A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO E A BUSCA DA IDENTIDADE:
LEITORES NA PRISÃO
Camila de Souza FERNANDES (PG- UEM)
Alice Áurea Penteado MARTHA (UEM)
ISBN: 978-85-99680-05-6
REFERÊNCIA:
FERNANDES, Camila de Souza; MARTHA, Alice
Áurea Penteado. A leitura do texto literário e a busca
da identidade: leitores na prisão. In: CELLI –
COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,
2009, p. 205-212.
INTRODUÇÃO
Este artigo recorta resultados do projeto de pesquisa Literatura, leitura e escrita:
a ressignificação da identidade de indivíduos em situação de exclusão social,
desenvolvido pelo Grupo de Estudos CELLE - Centro de Estudos de Literatura, Leitura
e Escrita: história e ensino, da UEM, na Penitenciária Estadual de Maringá, que tem
por objetivo que os detentos da penitenciária possam compreender suas emoções e
sentimentos mais pessoais, a partir da leitura do texto literário, reconhecendo-se como
seres no mundo. Para a realização da proposta, foram planejadas e oferecidas Oficinas
de Leitura e Produção de Textos aos presidiários, fundamentadas em Teorias da
recepção e, principalmente, na proposta metodológica de Hans Kügler, para quem
compreender um texto significa apreender junto, perceber-se a si mesmo. Para realizar
as atividades previstas pelas oficinas, foram organizadas antologias de textos verbais e
não-verbais, sobretudo literários, agrupados por eixos temáticos, que foram trabalhados
nas aulas, ministradas na própria instituição corretiva. A análise das produções iniciais
(feitas pelos detentos) e dos resultados obtidos nas oficinas são fontes para este artigo.
O entendimento da literatura como fator de equilíbrio psíquico e social, segundo
as concepções de Candido (1972) mostrou que é preciso pensar formas de estabelecer
relações satisfatórias e prazerosas entre leitores que se encontram em situação de
exclusão social e o texto literário, de modo que tais indivíduos possam satisfazer suas
necessidades de ficção e fantasia, de formação, reconhecendo-se como seres humanos
no mundo em que são lançados.
Apresentamos, neste texto, resultados das leituras propostas para a 2ª Oficina,
realizada nos últimos meses de 2006 e que tinha como eixo temático a juventude. A
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análise da produção de leitura dos detentos será feita a partir de textos, tanto poesias
como narrativas, produzidos por esses leitores em situação de exclusão social.
A PESQUISA
O início da pesquisa realizada junto à Penitenciária Estadual de Maringá data de
agosto de 2006. Na primeira coletânea, foram trabalhados textos que versavam sobre a
infância. Os textos trabalhados foram Menino Grapiúna, de Jorge Amado, Infância, de
Carlos Drummond de Andrade, Meus oito anos, de Oswald de Andrade, Criança, de
Cecília Meireles, O herói, de Domingos Pellegrini, Minsk, de Graciliano Ramos e
Biruta, de Lygia Fagundes Telles.
Após a leitura, a discussão e a elaboração de comentários sobre os textos
citados, passamos para a segunda coletânea, que contém os seguintes poemas: Soneto
fidelidade, Soneto de separação, Soneto do amor total, todos de Vinicius de Moraes,
Lira V – Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, Amar, Eu e Ambiciosa, de
Florbela Espanca. Além disso, a coletânea contou com as narrativas Peru de Natal, de
Mário de Andrade, Da importância do diploma, de Mario Prata, Vinte anos!Vinte anos,
de Machado de Assis, Venha ver o por do sol, de Lygia Fagundes Telles, Paulino e
Roberto, de Artur Azevedo, Bolo na Garganta, de João Antônio e Quase Doutor, de
Afonso Henrique de Lima Barreto. A temática comum aos três textos é a juventude, os
problemas e alegrias relativas a essa etapa da vida. O mesmo procedimento realizado na
primeira coletânea foi feito nesta etapa, a partir da metodologia do educador alemão
Hans Kügler, uma vez que Kügler considera a interação entre leitor e texto essencial
para que haja a compreensão textual.
HANS KÜGLER: UMA PROPOSTA METOTODOLÓGICA PARA A LEITURA
DO TEXTO LITERÁRIO
Como já é sabido, são muitas as teorias e métodos que tratam do processo de
leitura, especialmente, da leitura do texto literário. Dessa maneira, o presente trabalho
baseia-se na proposta de leitura de Hans Kügler, no texto Níveis de Recepção Literária
no Ensino, para quem o processo de leitura apresenta três níveis: Leitura primária,
Constituição coletiva do significado e Modos secundários de ler.
Para Kügler, o ensino da literatura não se resume ao transporte da mensagem
para o emissor através do texto, uma vez que a literatura é tratada como um meio de
comunicação. Desta forma, a leitura do texto literário está centrada na interação que se
dá entre o leitor e o texto para que haja a compreensão. Assim:
Compreender um texto significa ao mesmo tempo personalizá-lo. A
aludida relação entre o compreender e a personalização do texto, na
recepção, fica clara se entender que o compreender constitui-se, antes
de tudo, pelo fato de que o sujeito que compreende percebe,
juntamente com o objeto da percepção, a si próprio. (Kügler, 1987,p,
35)
Como podemos perceber, a leitura não é vista como uma mera decodificação
dos dados presentes no texto, e sim como articulação de autoconhecimento. O leitor não
se coloca à parte durante a leitura; ao contrário, é tratado como uma pessoa no momento
da recepção do texto. No momento da leitura, o que está em questão não é “o que o
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texto significa?”, mas “o que o texto significa para mim?”, ou seja, a relação do texto
com o EU.
Apesar de a proposta dar ênfase maior para o processo de autoconhecimento do
leitor através do texto, a leitura, para Kügler, não se resume apenas a isso. Devem ser
levadas em consideração as três etapas pelas quais o leitor deve passar.
Para melhor elucidar a proposta do autor, explicitaremos cada uma das etapas
de recepção. Na leitura primária, temos a silenciosa compreensão afetiva do texto (o que
o texto significa para MIM). Neste momento, o leitor deve encontrar no texto um lugar
de sua dimensão pessoal. A partir da leitura silenciosa, comentários subjetivos são
feitos, tais como “Eu já senti isso”, “eu sou assim”, “na minha vida também já
aconteceu isso”, entre outros comentários pessoais.
Além disso, três traços caracterizam a leitura primária. O primeiro deles é a
leitura não duplicada, na qual o leitor não duplica a linguagem original do texto ou
tampouco a associa a uma linguagem crítica e da teoria literária:
[...] a leitura primária é, necessariamente, não-crítica e
afirmativa. O leitor penetra nas perspectivas oferecidas pelo
texto, completa os espaços esquemáticos e transpõe as
informações recebidas em representações, que continuam a
existir na sua consciência consideravelmente libertas, embora
não independentes da configuração textual. (Kügler, 1987,p, 36)
Nesta etapa, o leitor passa pelo processo de formação da ilusão, que é pessoal.
Há a relação com o texto porque o leitor o co-produziu. É a partir da formação da ilusão
que temos a segunda característica de leitura primária, intitulada por Kügler de projeção
e auto-inserção simulativa, na qual o leitor cria representações e projeções pessoais com
as quais se insere no texto como atuante e passa a executar padrões e comportamentos
oferecidos pelo texto. O leitor identifica-se com a personagem, com o espaço, com a
história e passa, com base nas informações do texto, a criar sua própria imagem, suas
personagens, sua narrativa.
A etapa final da leitura primária é marcada pelo deslocamento e pela
condensação do texto. O deslocamento caracteriza-se por aquilo que o texto representa
para o leitor, “o que é o texto para mim”, atendendo às expectativas e às necessidades
próprias do mesmo. A compreensão, as possíveis contradições e as explicações
presentes no texto são deixadas à margem. Em contrapartida, na condensação, temos a
reflexão (o que é o texto para MIM acrescido de uma reflexão), que nada mais é que
uma articulação de significado. Rompemos assim com a noção de que o texto atende
apenas às expectativas do EU, pois há ruptura com a formação de ilusão e conseqüente
articulação do significado, o que finaliza a etapa de leitura primária.
No segundo nível de leitura proposto por Kügler, a constituição coletiva do
significado, o leitor aprende a elaborar e articular a experiência de leitura vivida por ele
e a defender suas idéias perante os outros. Tal modalidade de leitura é realizada pelo
grupo de aprendizagem no qual o leitor está inserido. Desta maneira:
A constituição coletiva do significado (elaboração e confronto dos
modos de ler de responsabilidade subjetiva na sala de aula) ocorre, na
verdade, com a perda da ilusão, lograda na leitura primária, e com o
acréscimo de tentativas de racionalização da experiência de leitura.
(Kügler, 1987, p. 38)
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No último nível de leitura, modos secundários de ler, temos a discussão crítica e
dialógica dos textos e das experiências de leitura entre os alunos. Esse momento da
leitura não é realizada no projeto, uma vez que seu público-alvo é constituído de
homens adultos entre 18 e 60 anos, com formação escolar que varia de 5ª a 8ª série, ou
seja, não tiveram acesso à educação formal.
À metodologia, segue-se a aplicação prática das oficinas de leitura e produção.
ANÁLISE DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS
Nessa etapa, serão trabalhados os textos referentes à coletânea dois, como o
proposto anteriormente. A turma é composta por onze alunos sendo que, desses, apenas
quatro entregaram os textos que servirão como fonte de nossos estudos. Esta é uma das
dificuldades encontradas no decorrer do projeto na Penitenciária Estadual de Maringá,
ou seja, o trabalho é realizado com uma clientela especial e são vários os fatores que
levam ao atraso para receber o material produzido, além da flutuação dos participantes
que, muitas vezes, estão participando de outras atividades, ou estão impedidos de
freqüentar as oficinas por motivos disciplinares.
De uma maneira em geral, sabemos que o modo de leitura proposto pelo
educador alemão constitui-se de uma fase primária (o texto para MIM) que pressupõe
uma fase secundária (constituição coletiva de significado). Nesta fase secundária, o
leitor elabora o significado do texto, assumindo-se subjetivamente e, no confronto com
outros significados, no caso, aqueles produzidos pelos companheiros, aprende a
defender suas propostas de leitura perante os colegas.
Assim, dos quatros textos produzidos, apenas um se aproximou do que
chamamos de constituição coletiva de significado. Na maioria de suas leituras, os
participantes recontaram o enredo das narrativas lidas em sala de aula, pouco ou nada
acrescentando sobre possíveis temáticas ou interpretações. Dessa maneira,
preocuparam-se em narrar eventos:
O Peru de Natal, de Mário de Andrade, trás como personagens, uma
família e seus indesejáveis parentes, que sempre tinham mais atenção
do pai durante as visitas do que dos filhos, que se chateavam com a
situação. O pai chato segue uma doutrina, tem uma religião e
costumes diferentes. Todos os membros da família têm que
sujeitarem-se as doutrinas, que os privavam de muitas coisas boas de
do conforto.
Com a morte do pai, a família resolve deixar um pouco de lado as
manias do pais, as crenças dele e seus familiares, pretendem viver
uma nova vida, ter novos costumes, ma nova culinária, comprar
móveis novos e beber um bom vinho. (P. A. H. J)1
Essa atitude de leitura, entendida como reprodução do enredo, também pode ser
confirmada nas leituras dos sonetos, pois também observamos que retomam o texto com
suas palavras, mas nem sempre conseguem separar a sua voz da voz do poeta e o
mesmo acontece nas leituras de outros alunos:
1
Neste trabalho, não será utilizada a marcação de inadequação da norma gramatical brasileira por se
considerar que o uso do sic possui conotação pejorativa, desmerecendo os textos elaborados.
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Separação é palavra triste que corta o coração, soneto de separação é
ser feliz e perder é ter na vida uma aventura de amor e derrepente não
mais que derrepente perder esse amor. (M.C.G)
Soneto do amor total, amor total, é amar de todo coraca , é se entregar
de corpo e alma à uma paixão, amar tanto mas afim de encontra a
calma e ao mesmo momento amar como bicho com forte desejo
maciço e permanente, com o sentimento de amor total hei de morrer
de amar mais do que muitos amantes amaram. (M.C.G)
Como podemos notar, o leitor tenta recontar aquilo que leu e nesse momento
fala de seus próprios sentimentos, ou seja, fica apenas na leitura primária do texto.
Apesar do excerto anterior ser apenas uma parte do texto original produzido pelo
detento, todos os outros comentários tecidos pelo presidiário prenderam-se à leitura
primária. Algumas vezes, no decorrer da leitura, certos alunos quase iniciam a
constituição coletiva do significado, mas não vão muito adiante, pois não justificam
suas idéias com nenhuma base no texto:
O soneto ambiciosa não esta falando de uma busca por riqueza mas
por um amor que é como um fantasma que nem com o braços longos
não se pode alcançar. (O.M.C)
A respeito do soneto Amar, de Florbela Espanca, leitor tece o seguinte
comentário:
Esse texto expressa o sentimento de liberdade, sair olhar as coisas se
relacionar sem um compromisso com si próprio, o compromisso de
Amar! (O.M.A)
Ademais:
Esse texto transmite o sentimento de dor, a separação e suas causas, a
alegria que virou tristesa , do amigo próximo o distante, da calma fezse o vento. (O.M.A)
Algumas vezes, os alunos elaboram algum tipo de juízo de valor, não
desenvolvido, e se restringem a uma única expressão: “Na minha opinião esse texto
expressa o sentimento da alma, aquilo que somente o Eu pode revelar, é o oculto da
alma”. Esse tipo de leitura ainda se encontra na fase primária, visto que o aluno não
assumiu uma constituição coletiva do significado, posto que não avança na leitura.
Tome-se:
Após ler os textos, facilmente percebo que quase todos falam de um
só assunto, o amor. (P.A.H.J)
No excerto anterior, há a percepção por parte desse leitor que existe um tema
comum a todos os textos: o amor. Este outro leitor vai mais adiante ao afirmar que,
embora discorram sobre o mesmo tema, este assume um enfoque diferente em cada
poema:
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Todos tratam do sentimento, de uma forma diferente, é verdade, mas
não foge do enfoque, o amor, saudade, solidão, tristeza e alegria.
(P.A.H.J)
Ainda:
Os textos de Vinícius de Moraes, são sem dúvida alguma, umas
verdadeiras obras de arte. (...)
Levando em consideração minha ignorância no assunto, eu adorei
todos os textos (...) me identifiquei com um só texto; “Eu”, de
Florbela Espanca, o motivo é simples e único, retrata minha situação
desde que recluso encontro-me. (P.A.H.J)
Apesar de ter percebido essas nuances entre os poemas, o leitor não cita
exemplos retirados do próprio texto e, ao finalizar, confirmamos que o autor do excerto
anterior apenas deslocou o texto; o cenário ficcional foi ofuscado por ter sido ocupado
pela presença única do leitor que, dessa forma, não condensa suas idéias, ou seja, não
realiza a transposição da exposição à reflexão, reconhecida através do significado
articulado.
Nessa oficina, foram trabalhados textos dos gêneros narrativo, poético e textos
não-verbais, todos com grau de dificuldade diferentes: ora tínhamos poemas ou
narrativas complexas ora outros mais simples. Isso gerou uma certa dificuldade quanto
ao trabalho, pois exigia muito conhecimento prévio e a maioria dos participantes não
teve a oportunidade de estudar por muito tempo em escola regular. Disto deriva, muitas
vezes, a própria dificuldade de escrever de maneira clara, interferindo na exposição da
leitura deles.
Apesar do fato de que quase todos os detentos não chegaram à constituição
coletiva do significado, encontramos um aluno que o fez, realizando o processo de
condensação e modos secundários de ler:
Lendo pude ver como é bom ter disconfiança com quem se
relacionamos, porque aqui Ricardo, fes de tudo para conquistar,
Raqueu . Ela por ser uma mulher aparentimente romantica de boa
família. Apesar que ela não fala sobre a sua família, ela deu pista de
que tem uma vida razoavelmente bem, pela sua veste delicadeza que
demonstrou (...) (N.P.R)
Mas ao se entraga no tau paceio por um cemitério abandonado,
assustador, foi depositando toda sua confiança em Ricardo, que fes se
passar por bom moço até conquistar a confiança da ingênua Raqueu
que seguindo pelo romance que estava para ser realizado, cem saber o
que realmente seria aquele por do sol (...) (N.P.R)
O detento além de construir um comentário (“lendo pude ver como é bom ter
disconfiança”) o comprova com elementos do texto que mostram, de certa forma, a
posição social de Raquel e as intenções de Ricardo, ou seja, foi capaz de seguir as pistas
dadas pelo texto. No final de seu comentário de leitura, acrescenta:
(...) no começo da leitura , estava emtuziasmado com aquela história
romântica que por fim foi se transformando en uma crueldade
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imperduavel (sic), por ele ter comquistado a comfiança da moça e
depois ter traido-a , dechando-a , trancada no tumbulo. Confeso que
fiquei nervozo au terminar a leitura, foi emteresante , mas muito
triste o fim da história. (N.P.R)
Neste momento, o que importa perceber, a partir da leitura literária, é que o
sujeito conseguiu organizar seu mundo e que não ficou apenas na leitura primária, pois
sabe que o texto pode ser para “mim”, mas que tem elementos e estruturas próprias.
Devemos deixar claro também que, no momento da análise, não há a preocupação com
os desvios da norma padrão culta e tampouco é este o objetivo do projeto.
Para aqueles que realizam os modos secundários de ler o texto, diferente
daqueles que ficaram apenas nos modos primários, a literatura tem um caráter
formativo, segundo Lothar Bredella:
O sentido formativo do objecto reside precisamente no facto de o
aluno ter de aprender a reconhecer o objecto “literatura” por aquilo
que ele próprio é e de à literatura, como um fim em si próprio, caber
uma dimensão crítica contra a instrumentalização do saber.
(BREDELLA, 1989, p. 19)
Expostos à variedade de gêneros textuais, observamos que houve, entre os
detentos, um gosto maior pela poesia, o que resultou na tentativa de produção de
poemas como o abaixo transcrito:
Soneto o mais amado do amor
O amor é carinho segurança é
verdade regado de compreenção e
amizade, amor com mentiras
traz infelicidade tira a paz
O amor d’alma tem felicidade
A traição não vive com o amor
Vivendo no mesmo espaço o amor
Vira ódio mas o ódio não vira amor
Ódio é saudade solidão recordação
Lagrimas que rolam depois que se
Sabe que nunca ... nunca vai voltar
Amar o amor é não ter ódio
É ter com o amor fidelidade
É ter alegria só por amar o amor. (M.C.G)
Além de todo esse trabalho de leitura, solicitamos que os participantes façam um
plano do texto que irão redigir e dos textos lidos durante a realização da oficina. Com
esse esquema feito pelo detento, a intenção é facilitar o processo de escrita, organizando
suas idéias, delimitando tema, exemplos que possam ser dados etc. Dos presidiários que
participam, apenas dois fizeram o plano do texto (em uma folha separada); nos dois
casos, o plano era de suas produções textuais. Para exemplificar como esse
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planejamento é realizado pelos detentos vejamos um feito pelo aluno P.A.H.J sobre seu
texto, Primeiro e último:
1ª. – Falar na primeira pessoa
2ª. – Sentimentos: saudades, atração, aventura.
3ª. – Público alvo: leitor.
4ª. – Ambiente: favela onde morava, chuva e frio.
Assim, podemos perceber que mesmo em uma situação de exclusão, como é o
caso desses leitores, há a possibilidade de retirar do texto literário significados para suas
vidas. Isso se dá através da capacidade do indivíduo de perceber que o texto, além de ser
compreendido como material escrito, também pode ajudá-lo a organizar seu mundo
interior. Entretanto, acontece quando ele consegue ir além da história, listando
motivações e compreendendo o texto.
CONCLUSÃO
No presente artigo, procuramos demonstrar que a literatura pode contribuir para
a construção de significado para indivíduos em situação de exclusão social. Por meio de
oficinas de leitura, produção e compreensão de textos verbais e não-verbais, os detentos
da Penitenciária Estadual de Maringá tiveram a oportunidade de utilizar a literatura
como um veículo para sua ressignificação pessoal.
No módulo analisado, mesmo levando em consideração todas as dificuldades
apresentadas pelos detentos, foi possível verificar que alguns deles até reconhecem o
tema dos poemas e das narrativas trabalhadas, porém não estabelecem relações mais
íntimas sobre os mesmos, muito embora tenham percebido como foi cobrado esse tipo
de atitude durante as oficinas, perguntando-lhes: “Onde está isso no texto? Por que você
disse isso?”. Essa percepção dos temas se dá pelo fato de reconhecerem que o texto tem
suas peculiaridades, que vai além da noção de para “mim”; contudo, alguns não
conseguiram alcançar a constituição coletiva do significado e ficaram apenas na
superfície daquilo que foi lido.
Esperamos com esse trabalho assinalar novas formas de leitura e disseminar a
crença que a mesma é possível mesmo em um ambiente de exclusão social, caso dos
leitores da PEM. Mesmo não tendo em mãos o resultado total, foi possível apresentar
parte dele e esboçar o método de leitura do texto literário que se aplica no projeto.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura. São
Paulo, 24:803-809, set. 1972.
BREDELLA, Lothar. Introdução à didáctica da Literatura. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1989.
KÜGLER, Hans. Literatur under komunikation. Stuttgart: Ernst Keett, 1971. Trad.
Livre de Carlos E. Fantinati. In: MARTHA, A.A.P e outros. O ensino de literatura.
Relatório de pesquisa, 1987.
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