Orgão Oficial da Associação Portuguesa de
CUIDADOS PALIATIVOS
volume 01 - número 02 - outubro 2014
Significado da alimentação em Cuidados Paliativos
O Psicólogo em Cuidados Paliativos:
uma reflexão possível
Investigação colaboracional e multicêntrica
em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da
realidade e perspetivas sobre como promover
e melhorar
Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem
no processo de diagnóstico clínico
Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos
no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova
actividade e discussão do contributo multidisciplinar
no final da vida
Identificação da necessidade em doentes de
Medicina Interna
Desenvolvimento histórico dos Cuidados Paliativos:
visão nacional e internacional
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
1
indice
05
Editorial
07
Artigo especial
14
Artigo original
O Psicólogo em Cuidados Paliativos: Uma reflexão possível
Investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos em Portugal: traços da realidade e perspetivas sobre como
promover e melhorar
Últimos dias ou horas de vida: fatores que interferem no processo de diagnóstico clínico
Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos no interior Norte de Portugal – casuística de uma nova actividade e discussão do contributo multidisciplinar no final da vida
Cuidados Paliativos: Identificação da necessidade em doentes de Medicina Interna
Cuidados Paliativos: saída do impasse? a caminhar para a expansão?
Desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos: visão nacional
e internacional
Significado da alimentação em Cuidados Paliativos
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
3
Conselho Científico
Diretor
Prof.ª Doutora Maria dos Anjos Dixe
Prof. Doutor Manuel Luís Capelas
Prof.ª Doutora Maria Emilia Santos
Sub-diretor
Mestre Ana Bernardo
Comissão diretiva
Direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos
Prof.ª Doutora Helena José
Prof.ª Doutora Zaida Charepe
Doutora Joana Mendes
Prof. Paulo Alves
Prof.ª Maria João Santos
Prof.ª Patrícia Coelho
Comissão Científica
Mestre Alexandra Ramos
Prof.ª Doutora Paula Sapeta (presidente)
Mestre Ana Bernardo
Prof. Doutor José Manuel Pereira de Almeida
Mestre Catarina Pazes
Prof. Doutor Sérgio Deodato
Mestre Cátia Ferreira
Prof. Doutor Telmo Batista
Mestre César Fonseca
Doutor José Nuno Silva
Doutora Bárbara Gomes
Doutora Carla Reigada
Doutora Sandra Pereira
Mestre Catarina Simões
Mestre Edna Gonçalves
Mestre Isabel Galriça Neto
Mestre Cristina Galvão
Mestre Cristina Pinto
Mestre Filipa Tavares
Mestre Helena Salazar
Mestre José Eduardo Oliveira
Mestre Mara Freitas
Mestre Margarida Alvarenga
Mestre Maria de Jesus Moura
Comissão Científica Internacional
Mestre Miguel Tavares
Prof. Doutor Alvaro Sanz Rubiales (Espanha)
Mestre Nélia Trindade
Prof. Doutor Carlos Centeno (Espanha)
Mestre Paulo Pina
Prof. Doutor Jaime Boceta Osuna (Espanha)
Mestre Sandra Neves
Prof. Doutor Javier Rocafort (Espanha)
Mestre Sónia Velho
Prof.ª Doutora Maria Nabal (Espanha)
Mestre Fátima Ferreira
Doutor José Carlos Bermejo (Espanha)
Frei Hermínio Araújo
Prof. José Luís Pereira (Canadá)
Dr. Eduardo Carqueja
Dr. Enric Benito (Espanha)
Dr. João Sequeira Carlos
Dr. Ricardo Tavares (Brasil)
Dr. Lourenço Marques
Dr.ª Maria Goreti Maciel (Brasil)
Dr. Rui Carneiro
Dr.ª Alina Habert (Brasil)
Comissão Consultiva
Dr.ª Ana Lacerda
Grupo de reflexão ética da APCP
Dr.ª Elga Freire
Direção da APCP
Dr.ª Carolina Monteiro
Dr.ª Marília Bense Othero (Brasil)
Revisores
Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas
Prof. Doutor João Amado
Prof. Doutor Luís Sá
Prof. Doutor Manuel Luís Capelas
Dr.ª Rita Abril
Normas de referenciação bibliográfica
Vancouver superscript
Prof. Doutor Pedro Ferreira
Secretariado
Prof.ª Doutora Ana Querido
Ad Médic Administração e Publicações Médicas, Lda.
Ficha técnica
Revista Cuidados Paliativos
Diretor: Prof. Doutor Manuel Luís Capelas
Editor: Direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos
Propriedade, Edição e Redação: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos
Morada: Serviço de Cuidados Paliativos, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E.
Rua Dr. António Bernardino de Almeida 4200-072 Porto, e-mail: [email protected]
Periodicidade: Semestral
Design Gráfico e Publicidade: Ad Médic Administração e Publicações Médicas, Lda.
Calçada de Arroios, 16 C - Sala 3, 1000-027 Lisboa, e-mail: [email protected]
Isenta de Registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/99 de 9 de Junho, artigo 12, nº1 – A.
ISSN 2183-3400
4
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Editorial
Cuidados Paliativos: saída do impasse?
a caminhar para a expansão ?
Paula Sapeta
Presidente da Comissão Cientifica da Revista Cuidados Paliativos
A Revista Cuidados Paliativos da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP)
tem como propósito principal publicar e divulgar a produção científica original na área
dos Cuidados Paliativos, quer de autores nacionais, quer internacionais. Procura, deste
modo e implicitamente, mostrar as evidências produzidas pelos profissionais implicados
na prática de cuidados paliativos de Portugal.
Tornou-se difícil reunir um número suficiente de artigos científicos para compor este
número 2 da revista, talvez um sinal das inúmeras dificuldades que os profissionais de CP
tem de, em primeiro lugar, investigar e a seguir publicar; por outro lado, um indicador da
fase de desenvolvimento dos Cuidados Paliativos no nosso país.
A Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, publicada na Lei nº 52/2012 de 5 de setembro
enuncia os princípios, clarifica termos e conceitos, estabelece a organização, apresenta as tipologias previstas, mas ainda carece de Regulamentação. Não obstante este
atraso na regulamentação, a lei funcionou como um ‘alerta’ importante para toda
a sociedade em geral, e para os responsáveis e gestores dos hospitais e serviços do
Sistema Nacional de Saúde, em particular. Temos conhecimento de várias iniciativas,
públicas e privadas, para ‘arrancar’ com novas equipas, reconhecemos o esforço que
os seus responsáveis estão a desenvolver, as preocupações com a composição das
equipas, a sua qualificação e formação - e o quão difícil está a ser a celebração de
contratos com profissionais detentores de formação avançada, devida aos constrangimentos decorrentes da conjuntura social, económica e política. Multiplicam-se os
projetos, os pedidos de formação para os profissionais, acreditamos que se trata de
um esforço sério. Para a APCP o desafio é apoiar estes projetos, contribuir para a sua
consecução, construção e consolidação. Ao mesmo tempo, tem o dever de escrutinar
a observância dos critérios de qualidade e os resultados efetivos, diferenciando os que
estão a ‘caminhar’ no sentido pretendido ou não, nos termos previstos na Lei.
Numa outra perspetiva, encontramos a difícil realidade de doentes e famílias. Sem
respostas adequadas em hospitais de ‘agudos’ e com escassas alternativas de suporte
na comunidade, designadamente na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). O Relatório da Entidade Reguladora da Saúde1 dá conta da desigualdade no acesso e na distribuição geográfica dos recursos em cada região. Além de
que, no âmbito da RNCCI, as equipas de cuidados paliativos não foram as que mais se
incrementaram nos últimos anos, seja em número, seja na qualificação dos seus membros, apesar de serem das mais prementes e urgentes. Esta análise intensifica a necessidade de regulamentar a Lei de Bases de CP e sobretudo de ver comprometidos os responsáveis políticos ou não, em replicar os exemplos de sucesso, recrutar os profissionais
que reúnam o conjunto de competências necessárias para alcançar os padrões de
qualidade, numa ação objetivada em preservar a dignidade, garantir conforto, qualidade nos últimos dias de vida, de cada doente e suas famílias.
1
Avaliação do Acesso dos Utentes aos Cuidados Continuados de Saúde. Relatório da Entidade
Reguladora da Saúde. 2012
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
5
Apesar dos cuidados paliativos em Portugal existirem desde 1992/1994, continuam a
ser uma área relativamente recente, ainda estamos numa fase inaugural, a ‘desbravar
terreno’, a vencer resistências, preconceitos e tabus que existem na população em
geral, mas também nos profissionais de saúde. Muito está por fazer, investigar, definir e
consolidar. Pouco adianta a existência da lei, se ela não for exequível em termos práticos, ou ainda que o seja, ser inviabilizada por constrangimentos económicos, culturais,
crenças ou valores arreigados a tabus ancestrais. Provavelmente um dos desafios é o
de orientar a investigação para a demonstração das necessidades da nossa população, do custo-efetividade da implementação de serviços/equipas de cuidados paliativos, dos processos e dos resultados conseguidos, e deles fazer notícia, publicando-os.
Por exemplo na revista de Cuidados Paliativos, da APCP. l
Artigo especial
Desenvolvimento histórico dos Cuidados
Paliativos: visão nacional e internacional
Manuel Luís Capelas
Enfermeiro, Docente no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Doutor em
Ciências da Saúde
Sandra Catarina Fonseca Simões da Silva
Enfermeira, Unidade de Cuidados Paliativos da CLIPÓVOA
Margarida Isabel Santos Freitas Alvarenga
Enfermeira, Serviço de Cuidados Paliativos do IPO Porto
Sílvia Patrícia Coelho
Enfermeira, Docente no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Doutoranda
em Enfermagem
Resumo
A história e evolução dos cuidados paliativos a nível nacional e internacional ajudam a
demonstrar as etapas do desenvolvimento desta área científica, assim como a revelar
conjuntos de documentos que pela sua importância contribuíram para esta evolução.
Pretende-se com este artigo especial dar a conhecer esta evolução e realizar uma
síntese de documentos nucleares em cuidados paliativos, a nível nacional e internacional.
Abstract
The history and the evolution of the palliative care at national and international level
help to demonstrate the steps of the development of this scientific area of the care, as
well as to reveal sets of documents for its importance contributed to this development.
This paper aims to make known this evolution a to make a synthesis of the primordial
documents in the field of the palliative care, at national and international level.
Resumen
La historia y la evolución de los cuidados paliativos en los planos nacional e internacional ayudan a demostrar las etapas del desarrollo de esta área científica, y para
mostrar conjuntos de documentos para su importancia contribuyeron a este desarrollo.
El objetivo de este artículo especial para llevar esta evolución y hacer una síntesis de
los documentos nucleares en los cuidados paliativos a nivel nacional e internacional
Palavras-chave
Cuidados Paliativos, história,
legislação.
Key words
Palliative Care, history, legislation.
Palabras-llave
Cuidados Paliativos, historia,
legislación. cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
7
Evolução histórica e legal internacional
O surgimento dos cuidados paliativos, na
sua perspetiva mais moderna, combinando cuidados clínicos, formação e investigação, reporta-se ao final dos anos 50 e
início dos anos 60 do século passado.1 Foi
catalisador deste acontecimento, o encontro, num grande hospital universitário
londrino em 1948, de Cicely Saunders com
um doente, judeu polaco que com 40
anos estava a morrer de cancro e que lhe
levantou o desafio de melhor compreender o adequado controlo da dor e outros
sintomas. Tudo culminou com a abertura
do 1º hospice da era moderna em Londres,
em 1967, o St. Christopher’s Hospice.2
No entanto, importa revisitar historicamente a sua evolução ao longo dos tempos e identificar alguns marcos mais significativos.
Até ao século IV a.C. não se considerava
ético tratar o doente durante o seu processo de morte. Os médicos tinham medo
de o fazer, pelo risco de serem castigados
por estarem a desafiar as leis da natureza.3
Após a propagação do Cristianismo, estabelece-se a necessidade de ajudar estas pessoas, surgindo a primeira instituição
para ajudar os desprotegidos, doentes e
moribundos em Roma, por Fabíola, como
resultado do seu compromisso cristão.2–4
É neste contexto que surge a ligação do
termo hospice (do latim hospititium), com
hospitalidade, pois era esse o seu significado, e que passaria a identificar locais onde
os peregrinos descansavam e que, progressivamente, foram também acolhendo
doentes e moribundos, passando-se a associar o termo hospice a estes locais.3–7
Mais tarde, no século XI, os cruzados acreditavam ter sido os primeiros a criarem casas para doentes incuráveis, existindo mesmo a Ordem dos Cavaleiros Hospitaleiros
que abriu a primeira casa deste tipo três
séculos mais tarde.7 Embora, neste período
da Idade Média, o número de instituições
de acolhimento de cariz religioso tenha
8
aumentado exponencialmente, passou-se
por um período de cerca de 3-4 séculos
em que se verificou uma diminuição devida à perda de influência das ordens religiosas por altura da Reforma.4,7
Só mais tarde, no século XIX, e desta vez
como locais de prestação de cuidados a
doentes em final de vida, ressurgiram de
forma mais clara e evidente estas iniciativas, continuando associadas a Ordens religiosas, com duas grandes pioneiras: Jeanne Garnier e Mary Aikenhead.4,6,8
Jeanne Garnier fundou a Ordem religiosa Association des Dames du Calvaire e
em que após o seu contacto com a população doente, das zonas mais degradadas
de Lyon, sentiu a necessidade da abertura da primeira instituição específica para
doentes moribundos, no mundo, em 1843
em Lyon. Mais tarde, em 1874 e em 1899,
abriram outras instituições, em Paris e Nova
Iorque respetivamente.2,3,8
Por sua vez, Mary Aikenhead, enquanto
Superior da Ordem Irish Sisters of Charity
promoveu a abertura do Our Lady’s Hospice for the Dying em Dublin, no ano de
1879.3,4,7,8 Mais tarde, em 1893 e em 1905
fundam o St. Luke’s Home e o St. Joseph’s
Hospice em Londres.2,3
Até esta altura, o alívio sintomático era o
objetivo principal do tratamento clínico visto as doenças evoluírem de acordo com a
sua história natural. No século XX a medicina transferiu a sua orientação para a descoberta das causas e cura das doenças,
relegando o controlo sintomático para segundo plano.4
Mais tarde, nos meados do século passado, Cicely Saunders, com a sua postura
de grande atenção e proximidade, humana e científica aos doentes, constatou que
a tendência era de ocultar o prognóstico
e situação clínica a estes, que o local de
morte estava a transferir-se para o hospital
e que se verificava uma cada vez maior
“repressão” da expressão em público das
emoções perante a morte, o que revelava
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
que a sociedade tinha perdido as suas estratégias de enfrentamento da sua própria
mortalidade.4
Foi em resultado destas constatações e
da sua permanente inquietude, que Cicely
Saunders foi a pioneira do Movimento Moderno dos Hospices, com a fundação do
St. Christopher’s Hospice, em Londres, no
ano 1967, e depois em 1969 o programa de
cuidados paliativos domiciliários.3,4,7,9
Este movimento teve como imperativo,
a conjugação das novas competências
em controlo da dor e outros sintomas,
compreensão dos diversos problemas do
doente e família, assim como da formação
e investigação.5
É a partir deste movimento, que os cuidados ao doente em fim de vida começam o seu desenvolvimento exponencial,
ao longo de todo o globo, procurando
abranger todos os povos, e cujos marcos
significativos, a nível internacional, passamos aqui a enunciar.
Assim, nos anos 60 foi fundada a primeira
unidade de cuidados paliativos (UCP) na
Coreia, no Calvary Hospice of Kangnung
em 1965, pelas irmãs católicas da Little
Company of Mary. Dois anos mais tarde,
foi fundado em Londres, o St. Christopher’s
Hospice, que seria a referência dos cuidados paliativos modernos. Também nesta
década, no seu final, em 1969 Elizabeth
Kubler-Ross edita o seu importante livro On
Death and Dying o qual em muito vai contribuir para a compreensão da fase final
da vida.1,3–15
Na década de 70, surgem os primeiros
serviços de cuidados paliativos no Japão,
Noruega, Estados Unidos da América (EUA),
Canadá, Polónia, Suécia, assim como a 1ª
equipa intra-hospitalar e domiciliária do
Reino Unido. No que respeita a organizações internacionais surge a International
Association for the Study of Pain e a Japanese Association for Clinical Research
on Death and Dying. Acontece, também,
em Montreal, o primeiro congresso interna-
cional na área, o 1st International Congress
on the Care of the Terminally Ill. Um outro
marco importante surge na Áustria com a
formação pré-graduada em cuidados paliativos a tornar-se obrigatória. Surge, também pela 1ª vez o termo “Cuidados Paliativos”, por Balfour Mount, no Royal Victoria
Hospital, Canadá, devido ao estigma que
o termo hospice tinha na população de
língua francesa.1,3–15
Nos anos 80, a OMS incorpora Cuidados
Paliativos nos seus conceitos e promove
a necessidade de um programa de cuidados paliativos como parte integrante
da abordagem ao doente oncológico.
Além de iniciar o programa Cancer Pain
and Palliative Care, editou importantes
documentos tais como Cancer Pain Relief
and Palliative Care16 e o Palliative Cancer
Care17 (primeiras recomendações sobre
cuidados terminais no doente com cancro). Surge, também, na Austrália a primeira Cátedra Universitária em Cuidados
Paliativos e a especialidade de Medicina
Paliativa, no Reino Unido, Austrália, Nova
Zelândia, Bélgica, Hong Kong, Polónia, Singapura, Taiwan e Roménia. São criadas as
primeiras UCP em África (no Zimbabué e
depois na África do Sul), no Japão, Israel,
Alemanha, Espanha, Rússia, Bélgica, India,
França, Itália. Novas organizações surgem,
nomeadamente o International Hospice
Institute que mais tarde, em 1999, dará origem à International Association for Hospice
and Palliative Care, a Hospice Association
of South Africa e a European Association
for Palliative Care. 1,3–15
Por sua vez, nos anos 90, os planos oncológicos do Reino Unido, Estados Unidos da
América, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, recomendam a introdução precoce
dos cuidados paliativos na trajetória da
doença oncológica, assim como foi introduzida na China, como prática regular a
utilização da escada analgésica da OMS.
Por sua vez a Organização Pan-americana
de Saúde incorpora de forma oficial os pro-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
9
gramas de cuidados paliativos nos planos
nacionais e regionais de saúde. Acontece
o 1º Congresso da European Association
for Palliative Care, em Paris, sendo que na
mesma associação surgem a Education
Network e a Research Network. Surgem as
primeiras UCP na Holanda, Uganda, Argentina, Colômbia, Brasil e Chile, e a primeira
UCP num hospital universitário, Noruega.
São nesta década fundadas a Sociedad
Espanõla de Cuidados Paliativos, a Israel
Palliative Care Association, a Indian Association of Palliative Care e a International
Association for Hospice and Palliative Care
e criada a especialidade de medicina paliativa na Irlanda, Austrália e Nova Zelândia.
São também elaboradas a Declaração de
Florianopolis18, que se constitui de um conjunto de recomendações que incluem a
disponibilização de opióides e de monitorização dos custos dos cuidados aos doentes em final de vida e a Declaração de Poznan19 que viria a dar origem à fundação
da Eastern and Central European Palliative
Task Force. 1,3–15
Já neste nosso século são fundadas
a Foundation for Hospices in Sub-Saharan Africa”, a Latin American Association
of Palliative Care, a Asia Pacific Hospice
Palliative Care Network, a African Association for Palliative Care e o United Kingdom
Forum for Hospice and Palliative Care Worldwide, pela organização Help the Hospices. É lançada pela OMS a mais recente
definição de cuidados paliativos, que ainda hoje é consensual, assim como por esta
organização são elaborados importantes
documentos tais como o Better Palliative
Care for Older People20 com o objetivo
de incorporar os cuidados paliativos para
as doenças crónicas progressivas no interior das políticas de saúde para o envelhecimento, e o Palliative Care – The Solid
Facts.21 Por sua vez, o Conselho da Europa
elabora diversos documentos estruturantes para o desenvolvimento dos cuidados
paliativos e publica guidelines, consideran-
10
do os cuidados paliativos como cuidados
básicos e necessários. Elaborada a Cape
Town Declaration22, Korea Declaration23, Budapest Commitments24, o Lisbon Challenge25, a Carta de Praga26 e o Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care.27
Também nestes tempos foi criada a especialidade de Medicina Paliativa, nos EUA e
surgiu a primeira UCP na Eslováquia.1,3–15
No final de 2013 e início de 2014, a Organização Mundial de Saúde, através
do seu departamento para os Cuidados
Paliativos, emitiu dois importantes documentos, Strengthening of palliative care
as a component of integrated treatment
throughout the life course28 e o Strengthening of palliative care as a component of
integrated treatment within the continuum
of care.29 Estes documentos foram posteriormente apresentado à 67ª Assembleia,
deste importante organismo, em maio de
2014, de onde resultou o documento final,
Strengthening of palliative care as a component of comprehensive care throughout
the life course.30
Já no final de 2014, em outubro, surge a
2014 European Declaration on Palliative
Care.31
Como podemos constatar, foi primeiro
um desenvolvimento mais local que se foi
disseminando por uma grande vastidão
de países, em que hoje em dia, mais de
115 países dos 234 existentes têm um ou
mais serviços de cuidados paliativos, com
uma grande diversidade de programas,
de tipologias, assim como de objetivos dos
programas, especialmente no que respeita
ao público-alvo.1,11
Nacional
No que respeita ao nosso país, a história
dos cuidados paliativos tem cerca de 20
anos, embora já desde o século XVI estes
cuidados estejam já referidos em alguns
textos médicos.32
Pode dizer-se que, no nosso país, os cuidados paliativos iniciaram-se em 1992, com
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
a inauguração da Unidade de Dor do Hospital do Fundão que quase de imediato se
transformou no Serviço de Medicina Paliativa do mesmo hospital.32,33
Dois anos mais tarde, surge a primeira
UCP, também com valência de consultoria
intra-hospitalar e apoio domiciliário, num
hospital oncológico, no Instituto Português
de Oncologia (IPO) do Porto em 1994, a
que se seguiu mais tarde, em 2001, a do
IPO de Coimbra. Neste período intercalar
foi fundada a Associação Nacional de
Cuidados Paliativos, em 1995, e que hoje
se designa de Associação Portuguesa
de Cuidados Paliativos. Surgiu, também,
a primeira equipa de cuidados paliativos
domiciliários, do país, no Centro de Saúde
de Odivelas, em 1996. Fora do Serviço Nacional de Saúde, surge em 2001, a Equipa
de Cuidados Paliativos da Santa Casa da
Misericórdia de Azeitão.32,33
No mesmo ano de 2001, é lançado o
Plano Oncológico Nacional, no qual é referido como objetivo estratégico “dar continuidade aos cuidados paliativos na fase
terminal da doença”.34 Ainda neste ano, é
aprovado por despacho ministerial, o Plano Nacional de Luta Contra a Dor, que viria
depois a ser atualizado, em 2008.35,36
Em 2002, inicia-se o primeiro Curso de
Mestrado em Cuidados Paliativos do País,
na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Em 2003, mais precisamente em 14 de junho, a Direção Geral da Saúde, através da
sua circular normativa n.º 09/DGCG considera a Dor como o 5º Sinal Vital e considera como boa prática o Registo Sistemático
da Avaliação da Intensidade da Dor.37
Mais tarde, em 2004, o Plano Nacional
de Saúde para o período 2004-201038, definia os cuidados paliativos como área
prioritária, pelo que em consequência de
tal, o Ministério da Saúde lança o Programa Nacional de Cuidados Paliativos que
considerava estes cuidados como constituintes essenciais dos cuidados de saúde
e definia-os em três níveis de prestação.
Este Programa não viria a ter nenhum efeito prático no que respeita ao surgimento
de novos recursos de cuidados paliativos,
tendo vindo a sofrer uma nova edição em
2010.32,39,40
Em 2005, mais precisamente em 26 de
fevereiro, foi entregue na Assembleia da
República, uma petição assinada por mais
de 24 mil pessoas, reclamando os cuidados paliativos como um direito de todos
os cidadãos e solicitando que estes cuidados fossem apostos na Constituição da
República Portuguesa e incluídos entre os
cuidados da medicina que incumbe ao
Estado garantir para assegurar o direito à
proteção da saúde de todos os cidadãos.
A Petição foi analisada em julho de 2005,
em Sessão Plenária da Assembleia da República e todos os Grupos Parlamentares
concordaram na necessidade de implementação de uma rede de cuidados paliativos.41
Em 2006, surge o forte elemento catalisador, com a criação da Rede Nacional de
Cuidados Continuados Integrados (RNCCI),
através do Decreto-Lei N.º 101/200642, onde
os cuidados paliativos são integrados, sendo nesta altura que estes cuidados avançam de forma mais visível no nosso país.
Também, em 2006, a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, elabora 3
importantes documentos de recomendações: “Formação de Enfermeiros em Cuidados Paliativos”,43 “Organização de Serviços em Cuidados Paliativos”44 e “Critérios
de Qualidade para Unidades de Cuidados
Paliativos”.45
No ano de 2008,os despachos 10279/2008
e 10280/2008, de 11 de março definiram as
condições de dispensa, comparticipação
e utilização de medicamentos opióides
prescritos para o tratamento da dor oncológica e não-oncológica, moderada a
forte.46,47
Em 2011, o novo Plano Nacional de Saúde, volta a evidenciar a necessidade de
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
11
desenvolvimento sustentado e equitativo
de um programa nacional de cuidados
paliativos.48 Também neste ano, através
do Despacho 7968/2011 do Gabinete da
Ministra da Saúde, considera-se a obrigatoriedade da existência de uma equipa
intra-hospitalar de suporte em cuidados
em cada hospital do Serviço Nacional de
Saúde.49
No ano seguinte, 2012, surgem dois documentos legais da mais elevada importância. O primeiro, a Lei do Testamento Vital
(Lei 25/2012 de 16 de julho)50 e posteriormente a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos (Lei 52/2012 de 5 de setembro).51
Mais recentemente, em 2014, é publicado em maio, a Portaria n.º 96/2014, do
Ministério da Saúde, que regulamenta a
organização e funcionamento do Registo
Nacional do Testamento Vital (RENTEV).52
Também em maio, a Assembleia da
República, através da sua Resolução
n.º48/2014 recomenda ao Governo que
reforce o estudo das necessidades e devidas respostas no âmbito dos Cuidados
Paliativos Pediátricos.53 Tal recomendação
viria a concretizar-se através do Despacho
n.º 8266-A/2014, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, é criado o Grupo de Trabalho para os
Cuidados Paliativos Pediátricos, para estudo e apresentação de propostas para o
desenvolvimento desta área dos cuidados
paliativos.54
Mais tarde, em agosto, surge o Despacho n.º 10429/2014 com posterior retificação pela Declaração de Retificação n.º
848/2014 que preconizam a obrigatoriedade de implementação de Equipas Intrahospitalares de Suporte em Cuidados
Paliativos nas Instituições Hospitalares do
nosso país.55,56
Finalmente, ainda no mesmo ano, é publicado o Decreto-Lei n.º173/2014, que
procede a ajustamentos à Lei Orgânica do
Ministério da Saúde, às Orgânicas da Administração Central do Sistema de Saúde
12
e das Administrações Regionais de Saúde,
por forma a acolher a Comissão Nacional
e as Regionais de Cuidados Paliativos.57 l
Bibliografia
1. Sternsward J, Clark D. Palliative Medicine - a global perspective. In: Doyle D,
Hanks G, Cherny N, Calman K, editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine.
3rd ed. Oxford: Oxford University Press; 2004. p. 1199–224.
2. Saunders C. The Evolution of Palliative Care. Cicely Saunders - Selected writings
1958-2004. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 263–8.
3. Ortiz JS. Historia de la Medicina Paliativa. Med paliativa. 1999;6(2):82–8.
4. Rio MI del, Palma A. CUIDADOS PALIATIVOS : HISTORIA Y DESARROLLO.
Boletín Esc Med U C ,Pontificia Univ Católica do Chile. 2007;32(1):16–22.
5. Saunders C. Origins: International Perspectives, Then and Now. Cicely Saunders - Selected writings 1958-2004. Oxford University Press; 2006. p. 245–50.
6. Brooksbank M. Palliative care: Where have we come from and where are
we going? Pain [Internet]. International Association for the Study of Pain; 2009
Aug [cited 2012 Nov 20];144(3):233–5. Available from: http://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pubmed/19564077
7. Lutz S. The history of hospice and palliative care. Curr Probl Cancer [Internet].
2011 [cited 2012 Nov 20];35(6):304–9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pubmed/22136703
8. Clark D. Palliative care history : a ritual process ? Eur J Palliat care.
2000;7(2):50–5.
9. Clark D. From margins to centre: a review of the history of palliative care
in cancer. Lancet Oncol [Internet]. 2007 May;8(5):430–8. Available from: http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17466900
10. Ruszniewski M, Zivkovic L. Difficulties faced by hospital palliative care teams.
Eur J Palliat care. 1999;6(1):11–4.
11. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark D. Mapping levels of palliative care development: a global view. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2008 May [cited 2012 Nov
2];35(5):469–85. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18243637
12. Loscalzo MJ. Palliative care: an historical perspective. Hematology [Internet].
2008 Jan;465. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19074127
13. Cortés CC. Palliative Care : New Perspectives and Practices in Europe.
Symposium on Suffering and Hope. Houston; 2005. p. 10–3.
14. Blumhuber H, Conno F De, Vanegas G. The development of the European
Association for Palliative Care. Eur J Palliat care. 1997;4(5):178–81.
15. Blumhuber H, Conno F De, Vanegas G, Network E. The history and development of the EAPC : Part II. Eur J Palliat care. 1997;4(6):210–5.
16. World Health Organization. Cancer Pain Relief and Palliative Care. Geneve:
World Health Organization; 1990.
17. World Health Organization. Palliative Cancer Care. Copenhagen; 1987.
18. Bruera E, Schoeller MT, Stjernswärd J. Opioid availability in Latin America: the
Declaration of Florianópolis. Support care cancer [Internet]. 1995 May;3(3):164–7.
Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7544673
19. The Poznan Declaration 1998. Eur J Palliat care. 1999;6(2):61–3.
20. World Health Organization. Better Palliative Care for Older People. Davies E,
Higginson IJ, editors. Copenhagen: World Health Organization; 2004.
21. World Health Organization (Europe). Palliative Care-The Solid Facts. Davies
E, Higginson IJ, editors. Copenhagen: World Health Organization (Europe); 2004.
22. Sebuyira LM, Mwangi-Powell F, Pereira J, Spence C. The Cape Town Palliative Care Declaration: home-grown solutions for sub-Saharan Africa. J Palliat
Med. 2003;6(3):341–3.
23. National Hospice and Palliative Care Associations. Korea Declaration. Report
of the second global summit of National Hospice and Palliative Care Associations
[Internet]. Seoul, Korea; 2005. Available from: http://www.helpthehospices.org.
uk/about-us/international/resources/developing-services/advocacy/
24. European Association for Palliative Care. Budapest committments – a framework for palliative care development [Internet]. 2007 [cited 2012 Mar 22]. Available from: http://www.eapcnet.eu/Themes/Policy/Budapestcommitments.aspx
25. European Association for Palliative Care, International Association for Hospice and Palliative Care, Human Rights Watch. The Lisbon Challenge [Internet].
2011 [cited 2015 Jan 2]. Available from: http://www.eapcnet.eu/Themes/Policy/
Lisbonchallenge.aspx
26. European Association for Palliative Care, International Association for
Palliative Care, Worldwide Palliative Care Alliance, Human Rights Watch. The
Prague Charter [Internet]. 2013. Available from: http://www.eapcnet.eu/Themes/
Policy/PragueCharter.aspx
27. National Consensus Project for Quality Palliative Care. Clinical Practice
Guidelines for Quality Palliative Care. 2nd ed. Pittsburgh: National Consensus
Project for Quality Palliative Care; 2009.
28. World Health Organization-Executive Board. Strengthening of palliative care
as a component of integrated treatment throughout the life course [Internet].
Geneva; 2013. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/
B134_28-en.pdf
29. World Health Organization-Executive Board. Strengthening of palliative care
as a component of integrated treatment within the continuum of care [Internet].
Geneve; 2014. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB134/
B134_R7-en.pdf
30. World Health Organization-Sixty-seventh Assembly. Strengthening of palliative
care as a component of comprehensive care throughout the life course [Internet]. Geneva; 2014. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/
WHA67/A67_R19-en.pdf
31. IMPACT, EURO IMPACT. 2014 European Declaration on Palliative Care
[Internet]. Palliatice Care 2020. 2014 [cited 2015 Jan 2]. Available from: http://
www.palliativecare2020.eu/declaration/
32. Marques AL, Gonçalves E, Salazar H, Neto IG, Capelas ML, Tavares M,
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
et al. O desenvolvimento dos cuidados paliativos em portugal. Patient Care.
2009;Outubro:32–8.
33. Neto IG, Marques AL, Gonçalves E, Salazar H, Capelas ML, Tavares M, et
al. Palliative care development is well under way in Portugal. Eur J Palliat care.
2010;17(6):278–81.
34. Presidência do Conselho de Ministros. Resolução do Conselho de Ministros
n.o 129/2001 (2 Agosto) - Plano Oncológico Nacional - 2001-2005. Portugal;
35. Direção-Geral da Saúde. Plano Nacional de Luta Contra a Dor. Lisboa; 2001.
36. Direcção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Controlo da Dor. Lisboa;
2008.
37. Direção-Geral da Saúde. Circular Normativa N.o 08/DGCG - A Dor como 5o
sinal vital. Registo sistemático da intensidade da Dor. Lisboa; 2003.
38. Direção-Geral da Saúde. Plano Nacional de Saúde 2004/2010 - Volume II
- Orientações Estratégicas [Internet]. Direcção-Geral da Saúde; 2004. Available
from: http://www.dgsaude.min-saude.pt/pns/media/pns_vol2.pdf
39. Direção-Geral da Saúde. Circular Nomativa N.o 14/DGCG - Programa Nacional
de Cuidados Paliativos. 2004.
40. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Cuidados Paliativos 2010 [Internet]. 2010. Available from: http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/0C255EF1-E3AB-46CF-B79C-E9A210F60F6D/0/ProgramaNacionalCuidadosPaliativos.pdf
41. Movimento de Cidadãos Pró-Cuidados Paliativos. Movimento de Cidadãos
[Internet]. 2008 [cited 2012 Sep 15]. Available from: http://www.apcp.com.pt/
cuidadospaliativos/movimentodecidadaos.html
42. Decreto-Lei n.o 101/2006 (6 de junho) - Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. 2006.
43. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Formação de Enfermeiros
em Cuidados Paliativos - Recomendações da APCP [Internet]. 2006. Available
from: http://www.apcp.com.pt/uploads/recomendaes-formaoemcp-apcp.pdf
44. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Organização de Serviços em
Cuidados Paliativos [Internet]. 2006. Available from: http://www.apcp.com.pt/
uploads/recomendaesorganizaodeservios-apcp.pdf
45. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Critérios de Qualidade para
Unidades de Cuidados Paliativos [Internet]. 2006 p. 1–19. Available from: http://
www.apcp.com.pt/uploads/critriosdequalidade-2006-apcp.pdf
46. Ministério da Saúde. Despacho n.o 10279/2008 (11 de março). 2008 p. 1–2.
47. Ministério da Saúde. Despacho n.o 10280/2008 (11 de março). 2008.
48. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde 2012-2016 [Internet]. 2012 [cited
2012 Sep 15]. Available from: http://pns.dgs.pt/pns-2012-2016/
49. Ministério da Saúde-Gabinete da Ministra. Despacho n.o 7968/2011 (24
de maio). 2011.
50. Assembleia da República. Lei n.o 25/2012 (16 de julho) - Regula as diretivas
antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a
nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do
Testamento Vital (RENTEV). 2012;
51. Assembleia da República. Lei n.o 52/2012 (5 de setembro) - Lei de Bases
dos Cuidados Paliativos. 2012.
52. Ministério da Saúde. Portaria n.o 96/2014 (5 de maio). 2014.
53. Assembleia da República. Resolução da Assembleia da República n.o48/2014
(14 de maio). 2014.
54. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro
da Saúde. Despacho n.o 8266-A/2014 (25 de junho). 2014.
55. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro
da Saúde. Despacho n.o 10429/2014 (12 de agosto). 2014.
56. Ministério da Saúde-Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro
da Saúde. Declaração de Retificação n.o848/2014 (22 de agosto). 2014 p. 8175.
57. Ministério da Saúde. Decreto-Lei n.o 173/2014 (19 de novembro). 2014 p.
5896–8.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
13
Artigo original
Significado da Alimentação
em Cuidados Paliativos
Cíntia Pinho-Reis
Nutricionista, Aluna do Mestrado em Cuidados Paliativos, Instituto de Ciências da Saúde da Universidade
Católica Portuguesa (ICS-UCP)
Patrícia Coelho
Professora ICS-UCP, Aluna do Doutoramento em Enfermagem ICS-UCP
Resumo
A presente revisão narrativa da literatura reflete o conhecimento actual sobre o Significado da Alimentação em Cuidados Paliativos para o doente e sua família no que diz
respeito aos significados fisiológico/ terapêutico, social, psicológico, religioso/ espiritual.
Para além disso este artigo foca-se no significado da redução da ingestão alimentar,
da recusa alimentar, da nutrição e hidratação artificiais e das alterações físicas da
pessoa doente.
Abstract
This narrative literature review reflects the current knowledge on the Meaning of Feeding in Palliative Care for the patients and their families with regard to physiological /
therapeutic, social, psychological, religious / spiritual meanings. Furthermore, this article
focuses on the meaning of food intake reduction, food refusal, artificial nutrition and
hydration and patients’ physical changes.
Resumen
Esta revisión narrativa de la literatura refleja el conocimiento actual del Significado
de la Alimentación en los Cuidados Paliativos para el paciente y su familia con respecto a los significados fisiológico/ terapéutico, social, psicológico, religioso/ espiritual . Además, este artículo se centra en el significado de la reducción de la ingesta
de alimentos , lo rechazo de la alimentación , la nutrición y la hidratación artificial y
los cambios físicos de la persona enferma.
Introdução
Em Cuidados Paliativos (CP), o suporte
nutricional constitui uma parte integrante dos cuidados holísticos prestados ao
doente e à sua família. Com o objetivo de
prestar cuidados holísticos a estes doentes
é necessário que os profissionais estejam
preparados para lidar com as questões e
as preocupações que estes consideram
importantes.1 As questões em torno da alimentação ganham especial relevância
em fase paliativa, sendo que os doentes
e em especial a sua família, dão-lhes mais
importância em comparação com outros
Palavras-chave
Significado da alimentação, Cuidados paliativos, Fim de vida, Doente,
Família.
Key words
Meaning of Feeding, Palliative Care,
End of Life, Patient, Family.
14
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Palabras-llave
Significado de la alimentación,
Cuidados paliativos, Final de la Vida,
Enfermo, Familia. de Lellis; Sufrimiento.
Quadro 1
Sintomas que afetam a alimentação
do doente paliativo
Astenia
Fraqueza
Anorexia
Mucosite
Disfagia para líquidos
Náuseas/ vómitos
Disfagia para sólidos
Obstipação
Hipogeusia/
alteração do paladar
Saciedade precoce
/ enfartamento
Diarreia
Xerostomia
Fonte:3,14
tratamentos médicos.2
A grande maioria dos doentes paliativos, por evolução da doença de base
ou como consequência dos tratamentos
que realiza, confronta-se com o aparecimento de inúmeros sintomas (Quadro 1)
que afectam amplamente o seu padrão
e hábitos alimentares.3 Assim, os doentes
confrontam-se com inúmeras perdas ao
nível da alimentação. Essas perdas poderão ir desde a incapacidade de sentir o
sabor, o cheiro, deglutir, digerir os alimentos e absorver nutrientes de forma adequada3,4, aliando-se em alguns casos, à
perda da autonomia, da capacidade de
comunicar e de utilizar a via oral.3,5,6 Eventualmente, todas estas alterações poderão transformar as refeições num momento desconfortável e levar o doente à
depressão, ao isolamento social, à perda
da confiança e da auto-estima, à perda
de apetite e de peso e à desnutrição.3
Para a família, que transmite o seu afeto
através da alimentação, todas as alterações mencionadas assim como as suas
consequências, poderão ser entendidas
como o inevitável aproximar da morte. É
também importante referir que as situações de suspensão da alimentação ou
de cessação da mesma por escolha voluntária do doente, são fonte de extrema
preocupação por parte da família.3
É importante salientar que este artigo
não se foca numa doença específica,
uma vez que diferentes doenças incuráveis partilham muitos dos diferentes sintomas relacionados com a alimentação e,
sendo assim, os significados desenvolvidos
ao longo desta revisão poderão aplicar-se
a qualquer doença (oncológica; neurológica; SIDA; insuficiência cardíaca, hepática e renal; doença pulmonar obstrutiva
crónica ou fibrose quística). Com o objetivo de compreender melhor o significado
da alimentação em CP, recolheram-se e
colocaram-se numa tabela transcrições
de entrevistas a doentes e famílias, publicadas em diversos artigos (Quadro 2).
Significado da Alimentação em Cuidados
Paliativos
Significado Fisiológico/ Terapêutico
A maioria dos doentes em CP considera
que a alimentação significa saúde7, fonte de vida e, frequentemente, a fonte
de energia necessária para dar poder
ao corpo. A energia proveniente da alimentação é compreendida como algo
necessário para (sobre)viver e para continuar a luta contra a doença. Para além
disso, a alimentação é vista como o alimento do corpo e da alma.7,8
Para a família, a alimentação é considerada o “primeiro cuidado”, uma necessidade humana básica2,3,7 que se correlaciona com a energia2 e a boa saúde2,9
mas é indubitavelmente um condutor
privilegiado de alimento nutritivo e afectivo desde o nascimento e que se prolonga durante toda a vida.2 Para além disso,
a alimentação significa uma forma de
controlar a doença e um instrumento de
luta para a compensação do equilíbrio
nutricional inexistente naquele momento,
adiando assim a morte do seu ente querido. O facto de a maioria dos doentes, à
medida que a doença progride perderem o interesse na alimentação,3 origina
na família a sensação de que estão a
regredir na alimentação. Esta regressão
na alimentação opõe-se à introdução
dos alimentos na infância. Se na infância
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
15
Quadro 2
Transcrições de entrevistas a doentes e famílias, publicadas em diversos artigos
Significado
Transcrição
Referências
“Apenas significa um modo de energia… é um combustível.”
“(…) a alimentação serve para manter a minha força… para combater a
doença.”
“Se eu não comer não vou viver durante muito mais tempo.”
“(…) O significado de alimentar é viver. Uma pessoa sem alimento não
pode viver.”
Fisiológico
/ Terapêutico
“ (…) Eu dizia-lhe isto não pode ser, não pode viver sem comer (…).
“Quero tentar comer alguma coisa para manter a minha energia mental.”
2,15,22-24
“(…) Continuo a dar de comer é porque virar as costas, vir-me embora e ver
que ela não comeu nada, é pensar que se calhar tem menos um dia de
vida (…) É tentar até ao fim.”
“Quero tentar dar as calorias suficientes ao meu corpo para lhe dar as
melhores hipóteses possíveis e ajudar na cura.”
“Nós só lhe dizemos vais ficar muito fraco se não comeres mais do que uma
colher de chá de cada vez, e ele diz que a comida não assenta (…)”
“(…) quando é a hora de estarmos juntos em família, realmente não é só
8,13,16,17, 23
alimentar o estômago, às vezes é o que menos necessita e o que menos se
alimenta…”
“Eu fazia as refeições e é muito divertido cozinhar e virem-me dizer que está
saboroso ou que sabe bem… agora nunca ouço que a comida está saborosa como me diziam antes (…) Não, estas refeições são uma tortura.”
“Nós não podemos sair e comer fora, porque já não dá prazer… quando
não é da mesma forma que costumava ser.”
“(…) ele sempre gostou de comer. Tem sido o maior evento na família e
Social
nós sempre gostamos de sair para comer fora e apreciar a nossa comida.
Mas neste último ano tem havida muito poucas ocasiões em que ele tenha
apreciado a sua comida e, uma vez que ele não aprecia mais comer, já
nem tem graça nenhuma convidar pessoas para jantar connosco (…)”
“E claro os hábitos alimentares. É um pouco duro, porque eu e o meu
marido costumávamos sair todas as quartas-feiras para jantar fora com os
amigos. E claro tomava a minha sopinha e dependia do tipo de sopa que
eles tinham disponível, às vezes nem sequer podia comê-la e só tomava
uma chávena de chá ou de café e bebia a minha água.”
“Estou socialmente isolado por causa do embaraço que sinto em comer e
beber junto das outras pessoas.”
“O meu papel é ter a certeza que ele estava a receber a sua nutrição.”
“(…) Agora não comes, agora sinto-me triste. E agora o que é que eu faço
– o que é que tu queres, eu não me apetece.”
“Vê-lo a comer motiva-me a continuar, é como se ainda houvesse uma
réstia de esperança que ele ia melhorar.”
Psicológico
“Quando eu como um pouco mais vejo o sorriso na cara da minha filha (…)
fica tão feliz por me ver comer. ”
“Para o meu marido, quando eu rejeito a alimentação ele pensa que não
quero que ele cuide de mim e fica zangado. Ele não entende. Pensa que
eu não como porque não quero e isso também me deixa triste.”
“Sinto-me aliviada por ver que ela tolera a alimentação.”
16
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
8,15-17,21
Significado
Transcrição
Referências
“… Começou a ficar bem claro na nossa cabeça que ele não comia por
causa da doença, como é evidente.”
“(…) esse sentimento de pai que tenta alimentar o filho e está a ver que o
filho rejeita o comer, e que está a definhar mais, que o vai perder e é esse
sentimento de impotência (…).
“Sabendo que a minha mulher está a tentar alimentar-me… fico um pouco
preocupado em recusar estes alimentos… não a consigo ajudar.”
Recusa
Alimentar
“Eu dou-lhe comida e depois ela não come, depois sinto-me culpado pelo
facto de ela não ter nada lá dentro. Fico preocupado e triste por ela não
comer e ela fica zangada comigo por estar sempre a chateá-la com a comida e, às vezes, a situação segue o caminho oposto, em que ela simplesmente recusa comer o que quer que seja.”
2,16,20,23
“Fiz o jantar, fiz aquilo que ele gostava, sempre gostou e que comeria sempre e ele disse que não gostava, que não queria, pelo que fiquei um pouco
zangado com isso.”
“Eu tentei com todos os tipos possíveis de alimentos, todos aqueles que se
possam imaginar. Dei-lhe tudo o que funcionava naquele momento mas se
mais tarde eu voltasse a sugerir a mesma comida novamente, ela dizia-me
que não queria ver aquela comida outra vez.”
“Bem eu nunca estou com fome, mas a minha esposa e filha estão sempre
a dizer - come isto agora, come isto agora. Uma vida sossegada e amor é
tudo o que eu preciso agora, por isso só como o que eu posso quando me
dão de comer. De qualquer forma, para elas nunca é suficiente…”
Redução
da Ingestão
Alimentar
“Eles tentam dar-me tudo para comer. Não se importam se eu quero comer
ou não; eles continuam a fazer-me comer e eu digo - não quero”.
“Ela continua a colocar um prato cheio, cheio à minha frente (…) Eu digo
que só como aquilo que conseguir comer e é isso.”
20,24
“Quando o apetite dele diminuiu… nós desistimos e ele começou a comer,
mas foi por nós. A sério, acho que nós o estávamos a forçar a comer.”
“Eu sabia que ele estava em fase terminal, mas… assim que alguém tinha
uma ideia diferente sobre como podíamos fazê-lo comer, eu dizia, porque
não tentar?”
“Eu vi que ela foi perdendo um quilo atrás do outro… avaliei a situação e
acreditei que ela estava era a morrer à fome. Ela não comia nada de nada
– apenas deitava tudo fora.”
Alterações
Físicas
“(…) tu não estás a perder peso, entende aquilo que te estou a dizer, a balança pesava 54, mas a balança está avariada não está boa.”
13,16
“Eu olho-me ao espelho e fico doente. Parece que saí de um campo de
concentração ou assim. De qualquer forma é muito difícil ganhar algum
peso.“
“Senti um alívio enorme quando a nutrição parentérica foi iniciada (…)”
“Se eu não conseguir alimentar-me suficientemente por mim própria, então
eu prefiro este tipo de alimentação. Sinto-me mais forte quando tenho alguma coisa dentro do meu corpo do que quando não tenho nada.”
Nutrição e
Hidratação
Artificiais
“(…) a nutrição dá qualidade de vida para toda a família e para o
doente… só posso dizer que estou feliz, que ele fica com energia e força, e
com isso vem o prazer e sim, existe certamente uma espécie de harmonia
que vem daí.”
“Senti logo que isso ajudou. Talvez não no primeiro dia mas (…) na primeira
semana, e eu saí da cama e fui cozinhar.”
22,25
“Não me interessa se o meu marido tem tubos em quatro locais do seu corpo, porque significa muito obter a energia e as coisas positivas da nutrição.”
“(…) isto significa que eu não estou pior, sabe. Porque é muito difícil não ser
capaz de fazer as coisas por mim próprio, ter que chamar por ajuda todas
as vezes que tenho que ir à casa de banho ou sair da cama… desde que
me alimento assim consigo gerir por mim de uma forma completamente
diferente.”
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
17
quem cuida vê que a introdução de novos alimentos contribui para o crescimento da criança, numa fase de doença a
família vai progressivamente “suprimindo”
os alimentos, assistindo2 e associando este
facto ao agravamento da doença e à
própria morte3 (Quadro 2).
Significado Social
A alimentação é detentora de uma forte
componente social1-3,5,7,10-13 pois constitui
um acto simbólico de relacionamento
que tem por base o acto de dar e receber, uma forma de afeto representada
pelos alimentos, estreitando assim os laços
sociais.2 O momento da refeição constitui
um foco de interacções com inúmeras
pessoas e lugares,14 uma vez que há uma
série de datas importantes, festividades e
cultos religiosos que assinalam essas mesmas datas e que relembram a importância que a alimentação possui.2
Para cada família as refeições possuem
não só um código secreto de regras, ordem e estrutura do dia7 como também
um código de sabores, partilhas e afetos.2
As refeições são momentos de ensino de
regras sociais com a imposição de horários que poderão perdurar para toda a
vida. Mas as refeições quer no momento
de preparação, quer na partilha e proximidade são uma forma de demonstrar
afeto, cuidado e companheirismo para
com a família e os amigos.2,15 Desta forma,
para alguns doentes, pelo facto de já não
comerem como antes, por terem a sua
autonomia diminuída e pela presença de
sintomas que afetam a sua alimentação,
poderão ver as refeições tornar-se num
momento desagradável,3,5,6 deixando de
representar um momento de prazer5,13 e
tornando-se numa barreira que se repete
dia após dia, várias vezes ao dia.5 Sendo
assim, o ser incapaz de participar nas refeições como antes da doença, poderá
levar o doente ao isolamento social e familiar3,5,6,13 e à sensação de descontextua-
18
lização,12 influenciando negativamente o
seu sentimento de pertença à família e
aos amigos. Para além disso, estas limitações ao nível social poderão originar depressão e contribuir para a diminuição do
apetite, do peso e do prazer em comer.3,5-7
É importante salientar que também o
papel social do doente e dos membros
da sua família poderá alterar-se consoante o sexo da pessoa doente.2 Na sociedade atual, os papéis de cuidador e
de gestão das questões domésticas são
maioritariamente atribuídos à mulher. Assim, em muitos casos, poderá ocorrer uma
mudança no papel social desempenhado nas famílias em que as mulheres são
a pessoa doente.2 De uma forma geral,
os cuidados com a alimentação passam
para outro membro da família impreparado para assumir os cuidados ao nível da
compra, da preparação e da confeção
dos alimentos. Neste contexto, é frequente que o momento das refeições signifique fonte de preocupação e de desespero,16 tornando-os num período da vida
desagradável,2 que interfere amplamente com as relações familiares.13,16
Em outros casos, vinculado à alimentação está a ideia de transmissão de amor.
O elemento da família que prepara as refeições, cozinha habitualmente de modo
a agradar à pessoa doente, transmitindo
o seu cuidado através dos alimentos. Em
alguns casos, os familiares encaram os
cuidados com a alimentação como a sua
total responsabilidade16 e função,17 expressando o medo de não conseguirem
estar sempre presentes na preparação e
no horário das refeições e no encorajamento da ingestão alimentar (Quadro 2).
Significado Psicológico
O papel psicológico que a alimentação
desempenha em CP poderá funcionar
como motivação numa luta contra a
doença e como tentativa de controlar a
mesma. Para alguns doentes, este papel
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
motivacional poderá ainda estar associado a sensações de bem-estar, satisfação,
prazer, alegria ou esperança por conseguirem comer, cheirar ou saborear um prato
que lhes traga boas recordações. Por outro
lado, caso não o consigam fazer poderão
expressar sentimentos de tristeza, desânimo
e falta de esperança.18
Para a família, na estrutura de cuidados
que esta considera adequada, o acto de
conseguir alimentar o seu ente querido provoca-lhe sensações de conforto, alegria e,
sobretudo, de vitória contra a morte, pois
pensam que ao alimentar estão a adiá-la.
O desejo da família em fazer algo pelo seu
ente querido, leva a que a alimentação
seja considerada uma recompensa positiva pelos cuidados prestados, pelo afeto
que lhe está a ser devotado em aceitar as
suas refeições,2 pelo prazer que os alimentos proporcionam, pelos momentos agradáveis partilhados, pelas recordações das
refeições em datas festivas. Por outro lado,
no caso de não terem sucesso no controlo
da alimentação manifestam, frequentemente, sentimentos de frustração, culpa,
ansiedade, incompetência, rejeição e falta
de esperança2 (Quadro 2).
O significado religioso e espiritual da alimentação em CP é um tema pouco estudado. No entanto, sabe-se que cada religião possui as suas especificidades ao nível
do regime alimentar, o que poderá condicionar a alimentação do doente paliativo.
Sendo assim, a dimensão religiosa ganha
especial relevância nas situações de suspensão e abstenção da alimentação em
fim de vida.
No caso da Religião Católica, com excepção de doentes em estado vegetativo persistente, se a alimentação for considerada fútil é aceitável a sua suspensão/
abstenção. Relativamente à Religião Protestante, se a alimentação representar um
risco é aceitável que esta seja suspensa
ou não iniciada. No entanto, no caso de
o doente se encontrar profundamente in-
consciente a alimentação deverá manterse. Para os crentes no Judaísmo Ortodoxo
a alma permanece ligada ao corpo, pelo
que, mesmo em casos em que o doente
esteja em coma a alimentação deverá
ser preservada. Pelo contrário, no caso do
Judaísmo Conservador se a alimentação
prolongar o sofrimento, deverá ser rejeitada. Porém, uma vez iniciada a alimentação a sua suspensão não é aceite. No
caso da Religião Islâmica, a suspensão e a
abstenção da alimentação não é de todo
aceite, pois a alimentação é considerada
uma necessidade humana básica que
deve ser providenciada a todos os doentes independentemente do seu estado de
saúde, pois a vida humana é considerada
um valor supremo que deve ser mantido.
Finalmente, na Religião Hindu, suspender
ou não iniciar a alimentação é aceitável,
pois se alimentar significar a prolongação
do sofrimento, então a vida não deve ser
prolongada.19
Significado da Redução da Ingestão Alimentar
Para o doente, a redução da ingestão alimentar significa um acontecimento natural
que é fruto da evolução da doença e dos
tratamentos que realizam. No entanto, na
maioria dos casos, a família não compartilha da mesma opinião. As mudanças ocorridas nas preferências e hábitos alimentares são, frequentemente, fonte de conflito
entre o doente e a sua família, conflito esse
que se vê agravado pela perda de peso
e pelas alterações ocorridas na autoimagem do doente.2, 8,13,15,17 Assim, a família foca-se demasiado nas questões alimentares
pressionando o doente a conformar-se a
comer.15,17 Neste contexto, havendo uma
insistência persistente por parte da família,
o doente acaba por atribuir um significado
fútil à alimentação. Muitas vezes, o comportamento bem-intencionado da família
resulta numa repercussão negativa, que de
forma frequente, deixa o doente preocu-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
19
pado e furioso pelo contínuo foco na alimentação.20
O desespero e o sofrimento emocional
inerente a este tipo de atuação são particularmente stressantes dado que isto se
intensifica durante os últimos meses de vida
do doente.20 Alguns familiares revelam ainda que observam e controlam a ingestão
alimentar do seu ente querido ao ponto de
calcular as calorias ingeridas, originando
assim tensão no momento das refeições.
No entanto, outros revelam medo por pensarem que o facto de encorajar o doente a
comer piore a situação,16 sentindo angústia
que se expressa em muitos casos através
de culpa por obrigar o doente a comer.20
Apesar de estas situações serem muitas
vezes vivenciadas em constante conflito
familiar, alguns doentes atribuem um significado positivo à atitude da família. Sentem-se gratos pelo esforço demonstrado
ao nível do apoio nos cuidados alimentares já que isso significava um sinal do seu
amor, preocupação com o seu bem-estar
e compaixão para com a sua frágil saúde.
Preferiam no entanto que a família se preocupasse com outras questões que não a
redução da ingestão alimentar.16
Em outras situações, quer o doente quer
a família tendem a demarcar-se das questões da alimentação. Ou seja, por um lado
o doente isola-se socialmente na esperança de não ser forçado a comer.20 Por outro lado, alguns familiares entendem que
o melhor é deixar “que a natureza siga o
seu rumo”, pelo que esta atitude significa
que aceitam que o melhor é que este não
coma ou que coma apenas aquilo que tolera. Compreendem assim que a redução
da ingestão alimentar é algo natural de
acontecer. Mantêm contudo a mesma atitude de preocupação e cuidado, questionando o seu ente querido quanto ao facto
de sentirem fome ou sede sem no entanto
forçar caso a resposta seja negativa.21 Sendo assim, para alguns familiares, uma vez
que a redução da ingestão alimentar era
20
algo que não conseguiam controlar, optaram por desenvolver estratégias de cuidados para outras áreas que não a alimentação.21 (Quadro 2).
Significado da Recusa Alimentar
Para o doente a recusa alimentar significa
algo natural. Para a família vê a alimentação como um veículo de ajuda na sua
recuperação, pelo que a recusa não é
de todo aceite. Para alguns, a alimentação passa assim a significar uma fonte de
apreensão e preocupação.2, 8 Para além
disso, sentem culpa por não conseguirem
respeitar o desejo do doente em não comer, continuando a oferecer alimentos,
pois se fizessem o contrário isso poderia ser
interpretado como um acto de negligência de sua parte.13,15,17 Em outras situações,
quando as refeições são recusadas, a família vê a alimentação como um acto de
apoio, de amor e de cuidado que foi recusado.20 Posteriormente, a recusa alimentar
é vista pela família como revolta, desânimo,
depressão e, sobretudo, como o desejo de
antecipar a morte.3
Por outro lado, para alguns familiares a
recusa alimentar representa uma forma de
chamar a atenção para que mais cuidados
e afetos sejam prestados.2,8,13,20 No entanto,
em alguns casos, nas últimas semanas ou
dias de vida, a visão que a família possuía
em relação à recusa alimentar altera-se,
passando a ser percepcionada como uma
consequência da doença, aceitando que
o a pessoa doente já não necessita desses
alimentos2 ou que o seu ente querido deseja antecipar a sua morte e que essa decisão deverá ser respeitada3,23,24 ainda que
envolva um enorme sofrimento (Quadro 2).
Significado da Nutrição e Hidratação Artificiais
A mudança da via de alimentação, quer
seja para a via entérica ou parentérica,
representa uma das alterações mais profundas nos hábitos alimentares do doen-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
te, afectando também a sua família.6 Para
alguns doentes, a nutrição artificial poderá significar uma sensação de alívio e segurança por verem as suas necessidades
nutricionais momentâneas atingidas. Para
outros, poderá ser sinónimo de alterações
na sua autoimagem, na perceção que a
família tinha deles próprios e na sua autonomia.5,6
Tanto para o doente como para a família estar a receber alimentação mesmo
por uma via que não a oral significava que
havia uma melhoria não só na sua qualidade de vida como também no nível de
energia e da força necessária para realizar pequenas tarefas do dia-a-dia.16,17,22,25
Contudo, para alguns membros da família
a nutrição artificial poderá ser fonte de
dúvidas pois não acreditam que seja uma
forma eficaz de alimentar,22 por este tipo
de alimentação não ser considerado natural. Em outros casos, a nutrição artificial
constitui o único meio que liga o doente
à vida, pelo que deve ser mantida a todo
o custo. Sendo assim, situações em que
o doente opte pela cessação voluntária
da alimentação e da hidratação ou que
a nutrição e a hidratação artificiais sejam
suspensa ou não iniciadas, são fonte de
preocupação e tristeza (Quadro 2).
Significado das Alterações Físicas
Para alguns doentes, as alterações da sua
autoimagem (por exemplo: no peso, na
pele, no cabelo, entre outros) são associadas à diminuição da ingestão alimentar e
à perda de apetite, sendo que a perda
de peso foi considerada a alteração que
os fez compreender e aceitar que estavam seriamente doentes e que não haveria possibilidade de cura.9,13,16
Para a família, o facto de presenciarem
as alterações físicas evidentes, levam-na a
concluir que estas são consequência da
alimentação (ou a falta desta).13 Alguns
familiares referem que não estavam plenamente conscientes da extensão que
a doença iria atingir e muito menos que
o doente passaria por tantas alterações.
Sendo assim, à medida que a doença
progride, a família via todas estas alterações como algo ameaçador, sendo que,
muitos familiares referiam que sentiam
medo que o seu ente querido morresse à
fome16 (Quadro 2).
Conclusão
Para instituir a intervenção nutricional
mais adequada em CP é primeiramente
necessário que o Nutricionista aceite a filosofia e os princípios dos CP reconheça o
significado fisiológico, social, psicológico,
religioso/ espiritual da alimentação. Para
além disso, é necessário que compreenda o significado que outras situações relacionadas com a alimentação possuem
(diminuição da ingestão alimentar, recusa
alimentar, nutrição e hidratação artificiais,
alterações da autoimagem). É importante
salientar que o Nutricionista deverá reconhecer o significado da mesma para o
doente e família, bem como, a sua importância na envolvência familiar e progressão da doença. Dada a conjuntura atual
será importante contextualizar o meio
onde o doente está inserido e a possibilidade de aquisição de nutrientes/ alimentos para uma alimentação adequada
que se encontre dentro das preferências
do doente. Sendo assim, o suporte nutricional e alimentar prestado deverá ser
ajustado às expectativas e necessidades
do doente e sua família tendo em conta
o significado que a alimentação vai ganhando e simultaneamente perdendo na
vida de ambos.
Da literatura consultada parece existir
carência de estudos que descrevam o
significado religioso/ espiritual atribuído à
alimentação, sendo que o mesmo acontece na temática da mudança da via de
alimentação que também adquire o seu
significado próprio. Parece ainda existir
carência de artigos de investigação que
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
21
foquem o significado da alimentação em
CP atribuído pelos Nutricionistas, para que
assim estes possam centrar mais a sua intervenção no doente e sua família, proporcionando-lhes cuidados nutricionais
holísticos.
A área dos CP é cada vez mais de primordial importância para o Nutricionista,
uma vez que o número de pessoas com
doença crónica, progressiva e incurável
tem vindo a aumentar ao longo dos anos,
pelo que o seu investimento na formação e na investigação na área dos CP é
de suma importância. Conclui-se que na
área do significado da alimentação em
CP há ainda muita investigação a ser realizada, no sentido de colmatar as lacunas
anteriormente referidas e a auxiliar o Nutricionista a personalizar ainda mais a sua
intervenção. l
36(4):439-445
21. McClement S, Harlos M. When advanced cancer patients won’t eat: family
responses. International Journal of Palliative Nursing 2008;14(4):182-188
22. Orrevall Y, Tishelman C, Permert J. Home parenteral nutrition: A qualitative
interview study of the experiences of advanced cancer patients and their families.
Clinical Nutrition 2005;24:961-970
23. Hopkinson J, Corner J. Helping Patients with Advanced Cancer Live with
Concerns About Eating: A Challenge for Palliative Care Professionals. Journal of
Pain and Symptom Management 2006;31(4):293-305
24. McClement SE, Degner LF, Harlos MS. Family Beliefs Regarding the Nutritional Care of terminally Ill Relative: A Qualitative Study. Journal of Palliative
Medicine 2003;6(5):737-748
25. Winkler MF, Wetle T, Smith C, Hagan E, O’Sullivan Maillet J, Touger-Decker R.
The Meaning of Food and eating among Home Parenteral Nutrition - Dependent
Adults with Intestinal Failure: A Qualitative Inquiry. Journal of the American
Dietetic Association 2010;110:1676-1683
Bibliografia
1. Aceman S. Nutrition in palliative care. British Journal of Community Nursing
2009;14(10): 427-431
2. Resende ASP. Alimentar no final da vida Transição do familiar cuidador para a
recusa alimentar (Dissertação). Universidade Aberta. 2009.pp. 1-170. Disponível:
Universidade Aberta
3. Pinho-Reis C. Suporte Nutricional em Cuidados Paliativos. Revista Nutrícias
2012; 15: 27-30
4. da Silva DA, Santos EA, Oliveira JR. Atuação do Nutri¬cionista na melhora
da qualidade de vida de idosos com câncer em cuidados paliativos. Mundo da
Saúde, São Paulo 2009;33(3):358-364
5. Reis CVP. Suporte Nutricional na Esclerose Lateral Amiotrófica (Monografia).
Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. 2011.
pp.1-27. Disponível: Universidade Católica Portuguesa
6. Reis C, Pinto I. Intervenção Nutricional na Esclerose Lateral Amiotrófica Considerações Gerais. Revista Nutrícias 2012;14:31-34
7. Holmes S. Importance of nutrition in palliative care of patients with chronic
disease. Nursing Standard 2010;25:48-56
8. Jacobsson A, Pihl E, Mårtensson J, Fridlund B. Emotions, the meaning of
food and heart failure: a grounded theory study. Journal of Advanced Nursing
2004;46(5):514-522
9. Benarroz MO, Faillace GBD, Barbosa LA. Bioética e nutri¬ção em cuidados
paliativos oncológicos em adultos. Cader¬nos de Saúde Pública, Rio de Janeiro
2009;25(9):1875-1882
10. Easson AM, Hinshaw DB, Johnson DL. The Role of Tube Feeding and Total
Parenteral Nutrition in Advanced Illness. The American College of Surgeons
2002;194:225-228
11. Ersek M. Artificial Nutrition and Hydration Clinical Issues. Journal of Hospice
and Palliative Nursing 2003:5:221-225
12. Holmes S. Principles of nutrition in the palliation of long-term conditions.
International Journal of Palliative Nursing 2011;17(5):217-222
13. McQuestion M, Fitch M, Howell D.The changed meaning of food: Physical,
social and emotional loss for patients having received radiation treatment for
head and neck cancer. European Journal of Oncology Nursing 2011;15:145-151
14. Hopkins K. Food for life, love and hope: an exemplar of the philosophy of
palliative care in action. Proceedings of the Nutrition Society 2004;63:427-429
15. Muir CI, Linklater GT. A qualitative analysis of the nutritional requirements of
palliative care patients. Journal of Human Nutrition and Dietetics 2011;24:470-478
16. Orrevall Y, Tishelman C, Herrington MK. The path from oral nutrition to
home parenteral nutrition: a qualitative interview study of the experiences of
advanced cancer patients and their families. Clinical Nutrition 2004;23:1280-1287
17. Penner JL, McClement S, Lobchuk M, Daeninck P. Family Members’ Experiences Caring for Patients With Advanced Head and Neck Cancer Receiving
Tube Feeding: A Descriptive Phenomenological Study. Journal of Pain and
Symptom Management 2012;44(4):563-571
18. Pinho-Reis C, Coelho P, Souza C, Pinho C. Significado da alimentação em
cuidados paliativos - A perspetiva do doente. Revista APNEP 2013;III:100-100
19. Pinho-Reis C, Coelho P. Alimentar ou não alimentar em fim de vida? - Visão
através das religiões. Revista APNEP 2013;III:100-100
20. Reid J, McKenna H, Fitzsimons D, McCance T. Fighting Over Food: Patient
and Family Understanding of Cancer Cachexia. Oncology Nursing Forum 2009;
22
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Artigo original
O Psicólogo em Cuidados Paliativos:
Uma reflexão possível
Eduardo Carqueja
Psicólogo Clínico; Assistente principal da carreira dos Técnicos Superiores de Saúde; Doutorando em Bioética
na Universidade Católica Portuguesa. Serviço de Cuidados Paliativos - Centro Hospitalar de S. João, EPE. Gabinete de Investigação em Bioética - Instituto de Bioética. Universidade Católica Portuguesa
Celso Costa
Psicólogo Clínico, Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Portuguesa. Oporto International School
(Colégio Luso-Internacional do Porto). Docente de Psicologia
Resumo
A intervenção psicológica em cuidados paliativos, na sua contribuição específica, não
está ainda claramente definida ou suficientemente compreendida. É frequente existirem conflitos ou sobreposição entre psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais
e voluntários, quanto à prestação de suporte psicológico. Acreditamos que um dos
fatores que mantém e potencia esta situação prende-se, de facto, com a ausência de
conhecimento por parte de outros profissionais do trabalho concreto realizado pelo
psicólogo. Um desafio fundamental é, então, delinear competências centrais exclusivas, acordando numa definição clara que distinga de forma objetiva, o papel dos
psicólogos de outros profissionais, sendo tal (re)formulação de papéis compreendida
por toda a equipa.
Neste artigo, pretendemos efetuar uma reflexão que contribua para uma compreensão mais clara e abrangente do papel do psicólogo em Cuidados Paliativos.
Abordaremos a pertinência da psicologia na compreensão do sofrimento em fim de
vida, as competências centrais exclusivas do psicólogo, a intervenção psicológica e
psicoterapêutica nas suas abordagens ecléticas e meta-teóricas, especificando os
quatro níveis de intervenção que se encontram dirigidos para: a) intervenção psicológica com pessoas com doença avançada progressiva; b) intervenção psicológica
com familiares durante a experiência de prestação de cuidados; c) intervenção psicológica com familiares em processo de luto e d) intervenção psicológica com outros
profissionais da equipa.
Abstract
The specificity of psychological intervention in palliative care is not yet sufficiently understood or clearly defined. Often, there are conflicts or overlapping situations occurring
between psychologists, physicians, nurses, social workers and volunteers in the provision
of psychological support. We believe that one of the factors that maintains and enhances this situation, is based on the lack of knowledge that other professionals have about
the specific work done by the psychologist. A central challenge, is therefore, to delinea
Palavras-chave
Psicologia, Cuidados Paliativos,
Sofrimento.
Key words
Psychology, Palliative Care, Suffering.
Palabras-llave
Psicología, Cuidados Paliativos,
Sufrimiento.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
23
te unique core competencies, agreeing on a clear definition to distinguish objectively,
the role of psychologists from other professionals, being such (re)formulation of roles acknowledged by the whole team.
Through this article, we primarily aim to promote a reflection that contributes to a broader and clearer comprehension of the role played by psychologists in palliative care.
We will discuss the relevance of psychology to the understanding of suffering near the
end of life, the unique core competencies of psychologists, the psychological and psychotherapeutical interventions in an ecletic and meta-theoretical approach, specifying
the four levels of intervention that are directed toward: a) psychological intervention
with people with an advanced progressive disease, b) psychological intervention with
family members during their caregiving experience, c) psychological intervention with
bereaved family members and d) psychological intervention with other professionals in
the team.
Resumen
La intervención psicológica en los cuidados paliativos en su aportación específica, aún
no está claramente definida o suficientemente comprendida. A menudo hay conflictos
o solapamientos entre psicólogos, médicos, enfermeras, trabajadores sociales y voluntarios, para la prestación de apoyo psicológico. Creemos que uno de los factores que
mantiene y potencia esta situación se deriva, de hecho, con la falta de conocimiento
de otros profesionales en el trabajo concreto realizado por el psicólogo. Un desafío clave es entonces delinear las competencias básicas únicas, ponerse de acuerdo sobre
una definición clara de distinguir objetivamente el papel de los psicólogos de otros
profesionales, como la (re)formulación de los roles entendidos por todo el equipo.
En este artículo se pretende hacer una reflexión que contribuya a una comprensión
más clara y completa de la función de los psicólogos en los cuidados paliativos.
Abordaremos la importancia de la psicología en la comprensión del sufrimiento en el
final de la vida, las competencias básicas y únicas de los psicólogos, la intervención
psicológica y psicoterapéutica en sus planteamientos eclécticos y meta- teóricas, especificando los cuatro niveles de intervención que se dirigen hacia: a) la intervención
psicológica en personas con enfermedad avanzada y progresiva, b) intervención psicológica con las familias durante la experiencia del cuidado, c) intervención psicológica con familias en el proceso de duelo y d) intervención psicológica con otros profesionales del equipo.
Introdução
A problemática associada à especificidade e ao papel dos psicólogos que trabalham em cuidados paliativos tem vindo
a merecer especial atenção de vários
dos seus intervenientes. Em Portugal, esta
problemática começa a emergir com
maior visibilidade, tendo em conta o número crescente de equipas e serviços de
cuidados paliativos. Junger, Eggenberger,
Greenwood e Payne¹ e Junger e Payne²
afirmam que, “apesar de já existirem um
número considerável de psicólogos a tra-
24
balhar em Cuidados Paliativos, em muitos
países, a sua contribuição específica não
está ainda claramente definida ou suficientemente compreendida”. Segundo
Junger e Payne², na realidade Europeia é
frequente existirem conflitos ou sobreposição entre psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e voluntários, quanto
à prestação de suporte psicológico. Acreditamos que um dos fatores que mantém
e potencia esta situação prende-se, de
facto, com a ausência de conhecimento
por parte de outros profissionais do traba-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
lho concreto realizado pelo psicólogo. Um
desafio fundamental é, então, “delinear
competências centrais exclusivas”,² acordando numa definição clara que distinga
de forma objetiva, o papel dos psicólogos
de outros profissionais, sendo tal (re)formulação de papéis compreendida por toda
a equipa.²¯³. Procuraremos neste artigo,
contribuir para uma compreensão mais
clara e abrangente do papel do psicólogo em Cuidados Paliativos.
1. Pertinência da Psicologia na Compreensão do Sofrimento em Fim de Vida
Vila-Chã4 refere que,“(...) aquilo que cada
ser humano é em sua mesma unicidade
não é pensável, na esfera da finitude, sem
a experiência do sofrer”. O sofrimento é,
de facto, parte integrante da vida, estando naturalmente presente no fim de vida.
Kuhl5 explica que, quando alguém recebe
a notícia de que tem uma doença incurável, a perceção do seu tempo narrativo altera-se, podendo a compreensão da sua
finitude resultar num estado de intenso sofrimento. Arranz, Barbero, Barreto e Bayés,6
referem que um indivíduo se encontra em
sofrimento quando, “acontece algo que
perceciona como uma ameaça importante para a sua existência (...); ao mesmo tempo, sente que carece de recursos
para lidar com a situação”. O sofrimento
de uma situação irreparável, irremediável,
irreversível, poderá provocar num indivíduo com doença avançada progressiva
uma rutura do seu sentido de coerência.
Summerfield7 lembra-nos, no entanto, que
o sofrimento não é patológico, mas sim
um fenómeno humano natural, modulado
por um contexto cultural, o que se coaduna com a perspetiva construtivista em que
o sofrimento é representado como uma
necessidade de encontrar significado.8
Bayés9 salienta o caráter subjetivo do sofrimento referindo que, aqueles que sofrem,
tendem a percecionar uma descontinuidade e interrupção, muitas vezes brutal e
irreversível, do seu percurso de vida, confrontando-se com o fim da sua existência,
não como uma ideia teórica ou algo que
acontece apenas aos outros, mas como
uma realidade estranha e única, que independentemente da sua vontade, terá
que ser enfrentada. Quando um indivíduo
se confronta com o fim da sua vida, muitas vezes resulta deste encontro, uma crise existencial, à medida que o indivíduo
se apropria do facto inevitável de que irá
morrer.10 Os processos através dos quais
um indivíduo constrói um sentido pessoal
da vida e da morte dependerão de aspetos emocionais, cognitivos, sociais e experienciais.10 Neste sentido, os psicólogos
encontram-se particularmente preparados para compreender a experiência
idiossincrática de morrer e portanto para
intervir junto dos indivíduos com doença
avançada progressiva e seus familiares.10
De acordo com os mesmos autores, um
conceito central associado à necessidade de Cuidados Paliativos especialistas é
a noção de “sofrimento total”. Sabemos
hoje que o sofrimento se constitui através
de componentes de natureza física, emocional, espiritual e cognitiva.10 Contudo, o
sofrimento não se resume à soma destes
componentes. Cada indivíduo experiencia o sofrimento de forma diferente, podendo mesmo experimentar diferentes
tipos de sofrimento num mesmo momento. Assim, os psicólogos, a partir da sua
formação direcionada para a regulação
emocional e controlo do sofrimento, e da
sua formação mais abrangente no desenvolvimento humano ao longo do ciclo de
vida, constituem-se como os profissionais
mais competentes e melhor colocados
para intervir no sentido da construção de
significado de situações complexas (e.g.
sofrimento concomitantemente a vários
níveis) e para ajudar outros profissionais a
reconhecerem e identificarem estas questões.10 Os mesmos autores descrevem ainda a pertinência do psicólogo na inter-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
25
venção sobre o “sofrimento biográfico”, o
qual surge sobretudo no fim da vida, no
momento em que um indivíduo reconhece que determinados aspetos da sua vida
não podem mais ser alterados. Também
aqui, o psicólogo tem um papel preponderante, sobretudo através de intervenções de natureza existencial.10
De acordo com Kon e Ablin,¹¹ o tratamento paliativo consiste no tratamento
do sofrimento, sendo para isso necessário
reconhecê-lo nas suas diversas formas. Estes autores organizam o sofrimento em 5
dimensões: físico, psicológico, social, espiritual e existencial. Reconhece-se portanto, a necessidade de uma intervenção
multidisciplinar na qual estejam incluídos
médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, entre outros.¹² Contudo, é
através da dimensão psicológica que um
indivíduo organiza toda a sua experiência
e perceção da realidade: desde aspetos
físicos ou biológicos como a dor ou dificuldades respiratórias; aspetos de natureza especificamente psicológica como a
ansiedade, o desespero ou a depressão;
aspetos sociais como as dinâmicas de interação com os outros; aspetos espirituais
como a forma de relacionamento com
a religião ou o posicionamento face à
própria existência; e aspetos existenciais
como a construção de significado do percurso de vida.¹³ Como refere Carqueja.14
é na dimensão psicológica onde todo o
sofrimento vem “desaguar”. Seja qual for
a origem do sofrimento é nesta dimensão
que ele emerge. É na vivência psicológica que são sentidos e percecionados os
sentimentos de perda ou ameaça, que
põem em questão o equilíbrio e a unidade do Self. Payne e Haines15 reforçam este
argumento lembrando que, a adaptação
de um indivíduo a uma doença avançada progressiva consiste num conjunto de
“processos psicológicos que ocorrem ao
longo do tempo à medida que os indivíduos procuram lidar com, aprender e
26
adaptarem-se a uma multiplicidade de
mudanças associadas ao percurso da
doença num conjunto de contextos sociais”. Concluímos portanto, que a intervenção psicológica e psicoterapêutica é
particularmente pertinente no contexto
dos Cuidados Paliativos e na promoção
de bem-estar e/ou diminuição do sofrimento, repercutindo-se inequivocamente
numa melhor qualidade de vida das pessoas com doença e dos seus familiares.
Beloff et al.10 refere ainda que, é amplamente reconhecido que o psicólogo se
constitui como um elemento imprescindível numa equipa de Cuidados Paliativos,
em que o seu papel e a pertinência das
suas intervenções são, não só de inquestionável relevância e eficácia demonstrada por investigação cientificamente e
empiricamente validada, como são também económicas.16-17
2. Competências Centrais Exclusivas do
Psicólogo
De acordo com a British Psychological
Society,10, o Oxford Handbook of Palliative
Care18 e a European Association for Palliative Care Task Force² as principais áreas
de atuação do psicólogo em Cuidados
Paliativos consistem na:
-Avaliação;
- Formulação e Conceptualização de
Problemas;
-Intervenção;
- Implementação de Projetos;
- Treino e Formação a outros profissionais;
- Supervisão a outros profissionais;
-Investigação;
-Comunicação.
Por uma questão metodológica, neste
artigo, apenas daremos relevo à intervenção psicológica, em virtude de entendermos ser uma área de maior proximidade
não só dos doentes e seus familiares, mas
também de outros profissionais. Contudo,
qualquer outra das áreas de atuação é
de relevante importância e, como tal,
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
merecedora de uma elevada atenção
e especial desenvolvimento que tornaria
excessivamente longo o presente artigo.
2.1. Intervenção Psicológica e Psicoterapêutica: Abordagens Ecléticas/Meta-teóricas
A intervenção em Cuidados Paliativos,
seja com pessoas em fim de vida e os seus
familiares prestadores de cuidados, seja
com familiares em processo de luto, obriga o psicólogo a obter conhecimentos e
formação em diversas áreas e modelos
de intervenção, culminando num tipo de
intervenção avançada, meta-teórica, ou
aquilo a que Castonguay, Reid, Halperin e
Goldfried19 denominaram de abordagens
ecléticas, que possibilita diferentes tipos
de resposta perante diferentes tipos de
problemas e/ou necessidades. Os modelos teóricos com eficácia cientificamente
e empiricamente comprovada na intervenção psicoterapêutica com pessoas
com doença física, doenças ameaçadoras de vida, processo de luto, e doença
mental no contexto dos Cuidados Paliativos, são os seguintes:20-2
- Psicoterapia Cognitivo-Comportamental;
- Psicoterapia Construtivista;
- Psicoterapia Humanista-Experiencial;
- Psicoterapia Narrativa;
- Psicoterapia Existencialista;
- Modelos Sistémicos de Psicoterapia Familiar;
- Psicoterapia Interpessoal Psicodinâmica;
-Abordagens de Consciencialização baseadas na Terapia Cognitivo-Comportamental.
2.1.1. Intervenção Psicológica com Pessoas
com Doença Avançada Progressiva
O objetivo central do psicólogo nas pessoas com doença avançada progressiva
consiste, em consonância com a filosofia
dos Cuidados Paliativos, em intervir sobre
o sofrimento, nas suas várias dimensões.¹¹
Arranz et al.6 propõem um modelo orientador da intervenção psicológica com
pessoas com doença avançada progres-
siva, no qual para diminuir o sofrimento da
pessoa doente e promover o seu bem-estar é necessário: a) identificar situações
que são percebidas, do ponto de vista da
pessoa doente, como ameaças importantes, estabelecendo dimensões prioritárias de intervenção; b) controlar, compensar ou eliminar essas situações (e.g.
sintomas aversivos, alterações psicológicas); c) potenciar os recursos da pessoa
doente visando diminuir a sua sensação
de impotência e incrementando a sua
perceção de controlo sobre a situação;
d) intervir sobre reações desadaptativas (e.g. perturbação depressiva major);
e) atuar preventivamente, antecipando
consequências, reformulando expectativas, promovendo estratégias de coping
para complicações futuras. Este modelo
constitui-se como uma ferramenta organizadora interessante da intervenção
psicológica com pessoas com doença
avançada progressiva, contudo não ilustra exaustivamente o potencial da intervenção do psicólogo.
Arranz et al.6 sublinham que, “nunca se
deverá duvidar que cada situação clínica é diferente e irrepetível, e que cada ser
humano possui dados biográficos e genéticos inseridos na própria cultura, constituindo-se como uma entidade única não
só na sua realidade presente como nos
trajetos do seu passado e nas suas expectativas para o futuro”. Torna-se, portanto,
necessário reconhecer a individualidade
e realidade única da pessoa em sofrimento, adaptando as intervenções para que
vão de encontro às necessidades identificadas em cada pessoa.
Uma das principais áreas de intervenção do psicólogo consiste na promoção
de um processo de resiliência na pessoa
com doença avançada progressiva18 facilitando a sua adaptação à doença, e
às circunstâncias associadas, favorecendo o seu ajustamento psicoemocional.6
Perante pessoas em fim de vida, é impor-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
27
tante visando a diminuição do seu sofrimento, intervir no sentido de favorecer um
ajustamento à irreversibilidade da doença, antecipando possíveis consequências
da progressão inevitável da doença (e.g.
paralisia devido a metástases na coluna),
promovendo a adaptação à morte como
realidade e facilitando a reorganização
de objetivos de vida.²¹
Uma dimensão crucial no ajustamento
psicoemocional à doença é a comunicação de “más notícias”,²² que do ponto
de vista da intervenção do psicólogo poderá ser mais adequado formular como
promoção da adaptação à realidade da
situação clínica. É fundamental ajudar a
pessoa com doença avançada progressiva a adaptar-se a uma nova realidade
para que planifique a sua vida em função
de objetivos realistas.6 A adaptação a
uma situação clínica com um prognóstico
desfavorável deverá ser abordada com a
pessoa de forma gradual, facilitando progressivamente a sua adaptação.18 O psicólogo, através de competências específicas e únicas numa equipa de Cuidados
Paliativos, é importante na medida em
que explora intencionalmente o conhecimento que a pessoa tem da sua doença,
em que medida se encontra disponível
para receber nova informação, transmitindo informação de forma compreensível
utilizando os códigos usados pela pessoa,
ajudando-a a identificar e explorar significados, sentimentos, preocupações, medos, promovendo recursos que permitam
à pessoa processar a informação e as
emoções decorrentes da sua situação de
doença, diminuindo a sua vulnerabilidade
e reencontrando um sentido e propósito
para a sua vida.²³
Outro aspeto particularmente importante na potenciação de um ajustamento
psicoemocional à doença é a promoção
de esperança.²¹ Snyder24 conceptualiza
a esperança como um constructo multideterminado que envolve a avaliação
28
cognitiva complexa e dinâmica dos objetivos desejados, a distância relativamente à concretização desses objetivos,
a capacidade para iniciar e desenvolver
comportamentos no sentido da realização dos objetivos pretendidos e a motivação para atingir esses resultados. Todos
os profissionais de saúde de uma equipa
de Cuidados Paliativos deverão ser capazes de promover esperança junto de pessoas com doença avançada progressiva.
Gum e Snyder²¹ explicam no entanto, que
a esperança poderá ser promovida por
psicólogos, através da realização do luto
de objetivos irrealistas (e.g. sobrevivência),
desenvolvimento de objetivos alternativos
realistas, potenciação de estratégias de
coping aumentando a perceção de controlo sobre a situação e aprendizagem de
novas competências.
De acordo com Arranz et al.,6 é comum,
ao longo do processo de uma doença
avançada progressiva, o aparecimento
de vários sintomas que, sendo uma manifestação de sofrimento, podem agravá-lo, vulnerabilizando ainda mais, o indivíduo doente. Arranz et al.6 listam como
os sintomas mais comuns: a ansiedade,
a tristeza ou depressão, a hostilidade, o
medo, a culpa, a negação e o isolamento. Também aqui, o psicólogo tem um papel importante, podendo atuar através
de intervenções psicológicas específicas
direcionadas para um particular sintoma,
recorrendo por exemplo a estratégias
cognitivas para corrigir, reformular ou reestruturar crenças erróneas ou mal adaptativas, promover a identificação de recursos psicológicos, potenciar estratégias de
coping e mobilizar recursos internos no
indivíduo para mudar a sua perceção da
situação.24-28 Estratégias de intervenção,
como a reestruturação cognitiva¹³, são
eficazes na medida em que atuam em
pessoas com doença e seus familiares, no
sentido de modificarem a avaliação que
fazem da sua situação atual, diminuindo
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
a intensidade do seu sofrimento e potenciando um sentido de maior confiança
e dignidade.26 Por exemplo, o simbolismo
negativo catastrofizante que uma pessoa com doença avançada progressiva
pode atribuir à diminuição da sua mobilidade, tendo que se deslocar numa cadeira de rodas, focando-se na sua perda
de autonomia, poderá ser explorada e
modificada pelo psicólogo, através de intervenções como a reestruturação cognitiva, que levam a pessoa a construir uma
nova representação simbólica da situação, percecionando a situação de forma
menos ameaçadora, à medida que o próprio indivíduo encontra novos significados,
tal como compreender que deslocar-se
numa cadeira de rodas lhe permitirá continuar a participar de forma ativa na vida
familiar, por exemplo.¹³
Uma dimensão de primordial relevância,
indissociável do processo de adaptação
psicoemocional à doença e da presença de sintomatologia, é a construção de
sentido da vida. O psicólogo, assume então, um papel fulcral na intervenção sobre o sentido de vida da pessoa doente e
sobre a sua construção de significado da
experiência de doença que agora enfrenta. As intervenções Humanista-Existenciais
assumem aqui maior protagonismo, sobretudo intervenções existencialistas como a
Logoterapia.29 Frankl29 explica a Logoterapia como “o tratamento da atitude do paciente em relação ao seu destino inalterável”. Schulenberg, Nassif, Hutzell e Rogina30
explicam que logos corresponde a sentido,
significado ou propósito, sendo então o seu
objetivo ajudar a pessoa em sofrimento a
encontrar sentido para a sua vida.³¹ De
acordo com Frankl,29 o papel do psicólogo
consiste em “demonstrar que a vida nunca
deixa de ter significado (...) ele não pode
mostrar ao paciente qual é o significado,
mas pode mostrar-lhe que existe um significado, e que a vida o tem: que permanece com significado, sejam quais forem as
circunstâncias”. A Logoterapia consiste então, num encontro pessoal, que se processa
através de um diálogo terapêutico que é
conduzido intencionalmente para a procura
de sentido de vida.³² Intervenções que envolvem técnicas de exploração ou revisão
da vida, assim como a Terapia da Dignidade, constituem-se como intervenções promotoras de construção de um sentido para
a vida³³, na medida em que facilitam uma
reavaliação construtiva de acontecimentos
de vida importantes e significativos, através
dos quais a pessoa encontra novo sentido
no seu percurso de vida.26 As intervenções
direcionadas para o insight, podem ajudar
a pessoa com doença a reconhecer que
continuam a existir, apesar da sua situação,
tarefas e momentos importantes e significativos para serem vividos, alegrias e emoções
positivas para serem sentidas, coisas para dizer ou para completar, relações para serem
apreciadas e valorizadas, e conflitos para
serem resolvidos.¹³
O psicólogo poderá igualmente intervir
no sentido de promover uma comunicação mais ajustada entre a pessoa doente
e os seus familiares, evitando ou desconstruindo a conspiração do silêncio6 e facilitando a partilha de sentimentos,18 algo
que exploraremos com maior pormenor no
próximo capítulo.
Ainda, a intervenção psicológica revelou-se eficaz no controlo sintomático,
como no controlo da dor,34 mas também
noutras condições clínicas como dificuldades respiratórias e náuseas,35 recorrendo a
intervenções sobretudo Cognitivo-Comportamentais.34 Estratégias, como a reconceptualização, permitem que os problemas apresentados pela pessoa com
doença sejam traduzidos em dificuldades
específicas, que podem ser claramente
identificadas, potenciando assim a perceção das dificuldades como circunscritas e
tratáveis, em oposição a uma perceção
vaga e esmagadora da experiência de
sofrimento.35 A reestruturação cognitiva é
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
29
aqui também eficaz, na medida em que
incentiva a pessoa a identificar os pensamentos e emoções subjacentes às sensações desagradáveis provocadas pelos
sintomas, facilitando a compreensão da
forma como estes influenciam a sua perceção da intensidade do sintoma, permitindo assim a reflexão sobre e consequente
modificação de pensamentos e emoções,
resultando na diminuição do sofrimento da
pessoa doente35 e numa maior perceção
de competência para lidar com a situação. Outras estratégias têm-se revelado
eficazes no controlo de sintomas desagradáveis, como a respiração diafragmática,
imaginação guiada, técnicas de distração,
técnicas de relaxamento, entre outras.35
2.1.2. Intervenção Psicológica com Familiares durante a Experiência de Prestação
de Cuidados
O papel do familiar prestador de cuidados
no contexto dos Cuidados Paliativos, está
associado a exigências físicas e emocionais
extremamente elevadas,36 assumindo um
papel social multidimensional, que se altera
ao longo do percurso da doença do familiar, em que as exigências e necessidades
variam da mesma forma que os recursos.37
Arranz et al.6 listam como situações merecedoras de atenção clínica por parte do
psicólogo: esgotamento físico e mental,
labilidade emocional, sintomatologia e/ou
perturbações depressivas, sintomatologia
e/ou perturbações de ansiedade, abuso
de substâncias, perturbações do sono, alterações do apetite, perturbações de somatização e sintomas de hipocondria. As
áreas de intervenção do psicólogo com
esta população são quase ilimitadas, dependendo naturalmente das necessidades de cada pessoa em particular.38 Partindo das necessidades identificadas nos
familiares, o papel do psicólogo consistirá
em facilitar um processo de adaptação à
realidade da situação clínica do familiar,
potenciando os seus recursos e diminuindo a sua vulnerabilidade.6
30
O psicólogo poderá ter um contributo singular na promoção de um sentido
de autoeficácia sobre a experiência de
prestação de cuidados, potenciando a
esperança, promovendo competências
de resolução de problemas, antecipando
consequências da doença, reformulando
expectativas quanto ao papel de cuidador,¹³ preparando os momentos finais de
vida facilitando a conclusão de assuntos
por resolver, entre outras dimensões.6
Uma outra importante dimensão de intervenção é na facilitação da construção
de sentido na experiência de prestação
de cuidados.38 As intervenções Humanista-Existenciais assumem particular predominância nesta dimensão. Payne e Ellis-Hill38
sublinham a importância de intervir ajudando os familiares a identificarem e reconhecerem aspetos positivos na sua experiência de prestação de cuidados como
um importante recurso de coping.
De suma importância constitui-se a intervenção do psicólogo sobre formas de
comunicação desajustadas quer entre
os familiares, quer entre os familiares e a
pessoa doente. A conspiração do silêncio, definida por Arranz et al.6 como “um
acordo implícito ou explícito para alterar
a informação ao paciente por parte de
familiares, amigos e/ou profissionais de
saúde com o fim de se ocultar o diagnóstico e/ou prognóstico e/ou gravidade
da situação”, representa uma forma de
comunicação desajustada encontrada
com frequência no contexto dos Cuidados Paliativos. Intervenções baseadas nos
Modelos Cognitivo-Comportamentais e
Sistémicos são particularmente eficazes
neste tipo de situações.
2.1.3. Intervenção Psicológica com Familiares em Processo de Luto
O luto é um processo complexo, multidimensional, que envolve o domínio físico,
psicológico, social39 e espiritual. Stroebe40
descreve o luto como um processo cog-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
nitivo e emocional que envolve a confrontação com e a reestruturação de,
pensamentos sobre a pessoa perdida, a
experiência da perda, e o mundo alterado no qual o indivíduo em luto tem agora
que viver.
De acordo com Worden41, o psicólogo
tem um papel essencial no processo de
luto intervindo no sentido de promover: 1)
a aceitação de realidade da perda, 2) o
processamento das emoções e sofrimento da perda, 3) a adaptação a um novo
mundo sem a pessoa perdida, 4) construindo com a mesma uma ligação duradoura prosseguindo com a sua nova vida.
O psicólogo assume-se essencial na facilitação de um processo de reconstrução de significado da perda ajudando a
pessoa em processo de luto a: 1) construir
um sentido na experiência de perda; 2)
encontrar benefícios na experiência de
perda; e 3) modificar a sua identidade,
favorecendo o crescimento pós-traumático da perda,42-43 integrando uma nova
realidade8 na qual os valores e crenças
sobre o mundo e a sua forma particular
de o percecionar, fica permanentemente
modificada.44
De acordo com Currier, Holland, e Neimeyer,45 a intervenção psicológica no
luto, direcionada para a reconstrução
de significado após a perda de alguém
significativo, deverá incluir os seguintes aspetos: facilitar a integração e favorecer a
procura de significado; promover a reelaboração de uma nova narrativa e recorrendo também para este efeito ao uso
de estratégias narrativas; manter o foco
na procura de benefícios decorrentes da
perda, incentivando a expressão e processamento de emoções; explorar questões existenciais e espirituais relevantes;
dar informação pertinente e acessível ao
nível da compreensão da pessoa sobre as
características do processo de Luto; potenciar a aquisição de novas competências e recursos de coping; facilitar a cons-
trução de um vínculo ou ligação contínua
com a pessoa falecida. De acordo com
os autores, toda a intervenção deverá ser
sustentada na promoção de esperança
e confiança, na concretização do potencial de transformação da pessoa em ganhos reais, direcionando-a progressivamente para a vida futura.
2.1.4. Intervenção Psicológica com Outros
Profissionais da Equipa
Brennan46 refere que o trabalho com pessoas com doenças ameaçadoras de vida,
quase inevitavelmente tem um impacto
nos profissionais de saúde, influenciando
os seus comportamentos, as suas crenças,
os seus medos e mesmo os seus relacionamentos com pessoas significativas. A
intensidade emocional decorrente do
tipo de trabalho realizado em Cuidados
Paliativos pode exercer uma importante
influência nas dinâmicas de uma equipa,
afectando as relações entre profissionais
no trabalho.10 A perceção de stresse continuada e prolongada no tempo poderá
levar ao burnout do indivíduo.10 De acordo com os autores, a síndrome de burnout
pode ter repercussões importantes nos
profissionais de saúde e respetivamente nas suas equipas, especialmente nos
profissionais que trabalham em Cuidados
Paliativos. Os autores explicam ainda que,
a maior parte dos profissionais de saúde
não obtiveram formação ou preparação
adequada para o impacto emocional
que a sua função acarreta. Neste sentido,
os psicólogos, através da sua formação e
competências específicas, encontram-se
particularmente bem preparados para intervir sobre este tipo de problemas.10 Brennan46 salienta contudo, a necessidade de
que este tipo de trabalho seja realizado
por um membro externo à equipa com
formação adequada que possa atuar
como facilitador na resolução de problemas intrapessoais, interpessoais ou organizacionais. Payne e Haines15 acrescentam
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
31
que, os psicólogos deveriam estar mais
envolvidos na avaliação das dinâmicas
de interação entre os profissionais de equipas multidisciplinares. Os autores explicam
que os psicólogos têm competências
para atuar junto da equipa no sentido de
atenuar o stresse associado à perda contínua de pessoas acompanhadas pelas
equipas de Cuidados Paliativos. Uma forma através da qual os psicólogos podem
atuar a este nível é através da realização
de sessões de debriefing direcionadas
para a partilha livre de experiências, facilitando o suporte emocional e reduzindo
eventuais sentimentos de culpabilidade.
Conclusão
A estrutura de referência para intervir no
contexto dos cuidados paliativos tem-se
apoiado na tríade básica: comunicação eficaz, controlo sintomático e apoio
à família, sendo que estes elementos são
considerados como estrutura ideal para
alcançar os objectivos desejados.6 Esta
visão redutora da complexidade e individualidade das vivências de cada pessoa
que se encontra em cuidados paliativos,
demonstra, segundo Arranz et al.,6 a fragilidade conceptual deste modelo universalmente estabelecido, que terá sido
considerado empiricamente eficaz por
médicos e enfermeiros, sendo contudo
um reflexo de uma prática profissional imbuída no Modelo Biomédico. Esta tríade
poderia, metaforicamente, comparar-se à
imagem de um arquitecto – o médico – ao
qual se pede que construa uma complexa e magistral catedral gótica – o bem-estar da pessoa alvo de cuidados – sem ter
qualquer plano para o efeito, mas apenas
com a simples indicação de que a tríade
instrumental básica para construí-la será
formada por água – comunicação eficaz
–, cimento – controlo sintomático, – e areia
– apoio emocional à família.6 Urge desenvolver-se um novo paradigma, o qual
contemple uma visão verdadeiramente
32
holística do ser humano em sofrimento
próximo do fim de vida, representando
uma estrutura eficaz, orientadora, empiricamente pertinente, contudo sempre flexível, abrangendo e nunca simplificando
a riqueza da complexidade, unicidade,
individualidade e subjectividade, intrinsecamente humana. O psicólogo, partindo
de conhecimentos decorrentes de diferentes modelos e abordagens teóricas
e investido da competência necessária
para criativamente se adaptar, pessoal e
profissionalmente, a diferentes modos de
relação e intervenção com o Outro, constitui-se como um elemento indispensável
para o enriquecimento da investigação,
avaliação e intervenção realizada no
contexto dos cuidados paliativos. l
Bibliografia
1. Junger S, Eggenberger E, Greenwood A, Payne S. Psychologists in palliative
care in Europe: A discipline “under construction”. Abstracts of the 6th Research
Congress of the European Association for Palliative Care. Palliative Medicine.
2010; 24:212-213.
2. Junger S, Payne S. Guidance on postgraduate education for psychologists involved in palliative care. European Journal of Palliative Care. 2011; 18(5):238-252.
3. Junger S, Payne S, Constantini A, Kalus C, Werth J. The EAPC Task Force on
Education for Psychologists in Palliative Care. European Journal of Palliative
Care. 2010; 17:84-87.
4. Vila-Chã J. A experiência da subjectividade: elementos para uma filosofia da
dor e do sofrimento. In: Carvalho A, ed. by. Bioética e Vulnerabilidade. 1st ed.
Coimbra: Almedina; 2008. p. 219-242.
5. Kuhl D. What Dying People Want. In: Chochinov H, Breitbart W, ed. by.
Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New York: Oxford University Press; 2014. p. 141-156.
6. Arranz P, Barbero J, Barreto P, Bayés R. Intervención emocional en cuidados
paliativos: Modelo y protocolos. Barcelona: Editorial Ariel; 2003.
7. Summerfield D. “Trauma” and the experience of war: a reply. The Lancet.
1998; 351:1580-1581.
8. Gillies J, Neimeyer R. Loss, Grief, and The Search for Significance: Toward
a Model of Meaning Reconstruction in Bereavement. Journal of Constructivist
Psychology. 2006; 19:31-65.
9. Bayés R. Afrontando la vida, esperando la muerte. Madrid: Alianza Editorial;
2006.
10. Beloff H, Brennan J, Williams E, Payne S, Royan L, Russel P. The Role of
Psychology in End of Life Care. A report published by the Professional Practice
Board of the British Psychological Society. The British Psychological Society;
2008 p. 1-30.
11. Kon A, Ablin A. Palliative Treatment: Redefining Interventions To Treat
Suffering Near the End of Life. Journal of Palliative Medicine. 2010;13(6):643-646.
12. Ahmedzai S, Costa A, Blengini C, Bosch A, Sanz-Ortiz J, Ventafridda C et al.
A new international framework for palliative care. European Journal of Cancer.
2004;40:2192-2200.
13. Cherny N. The Treatment of Suffering in Patients with Advanced Cancer. In:
Chochinov H, Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine.
1st ed. New York: Oxford University Press; 2009. p. 300-323.
14. Carqueja E. A Prática Religiosa e a Percepção do Sofrimento em Doentes
Oncológicos e Não Oncológicos. Cadernos de Saúde. 2009; 2(1):7-40.
15. Payne S, Haines R. The contribution of psychologists to specialist palliative
care. International Journal of Palliative Nursing. 2002;8(8):401-406.
16. Carlson L, Bultz B. Efficacy and Medical Cost Offset of Psychosocial Interventions in Cancer Care: Making the Case for Economic Analysis. Psycho-Oncology.
2004;13:837-849.
17. Ordem dos Psicólogos. Evidência científica sobre custo-efectividade de
intervenções psicológicas em cuidados de saúde [Internet]. 2011 [citado a 12
Novembro 2011]. Disponível a partir de: http://www.ordemdospsicologos.pt.
18. Watson M, Lucas C, Hoy A, Wells J. Oxford Handbook of Palliative Care.
New York: Oxford University Press; 2009.
19. Castonguay J, Reid J, Halperin G, Goldfried M. Psychotherapy Integration.
In: Stricker G, Widiger T, Weiner I, ed. by. Handbook of Psychology, vol8, Clinical Psychology. 1st ed. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc; 2003. p. 327-346.
20.Greenberg L, Elliott R, Lietaer G. Humanistic-Experiential Psychotherapy. In:
Stricker G, Widiger T, Weiner I, ed. by. Handbook of Psychology, vol 8, Clinical
Psychology. 1st ed. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc; 2003. p. 301-326.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
21. Gum A, Snyder C. Coping with Terminal Illness: The Role of Hopeful
Thinking. Journal of Palliative Medicine. 2002; 5(6):883-894.
22. Twycross R. Cuidados Paliativos. Lisboa: Climepsi Editores; 2003.
23. Doyle D, Jeffrey D. Palliative Care in the Home. New York: Oxford University Press; 2000.
24. Snyder C. Hope Theory: Rainbows in the Mind. Psychological Inquiry.
2002;13(4):249-275.
25. Trask P, Paterson A, Griffith K, Riba M, Schwartz J. Cognitive-Behavioral
Intervention for Distress in Patients with Melanoma. American Cancer Society.
2003;10:854-864.
26. Chochinov H, Hack T, Hassard T, Kristjanson L. Dignity Therapy: A Novel
Psychotherapeutic Intervention for Patients Near the End of Life. Journal of
Clinical Oncology. 2005;23(24):5520-5525.
27. Tatrow K, Montgomery G. Cognitive behavioural therapy techniques for
distress and pain in breast cancer patients: A meta-analysis. Journal of Behavioral
Medicine. 2006; 29(1):17-27.
28. Savard J, Simard S, Giguere I. Randomized clinical trial on cognitive therapy
for depression in women with metastic breast cancer: psychological and immunological effects. Palliative Support Care. 2006; 4:219-237.
29. Frankl V. The Will to Meaning: Foundations and Applications of Logotherapy.
New York: Meridian; 1988.
30. Schulenberg S, Nassif C, Hutzell R, Rogina J. Logotherapy for Clinical Practice.
American Psychological Association. 2008;45(4):447-463.
31. Frankl V. Man’s search for ultimate meaning. New York: Basic Books; 2000.
32. Freire J. El Humanismo de la Logoterapia de Viktor Frankl: La aplicación del
análisis existencial em la orientación personal. Navarra: Ediciones Universidad
de Navarra; 2002.
33. Kissane D, Treece C, Breitbart W, McKeen N, Chochinov H. Dignity, Meaning
and Demoralization: Emerging Paradigms in End-of-Life Care. In: Chochinov H,
Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New
York: Oxford University Press; 2009. p. 324-340.
34. Straub E. Health Psychology: A Biopsychosocial Approach. New York:
Worth Publishers; 2007.
35. Turk D, Feldman C. Cognitive-Behavioural Approaches to Symptom Management in Palliative Care: Augmenting Somatic Interventions. In: Chochinov H,
Breitbart W, ed. by. Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine. 1st ed. New
York: Oxford University Press; 2009. p. 470-489.
36. Lloyd-Williams M, Dennis M, Taylor F. A prospective study to determine
the association between physical symptoms and depression in patients with
advanced cancer. Palliative Medicine. 2004; 18:558-563.
37. Payne S. Resilient carers and caregivers. In: Monroe B, Oliviere D, ed. by.
Resilience in Palliative Care: Achievement In Adversity. 1st ed. New York: Oxford
University Press; 2007. p. 83-97.
38. Payne S, Ellis-Hill C. Chronic and Terminal Illness: New perspectives on
caring and carers. New York: Oxford University Press; 2001.
39. Sanders C. Risk factors in bereavement outcome. In: Stroebe M, Stroebe W,
Hanson R, ed. by. Handbook of Bereavement: Theory, Research and Intervention.
1st ed. New York: Cambridge University Press; 2008. p. 255-267.
40. Stroebe M. Coping with bereavement: a review of the grief work hypothesis.
Omega. 1992;26:19-42.
41. Worden J. Grief Counseling and Grief Therapy: A Handbook for the Mental
Health Practitioner. New York: Springer; 2009.
42. Janoff-Bulman R. Commentaries: Post-traumatic Growth: Three Explanatory
Models. Psychological Inquiry. 2004;15(1):30-34.
43. Calhoun L, Tedeschi R. Post-traumatic Growth: The Positive Lessons of Loss.
In: Neimeyer R, ed. by. Meaning Reconstruction and the Experience of Loss. 1st
ed. Washington: American Psychological Association; 2010. p. 157-172.
44. O’Connor M. Making meaning of life events: Theory, evidence and research
directions for an alternative model. Omega. 2002;46(1):51-76.
45. Currier J, Holland J, Neimeyer R. Making sense of loss: A content analysis of
end-of-life practitioners’ therapeutic approaches. OMEGA. 2008; 57(2):121-141.
46. Brennan J. Cancer in Context – A practical guide to supportive care. Oxford:
Oxford University Press; 2004.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
33
Artigo original
Investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados Paliativos em Portugal:
traços da realidade e perspetivas sobre
como promover e melhorar
Sandra Martins Pereira
Enfermeira; Licenciada em Ciências da Educação; Pós-graduada em Cuidados Paliativos; Mestre e Doutora
em Bioética; Pós-doutoramento em Investigação em Cuidados Paliativos (Palliative Care Research).
VU Medical Center, EMGO+ Institute for Health and Care Research; FP7 Project Euro-Impact
Pablo Hernández-Marrero
Enfermeiro; Mestre e Doutor em Health Services Research; Profesor Ayudante Doctor, Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, Facultad de Ciencias de La Salud, Departamento de Enfermería
Manuel Luís Capelas
Mestre em Cuidados Paliativos; Doutor em Ciências da Saúde; Professor Adjunto, Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde
Resumo
A realização de projetos de investigação de cariz colaboracional e multicêntrico tem
vindo a ser implementada e fomentada, quer a nível nacional quer internacional, inclusive no domínio científico dos cuidados paliativos. O objetivo do presente estudo é o de
descrever a realidade portuguesa nesta matéria, apontando possíveis estratégias para
a promoção e melhoria deste tipo de projetos. A partir do envio de um questionário
misto aos coordenadores de cursos de mestrado, pós-graduação e equipas de cuidados paliativos portugueses, num total de 25 respondentes, foi possível identificar que a
maioria (15 dos 25 participantes) nunca participou em estudos de cariz colaboracional, quer de âmbito nacional quer internacional. Não obstante, praticamente todos
os inquiridos (24 dos 25 respondentes) foram unânimes em apontar a relevância deste tipo de estudo, manifestando-se disponíveis para participar neste tipo de iniciativa.
Como possíveis estratégias promotoras de investigação colaboracional e multicêntrica
os participantes salientaram o estabelecimento de redes interprofissionais e interinstitucionais (networking), a realização de seminários de investigação, e o estabelecimento
de acordos bilaterais (consórcios). Pese embora a parca experiência na realização
de investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal,
o presente estudo evidencia o interesse, viabilidade e potencialidade de iniciativas
promotoras deste tipo de projetos neste país.
Palavras-chave
Investigação colaboracional; investigação multicêntrica; cuidados paliativos.
Key words
Collaborative research; multicentred
research; research networks or consortiums; palliative care.
34
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Palabras-llave
Investigación colaborativa; estudios
multicéntricos; redes de investigación;
cuidados paliativos.
Abstract
The development of national and international collaborative and multicentred research
projects is becoming a major and relevant feature, namely in the field of palliative care.
Hence, the aim of this study is to describe the state of the development of this type of
research in Portugal, pointing out possible strategies to promote and improve such collaborative projects. All coordinators of masters and post-graduation courses in palliative
care and all coordinators of Portuguese specialised palliative care teams were requested to fill in a questionnaire where they were asked on their experience in conducting
collaborative research projects. Out of a total of 25 participants, 15 never participated
in such studies. Nonetheless, almost all participants were unanimous in stating that they
consider these projects relevant, expressing their willingness in participating in initiatives of this kind. As possible strategies to promote collaborative research in Portugal, the
participants indicated networking, research seminars and the establishment of bilateral
research consortiums. Despite of the scarce of experience in conducting collaborative
research in palliative care in Portugal, this study highlights the interest, feasibility and potential of initiatives promoting this type of research in this country.
Resúmen
Los proyectos de investigación de naturaleza multicéntrica y colaborativa han sido
implementados, tanto a nivel nacional como internacional, en diversos campos científicos como el de los cuidados paliativos. El objetivo de este estudio es describir la
situación de la investigación colaborativa y multicéntrica en cuidados paliativos en
Portugal, señalando las posibles estrategias para la promoción y mejora de este tipo
de proyectos. Como instrumento de recolección de datos, se envió un cuestionario
a todos los coordinadores de cursos de master y postgrado en cuidados paliativos,
así como a todos los coordinadores de equipos especializados de cuidados paliativos
portugueses. De un total de 25 participantes, 15 no había participado nunca en estudios de naturaleza colaborativa y multicéntrica, ni a nivel nacional ni internacional. Sin
embargo, casi todos los encuestados (24 del total de 25 encuestados) fueron unánimes
en señalar la relevancia de este tipo de estudios, manifestándose disponibles para participar en este tipo de iniciativas. Como posibles estrategias promotoras de esto tipo
de investigación multicéntrica y colaborativa, los participantes indicaron la creación
de redes interprofesionales (networks), la realización de seminarios de investigación,
y el establecimiento de acuerdos multi(bi)laterales (consorcios). A pesar de la escasa
experiencia en la realización de investigación colaborativa multicéntrica en cuidados
paliativos en Portugal, este estudio pone de relieve el interés, la viabilidad y el potencial
para la promoción de iniciativas promotoras de este tipo de proyectos en este país.
Introdução
te das agências de financiamento de in-
A realização de projetos de investigação
vestigação, quer por parte das próprias
de cariz colaboracional e multicêntrico
instituições promotoras de investigação.
tem vindo a ser implementada e fomen-
O desenvolvimento dos cuidados palia-
tada, quer a nível nacional quer interna-
tivos, enquanto área de subespecializa-
cional. Com efeito, a constituição de con-
ção no âmbito da saúde, tem sido acom-
sórcios de investigação, particularmente
panhado duma preocupação crescente
de cariz interdisciplinar, tem conhecido
com a realização de projetos de inves-
um investimento crescente, quer por par-
tigação deste âmbito. Não obstante, a
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
35
participação portuguesa em projetos de
investigação de cariz colaboracional e
multicêntrico tem sido escassa. Além disso,
desconhece-se a existência de um Centro
de Investigação, única e exclusivamente
dedicado à investigação em cuidados
paliativos, pese embora a concretização,
há já uma década, de diversos cursos de
mestrado e pós-graduação em cuidados
paliativos em Portugal. Consequentemente, a investigação realizada neste domínio
tem assumido caraterísticas que a tornam
pouco competitiva, no panorama internacional.
O presente estudo visa traçar o perfil e
estado de desenvolvimento da investigação colaboracional e multicêntrica em
cuidados paliativos, em Portugal. Além
disso, tem por intuito identificar possíveis
estratégias para a promoção e melhoria
do desenvolvimento deste tipo de projetos neste país.
Quadro teórico
A investigação colaboracional pode ser
definida como a concretização de um
projeto de investigação desenvolvido por
ou em mais do que uma instituição, centro de investigação, centro médico e/ou
universitário, contando com a colaboração de todos os parceiros implicados.
Na maior parte das vezes, entre estes, é
estabelecido um consórcio e protocolo
de cooperação bilateral. No que concerne ao projeto de investigação, em si mesmo, este é único, partilhado por todos e
coordenado por um dos parceiros. Não
obstante, o projeto está, comummente,
subdividido nos designados work packages, os quais são múltiplos e liderados por
investigadores pertencentes às diferentes
instituições parceiras.
Pese embora a definição de investigação colaboracional acima enunciada,1
na realidade não existe uma definição
consensualizada para este tipo de projetos.2 Com efeito, diferentes autores apre-
36
sentam conceitos distintos, podendo
considerar-se que uma investigação colaboracional acontece desde que dois ou
mais investigadores estejam implicados
no processo de investigação, ou então
quando este é implementado por mais
do que uma instituição. Em qualquer dos
casos, os autores são unânimes em considerar que a investigação colaboracional
consiste numa forma especial de colaboração com o propósito de produzir evidência científica, conectando pessoas,
disciplinas, organizações.3 Acresce ainda
o reconhecimento de que este tipo de
investigação se constitui como uma maisvalia, reunindo uma importância crescente no domínio científico.4
O desenvolvimento dos cuidados paliativos enquanto área de cuidados especializados e diferenciados na saúde
requer uma prática baseada em evidência e, como tal, investigação rigorosa e de
qualidade.5-8 A investigação é, aliás, considerada um elemento central na definição
dos níveis de desenvolvimento dos cuidados paliativos num país.9
Não obstante, vários são os desafios
que se colocam neste domínio, algumas
de cariz ético10, nomeadamente: dificuldades na realização de ensaios clínicos
devido ao risco de perda de participantes ao longo do processo de recolha de
dados;11 vulnerabilidade dos participantes; investigação de temas perspetivados como delicados e de abordagem
complexa e difícil; entre outros. Uma das
formas de colmatar e minimizar estas dificuldades e desafios passa, precisamente,
pelo desenvolvimento de projetos de cariz colaboracional e multicêntrico em cuidados paliativos,8;12 estabelecimento de
parcerias e cooperações entre clínicos e
investigadores13 e pela definição de áreas
e programas prioritárias de investigação.13
É neste contexto que emergem os objetivos do presente estudo, o qual visa: (a)
descrever a realidade atual da investiga-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
ção colaboracional e multicêntrica em
cuidados paliativos em Portugal; (b) saber
quais as vantagens da investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados
paliativos na ótica dos profissionais que
exercem funções nesta área; (c) compreender de que modo será possível fomentar este tipo de investigação em Portugal, na perspetiva dos profissionais que
exercem funções nesta área.
Metodologia
Este estudo assume um cariz exploratório
e descritivo, na medida em que visa obter uma perspetiva acerca do fenómeno em estudo, neste caso, descrevendo
e traçando a realidade da investigação
colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos em Portugal. Este tipo de
metodologia é a que melhor se enquadra
quando o intuito é o de obter informação
acerca duma problemática relativamente à qual existe pouco evidência ou conhecimento.14-16
Em termos de recolha de dados, optámos por enviar um questionário online.
Este questionário assumiu um cariz misto:
por um lado, incluiu um conjunto de perguntas fechadas, dicotomizadas, acerca
da experiência do respondente no que
concerne à realização de investigação
colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos, de âmbito nacional ou internacional, acesso a financiamento para
concretização deste tipo de estudos, reconhecimento da relevância destes, e
disponibilidade para participar neste tipo
de projetos; por outro lado, foi solicitado,
aos participantes, que detalhassem informação e/ou justificassem as suas opções
face às dimensões descritas e partilhassem a sua perspetiva e sugestões sobre
como melhorar este tipo de investigação
em cuidados paliativos, em Portugal.
Os dados obtidos foram analisados do
seguinte modo: relativamente às perguntas fechadas, estas foram objeto duma
análise meramente descritiva, quantitativa; quanto às perguntas abertas, estas
foram sujeitas a uma análise de conteúdo,
temática e indutiva.
No que concerne aos possíveis participantes, foram incluídos todos os coordenadores de mestrados em cuidados continuados e paliativos com 120 ou mais ECTS,
todos os coordenadores de pós-graduações em cuidados paliativos com 60 ou
mais ECTS, e todos os coordenadores de
equipas de cuidados paliativos indicadas
no site da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos em dezembro de 2013.17
Os convites para participação neste estudo foram enviados, por correio eletrónico, para todos os potenciais participantes
(6 coordenadores de mestrados, 7 coordenadores de pós-graduações, 21 coordenadores de equipas) em meados de
dezembro de 2013. O período de recolha
de dados perdurou até março de 2014,
tendo sido enviados, para além do convite inicial, dois lembretes adicionais aos potenciais participantes. Em termos éticos,
a devolução do questionário preenchido
foi definida e entendida como o consentimento para participar no estudo e divulgar os resultados de forma anonimizada e
confidencial.
Um total de 4 coordenadores de mestrado, 5 coordenadores de pós-graduações
e 16 coordenadores de equipas devolveram o questionário devidamente preenchido. Estes 25 documentos constituíram
o corpus de análise, cujos resultados passam a apresentar-se.
Apresentação e discussão de resultados
Os resultados deste estudo serão apresentados e discutidos em torno de três dimensões centrais, estreitamente relacionadas
com os objetivos acima enunciados: (a)
a realidade atual da investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados
paliativos em Portugal; (b) Vantagens da
investigação colaboracional e multicên-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
37
trica em cuidados paliativos na ótica dos
profissionais que exercem funções nesta
área de cuidados; (c) perspetivas dos profissionais sobre como fomentar este tipo
de investigação em Portugal.
A realidade atual da investigação colaboracional e multicêntrica em Cuidados
Paliativos, em Portugal:
No que se refere aos coordenadores de
mestrados em cuidados paliativos, 3 dos
4 participantes neste estudo referiram ter
participado em estudos de cariz colaboracional e multicêntrico de âmbito nacional. Não obstante, nenhuma das dissertações de mestrado desenvolvidas nestes
mestrados se havia inscrito neste tipo de
projetos, assim como nenhum dos participantes referiu alguma vez ter tido acesso
a financiamento para investigação.
Por sua vez, no que concerne aos coordenadores de pós-graduações, nenhum
dos respondentes havia participado em
projetos colaboracionais e multicêntricos
a nível nacional ou internacional ou havia
acedido a financiamento para investigação.
Quanto aos coordenadores de equipas
de cuidados paliativos, 7 dos 16 participantes neste estudo manifestou ter integrado projetos colaborativos de caráter
nacional, e 3 a nível internacional. A propósito deste subgrupo de participantes,
importa referir que 3 indicaram ter colaborado em projetos enquanto participantes, nomeadamente em estudos de
mestrado e doutoramento, entendo esta
participação como uma colaboração
inter-institucional com as instituições de
ensino superior nas quais estes se integravam. Também no caso dos coordenadores de equipas, a experiência de acesso a
financiamento era inexistente.
Não obstante, todos os coordenadores
de mestrado e pós-graduações, assim
como 15 dos 16 coordenadores de equipas manifestaram considerar os projetos
de investigação colaboracional e multi-
38
cêntrica relevantes, assim como a sua disponibilidade para colaborar neste tipo de
iniciativas.
Estes resultados ilustram a parca experiência em termos de investigação colaboracional e multicêntrica dos profissionais que têm dedicado o seu exercício
profissional aos cuidados paliativos, em
Portugal. Com efeito, denota-se que, pese
embora algumas iniciativas pontuais, não
existe tradição na implementação de
projetos colaborativos entre instituições
de ensino superior que promovem a formação em cuidados paliativos. Estes aspetos convergem com a escassez de
publicações portuguesas na literatura
internacional em cuidados paliativos,18
já que a concretização de projetos colaboracionais não só potencia a possibilidade de disseminação científica, como a
produção de evidência científica e publicações aumenta a viabilidade de obter
financiamento.19
Um dos resultados obtidos neste domínio e que importa aprofundar refere-se à
perspetiva de alguns coordenadores de
equipas que consideram ter participado
em projetos de cariz colaboracional e
multicêntrico ao serem participantes em
trabalhos de mestrado e doutoramento.
Embora não possamos extrapolar os resultados obtidos, pensamos poder afirmar
que esta perspetiva converge com algumas recomendações recentes adotadas
em outros países de incluir os participantes no próprio desenho e implementação
dos projetos de investigação.20 Em nosso
entender, este reconhecimento, por parte dos participantes do nosso estudo de
que, por serem participantes são parte
integrante do processo e, como tal, participaram em projetos colaborativos é ilustrativo do potencial existente para uma
maior promoção deste tipo de projetos,
em Portugal. Esta perceção é reforçada
pela disponibilidade manifestada por praticamente todos os respondentes.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Quadro 1
Relevância dos projetos de investigação de cariz colaboracional e multicêntrico
para o desenvolvimento dos cuidados paliativos na perspetiva dos participantes
Unidades de registo
Categorias
Número
Transcrição
(exemplos)
16
“A evidência obtida será fundamental no planeamento de
eventuais alterações ou na implementação de novas estratégias”
(Coordenador de Pós-Graduação, CPG4)
“Os projetos de investigação são uma forma de aprofundamento de conhecimentos, que se traduzem numa melhoria da
prestação de cuidados” (Coordenador de Equipa, CE12)
6
“Devido às limitações metodológicas da investigação em Cuidados Paliativos, esta será a forma necessária para maior evidência
dos resultados da investigação” (Coordenador de Mestrado,
CM3)
“Generalização de resultados pela representatividade da
amostra” (CE14)
22
“Favorecer a identificação e a articulação com outros grupos e
instituições que têm interesses comuns de estudo” (CM1)
“Considero importante pela oportunidade de troca de experiências dos vários profissionais nesta área, pela possibilidade de
aprendizagem com outras instituições do género (…)” (CPG2)
“A partilha de conhecimentos e experiencias é fundamental (…)”
(CE1)
Necessidade de desenvolver prática baseada na
evidência
Limitações metodológicas
da investigação em cuidados paliativos
Aumento e partilha de
conhecimento e experiências
Vantagens da investigação colaboracional
e multicêntrica em Cuidados Paliativos na
ótica dos profissionais que exercem funções
nesta área de cuidados
No sentido de compreender as vantagens
atribuídas pelos profissionais que exercem
a sua atividade profissional em cuidados
paliativos à implementação de projetos
de cariz colaboracional e multicêntrica,
procedemos à análise de conteúdo das
respostas dadas, pelos próprios, a uma
das questões abertas que constava do
questionário. Desta análise de conteúdo,
emergiram as seguintes categorias: necessidade de desenvolver uma prática
baseada na evidência; limitações metodológicas da investigação em cuidados
paliativos; e possibilidade que os projetos
colaborativos encerram em termos de aumento e partilha de conhecimento e experiências (Quadro 1).
Estes resultados são ilustrativos do conhecimento que os participantes têm
acerca das vantagens de implementar
projetos de investigação alicerçados no
estabelecimento de colaborações e parcerias. Com efeito, uma das formas de
colmatar os constrangimentos inerentes à
perda de participantes ao longo de um
projeto de investigação e ensaio clínico
passa, precisamente, pela realização de
projetos multicêntricos.13; 17
Um outro aspeto que estes resultados
realçam prende-se com a evidente preocupação dos participantes em que a prática de cuidados e, consequentemente, o
desenvolvimento dos cuidados paliativos
assente na evidência científica.5-8 Na realidade, uma melhoria da qualidade dos cuidados paliativos requer uma expansão da
capacidade investigativa neste domínio.21
Dada a natureza e abordagem interdisciplinar em cuidados paliativos, importa notar a expressividade da categoria
“aumento e partilha de conhecimentos e
experiências”. Com efeito, denota-se que
a maior vantagem apontada pelos participantes à realização de projetos de in-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
39
vestigação colaborativos residiu, precisamente, na possibilidade que esta encerra
de otimizar o trabalho em equipa.
Perspetivas dos profissionais sobre como fomentar este tipo de investigação em Portugal
No âmbito do presente estudo, uma das
questões colocadas aos participantes, foi
acerca do modo como estes consideravam ser possível promover o desenvolvimento de projetos de investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados
paliativos, em Portugal. Esta questão foi
efetuada em formato aberto, sendo que,
da análise de conteúdo realizada, emergiram as seguintes categorias: investigação em rede (networking); realização de
seminários de investigação; estabelecimento de consórcios/protocolos bilaterais
de cooperação; envolvimento de profissionais da área da prestação de cuidados
em projetos de investigação; desenvolvimento de projetos focalizados na prática
clínica; integração de investigadores nas
equipas de cuidados paliativos. A categoria “acesso a financiamento” também
emergiu na análise efetuada (Quadro 2).
A propósito desta análise convém referir que é possível agrupá-las considerando o perfil dos respondentes. Enquanto a sugestão da investigação em rede
(networking), realização de seminários
de investigação e estabelecimento de
consórcios/protocolos bilaterais de cooperação emergiram a partir das respostas
dadas por todos os tipos de coordenadores (mestrado, pós-graduação, equipa),
a integração de profissionais da área da
prestação de cuidados emergiu somente a partir dos questionários preenchidos
por coordenadores de pós-graduação
e equipas; por último, sugestões relativas
à focalização dos projetos na prática clínica e de integração de investigadores
nas equipas de cuidados paliativos foram
somente dadas por coordenadores de
equipas. Em nosso entender, estes con-
40
sensos e diferenças prendem-se, por um
lado, com a maior experiência e tradição
académica de produção científica e, por
outro lado, com a dimensão mais prática
dos cursos de pós-graduação e equipas.
Além disso, a sobrecarga de trabalho das
equipas é dificultadora da consecução
de projetos de investigação, pelo que a
inclusão de um investigador nas equipas
pode, efetivamente ser facilitadora da
concretização de projetos mais amplos.
Curiosamente, embora somente um dos
participantes se tenha referido explicitamente ao acesso a financiamento como
promotor do desenvolvimento de investigação em cuidados paliativos, denota-se
que praticamente todos as estratégias
sugeridas pelos demais respondentes têm
implícita esta necessidade de aceder a
verbas. Além disso, houve respondentes
que se referiram a bolsas e prémios pontuais. Estes, embora relevantes, não foram
considerados como acesso a financiamento na medida em que assumem caraterísticas distintas que nem sempre garantem a sustentabilidade dum projeto de
investigação na sua completude. A relevância da acessibilidade a financiamento para investigação está também patente na literatura internacional sobre o
tema, em que uma das recomendações
enunciadas se prende, precisamente,
com a necessidade de acesso a fundos
que sustentem a investigação no domínio
dos cuidados paliativos.13-13; 15; 19
Pese embora os resultados aqui expostos
e discutidos, importa considerar algumas
limitações inerentes à realização deste
estudo, nomeadamente no modo como
os participantes foram selecionados. Com
efeito, o facto de esta seleção ter incidido nos coordenadores de mestrado, pósgraduação e equipas especializadas de
cuidados paliativos (com menção explícita a esta área científica), é de supor que
terão ficado excluídas pessoas ou instituições que, não assumindo este tipo de
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Quadro 2
Perspetivas dos profissionais sobre como fomentar a investigação colaboracional
e multicêntrica em Portugal
Unidades de registo
Categorias
Transcrição
(exemplos)
Número
Investigação em rede
(networking)
6
“Investigação em rede” (CM2)
“(…) criar redes de trabalho (…)” (CPG3)
“(…) que as diferentes equipas (…) se articulem (…)” (CE1)
Seminários de investigação
4
“Seminários de investigação (…)” (CM3)
“(…)encontro de investigação (…)” (CPG2)
“(…) encontros presenciais (…) (CE3)
Consórcios/protocolos
bilaterais de cooperação
7
“Associar projetos centros de investigação” (CM3)
“Criação de um consórcio de instituições parceiras incluindo instituições de ensino e prática de cuidados paliativos” (CPG1)
“(…) desenvolver parcerias (…)” (CE5)
Envolvimento de profissionais
da área da prestação de
cuidados em projetos
de investigação
3
“Integrar na investigação colegas da prática clínica” (CPG3)
“(…) participação ativa das equipas (…)” (CE3)
Projetos focalizados na
prática clínica
7
“(…) realizar uma investigação baseada na evidência (…)” (CE5)
Integração de investigadores
nas equipas de cuidados
paliativos
4
“(…) um apoio externo à equipa é seguramente bem-vindo”
(CE12)
Acesso a financiamento
1
“Acesso a financiamento para investigação” (CPG1)
atividade, poderão ter estado envolvidos
em projetos de investigação colaboracional e multicêntrica. A título de exemplo,
destacamos a participação lusa no projeto europeu PRISMA,22-23 através do Centro
de Estudos e Investigação em Saúde da
Universidade de Coimbra. Não obstante,
importa referir que este estudo encerra a
mais-valia de ser, tanto quanto conhecemos, o único do género e que retrata o
“estado-de-arte” da investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados
paliativos, em Portugal.
Conclusão
A investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados Paliativos, em Portugal, carateriza-se, essencialmente, pela
sua escassez. Acresce ainda a falta de
tradição e experiência, quer na disseminação de resultados de investigação em
revistas científicas de âmbito internacional, quer no acesso a financiamento nacional e internacional que viabilizem a implementação de estudos desta natureza.
Não obstante, os resultados obtidos através deste estudo apontam para um elevado interesse e vontade dos profissionais
desta área científica e de cuidados em
participar e contribuir para a melhoria desta situação. Com efeito, além duma expressiva manifestação de disponibilidade, os
participantes neste estudo apontaram sugestões criativas e exequíveis nesse sentido.
Face ao exposto, é possível concluir que,
pese embora a parca experiência na realização de investigação colaboracional e
multicêntrica em cuidados paliativos em
Portugal, o presente estudo evidencia o
interesse, viabilidade e potencialidade de
iniciativas promotoras deste tipo de projetos neste país. l
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
41
Bibliografia
1. Pereira SM. Investigação colaboracional e multicêntrica em cuidados paliativos:
como promover e melhorar. Apresentação, Sessão Plenária “Investigação em cuidados paliativos”, VII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos da Associação
Portuguesa de Cuidados Paliativos 2014, Carvoeiro.
2. Hu C, Racherla P. Visual representation of knowledge networks: A social network analysis of hospitality research domain. International Journal of Hospitality
Management 2008; 28(2):302-12.
3. Bukova H. Studying Research Collaboration: A Literature Review [Internet]. 2010
[cited 2014 March 25]. Available from: Sprouts: Working Papers on Information
Systems, 10(3). http://sprouts.aisnet.org/10-3.
4. Wray KB. Scientific authorship in the age of collaborative research. Studies in
History and Philosophy of Science, Part A, 37(3):505-14.
5. Payne S. The Cancer Experiences Collaborative: Better research, by better
researchers. Palliative Medicine 2011; 25(8):739–740.
6. Currow D. The PRISMA Symposium 3: Lessons From Beyond Europe. Why
Invest in Research and Service Development in Palliative Care? An Australian
Perspective. Journal of Pain and Symptom Management 2011; 42(4):505-510.
7. Abernethy AP, Aziz Noreen M, Basch E, Bull J, Cleeland CS, Currow DC,
Fairclough D, Hanson L, Hauser J, Ko D, Lloyd L, Morrison RS, Otis-Green S,
Pantilat S, Portenoy RK, Ritchie C, Rocker G, Wheeler JL, Zafar Y, Kutner JS.
Strategy To Advance the Evidence Base in Palliative Medicine: Formation of
a Palliative Care Research Cooperative Group. Journal of Palliative Medicine
2010; 13(12):1407-1413.
8. Morrison RS, Meier D. The National Palliative Care Research Center and the
Center to Advance Palliative Care: A Partnership to Improve Care for Persons
With Serious Illness and Their Families. Journal of Pediatric Hematology/Oncologt
2011; 33(3):S126-S131.
9. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark D. Maping Levels of Palliative Care Development: A Global View. Journal of Pain and Symptom Management 2008;
35(5):469-485.
10. Gysels M, Evans CJ, Lewis P, Speck P, Benalia H, Preston NJ, Grande GE,
Short V, Owen-Jones E, Todd CJ, Higginson IJ. MORECare research methods
guidance development: Recommendations for ethical issues in palliative and
end-of-life care research. Palliative Medicine 2013; 27(10):908-917.
11. Jrdhøy MS, Kaasa S, Fayers P, Underland G, Ahlner-Elmqvist M. Challenges in
palliative care research; recruitment, attrition and compliance: experience from
a randomized control trial. Palliative Medicine 1999; 13:299-310.
12. Kaasa S, Hjermsatd MJ, Loge JH. Methodological and structural challenges
in palliative care research: how have we fared in the last decades? Palliative
Medicine 2006; 20:727-734.
13. Kaasa S, De Coono F. Palliative care research. European Journal of Cancer
2001; 37:S153-S159.
14. Coutinho C. Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas:
Teoria e Prática. Coimbra: Almedina; 2011.
15. Addington-Hall J, Bruera E, Higginson IJ, Payne S. Research Methods in
Palliative Care. Oxford: Oxford University Press; 2007.
16. Blessing LTM, Chakrabarti A. DRM, a Design Research Methodology. London:
Springer-Verlag; 2009.
17. Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, Equipas de cuidados paliativos
[Internet]. 2013 [cited 2014 April 23]. Available from:http://www.apcp.com.pt/
cuidadospaliativos/equipasdecuidadospaliativos.html
18. Menaca A, Evans N, Andrew EVW, Toscani F, Finetti S, Gomez-Batiste X et al.
End-of-life care across Southern Europe: A critical review of cultural similarities
and differences between Italy, Spain and Portugal. Critical Reviews in Oncology/
Hematology 2012; 82(3):387-401.
19. Kaasa S, Radbruch L. Palliative care research – priorities and the way forward.
European Journal of Cancer 2008; 44:1175-1179.
20. INVOLVE. Briefing notes for researchers: involving the public in NHS, public
health and social care research. Eastleigh: INVOLVE; 2012.
21. Rhondali W, Berthiller J, Hui D, Yennu S, Lafumas V, Ledoux M, Strasser F,
Filbet M. Barriers to research in palliative care in France. BMJ Supportive Palliative
Care 2013; doi: 10.1136/bmjspcare-2012-000360.
22. Harding R, Higginson IJ, PRISMA. PRISMA: a pan-European co-ordinating
action to advance the science in end-of-life cancer care. European Journal of
Cancer 2010; 46(9):1493-1501.
23. Lopes Ferreira P, Antunes B, Barros Pinto A, Gomes B. Cuidados em fim
de vida: Portugal no projeto europeu PRISMA. Revista Portuguesa de Saúde
Pública 2012; 30(1):62-70.
42
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Artigo original
Últimos dias ou horas de vida: fatores que
interferem no processo de diagnóstico
clínico
Cátia Pereira
Licenciada em Enfermagem, Mestranda em Cuidados Paliativos (Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias);
Lar de S. Tomás Salgueiro do Campo
Sandra Batista
Licenciada em Enfermagem, Mestranda em Cuidados Paliativos (Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias);
Professora Assistente Convidada na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco; Serviço de Ortopedia da ULS Castelo Branco
Paula Sapeta
Professora Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco; Enfermeira especialista
em Enf. Médico-Cirúrgica; Mestre em Sociologia; Pós-graduada em Cuidados Paliativos; Doutor em Enfermagem
Resumo
O presente artigo tem como objetivos descrever os fatores que interferem no processo
de diagnóstico clínico do doente nos últimos dias ou horas de vida num hospital de
agudos, bem como, a forma como estes influenciam e configuram todo o processo.
Procurando ainda identificar as repercussões da ausência do diagnóstico no bem-estar de todos os envolvidos. Para a realização deste estudo de investigação recorreu-se
à revisão sistemática da literatura. Foram incluídos 11 artigos dos quais 7 de natureza
qualitativa, 3 revisões sistemáticas da literatura e 1 estudo misto, publicados no período
temporal de janeiro de 2008 a setembro de 2013, pesquisados a partir de bases de dados de texto integral e de referência.
Antecipar o diagnóstico de últimos dias ou horas de vida em contexto hospitalar é
possível, embora na maioria das vezes este continue a ser feito de forma tardia, sendo
mesmo inexistente em alguns casos. Com este estudo é enfatizado o papel do doente,
da família, do profissional de saúde, do contexto sociocultural e da instituição prestadora de cuidados enquanto fatores passíveis de influenciar o diagnóstico clínico.
A formação, o trabalho de equipa, a otimização da comunicação e a integração nos
hospitais de protocolos de cuidados integrados e de equipas de cuidados paliativos
devem constituir estratégias a implementar no sentido de colmatar as dificuldades sentidas. Apenas com um diagnóstico definido é possível reajustar o plano de cuidados
e definir como objetivos principais o controlo de sintomas, as medidas de conforto, a
suspensão de intervenções inadequadas e o apoio à família.
Palavras-chave
Fatores; processo de diagnóstico clínico; últimos dias ou horas de vida; hospital de agudos.
Key words
Factors; clinical diagnostic process;
last days or hours of life; acute care
hospital.
Palabras-llave
Palabras llave: factores; Proceso de
diagnóstico clínico; últimos días u horas de vida; hospital de agudos.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
43
Abstract
The current article aims to describe the factors that interfere with the clinical diagnosis
process of the patient in the last days or hours of life in an acute care hospital, as well,
how they influence and shape the entire process. Trying further to identify the impact of
absence of the well-being diagnose of all involved. To carry out this research study was
used a systematic literature review. It were included 11 articles, 7 of which of qualitative nature, 3 systematic literature reviews and 1 joint study published in the time period
between January 2008 and September 2013, surveyed from full-text and reference databases.
It is possible to anticipate the diagnosis of last days or hours of life in hospital context,
however in most cases it continues to be done in tardy way, being non-existent in some
cases. This study emphasizes the role of the patient, family, health professional, socio-cultural context and providing care institution as factors that might influence the clinical
diagnosis.
Training, teamwork, optimization of communication and integration of integrated care
protocols and palliative care teams in the hospitals should be regarded as strategies to
implement in a way to bridge the observed difficulties. Only with a definite diagnosis is
possible to adjust the care plan and set as main objectives the symptoms control, the
comfort measures, the suspension of inappropriate interventions and the family support.
Resúmen
El artículo tiene como objetivo describir los factores que interfieren en el diagnóstico
clínico del paciente en los últimos días u horas de vida en un hospital de agudos, así
cómo influyen y dan forma a todo el proceso. Buscando identificar aún más el impacto
de la falta de diagnosticar el bienestar de todos los involucrados. Para la realización
deste estudio de investigación se recurrió a la revisión sistemática de la literatura. Se incluyeron 11 artículos, 7 de la naturaleza cualitativa, 3 revisiones sistemáticas y 1 estudio
mixto publicados en el período de tiempo enero de 2008 hasta septiembre de 2013. La
encuesta se llevó a cabo a partir de bases de datos y referencia de texto completo.
Anticipar el diagnóstico de los últimos días u horas de vida en el ámbito hospitalario
es posible, aunque a menudo continúa a ser hecho más tarde, siendo inexistente en
algunos casos. Con este estudio se acentúa/hace hincapié en el papel del paciente,
de la familia, de lo profesional de la salud, del contexto sociocultural y de lo contexto
de cuidados como factores susceptibles de influir en el diagnóstico clínico.
La formación, lo trabajo en equipo, la optimización de la comunicación y la integración
de los protocolos de cuidados integrales y los equipos de cuidados paliativos en los
hospitales, deberían estar implementando estrategias para superar las dificultades. Sólo
con un diagnóstico definitivo es posible ajustar el plan de cuidados y establecer como
principales objetivos el control de los síntomas, medidas de confort, interrupción de las
intervenciones inapropiadas y el apoyo familiar.
Introdução
Embora os manuais de boas práticas enfatizem a necessidade e a possibilidade de
um diagnóstico precoce de “últimos dias
ou horas de vida”, na prática clínica este
continua a ser feito de forma tardia, sendo
mesmo inexistente em alguns casos.1,2,3,4,5,6
44
Sendo os últimos dias ou horas de vida
uma fase especialmente intensiva e delicada pelo impacto que causa tanto no
doente, como na família e na equipa de
cuidados, é premente que os profissionais
de saúde adquiram competências pessoais e profissionais que lhes permitam es-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
tar preparados para identificar o doente
nesta etapa da vida, sentindo-se simultaneamente seguros, perante o processo de
gestão dos cuidados em fim de vida.2,7,8,9,10
Considerando que, a maioria dos doentes crónicos continua a morrer em hospitais de agudos e que este tipo de contexto reúne um conjunto de aspetos passíveis
de influenciar todo o processo de diagnóstico do doente nos últimos dias ou
horas de vida, importa perceber quais os
fatores que aqui interferem, como é que
no seu conjunto influenciam e configuram
o processo de diagnóstico clínico e como
é que a ausência deste diagnóstico se repercute no bem-estar de todos os envolvidos (doente, família e profissionais).
Pretende-se, através do aprofundar de
conhecimentos, proporcionar àqueles
que asseguram a gestão dos cuidados
numa fase da vida tão delicada, uma
auto-reflexão, não apenas profissional, já
que esta tornar-se-ia demasiado redutivista, mas enquanto seres complexos em
interação com pessoas em situação de
particular vulnerabilidade. Permitindo, um
aglutinar de competências, onde sejam
geridas estratégias e atitudes capazes
de ajudar o doente e a família e simultaneamente, estratégias de enfrentamento
pessoal perante a exigência emocional
patente neste processo de interação.
Pressupõe-se que após este “crescimento
pessoal e profissional” o profissional possa
assegurar que a morte mais do que um
momento de despedida, seja um momento de encontro, de crescimento e uma
ponte entre o antes, o agora e o sempre.
Quadro Teórico
Os avanços na ciência e na tecnologia
alcançados nas últimas décadas conduziram ao aumento da esperança média
de vida, o que resultou num maior envelhecimento e numa maior prevalência de
doenças crónicas.1,11,12 Contudo, se por
um lado assistimos a profundas mudan-
ças, por outro persiste um dos mais temerosos tabus sociais – A morte. Apesar do
conhecimento universal e inexorável da
sociedade acerca da finitude da vida,
a morte continua a ser mitigada, banida
da vida social – dessocializada.12,13 A par
destes fenómenos as alterações socioeconómicas a que assistimos introduziram
importantes modificações estruturais, quer
a nível social quer na saúde, o que contribuiu para aumentar a procura de profissionais14,15 e o número de internamentos a
nível hospitalar.
A maioria dos doentes quando chega
às instituições de saúde apresenta quadros de pluripatologia, doenças avançadas, progressivas e incuráveis e elevado
grau de dependência.16 Dada a sua debilidade orgânica acabam por desenvolver
complicações que agravam o estado de
saúde e culminam com a morte.
Segundo as estimativas de alguns autores cerca de 60% dos doentes falecidos
necessitaram de cuidados paliativos.17
Capelas (2009), utilizando as fórmulas preconizadas por Gómez-Batiste et al., Herrera et al. e Ferris et al., e através de dados
demográficos do Instituto Nacional de Estatística referentes ao ano de 2007, calculou que em Portugal nesse ano cerca de
62.000 doentes necessitaram de cuidados
paliativos.18 Atualmente, embora se preconize que a morte do doente deva ocorrer num ambiente familiar e significativo
para o próprio, em grande parte dos casos estes doentes continuam a morrer em
hospitais destinados a doentes agudos.
Segundo Gibbins et al. (2013) este é um
fenómeno bastante vinculado em países
desenvolvidos, como o Reino Unido, onde
cerca de 60% da população morre em
hospitais.19
A nível nacional um estudo de Gomes
et al. (2010) revelou uma discrepância entre preferências da população e os locais
de óbito. Segundo este, o hospital sendo
o lugar apontado como o menos dese-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
45
Quadro 1
Protocolo de investigação PICOD
P
Participantes
Quem foi estudado?
• Enfermeiros e Médicos;
• Doentes nos últimos dias ou
horas de vida;
• Hospital de Agudos.
I
Intervenções
O que foi feito?
• Diagnóstico de últimos dias
ou horas de vida;
• Fatores que influenciam o
processo de diagnóstico do
doente nos últimos dias ou
horas de vida.
C
Comparações
Podem existir ou
não.
• Encontrar eventuais comparações por caraterísticas
de profissionais (enfermeiro/
médico) ou serviços.
O
Outcomes
Resultados, efeitos
ou consequências
• Diagnóstico de últimos dias
ou horas de vida: fatores que
influenciam, positivamente
ou negativamente o processo de diagnóstico clínico;
Palavras chave:
factors; obstacle;
barrier; diagnose;
process of diagnosis;
last hours or days of
life; end-of-life care;
terminal care; endof-life; palliative care;
care of the dying;
acute hospital ;
acute hospital wards;
acutely unit.
• Efeitos do não diagnóstico
no doente, na família e nos
profissionais de saúde.
D
Desenho
do Estudo
Como é que a
evidência foi
recolhida?
Qualitativa: estudos fenomenológicos; grounded theory, entrevista narrativa, focus group;
entre outros.
jado para morrer continua a ser o principal local de morte, assistindo-se em 2010
a uma percentagem de óbitos a rondar
os 62%.20 Contudo, se por um lado assistimos a uma elevada taxa de mortalidade
em contexto hospitalar, o que deveria familiarizar os profissionais com este tipo de
procedimento, por outro esta conceção
“hospitalocêntrica” cria ainda grande relutância nestes.
Nestas instituições os défices de comunicação entre os membros das equipas
multidisciplinares, os cuidados não personalizados, o modelo biomédico e a obstinação terapêutica, vocacionados sobretudo para o tratamento ativo da doença,
dificultam a tomada de decisões em fim
de vida e um adequado controlo de sintomas.8,19,21,22,23 Ellershaw (2003) refere ainda
como barreiras à realização do diagnóstico de morte iminente: a esperança que o
46
doente melhore; a ausência de diagnóstico definitivo; a dificuldade em reconhecer sinais/sintomas chave; a dificuldade
em comunicar com o doente/família, e as
barreiras espirituais, culturais e médico-legais.8 Todos estes fatores tem contribuído
para que alguns estudos levados a cabo
em contexto hospitalar revelem um assincronismo entre os ideais preconizados e a
real tipologia de cuidados prestados ao
doente em fim de vida.1
Metodologia
No sentido de sistematizar o estado do
conhecimento sobre o objeto em análise
a pesquisa foi direcionada de modo a responder a uma questão central:
Quais os fatores que interferem no diagnóstico clínico do doente nos últimos dias
ou horas de vida, num contexto hospitalar
destinado a doentes agudos?
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Figura 1
Algoritmo de selecção de artigos
Com o objetivo de operacionalizar a
questão de partida associámos questões
orientadoras: Quais os fatores que facilitam e/ou dificultam o processo de diagnóstico do doente nos últimos dias ou
horas de vida? Qual o impacto das características pessoais, profissionais, sociais,
culturais e do contexto de prestação de
cuidados, no processo de diagnóstico do
doente nos últimos dias ou horas de vida?
Delineara-se como critérios de inclusão:
estudos de natureza qualitativa, realizados
entre Janeiro de 2008 e Setembro de 2013,
no âmbito do contexto hospitalar e que
incluíssem apenas doentes adultos em
fim de vida. Foram excluídos estudos cuja
abordagem da problemática ocorre-se
unicamente em contexto comunitário
ou em unidades de cuidados paliativos.
Definiram-se diversas combinações de
palavras-chave, recorrendo aos idiomas
português, francês, inglês e espanhol. Os
parâmetros considerados indispensáveis
para a leitura, análise e resumo dos artigos
definiram-se segundo o protocolo PICOD
(Quadro 1).
Para reunir a literatura científica relevante para a investigação foram consultadas
bases de dados de referência e de texto
integral. Concomitantemente, de forma a
refinar a pesquisa foram ainda consultadas publicações de referência em cuidados paliativos.
Da pesquisa realizada obtiveram-se 101
referências bibliográficas, das quais após
leitura do abstract foram selecionadas 69.
Numa última fase de seleção, em que foi
realizada a leitura integral de todos os artigos e aplicados todos os critérios de inclusão e exclusão anteriormente referidos, o
corpus de análise ficou constituído por 11
artigos (ver quadro 2), dos quais 7 de natureza qualitativa, 3 revisões sistemáticas da
literatura e 1 estudo misto (Figura 1).
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
47
Figura 2
Distribuição por ano publicação
Resultados
A maioria dos artigos foi publicada no
ano de 2013 (Figura 2). Foi interessante verificar que após filtragem dos critérios de
inclusão definidos não foram encontrados
artigos relevantes para a temática com
origem na literatura científica portuguesa, ocorrendo a maioria das publicações
em países de origem anglo-saxónica e na
Austrália (Figura 3).
Torna-se assim interessante referir um
estudo realizado por Baxter et al. em
2010 onde foram avaliados 40 países, os
quais são precisamente o Reino Unido, a
Austrália e os EUA que lideram o ranking
de locais considerados com melhor qualidade de cuidados em fim de vida.24 A
predominância de estudos nestes países
pode associar-se a um maior número de
infraestruturas especializadas na área
dos cuidados paliativos, à existência de
guidelines e planos estratégicos norteadores de cuidados de excelência no final
de vida24 e consequentemente ao maior
desenvolvimento que a área dos Cuidados Paliativos assume nestes países. A estreita relação entre a publicação de artigos no âmbito do diagnóstico de últimos
dias ou horas de vida e o Reino Unido
pode ainda ser explicada pelo facto de
este ser um país intimamente relacionado com o desenvolvimento de protocolos de cuidados integrados para o fim de
48
vida, em particular o Protocolo de Liverpool.
Em termos de participantes dos estudos, encontra-se sobretudo uma
perspetiva
direcionada
para dois grupos profissionais, enfermeiros e médicos o que em si constitui
uma limitação dos mesmos. Importará no futuro
avaliar fatores relacionados com outros elementos
da equipa, já que estes
terão certamente um papel fulcral quer no diagnóstico, quer no
colmatar de alguns dos obstáculos apresentados. Por outro lado, um menor número de estudos direcionados para a família,
pode estar relacionado com dificuldades
éticas em avaliar este grupo em momentos de grande stress emocional como são
os últimos dias ou horas de vida.
Ao nível de serviços em estudo, importa
realçar a elevada predominância de unidades de cuidados intensivos, factor que
pode ser interpretado como um indicador
de qualidade pela crescente atenção e
preocupação dedicada a este grupo de
doentes.
Fatores que interferem no processo de
diagnóstico do doente nos últimos dias ou
horas de vida
De acordo com os pressupostos teóricos
de referência analisados e de forma a facilitar a análise deste artigo, organizaramse os fatores que interferem no processo
de diagnóstico em cinco categorias:
doente, família, contexto social e cultural,
profissional de saúde e contexto de prestação de cuidados (figura 4).
Fatores relacionados com o doente
Apesar desta revisão se focar no estudo
do doente adulto em fim de vida, importa
ressaltar o fator idade. Perante uma etapa
do ciclo de vida onde não é espectável
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Figura 3
Distribuição por país de origem
a ocorrência da morte, como é o caso de
crianças, adolescentes e jovens adultos o
seu reconhecimento e aceitação constitui um processo difícil para os indivíduos,
repleto de incerteza e emoção.2
O diagnóstico de base influencia também a acuidade do diagnóstico de últimas dias ou horas de vida. Doenças crónicas não oncológicas ou degenerativas
e situações de pluripatologia são as que
maiores dificuldades trazem aos profissionais, existindo um maior à vontade em
identificar doentes com doenças oncológicas onde é clara a delimitação entre a
fase curativa e fase paliativa.2,25 Por outro
lado a forma como decorre a trajetória
da doença configura também o processo. Situações de insuficiências de órgão
em que o doente passa por repetidos
episódios de agudização severa, antes
mesmo da sua morte, muitas vezes inesperada,26 dificultam a previsão de morte
iminente e provocam na equipa e na família a crença na recuperação.27 No que
respeita às doenças degenerativas o declínio progressivo e prolongado ao longo
de vários anos, oculta os sinais e sintomas
de proximidade de morte, dificultando a
transição para os cuidados adequados
nesta fase da vida.4,26,27
O estado clínico do doente - o estado
de consciência, a agitação ou confusão
mental, a instabilidade clínica e a necessidade de
sedação - reflete-se na sua
capacidade de comunicação e participação
na tomada de decisões
influenciando substancialmente a sua autonomia e
configurando a expressão
dos sinais e sintomas de
proximidade de morte.27,28
As experiências prévias,
as atitudes dos familiares
e a relação terapêutica
desenvolvida com a equipa profissional, influenciam o processo de
adaptação à doença e a interação com
as equipas de saúde.28,29,30
Fatores relacionados com a família
Ao estar inevitavelmente envolvida no
processo de doença, a família adquire de
forma quase inata um duplo papel. Por
um lado, é influenciada por todo o processo de doença, por outro constitui em
si mesma um fator capaz de transformar a
cascata de acontecimentos que conduz
ao diagnóstico do doente nos últimos dias
ou horas de vida.
É de salutar importância a inclusão da
família nos cuidados para que ela própria
constitua um aliado durante o processo
de diagnóstico e de tomada de decisões
relativas ao fim de vida. Nos estudos analisados verificou-se que o facto de existirem défices na capacidade de comunicar com a família, conduziu ao seu não
envolvimento no processo, o que funcionou como barreira para a própria equipa
de cuidados.1,25,28,29 As divergências entre
família e doente quanto à trajetória dos
cuidados, as expectativas irrealistas e
a conspiração do silêncio constituem
ainda fatores com elevado impacto nas
atitudes da equipa e na possibilidade de
discussão aberta acerca do verdadeiro
prognóstico do doente.2,625,28
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
49
Figura 4
Fatores que Interferem no processo de diagnóstico cínico do doente nos últimos
dias ou horas de vida, num contexto de hospital de agudos
Fatores relacionados com o contexto social
e cultural
Apesar, de todas as mudanças socioculturais verificadas nas últimas décadas,
a morte permaneceu como um assunto
tabú intemporal e transcultural, provocando uma frenética procura pela imortalidade.2,27 A medicina tecnologicamente
avançada tornou-se o foco das sociedades modernas onde o morrer é visto
como um fracasso. O ênfase colocado
na cura conduziu à perda da perceção
das verdadeiras necessidades e desejos
do doente e sua família,28 e provocou nos
profissionais uma considerável ansiedade
na comunicação do prognóstico e na discussão do plano de cuidados para o fim
de vida.27 A nível hospitalar a negação social da morte deixa a sua impressão, traduzindo-se num conjunto de atividades
frenéticas curativas nos instantes que antecedem a morte do doente ou na distribuição destes por quartos de isolamento,
para que a morte de um doente não sufoque os restantes indivíduos.1 Por último a
transculturalidade - práticas culturais e re50
ligiosas, valores e crenças de cada doente - constitui também um fator a ter em
conta no diagnóstico, não só pela influência que pode dar a todo o processo, mas
também pela necessidade de cuidados
culturalmente sensíveis.29
Fatores relacionados com os profissionais
de saúde
Uma abordagem a este grupo unicamente centrada no foro profissional ou nas suas
competências técnicas tornar-se-ia demasiado redutivista. Importa entender estes
profissionais enquanto seres complexos que
estabelecem uma relação dinâmica com
o meio que os rodeia e que interagem com
pessoas em situação de particular vulnerabilidade.
De forma genérica a componente pessoal, a formação, a prática profissional e
os sentimentos vivenciados configuram a
atuação do profissional durante o processo.
As experiências prévias, as crenças, os
valores e as opiniões de cada profissional,
conduzem à divergência de pareceres
no seio da equipa.3,6 A idade e um menor
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
tempo de experiência profissional com
doentes em fim de vida, são apontados
como fatores dificultadores ao diagnóstico, o que se traduz numa menor capacidade em avaliar sinais subjetivos de
proximidade de morte.4 Por outro lado,
profissionais com maior tempo de experiência com este subgrupo de doentes
são associados a uma maior capacidade
na gestão de conflitos e em lidar com situações de maior carga emocional.1,3
A negação social da morte torna-se
transversal ao profissional e conduz à renitência em falar da morte, a sentimentos
de medo quanto à própria finitude bem
como à possibilidade da revivência de
lutos anteriores não resolvidos.2,6 Quando
estes elementos são geridos de forma ineficaz surgem movimentos de fuga, com
prejuízo na capacidade do profissional
estar atento a pormenores sugestivos de
morte iminente.1 Contrariamente, habilidades pessoais como a empatia, a capacidade relacional e a inteligência emocional são apontadas como facilitadores
ao diagnóstico.1
A formação é transversal à maioria dos
estudos analisados, sendo os autores unânimes ao concluir que a persistência de
défices na área tem complicado a tarefa
dos profissionais no diagnóstico de últimos
dias ou horas de vida.1,2,6,25,27,28,29 São apontados como fatores desencadeantes, a
organização curricular dos cursos base,
onde disciplinas de cuidados paliativos
são muitas vezes opcionais ou com reduzida carga horária bem como a falta
de formação pós-graduada.28,29 Bloomer
et al. (2011) introduz ainda um tópico de
salutar importância neste domínio, a necessidade de estender a educação ao
doente, à família e à sociedade para
que estes possam compreender melhor a
transição dos cuidados no final da vida e
aceitar o diagnóstico de últimos dias ou
horas de vida.2
O tipo de especialidade clínica do pro-
fissional e os seus conhecimentos base
sobre doença aguda e/ou crónica são
também elementos que influenciam a
interpretação de dados, a definição de
objetivos e o estabelecimento de prioridades para o doente.3
Tendo em conta que nenhum dos artigos do corpus de análise era português é
possível constatar que a necessidade de
formação e o impacto da sua ausência
são uma realidade transversal a vários
países.
A comunicação surge como elo de ligação dentro da equipa interdisciplinar,
entre as diferentes equipas hospitalares
e claramente entre a equipa, o doente
e a família.1,3,6,27 É também através deste
veículo que se torna possível estabelecer
uma ponte entre os serviços onde são
prestados os cuidados e as administrações hospitalares, permitindo a disponibilização de recursos ou a persuasão para
a introdução de protocolos integrados de
cuidados.6
A dificuldade em lidar com a incerteza
de um diagnóstico, associada a défices
na capacidade de comunicação, impede a equipa de discutir abertamente
sobre o estado do doente, de procurar
consenso quanto ao diagnóstico e de redirecionar o plano de cuidados. O que dificulta a transmissão de informação à família acerca do real estado de saúde do
doente.1,29 Um estudo de Seal em 2007, referido por Holland (2013) salienta o papel
dos enfermeiros na iniciação de diálogos,
quer dentro da equipa, quer entre a equipa e a família, tendo ainda comprovado
que são estes, quando devidamente bem
formados, quem se sente mais confortável
em iniciar a gestão do diálogo acerca do
diagnóstico de últimos dias ou horas de
vida. 28
No âmbito da prática profissional o
diagnóstico pressupõe uma avaliação
interdisciplinar e consenso na equipa.3
O défice de critérios claros e universais
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
51
é apontado como agente dificultador,25
impondo ao processo um caráter subjetivo. A dificuldade de prever exatamente
o momento da morte, a não solicitação
de segunda opinião a outros profissionais,
a dificuldade na gestão de dilemas e
prognósticos demasiado positivos, sobrestimando o tempo de vida, são também
motivos ao não diagnóstico.1,27,29 Toda esta
ambiguidade é percetível nos registos dos
profissionais onde expressões como “para
cuidados de suporte”, “apenas cuidados
de conforto” ou “para não reanimação”
substituem o diagnóstico claro de “últimos
dias ou horas de vida”.4,25
A morte interiorizada como algo contornável gera sentimentos de angústia pessoal, esperança que o doente melhore e
frustração pessoal e profissional, que condicionam a capacidade de tomar decisões e incutem no diagnóstico um pressuposto de condenação e um deixar de lutar
pelo doente. Sendo estes acompanhados
da manutenção de medidas invasivas e da
supressão de cuidados ativos de conforto
até aos últimos instantes de vida.1,4,25,27,28
Fatores relacionados com o contexto de
prestação de cuidados “hospital de agudos”
A cultura que se faz sentir ao nível dos hospitais espelha o frenesim das sociedades
modernas onde está impressa a negação
da morte. Estas instituições, vistas como locais de esperança e nunca de morte4,27,29
reforçam a dificuldade em realizar um
diagnóstico de últimos dias ou horas de
vida. Aliado a este fator surge o foco de
cuidados hospitalares centrado na investigação, na cura e no prolongamento da
vida, em detrimento do conforto.2,4,29 Concomitantemente a não integração de
práticas e princípios dos cuidados paliativos está também relacionada com uma
menor sensibilização dos profissionais, o
que aporta maior número de lacunas ao
nível do diagnóstico.30
Aspetos organizacionais como a eleva52
da carga de trabalho, a pressão exercida sobre quem aqui trabalha, o rácio de
doente por profissional, a coexistência de
cuidados a doentes agudos e a sobrevalorização destes cuidados são também
apontados como fatores que influenciam
o diagnóstico, já que contribuem para
centrar a atenção do profissional para
tarefas de rotina e questões técnicas.1,6,30
Concorre ainda para este facto o ambiente impessoal, sem privacidade e não preparado para o cuidar no final de vida.27
De forma expectável, a maioria dos estudos referiu o trabalho de equipa como
um dos fatores com maior impacto ao nível do diagnóstico. É interessante observar
uma contínua referência à necessidade
de uma visão holística nos cuidados, que
no entanto é descurada quando está
em causa a visão da equipa como um
“todo”. Sistematicamente, os profissionais
apontam o trabalho de equipa como fator dificultador e raramente como facilitador.2,4,6 São referidos como obstáculos ao
diagnóstico: a renitência na partilha de
informações, a falta de consenso quanto
ao diagnóstico e às intervenções a implementar, a não continuidade dos cuidados que permita uma avaliação contínua
e holística, a frustração de alguns profissionais em torno de práticas, desigualdades
e sistemas de protagonismo enraizados
na cultura hospitalar e na sociedade, as
divergências muitas vezes ligadas à subordinação historicamente associada a
enfermeiros em relação às equipas médicas, os constrangimentos, sobretudo referidos por enfermeiros, em não participar
ativamente na realização do diagnóstico
e coexistência de diversas especialidades
médicas.1,2,3,6,29,30
Não obstante, a manutenção de padrões de comunicação eficazes, a redução de erros no diagnóstico, o acompanhamento interdisciplinar do doente e da
família, a rentabilização dos conhecimentos de cada profissional e a satisfação de
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Quadro 2
Artigos considerados na Revisão Sistemática da Literatura
Título do Artigo
Autores
Referência Ano
/ País
Participantes
Desenho
do Estudo
1. Diagnosing dying in the
acute hospital setting – are
we too late?
Gibbins, J. et al.
Clinical Medicine
9 (2). Royal College
of Physicians; p. 116119
2009 / Reino Unido
100 Doentes
Qualitativo/ Retrospetivo, com recurso
a análise de registos
clínicos e de Enfermagem
2. Challenges in transition
from intervention to end of
life care in intensive care:
A qualitative study
Coombs, M. et al.
International
Journal of Nursing
Studies 49; p.
519-527
2012 / Inglaterra
13 Enfermeiros
e 13 Médicos
Qualitativo/
Entrevista semiestruturada/ Análise de
conteúdo
3. The “dis-ease” of dying:
Bloomer, M. et al.
Challenges in nursing care
of the dying in the acute
hospital setting. A qualitative
observational study
Palliative Medicine
27 (8); p. 757-764
2013 / Austrália
25 Enfermeiros
Qualitativo/
Focus Group/
Entrevista
semiestruturada
individual
4. End-of-life Care in an
Acute Care Hospital:
Linking Policy and Practice
Sorensen, R. &
Iedema, R
Death Studies 35:6;
p. 481-503
2011 / Austrália
Médicos
e Enfermeiros
Qualitativo/
Estudo Etnográfico/
Focus Group/
Entrevista
5. End-of-life care in acute
hospitals: an integrative
literature review
Bloomer, M. et al.
Journal of Nursing
and Healthcare of
Chronic Illness 3(3);
p. 165-173
2011 / Austrália
Chronic illness,
End-of-life,
Hospital, Literature review
Revisão Sistemática
da Literatura
6. Dying in an acute hospital Al-Qurainy, R. et al. setting: the challenges and
solutions
The International
Journal of Clinical
Practice 63 (3);
p. 508-515
2009 / Reino Unido
Dying; Acute
hospital;
Challenges;
Solutions
Revisão Sistemática
da Literatura
7. Influencia de las emoGarcía-Caro, M.
ciones en el juicio clínico de et al.
los profesionales de la salud
a propósito del diagnóstico
de enfermedad terminal
International Journal
of Clinical and
Health Psychology
10(1); p. 57-73
2010 / Espanha
21 Enfermeiros
e 21 Médicos
Qualitativo/
Fenomenológico/
Grounded Theory/
Entrevistas
8. Strategies to help initiate
and maintain the end-of-life
discussion with patients and
family members
Clabots, S
MEDSURG Nursing
21 (4); p. 197-203
2012 / EUA
1 Doente
Estudo de Caso
9. How do GPs identify a
need for palliative care in
their patients? An interview
study
Claessen, S. et al.
BMC Family Practice
14 (42); p.1-7
2013 / EUA
Médicos
Qualitativo/
Entrevistas
10. Quality Palliative Care
Holland, N
University of Wisconsin La Crosse WI; p.
435-439
2013 / EUA
Palliative Care;
Nursing;
End-of-life care
Revisão Sistemática
da Literatura
Journal of Palliative
Medicine 14 (5); p.
623-630
2011 / Nova Zelândia
Enfermeiros, Médicos, Assistentes
sociais, Terapeutas ocupacionais,
Fisioterapeutas,
Capelão
Qualitativo/
Quantitativo/
Entrevistas (Escala
de Likert)
11. Staff Perceptions of End- Sheward, K. et al.
of-Life Care in the acute
care setting: A New Zealand
perspective
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
53
todos os envolvidos são vantagens que
se sobrepõem irrefutavelmente às dificuldades sentidas por estes profissionais.1,3,6
Apenas com a uniformização de práticas
é possível providenciar cuidados holísticos
ao doente, evitar a sua fragmentação pelas diversas especialidades hospitalares e
promover a equidade no acesso aos cuidados6, articulando a filosofia e a evidência dos cuidados paliativos com as práticas dos restantes profissionais.31
Efeitos do não diagnóstico
Perante a inexistência de um diagnóstico
de “últimos dias ou horas de vida” a postura passiva que é assumida pelos profissionais gera sentimentos de auto culpabilização que persistem mesmo após a morte
do doente. Simultaneamente, a inexistência de consenso promove situações de
conflito dentro da equipa, com o doente e
a família; dificuldade em comunicar com
os envolvidos; transmissão de informações
contraditórias e fomento de esperança irrealista. Todos estes efeitos conduzem ao
desrespeito pela autonomia do doente, ao
descontrolo sintomático e à manutenção
de medidas invasivas até aos últimos momentos de vida.1,2,3,6,29,30 Contribuindo sinergicamente para que se gere um ambiente
onde a morte não tem lugar e o morrer ao
contrário de um momento de despedida,
partilha e crescimento, se torne no último e
derradeiro muro que separa a equipa e a
família do doente.
Um fim de vida com dignidade é a exigência que se impõe aos profissionais e
às organizações de saúde. Aprofundar
conhecimentos e utilizar instrumentos de
planeamento relacionados com o fim de
vida, são a resposta que se pretende das
instituições.
Conclusões
Durante a realização desta revisão observou-se um aumento de artigos publicados
nos últimos anos, cuja abordagem foca-
54
va a relação entre o ambiente hospitalar
e o doente em fim de vida, demonstrando tratar-se de um tema emergente na
literatura. Esta situação constitui em si um
fator positivo já que revela uma crescente
preocupação dos profissionais e dos investigadores com a qualidade dos cuidados
prestados. De extremo interesse, foi constatar que as questões relacionados com a
morte e o morrer são transculturais, e que
países como - Austrália, Reino Unido, USA,
Espanha, Nova Zelândia e Holanda – reúnem similares dificuldades às vivenciadas
em Portugal.
A coexistência de fatores que fomentam
a extensão da vida e a negação da morte, dificultam a realização de um diagnóstico de últimos dias ou horas de vida e a tomada de decisões em contexto hospitalar.
A concorrer para esta realidade persiste
uma cultura onde a existência de equipas
de cuidados paliativos continua a ser vista
como não prioritária e onde as questões
da organização do trabalho se focam na
produtividade e no tratamento de doentes agudos. A somar ao papel do contexto onde são prestados os cuidados associam-se o papel do doente, da família, do
profissional de saúde e do contexto sociocultural. No doente, para além de aspetos
pessoais surge o processo de adaptação
à doença, como fator determinante na interação com a equipa de saúde. Esta é
também influenciada pela forma como a
família vivencia o processo de doença, é
envolvida e participa nos cuidados. Nos
profissionais, a dificuldade em lidar com a
incerteza de um diagnóstico, associada a
défices na formação, na capacidade de
comunicação e no trabalho em equipa,
impede a discussão sobre o estado do
doente, a procura de consenso quanto
ao diagnóstico e a redefinição do plano
de cuidados. Implícito, a todos estes fatores, persiste o frenesim das sociedades
modernas onde está impressa a negação
da morte.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Entende-se que as dificuldades encontradas ao longo deste estudo devem
constituir, per si, oportunidades a explorar
de forma a procurar sistematicamente
processos de melhoria de competências,
e assim ultrapassar obstáculos complexos e há muito enraizados nas práticas
profissionais e sociais relativas ao cuidar
neste grupo de doentes. Neste domínio,
um diagnóstico definido de “últimos dias
ou horas de vida” torna-se imperativo por
permitir reavaliar intervenções terapêuticas, reajustar o plano de cuidados e definir como objetivos principais o controlo
de sintomas, as medidas de conforto, a
suspensão de medidas inapropriadas e o
apoio à família. l
Bibliografia
1. Bloomer M, Endacott R, O`Connor M, Cross W. The “dis-ease” of dying:
Challenges in nursing care of the dying in the acute hospital setting. A qualitative
observational study. Palliative Medicine. 2013 August; 27(8): 757-764;
2. Bloomer M, Moss C, Cross W. End-of-life care in acute hospitals: an integrative
literature review. Journal of Nursing and Healthcare of Chronic Illness. 2011
February; 3:165-173;
3. Coombs M, Addington-Hall J, Long-Sutehall T. Challenges in transition from
intervention to end of life care in intensive care – a qualitative study. International
Journal of Nursing Studies. 2012 October; 49: 519-527;
4. Gibbins J, McCoubrie R, Alexander N, Kinzel C, Forbes K. Diagnosing dying
in the acute hospital setting- are we too late? Clinical Medicine. 2009 April;
9(2): 116-119;
5. Jakobsson E, Bergh I, Öhlén J. The turning point: Identifying end-of-life
care in everyday health care practice. Contemporary Nurse. 2007 December;
27 (1):107-118;
6. Sorensen R, Iedema R. Enf-of-life care in an acute care hospital: linking policy
and practice. Death Studies.2010; 35(6): 481-503;
7. Neto I. Agonia. In: Barbosa A, Neto I. Manual de Cuidados Paliativos. Lisboa:
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; 2010. 388;
8. Ellershaw J, Ward C. Care of the dying patient: the last hours or days of life.
BMJ. 2003 January; 326:30-34;
9. Rosario MA, Pascual L, Fraile AA. La atención a los últimos días. Aten Primaria.2002 September, 3(5):318-322;
10. Sapeta P, Lopes MJ. Cuidar em fim de vida: factores que interferem no processo de interacção enfermeiro doente. Revista Referência, Revista Cientifica da
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde. 2007 Junho; IIª Série(4):35-60;
11. Sousa F. Tradução e Adaptação Linguística e Cultural para Português do Liverpool Care Pathway. [Thesis]. Lisboa: Universidade de Medicina de Lisboa;2010
[cited 2013 Maio 17]. Available from: Universidade de Lisboa Biblioteca;
12. Sapeta P. Abordagem Sociológica dos Cuidados Paliativos. Apontamentos de
Aula 1ª Unidade Curricular. Mestrado em Cuidados Paliativos Escola Superior
de Saúde Dr. Lopes Dias; 2012 Outubro;
13. Gómez Sancho M. Medicina paliativa en la cultura latina. Madrid: Aran
Ediciones; 1999; 23-55;
14. Gil-Juliá B, Bellver A, Ballester R. Duelo: Evaluación, Diagnóstico y Tratamiento. Psicooncologia. 2008; 5(1):103-116;
15. Payne S. White Paper on improving support for family careers in palliative
care: part 1- Recommendations from the EAPC Task Force on Family careers.
European Journal of Palliative Care. 2010; 17(5):238-245;
16. Paúl C. Envelhecimento e ambiente. Contextos Humanos e Psicologia
ambiental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2005; 247-268;
17. Gómez-Batiste X, Espinosa J, González-Olmedo M, Martínez-Muñoz M,
Lasmarias C, Novellas A, Porta J, Trelis J, Calle C, Stjernsward J. Design, implementation and evaluation of Palliative Care Programs and Services with a public
health WHO perspective. Institut Català d’Oncologia: WHOCC ICO. [Internet] 2011
April [cited 2013 June 20]. Available from: http://www20.gencat.cat/docs/salut/
Minisite/ICO/Professionals/Documents/QUALY/Arxius/DOC_PC%20PUBLIC%
20HEALTH%20PROGRAMMES.pdf;
18. Capelas L. Cuidados Paliativos: Uma Proposta para Portugal. Cadernos de
Saúde. 2009; 2(1):51-57;
19. Gibbins J, Reid C, Bloor S, Burcombe M, McCoubrie R, Forbes K. Overcoming
Barriers to Recruitment in Care of the Dying Research in Hospitals. Journal of
Pain and Symptom Management. 2013 May; 45(5): 859-867;
20. Gomes B, Sarmento V, Ferreira P, Higginson I. Preferências e locais de
morte em regiões de Portugal em 2010. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
[Internet] 2013 Outubro [cited December 12]. Available from: http://www.apcp.
com.pt/uploads/portuguesereport2013v6.pdf
21. Direção Geral de Saúde. Circular Normativa Nº13 de 2 de Julho, Programa
Nacional de Cuidados Paliativos. Ministério da Saúde. Lisboa 2004;
22. Emanuel L, Frank F, Von Gunten C, Von Roenn J. The last hours of living:
practical advice for clinicians. Medscape [Internet] 2009 [cited 2013 September
20]. Available from: http\\www.medscape.com/viewprogram/5808_pnt;
23. Walling A, Brown-Saltzman K, Barry T, Quan RJ, Wenger NS. Assessment
Implementation of an Order Protocol for End-of-Life Symptom Management.
Journal of Palliative Medicine. 2008; 11(6):857-865;
24. Baxter S, Chan C, Hansen J, Clark D, Connor S, Currow D, Gozalo P, Gwyther
E, Kashiwagi T, Keckley P, Kellehear A, Kumar S, Ji-Lan L, Ke M, Marston J, Meier
D, Merriman A, Payne S, Praill D, Radbruch L, Rajagopal MR, Wang Y. The quality
of death: Ranking end-of-life care across the world. The Economist Intelligent
Unit. Lien Foundation.[Internet]. 2010 [cited 2013 September 9]. Available from:
http://graphics.eiu.com/upload/QOD_main_final_edition_Jul12_toprint.pdf;
25. García-Caro M, Cruz-Quintana F, Río-Valle J, Muñoz-Vinuesa A, Montoya-Juárez R, Prados-Peña D, Pappous A, Botella-López M. Influencia de las emociones
en el juicio clínico de los profesionales de la salud a propósito del diagnóstico
de enfermedad terminal. International Journal of Clinical and Health Psychology.
2010; 10(1):57-73;
26. Claessen S, Francke A, Engels Y, Deliens L. How do GPs identify a need
for palliative care in their patients? An interview study. In: BMC Family Practice.
2013; 14:42;
27. Al – Qurainy R, Collis E, Feuer D. Dying in an acute hospital setting: the
challenges and solutions. The International Journal of Clinical Practice. 2009
March; 63(3): 508-515;
28. Holland N. Quality Palliative Care. University of Wisconsin La Crosse, WI.
2013 April; 11-13: 435- 439;
29. Clabots S. Strategies to help initiate and maintain the end-of-life discussion
with patients and family members. Medsurg Nursing. 2012 July-August; 21(4):
197-204;
30. Sheward K, Clark J, Marshall B, Allan S. Staff Perceptions of end-of-life
Care in the Acute Care Setting: A New Zealand Perspective. Journal of Palliative
Medicine.2011; 14(5): 623-630;
31. National Institute for Health and clinical Excellence: Guidance on Cancer
Services. Improving Supportive and Palliative Care for Adults with cancer. The
Manual. [Internet] London; 2004 [cited 2013 April 20].Available from: www.nice.
org.uk/nicemedia/live/10893/28816/28816.pdf.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
55
Artigo original
Equipa Intra Hospitalar de Suporte em
Cuidados Paliativos no interior Norte
de Portugal – casuística de uma nova
actividade e discussão do contributo
multidisciplinar no final da vida
Duarte da Silva Soares
Interno complementar de Medicina Interna, Unidade Hospitalar de Bragança, Unidade Local de Saúde do
Nordeste, Membro da Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos da ULSNE
Miriam Pelissier Blanco
Assistente Hospitalar em Medicina Interna, Coordenadora da Equipa Intra Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos, Unidade Hospitalar de Bragança - Unidade local de Saúde do Nordeste
Introdução
A população Portuguesa permanece
como uma das mais envelhecidas da
Europa. Projecções nacionais recentes
documentam um aumento marcado da
população idosa e mortes no início do século XXI. Nos censos de 2011, existiam no
país 2.010.064 habitantes com mais de 65
anos, representando 19% da população
(comparativamente a 16.4% em 2001).
Paralelamente, estima-se que 153.600
pessoas venham a falecer em Portugal
em 2016, comparativamente com 104.434
em 2009.1
Ante este envelhecimento demográfico,
a disponibilidade de Serviços de Cuidados
Paliativos (CP) em Portugal permanece
baixa.2 Apesar da urgência de implementação e desenvolvimento destes serviços
no país, a sua concretização é escassa,
particularmente devido à persistência de
uma cultura de negação perante a morte,
á falta de capacidade de investigação na
área e á escassa atenção na abordagem
física, psicológica, social e espiritual aos
doentes em fim de vida nos internamentos de agudos das unidades hospitalares
do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Ao
mesmo tempo que o investimento em CP
tem sido heterogéneo, o número de serviços para doentes agudos tem crescido
56
exponencialmente, o que parece paradoxal atendendo aos dados demográficos e
aos problemas clínicos mais típicos na população mais idosa.3 Particularmente, existe pouca evidência sobre como os serviços de agudos abordam doentes que são
clínica e socialmente complexos, como
promovem a continuidade de cuidados e
previnem admissões desnecessárias.4, 5
O distrito de Bragança é o 5º maior distrito do país, com 12 concelhos e uma
população de 136.232 habitantes, constituída por uma população idosa (> 65
anos) mais prevalente (21% a 38.8%) do
que a média nacional (19%).1 Além da
EIHSCP (Bragança, Macedo de Cavaleiros
e Mirandela), prestam, em 2014, cuidados
paliativos especializados no distrito outras
duas entidades: Unidade de Cuidados Paliativos situada em Macedo de Cavaleiros
(internamento, com oito camas) e uma
equipa domiciliária de Cuidados Paliativos, a prestar assistência em três concelhos - Mogadouro, Vimioso e Miranda do
Douro (UDCP-PM).
Com o objectivo de melhorar e uniformizar a abordagem a esta população
específica nos hospitais de agudos, em
2011 e 2014 o Ministério da Saúde regula
o enquadramento das Equipas Intra Hospitalares de Suporte em Cuidados Paliati-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
vos (EIHSCP), tornando obrigatória a existência de uma equipa em cada unidade
hospitalar do SNS.6, 7 Pelo seu carácter holístico na abordagem deste tipo de doentes, a Medicina Interna torna-se elemento
fundamental tanto na prestação directa
de cuidados como na íntima colaboração com as EIHSCP. A EIHSCP da Unidade Local de Saúde do Nordeste (ULSNE)
é composta por quatro médicos, quatro
enfermeiros, três assistentes sociais e uma
psicóloga. Nenhum destes elementos possui horário exclusivo para o desempenho
destas funções. A EIHSCP presta cuidados
desde o dia 1 de Dezembro de 2013, nas
unidades hospitalares de Bragança (BRG),
Macedo de Cavaleiros (MAC) e Mirandela (MIR), compostas respectivamente por
251, 99 e 114 camas de internamento.
Entendemos assim relevante apresentar
a actividade desta equipa, assim como
abordar criticamente o seu funcionamento, tendo particular atenção aos seus outputs nos serviços de internamento onde
actua. Acreditamos ser este trabalho útil
para outros profissionais que desempenhem (agora ou no futuro) funções em
EIHSCP ou que prestem cuidados a doentes em fim de vida, nomeadamente aquelas que actuam ou pretendem actuar no
interior do país.
Objectivos
O objectivo principal deste estudo/artigo
é descrever os primeiros nove meses de
actividade da EIHSCP da ULSNE, dando
também a conhecer as características da
população-alvo.
Os objectivos secundários são abordar
criticamente os resultados, considerando
os obstáculos que enfrentam este tipo de
equipa na prestação de cuidados assim
como os resultados que poderão ter nos
cuidados prestados na população alvo.
Métodos
Descrição da casuística da actividade clí-
nica assistencial, mediante consulta retrospectiva dos registos clínicos informáticos
dos pacientes observados pela EIHSCP de
01/12/2013 a 31/08/2014 (primeiros nove
meses de actividade). O autor principal foi
o responsável por recolher toda a informação. Os dados recolhidos consistiram em:
género; idade; unidade hospitalar; serviço
de internamento; data de admissão; data
de alta; data de referenciação à EIHSCP;
diagnóstico principal; sintomas reconhecidos à data da primeira avaliação pela
EIHSCP; conhecimento de diagnóstico à
data da primeira avaliação da EIHSCP;
número de avaliações médicas; número
de avaliações de enfermagem; intervenção de assistente social, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta e capelão; destino;
estado funcional (mediante ECOG – Eastern Cooperative Oncology Group – medida global de desempenho funcional do
doente, com cinco estadíos, em que “0”
significa totalmente assintomático e “5”
morte); indicação sobre a ocorrência de
reunião familiar, em que pelo menos um
dos elementos da EIHSCP esteve presente; indicação sobre a ocorrência de morte e respectiva data; consulta de luto; uso
de opióides; termos em diário clínico que
sugerissem descalamento de terapêutica,
como “medidas de conforto”, “descalamento de medidas”, “descalamento de
terapêutica” e “controlo sintomatológico”
(por “descalamento de terapêutica”, entendeu-se, para o efeito do presente estudo, abandono de terapêutica instituída
com índole curativa); e informação administrativa sobre episódios de urgência
após a alta. Foi feita uma análise descritiva das diversas variáveis e os resultados
são criticamente discutidos.
Resultados
Entre 01/12/2013 e 31/08/2014 (274 dias
de actividade) a EIHSCP da ULSNE prestou directamente cuidados a 101 doentes, num total de 104 admissões (BRG- 69;
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
57
Figura 1
Dispersão de idades
Figura 2
Número de referenciações por mês
MAC- 19; MIR- 16), sendo 51 pacientes
(50.5%) do género feminino e 50 (49.5%)
masculino, com média de idades 75 anos
(mediana 78, desvio padrão 12). O doente mais novo tinha 39 anos e o mais velho
100 anos (Figura 1).
O mês com maior actividade foi Julho
(21 referenciações, 20%) e o mês com menos episódios foi Janeiro (6 referenciações,
5,7%), numa média de 12 referenciações
mensais (mediana 11) (Figura 2).
O tempo médio decorrido desde a admissão até à referenciação à EIHSCP foi de 5
dias (máximo 27 dias, mínimo no próprio dia).
Os serviços com maior número de referenciações foram a Medicina Interna, n=78
(75%) (BRG = 55; MAC = 18; MIR = 5), seguin-
58
do-se Cirurgia Geral, n=
19 (18.2%) (BRG = 9; MAC
– sem internamento; MIR =
10), Ortopedia (n=4), Urologia (n=1), Otorrinolaringologia (n=1) e Unidade de
Cuidados Intensivos (n=1).
Dos 101 pacientes observados, 82 (81%) tinham
como diagnóstico principal patologia do foro
oncológico, sendo mais
prevalentes as neoplasias
do foro gastrointestinal (n=
18, nos quais se incluem
cólon (n=7) e estômago
(n=6) como mais frequentes), hepato-biliar (n=15),
mama (n= 13) e pâncreas
(n=11) como se observa
no Figura 3.
Apenas 19 (18.8%) doentes tinham como diagnóstico principal patologias não
oncológicas, destacandose a insuficiência cardíaca
terminal (n=6), demência
(n=5) e doença pulmonar
obstrutiva crónica (n=3)
como mais frequentes.
Dos 101 doentes ou famílias abordadas,
45 tinham conhecimento de diagnóstico e
do prognóstico no momento da primeira
avaliação pela equipa, 34 tinham conhecimento apenas do diagnóstico e 22 não
tinham conhecimento nem do diagnóstico
nem do prognóstico.
À data da primeira avaliação da EIHSCP, cerca de metade dos doentes (n=54)
apresentaram-se totalmente acamados,
com um ECOG= 4; 31 apresentaram-se
sintomáticos passando mais de 50% do
tempo acordados na cama ou cadeira
(ECOG = 3).
No que diz respeito aos sintomas no momento da primeira avaliação, a dor (n=
86) foi o sintoma mais prevalente, seguida
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
ximo de 55 dias. Faleceram
no internamento hospitalar
41 pacientes e 32 foram
admitidos em unidade de
internamento de cuidados
paliativos, tendo 20 dos
mesmos terminado por falecer naquele serviço. Em
relação aos doentes que
faleceram em internamento hospitalar, estes dados
resultam num tempo médio desde a referenciação
à EIHSCP até à morte de
7.5 dias (mediana 6, desvio
padrão 10, sendo o mínimo no próprio dia
(foram referenciados doentes à EIHSCP no
próprio dia do falecimento em 4 casos) e o
máximo 56 dias). No pós-morte, 43 famílias
receberam consulta de luto (intervenção
específica realizada pela psicóloga clínica,
20 doentes em regime de internamento da
UCP e 23 em regime de internamento hospitalar).
Tiveram alta para o domicílio 21 doentes, 9 com apoio de Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e 6
com apoio de Unidade Domiciliária de
Cuidados Paliativos do Planalto Mirandês (UDCP-PM). Em 3 casos este apoio foi
conjunto pelas duas equipas, em doentes
pertencentes à área de influência da UDCP-PM. Sete doentes foram reencaminhados para unidades de longa duração. Nos
restantes 6 casos não foi possível organizar
qualquer tipo de apoio domiciliário através do hospital ou da rede nacional de
cuidados continuados integrados. Dos 60
doentes que tiveram alta, 17 recorreram
novamente ao Serviço de Urgência, num
total de 21 episódios. Figura 3
Patologias oncológicas como diagnóstico principal
de dispneia (n=46), astenia (n=29), anorexia
(n=27), obstipação (n=21), agitação (n=16)
e linfedema (n=11). 82 doentes tiveram
acesso a opióides (89% dos que apresentavam dor na primeira avaliação). A totalidade das primeiras avaliações foi realizada
por um dos médicos da EIHSCP, sendo responsabilidade do mesmo propor a orientação para as reavaliações necessárias pelos restantes elementos da equipa. As 105
referenciações originaram um total de 271
avaliações médicas (média 2.6, mediana
3.2) e 436 avaliações de enfermagem (média 4.2, mediana 5.7). 73 doentes receberam apoio psicológico (doente ou família),
63 contactaram pelo menos uma vez com
um assistente social pertencente à equipa,
48 receberam apoio espiritual, 35 contactaram com nutricionista e 18 iniciaram ou
mantiveram programas de reabilitação
motora / terapia ocupacional. Na grande
maioria dos casos (86 episódios) foi realizada reunião familiar, em que pelo menos um
dos elementos da EIHSCP esteve presente.
Em 68 casos foi identificada informação nos
diários clínicos sugestiva de descalamento
de terapêutica (ver métodos).
Os tempos de permanência nos respectivos serviços de internamento caracterizam-se por uma média de 13 dias de internamento (mediana 21), com um mínimo de
1 dia (alta contra parecer médico) e má-
Discussão
A auditoria clínica aqui apresentada é,
segundo temos conhecimento, das primeira a revelar dados sobre a actividade
de uma Equipa Intra Hospitalar de Suporte
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
59
em Cuidados Paliativos no SNS. Para além
disto, esta revela a realidade de doentes
em fim de vida admitidos em hospitais do
interior, numa região com particularidades
em termos demográficos e de dificuldade
em acesso aos serviços, especialmente no
final da vida.
Entendemos que, no seu global, os resultados apresentados são positivos. Nomeadamente, a EIHSCP proporcionou uma
prestação de cuidados holística, nas vertentes psicológica, física, social e espiritual.
Tal é demonstrado pelo número de intervenções efectuadas pelos elementos dos
distintos grupos profissionais.
Tendo em consideração a evidência
que sugere que a dor é insuficientemente
reconhecida e tratada sobretudo na população idosa8, consideramos importante
realçar que em 82% das referenciações a
dor foi reconhecida como sintoma activo
na primeira avaliação da equipa e em
78% dos mesmos foram utilizados opióides.
Tais dados sugerem que a EIHSCP proporcionou um maior reconhecimento e abordagem de sintomas prevalentes no final
da vida, muitas vezes ignorados na mesma
população sem apoio da equipa.
Para além do descrito, o baixo número
de doentes que utilizaram o serviço de urgência após a alta sugerem um impacto
relevante das EIHSCP na reutilização de
serviços de doentes agudos após o contacto com a equipa. Estes dados poderão
reflectir um maior seguimento dos pacientes e cuidadores, preparando-os para lidar com situações de difícil abordagem,
mas também uma melhor adequação
dos serviços de saúde à fase avançada
da doença. Contudo, estes dados devem
ser interpretados com cautela, uma vez
que o estudo não teve como objectivo
principal avaliar este indicador nem comparou com um grupo de controlo, e carece de poder estatístico para o efeito. Por
outro lado, a data desta auditoria revelase muito precoce em relação à alta de
60
uma proporção significativa dos doentes.
Um novo estudo direccionado a entender
que recursos de saúde são efectivamente
utilizados por esta população após a alta
e qual o impacto em termos de custos poderá ser útil.
Realçamos que o número de doentes
não oncológicos referenciados à EIHSCP
é baixo (N=19). Embora esta situação seja
comum no nosso país ainda que superior
a dados de outras equipas de CP9, consideramos ser possível no futuro a referenciação de mais doentes não-oncológicos
ás EIHSCP. Tal poderá ser atingido com
melhor conhecimento da evolução das
doenças crónicas e incuráveis.10
A referenciação dos pacientes à EIHSCP
é tardia, sendo que mais de 80% dos pacientes tinham um estado funcional baixo
(ECOG= 3 ou 4) e, dos doentes que terminaram por falecer no internamento, 28.8%
foram referenciados nos últimos 5 dias de
vida, possivelmente devido a uma cultura
de negação da morte, à insegurança dos
profissionais na hora de abordar o prognóstico junto do doente e/ou dos familiares bem como o desconhecimento do
impacto que os cuidados paliativos poderão ter em fases mais precoces da doença. Por este motivo, o número de doentes
que iniciaram ou mantiveram programas
de reabilitação dirigida á promoção da
autonomia e qualidade de vida na terminalidade é relativamente baixo.11 Tal resultado também poderá indiciar a necessidade de diversificar a oferta de cuidados
paliativos que incluam terapêuticas não
farmacológicas direccionadas e actividades de reabilitação ocupacional.
Finalmente, chamamos a atenção para
o facto de uma proporção relevante dos
pacientes e/ou famílias não ter, na primeira abordagem pela equipa, conhecimento do diagnóstico e prognóstico (22%).
Uma percentagem ainda maior (34%) tinha conhecimento do diagnóstico mas
não do prognóstico. Pensamos, contudo,
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
que o elevado número de reuniões familiares (82% dos episódios) poderá ter contribuído para uma maior disponibilização
da informação pertinente na fase avançada da doença.
Conclusão
Durante os primeiros nove meses de actividade, a EIHSCP da ULSNE teve resultados
positivos na população alvo, demonstrando a abordagem física, psicológica, social
e espiritual que promove. Um maior conhecimento da informação clínica, melhor
controlo sintomatológico e maior acompanhamento dos doentes bem como dos
familiares durante e após a alta hospitalar,
poderão ser vistos como úteis nos serviços
onde actua. Contudo, serão necessários
mais estudos para entender o impacto
real nos custos, no tempo de internamento, na utilização de recursos de saúde após
a alta e na facilitação de referenciação
atempada e adequada para os locais de
cuidados terminais / locais de morte da
preferência dos doentes.12
Como maiores obstáculos, identificamos
a referenciação tardia dos doentes e a
baixa referenciação de doentes de foro
não oncológico. Entre outros aspectos a
melhorar no futuro, incluímos também o
apoio espiritual e apoio de fisioterapia /
terapia ocupacional. A presença de profissionais exclusivamente dedicados á
equipa poderá beneficiar o acompanhamento dos doentes, a interacção com os
profissionais dos serviços de internamento
e de ambulatório bem como um maior
apoio aos cuidadores.
Sílvia Aleixo e Maria Silva; Médicos Teresa
Ramos, Liseta Gonçalves e Ângela Silva. l
Bibliografia
1. Instituto Nacional de Estatística. Censos 2011. In: Estatística INd, editor. Instituto Nacional de Estatística web page: Instituto Nacional de Estatística,; 2011.
2. Gomes B, Higginson IJ. Evidence on home palliative care: Charting past,
present, and future at the cicely saunders institute - WHO collaborating centre
for palliative care, policy and rehabilitation. Progress in Palliative Care. 2013
September;21(4):204-13. PubMed PMID: 2013516447.
3. Instituto Nacional de Emergência Médica. A emergência médica www.inem.
pt2013 [cited 2013 05/09/2013].
4. Carew HT, Zhang W, Rea TD. Chronic health conditions and survival after
out-of-hospital ventricular fibrillation cardiac arrest. Heart.93(6):728-31. PubMed
PMID: 17309904.
5. Kim C, Becker L, Eisenberg MS. Out-of-hospital cardiac arrest in octogenarians and nonagenarians. Archives of Internal Medicine. 2000;160 (22). Pubmed
Central PMCID: 11112237.
6. Ministério da Saúde. Despacho nº 7968/2011. In: Ministério da Saúde, editor.
Diário da República, 2ª série, nº 107: Ministério da Saúde,; 2011.
7. Ministério da Saúde. Despacho n.º 10429/2014,. Diário da República, 2ª serie,
nº152, : Ministério da Saúde,; 2014.
8. Breivik H, Collett B, Ventafridda V, Cohen R, Gallacher D. Survey of chronic
pain in Europe: Prevalence, impact on daily life, and treatment. European Journal
of Pain. 2006 May;10(4):287-333. PubMed PMID: 2006146341.
9. Ferraz Goncalves JA, Almeida A, Antunes C, Cardoso M, Carvalho M, Claro
M, et al. A cross-sectional survey of the activity palliative care teams in Portugal.
Palliative Medicine. 2012 June;26 (4):623-4. PubMed PMID: 71176713.
10. Murray SA, Kendall M, Boyd K, Sheikh A. Illness trajectories and palliative
care. BMJ (Clinical research ed). 2005 30 Apr;330(7498):1007-11. PubMed
PMID: 15860828.
11. Howell D. Shifting dying trajectories: Integrating self-management and palliative care. International Journal of Palliative Nursing. 2012 October;18(10):471.
PubMed PMID: 23123948.
12. Gomes B, Higginson IJ, Calanzani N, Cohen J, Deliens L, Daveson BA, et al.
Preferences for place of death if faced with advanced cancer: a population survey
in England, Flanders, Germany, Italy, the Netherlands, Portugal and Spain. Annals
of Oncology. 2012 Aug;23(8):2006-15. PubMed PMID: WOS:000306924400014.
Agradecimentos
Os autores agradecem o contributo à
EIHSCP e demais colaboradores que directa ou indirectamente tenham contribuído
para este estudo, nomeadamente: Enfermeiros Ana Gonçalves, Rui Liberal, Lígia
Carvalho e Andrea Azevedo; Psicóloga
Sara Costa; Assistentes Sociais Patrick Pires,
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
61
Artigo original
Cuidados Paliativos: Identificação da
necessidade em doentes de Medicina
Interna
Natália Loureiro
Mestre em Cuidados Paliativos e Assistente Hospitalar de Medicina Interna no Centro Hospitalar do Tâmega
e Sousa
João Manuel da Costa Amado
Professor Associado com agregação do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa
Rosa Maria de Faria Fragoso
Chefe de Serviço do Serviço de Oncologia Médica do IPO Porto
Resumo
O prognóstico é uma importante ferramenta para a decisão clínica, permitindo o adequado planeamento e distribuição dos recursos de saúde e evitando a futilidade terapêutica e diagnóstica, principalmente em um hospital de agudos onde predomina o
conceito da cura. O objetivo deste estudo foi avaliar a identificação da necessidade
de Cuidados Paliativos anteriores à admissão ou nas primeiras 24 horas após a admissão, realizada pelos médicos internistas em doentes falecidos no Serviço de Medicina Interna de um Hospital de Agudos. A metodologia utilizada partiu da análise dos
processos clínicos dos doentes admitidos no hospital no período de Janeiro a Março
de 2012. Observou-se um total de 125 óbitos, sendo que 49,6% já apresentavam na
admissão ou nas primeiras 24 horas de admissão necessidade de cuidados paliativos.
A patologia cardiovascular foi a principal definidora de critérios de cuidados paliativos.
Apenas 1/3 dos doentes tiveram prognóstico explicito na admissão ao mesmo tempo
que 25% nunca tiveram qualquer menção em relação ao prognóstico. O estudo mostrou que existe ausência de preocupação acerca do controlo sintomático e que a
comunicação do prognóstico não foi uma preocupação pertinente. Predominou uma
atitude voltada para a futilidade terapêutica ou diagnóstica. Pudemos concluir que o
atraso na decisão acerca do prognóstico indicia, principalmente, falta de reconhecimento do papel dos cuidados paliativos em um hospital de agudos e por isso a integração dos cuidados paliativos pode ajudar na transição dos objetivos de prolongar a
vida para um conceito de melhorar a qualidade e o final de vida.
Abstract
The prognosis is an important tool for clinical decision, allowing proper planning and allocation of health resources and avoiding diagnostic and therapeutic futility, especially in
the acute hospital where the whole concept of healing. The aim of this study was the
Palavras-chave
Prognóstico; cuidados paliativos;
medicina interna.
Key words
Prognosis; palliative care; internal
medicine.
Palabras-llave
Pronóstico; los cuidados paliativos;
medicina interna.
62
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
identification of the need for palliative care prior to admission or within the first 24 hours
after admission, performed by internal medicine in deceased patients in the Internal Medicine Service of an Acute Hospital. The methodology used came from the analysis of the
clinical records of patients admitted to hospital during the period January to March 2012.
There was a total of 125 deaths, of which 49.6% have had at admission or within the first 24
hours of admission need of palliative care. Cardiovascular disease was the main defining
criteria for palliative care. Only 1/3 of the patients had at admission explicit prediction
while 25% had never any mention about the prognosis. The study showed that there is no
concern about symptomatic control and communication of prognosis was not a relevant
concern. The predominant attitude toward the therapeutic or diagnostic futility. We concluded that the delay in deciding the prognosis indicates mainly the lack of recognition
of the role of palliative care in a hospital in acute and therefore the integration of palliative care can assist in the transition of the goals of prolonging life for a concept to improve
the quality and the end of life.
Resumen
El pronóstico es una herramienta importante para la toma de decisiones clínicas, lo
que permite la planificación y asignación de recursos de salud adecuada y evitar la
futilidad de diagnóstico y terapéutica, especialmente en el hospital de agudos, donde todo el concepto de curación. El objetivo de este estudio fue la identificación de
la necesidad de cuidados paliativos antes de la admisión o dentro de las primeras 24
horas después del ingreso, realizado por la medicina interna en pacientes fallecidos
en el Servicio de Medicina Interna de un hospital de agudos. La metodología utilizada
provino del análisis de las historias clínicas de los pacientes ingresados en el hospital durante el período de enero a marzo de 2012. Hubo un total de 125 muertes, de las cuales
el 49,6% han tenido al ingreso o en las primeras 24 horas de necesidad admisión de los
cuidados paliativos. Las enfermedades cardiovasculares fueron los principales criterios
que definen para los cuidados paliativos. Sólo un tercio de los pacientes tenían al ingreso predicción explícita mientras que el 25% nunca había ninguna mención sobre
el pronóstico. El estudio mostró que no hay preocupación por el control sintomático y
comunicación de pronóstico no era una preocupación relevante. La actitud predominante hacia la futilidad terapéutica o de diagnóstico. Llegamos a la conclusión de que
el retraso en la decisión el pronóstico indica principalmente la falta de reconocimiento
del papel de los cuidados paliativos en un hospital de agudos y, por tanto, la integración de cuidados paliativos puede ayudar en la transición de los objetivos de prolongar
la vida de un concepto para mejorar la calidad y el final de la vida.
Introdução
Diagnosticar, tratar e prognosticar são,
segundo Kellett (2008), as três principais
funções de um médico.1 O prognóstico
traduz a previsão dos resultados prováveis
relativos ao curso previsível de uma determinada doença ou do seu tratamento e
tem um papel importante na tomada de
decisão clínica inicial, como, por exemplo,
na determinação do plano terapêutico
para um doente na admissão a um serviço
de internamento, permitindo selecionar e
adequar tratamentos que visem manter
e/ou melhorar a qualidade de vida, proporcionando o adequado planeamento
e distribuição dos recursos de saúde. Na
ótica assistencial de hospitais de agudos
a prescrição de cuidados inadequados
tem sido muito superior ao desejável, e a
explicação apresentada assenta no não
enquadramento dos cuidados propostos
às reais necessidades dos doentes.2; 3
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
63
Quadro 1
Principais causas de internamentos
Causas Nº doentes
%
INFECIOSAS
45
Pneumonia adquirida na comunidade
22
37,1
Pneumonia associada a cuidados de saúde
13
21,7
Pneumonia de aspiração
5
8,4
Úlceras de pressão infetadas
2
3,3
Gastroenterite aguda
1
1,6
Traqueobronquite associada a cuidados de saúde
1
1,6
Infeção urinária com critérios de sépsis
1
1,6
CARDIOVASCULARES
8
Acidente vascular cerebral isquémico
3
5
Acidente vascular cerebral hemorrágico
3
5
Insuficiência cardíaca
2
3,3
NEOPLÁSICAS
4
Neoplasia primária desconhecida
3
5
Metastização cerebral (neoplasia renal primária) com encefalopatia
1
1,6
METABÓLICAS
1
Encefalopatia hepática
1
NEUROLÓGICAS
1
Estado de Mal
1
RENAIS
1
Doença Renal Crónica
1
1,6
1,6
1,6
60
E por isso, muitos dos doentes internados
em hospitais de agudos, por estarem em
fase avançada/terminal da doença, deveriam ter um prognóstico definido para
que fosse iniciado atempadamente um
plano de cuidados sintomáticos com objetivo de conforto e qualidade de vida,
evitando tratamentos agressivos, não benéficos, e que aumentam grandemente
os custos associados à prestação de cuidados.4; 5
Quadro teórico
Existe um número cada vez maior de idosos que apresentam doenças crónicas,
sujeitos a períodos de exacerbações agudas da doença de base. A necessidade
de hospitalização é justificada pelo agravamento clínico de per si ou pelo fato da
64
família não se sentir preparada para cuidar destes doentes.6; 7; 8
Um estudo realizado na Bélgica8 revelou
que um em cada dez doentes hospitalizados apresentava critérios de cuidados
paliativos após 48 horas de internamento; já um estudo francês9 mostrou uma
prevalência de 13% destes doentes no
internamento médico hospitalar. Resultados sobreponíveis foram encontrados em
estudos realizados na Inglaterra10 e nos Estados Unidos.11
O estudo SUPPORT mostrou não só o problema do cuidar em fim de vida nos hospitais de agudos mas também as dificuldades em estabelecer esta prática neste
ambiente hospitalar.12; 13 Estudos retrospetivos em hospitais de agudos mostraram
que, mesmo em doentes nos quais já esta-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Figura 1
Registos de prognósticos dos doentes observados
ADMISSÃO DURANTE O INTERNAMENTO REGISTO
Do not resuscitate
14 doentes
SEM REGISTO
"situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado" ou
Do not resuscitate
31 doentes
REGISTO
"Situação de mau
prognóstico/prognóstico
reservado" mas NÃO de
Do not resuscitate
2 doentes
TOTAL
60 doentes
REGISTO
"situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado" E
Do not resuscitate
20 doentes
REGISTO
"situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado" mas
NÃO de Do not resuscitate
6 doentes
NUNCA foram considerados
“situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado” ou
Do not resuscitate
15 doentes
REGISTO de
Do not resuscitate
6 doentes
REGISTO
"Do not resuscitate" mas NÃO de
"situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado"
3 doentes va definido o prognóstico e estavam iden tificados como em fase terminal, terapêu4;
ticas
e exames invasivos eram mantidos.
Esta cultura é baseada no conceito
da cura, onde a morte é percebida neste
ambiente como uma falha, pelos doentes
e médicos.2
13; 14; 15
É reconhecido que, do ponto de vista
ético, a continuidade de uma terapêutica fútil que prolongue o processo de
morte (e que não altera o evento final),
não é uma prática apropriada. Daí que
o conhecimento sobre o prognóstico de
doentes com critérios de cuidados paliativos pode alterar a prática clínica.16
A avaliação do prognóstico deverá ter
em consideração, entre mais, a idade, o
diagnóstico primário, o estado geral de
saúde, a capacidade funcional antes e
depois do início da doença e o número
de comorbilidades que o doente apresenta.17 São dois os aspetos fundamentais
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
65
Quadro 2
Sintomas mais prevalentes
Sintomas
%
Dispneia
66,3
Febre
12,8
Dor
9,5
Confusão
3,5
Agonia
3,5
Icterícia
1,1
Oclusão intestinal
1,1
Sufocação
1,1
Vómito
1,1
em relação ao ato de prognosticar: o primeiro é a formulação do prognóstico e o
segundo é a comunicação desse prognóstico ao doente. Existem dificuldades
tanto para a sua formulação como para
a sua comunicação. Tanto a formulação
do prognóstico em doenças crónicas não
oncológicas como o reconhecimento da
hora da morte podem ser mais complicados do que em as doenças oncológicas.18; 19
De salientar que, por não haver formação pré-graduada nesta área de competência médica, os médicos acabam
por desenvolver uma série de técnicas
de coping: a negação, o otimismo e a
imprecisão são algumas das formas de
enfrentar estas dificuldades.20 Num estudo
prospetivo, envolvendo 343 médicos e 468
hospitais, apenas 20% dos prognósticos foram precisos; os médicos sobrestimaram
a sobrevida em aproximadamente 5 vezes.21 Este dado está relacionado com o
conceito negativo, no sentido de falência,
que grande número de médicos atribui
à morte. E esse otimismo em relação ao
prognóstico é percetível pelos doentes
e pode acarretar realização de exames
66
complementares e terapêuticas que não
seriam propostos se um prognóstico preciso e realista fosse formulado e claramente
comunicado. O prognóstico, ao contrário
do diagnóstico, necessita de ser reformulado a intervalos regulares, de ser repetido em múltiplas ocasiões, adequando a
informação ao entendimento pelo doente e, se o doente autorizar, aos seus familiares.22
No entanto, a transição de cuidados
curativos num hospital de agudos para
uma abordagem paliativa é problemática; e a prática de cuidados paliativos
tem sido aplicada tardiamente em doentes que estão internados em fase terminal
com sintomas não controlados.
Não há razões para não prognosticar,
pois o prognóstico neste contexto não
tem por objetivo prever a recuperação
clinica mas sim proporcionar aos doentes
e seus familiares a informação necessária
a fim de fazerem escolhas sobre o tratamento e cuidados em fim de vida, garantindo não só o correto entendimento
acerca da situação clínica do doente e
a correta gestão de expectativas como o
início de cuidados sintomáticos de forma
atempada.22; 21; 23
Considerando a situação existente, o
objetivo principal deste estudo foi avaliar
a identificação da necessidade de Cuidados Paliativos pelos médicos internistas
de um serviço de Medicina Interna e de
que forma esta identificação alterou a
práxis as atitudes em internamento.
Metodologia
Optou-se por um estudo observacional
em que os dados foram colhidos a partir
dos processos clínicos de doentes falecidos e que obedeciam aos seguintes critérios: todas e consecutivas ocorrências
de mortes no Serviço de Medicina Interna
do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa
(Unidade Padre Américo) nos meses de
Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, com
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
Gráfico 1
Terapêuticas fúteis
critérios para Cuidados Paliativos anteriores à admissão ou nas 24 horas seguintes
de acordo com o guia proposto pelo The
Gold Standards Framework – Royal College of General Practitioners24 e pelo The
National Hospice Organization medical
guidelines for non-cancer disease and local medical review policy: hospice access
for patients with diseases other than cancer.25
Por ausência de dados registados nos
processos clínicos, não foi possível definir
o estado funcional na admissão através
de um índice, tal como pela escala de
Barthel.26 Assim, optou-se por classificar
o doente como acamado, parcialmente dependente nas AVD´s (atividades de
vida diária) e autónomo, por serem termos utilizados na prática médica e que,
de alguma forma, traduzem a capacidade funcional do indivíduo.
Atribuiu-se como definidor do prognóstico de um doente as seguintes afirmações
exaradas nos processos clínicos: “situação
de mau prognóstico/prognóstico reservado” ou “Do not resuscitate” tanto na admissão hospitalar como durante o internamento, já que de nenhuma outra forma
foi realizada a menção ao prognóstico de
um doente.
Foram consideradas neste estudo as seguintes terapêuticas fúteis: anti-agregante plaquetário, ferro ou outros suplementos, antagonista seletivo dos recetores
adrenérgicos (tansulosina), estatina, inibidor da bomba de protões e heparina de
baixo peso molecular.
Como meios de diagnóstico considerados fúteis foram considerados: ventilação
não invasiva, gasometria arterial, entubação orotraqueal, análises e tomografia
computadorizada.
Foram asseguradas a confidencialidade
e anonimato dos dados clínicos colhidos/
analisados e dos profissionais envolvidos.
Ficou garantida a não existência de prejuízos morais ou éticos para os doentes
e suas famílias ou para os profissionais. O
estudo foi autorizado pela Comissão de
Ética local e não acarretou despesas financeiras para a instituição hospitalar.
Também não beneficiou de qualquer
apoio financeiro.
Resultados
No período em análise registaram-se 125
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
67
Gráfico 2
Meios de diagnósticos fúteis
óbitos. Destes, 62 (49,6%) apresentavam,
na admissão ou nas 24 horas subsequentes, necessidade de cuidados paliativos
de acordo com os critérios estabelecidos
neste estudo. No entanto, por questões
administrativas, em somente 60 processos
foi possível colheita e registo de dados.
Registou-se um predomínio do sexo masculino (35 doentes – 58%). A idade média
dos doentes foi de 77,2±11,9 anos (idades compreendidas entre 41 e 99 anos).
A demora média no internamento foi de
7,9 dias, variando de um período inferior
a 24 horas até 65 dias. Observou-se que
30 doentes estiveram internados por um
período inferior a 72 horas.
Dos 60 doentes, observou-se que a
maioria já apresentava critérios de cuidados paliativos prévios ao internamento (54
doentes). A estes, o grupo nosológico mais
frequentemente atribuído foi o das doenças cardiovasculares (26 doentes), no qual
se enquadram o “acidente vascular cerebral isquémico” (21 casos), “insuficiência
cardíaca” (3 casos) e “acidente vascular
hemorrágico” (2 casos). Seguiram-se-lhe
os grupos das doenças neuropsiquiátricas
(15 casos), neoplasias (7 casos), patologias
respiratórias (5 casos) e cirrose hepática
de etiologia alcoólica – estadio Child-Pulgh C (1 caso).
Apenas 6 doentes foram considerados
com critérios de cuidados paliativos nas
68
primeiras 24 horas de admissão: 3 por acidente vascular isquémico e 3 por acidente vascular hemorrágico, todos de grande
extensão.
As causas de internamento estão sumarizadas na Quadro 1. Aquela que mais vezes justificou o internamento foi a infeciosa
(n=45), quer a adquirida na comunidade,
quer a associada a cuidados de saúde.
No grupo de doentes em análise, observou-se que 49 doentes foram descritos
como acamados, 6 doentes como parcialmente dependentes nas AVD´s e 5
doentes autónomos, na admissão hospitalar. Dentre os 49 doentes acamados, 32
não apresentavam vida de relação conforme registado em diário clínico.
Aquando da admissão hospitalar, em 31
dos 60 doentes não havia qualquer registo referente a prognóstico (Figura 1); em
20 casos constava prognóstico explícito
de “situação de mau prognóstico/prognóstico reservado” ou “Do not resuscitate”, em 6 “situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado” ou “Do not resuscitate” e, em 3, registo de “Do not resuscitate”. Em 6 casos , apesar de ter sido registada a situação de mau prognóstico, não
se explicitou a ordem de não reanimar na
admissão, só ocorrendo esta decisão durante o internamento.
Dos 31 doentes (51,6%) em que não se
apresentava registo em relação ao prog-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
nóstico (“situação de mau prognóstico/
prognóstico reservado” ou “Do not resuscitate”), 14 foram, em algum momento durante o internamento, considerados “Do
not resuscitate” (desde menos de 24 horas
até 14 dias), 2 tiveram registo de “situação
de mau prognostico/prognóstico reservado” mas não de “Do not resuscitate”; em
15 doentes (25%) nunca houve em diário
clinico, ou folha terapêutica, qualquer
menção em relação ao prognóstico ou
ordem para não reanimar.
Dos 20 doentes que tiveram por escrito
a ordem “Do not resuscitate” durante o internamento verificou-se que a maioria foi
atribuída pelo próprio médico assistente,
durante a visita da manhã na enfermaria.
No entanto, em 3 doentes, 3 médicos que
não o médico assistente, tomaram a decisão de não reanimar; esta decisão ocorreu durante a noite/madrugada; porém,
nestes processos clínicos, não existe qualquer registo relativo ao prognóstico (sem
referência a “situação de mau prognóstico/prognóstico reservado).
Foi explicitado (Quadro 2) que a dispneia foi o sintoma mais citado pelos médicos (em 57 doentes), seguido da febre
que causava desconforto (11 doentes) e
da dor (registada em somente 8 casos).
Observou-se que dos 45 doentes que tiveram de alguma maneira o prognóstico
definido (na admissão e/ou internamento), ocorreu comunicação com família
em 27 casos (60%). Verificou-se um elevado número de esquemas antibióticos (em
54 doentes), superior ao número de internamentos por causa infeciosa (45 doentes) em função dos casos de pneumonia
nosocomial e de aspiração durante o internamento.
A associação de um beta-lactâmico
com inibidor de beta-lactamase e uma
quinolona foi a mais frequente, e foi prescrita mesmo em doentes internados por
pneumonias adquiridas na comunidade.
Em relação à manutenção de antibiote-
rapia, dos 45 doentes com prognóstico
definido em algum momento (seja na admissão seja no internamento), 30 doentes
permaneceram sob esta terapêutica até
a morte.
Verificou-se que, quanto à terapêutica
fútil, a quase totalidade dos doentes estava medicada com heparina de baixo
peso molecular na dose profilática e com
inibidor da bomba de protões (54 e 57 casos, respetivamente), como mostra o gráfico 1.
Verificou-se que os principais meios de
diagnóstico considerados fúteis (gráfico
2) foram, em grande parte dos doentes,
a gasometria arterial (41 doentes) e as
análises periódicas (40 doentes) em internamento.
No total, observou-se que em 59 doentes foi realizada terapêutica endovenosa;
o doente que a não fez não tinha via periférica acessível, pelo que se optou pela
via subcutânea, segundo o diário clínico.
Observou-se que em 12 doentes foi colocado cateter endovenoso, quando estes
doentes apresentavam via oral disponível.
Em 38 doentes foi colocada sonda nasogástrica pelo fato do doente estar pouco reativo e com disfagia ao longo do
internamento, segundo o registo clinico.
Foram admitidos 39 doentes sob fluidoterapia, mantida até a morte em 27 casos
mesmo quando a expectativa de vida
era extremamente reduzida.
Dos 45 doentes que em algum momento foram considerados “situação de mau
prognóstico/prognóstico reservado” e/ou
“Do not resuscitate”, apenas 10 apresentavam explicitamente escrita a expressão
“medidas de conforto”. Destes, 8 estavam
medicados com opioide major (2 deles já anteriormente com opióide minor
sem resposta). Em um doente foi prescrita a perfusão de morfina e midazolam ao
mesmo tempo e em um outro morfina
sob perfusão. Quando prescrita morfina,
verificou-se que, na maioria das situações,
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
69
estava em esquema SOS e foi iniciada 1, 2
ou 3 dias antes do óbito.
Discussão
Observou-se que ocorreu um predomínio de doentes na faixa etária dos 81 aos
90 anos, o que pode ser justificado pelo
aumento da esperança média de vida e
consequente envelhecimento da população com a concentração da morbilidade
(nomeadamente dependências físicas e
emocionais) no curso final da vida, levando a um aumento considerável taxa de
ocupação, nas enfermarias de Medicina
Interna por estes doentes idosos.
As doenças cardiovasculares foram
causa de grande número de internamentos num serviço de Medicina Interna. É
reconhecido o potencial destas patologias no condicionamento da qualidade
de vida dos doentes, especialmente na
sua fase final, sendo pautadas por múltiplas (e frequentemente não previsíveis)
agudizações, pela perda progressiva de
capacidades funcionais e pela necessidade crescente de supervisão médica.18
A maior parte dos doentes apresentou um
período de internamento reduzido (inferior a 72 horas) o que reforça tratar-se de
doentes com critérios de cuidados paliativos prévios à admissão.
A decisão de não reanimar por um médico de urgência, que não o médico assistente, torna-se uma tarefa complicada
quando não existe a mínima informação
no processo clínico acerca do prognóstico estabelecido para aquele doente,
principalmente durante o período da noite/madrugada, como aconteceu em 3
casos neste estudo. No entanto, verificouse, de fato, uma escassez de informação
acerca da sintomalogia, do prognóstico e
do grau de discussão da questão da qualidade de vida em cuidados paliativos, o
que explica tais situações.
As infeções como causa de internamento ainda são prevalentes nas enfermarias
70
de Medicina Interna, como aliás foi observado no grupo em estudo. O uso de antibioterapia de largo espectro, como a da
associação de um beta-lactâmico com
inibidor de beta-lactamase e uma quinolona, está relacionado com o fato dos
doentes apresentarem infeções associadas a cuidados de saúde por internamentos prévios, ou por residirem em lares/unidades de cuidados continuados27 o que,
por estas condições, se torna recomendado ao internista a prescrição de uma cobertura antibiótica a espécies multirresistentes. As infeções nosocomiais também
contribuem para este tipo de atitude.
A administração de heparina de baixo
peso molecular, de inibidores da bomba
de protões, de anti agregação plaquetária, colheitas de sangue para gasometrias
arteriais e análises seriadas, em doentes
com prognóstico reservado, como observado neste estudo, permite levantar questões relacionadas com o uso racional de
terapêuticas e a reflexão tanto sobre as
atitudes médicas de diagnóstico adequadas, como sobre os custos em saúde.
No estudo em questão verificou-se que
as práticas de entubação gástrica, hidratação endovenosa e punções venosas
em doentes terminais foram de rotina no
serviço de Medicina Interna, traduzindo
assim uma atitude médica orientada mais
para a cura do que para as necessidades
sentidas pelo doente em fim de vida. Estes
resultados estão em concordância com a
literatura (28; 29).
É preciso não só reconhecer o estado
terminal do doente com a simples expressão“Do not resuscitate”, como também,
uma vez identificados estes doentes, iniciar imediatamente um plano de cuidados de conforto. Existem diversas lacunas
no conhecimento e aplicação dos princípios de avaliação e tratamento de sintomas tais como a dor e a dispneia.
Apesar de estar claramente definido
em 20 doentes o prognóstico na admis-
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
são como “situação de mau prognóstico
e/ou prognóstico reservado” bem como
ordem de não reanimação, apenas em
3 doentes estava escrito “para medidas
de conforto”. Somente 5 doentes tinham
na prescrição um opióide major como a
morfina (4 doentes em SOS e um doente
sob perfusão) apesar da dor e a dispneia
serem os sintomas mais frequentes neste
grupo de doentes.
A dor normalmente é subvalorizada
pelos médicos pelo receio na prescrição
de opióides em virtude dos possíveis efeitos colaterais. No entanto, na fase final
de vida, os opióides, bem como o suporte por oxigénio podem ser considerados
como primeira linha para o alívio da dispneia, sintoma este muito prevalente em
doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica, insuficiência cardíaca e neoplasias como a pulmonar30, tal como é
claramente estabelecido pela American
Thoracic Society que apresenta uma proposta para a sua titulação.31
A ausência de um processo de decisão
sobre o fim de vida pode levar a experiências desastrosas para doentes e famílias,
que desejam no final de vida que haja
alívio de sintomas (tais como a dor e a
dispneia), e querem ter a oportunidade
de comunicar com o médicos e outros
profissionais de saúde sobre a morte e o
percurso do fim de vida.32 A continuidade
de um tratamento que prolonga a vida
pode atrasar o entendimento do doente
e familiares sobre o curso natural da sua
doença terminal.4; 8
O não reconhecimento precoce da necessidade de cuidados paliativos poderá
estar mais diretamente ligado ao predomínio da cultura voltada para a cura e,
também, não menos importante, à ausência de uma equipa multiprofissional
de cuidados paliativos num hospital de
agudos, impossibilitando assim a transição
de cuidados de caráter agudo para uma
visão paliativa.33
Conclusões
Uma importante limitação do estudo é o
fato de se tratar de um estudo retrospetivo, baseado na consulta dos processos
clínicos, verificando-se, por muitas vezes,
escassez de informações, nomeadamente da descrição, de forma clara, da sintomatologia principal do doente.
Este estudo incluiu maioritariamente
doentes com necessidade de cuidados
paliativos por doenças não oncológicas.
Quase metade dos óbitos avaliados já
apresentava na admissão ou nas primeiras 24 horas após admissão necessidade
de cuidados paliativos.
A abordagem da terapêutica nos doentes estudados no Serviço de Medicina Interna apresentou características típicas
do modelo de atuação para um doente
agudo, não sendo significativamente diferente entre doentes oncológicos e não
oncológicos, o que demonstra que o tipo
de estratégia adotada depende mais dos
profissionais da instituição do que do tipo
de patologia do doente.
Verificou-se que existem basicamente
duas barreiras que impedem uma transição estruturada de uma vertente voltada
para a cura em direção a medidas de
conforto: a) o fato do prognóstico não ser
uma prática corrente entre internistas e b)
a falta de comunicação entre a própria
equipa médica sobre as necessidades
não só do doente como do doente na e
para com a sua família.34
A falta de conhecimento em prognosticar, os internamentos prolongados e o
elevado número de doentes em que é
difícil tomar decisões clínicas pode contribuir para a continuidade de terapias que
prolonguem a vida, prorrogando assim o
início do controlo sintomático e dos cuidados paliativos.14 Torna-se, assim, fundamental antecipar o mais precocemente
possível, a identificação das necessidades
de cuidados paliativos, através do conhecimento e entendimento das diferentes
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
71
trajetórias das doenças na fase terminal19,
evitando tratamentos agressivos e melhorando, assim, a prestação de cuidados.8
O princípio ético da não-maleficência
“primum non nocere” (“em primeiro lugar, não fazer mal”)35 já por Hipócrates
(cerca de 430 aC) era assumido na sua
obra “Epidemia”: “Pratique duas coisas ao
lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente”.36 É nesta base que
o encarar o prognóstico se torna fundamental para que os médicos, em particular médicos internistas evitem a prática da
futilidade diagnóstica e terapêutica, assumindo princípios de justiça, beneficência
e contenção de custos que também irão
contribuir para diminuir o sofrimento de
doentes e famílias.
Deste estudo emerge a constatação
da falta de reconhecimento ou da sua
assunção do prognóstico de um doente,
principalmente no não oncológico, com
a consequente não atribuição dos critérios de cuidados paliativos, por parte dos
médicos. Nas situações em que existiu o
reconhecimento da necessidade de medidas de conforto, as atitudes médicas
não foram as adequadas à situação; prevaleceu a futilidade diagnóstica e/ou terapêutica, trazendo sofrimento aos doentes e suas famílias, e elevados custos de
saúde. Resultados semelhantes também
foram encontrados em outros estudos.4;
13;14; 15
Somente em raros casos, por incerteza do prognóstico dos doentes em fase
terminal, se verificou uma prática mista
de uso de estratégias envolvendo o prolongamento da vida e medidas paliativas,
como se observou em outros estudos.4; 8
Ao mesmo tempo, a comunicação com
a família ou cuidadores não foi uma preocupação marcada, estando presente em
60% dos casos daqueles doentes em que,
de alguma forma, foi estabelecido o prognóstico. É importante compartilhar com a
família a preocupação acerca da sobrevida do doente, pois desta forma garan-
72
timos um menor impacto no processo da
morte e a prevenção de lutos patológicos.
A concomitância da abordagem paliativa com o tratamento curativo é perfeitamente viável. À medida que a doença
progride e o tratamento curativo perde o
poder de oferecer controlo razoável, os
cuidados paliativos crescem em significado, surgindo como necessidade absoluta.37
Melhorar a acuidade de um prognóstico não é suficiente. A capacidade de
distinguir a hora da morte requer uma mudança de foco da doença para o indivíduo em si; quando a avaliação clínica é
realizada com base na doença, esta torna-se intrinsecamente relacionada com
o conceito de sucesso e falha, ao passo
que quando centrada no doente, o objetivo se volta mais para a sua qualidade de
vida.19 A formação específica no controlo
de sintomas e continuidade de cuidados
são fundamentais para a prática de uma
medicina centrada no doente.38; 39; 40
Os autores sugerem como propostas
para uma mudança de atitudes, a aplicação de um método padronizado de
preenchimento do processo clínico de
cada doente admitido no internamento, inserindo, de forma bem visível, as indicações/sugestões DNR, prognóstico
reservado, apenas medidas de conforto
ou outros, contribuindo assim para uma
identificação daqueles doentes com
prognóstico desfavorável na admissão.
Posteriormente, uma vez identificado o
doente com critérios de cuidados paliativos, torna-se importante acompanhar ao
longo do internamento a trajetória deste
doente com o maior número de informações possíveis acerca da sintomatologia
e solicitar a observação por uma equipa
intra-hospitalar de cuidados paliativos.
Essa equipa ajudará no seguimento, explicando como lidar com este tipo de doentes e com as famílias, contribuindo assim
para uma mudança de atitudes através
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
de uma redefinição dos objetivos terapêuticos: a simplificação terapêutica, a
adequação da via de administração dos
fármacos e a atitude preventiva de forma
a antecipar possíveis complicações que
possam vir a ocorrer. Também esta equipa
poderá através de ações de formação intra-hospitalar, divulgar informações sobre
o que são cuidados paliativos, como identificar e tratar. O principal objetivo visará,
então, focar a atenção no doente e não
na doença evitando o encarniçamento
e obstinação terapêuticos e preparando
devidamente a família para o momento
da morte. l
Bibliografia
1. Kellett J. Prognostication - The lost skill of medicine. European Journal of
Internal Medicine. 2008;19(3):155-64.
2. Miller FG, Fins JJ. A proposal to restructure hospital care for dying patients.
New England Journal of Medicine. 1996; 334(26):1740-2.
3. Morrison RS, Siu AL, Leipzig RM, Cassel CK, Meier DE. The hard task of
improving the quality of care at the end-of-life. Archives of Internal Medicine.
2000;160(6):743-7.
4. Fins JJ, Miller FG, Acres CA, Bacchetta MD, Huzzard LL, Rapkin BD. End-of-life
decision making in the hospital: current practice and future prospects. Journal
of Pain and Symptom Management. 1999;17(1):6-15.
5. Gott CM, Ahmedzai SH, Wood C. How many inpatients at an acute hospital
have palliative care needs? Comparing the perspectives of medical and nursing
staff. Palliative Medicine. 2001;15(6):451-60.
6. Kapo J, Morrison LJ, Liao, S. Palliative care for the older adult. Journal of
Palliative Medicine. 2007;10(1):185-209.
7. Fox E, Landrum-McNiff K, Zhong Z, Dawson NV, Wu AW, Lynn J. Evaluation of
prognostic criteria for determining hospice eligibility in patients with advanced
lung, heart or liver disease. The Journal of the American Medical Association.
1999;282(17):1638-45.
8. Desmedt MS, de la Kethulle YL, Deveugele MI, Keirse EA, Paulus DJ, Menten
JJ, Simoens SR, Vanden Berghe PJ, Beguin CM. Palliative inpatients in general
hospitals: a one day observational study in Belgium. BioMed Central palliative
care. 2011;10:1-8.
9. Morize V, Nguyen DT, Lorente C, Desfosses G. Descriptive epidemiological
survey on a given day in all palliative care patients hospitalized in a French
university hospital. Palliative Medicine. 1999;13(2):105-17.
10. Edmonds P, Karlsen S, Addington-Hall J. Palliative care needs of hospital
inpatients. Palliative Medicine. 2000;14(3):227-8.
11. Billings J, Gardner M, Putmam AT. A one-day hospital wide survey of dying
inpatients. Journal of Palliative Medicine. 2002;5(3):363-74.
12. Lynn J, Teno JM, Phillips RS, Wu AW, Desbiens N, Harrold J, Claessens MT,
Wenger N, Kreling B, Connors AF Jr. Perceptions by family members of the dying
experience of older and seriously ill patients. SUPPORT Investigators. Study to
understand prognoses and preferences for outcomes and risks of treatments.
Annals of Internal Medicine. 1997;126(2):97-106.
13. [No authors listed]. A controlled trial to improve care for seriously ill
hospitalized patients. The study to understand prognoses and preferences for
outcomes and risks of treatments (SUPPORT). The Journal of the American
Medical Association. 1995;274(20):1591-8.
14. Toscani F, Di Giulio P, Brunelli C, Miccinesi G, Laquintana D; End-of-Life
Observatory Group. How people die in hospital general wards: a descriptive
study. Journal of Palliative Medicine. 2005; 30(1):33-40.
15. Becker G, Sarhatlic R, Olschewski M, Xander C, Momm F, Blum HE. End-of-life care in hospital: current parctice and potentials for improvement. Journal
of Pain and Symptom Management. 2007;33(6):711-9.
16. Knaus WA, Rauss A, Alperovitch A, Le Gall JR, Loirat P, Patois E, Marcus SE.
Do objective estimates of chances for survival influence decisions to withhold
or withdraw treatment? Medical Decision Making. 1990;10(3):163-71.
17. Pompei P, Charlson ME, Douglas RG Jr. Clinical assessments as predictors of
one year survival after hospitalisation: implications for prognosis stratification.
The Journal of Clinical Epidemiology. 1988;41(3):275-84.
18. Glare P, Christakis N. Predicting survival in patients with advanced disease. In:
Doyle D, Hanks G, Cherny N, Calman, K, editors. Oxford textbook of Palliative
Medicine. Oxford: Oxford University Press; 2005. pp. 29-42.
19. Murtagh FE, Preston M, Higginson, I. Patterns of dying: palliative care for
non-malignant disease. Clinical Medicine. 2004;4(1):39-44.
20. Christakis N. Death foretold: prophecy and prognosis in medical care.
Chicago: University of Chicago Press; 1999.
21. Christakis NA, Lamont EB. Extent and determinants of error in doctor´s
prognoses in terminally ill patients: prospective cohort study. British Medical
Journal. 2000;320(7233):469-73.
22. Glare PA, Sinclair CT. Palliative medicine review: prognostication. Journal
of Palliative Medicine. 2008;11(1):84-94.
23. Steinhauser KE, Christakis NA, Clipp EC, McNeilly M, McIntyre L, Tulsky JA.
Factors considered important at the end of life by patients, family, physicians
and other care providers. The Journal of the American Medical Association.
2000;284(19):2476-82.
24. The Gold Standards Framework. The GSF Prognostic Indicator Guidance
[internet]. 2011. Available from:http.//www.goldstandardsframework.nhs.uk.
25. Stuart B. The National Hospice Organization medical guidelines for noncancer disease and local medical review policy: hospice access for patients with
diseases other than cancer. The Hospice Journal. 1999;14(3/4):139-54.
26. Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel Index,. Maryland
State Medical Journal. 1965;14:61-5.
27. American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines
for the management of adults with hospital-acquired ventilator-associated and
healthcare-associated pneumonia. American Journal of Respiratory and Critical
Care Medicine. 2005;171(4):388-416.
28. Carneiro R, Barbedo I, Costa I, Reis E, Rocha N, Gonçalves E. Estudo
comparativo dos cuidados prestados a doentes no últimos dias de vida - num
Serviço de Medicina Interna e numa Unidade de Cuidados Paliativos. Acta Médica
Portuguesa. 2011;24(4):545-54.
29. Porta J, Palomar C, Nabal M, Naudí C. Ultima semana de vida en un hospital
general. Medicina Paliativa. 1995;2(2):34-43.
30. Pantilat SZ, Isaac M. End-of-life care for the hospitalized patient. Medical
Clinics of North America. 2008; 92(2):349-70.
31. Lanken PN, Terry PB, Delisser HM, Fahy BF, Hansen-Flaschen J, Heffner JE,
Levy M, Mularski RA, Osborne ML, Prendergast TJ, Rocker G, Sibbald WJ,Wilfond
B, Yankaskas JR; ATS End-of-Life Care Task Force. An Official American Thoracic
Society Clinical Policy Statement: Palliative Care for Patients with Respiratory
Diseases and Critical Illnesses. American Journal of Respiratory and Critical Care
Medicine. 2008;177(8):912-27.
32. Singer PA, Martin DK, Kelner M. Quality end-of-life care: patients´perspectives.
The Journal of the American Medical Association. 1999;281(2):163-8.
33. Glare PA, Auret KA, Aggarwal G, Clark KJ, Pickstock SE, Lickiss JN. The
interface between palliative medicine and specialists in acute care hospitals:
boundaries, bridges and challenges. Medical Journal of Australia. 2003;179(6
Suppl):S29-S31.
34. Gott M, Ingleton C, Bennett MI, Gardiner C. Transitions to palliative care
in acute hospitals in England: qualitative study. British Medical Journal.
2011;342:d1773.
35. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. Nova York:
Oxford University Press; 1994. pp. 189.
36. Hippocrates. Hippocratic writings. Londres: Penguim; 1983. p. 94.
37. Davies, E e Higginson, I. Palliative care: the solid facts [Internet]. 2004. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/98418/E82931.pdf.
38. Ribeiro M, Amaral C. Medicina centrada no paciente e ensino médico: a
importância do cuidado com a pessoa e o poder médico. Revista Brasileira de
Educação Médica. 2008;32(1):90-7.
39. Stewart M, Brown JB, Donner A, McWhinney IR, Oates J, Weston WW, Jordan J. The impact of pacient-centered care on outcomes. The Journal of Family
Practice. 2000;49(9);796-804.
40. Carneiro R, Freire E, Alves J, Rocha N. Gestos e atitudes em Medicina Centrada no doente num serviço de Medicina Interna. Acta Médica Portuguesa.
2010;23(6):1035-42.
cuidados paliativos, vol. 1, nº 2 - outubro 2014
73
Download

CUIDADOS PALIATIVOS