Ler e compreender: compromisso de todas as áreas
Suelene Silva Oliveira Nascimento
Faculdade Lourenço Filho – FLF
Secretaria de Educação do Estado do Ceará – Seduc
Resumo
O presente trabalho evidencia que a compreensão leitora é uma competência que deve ser trabalhada de
forma interdisciplinar, tendo em vista que ler e compreender é um fator primordial para se adquirir
conhecimentos em qualquer área de estudo. Consta, portanto, de reflexões acerca de concepções,
modelos, estratégias e sugestões de atividades que envolvem o ato de ler, numa perspectiva interacionista
da linguagem, enfatizando os benefícios que a fomentação da prática de leitura traz para o
desenvolvimento cognitivo dos educandos. As teorias discutidas nesse artigo vão ao encontro de diversas
teses linguísticas que mostram a importância da leitura para a formação do educando. Ressaltamos,
sobretudo, que a leitura não deve estar voltada exclusivamente para o momento específico inserido nas
aulas de Língua Portuguesa. Uma questão fundamental para o ensino é tratar os processos de leitura e
construção do sentido como imprescindíveis para o desenvolvimento do aluno em todas as disciplinas,
dentro e além das fronteiras escolares.
Palavras-chave: Concepções de leitura, Compreensão leitora, Interdisciplinaridade.
1 INTRODUÇÃO
Não se pode negar que a leitura é um dos instrumentos fundamentais de
aprendizagem. Em virtude disso, ainda hoje, a leitura se apresenta como um dos maiores
desafios, uma vez que muitos professores queixam-se de que vários alunos chegam ao nível
superior sem compreender, sem interpretar, isto é, sem atribuir significado ao que leem.
Cientes dessa dificuldade, este artigo apresenta algumas considerações sobre leitura e
as etapas que envolvem o processo de compreensão textual. O carro-chefe da discussão será o
papel do professor frente às atividades de atribuição de sentido. Dentre os teóricos citados,
destacam-se estudos de Solé (1998), Giasson (2000), Kleiman (2000) e Koch (2006), cujas
teorias afirmam que ler não é apenas uma atividade escolar mecânica descontextualizada, mas
sim, uma atividade vital, que precisa ser, desde cedo, plena de significação.
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Ao longo do texto, há algumas concepções de leitura, os conhecimentos do leitor e
estratégias de compreensão leitora que devem ser compreendidas pelos educadores para que
possam promover atividades que favoreçam a uma plena significação dos textos lidos em
diversas áreas de ensino.
2 A LEITURA E SUAS NUANCES
Ler é atribuir significado, sentido; é ativar os seus conhecimentos ao longo do
processo de compreensão leitora. Nas palavras de Solé (1998, p. 172) ler “significa aprender a
encontrar sentido e interesse na leitura”. Isto só é possível quando o leitor compreende o que lê,
consegue interpretar e não somente decodificar1 o código da escrita. Para ler é, também, preciso
saber decodificar, porém a atenção deve ser dada ao processo de interpretação, de compreensão,
e não a simples decodificação, uma vez que a leitura é um processo de interação. A partir disso,
a função do leitor é, pois, concordar ou não com as ideias do autor, completando-as, adaptandoas, julgando-as, através da compreensão do texto.
Para Koch (2006, p.11): “A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos”. Isto é, a leitura se realiza com base nos elementos que estão
explícitos e implícitos. Mas, para isso, é preciso ativar os conhecimentos internos da
comunicação, como: o conhecimento prévio e as experiências.
Koch (2006) acrescenta que existem três concepções de leitura: 1) a leitura com foco
no autor; 2) a leitura com foco no texto e 3) a leitura com foco na interação autor-texto-leitor.
A primeira concepção – a leitura com foco no autor – afirma que o leitor capta as
ideias da maneira como foi mentalizada pelo autor, sem levar em consideração seus
conhecimentos, suas experiências, como se o leitor não fizesse parte do processo de
compreensão leitora. Nesta concepção, o autor é visto como dono absoluto dos seus
pensamentos e o leitor só precisa acatar, exercendo a função de leitor passivo. Isto é, a ênfase é
1
O termo “decodificar”, conforme Solé (1998, p. 52), pressupõe “aprender as correspondências que
existem entre os sons da linguagem e os signos gráficos – as letras e os conjuntos de letras – que os
representam”.
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dada no autor. A atividade compõe-se de uma série de automatismos de identificação e
transcrição das palavras do texto numa pergunta ou comentário. Isto é, para responder a uma
pergunta sobre alguma informação do texto, o leitor só precisa passar o olho pelo texto à
procura de trechos que repitam o material já decodificado da pergunta.
A segunda concepção – a leitura com foco no texto – afirma que o texto por si só já
diz tudo. O leitor basta decodificar o código utilizado. Ou seja, o foco dessa concepção está no
texto em que o leitor precisa reconhecer o sentido das palavras e sua estrutura. Vale ressaltar
que em ambas – primeira e segunda concepções – o leitor é visto como exercendo uma
atividade de reconhecimento do que foi escrito, sem acrescentar julgamentos ou críticas.
Já a terceira e última concepção – a leitura com foco na interação autor-texto-leitor –
é diferente, pois afirma que tanto o autor como o leitor constroem os sentidos do texto, através
da interação autor-texto-leitor, sendo o sujeito ativo nessa interação. Desse modo, implica dizer
que o foco não está no autor, nem no texto, nem no leitor, mas na relação existente entre eles.
Essa relação é que vai assegurar os sentidos existentes no texto dentro do contexto
sociocognitivo dos participantes da interação.
Segundo Smith (1999) “leitura é como um jogo psicolinguístico de adivinhação” (apud
KATO, 1995, p. 80). Fulgêncio e Liberato (2003) corroboram dizendo que a leitura não é uma
atividade meramente visual. Isto é, captada pelos olhos. O que está nas linhas é necessário,
porém, não é suficiente. Para as autoras (2003, p. 14): “A leitura é o resultado da interação entre
o que o leitor sabe e o que ele retira do texto”. Em outras palavras, é o resultado da interação
entre a informação visual e a informação não-visual. Isto é, a informação visual seria a
informação impressa, escrita. Ou seja, é a informação que o leitor vê. Enquanto que a
informação não-visual é a informação que não está escrita, mas é “lida” através dos
conhecimentos (prévio, linguístico, de mundo), no qual o leitor consegue estabelecer relações
entre as informações.
Dentro dessa perspectiva, Smith (1991) expõe que nós podemos estar perfeitamente
vendo um texto, mas não conseguimos lê-lo por estar escrito em uma língua que não a
conhecemos. Isto é, falta informação não-visual, a qual iria nos proporcionar a compreensão: a
interpretação do texto.
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A informação não-visual é o conhecimento que já temos em nosso cérebro,
relevante para a linguagem e para o tema do que estamos lendo, juntamente
com algum conhecimento adicional de aspectos específicos da linguagem
escrita, tais como o modo como os padrões ortográficos são formados.
(SMITH, 1991, p. 103)
A informação não-visual é determinante para construir significados, pois é através dela
que se dão as informações implícitas e predições contidas no texto. A informação visual
depende da informação não-visual, pois ambas são inversamente proporcionais. Ou seja, quanto
mais informação não-visual o leitor possuir, menos informação visual ele precisará retirar do
texto para compreender. Isto é, utiliza-se a informação não-visual como meio de facilitar a
compreensão “prevendo” ou “adivinhando” as informações visuais contidas no texto.
O leitor eficiente não se utiliza somente da informação visual para obter uma
informação, mas, sim, de todos os conhecimentos que possui, com finalidade de alcançar um
objetivo, isto é, compreender o texto, pois se o leitor não buscar a informação não-visual
adequada, muito pouco ele poderá prever do texto e, nesse caso, o leitor precisará buscar
informações no texto escrito.
Alguns pesquisadores, entre eles Solé (1998), Kleiman (2004), Koch (2006), Kato
(1995) afirmam que o processo de leitura, a partir de uma pesquisa interativa, obedece a dois
modelos sequenciais e hierárquicos que são conhecidos como modelo ascendente (buttom up) e
o modelo descendente (top down).
No modelo ascendente, o leitor, perante um texto, processa a informação de cima para
baixo, isto é, começa pelas letras, palavras, frases, isto é, de unidades menores para maiores,
enfim, chegando à compreensão leitora. Este modelo dá ênfase à decodificação, pois considera
que o leitor entende um texto quando consegue decodificá-lo totalmente. O texto é entendido
em partes e não na sua totalidade dentro dos seus elementos numa abordagem linear e indutiva
das informações visuais.
Já o modelo descendente afirma o contrário. Nele, o leitor não processa letra por letra,
mas usa seu conhecimento prévio e recursos cognitivos para verificar se as antecipações e
hipóteses feitas acerca do texto se confirmam ou não. Neste modelo, a ênfase é dada ao
conhecimento prévio, pois é mais fácil o leitor compreender um texto quando já possui alguma
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informação sobre ele. Nesse contexto, segundo Kato (1995, p. 50) “... sua abordagem é não
linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não visuais e cuja direção acontece da
macro para a microestrutura, e da função para a forma.” Este modelo atribui ao leitor excessiva
autoridade, pois vai construir o sentido que quiser, desconsiderando que o ato de ler é um
processo em que ocorre uma interação entre o leitor e o autor, através do texto.
2.1 Conhecimentos do leitor
Praticando a leitura, há diversas formas de aprender, obter informações através da
interação entre o texto e o leitor, possibilitando compreender, interpretar, e essa interpretação
não é única, depende de cada pessoa, de seu conhecimento prévio (conhecimento do assunto, da
língua, da estrutura textual) do seu meio familiar e social, de sua atividade profissional, enfim,
de diversos fatores que interferem no processo de compreensão leitora.
O conhecimento prévio, que faz parte do conhecimento de mundo, ajuda a reconhecer
os diversos gêneros textuais2, facilitando compreender a informação de forma adequada. Neste
raciocínio, o leitor não vai apenas reconhecer os gêneros textuais, mas analisá-los, levando em
consideração os objetivos, a temática e o suporte textual, uma vez que os mesmos relacionam-se
aos objetivos de leitura e dos textos.
Conforme evidenciado anteriormente, no modelo descendente o processo de leitura é
associado pelo conhecimento prévio, conhecimento de mundo e suas experiências, enquanto que
na abordagem ascendente o leitor considera apenas o que lê, isto é, a compreensão é construída
apenas através do texto abordado.
Além do conhecimento prévio, durante a leitura, supõe-se que o leitor processa outros
conhecimentos para chegar à interpretação. Dentre estes, é importante salientar o conhecimento
linguístico, conhecimento enciclopédico (ou de mundo), conhecimento interacional e o
conhecimento lexical.
O conhecimento linguístico aborda as questões da gramática e do léxico, que nos
permitem compreender a língua (escrita), como, por exemplo: inglês, francês, alemão. Se no
2
Para maiores esclarecimentos sobre gêneros textuais, conferir: KOCH, I. G. V. Ler e compreender. São
Paulo: Contexto, 2006.
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caso, o leitor não tiver conhecimento em uma determinada língua (inglês) e lhe for dado um
texto em inglês ele com certeza não irá compreender nada, pois a língua inglesa não faz parte do
seu universo linguístico.
O conhecimento de mundo ou enciclopédico diz respeito às suas vivências pessoais,
experiências, histórias de vida, lugar, tempo, permitindo a produção de sentido. Este
conhecimento também está ligado aos interesses do leitor diante do mundo. Um exemplo disso
é que se o leitor não tiver interesse em futebol e lhe for dado um texto que fale desse assunto,
com certeza a compreensão ficará comprometida, pois o mesmo não faz parte do seu
conhecimento de mundo (enciclopédico).
Já o conhecimento interacional envolve a adequação do uso da língua, em que o
propósito é comunicar. Esta comunicação pode estar contida no texto nas informações que estão
na entrelinhas. Isto é, implícito, buscando assegurar a compreensão do texto, através de vários
tipos de ações linguísticas, como: articulação das ideias usando o texto como apoio e construção
de sentido, como também realçando algumas palavras em que o objetivo é chamar atenção do
leitor. Por último, a sequência ou ordenação utilizada de acordo com os objetivos que se quer
alcançar.
O conhecimento lexical, conforme Koch (2006), diz respeito ao repertório mental que
o leitor dispõe para atribuir sentido ao que lê. Para a autora, quanto maior o conhecimento
lexical, maior a possibilidade de o leitor inferir e, a partir das pistas contextuais, compreender o
que está escrito. É o que denominamos, popularmente, de vocabulário ativo, ou seja, aquele que
usamos ao nos depararmos com palavras das quais desconhecemos o seu significado.
Solé (1998, p. 36) enfatiza dizendo: ... “Quando a leitura é considerada um objeto de
conhecimento, seu tratamento na escola não é tão amplo como seria de se desejar, pois em
muitas ocasiões a instrução explícita limita-se ao domínio das habilidades de decodificação”
(grifo da autora). Logo, os exercícios abordados pelos professores normalmente são: leitura em
voz alta, perguntas acerca do texto e instruções para a realização dos exercícios do livro.
Ao utilizar esses exercícios, o professor não está desenvolvendo a compreensão leitora
no aluno, mas a sua atenção e decodificação em relação ao texto, pois os alunos ficam tão
preocupados em “ler corretamente” que não conseguem interpretar, nem compreender o que
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está sendo lido. Portanto, não se deve esquecer, segundo Solé (1998, p. 35) que as atividades de
perguntas-respostas são vistas pelos professores como uma atividade de compreensão, mas não
é, pois nelas não há uma intervenção, e sim, uma avaliação da compreensão leitora.
Tradicionalmente, o conceito de compreensão leitora está relacionado a um modelo que
se concentra em listas sequenciais de habilidades hierarquizadas (decodificar, descobrir
sequências de ações, apontar ideia principal...), geralmente em busca de respostas
particularizadas, e vê o leitor como receptor passivo. Por outro lado, mais recentemente,
observa-se uma evolução a este respeito, por isso a acepção passou a lidar com “um modelo
mais global e orientado para a interação das habilidades”, segundo Giasson (2000, p.17), bem
como a participação do leitor. Nessa concepção, o leitor sai da passividade e passa a interagir
com o texto.
Dessa forma, Giasson, em oposição às visões tradicionalistas, questiona a limitação da
leitura a um conjunto de sub-habilidades específicas, pois admite que é possível, segundo ela,
fazer atividades de leitura isoladas sem realmente saber ler. E ainda reforça Giasson (2000,
pp.17-18), dizendo que:
...qualquer habilidade aprendida fora de uma atividade global de leitura não
se realiza do mesmo modo que quando é utilizada num contexto real de
leitura. Mesmo que a leitura possa ser analisada no plano das habilidades, a
plena realização de cada uma delas, consideradas separadamente, não
constitui em si um ato de leitura.
Dessa maneira, parte do significado de um texto se esvai se o método utilizado
considerar habilidades de leitura separadas de seu contexto, sendo, pois, um desvio muito grande
no modo de lidar com as capacidades dos alunos. Mesmo porque nossa maneira de conceber o
processo de compreensão esquiva-se da ideia de precisão na leitura, já que um texto permite
muitas leituras, porém não infinitas. Desse modo, a leitura deixa de ser tachada como algo exato
e passa a ser vista, conforme Marcuschi (1996, p. 88), como “atividade de seleção, reordenação e
reconstrução, em que uma certa mensagem de criatividade é permitida”. Mas isso não significa
que essas habilidades não tenham seu valor, embora se aceite cada vez mais a hipótese de que
questões isoladas pouco contribuem para o ato de ler.
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É claro que não existe uma e somente uma definição de leitura, mas é cada vez mais
aceita a ideia do leitor cooperativo e maduro em interlocução com o autor (maturidade
construída à medida que o indivíduo convive com diversos textos). O autor, de acordo com
Geraldi (2000, p.91), é “instância discursiva de que emana o texto”, ele revela-se ao longo do
texto, mas não é ele somente quem conduz as possibilidades de leituras permitidas ao leitor, mas
também este reconstrói o sentido do texto, partindo dos seus próprios conhecimentos. Pondo de
maneira simples e direta, podemos dizer que ler é ir além da decifração, dar um sentido ao texto,
perceber relações de sentidos possíveis, identificar os objetivos do autor e, por fim, concordar
ou não com este.
2.2 Modelos de compreensão leitora
Dessa forma, assumiremos o conceito de leitura no qual o leitor interage com o
texto, agindo sobre este de acordo com seus objetivos, retomando, assim, a tipologia de
vivências leitoras citadas por Geraldi (2000). Tomaremos o modelo de compreensão leitora de
Giasson (2000) como referência, bem como aproveitaremos a deixa para explorarmos o esquema
de Marcuschi (1996), que muito bem explica como se dá a compreensão. Comecemos pelas
vivências leitoras trabalhadas por Geraldi (2000, p. 92):
•
A leitura como busca de informações;
•
A leitura como estudo do texto;
•
A leitura de um texto como pretexto;
•
A leitura como fruição do texto.
A finalidade da “leitura – busca de informações”, como o próprio nome já diz, é
colher informações, conhecimentos acerca de algo. Daí, pensa-se imediatamente na explicação
do porquê de o leitor buscar informações: porque a disciplina escolar exige, porque o trabalho
precisa (...) . Poderíamos, aqui, enumerar mil e uma situações que necessitam do saber, do
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conhecer. Mas o próprio leitor já deve ter imaginado momentos nos quais precisamos ler para
sabermos realizar algo ou mesmo para nos posicionarmos diante de um assunto.
A prática da “leitura – estudo do texto” é realizada, em geral, nas salas de aulas, o
que nos leva a pensar imediatamente nas aulas de Língua Portuguesa. Contudo, o que vemos, na
maioria das vezes, é que isto ocorre com mais frequência nas aulas de outras disciplinas. Para
este tipo de propósito, Geraldi (2000) sugere ao leitor seguir um roteiro que especifique o tipo de
texto em estudo. Numa interlocução com um texto de estrutura dissertativa, por exemplo, seria
importante especificar tese, argumentos, contra-argumentos, bem como coerência entre tese e
argumentos, podendo estes aspectos ser desdobrados em outros pontos.
Mas quando utilizamos determinada leitura com o propósito de realizar algo a partir
dela (como transformar uma história em poesia, uma canção em narrativa ou drama; desenhar ou
pintar passagens de um livro etc.), estamos fazendo uso da “leitura do texto-pretexto”. Para
ratificar a validade dessa prática, retomaremos a fala de Geraldi (2000, p. 97):
Não vejo por que um texto não possa ser pretexto (dramatizações, ilustrações,
desenhos, produção de outros textos etc.). Antes pelo contrário: é preciso
retirar os textos dos sacrários, dessacralizando-os com nossas leituras, ainda
que venham marcadas por pretextos.
Por último, temos a “leitura – fruição do texto”, a leitura do prazer, ou melhor,
ler pelo gosto de ler, pela estética; para deliciar-se com as imagens, com o jogo de palavras,
com as ideias, com o modo com que os signos, verbais ou não, estejam organizados... Enfim, é
uma leitura sem cobranças, sem hora para começar ou terminar. É para isso que existem os
gêneros mais voltados para a literatura, por exemplo: romances, contos, crônicas, poemas etc.
Porém, são gêneros lidos nas escolas com cobranças e não pelo simples fato de deleitar-se em
uma leitura. Ninguém melhor que Alves (apud ANTUNES, 2003, p.71) para encerrar a lista de
vivências de Geraldi, ao mostrar a relevância da fruição:
As palavras também podem ser objetos de fruição, se nos ligamos a elas pela
mesma razão que nos ligamos a um pôr-do-sol, a uma sonata, a um fruto:
pelo puro prazer que nelas mora... Brinquedos, fins em si mesmas, palavras
que não são para ser entendidas, são comida para ser comida: o caminho da
poesia.
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Retomadas as considerações de Geraldi (2000) sobre a interlocução entre texto e leitor e
as diferentes posturas que este pode assumir diante do texto, encaminharemos, doravante,
algumas reflexões sobre o modelo de compreensão da leitura sustentado por Giasson (2000, p.
21) segundo a qual já é consenso entre vários autores como Irwin (1996), Deschênes (1986),
Langer (1986) (apud TRAVAGLIA, 2006) e outros. O modelo parte da interação entre as três
variáveis de leitura apresentadas a seguir:
Figura 1 – Modelo de compreensão leitora
TEXTO
LEITOR
- Estruturas
- intenção do autor
- Processos
- forma
- conteúdo
CONTEXTO
CONTEXTO
-- psicólogo
psicológico
- social
-- social
físico
- físico
Fonte: Giasson (2000, p. 31)
Segundo Giasson (2000), a variável leitor engloba as estruturas do sujeito (seus
conhecimentos, atitudes e interesses) e os processos de leitura (habilidades que ele usa durante
a leitura). Por sua vez, a variável texto implica a intenção do autor, a estrutura do texto e o
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conteúdo, sendo estes dois últimos delimitados pelo primeiro. A estrutura diz respeito à maneira
de fazer o arranjo das ideias do texto, já o conteúdo faz referência aos conceitos, conhecimentos
e vocabulário escolhido pelo autor. A variável contexto envolve elementos extralinguísticos,
influenciadores da compreensão leitora, como o contexto psicológico (que compreende intenção
de leitura, interesse pelo texto...), o contexto social (como, por exemplo, intervenções de
professores, de colegas, pessoas...) e o contexto físico (como tempo disponível, silêncio ou
barulho... ) .
Voltemos, agora, nossa atenção para as especificidades de cada variante. Assim,
começaremos pelo leitor, respeitando a sequência utilizada pela autora. Esta é a variante mais
complexa, tendo em vista os diversos processos que se utilizam para compreender o texto, bem
como as estruturas cognitivas e afetivas peculiares de quem busca compreendê-lo. Giasson
esquematiza as subvariáveis do leitor da seguinte forma:
Figura 2 – Os constituintes da variável leitor
Fonte: Giasson (2000, p. 31)
As estruturas do leitor dividem-se em estruturas cognitivas e estruturas afetivas.
As primeiras manifestam-se em diferentes momentos da vida de uma pessoa, sendo que
os conhecimentos adquiridos em contextos diversos são reaproveitáveis no decorrer de uma
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determinada leitura e, em outra leitura, outros conhecimentos, outros domínios e outros
interesses. Estas estruturas dizem respeito aos conhecimentos que o leitor tem acerca da língua
e do mundo.
Os conhecimentos sobre a língua envolvem conhecimentos que as crianças desde cedo
vão desenvolvendo naturalmente no meio familiar: fonológicos (distinguem os fonemas
constituintes da língua), sintáticos (dizem respeito “à ordem das palavras em uma frase”, desse
modo, com base nos conhecimentos sintáticos, sabemos se uma determinada construção é
permitida ou não em uma língua), semânticos (fazem alusão aos “conhecimentos dos sentidos
das palavras e das relações entre elas”) e pragmáticos (referem-se à adequação da língua de
acordo com o contexto. Usa-se, por exemplo, uma linguagem mais formal em uma conferência,
e outra mais coloquial em uma conversa com os amigos). Esses conhecimentos, juntos,
orientam o leitor a fazer leituras aceitáveis dentro das possibilidades da língua, principalmente,
porque se realizam paralelamente aos conhecimentos de mundo durante uma leitura. Estes
fazem menção aos conhecimentos sobre o mundo já adquiridos pelo leitor e que são lembrados
quando ele está lendo, ou seja, são ativados para que haja compreensão. O conhecimento de
mundo, também chamado conhecimento enciclopédico, pode ser adquirido tanto formal
(ambiente escolar) como informalmente. Assim, conforme Kleiman (2000, p. 20):
O chamado conhecimento de mundo abrange desde o domínio que um físico
tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos como “o gato é um
mamífero”, “Angola está na África” , “não se deve guardar fruta verde na
geladeira” ou “na consulta médica geralmente há uma entrevista antes do
exame físico”.
Por outro lado, as estruturas afetivas designam em que medida a leitura é importante
segundo as atitudes e interesses do leitor. Logo, as estruturas afetivas desempenham um papel
decisivo para a ocorrência ou não da leitura. Por conta disso, podemos dizer que a intenção do
leitor e suas necessidades determinam inclusive a compreensão de um texto, uma vez que se o
leitor não estiver disposto a ler um texto, mas o faz por obrigação, então não terá o mesmo
proveito que outro leitor o teve ao fazê-la com gosto.
Existem ainda, na variável leitor, os processos de leitura que se realizam quando este
entra em contato com o texto. Esses processos não se realizam nos mesmos níveis. Dessa forma,
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há os que orientam a compreensão em nível frasal, os que sinalizam em nível de coerência
(sentido), em nível de estrutura mental do texto etc. Apresentaremos a classificação de Irwin
(1986 apud GIASSON, 2000, p. 32), segundo a qual há cinco grandes categorias de processos:
Figura 3 – Processos de leitura e seus componentes
Fonte: Giasson (2000, p. )
Os microprocessos ajudam na compreensão de um elemento contido na frase, já os
processos de integração auxiliam no entendimento dos elos entre as frases ou proposições. Por
sua vez, os macroprocessos agem no nível global do texto, possibilitando ao leitor reconstruir o
texto coerentemente, enquanto os processos de elaboração contribuem com as inferências que o
leitor poderá fazer e, assim, ultrapassar as fronteiras do texto.
Há ainda os processos
metacognitivos, que administram a compreensão leitora, ajudando o leitor a se adaptar ao texto
e à situação. No entanto, devemos frisar que esses processos não são sequenciais, mas
simultâneos, pois a demonstração separadamente ocorreu apenas para fins didáticos.
Como se vê, há fatores básicos em relação à compreensão leitora pelo leitor que não
podem ser esquecidos no momento de leitura de um texto. Com isso, encerraremos essa variante
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com a fala de Colomer & Camps (2002, p. 57) que deixam claro a relevância da ação do leitor
sobre o texto e sua forma de conduzir a compreensão:
A compreensão leitora é o resultado de uma atividade complexa na qual o
leitor deve realizar muitas operações e recorrer a muitos tipos de
conhecimentos. Parece que o processamento em diferentes níveis não segue
em uma única direção ascendente (da letra ao texto) ou descendente (dos
conhecimentos e hipóteses globais à letra), mas que há uma inter-relação
constante entre eles.
Para tratar da variável texto e dos aspectos que incidem no processo de leitura, Giasson
(2000) leva em consideração critérios adequados à educação: intenção do autor, gênero
“literário” (segundo classificação desta autora, porém os gêneros não são necessariamente
literários), estrutura do texto e conteúdo. Esses quatro aspectos são relevantes porque os leitores
reagem de diferentes formas de acordo com as características do texto que eles têm em mãos.
Os aspectos intenção do autor e gênero utilizado andam juntos; pois, dependendo do propósito
do escritor, teremos gêneros pertinentes, por exemplo: se a intenção é fazer rir, é possível fazêlo por meio de uma história em quadrinhos, charge, crônica etc.; mas se pretende convencer o
leitor de algo, provavelmente servirá como instrumento o artigo de opinião, o editorial etc.
Marcuschi (1996, p. 45) menciona diferentes gêneros textuais e comenta que eles exigem
diferentes modos de leitura: “Cada um desses textos pede uma diferente estratégia de leitura
porque foi construído com objetivos diferentes, visando, muitas vezes, a públicos
diversificados”.
A estrutura do texto é frequentemente influenciada pelo conteúdo. Ela está relacionada à
organização textual, ao modo como as ideias estão dispostas no texto; por sua vez, o conteúdo
refere-se ao tema, aos conceitos presentes no texto.
Após nos determos na variável texto, passemos a apresentar a variável contexto, que
compreende, de acordo com Giasson (2000, p. 40), “todas as condições nas quais se encontra o
leitor (com suas estruturas e processos) quando entra em contato com um texto (seja qual for o
seu tipo)”. Existem três tipos de contextos: psicológico, social e físico.
O psicológico lida com o que há de individual na leitura, ou seja, as perspectivas do
leitor, seus interesses e intenções. Com isso, a compreensão terá um ou outro caminho a
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seguir, posto que não há uma receita para se ter uma leitura eficiente. Por isso, a compreensão
é consequência de um esforço próprio do leitor cuja motivação influencia significativamente,
pois se ele gosta de ler, mas não está motivado, a leitura será prejudicada.
Ao contrário do anterior, o contexto social leva em conta o que há de coletivo na leitura,
pois aqui as interferências de terceiros influem no processo de compreensão leitora, porém esse
contexto não nega aquele, uma vez que se complementam. Logo, se alguém lê um texto e depois
troca ideias com outros, certamente, terá uma leitura mais proveitosa que uma pessoa cujo
processo de leitura foi realizado sem essa interação.
Por sua vez, o contexto físico trata das condições “materiais” durante a leitura. Isso se
revela em fatores como ruídos ou silêncio, temperatura ambiente ou não, texto bem ou mal
impresso (se for o caso), momento e lugar que ajudam ou atrapalham. Tudo isso interfere para
que uma leitura seja ou não proficiente.
3 CONCLUSÃO
A intenção inicial desse artigo foi verificar como as estratégias de leitura podem e devem
ser utilizadas por profissionais de distintas áreas. Para isso, fizemos uso dos conceitos clássicos
de leitura e de noções gerais de estratégias de leitura.
É fundamental que os professores, de todas as áreas, selecionem material adequado às
possibilidades de aprendizagem dos alunos de acordo com o nível em que eles se encontrem.
Acima de tudo, a leitura deve ser considerada como objeto de aprendizagem, em que a
preocupação do professor é intervir no texto, proporcionando o processo de construção leitora.
Este processo é da responsabilidade do leitor (aluno), pois o mesmo constrói sua compreensão a
partir da intervenção que é feita pelo professor. Ou seja, o professor não deve dar a resposta,
mas ajudar o aluno a construir a sua resposta para, posteriormente, torná-lo um leitor autônomo.
Nessa
perspectiva,
ressaltamos
que
o
desenvolvimento
da
linguagem
é
de
responsabilidade de toda e qualquer área. Mais importante que leitura em sala de aula é o uso de
estratégias que permitam ao aluno atribuir sentido ao que lê. As estratégias de leitura não podem
ser tratadas, pois, como algo infalível, inflexível, fechado, mas como caminhos e possibilidades
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de solucionar problemas e encontrar respostas, permitindo a compreensão de leituras múltiplas e
variadas. A compreensão leitora pode ser, assim, considerada uma das maiores competências e
um dos meios mais eficazes para construir e reconstruir a realidade.
Read and understand: commitment to all areas
Abstract
This study shows that reading comprehension is a skill that must be taught in an interdisciplinary manner,
in order to read and understand is a key factor to acquire knowledge in any field of study. It appears,
therefore, to reflections on concepts, models, strategies and suggestions for activities that involve the act
of reading, language interactionist perspective, emphasizing the benefits that fostering the practice of
reading brings to the cognitive development of students. The theories discussed in this article will meet
several linguistic theories that show the importance of reading to elementary education. We emphasize, in
particular, that reading should not be exclusively focused on the specific time inserted in Portuguese
Language classes. A key issue to address is the teaching of reading and the processes of meaning
construction as essential to the development of students in all disciplines within and beyond the school
boundaries.
Keywords: Conceptions of reading, Reading comprehension, Interdisciplinarity.
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Suelene Silva Oliveira Nascimento
Graduada em Letras – UFC
Especialista em Leitura e Escrita – UFC
Mestra e doutoranda em Linguística – UFC
e-mail: [email protected]
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Ler e compreender: compromisso de todas as áreas