A gestão do conhecimento nos escritórios de advocacia
Lara Cristina de Alencar Selem (*)
O objetivo empresarial das organizações modernas é atingir excelência
operacional no uso de seus recursos estratégicos: pessoas e conhecimento.
Mas, embora muita atenção seja dedicada ao estudo de pessoas, o
conhecimento, enquanto recurso empresarial, é pouco estudado, e a Gestão do
Conhecimento ainda é um sonho distante em quase todas as empresas
brasileiras, que continuam medindo o sucesso de seus processos em toneladas,
horas, metros e reais - sem identificar explicitamente a importância do
conhecimento.
No caso dos escritórios de advocacia, estes têm se utilizado do trabalho de
advogados para levar em frente atividades que geram conhecimento, tais como
a criação de documentação de precedentes jurídicos, a manutenção atualizada
da base legislativa e jurisprudencial, dentre outras tantas, através da utilização
sistemática da tecnologia.
No entanto, as condições de mercado têm se mostrado mais duras e os
escritórios de advocacia podem enxergar a Gestão do Conhecimento como uma
atividade não-essencial (por não ser faturável) e entender que, caso já
implantada, é passível de ser cortada e eliminada para manter a rentabilidade
da firma e, caso contrário, pode nem vir a ser cogitada.
De qualquer forma, entender que a Gestão do Conhecimento é uma atividade
não-essencial não é o melhor enfoque a ser dado a este tema. A Gestão do
Conhecimento vai para o coração do escritório e produz uma gama de benefícios
que pode ajudá-lo a sobreviver em tempos difíceis e prosperar em melhores.
O que é um Sistema de Gestão do Conhecimento?
Antes de olhar para como a Gestão do Conhecimento beneficia o escritório, é
importante compreender o que é um Sistema de Gestão do Conhecimento.
Sendo o conhecimento o principal recurso econômico que os escritórios de
advocacia têm a oferecer a seus clientes, então aquele passa por todas as áreas
da firma, e um Sistema de Gestão do Conhecimento pode abraçar diferentes
aspectos desse conhecimento.
Basicamente, Gestão do Conhecimento é um conjunto de processos, apoiados
por ferramentas de Tecnologia da Informação, voltados a capturar, organizar,
armazenar, proteger e - sobretudo - compartilhar o conhecimento das pessoas,
sob suas duas formas: conhecimento explícito (dados e informações) e
conhecimento tácito (habilidades e experiência).
Na prática, o importante é compartilhar todas as relevantes formas de
conhecimento, know-how e informação que incrementam o negócio do
escritório.
Quando se pensa em implantar um Sistema de Gestão do Conhecimento, o foco
é, com freqüência, em Tecnologia da Informação, mas esse é só um canal para
alojar e disseminar o conhecimento. A implantação do Sistema de Gestão do
Conhecimento necessita que seja ident ificado o tipo de conhecimento que o
escritório de advocacia deveria compartilhar para beneficiar a sua performance.
Geralmente, há quatro fontes de conhecimento em escritórios de advocacia:
Material publicado, como recursos bibliotecários, inclusive material on line (a
característica-chave é que este material pode ser adquirido);
Conhecimento pessoal e experiência dos advogados e demais membros da
equipe do escritório (contido nas cabeças das pessoas e expressado pelo
comportamento delas);
Conhecimento contido no produto de trabalho de um advogado, por exemplo,
pareceres, acordos, petições, etc. (pode ser localizado no sistema de
processamento de texto e arquivos de papel, e pode ser recolhido e
computadorizado);
Conhecimento especialmente desenvolvido, como por exemplo, precedentes
criados por profissionais de suporte ao trabalho dos advogados.
O Sistema de Gestão do Conhecimento deve focar na criação, captura e
disseminação do conhecimento e informação provenientes das diversas fontes
que apóiam os objetivos estratégicos do escritório. É bom lembrar que
administrar tal conhecimento pode não significar necessariamente codificá-lo
num sistema de computador. O conhecimento tácito (ou seja, o conhecimento
contido nas cabeças das pessoas), por exemplo, é sempre melhor transferido
diretamente entre as pessoas. Nesta situação, o Sistema de Gestão do
Conhecimento poderia facilitar colocando as pessoas umas em contato com as
outras.
É melhor pensar em conhecimento como um fluxo entre as fontes acima citadas,
ao invés de um objeto estático, e isto ajudará a dentificar as ações apropriadas
para gerenciá-lo. Por exemplo, um material publicado pode informar
conhecimento e experiência pessoal, que se manifesta nos produtos de trabalho
e que pode ser incorporado num material especialmente criado.
Também é bom lembrar que o conhecimento útil ao escritório não é restrito ao
conhecimento jurídico técnico, e que os mesmos princípios podem ser aplicados
ao conhecimento sobre o cliente, informações financeiras e de marketing, para
ajudar o escritório a alcançar os benefícios desejados. Então, qual são os
potenciais benefícios?
A economia do conhecimento
Nós estamos vivendo hoje numa economia onde o principal recurso que as
empresas tem que oferecer a seus clientes é o conhecimento. No caso da
prestação de serviços jurídicos, um escritório de advocacia é tipicamente uma
"empresa de conhecimento", eis que "vende" o conhecimento, experiência e
habilidades de seus dvogados a seus clientes.
Uma grande parte do valor em dministrar conhecimento, por exemplo, coletando
documentos e fazendo-os disponíveis a todos os membros do escritório, está em
proteger os ativos (conhecimentos) e reduzir as perdas de capital intelectual.
Particularmente em tempos de crise, quando há um provável aumento no
turnover de advogados, o escritório não quer perder todo o valioso investimento
despendido à sua equipe.
Alguns escritores discutem que a habilidade que as empresas de conhecimento
possuem em sobreviver, depende de sua habilidade de transferir conhecimento
entre seus membros para conter os efeitos da evasão dos indivíduos-chave.
Repositórios de conhecimento coletado e combinado, se torna parte da memória
organizacional do escritório e pode se tornar um recurso (ativo) que pertence à
firma, sobrevivendo aos originais contribuintes daquele conhecimento. É
importante manter tais repositórios atualizados com a contribuição constante e
em dia do conhecimento compartilhado entre os demais membros da equipe.
O conhecimento administrado não é apenas útil aos membros do escritório,
como também é um recurso para auxiliar estagiários e novos advogados a se
integrar à equipe e fazer com que eles próprios adquiram maior velocidade em
seu trabalho. Isso destaca o próximo grupo de benefícios associados com a
gestão do conhecimento.
Os benefícios
Uma boa parte dos escritórios já reconheceu que os benefícios-chave do
gerenciamento do conhecimento são o aumento de eficiência e qualidade.
Muitos escritórios lançam seus projetos de Gestão do Conhecim ento quando se
tornam maiores, para prevenir seus advogados da redundância do trabalho
(reinvenção da roda) quando eles podem re-utilizar o trabalho que outros
advogados já desenvolveram. Esta eficiência traz benefícios, tais como permitir
que dvogados senior deleguem mais trabalho aos advogados junior e se
concentrem em atividades de maior valor agregado. Isso aumenta a realização
do trabalho (porque menos tempo é jogado fora, por exemplo, em atividades de
pesquisa que não podem ser cobradas do cliente) e realmente pode aumentar a
rentabilidade do escritório.
Apesar de intrínseca, a qualidade é considerada como um dos fatores mais
críticos de sucesso da entrega de serviços jurídicos. A Gestão do Conhecimento
facilita o compartilhamento do conhecimento e ajuda a prover um serviço
jurídico de alta qualidade pelo escritório, evitando, por exemplo, que haja
posicionamentos diferentes acerca da mesma questão e oriundos da mesma
equipe.
A Gestão do Conhecimento também pode ser utilizada como uma ferramenta de
marketing e retenção de clientes novos e existentes, ao exibir como os
investimentos do escritório são aplicados na prática. Então, a satisfação do
cliente pode ser outro subproduto importante da Gestão do Conhecimento.
Não apenas o conhecimento compartilhado ajuda com uma gama de processos
de tomada de decisão devido à captura da experiência passada, como também
os Sistemas de Gestão do Conhecimento se tornam mais valiosos em escritórios
de advocacia, e é provável que se tornem um ponto importante no recrutamento
e retenção de advogados. Quando é difícil para um advogado se manter
atualizado quanto à legislação nacional, um bom Sistema de Gestão do
Conhecimento dará esse conforto e apoio.
Também é provável que seja considerado na carreira do advogado a utilização
de tais sistemas como um elemento essencial para suas vidas profissionais.
Serve como ferramenta de treinamento pela qual a bagagem de conhecimento
pessoal de um advogado pode ser aumentada via conhecimento compartilhado.
Também pode ser um fator motivacional em razão da remoção dos elementos
mais repetitivos do trabalho jurídico, permitindo a concentração em aspectos
mais interessantes e modernos da prática.
A construção da Gestão do Conhecimento como uma função-chave do escritório
pode também ter um efeito em sua cultura como um todo, baseado no
compartilhamento de conhecimento entre as pessoas. Pode, então, nutrir um
ambiente compartilhado onde advogados trabalharão juntos em equipes e
combinarão seus conhecimentos em benefício dos serviços prestados pelo
escritório a seus clientes.
A implementação da Gestão do Conhecimento
A implementação da Gestão do Conhecimento é um programa que enfrenta
difíceis barreiras dentro do escritório. Em primeiro lugar, conhecimento é um
assunto complexo, que envolve uma grande dose de subjetividade. Em segundo,
até que a gestão de conhecimento comece a contribuir para o trabalho dos
advogados, todos no escritório têm que gastar um tempo extra com o assunto.
Depois, e isso é o mais complicado, as pessoas pensam que após ter "extraído"
seu conhecimento, a organização não vai mais precisar delas, e resistem a se
envolver. Por isso, o programa deve começar com um objetivo específico e
limitado, visando a diminuir o número de pessoas (e o volume da resistência)
envolvidos, atingir o objetivo a curto prazo e conseguir um efeito de
demonstração, que servirá para estender a amplitude de ação.
Cássio Dreyfuss, vice-presidente e diretor de pesquisa para a América Latina do
Gartner Group Brasil, sugere os passos de um projeto típico:
1. Identificar um problema:identificar um processo específico no qual
administrar o conhecimento envolvido possa fazer a maior diferença;
2. Começar a mudança:sensibilizar o público-alvo para o projeto, sensibilizar
toda a organização para a nova disciplina, projetar e iniciar o processo de gestão
da mudança, que acompanha o projeto em todas as suas etapas até o final;
3. Mapear o conhecimento:usando metodologias e ferramentas de Tecnologia da
Informação próprias, mapear o conhecimento. O mapa do conhecimento
identifica todos os objetos de conhecimento envolvidos e seus relacionamentos
(as "coisas" e as relações entre elas), criando uma taxonomia do conhecimento
no domínio específico do problema. Esse mapa permite a criação da estrutura
(vazia) de um repositório (base de dados) que receberá o conhecimento;
4. Criar o repositório de conhecimento:usando técnicas de interação e
ferramentas de Tecnologia da Informação apropriadas, "povoar" o repositório
com conhecimento específico. Essa é a parte mais delicada, pois consiste em
"extrair" o conhecimento das pessoas;
5. Criar acesso:definir processos que levem as pessoas a capturar, organizar,
armazenar, proteger e compartilhar o conhecimento como parte normal do seu
processo de trabalho;
6. Medir o resultado:após o novo processo ter sido implantado (e absorvido),
medir os novos resultados do processo, refletindo a contribuição da gestão de
conhecimento.
A importância da Gestão do Conhecimento
Ao final, a Gestão do Conhecimento, apesar de seu nome, se refere a alguns
aspectos básicos da administração de um bom escritório de advocacia, e é
essencial para sua sobrevivência e crescimento. E, ao contrário do que se possa
pensar, não é uma atividade restrita a escritórios de médio e grande po rte.
Pequenos escritórios podem não conseguir investir em caras infra-estruturas de
Tecnologia da Informação ou empregar um profissional dedicado ao apoio de
advogados nesse mister, mas o tamanho do escritório pode habilitar o
gerenciamento de seu conhecimento baseado no compartilhamento entre seus
membros e seu alojamento em pastas de seus sistemas-padrão de informática,
por exemplo.
Para os escritórios que pretenderem atravessar tempos de recessão na melhor
forma possível, a manutenção de seus Sistema s de Gestão do Conhecimento
pagará dividendos, tanto a curto, quanto a longo prazo.
Referências:
1. Sveiby, K. E.; Lloyd, T. Managing KnowHow. Bloomsbury, 1986.
2. Dreyfuss, C. Conhecimento: o recurso empresarial do novo milênio. Revista
Business Standard, Outubro/2002
(*) Lara Cristina de Alencar Selem - Advogada e Consultora em Gestão de Serviços Jurídicos, Master of Business Administration pela Baldwin
Wallace College (Ohio, EUA) em convênio com a FAE Business School (Curitiba, PR), autora do livro "Estratégia na Advocacia: Planejamento
para Escritórios de Advocacia - uma ferramenta para competir"
Fonte: Gazeta Mercantil - Disponibilizado em 11/03/ 2004
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