16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas
Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis
Processo, interação, valor, repetição e diferença. A efemeridade na
prática artística contemporânea
Vicente Martínez Barrios
Universidade de Brasília
Resumo: O presente texto procura contextualizar algumas das idéias que norteiam o
trabalho do artista em museus, galerias e Centros Culturais. Nos últimos anos, o
artista tem desenvolvido um trabalho com instalações efêmeras, nas quais aborda
questões relacionadas com a obra em situação e a relação que esta estabelece com o
espectador. No texto, tratamos também de algumas estratégias que deram origem às
práticas artísticas que têm sido adotadas.
Palavras-chave: Arte contemporânea, instalação, site-specific
Abstract: The essay aims to contextualize some of the issues that guide the artist’s
work in museums, galleries and cultural centers in recent years. Recently, the artist has
developed a body of work consisting of ephemeral installations, relating them to issues
of site specificity and interaction with the observer. In the essay we also analyze some
of the strategies that have originated the artistic practices identified.
Key words: Contemporary art, installation, site-specific
O presente trabalho apresenta algumas das idéias e reflexões que nortearam a
realização das obras de minha autoria que foram mostradas em exposições
individuais e coletivas recentes no Itaú Cultural/São Paulo e Belo Horizonte, no
Paço das Artes/São Paulo, Centro Universitário Maria Antonia/São Paulo,
Museo de Arte Moderno/Barranquilla- Colômbia, Casa da Cultura da América
Latina/ Brasília e Centro Cultural Banco do Brasil/Brasília.
A simplicidade das soluções é algo que me interessa. Saber aproveitar as
possibilidades que um determinado material oferece para trabalhar. A repetição
de um gesto simples como uma referencia aos gestos cotidianos repetitivos,
aos hábitos de nosso dia a dia.
Outra referência é o trabalho manual anônimo, por meio do qual procuro
encontrar na repetição de um gesto simples suas singularidades e, desta
forma, resgatar o seu valor. Seja trabalhando com um material como a fita
adesiva ou o papel oficio, materiais ao alcance de qualquer pessoa. Procuro
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tornar ou fazer visível por meio deste ato repetitivo o valor do trabalho anônimo.
O aspecto temporal, o tempo, neste sentido é de suma importância para
atingirmos este objetivo. Tornar visível esta temporalidade que faz parte do
trabalho manual.
No trabalho com a fita adesiva realizado em galerias, museus e centros
culturais, o meu interesse é desmistificar a obra de arte enquanto tal, partindo
do ready- made de Marcel Duchamp, que ampliou o conceito de arte e orienta
a nossa atenção para o seu contexto e as relações que estão em jogo num
determinado sistema. A atenção centrada até então no aspecto puramente
visual da obra, na experiência pictórica retiniana, passa a focar o aspecto
conceitual da mesma, através do ato de escolha de um produto industrial.
Guiado pelo que ele denominou principio da indiferença visual ou “a beleza da
indiferença”, como forma de fugir ao gosto, escolheu um urinol e declarou “isto
é arte”, ao exibi-lo na exposição dos Artistas Independentes em Nova Iorque.
Joseph Kosuth no seu livro Arte depois da filosofia declara que o ready-made
de Duchamp, “changed the nature of art from a question of morphology to a
question of function” e que “ all art (after Duchamp) is conceptual (in nature)
because art only exists conceptually”. Duchamp ficou profundamente irritado
com a maneira pela qual os neo-dadaistas se apropriaram do ready- made e
afirmou que “in Neo-Dada they have taken my ready-made and found beauty in
them. I threw the bottle rack and de urinal in their faces as a challenge and now
they admire them for their aesthetic beauty”.
Nos meus trabalhos com fita adesiva, esta é selecionada como produto
industrializado e como material de arte. Um das características que me atraem
na utilização da fita adesiva como material de arte é a sua assepsia, a sua
indiferença.
O
caráter inexpressivo que a mesma apresenta, é uma das
características que me fazem tomar partido no ato da sua escolha, como uma
marca da sociedade atual.
Outro elemento que me interessa e que considero importante na elaboração
do trabalho com a fita adesiva é a luz, observar como esta se comporta em
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relação com os corpos no espaço. Não se trata mais de uma luz no espaço
virtual de uma pintura e de uma pintura como janela do mundo, onde a luz é
utilizada para estruturar um determinado quadro e conduzir o nosso olhar para
o seu interior, ou modelar um corpo, mas sim a luz como elemento concreto,
palpável, inserida no espaço do mundo onde os corpos habitam.
Esta luz pode ser uma luz natural ou pode ser a luz artificial no interior de uma
galeria. A luz como sujeito transformador que estabelece uma interação com o
espectador, na qual a obra vai sendo construída. A luz como um fenômeno vivo
que articula e da vida ao trabalho. Brilho, opacidade, luminosidade,
cromatismo, transparência, aderência, relações espaciais, valor, são algumas
das questões levantadas neste trabalho. A fita adesiva como um elemento,
película que na sua simplicidade e no ato de ser colocada sobre a superfície da
parede modifica-a. O diálogo passa a ser da ordem da pintura, compreendida
como sistema, conceito. Pintura vista ao longo da sua história como película,
pele, que transforma e modifica uma determinada superfície.
Escolha um objeto, entre mais simples melhor, faça alguma coisa com ele,
transforme-o, modifique-o. É a capacidade de transformação o que mais
admiro no homem, a sua criatividade. Por isso, sempre me interessaram as
soluções engenhosas utilizadas pelos vendedores ambulantes nas ruas de
nossas cidades para comercializar e vender os seus produtos, a estética que
encontramos nas feiras, as intervenções realizadas na arquitetura das casas
nos bairros da periferia, a estética da gambiarra, da bricolagem.
Essa
espontaneidade é produto de uma necessidade e não de uma decisão de
ordem estética.
Sempre tive atração pelo desenho, por sua linguagem direta, sua nudez, a
maneira direta como o desenho nos confronta sem subterfúgios, e
principalmente também pelo aspecto processual como se apresenta. Nunca me
interessou o desenho realista que aspira somente a demonstrar um virtuosismo
arrogante. Fui atraído mais pela espontaneidade do desenho das crianças,
pelas inscrições e rabiscos nos muros da cidade. Esses interesses se refletiram
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na minha produção dos anos oitenta. O diálogo entre o que seria um bom
desenho e o que poderíamos chamar de um “mau desenho”, não acadêmico.
Por isso interessaram-me naquela época artistas como Pierre Alechinsky e
Philip Guston. Inicialmente fui atraído por uma figuração mais expressionista
mas com o passar do tempo abandonei essas referências para concentrar-me
nos próprios valores plásticos. Ao chegar aos anos noventa desenvolvi um
desenho mais processual, ou seja, que revelasse o seu próprio processo de
construção. Mais tarde caminhei na direção de um desenho mais conceitual e
mais reflexivo em relação ao próprio ato de desenhar. Um desenho visto como
conceito e também como raciocínio espacial.
No final dos anos oitenta senti a necessidade de romper com a retangularidade
da tela. Passei a cortá-la em diferentes fragmentos, que eram posicionados
diretamente sobre a parede da galeria e conectados entre si por meio de
cordas. Passei a utilizar a linha como figura, não para dar forma às coisas do
mundo (um cavalo, uma garrafa, um corpo, uma paisagem), mas sim uma
linha-linha que abandonava qualquer necessidade de ordem figurativa. Faço
desenhos diretamente sobre a parede. São desenhos nos quais a linha, como
um dos elementos que caracteriza o desenho tradicional é executada pela
pressão da mão sobre uma superfície de papel, modificada e passa a ser
impressa por meio da utilização de uma corda de algodão que transfere o
pigmento para a parede. A linha deixa de possuir uma caligrafia pessoal, um
virtuosismo no traço. Com este gesto passo a valorizar o traço anônimo.
Abandono o desenho e a caligrafia de caráter autoral que caracteriza “o
mestre”, o virtuosismo do traço. Esta série de desenhos, que chamo de
“desenhos para
caminhar com os olhos” exige para ser apreendida o
deslocamento físico do corpo do espectador no espaço. Somente assim a sua
apreciação será consumada. São desenhos que deixam de estar presos aos
limites da retangularidade do papel, para ocupar o próprio espaço em diálogo
com a arquitetura do local que habitam. Fazendo referência à tradição do
desenho que se inicia nas paredes das cavernas primitivas até chegar à
galeria, caverna moderna. Desenhos que não privilegiam um ponto de vista e
sim a relação entre espectador e a obra.
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Quando trabalho, gosto de fazer coisas com as mãos. O toque me parece
essencial. Tocar os materiais com os quais vou trabalhar, sentir sua
temperatura e observar as qualidades próprias inerentes a cada material, de
maneira a estabelecer um diálogo no qual possa
tirar proveito das
especificidades de cada material. Como quem toca peles, carnes, sentindo
suas diferentes texturas. O que nos diz cada material? Que sensações nos
comunica? É deste dialogo intimo com a matéria que nasce o meu trabalho.
Estou interessado em trabalhar com materiais do cotidiano, ao alcance de
qualquer pessoa. Procuro neste sentido uma “estética pobre”, que faz uso de
low technology, ou baixa tecnologia, de forma a aproximar o trabalho mais da
realidade. Este passa a ser um posicionamento político que me interessa
adotar, em sintonia com artistas com os quais desejo dialogar e que alimentam
o meu trabalho, como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Artur Bairro, Cildo Meirelles,
que optaram por elaborar seus trabalhos com materiais considerados “não
artísticos”, por ter pouco valor ou por serem materiais considerados nãotradicionais. A tensão que está presente na obra desses artistas, entre o local e
o universal, é algo que também me interessa abordar.
Quero que quando alguém se aproxime do meu trabalho, considere-o fácil.
Desejo, como resultado, algo que “pareça” fácil, ainda que a sua leitura exija do
espectador uma elaboração de ordem conceitual. Não estou interessado em
um tipo de arte que ao se comunicar com o espectador lhe fale que é arte com
letra maiúscula.
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Referências
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dezembro de 2004, Cartagena de Índias , Colômbia.
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PALHARES, P. Thaisa Helena , Catálogo de exposição, Ana Kesserling, Cristina
Barroso, Nazareth Pacheco, Rodrigo Andrade, Vicente Martinez, Centro Universitário
Maria Antonia, Universidade de São Paulo/USP
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Temporada de Projetos 2001-2002, Paço das Artes, São Paulo.
RICHTER, Hans. Dada Art and Anti-Art. New York: McGraw Hill, 1965
ZACCAGNINI, Carla. “O plano ampliado: Giancarlo Lorenci, Jarbas Lopes, José
Patrício, Karina Marques, Vicente Martinez”. In: Mapeamento Nacional da Produção
Emergente: Rumos Itaú Cultural Artes Visuais 1999-2000, São Paulo: Itaú Cultural/
Imprensa Oficial do Estado/ Editora Unesp, 2000.
Vicente Martinez Barrios
Artista. Professor Adjunto do Departamento de Artes Visuais, Instituto de Artes,
Universidade de Brasília. Atua na linha de pesquisa Poéticas Contemporâneas
do Programa de Pós-Graduação em Arte. Doutor em Comunicação e Semiótica
pela PUC-SP. Exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior.
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