RESTAURAÇÃO E NÃO RESTAURAÇÃO
José Luiz M. Menezes
O título da comunicação tem sua razão de ser. A intervenção realizada na Sinagoga
Kahal Zur Israel não se enquadra no que entendemos por intervenção restauradora.
Acreditamos que restaurar, considerando a intervenção voltada a uma obra de arte,
qual uma pintura ou escultura, seria retornar ou reparar aquele a obra a um tempo em
que sua leitura estava de acordo com o criado pelo autor. A intervenção segundo tal
compreensão não parece se aplicar integralmente à arquitetura. A criação
arquitetônica é destinada, assim é sua natureza ao uso pelo homem. Um uso utilitário
sobremaneira. Não é alvo somente da fruição estética, mas abrigo e proteção diante
da apropriação do espaço para á vida do homem. Diante de tal característica na
maioria dos casos ela nem sempre permanece com a forma qual foi criada. Gentes de
diferentes gerações com seus hábitos e modos de vida intervém no lugar de morar, ora
com poucas modificações outras vezes de maneira bem acentuada à ponte de
descaracterizar o criado segundo seu aspecto inicial. O interesse de restaurar o objeto
na sua forma original, por meio de uma intervenção restauradora não parece ser
tarefa fácil. Restauração, desde seu aparecimento como ação reparadora da
arquitetura, tem sido objeto de enormes críticas. Ruskin, no século XIX, não admitia
nenhuma intervenção na arquitetura uma vez que esta retiraria a pátina do tempo
dessa criação. No entanto, apesar desse crítico, restaurações foram realizadas inclusive
por conta de edificações que sofreram mutilações ou mudanças que a fizeram
perderem suas importâncias diante do que elas representavam no seu tempo.
Algumas ações foram tão radicais que o tempo de existência de um edifício,
importante na sua história, deixou de ser considerado e se buscou, em alguns casos
em Portugal, por exemplo, uma pequena construção que tinha sido criada e à qual se
somaram muitas intervenções importantes diante do interesse político nacionalista
relacionado com a História da Nação. A questão tem sido alvo de inúmeras páginas de
pura filosofia da arquitetura. É o caso da pequena igreja românica de Cedofeita, no
Porto, onde toda a sua vida construtiva foi eliminada na busca de um tempo que
sequer se sabe ter existido.
A idéia mais presente em intervenções restauradoras é considerar a vida da edificação
e intervir o mínimo e com bases documentais bem consideráveis. Mesmo assim resta
sempre a pergunta: de que tempo é este lugar, feita pelo Historiador Kelvin Linch.
Assim, e com tal princípio, então aceito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, IPHAN, se realizou a intervenção restauradora da Igreja de Nossa
Senhora da Graça do extinto Colégio dos Jesuítas de Olinda. A documentação
disponível, imagens, história e arqueologia possibilitaram o resultado ora visível no
edifício. Para diferenciar as partes novas das antigas se empregou material com
textura diferente. O resultado não tem sido contestado e a restauração foi realizada
tendo por objetivo ressaltar a importância da edificação no contexto de Olinda e de
sua História. O procedimento adotado teve inicio com a reunião de todos os
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documentos textuais e gráficos que tivessem relação com o edifício. Logo quando
iniciada a obra se retirou todo o reboco da construção, o que possibilitou achado de
grande interesse para a restauração. Depois se realizou uma pesquisa arqueológica no
interior da igreja. Reunindo todo esse material foi reformulado o projeto de
intervenção inicial. O tempo da construção que tenha relação com a história do
edifício não está determinado senão segundo a importância do material encontrado.
Em Olinda podemos considerar que diante das diversas teorias que envolvem a
intervenção restauradora ocorreu uma restauração na igreja de Nossa Senhora da
Graça de Olinda aos moldes daquelas realizadas pelo órgão oficial, o IPHAN.
Desde longa data os judeus desejavam localizar no Recife, na antiga Rua do Bom Jesus,
a Sinagoga Kahal Zur Israel construída no século XVII. Não havia identificação aceitável
para a antiga construção dos judeus Sefaradi. As indicações conhecidas eram
discutíveis. Com a realização do Atlas Cartográfico e Histórico do Recife, em 1985, o
arquiteto José Luiz Mota Menezes identificou o local dos prédios de número 12 e 14 do
Inventário do Tabelião Misquita, de 1654. Logo depois o Historiador José Antônio
Gonsalves de Mello encontrou documentação correspondente ao local e relacionado
com tais prédios pertencentes à Santa Casa de Misericórdia do Recife. Com tal
localização segura. A comunidade judaica iniciou um movimento no sentido de garantir
a preservação do local pelo seu interesse histórico e religioso. O primeiro momento
indicava a realização de uma pesquisa arqueológica nas duas construções. O
arqueólogo Ulysses Pernambucano e aquele arquiteto foram convidados para tal
tarefa que, infelizmente, não se materializou totalmente. A identificação dos imóveis
que constituíam tal sinagoga foi assinalada com placa alusiva de autoria do Arquiteto
Bernardo Dimenstein. Quando esteve como ministro da cultura o professor
Welffort...o Banco Safra, cuja diretoria tem na presidência um judeu sefaradi, apoiou a
Federação Israelita e com uso da Lei Rouanet teve início uma pesquisa arqueológica,
realizada pelo arqueólogo e professor universitário Marcos Albuquerque e um projeto
de intervenção então do arquiteto José Luiz Mota Menezes. A idéia era restaurar a
Sinagoga.
Um projeto de arquitetura foi realizado e para sua materialização se empregaram
documentos então pesquisados pelo referido arquiteto e relacionados com a
cartografia histórica, os registros da COMPESA, e imagens diversas, pinturas, gravuras
e fotografias.. Tendo por base tal projeto se obteve os recursos financeiros previstos
naquela Lei. A primeira etapa das obras foi a realização, financiada pelo Banco Safra,
daquela pesquisa arqueológica. Concluída a pesquisa ela identificou inúmeros
elementos arquitetônicos inclusive o micvé que comprovou a certeza do lugar. No
entanto pouco se conseguiu em termos de material capaz de se efetivar uma
restauração da construção sefaradi. Com relação à fachada voltada para a Rua do Bom
Jesus, desenhada a partir das informações antes referidas, a intervenção da segunda
metade do século XIX de responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia do Recife
destruiu evidências importantes para tal restauração. Por outro lado, essa rua tinha
sido elevada 0,70m com relação ao piso térreo original daquela Sinagoga. Refazer as
seis portas era quase impossível e se feito se teria um resultado desastroso. O interior
do prédio, na verdade dois por força de uma divisão antiga do imóvel original, permitiu
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se refazer no plano as dimensões do original espaço do culto, mas o nível do piso do
pavimento superior estava mais alto cerca de 0,70m, pois o soalho antigo se elevara
quando subira o piso do térreo naquela segunda metade do século XIX. O espaço
estava preservado geometricamente, mas não em sua essência. Por outro lado, os dois
prédios depois de 1654, precisamente quando o Mestre de Campo General Fernandes
Vieira, a quem coube receber o prédio como premio de guerra, o doou em testamento
aos Padres Oratorianos do Recife, foram ampliados na sua parte junto ao Rio Beberibe.
Tal ampliação demoliu a parede de fundos da Sinagoga. Nada se pode conhecer a
respeito do forro daquele espaço de culto onde ficavam os bancos, a arca e o bimá. As
paredes laterais da construção e a central revelaram o sistema construtivo e as
diferentes fases da construção. Quanto ao telhado este não se alterou quanto a forma
e sim com relação a estrutura que foi refeita depois de 1654.
Com tais resultados se avaliou o projeto anterior e se refez tomou uma decisão que
alterou todo o desejado quer pelos judeus ou arquiteto. Não se faria a restauração do
exterior ou mesmo do interior na busca de uma sinagoga que não mais seria aquela do
século XVII. O que seria destacado no resultado teria relação com a arqueologia e não
com a vontade de se restaurar o edifício seiscentista.
Diante de tal partido arquitetônico de intervenção se materializou da seguinte
maneira:
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1 RESTAURAÇÃO E NÃO RESTAURAÇÃO José Luiz M. Menezes