Estruturação de projetos
de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de
Manifestação por Interesse
Fernando Tavares Camacho
Bruno da Costa Lucas Rodrigues
Sumário
Resumo5
1. Introdução 7
2. Descrição detalhada do modelo brasileiro: PMIs e MIPs 9
2.1 Chamamento público
10
2.2 Elaboração de estudos pelos interessados
11
2.3 Análise dos estudos
11
2.4 Publicação do edital e anexos
11
2.5 Leilão
12
3. Identificação e análise dos problemas existentes
12
12
3.1 Riscos existentes da perspectiva dos agentes privados 3.1.1 Risco de seleção
3.1.2 Risco de pagamento 13
15
3.2 Assimetria de informações e conflitos de interesses
16
3.2.1 Risco-retorno do projeto 16
3.2.2 Concorrência no leilão 17
4. Sugestões para o aperfeiçoamento do modelo
18
4.1 Regra geral
19
4.2 Regra de exceção
20
4.2.1 Apoio de consultor independente
4.2.2 Escopo do PMI
4.2.3 Limitação de participantes 23
4.2.4 Garantia de entrega
23
5.Conclusão
22
22
24
Referências25
Resumo
Este artigo tem como objetivo descrever e caracterizar os principais riscos existentes
nos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) no Brasil, que é o modelo
de estruturação de projetos de infraestrutura mais utilizado, tanto em nível federal
como estadual e municipal. Assim como em outros países em desenvolvimento,
que utilizam instrumentos similares, poucos projetos são licitados e em geral com
pouca concorrência. Dado que outras soluções, como fortalecimento institucional
e implementação de reformas legais para a criação de mecanismos mais eficientes
de contratação de consultores pelo governo, são medidas de médio e longo prazo,
é necessário que se pense em ajustes no atual modelo de PMI como uma solução
de curto prazo para destravar os projetos de infraestrutura. Este artigo propõe
sugestões de aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimento
de uma nova regulação para o mecanismo de PMI.
Fernando Tavares Camacho é PhD em Economia pela University of Queensland,
Austrália; e Bruno da Costa Lucas Rodrigues é mestrando em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 7
1.
Introdução1
A atual conjuntura do setor de infraestrutura no Brasil mostra que, apesar dos
investimentos realizados nos últimos anos, ainda há muito por fazer para levar a
qualidade e o estoque da infraestrutura brasileira a níveis adequados ao tamanho
de sua economia. É consenso que, em face do desafio que o Brasil tem pela frente,
o mercado privado terá papel fundamental no financiamento e na operação de projetos de infraestrutura, por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPP).
Um dos principais gargalos para que esses projetos se concretizem é a atividade
de estruturação do projeto, que pode ser vista na Figura 1.
Figura 1. Fluxo de projetos de infraestrutura
Planejamento e
identificação do projeto
Preparação do
projeto
Procedimento
licitatório
Execução
Estruturação do projeto
Fonte: Elaboração própria.
Após o planejamento e a identificação de um projeto prioritário a ser licitado
via concessão ou PPP, inicia-se a etapa de estruturação, que engloba as atividades de preparação do projeto e procedimento licitatório. A preparação do projeto
compreende todos os estudos necessários ao início do procedimento licitatório,
ou seja, estudos técnicos (por exemplo, engenharia, meio ambiente e demanda) e
modelagem econômico-financeira, além de minutas jurídicas de contrato e edital
de licitação. Após a preparação desses estudos, o governo está apto a apresentar
o projeto ao mercado privado e tem início o procedimento licitatório. Essa etapa
engloba todas as atividades relacionadas ao procedimento competitivo em si, ou
seja, interação entre governo e potenciais licitantes, aprofundamento de estudos,
definição dos documentos finais da licitação, apresentação das propostas pelos
licitantes e, finalmente, definição da empresa vencedora, que será a prestadora do
serviço de concessão ou PPP.
Camacho e Rodrigues (2015) mostram que a experiência internacional em
estruturação de projetos não é uniforme. Há uma clara distinção entre os modelos
de estruturação em países de referência e em desenvolvimento. Nos países de
referência, em que o mercado de PPP é mais maduro, o principal instrumento
1
A introdução deste artigo foi inspirada em Camacho e Rodrigues (2015).
8 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
para estruturar projetos é o modelo de solicited proposals. De acordo com esse
modelo, o próprio governo prepara o projeto, desenvolvendo um robusto estudo
de viabilidade, com o apoio de consultores externos independentes contratados
desde o início do processo. Somente após o governo ter o conjunto adequado de
informações sobre o projeto é que se inicia a etapa seguinte, o procedimento licitatório. Nessa etapa, existem modelos licitatórios, como o Diálogo Competitivo, que
permitem um diálogo estruturado com as empresas interessadas. Assim, o governo,
com base nos estudos técnicos, econômicos e nas minutas jurídicas produzidas
na fase de preparação de projeto, inicia uma discussão dos pontos específicos do
projeto com os potenciais licitantes. Nesse sentido, a quantidade e a profundidade
de pontos discutidos variam de acordo com a complexidade de cada projeto. Em
suma, a experiência desses países mostra que o governo busca isolar ao máximo
a etapa de estruturação do projeto dos conflitos de interesses vindos de agentes
interessados em ganhar a licitação da concessão ou PPP.
Ao contrário dos países de referência, as nações em desenvolvimento, em função
das dificuldades na contratação de consultores e da falta de capacidade técnica e
financeira, têm utilizado em larga escala o mecanismo denominado unsolicited
proposals, que no Brasil recebe as denominações de Processo de Manifestação de
Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse Privado (MIP).2 Segundo esses modelos, o governo autoriza uma ou mais empresas (em geral, potenciais licitantes)
a realizarem todos os estudos necessários para iniciar o procedimento licitatório.
Desse modo, a responsabilidade pela preparação do projeto é transferida para o
mercado privado. Entretanto, os resultados obtidos no Brasil e em outros países
em desenvolvimento têm sido insatisfatórios. A maioria dos projetos não é licitada
e, dos poucos que chegam à fase final de licitação (leilão), não se verifica concorrência pelo projeto [Pereira (2013) e World Bank (2014)].
A lição que países desenvolvidos trazem é a de que projetos prioritários devem ser preparados pelo governo, com o apoio de consultorias independentes,
ou seja, devem-se promover as solicited proposals. Para isso, é necessário que se
fortaleçam as instituições, com o desenvolvimento de sua capacidade interna, e
que os governos disponham de mecanismos eficientes para contratar as melhores
consultorias independentes no mercado. Entretanto, as medidas para promover as
solicited proposals são de médio e longo prazo. Assim, em paralelo a esse esforço,
é necessário viabilizar uma solução de curto prazo. Nesse sentido, tornam-se essenciais a análise dos principais problemas existentes na atual utilização dos PMIs
e MIPs no Brasil e a proposição de mecanismos que mitiguem esses problemas.
Dado o exposto, o objetivo deste artigo é analisar os modelos de PMIs e
MIPs utilizados para a estruturação de projetos no Brasil e propor sugestões de
2
No caso brasileiro, a diferença entre os dois mecanismos reside na identificação do projeto. No
PMI, o projeto é identificado pelo governo, enquanto na MIP é identificado por potencial licitante.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 9
aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimento de uma nova
regulação para esses mecanismos. Além desta introdução, este artigo está estruturado em mais quatro seções. Na segunda seção, são descritos detalhadamente os
processos de PMI e MIP. Na terceira seção, identificam-se os principais riscos do
mercado de PMI e MIP, da perspectiva do agente privado, que prepara os estudos,
e da perspectiva do governo, que recebe os estudos de projeto de infraestrutura.
Na quarta seção, são apresentadas sugestões de aperfeiçoamento do modelo, de
modo a mitigar os riscos de mercado existentes e aumentar a efetividade desses
mecanismos. A quinta seção traz a conclusão.
2.
Descrição detalhada do modelo brasileiro: PMIs e MIPs
Como mencionado na introdução, os principais mecanismos de estruturação de
projetos de infraestrutura no Brasil são denominados Processo de Manifestação
de Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse Privado (MIP). A diferença básica
entre os dois mecanismos reside na identificação do projeto a ser preparado. No
PMI, o governo identifica o projeto e abre chamamento para empresas interessadas em preparar os estudos, enquanto na MIP o privado identifica o projeto, pede
autorização para desenvolver os estudos, o governo analisa a solicitação e, por
fim, abre-se o chamamento para demais empresas interessadas.
Entretanto, como acreditam os autores que as questões mais relevantes e os
principais problemas estão associados à preparação do projeto em si, e não a sua
identificação, enfoca-se a fase de estruturação do projeto.3, 4 Assim, inicia-se a
análise no momento da publicação do chamamento público, quando o projeto
já foi identificado. A Figura 2 apresenta as principais atividades envolvidas na
estruturação de projetos pelo mecanismo de PMI.
Figura 2. Fluxo do processo de um PMI
Preparação do projeto
Chamamento
público
Elaboração
de estudos pelos
interessados
Procedimento licitatório
Análise dos
estudos
Publicação do
edital e anexos
Leilão
Fonte: Elaboração própria.
3
Daqui em diante, será utilizada somente a nomenclatura PMI, pois, a partir da etapa de chamamento público, o processo de MIP é igual ao do PMI.
4
Camacho e Rodrigues (2015) aplicam o mesmo raciocínio à experiência internacional, a fim de
evitar polêmica na determinação de quem foi o responsável pela identificação do projeto. Como
demonstrado neste artigo, dada a falta de transparência nesses processos, torna-se difícil determinar quem, de fato, identificou o projeto.
10 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
2.1 Chamamento público
Após a identificação do projeto, seja pelo potencial licitante, seja pelo governo, é
publicado o chamamento público, no qual o governo solicita à iniciativa privada
todos os estudos necessários para dar início ao procedimento licitatório, isto é,
estudos de engenharia, meio ambiente, demanda, modelagem financeira e análises
jurídicas. A solicitação dos estudos representa o início da etapa de preparação do
projeto, como mostra a Figura 2.
Nesse momento, o governo precisa comunicar claramente ao setor privado quais
são os requisitos gerais do projeto. De fato, devem constar da publicação desse
chamamento as informações relativas aos estudos, como delimitação do escopo,
prazo máximo de entrega, critérios de qualificação para autorização no preparo
dos estudos, critérios de seleção dos estudos e, finalmente, o limite do valor de
reembolso dos estudos, a ser pago pelo licitante vencedor, ou seja, somente se a
licitação tiver êxito. Com a definição desses elementos, o governo deve dar ampla publicidade à
solicitação dos estudos ao publicar o chamamento público. Assim, os interessados
nesse processo requerem autorização para realizar os estudos e o governo autoriza
todas as empresas que se enquadram nos critérios de qualificação presentes no chamamento. Nesse sentido, há determinação expressa no normativo jurídico federal
para PPPs e também de alguns estados para que não seja conferida exclusividade a
nenhuma empresa na preparação dos estudos. De fato, o que se verifica é a intenção
de maximizar a competição entre as empresas no momento de entrega dos estudos.
Vale ressaltar que, de modo geral, permite-se que a empresa participe do PMI,
desenvolvendo os estudos, e, posteriormente, também da licitação do projeto,
concorrendo pelo direito de executar o serviço de infraestrutura.5 Ou seja, dois
tipos de agentes privados podem participar, em tese, dos PMIs: as consultorias
independentes, cujo foco é a preparação dos estudos, e os potenciais licitantes,
cujo foco reside em ganhar a licitação da concessão ou PPP.
Outra regra importante do chamamento público diz respeito às obrigações
de ambas as partes no processo de PMIs. Na autorização, que é o instrumento
jurídico que estabelece a relação entre cada empresa preparadora dos estudos e
o governo, não existe relação contratual, e qualquer uma das partes pode deixar
o processo sem sofrer qualquer penalidade. De fato, o governo não é obrigado a
realizar a licitação nem a reembolsar os estudos selecionados caso não tenha mais
interesse em levar o processo adiante. Do mesmo modo, o privado também tem a
prerrogativa de desistir de apresentar ou concluir os estudos a qualquer momento.
5
O chamamento público feito pela Secretaria de Aviação Civil para pedidos de autorização de
estudos para os aeroportos do Galeão e Confins continha regra dizendo que a empresa que fosse
autorizada para preparar os estudos não poderia participar do procedimento licitatório.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 11
2.2
Elaboração de estudos pelos interessados
Com base nas diretrizes dadas pelo governo, os estudos de viabilidade são desenvolvidos pelos interessados. No chamamento público, pode-se prever que, durante
essa fase, as empresas apresentem relatórios de andamento dos estudos. Como não
há limite de participantes no PMI, muitas vezes o governo precisa acompanhar
o desenvolvimento de vários estudos simultaneamente. Isso acarreta um elevado
volume de recursos alocados para o acompanhamento dos projetos.
2.3
Análise dos estudos
Após o recebimento desses estudos, o governo deve analisá-los e, seguindo os
critérios do chamamento, escolher aqueles que serão utilizados no procedimento
licitatório. Ressalta-se que não é necessário que os estudos selecionados sejam
todos de um mesmo participante do PMI. Embora seja tecnicamente difícil a separação dos estudos, o governo pode escolher o estudo de engenharia da empresa A
e o estudo de meio ambiente da empresa B, por exemplo. Na prática, a análise e
a seleção dos estudos seguem duas etapas: na primeira, verifica-se a aderência de
cada estudo ao escopo definido no chamamento público. O que não for atendido
é descontado do valor de reembolso pedido por cada empresa autorizada, o qual,
logicamente, é menor ou igual ao valor teto definido pelo governo no chamamento
público. Assim, tem-se a definição do valor final de reembolso a que cada uma
delas teria direito em caso de seleção. Na segunda etapa, realiza-se a comparação
entre os estudos entregues, que leva em consideração tanto a qualidade dos estudos
quanto o preço (valor de reembolso para cada empresa). No fim, o governo divulga
os estudos escolhidos e o valor final de ressarcimento para cada uma das empresas.
2.4
Publicação do edital e anexos
Após a seleção dos estudos, o governo utiliza essas informações para a elaboração
das minutas de edital, contrato e anexos que serão postas em consulta pública,
que corresponde à primeira etapa do procedimento licitatório. Durante a consulta
pública, dá-se ampla publicidade ao projeto e são recebidas dúvidas e sugestões
da iniciativa privada. Nessa etapa, há um intenso trabalho de resposta aos questionamentos feitos pelos potenciais licitantes. Por fim, com os inputs da consulta
pública, esses documentos são analisados pelos tribunais de contas, o governo faz
os ajustes necessários e realiza a publicação final do edital, contrato e anexos. Para
essa etapa, o governo pode escolher contar com o apoio da(s) empresa(s) cujos
estudos foram selecionados, ou seja, cada uma delas terá a função de dar o suporte
necessário ao governo durante o procedimento licitatório, no esclarecimento das
dúvidas dos potenciais licitantes e dos tribunais de contas e no apoio à preparação
dos documentos finais de licitação.
12 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
2.5 Leilão
A partir da publicação do edital, do contrato e dos anexos, os potenciais licitantes
avaliam a atratividade do projeto e decidem pela participação ou não no processo
competitivo. Para participar do leilão, as empresas precisam atender aos critérios
de habilitação constantes no edital. Desse modo, tornam-se habilitadas a competir
pelo direito de executar o serviço de infraestrutura, conforme previsto no contrato
e nos anexos publicados.
Por fim, os valores dos estudos selecionados são reembolsados. Entretanto, isso
só ocorre caso o processo licitatório seja bem-sucedido. Dessa forma, o pagamento
é feito pelo vencedor da licitação e é precondição para a assinatura do contrato
de concessão ou PPP.
Na seção a seguir, identificam-se os principais pontos de risco dos processos
de PMI no Brasil que podem estar afetando a efetividade do PMI.
3.
Identificação e análise dos problemas existentes
Apesar da ampla utilização de PMIs por estados e municípios no Brasil, os resultados alcançados indicam que a maior parte dos projetos não é licitada e, dos
poucos que chegam à fase final da licitação (leilão), não se verifica concorrência
pelo projeto, o que pode gerar perda de bem-estar para a sociedade [Vieira (2015);
Pereira (2013)]. Esta seção visa identificar os principais riscos existentes do ponto
de vista dos privados que preparam os estudos e também do governo, cujo objetivo final é contar com estudos de qualidade para, no fim do processo, estar apto
a iniciar o procedimento licitatório.
3.1
Riscos existentes da perspectiva dos agentes privados
Dois tipos de agentes privados podem, em tese, participar dos processos de PMI,
em face da atual regulamentação: potenciais licitantes e consultores independentes. Para entender como esses agentes enxergam os riscos de mercado de PMIs,
é necessário descrever o modelo de negócio de cada um deles. O primeiro grupo,
de potenciais licitantes, tem como foco a execução do contrato de concessão ou
PPP, e seu objetivo é vencer a licitação e maximizar seu lucro durante a vida do
contrato. Como esses agentes precisam realizar estudos detalhados para preparar
seu lance nos leilões de concessões ou PPPs, o custo de oportunidade de participação em PMIs é muito baixo ou até mesmo nulo. De fato, o custo de preparação
de estudos para esses agentes é um custo afundado após a decisão de participar da
licitação. Portanto, o risco de mercado do processo de PMI para potenciais licitantes é irrelevante.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 13
Já o segundo grupo, de consultorias independentes, tem como negócio a própria
preparação de estudos, ou seja, seu objetivo é elaborar estudos com qualidade,
logicamente recebendo remuneração adequada pelos riscos incorridos. Consultorias
independentes têm, como premissa de modelo de negócio, o casamento entre receitas e custos. De fato, verifica-se que, de modo geral, as consultorias são contratadas
antes de incorrerem em custos significativos, recebendo pagamentos parciais ao
longo do contrato, de acordo com os produtos entregues, e, quando existe incerteza
no escopo ou prazo do contrato, recebem por homem/hora despendido. Dada a
caracterização do modelo de negócios padrão das consultorias independentes, é
possível descrever os riscos de mercado percebidos por esses agentes segundo o
modelo de PMI no Brasil.
A Figura 3 mostra que, basicamente, existem dois tipos de risco de mercado
nos processos de PMI sob o ponto de vista dos consultores independentes: risco
de seleção e risco de pagamento.
Figura 3. Risco de mercado nos PMIs
Chamamento
público
Autorização
para vários
participantes
Elaboração
de estudos pelos
interessados
Análise dos estudos
Publicação do
Edital e Anexos
Concorrência:
qualidade e
preço
Custos de
elaboração
Leilão
Prazo longo
de
estruturação
Desistência
do mercado
Risco de seleção
- Aproveitamento zero ou parcial do estudo
Desistência
do governo
- Definição do valor nominal de reembolso
(receita definida depois de custos realizados)
Risco de pagamento
- Pagamento único no fim do processo
Fonte: Elaboração própria.
3.1.1
Risco de seleção
Em procedimentos em que o setor público pretenda obter algum produto do setor
privado, é desejável que se crie um procedimento competitivo, de modo que o
governo possa avaliar as diversas opções existentes no mercado e escolher aquela
que melhor atenda ao interesse público.6 Três pontos devem ser ressaltados com
relação ao processo competitivo nos PMIs.
6
A menos que se esteja diante de um caso em que, claramente, existam inovação e direitos de
propriedade intelectual e só uma empresa possa oferecer determinado produto ou serviço.
14 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
O primeiro diz respeito ao momento em que ocorre competição entre os agentes. No caso de PMIs no Brasil, seja em nível federal ou subnacional, o processo
competitivo ocorre na avaliação dos estudos entregues ao governo, ou seja, as
empresas autorizadas incorrem na totalidade dos custos de preparação e, só então,
o governo analisa e seleciona a melhor opção do ponto de vista do setor público.
Entretanto, como visto, segundo a lógica usual do mercado de consultorias independentes, as empresas competem pelo direito de realizar os estudos. Nesse caso,
elas só desenvolvem os estudos após terem sido selecionadas.
O segundo ponto refere-se à competição entre consultorias independentes
e potenciais licitantes no que se refere ao preço ou valor de reembolso pedido
pelos estudos. Como visto, potenciais licitantes têm custo afundado na preparação dos estudos, já que, ao decidirem participar de um processo licitatório para
uma concessão/PPP, é necessário preparar estudos detalhados. Portanto, o preço
desses estudos nos PMIs para um potencial licitante é, em tese, zero. Por outro
lado, consultorias independentes têm como negócio a preparação dos estudos,
ou seja, o preço dos estudos para esses agentes é a soma dos custos incorridos e
dos riscos inerentes ao processo. Portanto, mesmo que a qualidade dos estudos
entregues por consultorias independentes seja superior à de potenciais licitantes,
estes podem ser selecionados, dados os baixos valores de reembolso pedidos.
Portanto, a competição por preço com potenciais licitantes é um risco elevado
para consultorias independentes.
O terceiro ponto refere-se ao método de análise e seleção dos estudos pelo
governo, o que gera duas incertezas: (i) se o estudo ou parte do estudo será ou não
selecionado; e (ii) o preço final do estudo a ser ressarcido às empresas selecionadas.
Com relação ao primeiro risco, ressalta-se a possibilidade de o governo escolher
apenas partes dos estudos de cada empresa, dividindo o total do reembolso previsto
entre as empresas que tiveram seus estudos aproveitados. Dessa forma, mesmo
que a empresa tenha seu estudo selecionado, o valor parcial reembolsado pode não
ser suficiente para cobrir os custos incorridos. Com relação à segunda incerteza,
ressalta-se que o método de seleção do governo contém análise da aderência do
escopo definido no chamamento público ao estudo entregue por cada empresa.
Ou seja, para cada elemento do escopo não atendido pelo estudo, o governo aplica
um desconto ao valor de reembolso pedido pela empresa. Embora pareça razoável
do ponto de vista do setor público, consultorias independentes poderão considerar
essa discricionariedade do governo como expropriação de valor do estudo já preparado. De fato, em tese, pode haver incentivo por parte de governos em baixar
o valor final a ser pago pelos estudos, tendo em vista que já foram incorridos.
Portanto, o ponto a ser enfatizado é que o valor final a ser reembolsado para cada
empresa só é definido na etapa de seleção dos estudos, após todos os custos terem
sido incorridos pelas empresas, dependendo ainda dos inúmeros fatores citados.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
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3.1.2
Risco de pagamento
O segundo risco de mercado do ponto de vista dos consultores independentes
refere-se ao pagamento dos estudos selecionados pelo governo, etapa que ocorre
somente se a licitação for bem-sucedida. De fato, o pagamento é único e feito pelo
vencedor do leilão como precondição para assinar o contrato de concessão ou PPP.
Existem três incertezas no que diz respeito ao reembolso dos estudos. As duas primeiras referem-se à atratividade do projeto para o público e para o privado durante
todo o processo de estruturação. Em outras palavras, o governo não pode desistir
de licitar o projeto e, no momento do leilão, é preciso haver empresas interessadas.
Com relação ao interesse do poder público, dado que os projetos têm um longo
prazo de estruturação, é comum haver mudanças nas prioridades do governo e na
força política dos atores envolvidos. Como o governo pode simplesmente desistir
do processo a qualquer momento sem nenhum custo de saída, o risco de o projeto
não chegar à fase de licitação se torna ainda maior. Com relação ao interesse do
mercado privado na concessão ou PPP, é certo que não depende somente da existência de um projeto bem preparado, mas também de fatores exógenos ao processo,
já que, por exemplo, condições macroeconômicas podem mudar ao longo do procedimento licitatório e afetar o interesse do mercado no momento do leilão. Essas
duas incertezas são muito relevantes do ponto de vista de uma empresa preparadora
de estudos, já que, no fim, sua remuneração final pode ser zero.
A terceira incerteza diz respeito à perda de valor real do pagamento dos
estudos ao longo do processo de estruturação. A atual regulamentação de PMIs
no Brasil fixa um valor nominal de reembolso que não é corrigido pela inflação.
Como processos de estruturação de projetos de infraestrutura levam, em média,
pelo menos dois anos, a perda de valor da moeda afeta diretamente o pagamento
de reembolso às consultorias independentes, na medida em que o descasamento
entre custos e receitas é acentuado.
Como consequência dos elevados riscos de mercado, a atuação de consultores
independentes se torna financeiramente insustentável e o mercado é dominado por
potenciais licitantes. De fato, o reembolso pelos estudos é a principal forma de
remuneração dos consultores independentes, e os custos envolvidos são significativos para essas empresas. Já para os potenciais licitantes, cujo foco é a execução
do contrato de concessão ou PPP, os custos de preparação seriam incorridos de
qualquer forma para que participassem do processo competitivo e são baixos para
o porte das empresas. Da mesma forma, o reembolso efetuado pelos estudos é
pouco relevante quando comparado com os ganhos obtidos na execução do projeto. Desse modo, a estrutura atual do mercado de PMIs privilegia a participação
de potenciais licitantes.
16 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
3.2
Assimetria de informações e conflitos de interesses
Em virtude do risco do mercado de estudos e do ambiente desfavorável a consultores independentes segundo o modelo de PMI no Brasil, o governo acaba
dependendo de potenciais licitantes para preparar o projeto e possivelmente
apoiá-lo durante o procedimento licitatório, fase em que há interação com as
empresas concorrentes.
A interação entre governo e potencial licitante é caracterizada por um natural
conflito de interesses, em que o objetivo legítimo do privado é maximizar a rentabilidade para seu acionista, enquanto o governo busca primordialmente atender
ao interesse público.
O conflito de interesses na elaboração dos estudos pelos potenciais licitantes
é agravado pela assimetria de informações existente entre governo e potenciais
licitantes. É natural que a empresa conheça mais a fundo o negócio em que opera
do que o governo.
Com o objetivo de gerar rentabilidade aos acionistas, o potencial licitante que
preparar os estudos naturalmente vai buscar: (i) maximizar suas chances de vencer
a licitação; e (ii) melhorar a relação risco-retorno do projeto. Para isso, atua na
fase de preparação do projeto e pode vir a atuar também na fase de procedimento
licitatório. De fato, na primeira fase, ao desenvolver os estudos de viabilidade que
são a base para a elaboração do edital, contrato e anexos, ele consegue exercer
grande influência na tomada de decisão sobre os elementos-chave que estão presentes no contrato e no edital. Na segunda fase, ao apoiar o governo em atividades críticas, consegue consolidar sua influência no processo e garantir vantagem
informacional em relação aos outros competidores. A seguir, são descritos alguns
exemplos de como um potencial licitante pode influenciar o processo a seu favor
e em detrimento do interesse público.
3.2.1
Risco-retorno do projeto
Um dos objetivos do potencial licitante ao participar da estruturação é maximizar
o retorno esperado do projeto e minimizar seu risco. Existem inúmeras formas de
atingir esse objetivo. Por exemplo, nos estudos apresentados o potencial licitante
pode defender tecnicamente o estabelecimento de indicadores de desempenho mais
brandos do que o necessário, facilitando o atingimento das metas. Ao fazer isso,
consegue reduzir o risco do projeto, pois minimiza tanto o investimento requerido
para atender à qualidade do serviço como a chance de ter sua remuneração descontada por uma performance inferior à desejada. Como o indicador de desempenho
é um dos principais mecanismos de criação de incentivos na prestação de um bom
serviço, eventuais deficiências em sua elaboração podem resultar em um nível de
qualidade do serviço da infraestrutura aquém do ideal.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 17
Um dos elementos mais importantes de um projeto de PPP e concessão é a
definição da matriz de risco, ou seja, como são alocados os riscos do projeto entre
o público e o privado. Nessa questão, o potencial licitante tentará transferir o máximo de riscos possível para o público. Caso o governo não esteja tecnicamente
preparado para discutir a alocação de cada item, pode acabar assumindo riscos
desnecessariamente. Uma matriz de riscos mal definida impacta diretamente na
estrutura de incentivos que o privado tem ao executar o projeto. De fato, se o
privado consegue passar determinado risco ao público, seu interesse em mitigá-lo
fica reduzido.
Ainda com o objetivo de maximizar o retorno, o privado interessado na licitação poderá apresentar uma modelagem financeira referencial do projeto que
irá gerar um valor variável do leilão com maior excedente econômico. Para isso,
pode, por exemplo, propor soluções de engenharia mais complexas e custosas do
que o necessário.
3.2.2
Concorrência no leilão
Além de o potencial licitante atuar para melhorar a relação risco-retorno do
projeto, busca formas mais diretas de aumentar suas chances de vencer o leilão.
Uma das formas de se conseguir isso é reduzindo a competição no certame.
Para isso, pode utilizar os estudos desenvolvidos para argumentar em prol do
estabelecimento de critérios tão rigorosos de habilitação técnica para participar
do leilão que impeçam a participação de grande parte de seus competidores.
Em outras palavras, estará estabelecendo elevadas barreiras de entrada para seu
negócio. O potencial licitante também pode defender obrigações contratuais
direcionadas a uma expertise específica sua. Desse modo, é possível criar exigências de soluções no projeto nas quais ele tenha vantagem perante os outros
competidores. Dependendo do nível de exigências estabelecido, pode, inclusive,
afastar competidores do certame.
Já na fase de procedimento licitatório, a atuação do potencial licitante é
ainda mais crítica para a concorrência no leilão, pois cria uma vantagem informacional diante dos outros competidores. O governo pode precisar de seu
apoio para realizar atividades críticas, como o esclarecimento de dúvidas de
concorrentes na fase de consulta pública, o acompanhamento do processo junto
aos tribunais de contas e, por fim, a preparação definitiva do edital, contrato e
anexos. Mesmo que o potencial licitante não esteja formalmente incumbido de
realizar essas atividades, é possível que, como o governo não foi o responsável
pelo desenvolvimento de estudos, não esteja preparado para executar sozinho
essas atividades, sem o apoio do autor dos estudos. Nesse caso, portanto, há
um sério conflito de interesses que pode prejudicar a existência de competição
no leilão.
18 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
4.
Sugestões para o aperfeiçoamento do modelo
Como já visto, o elevado risco de mercado na estruturação de projetos no Brasil
privilegia potenciais licitantes e inviabiliza a participação de consultores independentes. Com isso, surgem os principais problemas do mecanismo de PMI,
que são as assimetrias de informações e os conflitos de interesses entre governo
e potenciais licitantes. O resultado é um número pequeno de projetos licitados,
pouca concorrência nos leilões, possibilidade de estabelecimento de contratos de
concessão e PPPs desfavoráveis ao público,7 além de gasto de recursos do governo
e de potenciais licitantes na estruturação de projetos que não atingem a fase final de
licitação. Portanto, a realidade brasileira mostra que é necessário ajustar o modelo
existente para aumentar sua efetividade.
Entende-se que a regulação de PMIs no Brasil deve inspirar-se em um modelo
segundo o qual o projeto seja estruturado pela equipe técnica interna do governo,
com o apoio de consultorias independentes. Ou seja, nesse modelo não seria permitida a participação de potenciais licitantes na estruturação dos projetos. Essa
medida estaria alinhada com a regulação de países considerados de referência
no mercado de PPPs.8 Além disso, seria necessário realizar alguns ajustes no atual
modelo, a fim de mitigar os riscos de mercado existentes do ponto de vista das
consultorias independentes, de modo a fomentar o mercado de projetos. Esses
ajustes são detalhados mais adiante.
Entretanto, em casos excepcionais, quando se estiver falando, por exemplo,
de projetos de infraestrutura extremamente complexos, pode ser necessária maior
interação com o mercado a fim de definir a solução tecnológica mais adequada ao
projeto. Dessa forma, em casos extraordinários, quando não for possível utilizar o
modelo restrito a consultores independentes, seria possível prever um PMI aberto
a potenciais licitantes, porém com duas condições: (i) o governo contaria com o
apoio de uma consultoria independente para auxiliá-lo no curso do processo a
filtrar os vieses vindos de interessados na licitação; e (ii) o escopo do PMI seria
limitado a aspectos técnicos do projeto, diferentemente do PMI restrito a consultores
independentes. Dessa forma, haveria dois regramentos distintos no mecanismo de
PMI: a regra geral e a regra de exceção.
7
Contratos com elevado risco de renegociação e baixo value for money para o público, ou seja,
contratos em que há um custo elevado e um benefício reduzido para a sociedade.
8
Camacho e Rodrigues (2015) mostram que, em muitos países de referência, a participação de
potenciais licitantes na preparação dos projetos é proibida, por causa dos conflitos de interesses
existentes entre o público e o privado. Em outros, é permitida de forma pontual, mas somente se
o projeto reunir características significativas de inovação e propriedade intelectual.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 19
4.1
Regra geral
Na regra geral, somente as consultorias independentes poderiam participar do
processo. Entretanto, apenas essa medida não seria suficiente para atrair os consultores independentes, pois, pelas regras atuais do PMI, o risco de mercado para
essas empresas é muito elevado. Como já citado, isso se deve ao risco de seleção
e ao risco de pagamento.
Figura 4. PMI restrito a consultores independentes
Concorrência pelo
direito de desenvolver
o estudo
Seleção de uma
empresa para
realização do estudo
Chamamento
público
Redução do risco
de seleção
Elaboração
de estudos pelos
interessados
Definição do valor
final de reembolso
Análise dos
estudos
Reembolso parcial
quando os estudos
forem entregues
Publicação do
edital e anexos
Leilão
Redução do risco
de pagamento
Critérios de avaliação (evita
descontos discricionários)
Reajuste por inflação
Fonte: Elaboração própria.
Para mitigar o risco de seleção, nossa sugestão é trazer a competição da fase
de análise e seleção dos estudos para a fase de chamamento público, em que as
consultorias interessadas apresentariam uma proposta de realização dos estudos.
Em outras palavras, seria estimulada a competição pelo direito de desenvolver
os estudos, e não pela escolha do estudo feito. Ao se analisarem o preço e a qualidade das propostas apresentadas, seria, então, escolhida uma única consultoria
para realizar os estudos. Dessa forma, seria preservado o tratamento isonômico
dispensado a todos, visto que as empresas teriam iguais chances de serem autorizadas pelo governo. Além disso, os custos de transação gastos pelo governo no
acompanhamento, coordenação e análise dos estudos de várias empresas seriam
reduzidos, o que aumentaria a eficiência do processo e minimizaria os recursos
públicos e privados gastos desnecessariamente.
Ainda em relação ao risco de seleção, há não só a incerteza de o estudo ser
selecionado, mas também a incerteza do valor final de reembolso definido pelo
governo. Para evitar descontos discricionários, sugere-se a criação de critérios
objetivos de avaliação do estudo, divulgados no momento do chamamento público. Além disso, de modo a preservar o valor real do reembolso ao longo do
20 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
tempo, seria recomendável reajustar esse valor pela inflação até o momento de
seu pagamento. Isso se torna importante em razão do longo prazo de estruturação
dos projetos de infraestrutura.
Com as medidas propostas, o risco de o estudo entregue não ser aproveitado pelo
governo e o risco de haver redução discricionária no valor do reembolso estariam
mitigados. Entretanto, ainda restaria o risco de pagamento por esses estudos, já
que, segundo o modelo atual, o pagamento é único, que só ocorre após o leilão,
como precondição da assinatura do contrato pelo vencedor da licitação. Para
mitigar esse risco, seria possível prever a antecipação parcial do reembolso pelo
governo ou pelas empresas interessadas na licitação. Na primeira situação, poderia ser pensada uma regra que fizesse com que o governo reembolsasse parte dos
estudos caso decidisse não seguir em frente com a licitação. Na segunda hipótese,
empresas interessadas na licitação poderiam pagar determinada quantia para ter
acesso a determinadas informações dos estudos produzidos. Enfim, outras soluções
poderiam ser aventadas com a intenção de reduzir o risco de pagamento no atual
modelo de PMI.
Assim, quando a empresa entregasse os estudos, teria direito a um percentual
do reembolso total definido no momento do chamamento público. Dessa forma,
caso o projeto perdesse atratividade para o público ou para o privado, as empresas
de consultorias conseguiriam cobrir parte de suas perdas. De fato, segundo o atual
modelo de PMIs, o preço determinado pela consultoria incorporaria o risco de o
projeto não ser licitado com sucesso e de ela não ser reembolsada. Portanto, ao
prever reembolso parcial dos estudos, reduzindo o risco de pagamento, é de se
esperar uma redução no valor dos estudos.
Com a alteração das regras do PMI, é possível criar um mercado de estudos
sustentável para as consultorias independentes. Ao contar com essas empresas para
a estruturação de projetos, o governo estaria evitando os conflitos de interesse existentes quando o potencial licitante é o responsável por preparar os estudos. Dessa
forma, conseguiria contratar projetos de infraestrutura com melhor custo-benefício
para a sociedade.
4.2
Regra de exceção
A regulação de PMIs permitiria ainda, em casos muito excepcionais, quando
não fosse possível utilizar a regra geral, a participação de potenciais licitantes na
estruturação do projeto. Essa possibilidade se aplicaria a projetos extremamente
complexos do ponto de vista tecnológico e/ou de engenharia, em que o governo,
contando somente com o consultor independente, não seria capaz de determinar a
melhor solução tecnológica a ser adotada. Nesses casos, portanto, seria necessário
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 21
travar um diálogo estruturado com os potenciais licitantes, a fim de escolher a
melhor solução para o projeto. Entretanto, algumas medidas seriam necessárias
para permitir a governança do processo e a mitigação dos conflitos de interesses,
como mostra a Figura 5.
Figura 5. PMI aberto a potenciais licitantes
2
Apoio de consultores independentes durante todo o processo
Chamamento
público
Elaboração
de estudos pelos
interessados
3 Limitação de participantes
(custos de transação)
4 Garantia de entrega dos
estudos ou taxa para
participar do PMI
(comprometimento)
Análise dos
estudos
Publicação do
edital e anexos
Leilão
1 Escopo do PMI:
Foco nos estudos técnicos baseados
Nas diretrizes estabelecidas pelo
governo e nos estudos prévios
fornecidos (ex.: demanda, geologia,
interferências etc.)
Detalhamento de solução
tecnológica para o problema
caracterizado pelo público
(demanda, geologia, interferências
etc.)
Fonte: Elaboração própria.
O principal ponto a ser ressaltado é a necessidade de o governo estar tecnicamente bem preparado para dialogar com o privado, minimizando, assim, o problema
de assimetria de informações entre as partes.9 A preparação prévia do governo é
essencial para a realização de um PMI eficaz, visto que, quanto mais delimitado
o escopo do PMI estiver e quanto mais informações houver a respeito do problema
a ser resolvido, maior será a probabilidade de as soluções propostas pelo mercado
atenderem às necessidades do governo. Em outras palavras, é papel do governo
definir bem o problema e o projeto antes de iniciar o diálogo com o privado. Isso
requer não só expertise técnica interna do governo, mas também o apoio de uma
consultoria independente em áreas técnicas específicas.10 A Figura 6 descreve as
principais atribuições que o consultor independente teria no modelo aberto de PMI.
9
Camacho e Rodrigues (2015) mostram que, nos países de referência, antes de iniciar o processo
negocial com potenciais licitantes (por exemplo, no diálogo competitivo), o governo realiza um
estudo robusto sobre o projeto, para justamente estar preparado para discutir com os agentes
privados, que dispõem de mais informações que o governo.
10
Isso poderia ocorrer por meio de autorização dada a uma consultoria independente para realizar
as atividades citadas.
22 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
Figura 6. Papel do consultor independente no PMI aberto a potenciais licitantes
Papel do consultor independente
1
Realização de estudos técnicos prévios
que possibilitam:
(i) caracterizar o problema (ex.: demanda,
geológico, interferências etc.)
(ii) estabelecer diretrizes para o PMI
Chamamento
público
2
Elaboração
de estudos pelos
interessados
Apoio ao governo na
condução do processo
de interação com os
participantes do PMI
6
Análise dos
estudos
Apoio na preparação
dos documentos jurídicos
Publicação do
edital e anexos
Leilão
3
Apoio na análise dos
estudos
4
Aprofundamento dos estudos
técnicos
5
Modelagem financeira
independente
Fonte: Elaboração própria.
4.2.1
Apoio de consultor independente
A primeira tarefa do consultor independente seria definir todos os estudos necessários para identificar os principais riscos do projeto. Esses estudos técnicos de base
poderiam ser, por exemplo, estudos de sondagem e interferências, no caso de projetos
de mobilidade urbana ou estudos de demanda em projetos greenfield, em que esse
risco se mostra mais significativo. Ao mesmo tempo em que tais estudos são caros
e é desnecessário que todos os participantes do PMI incorram nesses custos, essas
análises são importantes para uniformizar as informações entre os agentes, auxiliando o governo no diálogo com potenciais licitantes. Após a definição dessas
informações, o governo estará apto a definir todas as diretrizes do projeto que deverão ser seguidas pelos participantes do PMI e, assim, tem início o chamamento
público. Na etapa de elaboração dos estudos, a consultoria independente teria o
papel de apoiar e coordenar o diálogo entre governo e participantes do PMI. Teria
também o papel de identificar eventuais conflitos de interesses e assegurar que
todos os participantes recebam o mesmo conjunto de informações do governo.11 A
consultoria independente teria também a função de analisar e selecionar os estudos
técnicos vindos das participantes do PMI e de apoiar o governo na modelagem
econômico-financeira e na preparação dos documentos jurídicos do projeto, que
são elementos estratégicos que devem estar sob o controle formal do governo.
4.2.2
Escopo do PMI
Como se pode notar, apesar de ser um PMI aberto a potenciais licitantes, a maior
parte dos estudos fica a cargo do governo e das consultorias independentes. O
11
Essa função seria similar à figura dos probity advisors na Austrália e na Nova Zelândia, agentes
que garantem a transparência dos processos negociais entre público e privado. Ver Camacho e
Rodrigues (2015).
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
e os Procedimentos de Manifestação por Interesse | 23
objetivo é isolar o diálogo com potenciais licitantes a aspectos técnicos do projeto,
como soluções tecnológicas ou de engenharia. Estudos de base que caracterizam
o projeto e elementos estratégicos da modelagem econômico-financeira e regras
jurídicas ficariam sob o controle do governo. Com isso, o escopo do PMI estaria
restrito à apresentação de estudos técnicos com foco em detalhar a solução tecno­
lógica e seus impactos na estrutura do contrato. Esses estudos se baseariam em
estudos prévios fornecidos e seguiriam as diretrizes estabelecidas pelo governo.
Há, portanto, uma separação clara, segundo a qual os estudos que caracterizam o
problema são de responsabilidade do público, enquanto os estudos técnicos que
propõem a solução são da esfera do potencial licitante. Dessa forma, os potenciais
licitantes se responsabilizam por desenvolver os estudos apenas onde é estritamente
necessário, ficando o restante sob a responsabilidade do governo, com o apoio dos
consultores independentes. Assim, é possível minimizar os conflitos de interesses
e a assimetria de informações entre governo e potenciais licitantes.
4.2.3
Limitação de participantes
Como nesse modelo de PMI haveria um diálogo estruturado entre governo e potenciais licitantes, o processo proposto acaba envolvendo custos financeiros mais
elevados e tende a ser mais demorado, resultando, portanto, em um alto custo de
transação. Considerando as regras atuais, em que não há limite para o número de
estudos entregues no PMI, o custo de transação envolvido poderia tornar inviável
a condução do processo pelo governo. De fato, para realizar a interação de forma
estruturada com o mercado, o governo precisa alocar recursos nesse sentido. Esse
processo é custoso tanto na preparação prévia como durante a interação, quando
o governo precisa analisar os materiais entregues pelo mercado. Para minimizar
esse problema, poderia ser avaliada caso a caso a necessidade de haver limitação
do número de participantes no PMI.
4.2.4
Garantia de entrega
Por fim, o potencial licitante participante do PMI não arca com qualquer custo de
saída caso decida não entregar os estudos pretendidos pelo governo. De fato, ele
pode simplesmente desistir do processo a qualquer momento ou mesmo entregar
um estudo que não atenda ao mínimo solicitado. Assim, é interessante observar
as lições do caso chileno,12 com a exigência de garantia do privado para a entrega
dos estudos. No caso brasileiro, também seria possível exigir um compromisso de
entrega dos estudos ao potencial licitante escolhido, na forma de garantia financeira
ou até mesmo de pagamento pelo direito de realizar os estudos.
12
Mais detalhes sobre o caso do Chile em Camacho e Rodrigues (2015).
24 | Fernando Tavares Camacho e Bruno da Costa Lucas Rodrigues
5. Conclusão
Este artigo teve como objetivo descrever e caracterizar os principais riscos existentes nos processos de PMI no Brasil, que é o modelo mais utilizado de estruturação
de projetos, tanto em nível federal como estadual e municipal, além de propor
sugestões de aperfeiçoamento que poderão ser aproveitadas no desenvolvimento de uma nova regulação para esse mecanismo. Assim como em outros países
em desenvolvimento, que utilizam instrumentos similares, poucos projetos são
licitados e em geral com pouca concorrência. Dado que outras soluções, como o
fortalecimento institucional e a implementação de reformas legais para a criação
de mecanismos mais eficientes de contratação de consultores pelo governo, são
medidas de médio e longo prazo, é necessário pensar em ajustes a serem realizados no atual modelo de PMI como uma solução de curto prazo, a fim de destravar
os projetos de infraestrutura.
Viu-se que, em função dos elevados riscos de mercado existentes, tanto de
concorrência quanto de pagamento, os consultores independentes acabam perdendo espaço para potenciais licitantes, cujo foco consiste em ganhar a licitação
da concessão ou PPP. Em consequência, surge o principal problema do modelo
de PMI, que é o conflito de interesses existente na interação entre potenciais licitantes e governo. De fato, potenciais licitantes usarão a informação assimétrica a
seu favor, a fim de aumentar suas chances de vencer a licitação e assegurar altos
retornos durante a execução do contrato.
A forma mais eficiente de se mitigarem esses problemas e aumentar a efetividade do modelo de PMI é uma nova regulação que considere, para a maioria dos
projetos, um modelo em que somente consultorias independentes possam participar
do processo de preparação do projeto. Além disso, alguns ajustes precisariam ser
levados em conta nessa regulação, a fim de reduzir o risco de seleção e pagamento
e permitir o fomento do mercado de projetos isentos, facilitando, assim, o alinhamento do projeto ao interesse público.
Quando não fosse possível utilizar esse modelo em projetos de alta complexidade do ponto de vista tecnológico ou de engenharia, haveria a possibilidade
de considerar um PMI aberto a potenciais licitantes. Entretanto, duas condições
seriam necessárias para o sucesso desse modelo. Primeiro, o governo contaria com
o apoio de uma consultoria independente durante todo o processo, para produzir
estudos prévios à abertura do PMI, analisar as informações vindas dos potenciais
licitantes e apoiar o governo em elementos estratégicos do projeto, como modelagem financeira e regramento jurídico. Segundo, o escopo do PMI consistiria
apenas no que fosse estritamente necessário, sendo limitado a aspectos técnicos
referentes às soluções do projeto. Em suma, quando há participação de potenciais
licitantes no PMI, as medidas necessárias para mitigar os conflitos de interesse
tornam o processo mais custoso e mais demorado para o poder público.
Estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil
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Referências
Camacho, F. T.; Rodrigues, B. Estruturação de projetos de infraestrutura:
experiência internacional e lições para o Brasil. [S.l.: s.n.], 2015. (Trabalho
não publicado).
Pereira, B. R. Procedimento de manifestação de interesse nos estados. PPP
Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/pppbrasil-divulga-novo-balan%C3%A7o-sobre-o-uso-do-pmi-em-%C3%A2mbitoestadual-1>. Acesso em: 25 set. 2014.
Vieira, H. M. M. Procedimento de manifestação de interesse como ferramenta
para a estruturação de projetos de parceria público-privada. [S.l.: s.n.], 2015.
(Trabalho não publicado).
World Bank. Unsolicited proposals – an exception to public initiation of
infrastructure PPPs, 2014.
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