorando a
elevação de ambas à dignidade de Augusta, como o seguinte follis, que representa a efígie de
Fausta com cabelos ondulados e presos, no anverso; e no anverso a titulatura completa da
imperatriz (Moeda 27).
Também deste período datam a esmagadora maioria das moedas com a efígie da
imperatriz, havendo dois tipos principais de cunhagem. Temos as legendas de reverso SALVS
REIPVBLICAE199 – saúde, salvação, prosperidade da Res publica –, e SPES REI
PVBLICAE200 – esperança da Res publica. Ambas as legendas têm a mesma imagem de
reverso, nela, Fausta aparece com duas crianças pequenas, uma em cada braço.
196
FOWDEN, Garth. Constantine’s porphyry column: earliest literary allusion.. Journal of Roman Studies. v.
81. 1991. p.119-131
197
Ver a Moeda 27, constante do Anexo.
198
RIC VII Londres 299(R2); Lyon 234(R2); Trier 458 (C1), 508(C3), 525(R2); Arles 278(R2), 299(R3), 307(R4),
324(R2); Roma 248(R5), 250(R5), 270(R3), 291(R); Ticinum 177(R5), 183(R5), 190(R2), 202(R), 209(R4).
199
RIC VII Londres 300(R1), Arles 277(R4), 298(R4); Trier 459(C1), 483(C2); Lyon 235(R2); Ticinum 182(R5);
Sirmium 55(R1); Nicomédia 77(R5), 78(R5), 96(R3), 130(R3); Constantinopla 12(R3); Antioquia 68(R3);
Alexandria 39(R3). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 28, constante do Anexo.
200
RIC VII Arles 279(R5), 285(R4), 300(R4), 308(R5); Trier 460(R2), 466(R5), 484(C1); Roma 271(R4), 292(R4),
293(R3), 294(R2); Ticinum 178(R5), 191(R3), 203(R1), 204(R5); Siscia 188(R4), 197(R3); Sirmium 61(R5);
Cysicus 29(R1), 40(R1), 50(R1); Tessalonica 137(R5); Heraclea 80(R), 86(R2); Nicomédia 69a(R5), 97(R4),
130
Numa clara pretensão dinástica, Fausta foi apresentada como a grande matrona que
garantia, através de sua prole, a esperança e a prosperidade eterna à Res publica. Forja-se,
assim, a imagem de uma mãe virtuosa, protetora, condizente com a dignidade ocupada.
As representações de Fausta na documentação numismática se relacionam a um
período de aprofundamento do princípio dinástico para a transmissão do poder legítimo do
imperador para seus descendentes. Neste contexto, o papel das imperatrizes Fausta e Helena
são óbvios para a legitimação e perpetuação da dinastia.
A sucessão dinástica enquanto um mecanismo de legitimação política se consolidou
no período do Baixo Império. Neste contexto, as mulheres proveram importantes ligações
matrimoniais capazes de legitimar a posição dos imperadores, e de aspirantes à dignidade
imperatória.
Apenas para exemplificar, o sangue dos descendentes de Constâncio Cloro (imperador
entre 293-306) – pai de Constantino (imperador entre 306-337) – manteve-se no poder para
além da morte dos descendentes diretos de Constantino, sendo possível mapeá-los até a
dinastia dos Teodosianos, sob o nome de Valentiniano III (imperador entre 425-455). Desta
forma, as imperatrizes proveram importantes ligações para legitimar a autoridade dos
imperadores.
Não obstante, a paz que parecia reinar no Império Romano reunificado de Constantino
foi rompida no ano de sua Vicennalia, no qual se assistiu um dos episódios mais intrigantes de
seu reinado. Sem quaisquer motivos precedentes, o imperador ordenou a sucessiva execução
de seu primogênito, e de sua esposa. Nossas fontes sobre o evento são fluidas, e tardias ao
acontecimento, posto que Eusébio de Cesaréia nada nos testemunhe diretamente sobre o
ocorrido, e nem toque nos nomes de Fausta e Crispo em sua Vida de Constantino.
Temos que recorrer à documentação escrita entre fins do século IV e o século VI.
Devido a execução de Crispo ser seguida imediatamente pela execução cruenta de Fausta,
estas fontes atribuem um cenário próximo ao de Hipólito e Fedra da mitologia grega: quando
os desejos amorosos de uma senhora são recusados, ela se vinga do rapaz reclamando ao pai
do jovem – que por sua vez é seu esposo – que foi estuprada. Num acesso de ira o pai do
rapaz o executa, mas, em seguida, descobre que era mentira de sua esposa e a mata.
Embora pudesse fazer o deleite de dramaturgos, esta cena nos parece muito pouco
provável e, em geral, provém de uma leitura pouco cuidadosa da documentação, em especial
na análise unilateral das obras históricas, em especial, a Nova História de Zósimo.
131(R3); Antioquia 69(R3); Alexandria 40(R2). Para um exemplar desta tipologia, ver a Moeda 29, constante do
Anexo.
131
Zósimo foi um aduocatus fisci201 na corte do imperador bizantino Anastácio I
(imperador entre 491-518). Historiador pagão e anticristão, Zósimo escreveu sua História
Nova na época em que estava na corte de Constantinopla (cerca de dois séculos após o
reinado de Constantino). Para Zósimo, as execuções de membros da família de Constantino
por sua ordem foram a causa principal de sua conversão à fé cristão, pois:
“a doutrina dos cristãos suprimia qualquer erro, e trazia a mensagem
segundo a qual os ímpios que tomavam parte nela estariam instantaneamente
purificados de qualquer falta”202.
Um dos argumentos que podemos construir para refutar este cenário se desenvolve em
torno de um panegírico de Juliano a Constâncio II, no qual o orador louva as virtudes morais
de Fausta203.
Como regra própria do gênero laudatório, que se cristalizou principalmente após o
período tetrárquico, temos o elogio incondicional do princeps. Desta forma, Juliano nunca
elencaria este tópico se ele causasse quaisquer constrangimentos a Constâncio II. Assim,
parece-nos lógico afirmar que Fausta não tentou seduzir seu enteado, ou que teve um
relacionamento adúltero com Crispo, como afirma Zósimo204.
Por nosso lado, levantamos outra hipótese, que se constrói a partir da micro-análise do
período, analisando não as escolhas de Constantino, mas de Fausta. A nosso ver, Fausta
desejava eliminar Crispo, e, desta forma, deixar o caminho aberto para que apenas seus filhos
herdassem o trono. A principal motivação repousaria nos interstícios da figuração da casa
imperial, e nas práticas sociais estratégicas.
Primeiramente, precisamos recuperar um personagem perdido que pode ser a pista
central para elucidarmos a questão, o filho de Licínio e Constância – Licínio César – também
executado em 326.
Edward Gibbon em seu History of the Decline and Fall of Roman Empire argumentou
que a esposa de Crispo, também chamada Helena, era filha, por sua vez, de Licínio
(GIBBON, 1994: 650). Nossas fontes sobre esta Helena são ainda mais escassas que sobre
201
Foc. Bibliotheca. XCVIII.
Zós. HN. II 29 3.
203
Jul. Or. I. 9b-d.
204
Zós. HN II 29, 1-3.
202
132
Fausta, sendo a única menção oriunda de uma lei recolhida no Código Teodosiano, na qual se
atesta o nascimento de um filho deste casal em 322205.
Olhando em perspectiva as práticas de aliança entre os governantes comuns ao período
tetrárquico, nos parece natural que Constantino e Licínio tenham desejado estreitar seus laços
entre 312-313, ou após os conflitos de 321-322, através de uma união matrimonial entre seus
filhos. Isto nos parece razoável, e condizente com as práticas do período – como nas uniões
entre Constantino e Fausta, e Licínio com Constância.
Mesmo que esta conexão hipotética seja aceita, alianças matrimoniais não são garantia
de segurança, como confirma o próprio caso de Licínio e Constância. Este foi executado em
325, e logo em seguida o foram Licínio II e Crispo em 326. E, após todos estes, Fausta foi
violentamente executada.
Precisamos também recuperar que entre os anos de 321 e 326, o prestígio de Crispo
cresceu de forma estrondosa. O César tomou a frente das campanhas contra os germanos no
limes do Reno, e foi uma das figuras principais da vitória de Constantino sobre Licínio em
324, quando liderou uma pequena esquadra que derrotou uma poderosa armada estacionada
na Ásia Menor206. Por seu lado, após a derrota de seu pai, Licínio II foi exilado em
Tessalônica, onde permaneceu até ser executado em 326.
Se Constantino não matou seu sobrinho Licínio II em 324, porque o mataria em 326?
E Crispo que estava na Gália, cuja educação havia confiado ao retor cristão Lactâncio, e que
aparecia como um sucessor ideal do imperador, porque ele seria executado?
Muito possivelmente, Fausta temia pela segurança de seus filhos, afinal, Crispo era
mais velho cerca de 15 anos que seu segundo irmão, Constantino II. Além disso, Constantino
passou a viver a maior parte do tempo no Oriente, principalmente após o início da construção
de Constantinopla, em 325.
As províncias orientais foram, por sua vez, governadas por Licínio por catorze anos, o
que acabou por garantir aos licinianos uma vasta clientela, que poderia se associar a Licínio II
num golpe, se fossem felizes em obter o apoio de um aliado poderoso como Crispo,
governante de fato da parte ocidental do Império Romano.
Estabelecendo
um
cruzamento
na
documentação
escrita,
percebemos uma
convergência interessante no relato de Filostórgio207 com o de Eusébio de Cesaréia208.
205
CT 9.38.1: Nesta lei promulgada em 30 de outubro de 322, Constantino concedia um indulto a todos os
presos, excetos os condenados por práticas mágicas (ueneficus), homicídio (homicidas) e adultério (adulteros),
por ocasião do nascimento do filho de Crispo e Helena.
206
Anon. Vales. XXIII.
207
Filost. HE II, 4
133
Enquanto o primeiro afirma que Constantino foi envenenado por seus irmãos que ficaram
chocados com a execução de Crispo; Eusébio relata que membros da família de Constantino
foram surpreendidos enquanto urdiam uma conjura contra o imperador, a qual foi revelada
por Deus, isto em finais da década de 310.
Interessante notarmos que entre os membros da própria família do imperador não
havia total submissão e apoio, o que acaba por dar sustentação à nossa hipótese de que
Constantino temia sim quaisquer tipos de conjuração, podendo desconfiar até mesmo de seu
primogênito.
Assim, se completaria a rastro das pistas, Fausta sopra um temor de conspiração contra
Constantino, na qual estariam em concurso os remanescentes orientais da facção liciniana, e
Crispo, o poderoso César que se encontrava em finais de 326 na cidade de Póla, no Ilírico –
atual Croácia. Esta conspiração colocava em risco a vida de Constantino, e por extensão a
vida de seus filhos gerados por Fausta.
Seguindo por esta linha de raciocínio, percebemos que Fausta acabou por construir seu
próprio cadafalso. Uma vez descoberto que ela criou as falsas suspeitas sobre Crispo,
Constantino não teve piedade, ordenando a execução de sua esposa209.
Neste sentido, podemos observar que as estratégias de representação da imagem do
poder imperial desenvolvidas por Constantino no período das guerras contra Licínio se
mantiveram após a unificação do Império Romano, em 324.
De uma forma ampla, Constantino passou a enfatizar, por um lado, o apoio da
Suprema Deidade – que, paulatinamente, acaba por ser associada ao Cristianismo após a
segunda metade da década de 320 –, e, por outro, a sua dinastia Flaviana. Estes dois discursos
se ligam ao apoio do exército, e garantem a legitimidade necessária para o governo de
Constantino e, posteriormente, para uma suave passagem de poder para seus sucessores – o
objetivo principal destes mecanismos de legitimação política.
208
Eus. VC I, 47,2
Zos. HN. II 29,3. Outros registros acerca da morte de Fausta encontram-se recolhidos em Eutr. X,6; Epit.
XL. 11-12
209
134
Conclusão
Na historiografia, poucos imperadores romanos receberam tantas interpretações como
Constantino I (306-337). Conforme pudemos ver, estas análises enfocavam, principalmente,
as questões religiosas nas quais este imperador e o Império Romano sob seu governo estavam
inseridos – em especial, a chamada “cristianização do mundo romano”.
Nosso ponto de partida foi outro. Ao invés de analisarmos Constantino a partir de um
modelo explicativo pronto – de uma análise fechada que permite aos pesquisadores
defenderem quaisquer posturas, uma vez que saibam escolher bem a documentação a ser
analisada, escamoteando as demais –; buscamos o indivíduo que estava por detrás das
transformações e como suas escolhas estratégicas foram feitas.
Em primeiro lugar, recorremos a um referencial teórico-metodológico que permitisse
reinserir a trajetória individual na tessitura histórica. Neste sentido, nossa dissertação se
tornou um exercício de micro-análise, a partir do qual construímos paulatinamente as
explicações a partir dos conhecimentos advindos da documentação, sem nos deixarmos levar
pelas explicações que os próprios antigos deram posteriormente – e que muitos historiadores
aceitam de forma quase mimética.
Em segundo lugar, a análise do transcrito público nos permitiu construir outro modelo
explicativo para analisar como Constantino buscou legitimar seu poder imperial, quais foram
as suas ações sociais estratégicas e escolhas.
Certamente, as escolhas não surgem ao acaso, mas são respostas dadas a partir de um
feixe de possibilidades e de expectativas, sendo estas orientadas pelo ideário que determinado
grupo social possui. Constantino era um homem de seu tempo, não um homem extemporâneo,
suas escolhas se orientam dentro das possibilidades e do ideário e mística imperiais que se
desenvolveram desde o século III.
Neste sentido é que cunhamos o conceito “mecanismos de legitimação política”. Um
governante para se legitimar precisa se cercar de certos dispositivos teóricos ou práticos que
embasem o seu poder, sendo estes dispositivos/mecanismos produtos de processos históricos,
e sujeitos a transformações. Desde o início de seu reinado, Constantino buscou se cercar dos
mecanismos de legitimação, isto é, do poder militar, da herança dinástica e do apoio divino,
os quais tomavam formas nas suas expressões públicas, sejam pagãs, cristãs ou materiais.
Nossa abordagem nos permitiu observar através de uma lente como as escolhas de
Constantino se operaram em relação a estes mecanismos de legitimação. Inicialmente, ao
tomar o poder Constantino contava com o auxílio das tropas de seu pai, e buscou se filiar à
Segunda Tetrarquia, aceitando se submeter às disposições de Galério.
Em seguida, abriu-se a Constantino a escolha entre se manter fiel a Galério, ou se aliar
a Maximiano Hercúleo. E o jovem imperador apresentou uma postura entre o rompimento
com Galério e o apoio a Maximiano; por um lado, casou-se com Fausta, por outro continuou
cunhando moedas com as efígies dos outros tetrarcas – exceto Galério.
Naquele período entre os anos 307 e 308, Constantino com apoio de Maximiano se fez
novamente Augusto, se filiava à dinastia Hercúlea – da qual seu pai fazia parte –, passou a
cunhar moedas com as efígies do Marte guerreiro, mas não desejava romper com o arranjo da
Segunda Tetrarquia, embora não cunhasse moedas com a efígie de Galério.
Esta situação se transforma poucos anos depois. Em 310, com Maximiano tentando
assassinar seu genro, e sendo executado, a imagem pública de Constantino sofreu a sua
principal transformação: a partir daquele momento, ele não se filiaria a nenhuma família
imperial, mas criou a sua própria dinastia.
A escolha de Cláudio, o Gótico reflete este contexto, as emissões ao Sol Invicto
também, a nova dinastia necessitava de uma deidade protetora. Entre os anos 310 e 318, o
“Sol Invicto Acompanhante Divino” se tornou um dos esteios da legitimidade de Constantino,
mais importante, inclusive, que a sua nova dinastia.
Durante quase um terço de seu reinado, o Sol Invicto foi a principal divindade honrada
nas imagens públicas de Constantino, de forma a termos mais imagens deste imperador
relacionadas a esta divindade, do que com símbolos cristãos.
Quando a questão era o conflito entre outros Augustos, Constantino sempre se
manteve neutro. Enquanto Licínio guerreava com Maximino Daia, o imperador do Ocidente
continuou emitindo moedas com as efígies de ambos os imperadores. Não obstante, a
documentação cristã posterior tenha tentado escamotear este fato.
A expressão pública de Constantino, deste modo, se orientava em relação aos fatos
que ocorriam, e aos quais ele deveria responder. Por conseguinte, apenas desta forma
conseguimos entender a importância de uma cunhagem aparentemente insignificante – como
a emissão em homenagem aos diui de sua família.
Apenas após o ano 318, que podemos dizer que a expressão pública de Constantino
teve seu último desenvolvimento. A partir daquele momento, os mecanismos de legitimação
política – exército, dinastia e providência do Deus Supremo – encontraram sua última
formatação.
136
Cabe salientar, novamente, que estes mecanismos de legitimação não foram uma
criação de Constantino, seus rastros puderam ser seguidos no processo de transformação
estrutural do século III. Estes mecanismos são centrais para o entendimento das ações sociais
de Constantino, e para a análise do transcrito público deste imperador tal qual é apresentado
nos discursos pagãos, cristãos e, principalmente, na documentação de cultura material, como
as moedas.
Constantino, deste modo, se tornou o protótipo de imperador romano da Antiguidade
Tardia, uma vez que seu reinado ocorreu num período de transição e transformações na bacia
Mediterrânica. Constantino foi muito efetivo em suas escolhas estratégicas, lançando as bases
para o sistema de legitimação que permitiu à sua família governar, ininterruptamente, por
cerca de setenta anos o Império Romano.
137
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Michigan Press, 1988.
152
Anexos
Anexo I – Imagens
Imagem 1
Arcada central ocidental do Arco de Constantino, com a epígrafe
LIBERATORI VRBIS (Ao libertador da Cidade, ou seja, de Roma). Disponível no site:
<http://www.rome101.com/ArchConstantine/Trajan/pages/0309_0945WS.htm>, acessado
no dia 15 de dezembro de 2009.
153
Imagem 2
Arcada central oriental do Arco de Constantino, com a epígrafe
FVNDATORI QVIETIS (Ao fundador da Quietude). Disponível no site:
<http://www.rome101.com/ArchConstantine/Trajan/pages/0309_0946WS.htm>,
acessado no dia 15 de dezembro de 2009.
154
Anexo II – Moedas
Moeda 1
 Datação: Siscia, 285-293. AE / Antoninianus.
 Anverso: Diocleciano radiado, colgado, à direita
 Legenda: IMP C C VAL DIOCLECIANVS P F AVG
 Desenvolvimento: Imp(erator) C(aesar) C(aius) Val(erius) Dioclecianus (P(ius)
F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Imperador César Caio Valério Diocleciano, o Pio, o Feliz, Augusto
 Reverso: Júpiter segurando o orbe (direita) e o cetro (esquerda), à direita, recebendo uma
Vitória de Hércules.
 Legenda: IOV ET HERCV CONSER AVGG
 Desenvolvimento: Iov(i) et Hercu(li) Conser(vatorum) Aug(ustorum)
 Tradução: A Júpiter e Hércules, os conservadores dos Augustos
 Exergo: XXΓ.
 Indicação: RIC VI Siscia 275.
155
Moeda 2
 Datação: Londres, verão de 307. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: FL VAL CONSTANTINVS NOB C
 Desenvolvimento: Fl(avius) Val(erius) Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar).
 Tradução: Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino.
 Reverso: Gênio do Povo de Roma de pé à esquerda, cabeça com capacete em forma de
torre, dorso coberto, segurando uma pátera (mão direita), e uma cornucópia (mão esquerda).
 Legenda: GENIO POP ROM
 Desenvolvimento: Genio Pop(uli) Rom(ani)
 Tradução: Ao Gênio do Povo de Roma.
 Exergo: PLN.
 Indicação: RIC VI Londres 88b.
156
Moeda 3
 Datação: Trier, verão 307. AR / Argentus.
 Anverso: Constantino laureado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS NOB C
 Desenvolvimento: Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar).
 Tradução: Nobilíssimo César Constantino.
 Reverso: Marte com capacete, de pé à direita, descansando sobre uma lança (mão
direita), e segurando um escudo (mão esquerda).
 Legenda: VIRTVS MILITVM
 Tradução: A virtude de ser soldado.
 Exergo: PTR.
 Indicação: RIC VI Trier 636.
157
Moeda 4
 Datação: Londres, verão 307. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: FL VAL CONSTANTINVS NOB C
 Desenvolvimento: Fl(avius) Val(erius) Constantinus Nob(ilissimus) C(aesar).
 Tradução: Nobilíssimo César Flávio Valério Constantino.
 Reverso: Marte com capacete, de pé à direita, descansando sobre uma lança (mão
direita), e segurando um escudo (mão esquerda).
 Legenda: MARTI PATRI CONSERVATORI
 Tradução: Ao [deus] Marte conservador da Pátria.
 Exergo: PLN.
 Indicação: RIC VI Londres 95.
158
Moeda 5
 Datação: Londres, outono 307-308. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.
 Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à
esquerda, segurando o globo (mão direita) e o chicote (mão esquerda).
 Legenda: COMITI AVGG NN
 Desenvolvimento: Comiti Aug(ustorum) N(ostrorum)
 Tradução: Acompanhante dos nossos Augustos
 Exergo: PLN / *
 Indicação: RIC VI Londres 101.
159
Moeda 6
 Datação: Trier, outono 307-Fins de 308. AE / Follis.
 Anverso: Constâncio laureado, velado, à direita.
 Legenda: DIVO CONSTANTIO PIO
 Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio
 Reverso: Altar com chama acesa, e coroa. Em cada lado uma águia.
 Legenda: MEMORIA FELIX
 Tradução: Memória Feliz
 Exergo: PTR
 Indicação: RIC VI Trier 789.
160
Moeda 7
 Datação: Lyon, outono 307-Verão de 308. AE / Follis.
 Anverso: Constâncio laureado, à direita.
 Legenda: DIVO CONSTANTIO PIO
 Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio
 Reverso: Águia de pé à direita, cabeça elevada, e asas abertas.
 Legenda: CONSECRATIO
 Tradução: Consagração, Divinização.
 Exergo: PLC
 Indicação: RIC VI Lyon 251.
161
Moeda 8
 Datação: Trier, c.307-308. AR / Argentus.
 Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos à direita.
 Legenda: FAVSTAE NOBILISSIMAE FEMINAE
 Tradução: À Nobilíssima Mulher Fausta
 Reverso: Vênus sentada à esquerda, segurando o orbe (direita), e a palma (esquerda).
 Legenda: VENVS FELIX
 Tradução: Vênus Feliz
 Exergo: TR
 Indicação: RIC VI Trier 756.
162
Moeda 9
 Datação: Lyon, 308-310. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, colgado, encouraçado à direita.
 Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG
 Tradução: Ao Divino Constâncio, o Pio, o Feliz Augusto
 Reverso: Príncipe de pé, à direita, em vestes militares, segurando o globo (esquerda) e o
cetro (direita)
 Legenda: PRINCIPI IVVENTVTIS
 Tradução: Ao Príncipe da Juventude.
 Exergo: PLC
 Indicação: RIC VI Lyon 244.
163
Moeda 10
 Datação: Trier, c.310-313. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: IMP CONSTANTINVS AVG
 Desenvolvimento: Imp(erator) Constantinus Aug(ustus).
 Tradução: Imperador Constantino Augusto.
 Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à
esquerda, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).
 Legenda: SOLI INVICTO COMITI
 Tradução: Ao Sol Invicto Acompanhante Divino.
 Exergo: PTR.
 Indicação: RIC VI Trier 870.
164
Moeda 11
 Datação: Londres, 312-313. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto..
 Reverso: Roma com capacete, sentada à esquerda, segurando um galho(mão direita)
e um orbe (mão esquerda). Estrela à esquerda.
 Legenda: ROMAE RESTITVTAE
 Tradução: À Roma Restaurada.
 Exergo: PLN.
 Indicação: RIC VI Londres 272
165
Moeda 12
 Datação: Roma, 312-313. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: IMP CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Imp(erator) Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Imperador Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.
 Reverso: Estandarte de legião encimado por uma águia, entre duas vexilla.
 Legenda: SPQR OPTIMO PRINCIPI
 Desenvolvimento: S(enatus) P(opulus)Q(eu) R(omanus) Optimo Principi
 Tradução: Do Senado e Povo de Roma ao Ótimo Príncipe.
 Exergo: R P.
 Indicação: RIC VI 349a.
166
Moeda 13
 Datação: Roma, 315. AV / Solidus.
 Anverso: Constantino laureado, armado, encouraçado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS AVG
 Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus).
 Tradução: Constantino Augusto.
 Reverso: Duas Vitórias depositando um escudo com a inscrição VOT X, sobre um
cipo.
 Legenda: VICTORIAE LAETAE PRINC PERP
 Desenvolvimento: Victoriae Laetae Princ(ipi) Perp(eti)
 Tradução: Vitórias Alegres do Príncipe Perpétuo.
 Exergo: PR.
 Indicação: Cohen 641, Depeyrot 18/2.
167
Moeda 14
 Datação: Trier, c.310-313. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.
 Reverso: Busto de Marte com capacete e encouraçado, à direita.
 Legenda: MARTI CONSERVATORI
 Tradução: Ao [deus] Marte consevador
 Exergo: Inexiste
 Indicação: RIC VI Trier 884.
168
Moeda 15
 Datação: Ticinum, 312-313. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, encouraçado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.
 Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à
direita, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).
 Legenda: SOLI INVICTO COMITI
 Tradução: Ao Sol Invicto Acompanhante Divino.
 Exergo: S T.
 Indicação: RIC VI Ticinum 131a.
169
Moeda 16
 Datação: Ticinum, outono 315. AV / Solidus.
 Anverso: Constantino laureado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS P F AVG
 Desenvolvimento: Constantinus P(ius) F(elix) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Pio, o Feliz Augusto.
 Reverso: Roma entronizada, à direita, segurando um cetro (mão esquerda), entregando ou
recebendo um globo ao imperador, de pé à esquerda, em trajes militares, segurando um
cetro (mão esquerda).
 Legenda: RESTITVTORI LIBERTATIS
 Tradução: Ao restaurador da liberdade.
 Exergo: SMT.
 Indicação: RIC VII Ticinum 31.
170
Moeda 17
 Datação: Ticinum, outono 315. AV / Solidus.
 Anverso: Constantino laureado, colgado e encouraçado, à esquerda, empunhando uma
lança (mão direita), e um escudo (mão esquerda). Atrás, Sol Invicto radiado à esquerda.
 Legenda: INVICTVS CONSTANTINVS MAX AVG
 Desenvolvimento: Invictus Constantinus Max(imus) Aug(ustus).
 Tradução: Invicto Constantino, o Máximo Augusto.
 Indicação: Bibliothèque Nationale de France, Paris. In. LENKI, N. 2006.
171
Moeda 18
 Datação: Trier, 317-318. AE / Follis.
 Anverso: Crispo laureado, colgado, encouraçado, à direita.
 Legenda: FL IVL CRISPVS NOB CAES
 Desenvolvimento: Fl(avius) Iul(ius) Crispus Nob(ilissimus) Caes(ar)
 Tradução: Nobilissímo César Flávio Júlio Crispo.
 Reverso: Sol radiado, nu, exceto por uma clâmide sobre o ombro esquerdo, de pé à
direita, segurando o globo (mão esquerda) e erguendo a mão (direita).
 Legenda: CLARITAS REIPVBLICAE
 Tradução: Claridade (Brilho) da República
 Exergo: BTR.
 Indicação: RIC VII Trier 176.
172
Moeda 19
 Datação: Arles, 318. AE / Follis.
 Anverso: Constantino II como César, laurado e colgado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS IVN NOB C
 Desenvolvimento: Constantinus Iu(e)n(is) Nob(ilissimus) C(aesar)
 Tradução: Nobilíssimo César Constantino o Jovem
 Reverso: Sol de pé à esquerda, segurando um orbe (mão esquerda), mão direita erguida.
 Legenda: CLARITAS REIPVB
 Desenvolvimento: Claritas Reipub(licae)
 Tradução: Claridade (ou brilho) da República
 Exergo: S*A
 Indicação: RIC VII Arles 166.
173
Moeda 20
 Datação: Siscia, 318. AE / Follis.
 Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.
 Legenda: DIVO CLAVDIO OPTIMO IMP
 Desenvolvimento: Divo Claudio Optimo Imp(eratori)
 Tradução: Ao divino Imperador Cláudio, o Ótimo.
 Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço
direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.
 Legenda: REQVIES OPTIMORVM MERITORVM
 Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.
 Exergo: SIS
 Indicação: RIC VII Siscia 43.
174
Moeda 21
 Datação: Trier, 318. AE / Follis.
 Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.
 Legenda: DIVO CONSTANTIO OPT IMP
 Desenvolvimento: Divo Constantio Opt(imo) Imp(eratori)
 Tradução: Ao divino Imperador Constâncio, o Ótimo.
 Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço
direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.
 Legenda: REQVIES OPT MER
 Desenvolvimento: Requies Opt(imorum) Mer(itorum)
 Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.
 Exergo: PTR
 Indicação: RIC VII Trier 206.
175
Moeda 22
 Datação: Tessalônica, 317-318. AE / Follis.
 Anverso: Imperador velado e laureado, à direita.
 Legenda: DIVO MAXIMIANO OPTIMO IMP
 Desenvolvimento: Divo Maximiano Optimo Imp(eratori)
 Tradução: Ao divino Imperador Maximiano, o Ótimo.
 Reverso: Imperador velado sentado em uma cadeira curul, à esquerda, com o braço
direito erguido, e segurando um cetro com a mão esquerda.
 Legenda: REQVIES OPTIMORV MERITORVM
 Desenvolvimento: Requies Optimorum Meritorum
 Tradução: Descanso pelos ótimos méritos.
 Exergo: TSΓ
 Indicação: RIC VII Tessalõnica 24.
176
Moeda 23
 Datação: Constantinopla, c.326-327. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS AVG
 Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus).
 Tradução: Constantino Augusto.
 Reverso: Portão de campo com duas torres. Estrela acima.
 Legenda: PROVIDENTIAE AVGG
 Desenvolvimento: Providentiae Aug(ustorum)
 Tradução: Providência dos Augustos
 Exergo: CONS
 Indicação: RIC VII Constantinopla 7.
177
Moeda 24
 Datação: Arles, c.322-323. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS AVG
 Desenvolvimento: Constantinus Aug(ustus).
 Tradução: Constantino Augusto.
 Reverso: Vitória avançando à direita, segurando um troféu (mão direita), e uma palma
(mão esquerda), pisoteando um cativo.
 Legenda: SARMATIA DEVICTA
 Tradução: Sarmatia submetida.
 Exergo: S*AR.
 Indicação: RIC VII Arles 257.
178
Moeda 25
 Datação: Constantinopla, c. 327. AE / Follis.
 Anverso: Constantino laureado, à direita.
 Legenda: CONSTANTINVS MAX AVG
 Desenvolvimento: Constantinus Max(imus) Aug(ustus).
 Tradução: Constantino, o Máximo Augusto.
 Reverso: Estandarte encimado pelo Chi-Rho, empalando uma serpente.
 Legenda: SPES PVBLICA
 Tradução: Esperança Pública
 Exergo: CONS
 Indicação: RIC VII Constantinopla 19.
179
Moeda 26
 Datação: Constantinopla, 11 de Maio de 330. AR / Argentus.
 Anverso: Constantino com diadema, à direita.
 Legenda: Inexistente.
 Reverso: Constantinopla sentada à direita, velada, com coroa torreada, segurando um cetro
e a cornucópia, pé sobre a proa de um navio.
 Legenda: D N CONSTANTINVS MAX TRIVMP AVG
 Desenvolvimento: D(ominus) N(ostrus) Constantinus Max(imus) Triump(hator)
Aug(ustus)
 Tradução: Nosso Senhor Constantino, o Máximo, o Triunfador Augusto
 Exergo: MCONSε.
 Indicação: Cohen 135.
180
Moeda 27
 Datação: Antioquia, c. 324-325. AE / Follis
 Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, gargantilha e manto, à direita.
 Legenda: Inexistente.
 Reverso: Estrela de oito pontas, e um crescente.
 Legenda: FLAV MAX FAVSTAE AVGUSTAE
 Desenvolvimento: Flav(iae) Max(imae) Faustae Augustae
 Tradução: À Flávia Máxima Fausta Augusta.
 Exergo: SMANTA
 Indicação: RIC VII Antioquia 56
181
Moeda 28
 Datação: Constantinopla, c. 325-326. AE / Follis.
 Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, manto, à direita;
 Legenda: FLAV MAX FAVSTA AVG
 Desenvolvimento: Fl(avia) Max(ima) Fausta Aug(usta).
 Tradução: Flávia Máxima Fausta Augusta.
 Reverso: Fausta de túnica longa, cabelos soltos, de pé à esquerda. Segurando uma criança
pequena em cada braço.
 Legenda: SALVS REIPVBLICAE
 Tradução: Saúde (ou prosperidade) da República.
 Exergo: CONS
 Indicação: RIC VII Constantinopla 12.
182
Moeda 29
 Datação: Constantinopla, c. 324-325. AE / Follis.
 Anverso: Fausta com cabelos ondulados e presos, gargantilha e manto, à direita;
 Legenda: FLAV MAX FAVSTA AVG
 Desenvolvimento: Fl(avia) Max(ima) Fausta Aug(usta).
 Tradução: Flávia Máxima Fausta Augusta.
 Reverso: Fausta de túnica longa, cabelos soltos, de pé à esquerda. Segurando uma criança
pequena em cada braço.
 Legenda: SPES REIPVBLICAE
 Tradução: Esperança da República.
 Exergo: SMKΓ
 Indicação: RIC VII Cysicus 49.
183
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